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nilda-figueira
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Os Sem Abrigo constituem actualmente, uma das faces mais visíveis da existência de fenómenos de pobreza e exclusão social urbana traduzindo-se uma das mais difíceis resoluções. A pobreza e exclusão são conceitos utilizados como sinónimos. Ambos remetem à noção de pessoas Sem Abrigo que quando nos referimos a eles ocorre-nos a ideia que a sua maior carência é a de uma habitação. Um estudo elaborado pelo Instituto da Segurança Social, em 2005, em Portugal Continental, constatou-se que os grandes centros urbanos, tais como: Lisboa, Porto, Setúbal, Faro e Aveiro apresentam resultados de maior incidência deste fenómeno, a maior parte das pessoas sem-abrigo são do sexo masculino, solteiros e com idades compreendidas entre os 30 e 49 anos de nacionalidade portuguesa.
Citation preview
Combatendo o fenómeno dos sem-abrigo: Estratégias e políticas para
apoiar a população sem-abrigo na cidade de Lisboa
O presente artigo procura apresentar alguns dos resultados de um projecto de investigação,
que teve a duração de um ano, centrado sobre a temática dos sem-abrigo e delineado em torno
de dois objectivos principais: i) apresentar um diagnóstico, baseado em estudos empíricos
pré-existentes e na recolha de bibliografia, da situação e condições de (sobre)vivência dos
sem-abrigo na cidade de Lisboa; e ii) sob inspiração do referido diagnóstico e da compilação
de um estado-de-arte referente às estratégias e práticas desenvolvidas abordando a questão
dos sem-abrigo em vários países europeus e nos Estados Unidos da América (EUA), avançar
com a construção de uma série de recomendações de intervenção política – integradoras,
inovadoras e adequadas à situação da cidade de Lisboa – organizadas com o intuito de
promover a melhoria das condições de vida da população sem-abrigo da cidade. A análise
efectuada permite afirmar a necessidade de desenvolver abordagens multi-escalares,
envolvendo a actuação coordenada de vários actores institucionais, e focalizadas,
simultaneamente, sobre várias problemáticas, nomeadamente a melhoria das condições e do
acesso (por partes destes individuos) à habitação, à saúde, à educação e ao mercado de
trabalho. É de forma inspirada por estas ideias que foram desenvolvidas as novas respostas
institucionais existentes na cidade de Lisboa (e, mesmo, em Portugal) para auxiliar a
população sem-abrigo, respostas essas que, conjuntamente com um diagnóstico sucinto da
situação dos sem-abrigo na cidade de Lisboa, serão apresentadas em seguida.
Palavras-chave: Direito à habitação; Exclusão social; Lisboa; Pobreza; Sem-abrigo.
1. Introdução
O processo de crescimento económico registado nas últimas décadas do século XX,
com particular dimensão nos países ocidentais, não foi alheio ao aparecimento de um
conjunto de sintomas, mais ou menos visíveis, de fractura social, que o actual contexto de
crise económica e financeira tem vindo (e continuará, certamente, a fazê-lo nos próximos
anos) a acentuar. Reflexo de um aparente paradoxo, é nas principais áreas urbanas – espaços
motores do desenvolvimento económico dos países ocidentais – que alguns dos mais
evidentes problemas sociais têm vindo a ocorrer, anunciando uma crescente e diversificada
vulnerabilidade das populações (pelo menos, de alguns estratos populacionais) urbanas, no
que respeita ao (in)cumprimento de Direitos Humanos básicos (e consagrados) como o acesso
à educação, à saúde ou à habitação.
Apesar da ancestralidade da problemática dos sem-abrigo nas sociedades dos ditos
países “avançados”, a sobre-dimensionação e diversificação que vêm caracterizando o
fenómeno nos últimos anos (particularmente a partir das décadas de 1960-70), evidencia a sua
ligação com os referidos processos de reestruturação territorial e socioeconómica.
Sendo a (ausência de) habitação o aspecto mais notório da situação de sem-abrigo (é
também aquele do qual deriva a sua denominação), importa relevar que a gravidade e
incidência de tal fenómeno decorre, não apenas das mencionadas deficiências habitacionais,
mas sim de uma multiplicidade cumulativa de factores socialmente “desafiliadores”,
expressos em esferas tão diversas como a dos cuidados de saúde (física e mental) ou a do
acesso à educação e ao mercado de trabalho. É, assim, possível afirmar que os sem-abrigo se
constituem, actualmente e de forma inequívoca, como uma das faces mais visíveis da
existência de fenómenos de pobreza e exclusão social urbana, assumindo-se, também, como
uma das suas manifestações mais perenes e de mais difícil resolução.
É sob o âmago do anterior quadro teórico – que será desenvolvido com maior detalhe
em seguida – e devidamente suportados por um diagnóstico da situação actual dos sem-abrigo
em Portugal e na cidade de Lisboa, que se procurará desenvolver, ao longo deste artigo, uma
análise crítica das respostas de auxílio aos sem-abrigo existentes, a nível nacional e local, a
partir da qual foi delineada uma série de recomendações e estratégias de actuação,
desenvolvidas no sentido de auxiliar a população sem-abrigo da cidade de Lisboa.
2. Conceptualização teórica: pobreza, exclusão social e o “fenómeno” dos sem-abrigo
Um primeiro aspecto a relevar na análise da pobreza enquanto fenómeno mundial,
respeita à sua relação, simultaneamente de causa e consequência, com as violações dos
Direitos Humanos. A Declaração Universal dos Direitos do Homem continua uma promessa
incumprida, vítima do desfasamento existente entre as promessas de inúmeros Estados
mundiais e a sua real vontade política.
Apesar dos inúmeros tratados, cartas de intenção, convenções e outros documentos, tem
sido difícil, ao longo das seis décadas que separam os tempos actuais da elaboração da
referida Declaração, combater a pobreza e estabelecer a igualdade de oportunidades a nível
mundial. A expressão popular “os ricos estão cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais
pobres” ganha cada vez mais relevância estatística; o mundo está cada vez mais desigual.
Como reconheceu Pierre Sané (2007) “a desigualdade é uma questão de direitos humanos. O
Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que todos crescemos
livres e iguais em dignidade e direitos. Para os pobres esta afirmação é uma enorme fraude”
(citado em Ribeiro, Oliveira e Silva, 2007, p. 18).
As discrepâncias existentes, actualmente, entre regiões e países, e internamente dentro
de uma sociedade, expressam-se não apenas numa desigual distribuição de rendimentos, mas
também na ausência de equidade nas oportunidades de acesso a dimensões sociais como a
saúde, a educação, ou a alimentação, que reflectem a (im)possibilidade de prática de uma
cidadania plena (recursos + direitos), digna e sem privações.
A pobreza é um fenómeno generalizado nas sociedades actuais e tem dado origem a uma
vasta literatura sobre o tema, realçando a sua variabilidade e abrangência espacial e temporal
e as suas dificuldades de definição e quantificação. Nas palavras de Ferreira (2000) “o
problema da pobreza é pois um problema velho como o mundo, assumindo sempre novas
configurações e constituindo sempre um desafio para que as sociedades criem mais justiça e
solidariedade entre todos os seus membros” (p. 12). Cada sociedade tende a apresentar,
assim, diferentes visões sobre o fenómeno, em função do seu próprio padrão de vida e das
condições que oferece aos seus cidadãos.
Crain e Kalleberg (2007) apontaram para a necessidade de distinguir entre duas visões: a
primeira, referente ao facto das pessoas serem pobres devido às suas características
individuais, atibuindo o “focus on the socioeconomic attributes and individual behavioral
tendencies of the poor, emphasizing the «culture of poverty»” (p. 4); e a segunda, centrada
sobre factores socioeconómicos, que considera “poverty as a structural feature of a
capitalistic economy that is rooted in the institutions of society” (p. 5).
Outra abordagem, utilizada por vários organismos supra-nacionais, muitas vezes
intuindo a mera operacionalização de conceitos e dados estatísticos, distingue entre pobreza
absoluta e pobreza relativa. A primeira está associada à ideia de subsistência e à satisfação de
necessidades básicas dos indivíduos, como comida, roupa ou habitação. Considera que as
pessoas que carecem destes requisitos vivem em situação de pobreza. A maior parte dos
autores defende que a pobreza absoluta é universal e que, independentemente do local, coabita
na pobreza quem estiver abaixo de determinados padrões de subsistência. Em contraponto,
surgem alegações que valorizam a utilização do conceito de pobreza relativa, traduzindo a
relação entre a satisfação das necessidades e o padrão de desenvolvimento de uma sociedade.
Subjacente a este último conceito, pode ser encontrada a consideração de que a pobreza é
determinada sobretudo por questões culturais, não devendo, como tal, ser mensurada de
acordo com um modelo de privação universal.
Os conceitos de pobreza e exclusão social são muitas vezes utilizados como sinónimos,
no entanto, cada um deles encerra diferentes bases teóricas, que levam a advogar a sua
complementaridade. Scitovski (1986) assinalou que a erradicação da pobreza se posicionaria
na “dinâmica do progresso social, ou progresso na equidade, definido como o incremento do
conjunto de necessidades acessíveis a todos numa base igualitária. O desenvolvimento, não
meramente o desenvolvimento económico mas o desenvolvimento humano, aumentaria ainda
a procura da equidade” (Ferreira, 2000, p. 39). Assim, o conceito de exclusão social – ao
considerar a existência de uma desagregação a vários níveis, nomeadamente em termos
económicos, políticos, culturais, ambientais e sociais – pode associar à pobreza uma dinâmica
que encerra, com maior intensidade, as problemáticas do desenvolvimento humano e social.
Anthony Giddens (2008) entendeu a exclusão social como “as formas pelas quais os
indivíduos podem ser afastados do pleno envolvimento na sociedade” (p. 324). Por
conseguinte, e como assinalado por Costa, Baptista, Perista e Carrilho (2008), “«exclusão
social» significa «exclusão da sociedade». A Sociedade (local, nacional, regional ou global)
será, então, constituída por um conjunto de sistemas sociais, alguns dos quais poderão ser
considerados como básicos ou essenciais” (p. 64-65).
A noção de exclusão social caracteriza, assim, a existência de situações extremas de
ruptura a vários níveis, como, por exemplo, as relações familiares e afectivas, o mercado de
trabalho ou outras formas de socialização. Partindo deste pressuposto, ser um sem-abrigo
pode ser considerado como uma das “formas mais extremas de exclusão social e, por vezes,
uma das mais visíveis, aquela em que o carácter de privação múltipla é patente e, por vezes,
contrasta fortemente com o meio ambiente em que se apresenta” (Costa, 1998, p. 80).
Ao falarmos da população sem-abrigo ocorre-nos, de imediato, que a sua maior carência
é a de uma habitação. No entanto, poucas vezes é relevado o facto de que não ter um abrigo
ou uma habitação actua como elemento excludente para muitas outras actividades quotidianas
básicas como, por exemplo, receber correspondência ou manter uma conta bancária.
A definição e operacionalização do conceito de “sem-abrigo” desde sempre colocou
inúmeras dificuldades à comunidade científica e aos decisores políticos. A procura de uma
definição pragmática e de fácil operacionalização estatística tem levado, em muitas situações,
à circunscrição ao significado etimológico da palavra. A preposição “sem” aponta para a ideia
de ausência e exclusão; o substantivo “abrigo” remete para a noção de casa e protecção.
Assim, de acordo com esta definição literal, o sem-abrigo pode ser considerado como aquele
que se encontra desprovido de uma casa, de um espaço que o filie e com o qual se possa
identificar. No entanto, é de nosso entender que esta definição não traduz a total extensão do
conceito, por desvalorizar outras dimensões (sociais, económicas, psicológicas, laborais,
familiares, etc.) não raramente associadas a essa condição.
Para colmatar esta situação, em Portugal, foi adoptado (conforme explicação no capítulo
4), em 2009, um conceito de pessoa sem-abrigo, considerando-a como aquela que,
independentemente do seu perfil socioeconómico (nacionalidade, idade, sexo, condição
socioeconómica e condição de saúde física e mental) se encontre: i) sem tecto, ou seja,
vivendo no espaço público ou com paradeiro em local precário; ou ii) sem casa, encontrando-
se em alojamento temporário especificamente destinado para tal efeito.
3. O(s) diagnóstico(s): Os sem-abrigo em Portugal e em Lisboa
A elaboração de diagnósticos referentes ao universo dos sem-abrigo é uma tarefa difícil
e complexa. Este facto deve-se, essencialmente, tal como notou Edgar e Doherty (2001), ao
facto dos sem-abrigo subsistirem exteriormente às estruturas normais das sociedades. Tais
constrangimentos originam que, na maior parte dos casos, os números apontados se refiram a
meras estimativas que “tendem a variar amplamente consoante as fontes e o seu significado
político” (Jenks, 1995, citado por Barreto e Bento, 2002, p. 31).
Os estudos que procuram caracterizar a população sem-abrigo em Portugal são escassos
e, reflectindo os anteriores constrangimentos, apresentam, valores relativamente divergentes
entre si. Parece, no entanto, haver algum concenso em situar o número de sem-abrigo em
Portugal continental no intervalo entre os 2500 e os 3500 indivíduos.
Um dos estudos que traça um perfil mais completo deste segmento da população foi
elaborado, em 2005, pelo Instituto de Segurança Social (ISS), motivado pelo objectivo de
conhecer a realidade dos sem-abrigo em Portugal Continental, intuindo uma melhor definição
das estratégias de promoção da formação profissional e empregabilidade desses indivíduos.
Embora não avance números concretos para os sem-abrigo, são identificadas, a nível regional,
as áreas com maior peso relativo de pessoas nessa condição. Os grandes centros urbanos são
identificados como as áreas de maior incidência do fenómeno, com os distritos de Lisboa
(48%), Porto (16%), Setúbal (7%), Faro (5%) e Aveiro (4%) a apresentar os resultados mais
expressivos (ISS, 2005).
O perfil da pessoa sem-abrigo é, também, identificado nesse estudo. Trata-se, na
maioria, de indivíduos do sexo masculino (90%). Mais de metade dos sem-abrigo
considerados no estudo apresentavam idades entre os 30 e os 49 anos. Os estados civis mais
representativos deste segmento da população são “solteiro” (64%) e “divorciado”, (18%)
transmitindo, de alguma forma, uma ideia da quebra de laços familiares.
A maioria dos indivíduos apresentava nacionalidade portuguesa (75%); no entanto, o
efeito das vagas migratórias das últimas décadas, primeiro dos Países Africanos de Língua
Oficial Portuguesa (PALOP) e, depois, dos países da Europa de Leste, se faça sentir também
na população sem-abrigo, com quase 20% da amostra a provir dessas áreas. De destacar,
ainda, a situação de ilegalidade em que a maior parte destes indivíduos se encontra, o que
aumenta a sua inacessibilidade aos mercados formais de emprego e habitação.
As estatísticas relativas à situação face ao emprego revelam que 73% das pessoas sem-
abrigo se encontrava, na altura do estudo, desempregada, de entre as quais, quase metade
(44%) já haviam experienciado essa situação mais do que uma vez. Os restantes 27%
encontravam-se a trabalhar, mas evidenciavam trajectórias laborais instáveis e pautadas pela
precariedade. Cerca de 85% da população considerada nunca beneficiou de subsídio de
desemprego e somente 2% recebia, no momento da inquirição, aquela prestação. Percebe-se,
assim, que a amostra era composta por indivíduos com graves dificuldades de inserção nos
mercados de trabalho formais e de acesso a benefícios sociais.
A realização de uma análise equivalente para a cidade de Lisboa leva a que sejam
considerados, complementarmente, dois estudos.
O primeiro, realizado no ano 2000, foi elaborado pelo Laboratório Nacional de
Engenharia Civil (LNEC) (Pereira, Barreto e Fernandes, 2000). A profundidade da análise
levada a cabo no referido relatório, aliada ao seu carácter “espacial”, leva a que, apesar da
desactualização dos dados, este seja considerado, ainda, como uma das fontes de informação
mais relavantes sobre os sem-abrigo na cidade de Lisboa.
Sumarizando a informação apresentada na Tabela 1, importa reter que quase 2/3 dos
sem-abrigo considerados no estudo pernoitavam em espaços fechados, nomeadamente em
centros de acolhimento (54%) e em espaços residenciais (quase 7%) e não-residenciais (pouco
mais de 3%) abandonados. Os restantes (mais de 35%) são considerados como os indivíduos
efectivamente “sem-tecto”, correspondentes à face mais visível do problema. De relevar que a
amostra utilizada no estudo se referiu a um total de 1366 indivíduos.
Tabela 1 – Espaços de pernoita dos sem-abrigo na cidade de Lisboa (Fonte: LNEC, 2000).
Tipologias de espaços N %
Espaço residencial abandonado 90 6.6
Espaço não-residencial abandonado 44 3.2
Veículos 119 8.7
Entradas e imediações de edifícios 184 13.5
Espaços públicos de lazer 19 1.4
Passeios e ruas 53 3.9
Baldios e canaviais 28 2.0
Viadutos e pontes 25 1.8
Albergues e afins 736 53.9
Paragens de autocarro 14 1.0
Outros 54 4.0
Total 1366 100
Relativamente à sua distribuição espacial na cidade de Lisboa, foi possível identificar, a
partir do mesmo estudo, que as pessoas sem-abrigo se concentravam maioritariamente nas
freguesias do Beato (26,6%), Campolide (11,6%) e Alcântara (6,7%), exactamente as áreas
em que se podia encontrar; à altura do estudo, uma maior oferta de centros de acolhimento.
Excluindo os albergues e estruturas afins, as freguesias com maior frequência absoluta de
indivíduos pernoitando noutros espaços fechados (nomeadamente, edifícios residenciais e
não-residenciais abandonados) eram São Sebastião da Pedreira (30) e Santa Maria dos Olivais
(15). Considerando apenas os indivíduos que pernoitam em espaços abertos, verifica-se um
maior peso relativo das freguesias de São Jorge de Arroios e Santa Justa (ambas com 31
indivíduos identificados), às quais se seguiam as de Alto de São João (26), São Nicolau (25)
e, novamente, Alcântara (24). Nestes casos, a concentração pode ser explicada pelo facto
destas áreas constituirem os territórios de maior presença e ajuda por parte das equipas de rua
de apoio aos sem-abrigo.
No sentido de procurar efectuar uma caracterização do perfil socioeconómico dos sem-
abrigo, importa recorrer a um estudo mais recente, realizado no ano de 2007, pelo Grupo de
Motivação e Encaminhamento (GME), constituído pelas Equipas de Rua que intervêm junto
da população sem-abrigo, de diferentes instituições, e que actuam na cidade de Lisboa (GME,
2007).
Foi identificado, pelas equipas de rua envolvidas nessa análise, um total de 1.187
pessoas sem-abrigo, contactadas. A maioria era do sexo masculino (cerca de 83%),
correspondendo às mulheres apenas 14% do valor total. Os restantes casos referem-se a “não
respostas”, registadas na Base de Dados. O escalão etário mais representativo desta população
correspondente ao intervalo entre os 35 e os 44 anos, cifrando-se a idade média em torno dos
43 anos, resultados concomitantes com o supramencionado estudo do ISS (ISS, 2005) para o
território nacional. O mesmo acontece com a maior parte dos restantes indicadores. Por
exemplo, relativamente ao estado civil, são novamente os solteiros e os separados/divorciados
que se encontram mais representados (57,4%). Os indivíduos com nacionalidade portuguesa
voltam a ser os mais frequentes (63,8%). Daqueles que se consideram “Estrangeiros”, 36,5%
são originários dos PALOP e 34,7% da Europa de Leste.
Um dos aspectos mais interessantes deste estudo refere-se à tentativa de identificar as
principais problemáticas sociais e de saúde que afectam a população sem-abrigo. A Tabela 2
(a. e b.) sintetiza esses resultados. Através da sua análise é possível perceber que a falta de
emprego (27%) volta a ressurgir como a mais complexa e relevante problemática social
associada a estes indivíduos, consequência das baixas qualificações (educacionais e
profissionais) de muitos deles, das dificuldades de inserção no mercado de trabalho
associadas à sua estrutura etária e de vários outros factores sociais, de entre os quais a
indocumentação (12%) e as questões ligadas à saúde individual (quase metade dos indivíduos
evidenciou ser vítima de algum problema patológico ligado à sua saúde física e/ou mental).
Relativamente a este último aspecto, verificou-se expressiva a incidência de problemas de
foro mental (11%) e o consumo abusivo de álcool (23%) e drogas (5%), muitas vezes em
situação de co-morbilidade.
Tabela 2 – Principais problemáticas sociais (a.) e de saúde (b.) associadas aos sem-abrigo na cidade de Lisboa
(Fonte: CML, 2007)
(a) (b)
Em resumo, parece ser possível reafirmar, através dos estudos anteriores, a veracidade
das palavras de Baptista (2004) que, na sua tentativa de traçar um perfil geral dos sem-abrigo
na cidade de Lisboa, assume como suas características dominantes os seguintes aspectos:
Problemáticas Sociais %
Desemprego 27,2
Não Recorre a Instituições 8,3
Prostituição 0,6
Ausência de Documentação 11,7
Problemas Familiares 4,5
Problemáticas de Saúde %
Saúde Mental 11,4
Deficiência Física 0,8
Alcoolismo 22,6
Toxicodependência 5,4
DST 2,0
Tuberculose 0,6
Doenças Crónicas 2,2
Outras Doenças 2,8
“[pertencem, na sua maioria ao] sexo masculino, na sua maioria, serem, em geral,
solteiros e com fracas ou inexistentes relações familiares ou outras redes de
suporte, em situação de desemprego e/ou apresentando percursos laborais quase
sempre em sectores marcados pela instabilidade, registando baixos níveis de
escolaridade e, frequentemente, também evidenciando saúde (física e/ou mental)
debilitada, por vezes, associada ao consumo excessivo de álcool” (p. 35).
4. Estratégias de apoio aos sem-abrigo em Portugal e na cidade de Lisboa
4.1. As respostas actuais, na cidade de Lisboa
A identificação das respostas existentes na cidade de Lisboa para os sem-abrigo não
deve, à luz das problemáticas identificadas anteriormente, circunscrever-se à enumeração dos
locais de dormida (alojamento) disponíveis. O reconhecimento das estruturas e equipamentos
possibilitadores da satisfação de outras necessidades básicas desses indivíduos, como a
alimentação, a higiene, o atendimento psicossocial, a saúde, ou o emprego revela-se, também,
da maior importância.
O diagnóstico elaborado pelo Grupo de Trabalho para a Pessoa Sem-Abrigo, que
produziu o Plano de Cidade para a Pessoa Sem-Abrigo – Lisboa (PCPSAL) em Abril de 2009,
revela a sua qualidade como documento de síntese das respostas existentes na cidade. O
referido grupo de trabalho identifica
“a existência de respostas (…) de suporte e vocacionadas, as primeiras com uma
finalidade de intervenção que não se esgota na população sem abrigo, e que se
estende ao vasto conjunto da população em situação de exclusão social.
Considerando-se como respostas vocacionadas as que priorizam e privilegiam a
pessoa sem abrigo como objecto de intervenção” (PCPSAL, 2009, p. 31).
Da análise da Tabela 3 (a), é possível concluir que as respostas vocacionadas existentes
se encontram focalizadas, especialmente, na provisão de alojamento (total de 8 centros de
alojamento temporário) e alimentação. Vem a preceito, nesta circunstância, notar o
desfasamento existente entre os valores de sem-abrigo identificados nos estudos mencionados
anteriormente (quase 1400, segundo o LNEC; e cerca de 1187 na análise do GME) e o
número de camas disponíveis nos centros de alojamento temporário existentes, situado
ligeiramente abaixo de meio milhar (494), denotando a necessidade de operacionalizar outras
alternativas estratégicas de promoção do acesso dos sem-abrigo a um “tecto”. De forma
complementar, as chamadas respostas de suporte, apresentadas na Tabela 3 (b), destinam-se a
um grupo diversificado de populações, com problemáticas distintas, mas comummente
identificadas nos indivíduos em situação de sem-abrigo. Trata-se de um conjunto variado de
respostas, ao nível da saúde mental, das dependências, prostituição, VIH/SIDA, entre outras,
que se destina às populações em situação de exclusão social, não esgotando a sua intervenção,
exclusivamente, na população sem abrigo.
Tabela 3 – Respostas vocacionadas para a população sem-abrigo e respostas de suporte social existentes na
cidade de Lisboa (Fonte: adaptado do PCSPAL, 2009)
(a) (b)
Apesar de apresentadas sinteticamente, serve a anterior introdução às respostas actuais
existentes na cidade de Lisboa, face à problemática dos sem-abrigo, para identificar a notória
escassez de disponibilidade e adequabilidade de recursos de apoio existentes. É nesse
contexto que surgiram, nos últimos anos, alguns instrumentos estratégicos destinados
exclusivamente a essa população. O destaque será conferido a dois, a saber: i) a Estratégia
Nacional para a Integração da Pessoa Sem-Abrigo (2009-2015); e, desenvolvido sob a égide
do primeiro documento e incorporando de forma estreita as recomendações propostas pela
presente equipa de trabalho, ii) o Plano de Cidade para a Pessoa-Sem-Abrigo – Lisboa. A
apresentação e avaliação crítica dos dois documentos será efectuada em seguida.
4.2. Dois instrumentos estratégicos de apoio aos sem-abrigo em Portugal
4.2.1 Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo – 2009-2015
A Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo (2009-2015) decorre da
iniciativa do governo português de criar, em Maio de 2007 e composto por inúmeras
entidades e instituições públicas e privadas, um grupo interinstitucional ao qual foi acometida
essa missão. A responsabilidade da sua coordenação pendeu sobre o ISS.
A Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem Abrigo traça um conjunto de
orientações gerais e comprometimentos das diferentes entidades públicas e privadas, sendo
baseada no respeito pelos direitos humanos e pela cidadania universal. A auto-apresentação
do referido instrumento afirma como seus objectivos o intuito de trabalhar
“com vista, não só a cumprir as directrizes europeias nesta matéria, mas também a
implementar um conjunto de medidas que permita criar condições para que sejam
despistadas e acompanhadas as situações de risco prevenindo a perda de habitação,
e garantindo que ninguém tenha de permanecer sem alojamento condigno”.
(ENIPSA, 2009, p. 5).
Respostas de suporte Nº
Comunidades de inserção 2
Equipas de rua 13
Centros de alojamento temporário 8
Refeitório / cantina social 1
Ateliers ocupacionais 3
Atendimento 1
Respostas de suporte Nº (e n.º de camas)
Saúde mental 19 (119)
Substâncias psicoactivas 18 (5)
VIH / SIDA (pessoas e familiares) 13 (89)
Pessoas vítimas de violência 6 (57)
Imigrantes 11 (25)
Prostituição 5 (28)
Outras situações de vulnerabilidade
(reclusos, mães solteiras) 5 (52)
Formação / inserção profissional 14 (-)
Total 375
Apesar da sua abrangência nacional, um dos aspectos mais relevantes dessa estratégia
refere-se à atribuição da responsabilidade de operacionalização das políticas propostas, aos
contextos locais, por encaminhamento viabilizado pelos Conselhos Locais de Acção Sociais
(Rede Social) com base em planos desenvolvidos de forma a salvaguardar as especificidades
e necessidades identificadas a nível local.
Outro aspecto inovador – particularmente relevante à luz dos constrangimentos referidos
anteriormente – refere-se à tentativa de adopção de uma “nova” definição de sem-abrigo para
o contexto português, inspirada na tipologia European Typology of Homelessness (ETHOS),
proposta pela European Federation of National Organisations Working with the Homeless
(FEANTSA). Assim, desde a aprovação da Estratégia Nacional (em Março de 2009) que, nos
espaços correspondentes ao território português, se considera como pessoa sem-abrigo aquela
que, independentemente do seu perfil socioeconómico (nacionalidade, idade, sexo, condição
socioeconómica e condição de saúde física e mental) se encontre: i) sem tecto, ou seja,
vivendo no espaço público ou com paradeiro em local precário; ou ii) sem casa, encontrando-
se em alojamento temporário especificamente destinado para tal efeito. A Estratégia Nacional
considera que o conceito construído “deve ser utilizado a nível nacional por todas as
entidades públicas e privadas para efeitos de contabilização e caracterização das pessoas
sem-abrigo e como base para a apresentação de medidas inseridas nos planos de
desenvolvimento social das redes sociais concelhias” (ENIPSA, 2009, p. 16).
O referido documento estratégico defende, ainda, que a actuação desenvolvida no
âmbito do apoio aos sem-abrigo deve ocorrer ao nível de três grandes áreas específicas,
nomeadamente: i) a prevenção (abrangendo todos os grupos de risco); ii) a emergência ou
intervenção (actuação específica sobre a população sem-abrigo); e iii) a integração, referente
ao acompanhamento e integração da população sem-abrigo nas estruturas sociais.
Dois eixos de intervenção motivam as anteriores orientações, nomeadamente o
“conhecimento do fenómeno, informação, sensibilização e educação” (eixo 1) e a
“qualificação da informação” (eixo 2) (ENIPSA, 2009).
Estando, como já se percebeu anteriormente, o fenómeno da população de rua pouco
estudado em Portugal, o Eixo 1 surge com o sentido de preceituar um conjunto de medidas
que apontam para o conhecimento do fenómeno a diferentes níveis. O seu objectivo é, no
seguimento da criação de uma definição de sem-abrigo que permite a comparabilidade do
fenómeno em Portugal com vários outros países europeus, possibilitar a comparação de dados
e a permuta de informação a nível local, nacional e, mesmo, europeu. Baseia-se no
pressuposto de “conhecer para melhor agir”, ou seja, almeja que sejam criadas as condições
para que se possam planificar as intervenções de apoio aos sem-abrigo, fundamentando, desta
forma, as tomadas de decisão.
Complementarmente, o Eixo 2 preconiza, através de um extenso conjunto de medidas, a
necessidade da promoção da qualidade técnica da intervenção – através do desenvolvimento
de acções de formação para os agentes que interagem com esta população – e a procura da
eficiência e qualidade / diversidade das intervenções e respostas prestadas aos utentes. Um
dos mais importantes avanços a este nível dá-se com a institucionalização da figura do “gestor
de caso”, responsável por acompanhar todo o processo de reinserção de todos os sem-abrigo
identificados (ENIPSA, 2009, p. 23).
4.2.2 Plano de Cidade para a Pessoa Sem Abrigo – Lisboa
Como preconizado pela estratégia desenvolvida a nível nacional, para o âmbito da
cidade de Lisboa, o desenvolvimento de uma figura de planeamento estratégico referente à
actuação face aos sem-abrigo ficou a cargo da Rede Social de Lisboa, no seio da qual foi
constituído, ainda no ano de 2007 (quase dois anos antes da aprovação do documento
nacional), um Grupo de Trabalho representado por mais de uma dezena de instituições e
organismos associativos (públicos e privados) com influência sobre a acção dirigida aos sem-
abrigo da cidade. Foi definida como sua missão principal o desenho de um modelo de
intervenção relativamente aos sem-abrigo, na cidade de Lisboa, contemplando várias
tipologias de resposta, e desenvolvendo, de forma integradora, as formas de articulação e as
estratégias de intervenção dirigidas à pessoa sem-abrigo da cidade. O seu papel na
implementação de medidas e programas associados à operacionalização da Estratégia
Nacional sob a forma de um plano local capaz de contribuir para que a pessoa sem-abrigo
reúna condições para a sua inserção social, foi instrumental.
O Plano de Cidade para a Pessoa Sem Abrigo (PCPSA) de Lisboa, aprovado no dia 4 de
Maio de 2009, foi elaborado com a intenção de centrar e integrar a intervenção na pessoa
sem-abrigo. Assenta, para tal, em três eixos de intervenção, que se passará a apresentar, de
forma sucinta, em seguida (CML, 2009):
Eixo 1 – Potenciar a rede de equipamentos e serviços de apoio à pessoa sem-abrigo:
Centrado sobre a gestão integrada dos recursos e respostas de intervenção na cidade de
Lisboa, procura resumir uma seriação de acções conducentes à articulação intersectorial,
à tipificação e orientação das respostas de apoio à população sem-abrigo da cidade, e à
elaboração de um plano de respostas específicas. A procura de um conhecimento mais
aprofundado do fenómeno foi definida como uma das maiores prioridades do trabalho a
desenvolver sob inspiração dos propósitos constantes do referido eixo;
Eixo 2 – Implementar um modelo de intervenção integrada na cidade de Lisboa: Procura
a implementação de um modelo – simultaneamente profiláctico, preventivo e
desenvolvido proactivamente – de intervenção integrada através da definição de etapas e
circuitos de uma rede de apoio, garantindo uma actuação coordenada, atempada e
centrada na pessoa sem-abrigo;
Eixo 3 – Melhorar e qualificar a intervenção: Prevê a aposta sobre aspectos como a
formação e qualificação dos agentes, dirigentes e organizações intervenientes sobre os
sem-abrigo, a introdução de novos elementos e mecanismos de articulação do trabalho
desenvolvido por essas múltiplas instituições; a clarificação de boas práticas, a procurar
reproduzir; e a criação de novas formas de envolvimento de parceiros públicos e
privados, quer ao nível técnico, quer ao nível dos dirigentes, num modelo integrado de
funcionamento das iniciativas de apoio aos sem-abrigo.
Apresentados os aspectos essenciais dos dois documentos estratégicos mais relevantes
no que respeita à definição das intervenções de apoio aos sem-abrigo em Portugal e, mais
particularmente, no caso de Lisboa, e realçada a sua complementaridade e a mutualidade dos
seus objectivos e práticas, passar-se-á, em seguida, à organização de algumas considerações
finais de natureza crítica sobre os desafios referentes à implementação futura dos dois planos.
5. Considerações finais
As análises efectuadas no âmbito do presente artigo apontam para uma realidade em
mutação no principal aglomerado do País. De facto, a Cidade de Lisboa, devido a duas ordens
de razões, tem conhecido uma pressão crescente no que concerne à utilização do seu território
pela população sem-abrigo. Por um lado, a concentração de equipamentos sociais que prestam
auxílio aos indivíduos sem residência permanente e estável determina uma maior procura da
cidade de Lisboa, por cidadãos sem-abrigo provenientes doutras áreas. Por outro lado, a crise
económica que estamos presentemente a viver indicia que, nos próximos tempos, deverá
assistir-se a uma nova vaga de sem-abrigo motivada, entre outras razões, pelos problemas
sociais associados ao desemprego crescente no seio da sociedade portuguesa. Deste modo, os
valores apontados anteriormente poderão encontrar-se desactualizados.
Em função da realidade acima descrita (provável aumento da população necessitada) e,
igualmente, do reconhecimento das limitações das estratégias nacionais e locais vigentes até
anos recentes, foram desenhadas, neste contexto de crise social e económica, um conjunto de
novas estratégias de auxílio à população sem-abrigo.
A nível do território português entendido no seu todo, desenvolveu-se a denominada
Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo (ENIPSA) que actua ao nível
de três grandes áreas específicas: i) prevenção; ii) intervenção; e iii) integração. A ENIPSA,
através da sua organização em dois eixos, defende, em simultâneo, a realização de estudos
conducentes a um melhor conhecimento e interpretação do fenómeno e a programação de uma
intervenção técnica mais eficiente e adequada.
Ao nível da capital do país, elaborou-se o documento Plano de Cidade de Lisboa para a
Pessoa Sem Abrigo (PCPSA). Assente em três eixos de intervenção, já apresentados, foi
desenvolvido com o intuito de aprofundar e programar de forma operacional as principais
linhas definidas em sede de Estratégia Nacional.
De entre as medidas até agora implementadas, merece destaque, pelo carácter inovador
e experimental, a iniciativa piloto “Casas Primeiro”, inspirada na estratégia norte-americana
“Housing First”. A sua aplicação decorre em larga instância das recomendações do projecto
que constitui mote do presente artigo. O programa “Casas Primeiro” encontra-se já em
desenvolvimento em Lisboa, envolvendo cinquenta indivíduos sem-abrigo a quem foi
proporcionado um alojamento permanente e a quem é proposto um acompanhamento e
utilização de serviços de apoio durante um período inicial de doze meses. Os primeiros
resultados apontam para melhorias sensíveis na qualidade de vida dos utentes, quer na
vertente médica, quer no domínio da integração social. Importa, também, mencionar que estão
em estudo iniciativas semelhantes para as cidades do Porto e de Coimbra.
Outra inovação reside na entrada em funcionamento de uma plataforma inter-
institucional – Plataforma Pessoa Sem-Abrigo (PPSA) – que reúne entidades públicas,
privadas e cooperativas intervenientes no domínio das respostas sociais na Cidade de Lisboa.
Trata-se de uma iniciativa inovadora, cujo objectivo é proporcionar o diálogo e a concertação
de respostas, estratégias e programas desenvolvidos por organizações de natureza diversa.
Em síntese, pensamos que iniciativas como o Casas Primeiro e a Plataforma Pessoa
Sem-Abrigo devem representar o futuro de médio prazo das actividades conducentes, quer à
redução dos problemas vividos pela população sem-tecto, quer à diminuição do fenómeno per
si. De acordo com esta orientação, acreditamos que futuras programações estratégicas deverão
apontar em três sentidos:
a) Diversidade – as características da população sem-abrigo estão em mudança: para
diferentes características e necessidades, importa lançar estratégias e programas
adequados a cada caso;
b) Eficácia – a situação de sem-abrigo é, pela sua própria natureza, uma situação limite.
Deste modo, qualquer que seja a resposta a desenvolver no terreno, ela terá de ser, em
primeiro lugar, rápida, isto é, ter um carácter de emergência;
c) Adaptabilidade – uma característica da actual crise social e económica corresponde à
sua dimensão de imprevisibilidade. Importa conferir às respostas um sentido de
adaptabilidade a futuros desafios que, no presente, poderão ser de difícil antevisão.
Será do cruzamento destes três vectores que deverá sair a garantia do sucesso das
intervenções sociais que visem apoiar todos aqueles que, a dado momento dos seus trajectos
de vida, se encontrem em tal situação limite. A indiferença perante o sofrimento dos nossos
iguais não é compatível com uma sociedade que se quer solidária e fraterna.
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