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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL HELENA CARINA MALAGUEZ GOMES REFLEXÕES SOBRE UMA PRÁTICA DE ENSINO: UMA ENGENHARIA DIDÁTICA Porto Alegre 2008

TCC Helena Carina Malaguez Gomes 144112 - mat.ufrgs.brmat.ufrgs.br/~vclotilde/orientacoes/tcc.pdf/Microsoft Word - TCC... · universidade federal do rio grande do sul helena carina

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

HELENA CARINA MALAGUEZ GOMES

REFLEXÕES SOBRE UMA PRÁTICA DE ENSINO:

UMA ENGENHARIA DIDÁTICA

Porto Alegre

2008

HELENA CARINA MALAGUEZ GOMES

REFLEXÕES SOBRE UMA PRÁTICA DE ENSINO:

UMA ENGENHARIA DIDÁTICA

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Matemática, como requisito parcial à aprovação da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Orientadora: Profª Drª Vera Clotilde Vanzetto Garcia

Porto Alegre

2008

(Ficha catalográfica)

Gomes, Helena Carina Malaguez. Reflexões sobre uma prática de ensino: Uma engenharia didática.

Trabalho de conclusão do curso de licenciatura em matemática. Porto Alegre: s. n., 2008.

HELENA CARINA MALAGUEZ GOMES

REFLEXÕES SOBRE UMA PRÁTICA DE ENSINO:

UMA ENGENHARIA DIDÁTICA

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em Matemática, como requisito parcial a aprovação da disciplina trabalho de conclusão de curso de Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Aprovado em:

Banca Examinadora:

RIPOLL

_________________________________________________________ Prof. Dra. Vera Clotilde Garcia Carneiro – Orientadora – Professora do

Instituto de Matemática da UFRGS

________________________________________________________ Prof. Dra. Elisabete Zardo Búrigo – UFRGS - Professora do Instituto de

Matemática da UFRGS

________________________________________________________ Prof. Dra. Cydara Cavedon Ripolln – UFRGS - Professora do Instituto

de Matemática da UFRGS

DEDICATÓRIA

Para Ricardo por todo apoio e paciência sem os quais

nada seria possível.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à Profª Drª Vera Clotilde Vanzetto Garcia,

orientadora dessa obra, por toda a dedicação e apoio ao

demonstrado ao longo do curso;

Agradeço, também, aos professores participantes da

banca examinadora que valorizaram esse trabalho com

suas presenças;

Agradeço aos colegas Anderson e Rosângela pelo apoio

e amizade demonstrados diariamente ao longo de toda

essa jornada.

RESUMO

Este trabalho apresenta reflexões sobre uma etapa de uma Engenharia Didática – concepção, implementação e análise de uma proposta didática – para ensino de números reais, desenvolvida na disciplina Pesquisa em Educação Matemática, em 2007/2. O objetivo é, a partir dessa prática, refletir sobre ‘o que é um professor pesquisador/reflexivo’, ‘sobre que o professor reflete na prática’ e ‘no que a reflexão contribui para a formação do professor’.

Neste texto, descreveu-se a pesquisa desenvolvida na disciplina, a escola alvo da pesquisa, o programa, o ensino dos números e das funções, o conhecimento prévio dos alunos sobre os números; buscando justificar a intervenção na escola, visando o ensino dos números. Apresentou-se o plano de ensino, os objetivos, as decisões, a seqüência didática e a prática. Em seguida, foram analisados os dados coletados junto aos alunos antes e durante o processo, refletiu-se sobre a prática e a validade da experiência e, para concluir, foram respondidas as três perguntas norteadoras dessa monografia.

Palavras-chave: ensino dos números reais - engenharia didática – pesquisa - professor

pesquisador/reflexivo.

ABSTRACT

This paper presents considerations about step of a Didactical Engineering – conception, implementation and analysis of a didactical proposal – to teach real numbers, developed in Pesquisa em Educação Matemática course in the second semester of 2007. The purpose is, from this experience, consider about ‘what is a researcher/’, ‘about what a teacher consider to in daily practice’ and ‘ what considerations contribute to teacher’s improvement’.

In this paper was described a research developed in this course, the school target, the program, the teaching of numbers and its functions, the student’s previous knowledge about numbers; looking for justify this school mediation through the teaching of numbers. It was presented the teaching plan, targets, decisions, didactical steps e practice. These data before after the process, considering about the practice of this experiment. answers to three guiding questions to accomplish this task.

Keywords: real numbers teaching – didactical engineering – research – researcher/considerative

teacher

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

1 ENGENHARIA DIDÁTICA ............................................................................................. 11 2 O QUE É UM PROFESSOR REFLEXIVO? .................................................................. 13 3 SOBRE O QUE O PROFESSOR REFLETE? ................................................................ 15

3.1 OS ALUNOS E SEU CONHECIMENTO PRÉVIO, A SALA DE AULA E O PROGRAMA QUE ESTÁ SENDO DESENVOLVIDO ..................................................... 15 3.2 O CONTEÚDO, AS RAZÕES PARA ENSINÁ-LO E APRENDÊ-LO E SOBRE A MELHOR ABORDAGEM (CONSIDERANDO O ALUNO E A SALA DE AULA): ESCOLHAS GLOBAIS ......................................................................................................... 17 3.3 COMO SE APRENDE? QUAIS AS MELHORES ESCOLHAS DIDÁTICAS? ....... 18 3.4 OBJETIVOS E HIPÓTESES .......................................................................................... 21 3.5 RECURSOS DIDÁTICOS E MATERIAL COLETADO DOS ALUNOS ................. 22 3.6 DESCRIÇÃO DA PRÁTICA: ESCOLHAS LOCAIS .................................................. 23 3.7 REFLEXÃO SOBRE O MATERIAL COLETADO PARA ENTENDER A PRÁTICA: ANÁLISE A POSTERIORI .............................................................................. 28 3.8 REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA E SOBRE A VALIDADE DA EXPERIÊNCIA............................... ....................................................................................... 42 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 46 APÊNDICES: .......................................................................................................................... 49 REFERÊNCIAS: .................................................................................................................... 58

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INTRODUÇÃO

A disciplina Pesquisa em Educação Matemática tem como objetivo o estudo da

produção recente da pesquisa em Educação Matemática, a análise de projetos, dissertações,

teses, livros e artigos publicados em revistas da área e a participação ativa em projeto de

pesquisa. Minha tarefa em 2007/2 foi estudar e fazer um ensaio de uma Engenharia Didática

reduzida, com pouco tempo para isso. Agora, neste trabalho, aperfeiçoei e fui muito além.

Este texto não é uma mera repetição do trabalho de aula, pois parte de outras questões. As

questões norteadoras desta monografia são: O que é um professor pesquisador/reflexivo?

Sobre que o professor reflete na prática? No que a reflexão contribui para a formação do

professor?

Os conceitos fundamentais são: professor pesquisador e professor reflexivo.

Os objetivos consistem em identificar e descrever categorias de reflexão para o

professor antes da ação, na ação e pós-ação. Nesta direção, é utilizada parcialmente a

metodologia da Engenharia Didática para descrever as etapas de construção, implementação e

validação da experiência desenvolvida no ensino de Números Reais, na escola de nível médio.

11

1 ENGENHARIA DIDÁTICA

Engenharia Didática é um referencial de pesquisa que visa unir a pesquisa à prática,

tendo como foco o ensino de Matemática. Essa metodologia abrange quatro etapas: Análises

Prévias, Concepção e Análise a Priori, Experimentação e Análise a Posteriori e Validação da

Experiência.

A primeira etapa da Engenharia Didática constitui-se das Análises Prévias. Nesta fase,

são coletados dados a fim de que se possa refletir sobre eles e com isso estruturar uma

maneira positiva de interferência no ensino. Estão incluídas três dimensões: 1) Dimensão

Epistemológica, associada ao conteúdo em questão; 2) Dimensão Didática, associada à

maneira como o ensino desse conteúdo vem sendo desenvolvido atualmente; 3) Dimensão

Cognitiva, associadas às características dos alunos que participam da pesquisa.

Este texto faz um recorte na metodologia e aborda as últimas etapas: Concepção e

Análise a Priori, Experimentação e Análise a Posteriori e Validação da Experiência.

A fase da Análise a Priori, segundo Artigue (1996), comporta uma parte descritiva e

uma parte preditiva. É preciso descrever as escolhas efetuadas no âmbito global, mais amplo e

mais geral, e no âmbito local, descrevendo cada atividade proposta.

As escolhas globais são aquelas que se referem à organização global da Engenharia. A

partir dessas escolhas globais, parte-se para um Plano de Ações onde intervêm as escolhas

locais.

As escolhas locais estão articuladas com previsões a respeito do comportamento dos

alunos. Ao mesmo tempo em que se explica como se vai tentar desenvolver um controle das

relações entre os sentidos dos comportamentos dos alunos e as situações didáticas propostas,

formulam-se hipóteses que serão comparadas com os resultados finais, contribuindo para

12

validação da Engenharia. Antes do Plano de Ações, as hipóteses estão implícitas, tornando-se

explícitas e verbalizadas após o delineamento do Plano de Ação, quando se tem idéia do todo.

Para efeitos de validação, as hipóteses não podem ser muito amplas, a ponto de pôr

em jogo processos de aprendizagem, em longo prazo. Voltamos a elas, durante a

experimentação, checando-as, inquirindo-as. Será que o Plano funciona? Será que nossas

hipóteses são válidas?

Junto à experimentação, é iniciada a Análise a Posteriori e a Validação das hipóteses. O

professor em ação não espera para analisar o trabalho após concluí-lo.

Durante a experimentação, coletamos e organizamos um corpus de pesquisa variado,

composto por produção dos alunos, registro de perguntas, dúvidas e erros constatados durante

o acompanhamento de suas ações. A análise desse material é essencial para a etapa da

Validação.

Na Engenharia Didática, a validação é essencialmente interna, fundada no confronto

entre a análise a priori e a análise a posteriori (Artigue, 1996, p. 197). O confronto destas

duas análises, a Priori e a Posteriori, consiste em investigar aquilo que foi considerado nas

hipóteses e que, na prática, ocorreu ou sofreu distorções.

Nesta monografia, a caminhada proposta pela Engenharia Didática contribui para a

formação do professor e para a produção de conhecimento, em razão da reflexão e do

enfrentamento das dificuldades e dos impasses.

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2 O QUE É UM PROFESSOR REFLEXIVO?

A disciplina Pesquisa em Educação Matemática visa à formação do professor

pesquisador, aquele professor que parte de questões relativas à sua prática com o objetivo de

aprimorá-la.

Segundo Miranda (2006), o professor reflexivo é um investigador na sala de aula, ele

examina sua prática, encontra problemas, pensa em possíveis soluções, observa o contexto

institucional e cultural, sugere mudanças curriculares e assume a responsabilidade pelo seu

desenvolvimento educacional. Pode-se dizer que “o professor pesquisador centra-se na

consideração da prática, que passa a ser meio, fundamento e destinação dos saberes que

suscita, desde que esses possam ser orientados e apropriados pela ação reflexiva do

professor.” (Miranda 2006, p. 135). A mesma autora define professor reflexivo: “aquele que

reconstrói reflexivamente seus saberes e sua prática.” (Miranda 2006, p. 132). Nesta

perspectiva, “a reflexão é um processo que ocorre antes, depois e durante a ação do

professor, constituindo um processo de reflexão na ação e sobre a ação” (Miranda 2006, p.

134). Tal atitude, a reflexão, apareceria como indispensável, pois a prática pedagógica não é

(ou pelo menos não deveria ser) uma mera atividade técnica como muitas vezes é entendida,

mas sim uma atividade criativa.

Outros autores também focalizam esse assunto. Lima (s/p) valoriza a reflexão sobre a

prática, pois é daí que o professor poderá avaliar-se e terá a condição de modificar suas ações.

Historicamente, professor pesquisador e professor reflexivo têm a mesma origem.

Nóvoa (2001) confirma que essas figuras no fundo correspondem a conceitos diferentes para

dizer a mesma coisa. “A realidade é que o professor pesquisador é aquele que pesquisa ou

que reflete sobre sua prática [...] é um professor indagador, é um professor que assume a sua

14

própria realidade escolar como um objeto de pesquisa, como objeto de reflexão, como objeto

de análise. (Nóvoa, 2001, s/p)

Existe uma tendência, no Brasil de hoje, no sentido de vincular formação de

professores com pesquisa na sala de aula. Segundo Pavanello (2003), enfatizar a formação de

um educador reflexivo possibilita que o professor pense o processo de ensino e aprendizado

através de sua experiência, possibilitando a ruptura de idéias pré-concebidas nesse processo.

Para isso, o professor deve usar todas as ferramentas que ampliam o seu campo de atuação,

buscando informações e instrumentos complementares que dêem sentido e utilidade ao que se

ensina; “... a qualidade do ensino depende de um sistema de conhecimentos muito mais

amplo” (Pavanello, 2003, p.9)

Ao refletir sobre a prática, o professor possibilita ao aluno o aprendizado da

matemática nas relações do dia a dia através de comparações, representações, estimações,

simulações e soluções de problemas. Dessa forma, a pesquisa fornece subsídio para que o

professor pense não somente naquilo que se ensina, mas também no processo de

aprendizagem, ou seja, em como se ensina.

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3 SOBRE O QUE O PROFESSOR REFLETE?

Seguindo estas diretrizes, desenvolvemos esse texto, tendo como foco reflexões sobre

a prática desenvolvida, cujo tema é o ensino dos números reais no ensino médio.

A Engenharia Didática traz em si um caminho racional para as reflexões do professor.

Cada etapa, a Priori, Experimentação, Análise a Posteriori e Validação da Experiência, indica

o tema a ser analisado.

Na etapa da Concepção e Análise a Priori, o professor reflete sobre os alunos e seu

conhecimento prévio, sobre a sala de aula e o programa que está sendo desenvolvido; sobre o

conteúdo e as razões para ensiná-lo e aprendê-lo e sobre a melhor abordagem (considerando o

aluno e a sala de aula); sobre como se aprende para fazer as melhores escolhas didáticas,

descrevendo objetivos e hipóteses prévias; sobre recursos didáticos e sobre materiais a serem

entregues e coletados dos alunos. Na etapa da Experimentação o professor reflete sobre as

reações do aluno, sua produção, seus erros e acertos, dúvidas e progressos. Esta reflexão

prossegue na fase da Análise a Posteriori e Validação quando são questionadas a prática e a

validade da experiência.

3.1 OS ALUNOS E SEU CONHECIMENTO PRÉVIO, A SALA DE AULA E O

PROGRAMA QUE ESTÁ SENDO DESENVOLVIDO

A escola que colaborou com o desenvolvimento desse trabalho foi a Escola Estadual

de Ensino Médio Rafaela Remião, situada na Rua Estrada João de Oliveira Remião, 2689 –

Parada 06, no bairro Lomba do Pinheiro – Porto Alegre – RS – CEP 91550-000.

Essa escola é considerada centro educacional da Lomba do Pinheiro por receber

muitos alunos da região, contando com quatorze turmas de Ensino Médio, nove turmas de

Ensino Fundamental e treze turmas de Ensino Fundamental (séries iniciais). Como consta no

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projeto pedagógico, apresenta dentre suas necessidades/dificuldades a “atualização da

formação dos professores”. Tem como filosofia pensar na dignidade do homem -

independente de classe social, nível econômico, cultural, religioso, raça ou profissão. Coloca-

se como um espaço de construção que possibilita a participação, o desenvolvimento da

consciência crítica, o bom uso da liberdade, o senso de justiça, a vivência tecnológica num

sentido humano. É uma escola que acredita que pode garantir a todos o acesso ao

conhecimento, ao ensino de qualidade em um processo de permanente construção e

reconstrução do saber, com vistas ao desenvolvimento humano pleno.

A escola Rafaela Remião foi escolhida pela conveniência e facilidade de acesso e,

acima de tudo, por haver nela professores que acreditam que é preciso renovar a prática de

ensino através da pesquisa.

A experiência envolveu alunos da 1ª série do ensino médio, no mês de maio de 2007.

Para verificarmos o conhecimento prévio do aluno a respeito dos números, realizamos

um pré-teste (em Apêndice 1 ao 4). Constatamos que os alunos reconhecem as frações do tipo

, com b 0, apesar de não saberem dízima periódica e nem fazer a passagem de dízima para

fração e fração para dízima, não conhecem os conjuntos numéricos e ignoram as

nomenclaturas.

Segundo a professora da turma, no início do ano letivo, foi feita uma revisão dos

Conjuntos Numéricos, começando com Naturais, passando por Inteiros e Racionais,

ampliando com os Irracionais (os números irracionais são vistos de maneira superficial). Todo

esse conteúdo foi visto a título de revisão sem haver aprofundamento. Como é usual, o

conjunto dos números reais foi definido como sendo a união dos Irracionais com os

Racionais. A reta real foi apresentada, sem detalhes, para iniciar o estudo de Funções. A

professora não utiliza uma bibliografia específica.

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3.2 O CONTEÚDO, AS RAZÕES PARA ENSINÁ-LO E APRENDÊ-LO E SOBRE A

MELHOR ABORDAGEM (CONSIDERANDO O ALUNO E A SALA DE AULA):

ESCOLHAS GLOBAIS

A análise do pré-teste (em anexo) esclareceu o nível do conhecimento dos alunos. Não

podemos partir do pressuposto que os alunos conhecem os Racionais e, então, definir os

Irracionais (como sugerem os livros didáticos), pois sabemos que este pré-requisito não

existe. Na verdade, segundo o pré-teste, os alunos só reconhecem os números inteiros e as

frações simples e não utilizam a nomenclatura para os demais conjuntos numéricos: Racional,

Irracional e Real. Após essa descrição do cenário, partimos para as escolhas globais e locais.

As escolhas em âmbito global consistem em elaborar uma intervenção didática para

ampliar as noções numéricas, destacar os números reais, relacionar número real com número

decimal e com pontos da reta, identificar diferenças entre os números presentes na reta e

associar estas diferenças a diferentes conjuntos numéricos. Em resumo: trabalhar com os

conjuntos numéricos, partindo de um objeto conhecido - a reta e os gráficos.

A relevância de partir dos reais, para trabalhar com os números racionais e irracionais

como um todo, deve-se ao fato de que, no ensino médio, é importante que o aluno desenvolva

a visão geométrica destes conjuntos, relacionando-os na reta real. Para se entender um gráfico

é necessário perceber que tipo de números estão envolvidos ali. Um gráfico nada mais é do

que um “retrato” de uma relação entre números.

A linha da escola, formalmente, segue a seguinte ordenação dos conteúdos: Racional -

Irracional - Real - Função. Mas, neste caso, a partir do pré-teste e observando o modo como

os alunos traçam gráficos, ficou claro que os alunos estão estudando Funções e traçando

gráficos, utilizando apenas os inteiros sem perceber que existem, nos eixos ordenados, outros

números.

18 Dessa constatação surgiu a decisão sobre a melhor abordagem: desenvolver noções de

números reais a partir do que os alunos estão fazendo neste momento, ou seja, do traçado de

gráficos para Funções Reais de Variável Real. A idéia, para introdução do trabalho, é

identificar a reta com o conjunto de todos os números decimais, de tal modo que cada ponto

está associado a um número decimal e qualquer número decimal tem um lugar na reta, sendo

associado a um ponto. Neste conjunto, reconhecem-se números diferentes dos inteiros,

ordenando-os e localizando-os na reta real.

Buscamos (re)construir os números racionais e os números irracionais sem dar

importância à nomenclatura, apenas fixando-os como números reais. Ao final, introduzimos a

nomenclatura apenas como uma mera informação.

3.3 COMO SE APRENDE? QUAIS AS MELHORES ESCOLHAS DIDÁTICAS?

Estudamos a teoria do Construtivismo Social ou Sócio-Construtivismo em Garcia

(2008) e em Ernest (1999). É um modelo teórico da Psicologia da Educação Matemática que

procura privilegiar os aspectos sociais da aprendizagem da Matemática.

Segundo Ernest (1999), os aspectos sociais, não são triviais, pois o domínio social

inclui fatores lingüísticos e culturais, relações interpessoais, interações entre pares, ensino, e o

papel do professor. Além disso, reconciliar o conhecimento matemático individual,

habilidades, aprendizado e desenvolvimento conceitual do indivíduo com a natureza social da

matemática escolar e seus contextos, influências e ensino ainda são vistos, pela Psicologia da

Educação Matemática, como problemas a serem enfrentados. Para o autor, uma maneira de

tratar dessas questões é reconhecer que tanto os processos sociais quanto as percepções

individuais são partes essenciais no desempenho do aprendizado da Matemática.

19 Do ponto de vista do Construtivismo Social, o contexto social, relaciona significado,

conhecimento e Matemática com formas de conversação e formas devida. As bases da

conversação estão nas experiências compartilhadas, hábitos, compreensões, crenças e

participação em atividades comunitárias.

O Construtivismo Social também envolve uma concepção de Matemática como um

produto da atividade humana, permitindo a existência de interpretações diferentes para um

mesmo conceito. Esta visão da Matemática (Ernest 1989) estimula, por sua vez, uma

pedagogia mais voltada à resolução de problemas e modelagem, que valorizam mais o papel

do aluno, pois admite que a atividade humana ocupa um lugar central na construção do

conhecimento.

Enfatiza mente, interação, conversação, atividade e contexto social, que formam um

todo inter-relacionado. Visualiza o sujeito individual e o meio social como indissoluvelmente

interconectados, em que o sujeito humano se forma através das interações com o outro (assim

como por seus processos individuais) em contextos sociais. Ou seja, o conhecimento está

intimamente ligado à experiência (individual e/ou compartilhada), tendo no domínio social a

base do desenvolvimento do indivíduo.

Com esta fundamentação podemos identificar múltiplas variáveis que influenciam os

processos de ensino e de aprendizagem. As ações das pessoas, os significados e propósitos

mobilizados em suas atividades, suas visões subjetivas e pessoais, suas posições no contexto,

suas concepções derivadas de experiências passadas, seus afetos e desejos, tudo participa no

processo de aprendizagem. Além disso, o próprio pensamento é produzido pela motivação,

isto é, pelas necessidades, interesses e emoções.

Tomamos, a partir dos estudos desta teoria, na disciplina Pesquisa em Educação

Matemática, duas decisões básicas a respeito de experiências didáticas:

20 1) Se a aprendizagem se dá pela interação e pela fala, é preciso adotar uma

metodologia baseada em resolução de problemas ou de modelagem, que permitem

a criação de um ambiente aberto, de troca de informações;

2) Se a matemática é criação humana que admite diferentes interpretações para um

mesmo conceito, o professor tem mais liberdade em sala de aula, para ouvir o

aluno e desenvolver conceitos aproveitando suas contribuições, como pontos de

vista informais, incompletos, mas aceitáveis.

A reflexão sobre a teoria do construtivismo social fez-nos escolher uma metodologia

de ensino a partir de resolução de problemas e discussão dos problemas. Começamos com

uma questão provocadora que será o fio condutor da aula, onde discutimos e desenvolvemos

essa questão provocando diversos pensamentos nos alunos que são incentivados a propor

idéias e explorar a criatividade. A solução de um problema depende por vezes das

experiências e pensamentos individuais. Na maior parte dos casos os estudantes trabalham em

grupos, trocando sugestões e pensamentos, recorrendo à conversa de forma a chegarem a uma

ou mais soluções.

Com a resolução de problemas, estimulamos a conversação entre o grupo, o que vem a

colaborar muito com o aprendizado, pois quando a conversação vai sendo construída ocorre

todo um trabalho de pensamento onde as pessoas envolvidas vão além de si mesmas,

passando a experimentarem o que lhes é novo. Vão atribuindo sentido ao que está

acontecendo e fazendo questionamentos em torno disso. Dessa forma o aluno se permite uma

pausa para pensar, olhar, escutar e prestar atenção nos detalhes.

A expectativa é que, aumentando a interação, a participação e o envolvimento dos

alunos em sala de aula, desperte, também, o interesse e o prazer pelo ato de aprender.

21

3.4 OBJETIVOS E HIPÓTESES

O plano de ação foi desenvolvido com o objetivo maior de desenvolver um

conhecimento que é essencial e básico para qualquer estudo do gráfico da função real de

variável real: o conhecimento a respeito dos eixos coordenados que estão no início do traçado

do gráfico.

Os eixos são retas numeradas. Que números constituem esta reta?

Nesta linha, as atividades foram planejadas para desenvolver as noções de: número

real e das relações entre número real e sua representação decimal, e entre reta e número,

salientando diferentes tipos de número. Nesta ordem, (re)vimos as dízimas periódicas e sua

relação com números fracionários e a existência de números com notação decimal finita ou

infinita , com ou sem período.

As hipóteses foram formuladas e diziam respeito ao que era esperado obter com as

atividades:

1) as atividades seriam bem recebidas por estarem relacionadas com os assuntos

tratados naquele momento – gráficos de funções, mesma linguagem e mesmo raciocínio;

2) os alunos durante as atividades teriam oportunidade para analisar os pontos e

números da reta;

3) os alunos desenvolveriam uma concepção mais ampliada da reta real;

4) os alunos poderiam adquirir uma percepção mais realista da calculadora,

verificando que ali, muitas vezes, os números são aproximados;

5) a proposta de iniciar cada etapa com um problema desenvolveria um ambiente de

aprendizagem interativo e dinâmico com motivação para a discussão.

22

3.5 RECURSOS DIDÁTICOS E MATERIAL COLETADO DOS ALUNOS

Durante o período de quatro encontros, desenvolvidos em quatro semanas

consecutivas, coletamos informações. Estes dados são compostos por: produção dos alunos,

registro de perguntas, dúvidas e erros constatados.

A produção dos alunos foi coletada com diferentes recursos didáticos (ver anexos) e

em diferentes momentos. A coleta começou com o pré-teste que nos forneceu os primeiros

diagnósticos de como esses alunos assimilavam o conteúdo. A partir das dificuldades

detectadas, organizamos atividades (Plano de Ação) que promovessem uma melhor

compreensão dos números reais. Essas atividades foram realizadas e coletadas durante a

Experimentação para que, da análise dos dados, fosse efetivada a Validação.

Num primeiro momento, coletamos um cartão de cada aluno onde este aluno anotou

um exemplo de número na sua forma decimal. O propósito era registrar que tipo de exemplos

que apareciam e estimulá-los a buscar números na forma decimal que não eram citados como,

por exemplo, os decimais não periódicos.

Em seguida, demos início às atividades do Plano de Ação e, coletamos a produção de

cada atividade, pois com esses registros torna-se possível uma verificação de como os alunos

vão avançando, sendo possível sempre detectar alguns equívocos que ocorrem durante a

aprendizagem. Ao final das atividades do Plano de Ação, recolhemos, novamente, um cartão

de cada aluno com um exemplo dado pelo próprio aluno de um número na forma decimal.

Esse é o momento em que percebemos se o aluno obteve uma maior compreensão dos

números e da reta real.

As perguntas, dúvidas e erros foram registrados em gravações e por observação direta.

As gravações foram organizadas do seguinte modo: deixamos o gravador próximo a

um dos grupos de alunos para se ter maior clareza de como o aluno está pensando sobre o

conteúdo através de comentários feitos entre o grupo. No entanto, os alunos integrantes do

23

primeiro grupo escolhido não conversavam entre si. Percebido esse fato, decidimos colocar o

gravador próximo a outro grupo em que os alunos trocavam idéias sobre o conteúdo que

estava sendo desenvolvido. Assim, conseguimos perceber, através das conversas entre os

alunos, das respostas que eles davam às perguntas e das perguntas que eles próprios

formulavam; as dúvidas, os acertos, os erros e, até mesmo, aquele momento em que ocorre o

“estalo”, ou seja, o momento em que aluno consegue entender e explicar aos demais.

Essas gravações foram muito relevantes, pois o professor tem condições de ficar

próximo do aluno e consegue perceber detalhes do aprendizado. Em sala de aula, mesmo com

as observações diretas, verificamos que muitos desses detalhes importantes para uma boa

pesquisa não são alcançados.

3.6 DESCRIÇÃO DA PRÁTICA: ESCOLHAS LOCAIS

Para desenvolver o Plano de Ação, elaboramos escolhas locais.

Plano de Ação

Introdução

1) Iniciar a atividade com uma discussão breve sobre Funções, assunto que os alunos

estavam tratando em aula; analisar gráficos de algumas funções reais de variável real –

traçados no quadro - e, nessa análise, examinar seu domínio e sua imagem a fim de

perceber que tanto o domínio, quanto a imagem são formados por um conjunto de

números, chamados Reais, e que número real é expresso na forma decimal.

2) Solicitar aos alunos alguns exemplos de números na forma decimal com a finalidade

de perceber o que eles sabem sobre decimais.

24

Problema da Etapa 1

“É possível representar graficamente a relação área x lado do quadrado?”

A partir de quadrados de lado um, dois, três e quatro respectivamente, os alunos

devem encontrar uma expressão y = f(x), preencher a tabela no qual x equivale o lado do

quadrado (essa informação é fornecida) e y equivale à área desse quadrado (essa informação é

solicitada) e construir o gráfico dessa função.

Objetivos:

Enfatizar o gráfico construído de maneira que se perceba que ele é contínuo e,

portanto, há pontos intermediários, entre os inteiros que o completam.

Recursos:

As figuras dos quadrados foram previamente construídas de modo que o lado de cada

quadrado tivesse um, dois, três e quatro unidades de medida de lado, respectivamente. Os

eixos do gráfico, também, foram previamente construídos de modo que houvesse uma boa

distância entre os números inteiros contidos no eixo das abscissas. O gráfico foi construído

com o auxílio do papel milimetrado.

Estratégia de resolução prevista para os alunos:

Os alunos devem agir sobre o papel milimetrado, usando seus conhecimentos sobre

Funções.

Saberes e fazeres anteriores do aluno: Esperamos que os alunos encontrem a

expressão y = f(x) que permite completar a tabela dada e, em seguida, construir o gráfico

correspondente.

25 Problema da Etapa 2

“ é um número presente na reta?”

Os alunos são questionados com as perguntas: “qual é o lado do quadrado cuja área é

2?” Dessa forma, eles chegam ao e, a partir daí, devem pensar em como localizá-lo na

reta numérica.

Objetivos:

Mostrar a limitação da calculadora e que tem um número infinito de casas

decimais e não tem período.

Recursos:

Uso da calculadora e do papel milimetrado.

Estratégia de resolução prevista para os alunos:

Os alunos devem usar a idéia de intervalos encaixantes para obter uma localização

cada vez mais precisa do de maneira que eles percebam que o processo poderá ser repetido

infinitamente.

Saberes e fazeres anteriores do aluno:

Esperamos que os alunos localizem , pelo menos, entre 1 e 2, pois eles têm acesso à

expansão desse número através da calculadora.

Problema da Etapa 3

“Qual é o lado do quadrado cuja área é ? Marque os valores de lado e área, no

gráfico:”

“Qual é a área do quadrado cujo lado é 0,5? Marque os valores de lado e área, no

gráfico:”

26 Objetivos:

Reforçar a localização de decimais na reta numérica e apresentar os periódicos.

Recursos:

Uso da calculadora e papel milimetrado.

Estratégia de resolução prevista para os alunos:

Os alunos devem usar a idéia de intervalos encaixantes para obter uma localização

cada vez mais precisa dos números na forma decimal em questão.

Saberes e fazeres anteriores do aluno:

Esperamos que os alunos localizem os números na forma decimal solicitados.

Problema da Etapa 4

“Como marcar números dados na forma decimal na reta?”

Objetivos:

Reforçar a localização de decimais na reta numérica

Revisar e fixar o conteúdo desenvolvido.

Recursos:

Uso da calculadora e papel milimetrado.

Estratégia de resolução prevista para os alunos:

Os alunos devem usar a idéia de intervalos encaixantes para obter uma localização

cada vez mais precisa dos números na forma decimal solicitados.

Saberes e fazeres anteriores do aluno:

Esperamos que os alunos localizem os números decimais solicitados, usando o que

eles aprenderam ao resolver os problemas da aula anterior.

27

Problema da Etapa 5

“Como classificar um número dado em forma decimal?”

“Como relacionar fração com um número em forma decimal?”

É dada uma tabela, onde constam os números vistos durante a atividade. Pede-se para

classificar esses números considerando sua representação, em: inteiros, decimais finitos ,

decimais infinitos e periódicos e infinitos não periódicos; e para escrever, quando possível,

os números na forma de fração. Durante essa etapa, haverá uma discussão a respeito do que

está sendo trabalhado aqui.

Objetivos:

Convencer que os números racionais podem ser escritos como frações, ou seja, como

, a e b Є ℤ com b 0, com o seguinte argumento: “todo decimal periódico ou exato pode ser

escrito como fração e toda fração pode ser escrita como decimal periódico ou exato”,

exemplificando para sugerir que que esse argumento é válido.

Convencer que números dados na forma decimal infinita e sem período, como , por

exemplo, não podem ser escritos na forma de fração e, portanto, não são Racionais, sendo

chamados de Irracionais.

Recursos:

Folha de atividades.

Estratégia de resolução prevista para os alunos:

Esperamos que os alunos consigam identificar e classificar os números considerando sua

forma decimal.

Saberes e fazeres anteriores do aluno:

Aqueles das atividades anteriores.

28

Problema da Etapa 6

“Existem diferenças entre os números, considerando sua forma decimal? Quais?”

Pede-se exemplos de números dados na forma decimal finita, infinita e com período e

infinita sem período.

Objetivos:

Revisar e fixar a classificação dos números considerando sua forma decimal

Recursos:

Lápis e papel.

Estratégia de resolução prevista para os alunos:

Esperamos que os alunos dêem exemplos dos números solicitados com mais

segurança.

Saberes e fazeres anteriores do aluno:

Identificar e classificar os números, considerando sua forma decimal.

3.7 REFLEXÃO SOBRE O MATERIAL COLETADO PARA ENTENDER A

PRÁTICA: ANÁLISE A POSTERIORI

Ao fazer uma breve discussão sobre Funções e Gráficos, percebemos que, apesar dos

alunos conhecerem o assunto, eles tinham uma intuição sobre a continuidade da reta real, mas

não percebiam que existem infinitos números que preenchem os espaços entre os inteiros,

habitualmente destacados na construção dos eixos dos gráficos. Na concepção do aluno, a reta

que compõe o gráfico é um suporte para posicionar os números inteiros. Percebemos que

houve uma ampliação desta maneira de ver a reta, no registro de uma fala final: ...“uma linha

dessas tem tantos números que a gente não vê...”.

29 Os alunos não reconheciam os números reais, quando dados na forma decimal como

sendo números decimais e não localizavam decimais na reta. Era como se esses números não

tivessem relação com a reta. Estavam guardados em outro compartimento, o da matemática do

dinheiro ou das medidas, sem relação com o conteúdo estudado no momento: funções e

gráficos. Quando solicitamos exemplos de números com notação decimal, eles apresentaram

números com expansão decimal curta como, por exemplo: 3,4; 0,9; 0,5. Apareceram, também,

números na forma de fração como ; ; e alguns números inteiros.

Houve um aluno que apresentou o seguinte exemplo de número decimal: 2,3,4,5,67.

Indagamos se essa era a representação de um número ou se eram cinco números

representados, o aluno respondeu que se tratava de um número apenas, ou seja, essa era a

representação de um número que ele acreditava ser um exemplo de decimal. Neste caso,

parece que a melhor explicação consiste em esclarecer que só existe uma vírgula no número e

essa vírgula separa a parte inteira do número da parte decimal.

Quando o inteiro 2 foi citado, perguntamos se os demais alunos concordavam que esse

número era decimal e alguns responderam que não, pois não tem vírgula. Mostramos no

quadro que o número inteiro 2 é decimal, pois pode ser escrito como 2,00000... Nesse

momento, alguns alunos demonstram surpresa num prolongado: “ah!!”

A justificativa dos alunos quanto aos exemplos: 3,4; 0,9; 0,5, dentre outros

semelhantes, era porque esses números apresentavam vírgula. E quanto aos números ;

era pelo fato de poderem ser escritos como 0,6 e 0,5 respectivamente. Nesse momento,

percebemos que, mesmo intuitivamente, os alunos conseguiam fazer a passagem de fração

para decimal desde que o denominador seja dez.

Durante essa discussão, como não houve a presença de números decimais não exatos

periódicos e não periódicos, os alunos foram indagados com algumas perguntas a seguir:

- Vocês nunca viram números com pontinhos?

30 Os alunos responderam que não.

- Vocês nunca viram o número 0,3333...?

Os alunos responderam: “ah sim!”, “claro!”, “mas achava que era só 0,3333 sem

pontinhos”, “0,3333... significa que 3 é infinito!”

- Existe algum número decimal cuja parte decimal se repete?

- “sim, 0,56 e aí pontinhos”

- Mas o que significam esses pontinhos?

- “que é infinito”, “que vai continuar”

- E o que repete aqui?

- “5 e 6”

- Existe algum número decimal cuja parte decimal não se repete?

Os alunos não souberam responder.

- O número 0,53624785136584... é um decimal cuja parte decimal se repete?

Os alunos responderam que não.

Nessa discussão, que tinha como objetivo perceber o que os alunos sabiam sobre

decimais, foi constatado que, apesar de os alunos não terem, inicialmente, uma noção clara

desses números, conseguiam reconhecê-los e compreendê-los.

Quadro 1: Números decimais dados pelos alunos

31

Etapa 1

Nessa etapa, os alunos conseguiram encontrar, facilmente, a expressão y = f(x) que

lhes permitiram completar a tabela dada, isto é, para cada quadrado dado conseguiram

encontrar sua respectiva área. Notamos que as atividades foram bem recebidas por estarem

relacionadas com os assuntos tratados naquele momento. Os alunos conseguiram com muita

facilidade construir o gráfico dessa função, salvo algumas exceções. Por exemplo,

observamos um grupo que, ao construir tal gráfico, teve dúvidas quanto à escolha da unidade

de medida a ser utilizada. Como os eixos do gráfico foram previamente construídos e o eixo

das abscissas tinha unidade de medida pré-estabelecida de forma que houvesse uma boa

distância entre os inteiros ali marcados, a dúvida era saber como marcar os pontos no eixo das

ordenadas, ou melhor, que unidade de medida tomar. Alguns alunos acreditavam que os dois

eixos deveriam apresentar a mesma unidade de medida e outros não. A seguir será

apresentado o diálogo entre alunos desse grupo:

- Aluno A: “...se tem espaço grande nos x tem que ter também nos y”

-Aluno B:“não! Posso ter 1 bem longe do zero no x e ter 1 aqui pertinho do zero no y”

- Aluno A: “mas péra aí, tipo... vai ficar errado, pois vou montar o 1 com o 0,1”.

O aluno A estava pensando que se escolhesse uma unidade de medida no eixo das

ordenadas dez vezes menor que a unidade de medida escolhida no eixo das abscissas ele

marcaria o ponto (1;0,1) e não (1,1) como era pedido.

O aluno B explicou que não é preciso utilizar unidades de medidas iguais para a

construção dos eixos do plano porque nós escolhemos um lugar em cada um dos eixos para

marcar os pontos correspondentes ao lado e à área do quadrado, não importando a unidade de

medida utilizada, pois no eixo dos XX é marcado o ponto correspondente ao lado do quadrado

e no eixo dos YY é marcado o ponto correspondente à área do quadrado.

32 Após essas explicações, o aluno A nos perguntou se o aluno B estava correto e nós

afirmamos que sim. Não consideramos que este episódio, assim como outros, foi

satisfatoriamente resolvido. Muitas vezes, o professor, na ação, não tem as melhores

respostas. Ele está agindo em situações de imprevisto, muitas perguntas são inesperadas e não

fazem parte do repertório docente. A reflexão na ação faz com que o professor registre a

dúvida e procure uma boa solução. Neste caso, em análise posterior, pensamos que seria uma

boa alternativa o seguinte exemplo: Considerando a população do Brasil dada em milhões de

pessoas calculada a cada 10 anos, se os valores da população estão no eixo dos YY e os

valores do tempo estão no eixo dos XX e se o gráfico começa em 1980 e a população é de 200

milhões de pessoas, e se o próximo dado é que em 1990 a população é de 250 milhões de

pessoas, como vamos marcar esses valores? Essa pode ser uma questão que desenvolveria

uma discussão que esclareceria melhor o fato de que os valores dos eixos XX e YY podem se

referir a grandezas diferentes e não têm a mesma unidade de medida e não precisam ser

colocados, no gráfico, obedecendo o mesmo distanciamento.

Continuamos perguntando:

- Esse gráfico é contínuo?

Os alunos responderam que sim.

- O que isso significa?

- “que ele é infinito”

- Sim, mas o importante é que entre os números inteiros têm pontos intermediários.

Mesmo compreendendo que a curva é contínua, os alunos pareciam desconhecer o fato

de que no traçado da curva havia números intermediários àqueles que haviam sido

inicialmente marcados, muitos números nos intervalos entre 1 e 2, entre 2 e 3, etc.

Houve uma discussão em torno dessa questão. Indagamos aos alunos: “Qual é o lado

do quadrado cuja área é 2?

33 Os alunos responderam: “ ”.

Perguntamos: “Alguém sabe dizer que ponto é esse cujo lado do quadrado é 2 e cuja

área é ?”

Os alunos responderam: Sim, ( , 2).

Podemos marcar esse ponto no gráfico?

Os alunos afirmaram que sim. Mas não sabiam como localizar o , apenas

afirmavam que ele pertencia ao eixo das abscissas.

Dessa forma, conseguimos atingir o objetivo dessa etapa que era, justamente, levar os

alunos a perceber que existem pontos intermediários que completam a curva. Pois ao

responder a pergunta: “qual é o lado do quadrado cuja área é 2, o aluno é levado a refletir que

o ponto ( , 2) é um ponto intermediário àqueles marcados anteriormente, já que é lado

desse quadrado.

34

Quadro 2: Gráfico elaborado por um aluno

35

Etapa 2

Essa etapa pedia para os alunos localizarem na reta numérica com o auxílio da

calculadora. Com isso, conseguiriam observar a expansão decimal aproximada de .

Durante a experimentação dessa etapa, notamos que os alunos desconhecem a

expansão decimal de . Esse fato foi observado através da fala dos próprios alunos quando

lhes é indagado que número é esse. As respostas são diversas: “ é 2”, “ é 1”. No entanto,

nenhuma resposta foi satisfatória.

Quando um aluno disse que é 1, foi perguntado a ele:

- Quanto é ?

- “É 1. Ah é, não é 1... ah, não tem ”

Outro aluno disse: “ é só ”

Seguiu-se perguntando aos alunos:

- Como vamos localizar ?

Um aluno respondeu:

- “depois do 2 e antes do 3”

- Por quê?

- “começa a casa do dois”

- Como assim?

- “ dois vírgula um, dois vírgula dois, dois vírgula alguma coisa”

- E quanto vale ?

- “vale 2 e alguma coisa, será?... é igual a 2... é não tem, sei lá me confundiu

agora”

- Alguém pode ajudar a colega?

Ninguém soube dizer nada mais a respeito do .

36 - Vamos pegar a calculadora para nos ajudar a descobrir quanto vale .

Mesmo usando a calculadora, os alunos não tinham a menor idéia de onde marcar ,

não conseguiram dar-se conta de que estava entre 1 e 2, já que sua expansão decimal é

aproximadamente 1,414213; com exceção daquele aluno que desconfiava que estava entre

2 e 3. Agora ele havia descoberto que na verdade era ‘um vírgula alguma coisa’ e não

dois, como ele acreditava. Ao verificar esse número na calculadora ele disse: “Ah, fica entre 1

e 2, é isso?”

O problema passou a ser como encontrar uma localização mais precisa para , já que

todos concordavam que tinha lugar na reta. Este acordo, resultou da construção do gráfico:

deve ter algum valor de x (lado do quadrado) que corresponde ao valor 2, localizado no eixo

dos YY ( deve ter algum quadrado cuja área é 2). O valor do lado deste quadrado

necessariamente pertence à reta.

Usando a idéia de intervalos encaixantes, os alunos começaram a perceber que se

consegue encontrar uma localização para com maior precisão, pelo menos até chegar à

sexta casa decimal, pois para os alunos esta igualdade - = 1,414213 - é exata, uma vez que

é esse o valor que aparece na calculadora.

O novo desafio foi mostrar que a calculadora apresentava apenas uma aproximação de

, já que os alunos demonstraram acreditar que é igual a 1,414213. Para isso, foi

apresentada uma aproximação de com três mil casas decimais, encontrada na internet. Os

alunos ficaram fascinados com essa descoberta: “uau, que legal”, “nunca imaginava isso”,

“que interessante”, “que loucura”.

Nessa discussão, que tinha como objetivo desenvolver uma idéia intuitiva a respeito da

forma decimal da raiz de 2 (infinita e não periódica), é preciso destacar, novamente, as

decisões tomadas, a partir da Teoria do Construtivismo Social. Um mesmo conceito

matemático admite diferentes abordagens e interpretações.

37 Sabemos que, na matemática formal, apresentar as três mil casas decimais de não

comprova sua irracionalidade. Não há garantia de que período não tenha, por exemplo, 3.001

casas. Mas a utilização deste recurso didático, nesta sala de aula, foi muito proveitoso: na

verdade sugerimos uma interpretação provisória para “infinito”, associando este conceito a

algo “muito grande”, inatingível. Sabemos que não há rigor nesta interpretação, mas ela foi

útil, foi acaita e serviu como um patamar intermediário, na caminhada destes alunos para a

abstração. Seguindo as idéias propostas no construtivismo social, esta é uma primeira

interpretação do conceito de “infinito”, vinculado ao conceito de irracional e de representação

decimal infinita e não periódica, que deve ser valorizada, aproveitada, e nunca rejeitada.

Com base nesses dados, constatamos que o objetivo dessa etapa que consistia em

mostrar a limitação da calculadora e que tem um número infinito de casas decimais e não

tem período foi alcançada. Algumas falas dos alunos comprovam esse fato: “eu tinha dúvida

se era decimal ou não”, “eu não sabia sobre essas aproximações”, “eu não sabia nada

disso, nada!”, “ah, a calculadora não dá o número exato”, “eu não sabia que tinha tanto

processo para localizar cada vez mais exato assim”.

38

Quadro 3: Localização da raiz quadrada de 2

Etapa 3

Com a análise dos dados coletados, percebemos que, nessa etapa, os objetivos foram

alcançados, uma vez que muitos dos alunos entenderam como localizar na reta numérica um

número representado na sua forma decimal. No entanto, a maioria, não sabia como

transformar a forma de fração para a forma decimal. Assim, essa etapa antecipou parte dos

objetivos a serem alcançados na etapa 5.

39

Quadro 4: Localização de outros números

Considerações Finais da Aula 1:

Essa aula foi excelente, pois os alunos se envolveram e participaram da aula inteira.

Pareceu-nos que os alunos estavam verdadeiramente empolgados com a proposta,

envolvendo-se afetivamente, o que facilitava o aprendizado. Acreditamos que o sucesso dessa

aula deveu-se ao fato de que os alunos sentiram-se desafiados o tempo todo com perguntas

das quais eles traziam várias respostas diferentes e inseguras. A cada descoberta e a cada nova

certeza, mais interessante a aula se tornava.

40

Etapa 4

Nessa etapa, percebemos através dos dados coletados, que os alunos não tinham mais

dificuldades de marcar na reta numérica os números decimais e, também, não tinham

dificuldades em transformar frações em decimais, cumprindo nossos objetivos.

Quadro 5: Cálculo da representação decimal

Problema da Etapa 5:

Os alunos não apresentaram dificuldades em classificar os números vistos durante a

atividade quanto aos inteiros e aos decimais exatos. No entanto, tiveram certa dificuldade em

classificar os decimais não exatos periódicos e não periódicos, por causa da nomenclatura.

Um aluno perguntou: “periódico é o que se repete ou é o que não se repete? Qual é mesmo?”

Quanto ao fato de escrever esses números decimais na forma de fração quando

possível, os alunos não sabiam como transformar um número na forma decimal em fração.

41

Essa fase foi considerada a mais difícil durante a experimentação, pois os alunos

demonstraram grandes dificuldades, e foram poucos os que conseguiram superá-la.

Desconfiavam que os números decimais não exatos e não periódicos não podiam ser

escritos na forma de fração, facilitando a aceitação de que nosso argumento que diz: “todo

decimal periódico ou exato pode ser escrito como fração e toda fração pode ser escrito como

decimal periódico ou exato” era, de fato, válido.

Os alunos aceitaram, com muita naturalidade, que decorre do argumento citado acima

que números decimais não exatos e não periódicos, como , não podem ser escritos na

forma de fração e, portanto, não são Racionais, sendo chamados de Irracionais.

A seguir, será apresentado exemplo de produções dos alunos:

Exemplos de Inteiros

Exemplos de Formas

Decimais Finitas

Exemplos de Formas

Decimais Infinitas e Periódicas

Exemplos de Formas

Decimais Infinitas e Não

Periódicas

Quadro 6: Classificação dos números reais

Etapa 6

Através da análise dos dados coletados, constatamos que os alunos atingiram o

objetivo dessa etapa que visava a fixação da classificação dos números considerando sua

representação decimal, uma vez que eles conseguiram apresentar exemplos de números nas

formas finitas, infinitas, com e sem período.

42

Quadro 7: Atividade final de classificação dos reais

3.8 REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA E SOBRE A VALIDADE DA EXPERIÊNCIA.

Durante a experimentação, as hipóteses foram comprovadas.

Na etapa 1, verificamos que os alunos reconheciam gráficos, como conjunto de

pontos, neste tipo de questão e, também, reconheciam cada ponto como um par ordenado de

números. A hipótese 1 foi verificada, pois as atividades foram bem recebidas por estarem

relacionadas com os assuntos tratados naquele momento – gráficos de funções, mesma

linguagem e mesmo raciocínio.

Na etapa 2, verificamos que, inicialmente, os alunos não sabiam analisar os números a

partir da expansão decimal e que acreditavam na calculadora. Entretanto, com as atividades,

estas crenças foram desestabilizadas.

Também era esperado que, com as atividades, os alunos desenvolvessem uma idéia

mais ampla sobre a reta e o número real, tendo condições de caracterizá-los. Com base no

pós- teste, a hipótese foi validada. Entretanto, alguns apresentaram uma compreensão

43

equivocada, pois confundiram Irracional com raiz, quando apresentaram , , ,

como exemplos de números irracionais.

Percebemos que eles sabiam que o conceito principal que estava sendo trabalhado era

Irracional, mas provavelmente, pelo fato de ter sido enfatizado apenas os números e ,

tentando generalizar.

O quadro abaixo estabelece relações entre respostas do teste inicial e do teste final. As

respostas não pertencem ao mesmo aluno. A tabela tem como objetivo apenas comparecer

soluções detectadas.

Questões Algumas

respostas iniciais

Algumas

respostas finais

Questão 1:

Dê a

representação decimal

dos seguintes números:

a)

1/3

3; 0,33; 0,33...;

0, 3333333 0,333...

b)

15/17

1; 0,88;

0,8823259 0,8823529...

Questão 2:

Escreva os

seguintes números

como uma RAZÃO de

dois inteiros, a/b com b

≠ 0:

a)

3,75 3/75; 45/12

375/100;

14/1

b)

1,111...

1/11 (dois

alunos deram essa

resposta, os outros

deixaram em branco).

40/36; 11/9;

14/1

c)

0,5252...

Todos deixaram

em branco

52/99; 52/9;

0/28

Questão 3:

Todos os números até aqui

apresentados são chamados de

RACIONAIS, porque podem ser

escritos na forma a/b, com b ≠ 0, que

é chamado às vezes de RAZÃO e

outras de FRAÇÃO. Dê pelo menos 5

2/5; 1/8 ; 59/13;

25/8; 4/2; -2/4

(alguns alunos

deixaram em branco,

apesar de estar explicita

a palavra Fração)

7/6; -0,6;

0,9;

44

exemplos de números racionais que tu

conheces

Questão 4:

Agora, dê exemplos de

números que não sejam racionais:

2; 5; 9; (a

grande maioria deixou a

questão em branco)

; ; ;

2,6457513...

Questão 5:

Marque na reta numerada

abaixo os pontos que correspondam

aos números citados nos exercícios 1,

2, 3 e 4:

Os alunos

apresentaram a questão

em branco

Os alunos,

na sua maioria,

conseguiram marcar

os números na reta.

Quadro 8: Relações entre respostas do teste inicial e do teste final

A análise dos dados mostra que houve um crescimento de tal maneira que os alunos

começaram a suspeitar da máquina; passaram a distinguir os números na forma decimal,

com período e sem período. Este reconhecimento mostrou-se impreciso e precário, informal,

mas (de acordo com a teoria do Construtivismo Social), é uma primeira interpretação do

grupo, que não pode ser rejeitada, um primeiro passo. Passaram, também, a conhecer a

nomenclatura - reais, racionais e irracionais - a relacionar numero real com os pontos da reta e

a localizá-lo. Com isso, ampliaram sua concepção de reta numérica, percebendo que existem

muitos números além dos inteiros.

Refletindo sobre a inesperada compreensão equivocada por parte de alguns alunos

confundindo Irracional com raiz, constatados no pós-teste, concluímos que, numa próxima

oportunidade, esse material deve ser modificado, reservando-se alguma atividade com

radicais, para evitar que o aluno faça alguma generalização errônea como ocorreu durante

essa pesquisa.

Refletindo sobre a experiência em si, percebemos que, por ser uma atividade de

pesquisa, teria sido melhor ter trabalhado com grupos pequenos de cinco ou seis alunos do

que assumir uma turma inteira. Isso ocasionaria uma maior aproximação entre o professor e

45

os alunos envolvidos na pesquisa. No caso das turmas regulares, é importante que o

pesquisador seja o próprio professor. Também é necessário mais tempo para que a

aprendizagem seja sedimentada.

A proposta de iniciar cada etapa com um problema mostrou-se válida, porque os

alunos demonstraram-se motivados para a discussão dos problemas propostos, havendo

curiosidade pelo objeto de estudo e interação entre eles.

46

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, foi estudado o conceito de professor reflexivo e sua semelhança com o

conceito de professor pesquisador. A questão norteadora desta monografia é: O que é um

professor pesquisador/reflexivo? Sobre que o professor reflete na prática? No que a reflexão

contribui para a formação do professor?

Respondendo à primeira indagação, podemos concluir que o professor reflexivo é um

investigador na sala de aula que examina a prática, encontra problemas e pensa em possíveis

soluções. Neste caso, o estudo focalizou a prática usual do ensino dos números reais, na

escola, detectando um problema concreto: os alunos iniciam o trabalho com funções reais e

gráficos, sem terem conhecimento a respeito dos números que constituem a reta numérica ; é

como se esta reta fosse apenas um suporte para os números inteiros; todas tabelas funcionais

são completadas com números inteiros; os pontos dos gráficos são pares de inteiros; e estes

pontos são unidos, formando uma curva contínua, porque esta é a “regra”.

Para responder à pergunta a respeito dos temas de reflexão do professor, o estudo da

Engenharia Didática permitiu identificar e descrever categorias de reflexão para o professor

antes da ação, na ação e pós-ação: o professor reflete sobre os alunos e seu conhecimento

prévio, sobre a sala de aula e o programa que está sendo desenvolvido; sobre o conteúdo e as

razões para ensiná-lo e aprendê-lo e sobre a melhor abordagem (considerando o aluno e a sala

de aula); sobre como se aprende para fazer as melhores escolhas didáticas, descrevendo

objetivos e hipóteses prévias; sobre recursos didáticos e sobre materiais a serem entregues e

coletados dos alunos. Na etapa da Experimentação, o professor reflete sobre as reações do

47

aluno, sua produção, seus erros e acertos, dúvidas e progressos. Esta reflexão prossegue na

fase da Análise a Posteriori e Validação quando são questionadas a prática e a validade da

experiência.

Para exemplificar as reflexões, em diferentes categorias, o texto detalha as ações

desenvolvidas na 1ª série de nível médio, numa escola de Porto Alegre, com objetivo de

ampliar as noções numéricas, destacar os números reais, relacionar número real com número

sua forma decimal e com pontos da reta.

Finalmente, podemos refletir sobre a terceira questão: No que a reflexão contribui para

a formação do professor?

Desenvolver uma experiência de ensino, obedecendo a categorias de reflexão e os

passos da Engenharia Didática, constitui uma atividade de formação para o professor, pois é

uma oportunidade de exercer a prática com controle das suas ações e com consciência das

decisões e de seus efeitos.

Esta experiência possibilitou a ruptura com idéias pré-concebidas a respeito do aluno e

de seu conhecimento, tais como: ao entrar no ensino médio, o aluno traz como pré-requisito

os conteúdos do ensino fundamental: basta, portanto, uma breve revisão para dar continuidade

ao programa. A experiência também destacou e exigiu a busca de ferramentas que em geral

não são usadas na sala de aula, mas que ampliam o campo de ação – os intervalos encaixantes,

a raiz de 2 com milhares de casas, o questionamento da calculadora – e foram instrumentos

complementares que deram concretude à abstração do tema – números irracionais e reais. Ao

refletir sobre a prática, percebemos que houve falha na estratégia – a ênfase nas raízes levou a

uma generalização indesejada – ou seja, a prática, quando foco de pesquisa e reflexão, fornece

subsídio para que o professor pense não somente naquilo que se ensina, mas também no

processo de aprendizagem, nas melhores abordagens, nos melhores exemplos, assim como o

leva a pensar nas melhores respostas para as perguntas mais freqüentes – porque só tem uma

48

vírgula? – ou para as pré-concepções mais usuais – número na forma decimal é um número

dividido por dez, como 5/10.

Para concluir, esperamos que este trabalho sirva como contribuição para outros

licenciandos e professores, tanto do ponto de vista da prática de ensino dos números reais,

como do ponto de vista de incentivar a prática reflexiva e o desenvolvimento de pesquisas na

sala de aula.

49

APÊNDICES:

Apêndice 1: Pré-teste

50

Apêndice 2: Pré-teste

51

Apêndice 3: Pré-teste

52

Apêndice 4: Pré-teste

53

Apêndice 5: Pós-teste

54

Apêndice 6: Pós-teste

55

Apêndice 7: Pós-teste

56

Apêndice 8: Pós-teste

57

Apêndice 9: Pós-teste

58

REFERÊNCIAS:

ARTIGUE, M. Engenharia Didáctica. In: Brum, Jean (Direção) Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Horizontes Pedagógicos. Instituto Piaget, 1996, p.193-217.

ERNEST, P. What is Social Constructivism in Psychology of Mathematics Education. Philosophy of Mathematics Education Journal, n. 12,1999.Disponível em: http://www.people.ex.ac.uk/PErnest/pome12/article8.htm. Acesso em 11/12/08.

GARCIA, Vera Clotilde. Contribuições para a Formação do Professor de Matemática Pesquisador nos Mestrados Profissionalizantes na Área de Ensino. Revista BOLEMA, UNESP-Rio Claro, n.29, 2008, p.199-222. Arquivo pdf. http://euler.mat.ufrgs.br/~vclotilde/publicacoes/mar172008revisadoVeraClotilde.pdf

LIMA, Marcos H. M. O Professor, o Pesquisador e o Professor-pesquisador. Disponível em: http://www.amigosdolivro.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=3754. Acesso em 22/08/08.

MIRANDA, M. G. O Professor Pesquisador e Sua Pretensão de Resolver a Relação Entre a Teoria e a Prática na Formação de Professores. In: O Papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas: Papirus, 5 Ed, 2006, p.129-143.

NÓVOA, Antônio. O Professor Pesquisador e Reflexivo. Entrevista concedida em 13 de setembro de 2001. Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/salto/entrevistas/antonio_novoa.htm. Acesso em 22/08/08.

PAVANELLO, R. M. A Pesquisa na Formação de Professores de Matemática Para a Escola Básica. In: Educação Matemática em Revista, nº 15, ano 10, 2003, p. 8-13.