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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS, COMUNICAO E ARTES CURSO DE BIBLIOTECONOMIA

MONA CLEIDE QUIRINO DA SILVA

O GUERREIRO E A AO CULTURAL: um estudo dos equipamentos culturais destinados promoo da cultura popular

Macei 2009

MONA CLEIDE QUIRINO DA SILVA

O GUERREIRO E A AO CULTURAL: um estudo dos equipamentos culturais destinados promoo da cultura popular

Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Alagoas, como requisito obteno do ttulo de Bacharel em Biblioteconomia. Orientador: Professor Carlos Cndido de Almeida

Macei 2009

Ficha CatalogrficaS578g Silva, Mona Cleide Quirino da. O Guerreiro e a ao cultural: um estudo dos equipamentos culturais destinados promoo da cultura popular/Mona Cleide Quirino da Silva. Macei: [s.n.], 2009. 134f.: il. Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Biblioteconomia da Universidade Federal de Alagoas. Orientador: Carlos Cndido de Almeida. Inclui anexos Referncias: 74-77. Curso de

1.Cultura Popular. 2. Guerreiro-Macei-AL. 3 Ao Cultural. 4. Agente cultural. 5 Equipamentos Culturais. Ttulo. CDU: 316.722::025.2

MONA CLEIDE QUIRINO DA SILVA

O GUERREIRO E A AO CULTURAL: um estudo dos equipamentos culturais destinados promoo da cultura popular

Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Alagoas, como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Biblioteconomia. Orientador: Professor Carlos Cndido de Almeida

BANCA EXAMINADORA

Orientador Prof. Carlos Cndido de Almeida

Prof. Me. Dalgiza Andrade Oliveira

Prof. Dra. Maria de Lourdes Lima

Aprovada em _______ de _________________ de _________.

A todos que me apoiaram e minha famlia pelo incentivo e compreenso.

AGRADECIMENTOS

A todos os que me ajudaram e incentivaram a construir este trabalho. Meus fidos agradecimentos minha famlia, por acreditar em meus objetivos, ao meu esposo pela pacincia, as constantes trocas de ideias e compreenso.

A meu orientador, Carlos Cndido de Almeida, pela confiana, dedicao, conhecimento, apoio e valiosas sugestes, do incio ao trmino deste trabalho.

Aos meus companheiros, e amigos de curso, Anna Karolina Gomes Dias, Bruno Felipe da Silva Melo, Francisco Rodrigues, Mrcio Ferreira, Rennata Marques, Veronilda Silva e Wendell Amorim, os quais vivenciaram junto a mim todos os processos deste trabalho, sempre dispondo de fora e confiana.

Aos amigos da universidade, Gustavo Bezerra Rolo e Lisandra Pereira, entre outros, que de forma direta ou indireta contriburam com seu companheirismo e pacincia neste trabalho.

Aos mestres de Guerreiro entrevistados que com simpatia e dedicao auxiliaram com seus depoimentos, dispondo de informaes valiosas para a construo deste trabalho.

[...] a cultura, envolvendo com o intelecto e as emoes, direciona com liberdade as escolha. Ela uma ao contnua que trabalha com a informao, com a descoberta, separando a essncia da aparncia, desordenando a ordem convencional, criando um novo conhecimento. A informao o fio e a cultura o tecido. A coletividade tece. A elaborao dessa tessitura , enfim, a construo do homem que pensa com a prpria cabea e sabe o que importa para si e para o meio onde vive. [...] A cultura a possibilidade mais poderosa para oferecer informaes e criar condies para repens-las, revelando o passado e inventando o futuro. Lus Milanesi (2003)

SILVA, Mona Cleide Quirino da. O guerreiro e a ao cultural: um estudo dos equipamentos culturais destinados promoo da cultura popular. 2009, 134f. Trabalho de Concluso de Curso (Curso de Biblioteconomia). Universidade Federal de Alagoas. Macei, 134f. 2010. RESUMO

Entendida como uma prtica cujo objetivo a intermediao entre atividades e sujeitos a ao cultural subsidia a efetivao de projetos na perspectiva de que se consolidem na sociedade evidenciando, cada vez mais, a promoo cultural de um povo, embora ainda seja confundida com outras acepes de trabalho cultural, bem como a fabricao cultural e animao cultural. A partir disso, analisa as aes desenvolvidas pelos equipamentos culturais da cidade de Macei em contribuio aos grupos de guerreiros existentes, deslumbrando estes como espaos democrticos da cultura local, atentando ainda para os discursos dos mestres de guerreiro. Resgata concepes de cultura como base para o entendimento do processo da ao cultural. Relata a avaliao dos grupos de guerreiro com vista nas aes desenvolvidas pelos equipamentos culturais mapeados. Observa-se o descaso em que se encontra a cultura na cidade, principalmente, ao tratamento das manifestaes culturais. Finaliza com a proposta de um estudo mais afinco da ao cultural na perspectiva de utiliz-la no desdobramento de polticas pblicas de cultura cidade, em virtude de dispor sociedade as diversas formas de cultura produzida na mesma.

Palavras chave: Ao cultural, Equipamento cultural, Guerreiro, Manifestaes culturais.

SILVA, Mona Cleide Quirino da. O guerreiro e a ao cultural: um estudo dos equipamentos culturais destinados promoo da cultura popular. 2009, 134f. Conclusion of Course (Course Library Science). Federal University of Alagoas. Macei, 134f. 2010. ABSTRACT Understood how a prat that objective is the intermediate between activitys and subjects, the cultural action subsidies the carrying of projects on the perspective that strengthen then inside the society making evidence more and more the cultural promotion of a people, atthough it is still confused wilt others sense of cultural work, as well as the cultural fabrication and animation. From the on, it analizes the action carried for the cultural equipament at Macei to contribuition to the groups of guerreiro existing, dazzling its how democratic spaces of the local culture and to pay attencion to the specch of theirs masters. To recover conceptions of cultura how base to understand the process of cultural action. To relatethe assessment of the groups of guerreiro to compare with the actions carried for the cultural equipament maped. Its observed the contempt that is the culture at this city, principally with the treatmentwith the cultural manifestations. It finishs with the proposal of a study more determination about the cultural action on the expectation of using it during the redaulde of public politics to the city, where it can arrange various forms of culture making on this citys.

Keywords: Cultural Action, Cultural Equipament, Guerreiro, Cultural Manifestations.

LISTA DE ILUSTRAES

Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4

Mestre de Guerreiro ........................................................................................... 38 Chapu de Rainha de Guerreiro ....................................................................... 39 Chapu de Mestre de Guerreiro........................................................................ 39 Grupo de Guerreiro............................................................................................ 40

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ASFOPAL Associao dos Folguedos Populares de Alagoas.......................................... 40 SECULT-AL - Secretaria de Estado e da Cultura de Alagoas........................................... 40 RPV-AL Registro do Patrimnio Vivo de Alagoas........................................................... 66

SUMRIO 1 INTRODUO ..................................................................................................................14 1.1 Problema .........................................................................................................................18 2 OBJETIVOS ......................................................................................................................19 2.1 Objetivo Geral .................................................................................................................19 2.2 Objetivos Especficos ......................................................................................................19 3 JUSTIFICATIVA ...............................................................................................................20 4 QUADRO TERICO ........................................................................................................23 4.1Cultura .... .........................................................................................................................23 4.1.1 Cultura Popular, Cultura de Massa e Cultura Erudita ............................................31 4.2 Manifestaes Culturais..................................................................................................34 4.2.1 Grupos Folclricos........................................................................................................36 4.2.2 O Guerreiro...................................................................................................................37 4.3 Ao Cultural ..................................................................................................................41 4.3.1 Agentes Culturais..........................................................................................................47 4.3.2 Equipamentos Culturais ..............................................................................................50 5 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS.....................................................................52 5.1 Tipo de Pesquisa ..............................................................................................................52 5.2 Universo de Pesquisa.......................................................................................................53 5.2.1Amostra .........................................................................................................................53 5.3 Tcnicas de Coleta de Dados ..........................................................................................55 5.4 Anlise de Dados .............................................................................................................56 6 ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS.........................................................................57 6.1 Limitaes da Pesquisa ...................................................................................................57 6.2 Histrico do Guerreiro ...................................................................................................59 6.3 O Guerreiro na Cidade ..................................................................................................63 6.4 Opinio dos Mestres .......................................................................................................65 6.5 Os Equipamentos Culturais............................................................................................68 6.6 Discursos Desencontrados ..............................................................................................70 7.CONSIDERAES FINAIS.............................................................................................72 REFERNCIAS .................................................................................................................74 APNDICES APNDICE A - TABULAO DAS ENTREVISTAS.................................................... 79

TABULAO DAS ENTREVISTAS...............................................................................80 APNDICES B TABULAO DOS QUESTIONRIOS ..........................................99 TABULAO DOS QUESTIONRIOS.........................................................................100 ANEXOS ANEXO A QUESTIONRIO.........................................................................................108 QUESTIONRIO ..............................................................................................................109 ANEXO B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ..............111 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO...... ........................... .112 ANEXO C - ENTREVISTAS ............................................................................................113 ENTREVISTA A.................................................................................................................114 ENTREVISTA B.................................................................................................................116 ENTREVISTA C ................................................................................................................121 ENTREVISTA D ................................................................................................................123 ENTREVISTA E ................................................................................................................127 ANEXO D - LEI N 6.513, DE 22 DE SETEMBRO DE 2004........................................130 LEI N 6.513, DE 22 DE SETEMBRO DE 2004 .............................................................131

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1 INTRODUO

O estudo da cultura, independente de ser popular, de massa, erudita j algo complexo que requer ateno minuciosa. No entanto, no basta querer apenas diferenciar os elementos e instrumentos de uma cultura ou de outra, o ideal entend-las diante da realidade em que se configuram na sociedade. Em cada ambiente predominar uma determinada caracterstica cultural e essa no ser nica, pois a cultura mista e surge a partir de inmeras diferenas, porque se no h diferena no h cultura. Os traos de um povo, as suas formas prprias de vida, possuem vestgios de outros povos e isso que mais pode ser dito como cultura, as formas hbridas de convvio de se manifestar de uma sociedade. relevante expor aqui o que diz respeito especificamente cultura popular, considerando esta como o conjunto de expresses e experincias de um povo se se tornando questionvel a partir da ideia homognea de cultura, pois como apresenta Peter Burke (1989, p.50): se todas as pessoas numa determinada sociedade partilhassem da mesma cultura, no haveria a mnima necessidade de se usar a expresso cultura popular. Assim, tem-se a cultura popular como uma forma caracterstica de resistncias e transformaes dos povos, podendo ser visualizada na medida em que as formas multiculturais de convvio dos indivduos, isto , as diferenas se sobressaem em meio s imposies da sociedade moderna. Tomando como base este raciocnio pode-se inferir que diante de uma infinitude de elementos multiculturais existentes em uma dada cultura, sendo esta tida como uma cultura particular no se torna apta em produzir por si s uma identidade diferenciada, pois esta identidade resultante das intervenes entre os grupos e os diversos mtodos que estes utilizam em suas relaes. (CUCHE, 2002, p. 182) O que leva este estudo ao experimento e a compreenso do que vem a ser cultura no parte de uma perspectiva meramente superficial, principalmente, quando se busca analisar aspectos de uma determinada manifestao cultural1, assim como a forma de cultura de um determinado povo, como se d o relacionamento entre outras culturas e os efeitos que esta poder provocar, na medida em que ou no aceita e entendida por todos. Aqui se busca defender que as culturas so dinmicas e formadas por um hibridismo complexo e, desse modo, no podem ser consideradas como nicas, definidas, pois a cultura1

Manifestao cultural definida como a forma representativa de um elemento cultural ato peculiar de se manifestar em meio a diversas formas de cultura.

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no se restringe apenas a um aglomerado de caractersticas ainda que estas sejam determinantes para as formas de cultura. Logo, intenta-se dizer que a cultura se configura como o conjunto de uma dimenso da sociedade: essa dimenso a do conhecimento num sentido ampliado, todo conhecimento que uma sociedade tem sobre si mesma, sobre o meio material em que vive e sobre a prpria existncia (SANTOS, 2003, p. 41). Partindo desta ponderao, a forma de cultura analisada nesta pesquisa se volta uma determinada manifestao folclrica2, o Guerreiro3, um elemento da cultura popular maceioense que nos dias de hoje encontra-se ativo na cidade, lutando por espaos e melhorias para que seja possvel a permanncia deste folguedo4 .Isso faz cogitar em polticas culturais efetivas e direcionadas s manifestaes culturais propondo uma atuao consciente por parte dos agentes culturais, em vista do desenvolvimento da cultura popular. Porm, como estamos inseridos em uma sociedade rodeada de perspectivas de desenvolvimento moderno, acaba-se por deixar de lado alguns questionamentos como a noo de cultura popular, mas no aquela pregada por alguns folcloristas que vem a cultura popular como genuna, intocvel e imutvel. Contudo, preciso ter plena convico de que as diversas formas de culturas esto mais do que nunca diante das discusses da modernidade, claro que neste sentido so tratadas mediante interesses polticos e econmicos, mais que, de certo modo, esto l e precisam ser interpretadas. Sendo assim, que pode compreender o termo multiculturalismo como sendo uma forma poltica de administrar de modo estratgico os problemas e diversidades surgidas nas sociedades multiculturais, tentando pr em evidncia uma sociedade heterognea mais que de certo modo possui algo em comum. (HALL, 2009, p. 50) Utilizando de uma analogia quanto a questo do multicultural, tem-se que o Guerreiro se configura como uma manifestao cultural de carter hbrido e que se encontra inserido no universo multicultural, mesmo diante do processo de modernizao e globalizao da sociedade e por implicar em diferenas modernidade, a ideia de multiculturalismo passa a propor grandes desafios s sociedade modernas, pois como discorre Semprini (1999, p.11.): a diferena antes de tudo uma realidade concreta, um processo humano e social, que os homens empregam em suas prticas cotidianas e encontra-se inserida no processo histrico.2 So manifestaes tradicionais que podem ser vislumbradas em danas, msicas, costumes e lendas apresentadas em uma determinada sociedade. 3 Folguedo alagoano derivado do reisado surgiu por volta de 1927 e 1929. Tem como caractersticas chapus em forma de igreja, suas vestes so coloridas em tom cintilantes, danas e ritmos bastantes variados e peculiar. 4 So consideradas assim as danas dramticas, brincadeiras, folias, brinquedos, brincadeiras e at mesmo folguedos. Esses so denominados como autos e folguedos populares (THO BRANDO, 1973, p. 31).

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Em meio s consideraes acerca do que vem a ser cultura nos situamos aqui neste estudo sobre Macei, capital de Alagoas, com aproximadamente 924.1435 habitantes, a qual teve sua fundao no ano 1815. uma cidade que ao longo desses anos vista por sua hibridao6 cultural, tendo estas vrias formas de cultura e que a partir de suas diferenas tornam evidente a questo da cultura popular. Embora Macei possua essa caracterstica, assim como outras cidades do Brasil, tambm apresenta algumas necessidades bem como de informao, educao, sade, lazer e cultura. Diante desta realidade verifica-se que decorrentes os problemas de administrao e disposio de condies para que estas necessidades sejam supridas podero acarretar em deficincia nas demais precises. Isto , no havendo informao, a educao perde seu sentindo pleno de formao de conhecimentos, o que reflete em carncias no mbito da sade, interferindo na qualidade de vida dos indivduos, distanciando estes do lazer e tambm da sua cultura. Partindo desse ponto de vista, fato que para uma cidade obter resultados positivos em relao ao seu desenvolvimento cultural necessrio que outras necessidades sejam supridas de forma coletiva. Para que isso acontea preciso que os indivduos sejam orientados e incentivados a conquistar, principalmente, autonomia no mbito da cultura. O presente estudo foi estruturado em trs captulos. O primeiro destina-se s concepes de cultura - a cultura popular, de massa e erudita - possibilitando interpretaes sobre o conceito de cultura, buscando assim eliminar a ideia estanque de cultura unificada e independente, que est disposta em determinados contextos sociais. No segundo captulo, procurou-se apresentar uma breve definio do que vem a ser manifestaes culturais e, em seguida, foi relatado sobre os grupos folclricos. Seguindo neste mesmo captulo ento apresentada a definio de Guerreiro, o seu histrico, e as caractersticas e semelhanas com outras manifestaes culturais. No terceiro captulo da reviso conceitual discutiu-se sobre ao cultural, suas concepes apresentadas por tericos da rea como Coelho Neto, Flusser e Milanesi. Em seguida, foi sugerida a caracterizao do agente cultural, buscando inserir neste contexto o profissional bibliotecrio, na proposta de aproximar este profissional das questes e prticas da cultura popular, por se entender que este ao trabalhar diretamente com a informao deve saber como se pronunciar frente s necessidades de informao no mbito cultural. Ainda5Estimativa da populao para 2008, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) Estados, Capitais, Regies Metropolitanas e Municpios com mais de 100 mil habitantes Nordeste 6 entendido como processos socioculturais nos quais estruturas ou prticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e prticas. (CANCLINI, 2008. p. XIX)

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neste foi exposto de forma breve sobre o conceito de equipamento cultural.

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1.1 Problema A cidade de Macei caracterizada como uma cidade turstica, rica em belezas naturais, culinria e tambm pela sua diversidade de manifestaes culturais. Dentro desse cenrio turstico-cultural, h um fenmeno predominante: so as vrias formas de representatividade da cultura popular local, envolvendo vrios artistas e grupos folclricos. O Guerreiro se configura entre muitos dos grupos de folclore da cidade como o que mais se destaca pela sua indumentria, apresentaes e diversidades musicais. Embora, esse representante da cultura popular maceioense, aparente estar includo em atraes populares na cidade, que visam promover a cultura local, ainda no se pode concluir que estejam sendo trabalhados em virtude de um reconhecimento deste elemento cultural pela populao de Macei, em especial, para seus produtores. Partindo disso, buscou-se atravs deste trabalho verificar: Quais contribuies da ao cultural ao Guerreiro, elemento da cultura popular maceioense? Ser que os equipamentos culturais existentes na cidade com seus denominados agentes culturais contribuem realizao da ao cultural junto aos grupos de Guerreiros? Esses questionamentos norteiam a pesquisa de modo que se busca propor condies para que se possa cogitar melhoras ou ainda posteriores solues a tal problemtica.

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2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral Analisar o processo da ao cultural, desenvolvido pelos equipamentos culturais junto aos grupos de Guerreiro atuantes na cidade de Macei e sua contribuio para a cultura popular local.

2.2 Objetivos Especficos Traar o histrico do Guerreiro na sociedade maceioense; Mapear os grupos de Guerreiro em atividade na cidade de Macei; Identificar as dificuldades encontradas pelos mestres para a manuteno do folguedo em Macei; Identificar os equipamentos culturais do municpio que contribuem para a permanncia desse folguedo; Verificar quais aes so desenvolvidas pelos equipamentos culturais em Macei.

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3 JUSTIFICATIVA

Para compreender a cultura necessrio conhec-la, isto , saber de que esta se constitui e qual seu significado na vida de uma determinada sociedade. No entanto, Macei possui uma cultura muito rica no que diz respeito s diversas manifestaes culturais, embora seja pouco explorada no sentido de ser exteriorizada como algo comum sociedade. Partindo disso, o Guerreiro um folguedo que surge na dcada de 1920 caracterizado por danas e msicas de carter peculiar, apresentando diversos personagens possuindo vestes coloridas com o propsito de abrilhantar festas religiosas. Desde j comprova toda sua riqueza folclrica atravs de seus cantos e danas improvisados, o que reala cada vez mais o quo a cultura popular mista, ou seja, medida que se utiliza de elementos e simbologias de outras culturas consegue transform-la de acordo com necessidades especficas de cada comunidade. O Guerreiro um elemento de grande valor da cultura alagoana e atravs de sua resistncia passa a ser um substancial representante da cultura popular maceioense. Sendo este um cone da cultura local da capital de Alagoas, os grupos de Guerreiro so manifestaes resistentes que com simpatia conseguem tornar evidente a possibilidade da cultura popular em Macei acender, alcanando, enfim, lugar de prestgio na sociedade. Considerando esse elemento da cultura popular da cidade de Macei, uma manifestao viva da cultura popular, o guerreiro poder tornar-se um instrumento de grande relevncia diante das tradies culturais perpassadas por geraes, a partir do instante em que for compreendido pela sociedade em que se encontra. Para isso, preciso que a sociedade obtenha conhecimento da importncia da cultura local, isto , saber de que modo est sendo mediada por seus representantes, tendo assim conhecimento das contribuies que podero ser trazidas para a coletividade. Como elemento vigoroso da cultura popular de Macei, o Guerreiro a partir do instante em que for compreendido e promovido, poder contribuir no fortalecimento da cultura popular local, pois os elementos e instrumentos extrados do folclore (desde a musicalidade, as formas interpretativas da cultura, a dana, as vestimentas, etc.) utilizados tambm pelos grupos de Guerreiro, tornam-se fatores determinantes e contribuintes para a formao e a conscientizao da sociedade maceioense no que diz respeito a sua cultura. A partir de seu significado para a cultura popular local e tambm da importncia em conhecer e entender a cultura da cidade de Macei como tambm os tipos de aes desenvolvidas em prol da cultura popular, que surge o interesse em estudar este tema, visto que a cultura popular de Macei (os mestres de Guerreiros e os diversos grupos de folguedos)

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precisam ser melhor dimensionada sociedade, pois entende-se que uma sociedade no pode apenas sobreviver de atividades polticas e econmicas, esta tem necessidade de vivenciar suas manifestaes culturais, de usufruir da cultura que os rodeiam, de participar e v-las acontecerem, no para uma minoria mais sim para todos os sujeitos envolvidos na sociedade e entendidos como cidados. Em virtude disso, o estudo no se restringe apenas ao mbito acadmico, no que abarca as questes de estudo da ao cultural para a rea da biblioteconomia, assim como a atuao do profissional bibliotecrio enquanto agente cultural. Este estudo busca ser relevante tambm a toda a sociedade, porque necessrio respeitar as questes sociais e culturais que envolvem a vida dos indivduos, independentes destes serem ou no atuantes em meio s discusses da cultura local, procurando tornar evidente a importncia da cultura popular e a sua repercusso para o coletivo. Tratando-se das questes sociocultural, o cerne dos questionamentos propostos neste estudo visa possibilitar uma viso mais ampla da cultura local na cidade de Macei, pois a cultura do Estado de Alagoas (em particular as representaes culturais de Macei) precisa ser encarada no mais como mercadoria negocivel, trabalhadas em prol de um mercado que a cada dia est crescendo. As manifestaes culturais precisam ser visualizadas na perspectiva do desenvolvimento cultural da cidade, pois no adianta t-las apenas como smbolo para propagandas do Estado de Alagoas. imprescindvel que as polticas culturais sejam planejadas e no que passem a comercializar as manifestaes culturais como produtos divulgados a outros Estados e pases, porque as polticas devem formar sujeitos e agentes ativos e no consumidores de cultura. O que se faz necessrio entender o cerne da questo da cultura popular alagoana reconhecendo que esta necessita cada vez mais de apoio e incentivo para se manter viva no Estado e tambm na cidade. Embora se saiba que em relao a outras necessidades de cunho social, econmico e poltico, a cultura encontra-se em segundo plano, contando com investimentos mnimos. Diante disso, que est a importncia do tema para a sociedade, pois a mesma precisa entender qual valor que pode ser atribudo cultura, devido a necessidade em avaliar as polticas culturais existentes na cidade para que se possa concluir sobre a verdadeira importncia que a cultura possui na economia de Macei. Sob esse aspecto, entende-se que o Guerreiro, medida que for reconhecido e apoiado pela sociedade maceioense, poder oferecer benefcios de cunho social e cultural para os indivduos da cidade, no que concerne ao fortalecimento da cultura popular local.

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No entanto, este estudo busca tornar possvel a sociedade outras interpretaes da cultura, distanciando-se assim da ideia de uma cultura unificada e moldada, contando com o estudo da ao cultural o qual busca subsidiar uma anlise de como os equipamentos culturais encaram as manifestaes culturais da cidade, visando a intermediao dos processos de incentivo da cultura popular local. Sendo assim, a proposta do estudo da ao cultural pretende contribuir para a configurao de polticas culturais efetivas, que validem os diversos trabalhos das manifestaes culturais que compem o municpio, em especial, os grupos de Guerreiro da cidade.

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4 QUADRO TERICO

4.1 Cultura

Cultura consiste na associao de vrias experincias e idias de uma sociedade, incluindo tambm as reaes emocionais e padres de comportamentos de um conjunto de pessoas em uma determinada localidade. A cultura de um povo pode ser a sua identidade e cada sociedade possuir uma identidade diferenciada das outras. Essa identidade ser alterada medida que os homens e suas condies materiais de existncias (MARX; ENGELS, 1977) alteram seus conceitos internos de cultura, de mundo e, a partir disso, conhece e compartilha diversas formas de cultura buscando identificar-se cada vez mais com elementos culturais de outros indivduos e/ou sociedades. Com isso, pode-se dizer que a cultura todo o conjunto misto, de caractersticas expressas atravs das aes humanas, so as formas como os homens se comportam e trocam experincias em meio aos seus ambientes. Na concepo de Favero (1983, p. 78) apud Cabral (1999, p. 41):Cultura tudo que o homem acrescenta natureza: tudo o que no est inscrito no determinismo da natureza e que a includo pela ao humana. Distingue-se na cultura os seus produtos: instrumentos, linguagem, cincia, a vida em sociedade; e os modos de agir e pensar comuns a uma determinada sociedade, que tornam possvel a essa sociedade a criao da cultura.

Podemos dizer que a cultura um misto de significados, smbolos transportados por geraes e que em algumas sociedades so respeitados e venerados, fazendo com que as tradies no se percam no tempo, em um mundo globalizado no qual nos encontramos. Mas preciso enfatizar que o processo de globalizao enquanto processo que promove impactos sobre as identidades culturais do indivduo, no implica em uma forma de depreciao de tradies culturais em uma determinada sociedade, ele condiz em uma forma mais ampla de compreenso da humanidade. entend-la como ela , tanto do ponto de vista poltico e social, quanto cultural. Quando nos referimos cultura, dentro de suas acepes tcnicas do termo, jamais podemos afirmar que em uma determinada cultura um indivduo superior ao outro. O que se pode argumentar que determinadas culturas possuem tecnologias mais avanadas que outras (MELLO, 1986, p. 46).

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inadmissvel tentar concluir que h uma cultura superior e outra inferior, pois o que notvel na realidade social uma cultura que se sobrepe a outras. Isso se deve a vrias questes, bem como aos interesses polticos e econmicos, onde o processo truculento denominado capitalismo7, que em sua essncia necessita ter indivduos subordinados, consumistas e consequentemente excludos da realidade daqueles que vivem desse processo. O modo como os indivduos vem o mundo cultura, as questes morais e valorativas de uma sociedade, os diferentes tipos de comportamento do homem, sua postura, tudo isso se resume em produtos de uma herana cultural, so os resultados de um conjunto diversificado de elementos de uma determinada cultura (LARAIA, 2007, p. 68). A cultura a forma pela qual o homem, enquanto ser social, enxerga e vivencia o mundo em sua volta. Com isso, necessrio que este tome conscincia de que a cultura cultivada por e para ele precede das relaes e compartilhamento de idias, hbitos e costumes, entre diversas pessoas de um mesmo espao geogrfico podendo tambm ir alm do espao e tempo em que se encontram. Sendo assim, podemos traar um paralelo entre cultura e a modernidade, onde esta ltima corresponde a um projeto social, poltico e cultural de europeizao do mundo iniciado a partir do sculo XVII. Na dita sociedade moderna, as mudanas so constantemente rpida e ao estar inserida neste contexto, a cultura est posta num processo mutvel, pois toda e qualquer mudana feita nas sociedades modernas so revistas e reformadas, recebidas, interpretadas e transformadas. A partir disso, pode-se compreender que a cultura algo dinmico, est em constante mudana, mesmo quando a questo tradicional parece estar em primeiro lugar, de alguma forma, a cultura se transforma e passa por adaptaes. Tudo isso ocorre a partir do momento em que novas informaes so inseridas na vida social e cultural do indivduo, decorrentes, principalmente, do processo de globalizao. Outra definio de cultura dada por Flusser (1983, p. 148) quando afirma que:As prprias idias do homem, a sua maneira de pensar e agir, podem ser consideradas como sendo a sua cultura, que neste caso no mais somente sntese dialtica entre o trabalho do homem e a natureza, mas tambm e fundamentalmente, sntese das relaes inter-humanas. Cultura, nesse sentido, no ser mais objeto, mas representao.

A cultura no algo particular do indivduo, ela , sobretudo, social. uma realidade produzida pelo homem que acontece a partir da formao de ideias e de prticas sociais, asCom isso, tem-se o capitalismo em relao cultura como modo de produo onde h uma ntida distino entre os possuidores dos meios de produo (burguesia) e os no possuidores (proletariados). Sendo estes obrigados a vender sua fora de trabalho aos primeiros; essa classe dominada se apresenta como culturalmente dominada e/ou resistente a imposio dos dominantes (MARX; ENGELS, 1998).7

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quais se refletem por uma composio de signos, smbolos, condutas e fazeres (LINDOSO, 2005, p. 22). Ela a identidade de um povo e no pode se constituir apenas de idias internas, produzidas somente pelo eu do indivduo. O aspecto do indivduo deve ir ao encontro do externo, ou ainda, com o que h de diferente em outras formas de cultura, com o que est sendo transformado pelas sociedades. A cultura, assim como a identidade do indivduo, no definitiva, pelo contrrio, sujeita transformao e se ainda no vista dessa forma deve ser repensada urgente e cautelosamente. medida que o sujeito busca conhecer novas formas de cultura ou ainda quando passa a vivenci-las tornando-se indivduo integrante de realidades contrrias a sua,

consequentemente submete - se a um deslocamento ou a um processo de descontinuidade de sua concepo de cultura, de si prprio ou ainda da sua identidade. Com isso, tem-se que a identidade formada na interao entre o eu e a sociedade (HALL, 2000, p. 11). O processo de descontinuidade deve ser entendido na modernidade de forma positiva, pois esse no acontece com o intuito de desvalorizar o sujeito, isto , a sua identidade, ou sua cultura. O propsito maior desse processo deve ser encarado como uma forma de condicionar o indivduo a conhecer novas formas de vida, a conquistar outras identidades, a buscar em cada contato com outras sociedades e culturas uma nova forma de convvio. Pois atravs dos relacionamentos com outras culturas os homens podero reinventar sua cultura. Esse processo visa ainda o desprendimento do sujeito de prticas moldadas e definidas e tambm de uma viso de identidade formada, concluda e imune a transformaes e adaptaes oferecidas em meio ao processo de globalizao. Assim, se pode entender que a construo da identidade se faz no interior de contextos sociais que determinam a posio dos agentes e por isso mesmo orientam suas representaes e suas escolhas (CUCHE, 2002, p. 182). De fato, o processo de busca por identidades cada vez mais percebido nas sociedades globalizadas. So inmeros os grupos que se formam com o intuito de uma identidade e isto torna cada vez mais prolongada as discusses sobre cultura, as formas diversas de expresses dos homens. Para isso, tem-se no universo da Antropologia Geral, um ramo especfico de estudo da cultura que a Antropologia Cultural. Sendo assim, esta ltima busca um estudo voltado ao homem e as suas formas de expresses na sociedade, enquanto que o estudo antropolgico em si, se direciona as questes culturais do homem voltando-se mais especificamente as suas experincias adquiridas em meio ao seu habitat (MELLO, 1986, p. 35). Entretanto, a partir do estudo da Antropologia, com foco na Antropologia Cultural,

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que se pode conhecer vrios termos como cultura. Conforme Mello (1986, p. 37) cultura o conjunto de caractersticas do comportamento humano. visualizando e interpretando esse conjunto diversificado de caractersticas dentro do comportamento do homem, conforme a realidade de cada sociedade, que nos sujeitamos ao entendimento do que de fato seja a cultura de modo que necessrio perceber esta como responsvel para o entendimento de todo o conjunto de questes que envolvem a vida humana, bem como a social, a poltica e a econmica. Sendo assim, se a cultura corresponde ao entendimento de questes pertinentes realidade social do indivduo, sua origem e desenvolvimento, ento esta deve acompanhar todo e qualquer processo ocorrido em meio ao ambiente social, pois s assim ela poder fornecer esclarecimentos s questes. Dessa forma, passar a compreender as sociedades modernas, ou ainda, como esta vem se desenvolvendo diante do processo de globalizao responsvel pela transformao dos comportamentos sociais e culturais do homem. Em uma determinada cultura, o indivduo obtm experincias as quais lhe possibilita ao longo de sua existncia em um determinado meio social se desenvolver em uma sociedade, desde que este reconhea sua cultura e busque nela a interao/participao em demais grupos da sociedade com o intuito de adquirir experincias e tambm de perpetuar sua cultura. Essa busca por novas experincias denominada de identidade. O homem possui uma identidade cultural, isso pode ser confirmado atravs dos produtos de cada cultura (instrumentos, smbolos, crenas, etc.), mas se esse indivduo idealiza perpetuar sua cultura ou ainda fazer com que esta seja conhecida por todos, preciso ento estabelecer relaes que implica em buscar identificar-se com novas formas de cultura e no se reter ao que considerado tradicional. Para que uma cultura se desenvolva necessrio que seja adquirida, percebida e vivenciada pelo homem. Porm, nem sempre uma cultura [...] adquirida apenas, [...], ela tambm transformada, mudada e acrescentada pela inovao ou descoberta (MELLO, 1986, p. 41). Embora a cultura seja toda obra humana, existindo apenas para o homem, preciso enfatizar aqui que ela uma tarefa meramente social, que requer o reconhecimento e tratamento de comportamentos do coletivo. Partindo desse raciocnio, pode-se ressaltar a importncia da identidade cultural na sociedade, sendo esta caracterizada pelo pertencimento do indivduo a outras culturas em busca de se completar, ou mesmo, de acrescentar outros conhecimentos sua cultura. A identidade do homem, assim como a cultura, algo incompleto, indefinido e a todo tempo se completa, ganha forma e sentido. um processo

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hbrido que nunca se finaliza, sempre est em formao, sofrendo mudanas e concepes diversas sem que se perca seu sentido. Atentando-se para esse argumento, pode-se entender a posio de alguns autores quanto ao que seja cultura, e em sua maioria muitos autores referem-se ao termo cultura com uma afirmativa significativa de que o conjunto de experincias vividas pelo homem atravs de mais de um milho de anos de existncia (MELLO, 1986, p. 42). Desse modo, verifica-se que a soma da vivncia do homem atual com seus ascendentes que caracteriza sua cultura e para que essa vivncia se firme diante da sociedade, mantendo-se harmoniosamente entre os indivduos necessrio que esses busquem relacionar-se com outros e no apenas manter as experincias oferecidas por suas geraes anteriores tomando-as como nicas as suas culturas. As culturas so dinmicas, embora possuam identidades prprias e traos particulares. A esses traos podemos denomin-los de valores culturais. Znaniecki (1961, p. 96) apud Mello (1986, p 42-43) diz que:Um valor se distingue de uma coisa porque possui um conjunto de significados, enquanto a coisa possui apenas contedo. Pelo contedo, o valor se distingue como objeto emprico de outros objetos; pelo significado o valor sugere outros objetos com os quais foi associado no passado. Por exemplo, uma palavra de qualquer lngua possui um contedo sensvel composto de elementos auditivos, musculares e (nas lnguas que conhecem a escrita) visuais; mas possui tambm um significado, isto , sugere aqueles objetos para os quais foi feita para designar.

A cultura possui algumas caractersticas. Uma delas que ela simblica, ou seja, atravs de um conjunto de smbolos h comunicao entre os povos, mas em cada sociedade haver simbologias distintas, por isso, necessrio que cada grupo de indivduos seja conhecedor de seus smbolos e seus significados. O smbolo algo muito forte e predominante para as diversas formas de cultura e, por isso, que se torna complexo para um indivduo conseguir interpretar o conjunto de significados de uma cultura diversa da sua. Mas, isso no quer dizer que seja impossvel, pois na medida em que passar a compartilhar, a se inteirar da mesma cultura ou pelo menos tentar entende-la, possvel adquirir um conhecimento mais aprofundado de algumas simbologias, dos significados de uma determinada cultura. Mello (1986, p. 47-48), afirma:[] todo smbolo cultural. Isso porque supe uma ordenao inteligente de todo o mundo visvel (incluindo tambm o comportamento humano e animal) esta ordenao ou sistematizao que permite a classificao das coisas, dos animais e dos homens. Por outro lado, para haver esta sistematizao, mister se faz que seja dado significado ao conjunto que forma o mundo visvel.

As expresses dirias transmitidas em uma conversa formal ou informal tornam o

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smbolo um instrumento de comunicao essencialmente social e a cultura se configura nesse sentido, como o conjunto de significados que podem ser transmitidos atravs destes smbolos, que passam de instrumentos caracterstica bsica da cultura de modo geral. No podemos imaginar hbitos, costumes e padronizaes de comportamento de um modo individual. A cultura parte de processos sociais, pois no existiria cultura se antes no houvesse pessoas e vice versa. Com essa concluso, fcil perceber que a ideia de cultura no teria sentido se no fosse possvel entender a sociedade, pois uma depende da outra para existir. Os smbolos so caractersticas bsicas da cultura, que dentre outras caractersticas dinmico e estvel. Os estudos de cultura trazem muitos paradoxos quando apresentam a cultura como dinmica e estvel. Ela dinmica na medida em que est disposta a mudanas, que podem ser significativas ou no. Algumas mudanas ocorrem a partir de necessidades dos indivduos em experimentar, vivenciar novas situaes. Quando estvel, a cultura resume-se em padres de comportamento determinados. O fato de a cultura ser considerada dinmica implica em dizer que esta se predispe a transformao das identidades culturais do homem, ao contrrio da interpretao de cultura como estvel que prima por formas determinadas do comportamento do indivduo. Mas at mesmo as culturas ditas estveis passam por alguns processos de mudanas. Com isso, que a compreenso de identidade se torna importante no entendimento do homem e suas prticas culturais (MELLO, 1986, p. 54). A identidade cultural condiz na interligao do sujeito com os mundos culturais que eles pertencem, fazendo com que ambos compartilhem suas experincias de forma harmoniosa, tornando-os reciprocamente mais unificados e previsveis (HALL, 2000, p. 12). As identidades culturais, isto , o pertencimento dos sujeitos a culturas tnicas, raciais, lingsticas, religiosas e, acima de tudo, as culturas ditas nacionais, condicionam o sujeito a um deslocamento ou descentrao, mais especificamente, a transformao do indivduo no que diz respeito ao seu lugar de origem, ou ainda seu mundo social e cultural e tambm de si mesmo. Isso acaba resultando em uma crise de identidade para o indivduo, que sofre com suas prprias mudanas (internas) como tambm nas mudanas ocorridas pelo processo de globalizao (externas). A identidade, de modo geral, algo inacabado, formado ao longo do tempo, atravs de processos inconscientes, no algo inato, existente na conscincia no momento em que o indivduo nasce (HALL, 2000, p. 38). Uma cultura seletiva condiz a um processo de reformulaes. Assim, a cultura seletiva quando ao longo da sua vida o indivduo decide se desfazer de alguns valores transmitidos de gerao a gerao. Esses valores so, em sua maioria, esquecidos enquanto novos so

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integrados cultura subjetiva do indivduo. A cultura seletiva um contnuo, um processo que implica sempre reformulaes (MELLO, 1986, p. 55). O indivduo nunca se sente satisfeito, no se sente completo quanto sua identidade. H sempre uma necessidade de preenchimento do seu interior com o externo (o mundo social e cultural que est em sua volta). Por esta razo que a todo instante busca-se algo diferente do que costuma ter. Diante das caractersticas descritas acima, outra que se pode inserir a cultura determinante e determinada. O homem determina sua cultura a partir de escolhas que faz em convvio com outros. Isso quer dizer que, suas atitudes e interao com os demais seres iro determinar e firmar cada vez mais sua cultura. A cultura [...] faz o homem e este faz a cultura (MELLO, 1986, p. 57). Sendo determinante, a cultura passa a estabelecer ao indivduo condies favorveis ou no na sua vida individual e em grupo. Essa caracterstica da cultura pode ser visualizada em fenmenos geogrficos, demogrficos, sociais, entre outros, que condicionar o homem a modificaes diante de sua realidade cultural. A cultura se impe aos indivduos e estes pouco podem fazer no sentido de fugir aos padres culturais (MELLO, 1986, p. 57). O processo de globalizao acaba por determinar essas condies da cultura, a de ser determinante e tambm determinada. O sujeito no deve se assustar com essa caracterstica da cultura, pois esta faz parte dos processos sociais at mesmo quelas pr-modernas. necessrio entender que a globalizao no algo recente, ela precede a modernidade, e por isso alm de ser questionada, preciso que seja utilizada a favor do homem. No instante em que o indivduo se integra a outras culturas ele, consequentemente, estar determinando sua cultura. Essa determinao subsidiar do contato e tambm da reciprocidade que este estabelecer com outros homens/grupos. O fato de a cultura ser determinada se d justamente pelos sistemas sociais predominantes. Nesse caso, podemos citar o capitalismo que utiliza do poder para impor a sociedade modos de cultura previamente determinados ao invs de propor mudanas significativas para o sujeito. Como visto, o termo cultura utilizado com vrios sentidos em meio a sociedade. Vrios autores escreveram sobre inmeras concepes quanto ao conceito de cultura. Muitos falam sobre cultura popular, cultura de massa, cultura erudita, entre outras denominaes de cultura. Para a compreenso dessas definies, ser esclarecido em seguida sobre cada uma delas. Antes mesmo de introduzir essas definies sobre cultura, primordial dizer que cada cultura possui uma identidade que a diferenciar das demais. O homem um ser hbrido,

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misto de significados expressos na sociedade. Assim tambm a cultura, no h como dar uma definio nica do que seja cultura. Ela tudo que o indivduo pode representar, est em todos os processos da humanidade. Como foi dito em outro momento, a cultura no se constitui apenas de formas adquiridas, transportadas por geraes, essa seria uma interpretao muito simplista de cultura. Com o passar do tempo e tambm a partir da viso de mundo que o indivduo passou a ter no que concernem s questes culturais, os estudos de cultura se ampliaram com o intuito de promover maior nfase aos conceitos de cultura estabelecidos pela sociedade moderna.

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4.1.1 Cultura Popular, Cultura de Massa e Cultura Erudita Em se tratando da cultura popular8, essa corresponde a uma cultura espontnea, ou ainda, uma cultura cultivada pelo povo e que se apresenta atravs da oralidade das livres formas de expresses de maneira coletiva. Mas no apenas isso que caracteriza a cultura popular, pois essa possui um carter heterogneo, assim como as demais culturas. Logo, o que lhe torna mista a espontaneidade com a qual se apresenta a partir do instante em que transporta elementos prprios a outras formas de cultura dando margem a sua perpetuao, diante da sociedade em que est inserida. Diante dessa perspectiva, pode-se dizer que a cultura popular soma de diversas culturas, embora possua um carter urbano e rural. A cultura denominada popular construda a partir de uma situao de dominao; uma forma de se defender dos determinismos das classes dominantes. Cultura popular entendida aqui como as formas hbridas de convvio dos sujeitos em uma dada localidade, no sendo apenas as formas rsticas de apresentao das expresses de um povo, mas a representao desta para os indivduos. Em pases industrializados e tambm naqueles em processo de desenvolvimento, a cultura popular no compreende apenas tradies orais e literatura oral. A cultura popular pode ser denominada de cultura de massa, pela incessante propagao de mensagens repassadas pelos meios de comunicao considerados modernos. Desse modo, ter-se-ia na cultura popular uma predominncia urbana e outra rural (MELLO, 1986, p. 477). No caso da cultura de massa, esta decorre do que foi dito anteriormente. Decorre de diversas redes de comunicao, como jornais, revistas, rdio, programas de TV, entre outros que veiculam mensagens que iro atingir a um pblico considervel que, em geral, diz respeito aqueles sem orientao. Essas mensagens em sua maioria buscam o realce da predominncia dos valores de classes dominantes. O desenvolvimento dos meios de comunicao responsvel pelo processo da cultura de massa. A produo o que move essa

No que se refere a cultura popular, Mikhail Bakthin (1987) se prope apresent-la , entendendo essa como cultura cmica popular. Com isso afirma que o riso popular e suas formas constituem o campo menos estudado da criao popular. A concepo estreita do carter popular e do folclore, nascida na poca pr- romntica e concluda essencialmente por Herder e os romnticos, exclui quase totalmente a cultura especfica da praa pblica e tambm do humor popular e toda a riqueza das suas manifestaes. Nem mesmo os especialistas do folclore e da histria literria consideraram o humor do povo na praa pblica como um objeto digno de estudo do ponto de vista cultural, histrico, folclrico ou literrio. Entre as numerosas investigaes cientficas consagradas aos ritos, mitos e s obras populares lricas e picas, o riso ocupa apenas um lugar modesto. Mesmo nessas condies, a natureza especfica do riso popular aparece totalmente deformada, porque so-lhe aplicadas idias e noes que lhe so alheias, uma vez que se formaram sob o domnio da cultura e da esttica burguesas dos tempos modernos. Isso nos permite afirmar, sem exagero, que a profunda originalidade da antiga cultura cmica popular no foi ainda revelada. (p.3)

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cultura. Nesta o indivduo no obtm nenhum tipo de criao, apenas se apodera do que determinado e descaradamente copiado: a produo tende a suplantar a criao (CUCHE, 2002, p. 158). Diante disso, fica evidente que a cultura de massa essencialmente uma cultura imposta, no que diz respeito ao indivduo, tendo como vtima esse mesmo indivduo, mal informado que se encontra em estado de submisso, tornando-se um consumidor passivo e sua participao resume-se em apenas consumir tudo o que fabricado pela classe elitista. Contudo, essa qualidade da cultura de massa de ser determinante na vida de milhes de sujeitos no implica dizer que esta tambm determinada, pois est condicionada a um sistema poltico e econmico que dita a sua funo em meio a sociedade. Nestas circunstncias, a cultura de massa depende de outras formas de cultura. No instante em que colabora com a cultura de carter popular, esta necessariamente determinada pela cultura dominante. Voltando idia de cultura popular, esta se torna alvo de preconceitos, pois para a classe dominante, a cultura provm de uma realidade marginalizada, isto , a cpia da cultura considerada legtima defendida pela minoria da sociedade, ou seja, a cultura dita erudita a que se sobrepem s demais formas de cultura. Neste caso, cultura popular seria ento a expresso da alienao social das classes populares, desprovidas de qualquer autonomia (CUCHE, 2002, p. 147-148). Embora a cultura popular preceda uma realidade denominada marginalizada, isso no quer dizer que no haja nada de criativo em sua essncia. Os sujeitos pertencentes cultura popular possuem criatividades culturais significativas que do sentido s suas formas de manifestaes culturais, pois medida que determinados grupos se utilizam de instrumentos de outras realidades culturais, estes as tornam prprios de sua cultura e, mesmo sendo influenciados e fazendo uso de elementos alheios, conseguem transformar ou reinterpretar a cultura, dando-lhe novas caractersticas e significados. Nesta perspectiva, podemos levar em considerao a concepo de cultura popular elucidada por Coelho Neto (1997, p. 120), quando diz que:

[...] a cultura popular no se apresenta como uma cultura parte da cultura erudita ou dominante, mas como um modo no interior de outro, com o qual dialoga (ou no) em diferentes comprimentos de onda. Sob este aspecto, a cultura popular no apenas tradio e folclore i.e., aqueles modos e formas culturais congelados, que se reproduzem a si mesmos sem variao ou que se mostram como resduos histricos, como ocasionais monumentos (embora monumentos preservados sejam quase sempre apenas aqueles da cultura dominante ou erudita) [...].

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No entanto, necessrio refletir de forma mais aprofundada tal colocao, pois a cultura de carter popular a forma que o homem encontrou para sobreviver em meio s determinaes da sociedade dominadora. Embora esta ainda seja vtima de uma cultura determinante. Essa cultura dita popular no surge do acaso, ela tambm ilustra lutas e resistncias de muitos povos em prol de um reconhecimento de seus ideais. A cultura popular dita em muitos casos como uma subcultura, entendida como uma cultura constituda pelas classes sociais pobres que se encontram desligadas da cultura global, predominante. Nesse sentido, temos que a [...] subcultura est para a cultura como o subsistema est para o sistema [...] (MELLO, 1986, p. 65). A cultura global corresponde aos processos de inter-relacionamento das outras formas de cultura que se encontram mais integrados aos processos de transformao ocorridos na sociedade moderna. Diante disso, tem-se que a cultura popular ainda hoje taxada como cultura subalterna, excluda dos processos sociais, s que no se deve afirmar que esta no possa compartilhar seus conhecimentos, smbolos e crenas com outras culturas, participando, desse modo, dos processos de construo de identidades culturais. Em se tratando da cultura erudita poderamos dizer que um tipo de conhecimento sistematizado e acadmico em sua maioria. Geralmente se constri atravs de mtodos cientficos e acabados. Apesar de tantas afirmaes quanto ao que realmente seja a cultura popular torna-se cansativa a busca por suas caractersticas prontas, pois como foi colocado: uma forma particular de cultura, seja ela popular, de massa ou erudita, esto todas imbricadas, isto , em constante reciprocidade umas com as outras. Sendo assim, preciso que a cultura popular seja vista com outras perspectivas, pelos sujeitos, pois no condiz a uma cultura isolada. A cultura de carter popular hbrida e possui capacidade de transformao em meio sociedade.

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4.2 Manifestaes Culturais

As manifestaes culturais consistem em expresses simples da cultura, das mais sutis at as mais sofisticadas. Com isso, tem-se, por exemplo, um concerto musical como manifestao cultural, pois neste esto sendo representados vrios elementos da cultura de um povo que vai desde a representatividade do instrumento tocado at a prpria musicalidade transferida por este. No entanto, esse tipo representativo de manifestao cultural ainda direcionado para poucos, deixando a maior parte da sociedade brasileira aquela que est margem do processo de desenvolvimento intelectual e cultural no privilegiada, fazendo com que esses indivduos permaneam em um estado de desconhecimento das diversas formas de representaes de cultura. O artesanato, por exemplo, uma forma de manifestao cultural, pois ali em meio renda, palha, ao fil9 est contido conhecimentos e experincias de toda uma gerao e que at hoje transmitida e utilizada como material de subsistncia de algumas comunidades. Por ser uma manifestao cultural de carter simples e peculiar, normalmente encontra-se localizada nas periferias das cidades brasileiras, estando, portanto, ao alcance de qualquer pblico, independente das condies econmicas. Por todo o Brasil pode-se verificar vrias manifestaes culturais. Tais manifestaes representam a voz do povo. uma forma subjetiva de os indivduos se expressarem em meio ao seu ambiente. a maneira de mostrarem o que sentem e como pensam. Em cada regio do Brasil so verificadas vrias formas de expresso cultural e so inmeras as possibilidades para isso: o teatro, a literatura, a msica, entre outras performances. Na regio do Nordeste h muitas manifestaes culturais, entre as quais est a dana, msica, a literatura de cordel, as emboladas10 e os repentes. A regio caracterizada, em sua histria, por algumas atividades, como por exemplo, a monocultura da cana-de-acar, a vida rural e tambm ao monoplio dos senhores de engenho (DANTAS, 1986, p. 9). Partindo disso, pode-se dizer que uma considervel parte da histria do Nordeste foi marcada e ainda (apesar de vrias modificaes ocorridas no setor rural e aucareiro, decorrente da decadncia de boa parte do ciclo dos engenhos no inicio do sculo XX, que9

Tipo de renda muito comum em algumas regies do estado de Alagoas, principalmente, nos municpios de Macei e de Marechal Deodoro. Tem forte marca a base na rede de pesca e muito usado como elemento de peas decorativas e utilitrias, tais como vestimentas, toalhas, bolsas, etc. 10Tipo de msica cantada em versos e em rimas acompanhada geralmente por pandeiro e que fala dos mais variados assuntos, que vo desde uma contao de histria at o desafio entre os emboladores.

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marcaram grandes modificaes na vida social e poltica dessa regio), por algumas dessas atividades tais como o cultivo da cana-de-acar. Os temidos senhores de engenho, tidos como verdadeiros chefes de famlia, chefe poltico, nativista e patriota, foram os que comearam a financiar muitos artistas entre repentistas e embaladores, violeiros, mestres, entre outros que iniciaram o folclore na regio nordeste. Porm, o auxlio a esses mestres era um meio utilizado pelos senhores de engenho para conquistarem uma boa imagem dentre os seus rivais produtores e tambm em seus empregados, mantendo-os melhor dominados e assim conformados com a situao servil em que se encontravam. O universo dos artistas (folcloristas) se resumia s cantorias, devoo e elogios aos senhores de engenho e a suas famlias. No poderia ser diferentes, pois todos eles dependiam do cultivo da cana de acar. Muitos eram cortadores de cana, cambiteiros11, e assim dependiam de toda aquela estrutura patriarcal e agrria. Portanto necessitavam dessas para se manterem. Embora toda essa estrutura fosse representada pelos senhores de engenho, foram os mestres de folguedos que ajudavam a manter a cultura da cana de acar na regio. Isto fica evidente em um dos versos registrados por Tho Brando (1973, p. 62):O Sinh dono da casa quem pode vest vu, quem se pode ador Abaixo de Deus do cu. O sinh dono da casa L no cu tem um and, Para o sinh se assent Quando deste mundo f.

Todas essas honrarias advindas dos trabalhadores para com seus patres partiam de uma sutil ingenuidade, mas no fundo os mestres repentistas, violeiros e cantadores, sabiam que assim poderiam mostrar suas criaes. Tais criaes perduram at os dias atuais, embora sofram ainda muito descaso e preconceitos. Ao longo desse perodo de mudanas na economia rural e aucareira, os folguedos se dispersaram. Tem-se neste momento o fim da aristocracia rural, onde os poucos grupos que resistiram a essas mudanas, buscaram sobreviver com suas manifestaes culturais, com modestas apresentaes em festas do interior do Estado, financiadas pelos prefeitos municipais ou ainda em fazendas a merc da gentileza dos proprietrios, que ao fim das

11 o responsvel pelo corte da cana, Cambito o mesmo que cana no conhecimento popular, por isso, o nome de cambiteiro.

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apresentaes ajudavam dando-lhes uma gratificao que se resumia a uma gorjeta ou em algum alimento (DANTAS, 1987, p. 15). Apesar de todas as dificuldades existentes desde o sculo XX at os dias atuais, os mestres continuaram, resistiram a muitos dos empecilhos ocorridos ao longo de toda a histria do folclore nordestino. Esses mesmos indivduos deram prosseguimento a sua cultura com apresentaes em diversos folguedos. Dessa forma, foram se formando os diversos grupos folclricos, distribudos em toda a regio do nordeste, cada qual com sua forma de se expressar, mas todos possuam algo em comum: a vontade em vivenciar as suas culturas.

4.2.1 Grupos Folclricos

Para tratar dos grupos folclricos necessrio entender brevemente em que consiste o folclore e a sua representao na vida de um povo. Tho Brando (1982, p. 12) coloca que a cultura, alm de dinmica, caracterizada como resistente mudana. Enquanto alguns indivduos mudam de forma rpida, outros resistem conservando sua forma antiga, continuando a viver igualmente apesar das transformaes que se processam. Das resistncias, pode-se falar do surgimento de resduos da cultura as formas de sobrevivncia e desta sobrevivncia que se constitui o folclore. O folclore, palavra de origem inglesa, corresponde aos costumes e s tradies de um povo, manifestadas ao longo de suas experincias, ou ainda, so as tradies populares contidas em uma determinada sociedade. Essa palavra se forma a partir da juno de duas outras do antigo idioma anglosaxo que o folk e lore, que significam respectivamente povo e conhecimento (THO BRANDO, 1982, p. 15). Folclore a relao do conhecimento com o povo. Mas no se trata de qualquer povo. preciso entender que o povo de que se refere aquele portador da criao, ou ainda como afirma Tho Brando (1982, p. 15) [...] criador ou possuidor do conhecimento e do saber tradicionais. A representatividade do folclore no se resume a danas e msicas simplesmente. Toda a literatura oral, - mitos, supersties, provrbios, lendas, fbulas, literatura de cordel, entre outros, so o folclore. O folclore no esttico, podendo sofrer modificaes do meio ambiente no qual se encontra representado (VASCONCELOS, 1998, p. 31). A afirmao de que o folclore no esttico torna-se uma idia razovel, mas preciso entender que a tais modificaes no implica dizer que deva afetar a autenticidade da

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manifestao independente de qual for. natural que se acompanhe o progresso, mas em nenhum momento deve-se permitir que este destora as representaes da nossa vida social, a nossa cultura, o folclore, as tradies populares e os costumes dos povos. Partindo de todas essas observaes do que diz respeito ao folclore e seu significado, sero mostrados alguns dos grupos folclricos que correspondem cultura popular de Alagoas. O objetivo nesse momento especificar entre esses grupos os que representam a cidade de Macei. De acordo a Secretaria de Estado e da Cultura em Alagoas, o Estado possui a maior diversificao em folguedos. Alguns estudiosos do folclore dizem que so quatorze folguedos natalinos, dois folguedos de festas religiosas, quatro folguedos carnavalescos com estrutura simples, dois tors12 e trs danas, totalizando vinte e nove folguedos e danas alagoanas. Dentre os grupos existentes no Estado temos os folguedos natalinos: Baianas, Guerreiro, Prespio, Maracatu, Baianas, Bumba-meu-boi, Pastoril, Fandango, Quilombo, Cavalhada, Marujada, Reisado, Chegana, Taieiras e Pastoril de Estudante. So vrios os grupos, mas o que interessa descrever aqui apenas sobre os grupos de folguedos natalinos da cidade de Macei - AL denominados Guerreiro, os quais tm forte presena no municpio, principalmente na periferia.

4.2.2 O Guerreiro

O Guerreiro um elemento da cultura popular alagoana muito peculiar. Surgiu por volta da dcada de 1920 e consiste em uma mistura de diversos folguedos, bem como o Pastoril, Chegana, Auto das Caboclinhas e o Reisado. Este ltimo contribuiu muito para a formao desse folguedo (VASCONCELOS, 1998, p. 70). As festas ocorridas em Alagoas, mais precisamente no perodo da vspera de natal at o dia de Reis ainda vista como uma poca de excelncia no que diz respeito aos folguedos populares ainda existentes no Estado. Entre estes podemos citar: pastoris e prespios, cheganas e fandangos, reisados e guerreiros, cabocolinhos e quilombos, baianas e taieiras. Todos estes, na maioria das vezes, se preparavam com meses de antecedncia para abrilhantar as festas exuberantes que aconteciam em Macei, Ferno Velho, Cachoeira, Utinga, Pilar, Capela, Viosa, Atalaia e Camaragibe. O intuito dessas festividades13 era de divertir todos os

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Ritual indgena muito caracterstico entre os grupos do nordeste brasileiro. As festividades (qualquer que seja o seu tipo) so uma forma primordial, marcante, da civilizao humana. No preciso consider-las nem explic-las como um produto das condies e finalidades prticas do trabalho

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indivduos dessas localidades, sem distino de classe social (THO BRANDO, 2007, p. 11).

Figura 1 Mestre de Guerreiro Fonte: Lisandra Pereira, (2009)

O Guerreiro se apresenta em Macei como uma forma aculturada do Reisado14 (THO BRANDO, 1973). A partir da sua organizao dada por maior influncia do Reisado, o guerreiro passa a ser interpretado em diversas cidades do interior de Alagoas. Os Guerreiros so considerados auto popular15 e sua constituio parte de outro auto popular que o Reisado. Entre as duas manifestaes da cultura popular nordestina, prevalece um enorme sincretismo e isto evidente em vrios dos instrumentos utilizados em ambos, como a sua indumentria, as danas e as personagens (ARAJO, 2004, p. 483). Muitos mestres, pensando em criar um folguedo mais completo e em busca de uma dinmica viva que referenciasse outros grupos, passou a atrelar vrias figuras de outros grupos, criando cantos mais animados com bastante improvisao. Da surgiu o Guerreiro, nesta juno de inmeras manifestaes da cultura popular alagoana. Com uma indumentria semelhante a do Reisado, compe-se de colees de cetim, guarda peitos enfeitados de areia brilhante e espelho, alm dos meies brancos de algodo e chapus com forma de igreja, decorados com fitas e espelhos.coletivo nem, interpretao mais vulgar ainda, da necessidade biolgica (fisiolgica) de descanso peridico. As festividades tiveram sempre uma concepo do mundo. (BAKTHIN, 1987. p. 7) 14 So grupos derivados de Janeireiros e Reiseiros portugueses, se caracterizam pela pedincha, pelo petitrio de Reis. So os grupos organizados que de natal a reis, saem de porta em porta, de casa em casa, de lugarejo a lugarejo, a realizar a pedincha, de gneros e alimentos como se fazia em Portugal, ou mais precisamente o pedido de dinheiro. (THO BRANDO, 1973). 15 Auto popular corresponde ao teatro medieval europeu, forma encontrada para levar ao povo mensagens, atravs de representaes, tanto faladas como cantadas (THO BRANDO, 1964).

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Figura 2 Chapu de Rainha de Guerreiro Fonte: Lisandra Pereira, (2009)

Figura 3 Chapu de Mestre de Guerreiro Fonte: Lisandra Pereira, (2009)

Sendo dito como um Reisado moderno, o guerreiro passa a criar uma diversidade de figurantes, relatando a partir destes episdios diversos, trazendo consigo uma exuberante riqueza em seus trajes e enfeites. No incio, as contas brilhantes usadas eram de aljofre, bem sofisticadas. Atualmente utiliza-se de bolinhas de rvore de natal ou de plstico (DANTAS, 1986, p.19). Com o passar dos tempos e na maioria das vezes por necessidade, o guerreiro utilizou de improvisos para a preparao das suas vestimentas. No Guerreiro existem vrias figuras, entre elas a Lira, a Rainha, a Sereia, o ndio Per, os Vassalos, a Borboleta, o General e os Embaixadores. O Mestre a principal e indispensvel a esse grupo (VASCONCELOS, 1998, p. 70).

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Figura 4 Grupo de Guerreiro Autor desconhecido, (2005)

Na cidade de Macei os grupos de Guerreiro normalmente se apresentam em eventos organizados pela Associao dos Folguedos Populares de Alagoas (ASFOPAL) e tambm em alguns eventos promovidos pela Secretaria do Estado e da Cultura do Estado de Alagoas (SECULT). Como figura da cultura popular alagoana e representante dos folguedos em Macei, percebe-se que o Guerreiro necessita da colaborao no s das instituies que o acolhe em suas atividades (eventos), mas tambm precisa que a sociedade conhea melhor esse folguedo e a partir desse conhecimento valorizem de modo geral o folclore vivo e nato que dele expresso. Portanto, deve-se perceber, como diz Vasconcelos, (1998, p. 72), Um povo sem tradio um povo sem vida!, e em busca desta vida que devemos caminhar, para uma democratizao da cultura popular, uma cultura dinmica e presente na vida de toda a sociedade. Por ser uma manifestao cultural hbrida da cidade de Macei e por conter uma diversidade de elementos culturais, o Guerreiro no se prope apenas em representar um tradicionalismo se configurando como de uma cultura esttica. Pelo contrrio, este folguedo na medida em que deixa evidentes suas razes faz com que estas se prolonguem respeitando tempo e espao em que se encontram. O que se discute por tradicional aqui no algo que aconteceu em certo momento, sendo entendido como passado, mas as experincias e ensinamentos que so adquiridos de forma dinmica. O Guerreiro inovador e assim como os homens de uma determinada sociedade, busca a todo o momento sua identidade cultural.

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4.3 Ao Cultural

A ao cultural se caracteriza por um processo de intermediao cultural pela qual o indivduo passa a criar seus prprios fins. A prtica da ao cultural pode proporcionar ao homem um contato maior com a sua cultura e, a partir da, buscar meios para dissemin-la a toda a comunidade. Desse modo, depreende-se que o objetivo da presente discusso sobre ao cultural visa possibilitar uma maior compreenso sobre este processo cultural, procurando caracteriz-lo e diferenci-lo de trabalho cultural, tais como: a fabricao cultural e a animao cultural. Para tanto, tomou-se como base terica autores como Coelho Neto, Flusser e Milanesi. A partir da compreenso destes quanto ao que seria ao cultural, buscou-se a melhor forma de evidenciar as diferenas entre ao cultural, fabricao e animao cultural, enaltecendo o significado e o objetivo da ao cultural propriamente dita. Segundo Coelho Neto (1988, p. 12), o que diferencia a ao cultural de outros processos culturais que esta trata de um processo armado, mas sem fim especificado e, portanto, sem etapas ou estaes intermedirias [...]. A ao cultural pode ainda ser confundida, em muitos casos com a fabricao cultural, mas ambas so extremamente diferentes. No caso da fabricao cultural, essa consiste em um processo pr-determinado: tem incio, meio e fim, e busca ao trmino do seu processo um produto; alm de no dispor de condies para que as pessoas envolvidas desenvolvam suas criatividades. (CABRAL, 1999, p. 39) A fabricao cultural uma forma mais cmoda de enxergar e de tratar a cultura. Nesta, a viso que se tem de uma produo que objetiva o controle social, poltico e cultural da sociedade. O que fabricado o imvel, o acabado, o que se pretende definitivo assim como nas ditaduras (COELHO NETO, 1986, p. 100). No caso da ao cultural, um dos seus princpios bsicos o de facilitar o acesso produo cultural, a criao da produo cultural de um povo e de no aceitar uma cultura moldada, definida. Para Flusser (1983, p. 156), a ao cultural uma prtica que pode se articular em torno de trs problemas, que so a inveno (direcionada ao desenvolvimento criativo do indivduo, possibilitando a estes a descobrir suas potencialidades), a formulao (que consiste na habilidade que o sujeito utilizar para suas invenes, o uso do conhecimento tcito na percepo e decodificao dos seus cdigos culturais), e por ltimo a criao (que representa o modo pelo qual ser articulada tanto a inveno quanto a formulao). A inveno possui um propsito considervel quando se posiciona como meta para a promoo da criao do indivduo.

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Esses trs problemas apresentados por Flusser que tambm caracterizam a ao cultural, considerada por Freire (2007, p. 95) como ao libertadora, caracterizada pelo dilogo no ato de conhecimento diferente da ao para domestificao (fabricao cultural) objetivada pelas classes dominantes, procurando embotar as conscincias. Ao passo que a ao manipuladora visa modelar as formas de cultura do indivduo e com isso a sua vida social, a ao cultural emergente e libertadora busca a problematizao da realidade social do sujeito, ao invs de tornar esta um slogan, ridiculamente pblica. Em contrapartida, a ao cultural ainda uma forma de exercitar a prtica cultural, onde toda e qualquer atividade de produo e recepo cultural direcionada ao sujeito envolvido na ao. Nesse tipo de ao o que se preza a criao e a produo cultural, desde que esta seja executada com a comunidade e pela mesma. Na prtica da ao cultural o homem forado a uma participao efetiva na comunidade e atravs dessa interao esse se torna um ser conhecedor dos seus direitos em meio sociedade, tendo a possibilidade de executar suas prticas culturais com inteira liberdade, livre de restries e determinaes. Percebe-se assim a enorme disparidade existente entre a fabricao cultural e a ao cultural. Na primeira, a cultura, ou ainda, os indivduos, so determinados: o que se fabrica o que deve ser visto e entendido como cultura, o resto utopia; mas na ao cultural, a cultura se apresenta como dinmica transformadora e construtora de opinies. Nela no h a voz do Estado ditando o que deva ser cultura, mas os indivduos que verdadeiramente vivenciam as suas culturas e procuram nestas seus meios de sobrevivncia, suas formas de identidades. Para a ao cultural o Estado s dever intervir, participando e colaborando para que a prtica some foras sociedade, buscando por meio disso que a prtica da ao cultural seja compreendida como uma forma dialgica entre os indivduos e a sua realidade sociocultural. Uma forma de colaborao por parte do Estado na ao cultural pode ser exemplificada com o uso de bibliotecas pblicas, em que se deveria dispor dedicada assistncia no que diz respeito s verbas destinadas biblioteca para uma melhora na estrutura fsica e na qualificao dos profissionais desta instituio, melhorando assim seus servios. Com isso, estar proporcionando aos dirigentes (responsveis por essas instituies) condies dignas de trabalho, sempre pensando em ampliar os servios destas a todos, com vista a um trabalho extencionista. Segundo Flusser (1983, p.162), para que uma biblioteca se torne uma biblioteca-ao cultural necessrio que esta se direcione para o no pblico que repense suas finalidades, no se limitando a um pblico especfico. Havendo essa dedicao do Estado para com a biblioteca pblica, possa ser

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interpretada como um [...] instrumento de ao cultural (FLUSSER, 1983, p. 161), contribuindo para a mediao de informao, utilizando-se dos produtos culturais da comunidade. A proposta da ao cultural possibilitar aos sujeitos uma compreenso crtica da realidade, tanto num mbito social quanto cultural. A ao cultural definida por Flusser est direcionada a uma forma de transformao da biblioteca tradicional quanto s suas atividades para com o pblico. Essa perspectiva de ao cultural na biblioteca uma proposta ousada que visa despertar outro olhar diante de sua funo social e cultural. Em meio apresentao da discrepante diferena entre ao cultural e fabricao cultural, o que se pode dizer da animao cultural que se resume literalmente em animar, fornecer aos indivduos momentos de distrao. O objetivo da animao cultural de levar as pessoas a esquecer as agruras do cotidiano, de modo a deix-las num estado fsico e espiritual mais conveniente para o trabalho do dia seguinte (COELHO NETO, 1986, p. 99). A prtica da animao cultural nada mais que uma atividade de entretenimento. Nestas os indivduos se agrupam no intuito de se distanciar dos problemas sociais que os rodeiam. Em um primeiro momento, razovel e adequada a idia de animao cultural por sua iniciativa em reunir grupo de pessoas em um determinado local, oferecendo momentos de distrao e lazer. Mas, preciso mais que atividades recreativas, pois os indivduos necessitam de condies e instrumentos para pr em vigncia seus produtos culturais e atravs disso participar de forma mais ativa e democrtica da sociedade. diante desses parmetros que se toma a definio de ao cultural expressa por Coelho Neto (1986, p. 113):

O objetivo da ao cultural no construir um tipo determinado de sociedade; [...] ela tratar de fazer com que essas pessoas tomem conscincia de si mesmas diante de si mesmas e diante do coletivo, tratar de provocar essas conscincias face a face, e de faz-las enfrentar a tenso (para no dizer dialtica) entre o isolamento do singular e a solidariedade do coletivo tenso da qual pode resultar um tipo determinado de sociedade, um novo tipo.

Partindo dessa perspectiva, tem-se a ao cultural como um instrumento de socializao e democratizao do indivduo fazendo com que o conjunto de pessoas envolvidas no processo seja direcionado a criar e desenvolver seus produtos culturais para si. H outra interpretao de ao cultural que se utiliza da instituio biblioteca, mais precisamente a biblioteca pblica. Esta talvez seja mais ousada que a idia de Flusser quando toma a biblioteca-ao cultural. Milanesi (2003) objetiva a idia de ao cultural para a biblioteca otimizando no s a

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transformao estrutural desta, tal como esta se apresenta, mas tambm com uma concepo da biblioteca como um centro de cultura, um ambiente livre, aberto a discusses. Enfim, um local de informaes ilimitadas e longe de censuras, com o objetivo de proporcionar um vasto relacionamento entre os sujeitos. Esses centros de cultura, medida que se posicionam contra os princpios que exigem dos homens que no inventem, que no ousem ou que permaneam na rotina, devem concentrar-se na inveno de discursos. Nesse caso, ou h criatividade ou a ao cultural inexiste (MILANESI, 2003. p.181). Partindo do ponto de vista desse autor, tem-se o centro de cultura, como um modo de ao cultural a partir do instante em que este pretende maximizar o ambiente tradicional da biblioteca, tornando-a espao de discusso (dispensando muitas vezes o silncio), abordando temas polmicos que despertem a opinio do seu pblico. Logo, o centro cultural deve atuar como uma antena [...], captando o que possa interessar a coletividade [...] (MILANESI, 2003, p. 185), e assim transformam-se os sinais em aes onde os protagonistas so o pblico em geral. Diante disso, a ao cultural conduz a um processo contnuo de criaes conjuntas e, acima de tudo, organizadas, objetivando sempre o envolvimento das pessoas nessa prtica, tendo em vista o desenvolvimento scio-cultural de uma determinada comunidade. Para tanto, necessrio que os profissionais responsveis pelo processo de ao cultural tenham amplo conhecimento da realidade social e cultural da comunidade em que executada a ao, pois a atividade no deve ser articulada sem um planejamento prvio (estudo da realidade local), juntamente com os participantes (sujeitos da ao). Ou seja, primordial conhecer e entender as dificuldades e necessidades expressas pelos grupos envolvidos, para ento dar incio prtica da ao cultural. A ao cultural pode se valer de quatro fases, ou melhor, nveis do sistema de produo cultural: produo, distribuio, troca e uso da cultura (COELHO NETO, 1997, p. 32). Esses nveis ou fases do sistema de produo cultural podero ser utilizados na prtica da ao cultural, dependendo do interesse apresentado pelo grupo/comunidade que ser trabalhado. A prtica da ao cultural deve primar pela interao e integrao dos sujeitos para com sua realidade scio-cultural. No entanto, necessrio compreender as fases do sistema de produo cultural para que se possa pensar qual a mais cabida para aplicar na ao cultural em um determinado grupo. De acordo com Coelho Neto (1997, p. 32), cada uma das fases possui um objetivo especifico: a ao cultural de produo tem por objetivo a concretizao de medidas que possibilitem a gerao efetiva de obras de cultura ou arte; a ao cultural de distribuio uma forma que

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prope condies para que obras de cultura ou arte entrem num sistema de circulao que lhes possibilite a veiculao a pontos pblicos de exibio; a ao cultural voltada para troca visa promover o acesso fsico a uma obra de cultura ou arte: isso se d de um modo particular atravs de financiamentos de acesso a locais pblicos, tais como cinema, teatro, etc., com um custo muitas vezes considervel; a ao cultural voltada para o uso, procura promover o pleno desfrute de uma determinada obra, envolvendo seus aspectos formais, de contedo, sociais e outros, recorrendo elaborao de catlogos, programas de apresentao de um espetculo ou filme, palestras etc. Como pde ser verificado, as quatro fases do sistema de produo cultural possibilitam na prtica da ao cultural um alcance maior das atividades culturais, pelo fato de cada uma apresentar objetivos especficos, mas que prope a mesma finalidade: a mediao e a produo cultural dos indivduos dentro da sua realidade sociocultural. Partindo das caractersticas da ao cultural frente s outras atividades culturais, chegase concluso de que a prtica da ao cultural algo que viabiliza aos indivduos as suas obras culturais. , nesse sentido, que a ao cultural constitui-se em uma forma de incentivo cultura, possuindo um carter espontneo, no necessitando de imposies por parte de instituies. Com isso, pode-se argumentar o quo distinta a prtica da ao cultural da fabricao cultural e tambm da animao cultural. No entanto, no se prope aqui dizer que essas ltimas so prticas inutilizveis sociedade, mas preciso que sejam repensadas. Os seus focos devem ser direcionados ao desenvolvimento e aprimoramento das diversas atividades culturais, para ento dar sua contribuio no desenvolvimento cultural da sociedade. Um dos objetivos desse estudo mostrar que ao cultural o inverso da fabricao cultural, pois no se constitui de um programa com objetivos materializados e previamente determinados em todos os seus aspectos por uma poltica cultural definida, mas um processo dinmico, com um fim indeterminado, onde o que importa so os meios e/ou processos utilizados e no os fins (COELHO NETO, 1997, p. 33). Assim, a ao cultural no condiz com a produo cultural determinada, definitiva (fabricao cultural), no possui nada em comum com o processo de animao cultural. Neste sentido, a ao cultural prope interligar, servir de ponte s pessoas e suas obras de cultura ou arte. A ao cultural visa permitir a uma pessoa ou grupo condies de exprimir-se culturalmente e socialmente, ao contrrio da passividade qual pretendida ao sujeito na animao. Embora a ao cultural possua distines para com outros processos, ela necessita, alm

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dos sujeitos envolvidos (protagonistas do processo) de um profissional que estabelea contatos com a sociedade para que o processo de ao cultural seja realizado. O profissional responsvel a guiar o incio das atividades dentro do processo de ao cultural dever ser o individuo com interesses coletivos: no pode ditar como se dar as atividades da ao, apenas contribuir, dispondo de instrumentos para que a comunidade crie seus fins culturais. Desse modo, o processo de ao cultural contar com profissionais para o desenvolvimento cultural de um grupo de indivduos. Essa colaborao deve-se dar atravs de sua integrao com os sujeitos da ao. Porm, necessrio que o responsvel pela ao conhea o local onde ir trabalhar, para dessa forma saber como fazer para que as pessoas atuem com criatividade num determinado grupo. O profissional envolvido no processo de ao cultural precisa ter uma noo do que est em jogo socialmente, antropologicamente, quando se intervm culturalmente em um grupo, numa comunidade (COELHO NETO, 1986, p. 115). Como no h formao direcionada ao profissional que queira participar da prtica da ao cultural, necessrio que esse indivduo possua a princpio interesse em trabalhar com o coletivo, alm de se mostrar flexvel quanto s questes culturais que envolvem a vida em sociedade. Portanto, a ao cultural, como definida em outro momento, um trabalho conjunto em que a colaborao do profissional dependente de formao plural, sendo esta de grande importncia na consolidao das atividades estabelecidas em meio prtica da ao cultural. E, para melhor esclarecer ao cultural, ser esboada a seguir uma sntese da compreenso de ao cultural.CONCEPES DE AO CULTURAL AUTORES Coelho Neto CONCEITOS A finalidade da ao cultural no de construir um tipo nico de sociedade, mas primar pelo trabalho conjunto onde os sujeitos so autores da ao, descobrindo seus fins. A ao cultural vista como uma forma de transformao da biblioteca, da sua estrutura tradicionalista para um espao que prope a interatividade entre os seus servios e o indivduo. Adotando a biblioteca como um centro de informao essa existir com o intuito de transformar seu ambiente com a perspectiva de ir alm de seus princpios, abrindo espao para um acervo livre de censuras, que busque atender as necessidades do seu pblico.

Flusser

Milanesi

Adaptado de: Fonseca (2006). possvel perceber que para cada autor o processo de ao cultural ter uma definio prpria, mas que em essncia visa um nico objetivo, tomando com o apoio a idia de Coelho

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Neto quanto concepo de ao cultural. Tem-se que esta pode ser sintetizada como uma prtica em que se prope transformar a cultura esttica e determinada em uma cultura viva que deve se efetivar num estado de extrema liberdade. Sendo assim, o agente cultural deve contribuir de forma significativa para a realizao dessa prtica e em seguida ser tratado com mais nfase sobre o agente cultural e o seu papel dentro do processo de ao cultural.

4.3.1 Agentes Culturais

A inteno desta vez de caracterizar esse profissional, pondo em evidncia a sua colaborao para a ao cultural. Nesse percurso, tratar-se- de exemplificar suas aes a partir do bibliotecrio como agente cultural, mostrando-o como profissional com grandes conhecimentos e habilidades que contribuem nas atividades da ao cultural. importante falar sobre a participao do agente cultural, porque ele quem buscar meios para que o processo de ao cultural acontea de fato. E partindo de um conhecimento da realidade da populao, o responsvel pela ao encaminhar, de forma organizada, todas as etapas das aes desenvolvidas por um grupo determinado. A priori, necessrio entender como se caracteriza o agente cultural e qual sua colaborao na ao cultural. O agente cultural no o individuo que necessariamente um produtor cultural ou aquele que produz arte e cultura a fim de torn-la pblica. Mas o individuo responsvel pela mediao dos produtos culturais, desenvolvidos por determinados sujeitos para o pblico. O agente cultural apenas se envolve com a administrao das artes e da cultura e sua funo a de possibilitar aos sujeitos envolvidos na ao condies para que possam inventar seus prprios fins e seus produtos culturais (COELHO NETO, 1997, p. 42). Em sntese, seu objetivo dispor de condies para que o indivduo possa criar e desenvolver seus trabalhos e, a partir disso, tornar-se sujeito de sua cultura, participativo em meio ao ambiente social no qual est inserido, respeitando sempre suas limitaes e jamais atuando como mero sujeito da cultura copiada e imposta pelo Estado. Atentando para a importncia da presena do agente cultural, Coelho Neto (1988, p. 67) afirma que:[...] atravs do agente cultural a arte se por em contato com o indivduo ou a comunidade tanto quanto o artista penetrar na comunidade (e o universo, de modo particular) assim como a comunidade alcanar os recursos necessrios para uma certa prtica cultural.

Portanto, a ao cultural propicia o contato do profissional com a sociedade, a troca de

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experincias ao longo das atividades desenvolvidas, alm de propor diversas transformaes ao indivduo para torn-lo um ser crtico diante de inmeras questes scio-culturais. A prtica da ao cultural vista como um campo extenso para a atuao de inmeros profissionais.