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Introdução Atualmente, a discussão sobre a agricultura familiar vem ganhando legitimidade social, políti- ca e acadêmica no Brasil, passando a ser utilizada com mais freqüência nos discursos dos movimen- tos sociais rurais, pelos órgãos governamentais e por segmentos do pensamento acadêmico, espe- cialmente pelos estudiosos das Ciências Sociais que se ocupam da agricultura e do mundo rural. Embora tardiamente, se comparada à tradi- ção dos estudos sobre esse tema nos países de- senvolvidos, a emergência da expressão “agricul- tura familiar” emergiu no contexto brasileiro a partir de meados da década de 1990. Neste perío- do ocorreram a dois eventos que tiveram um im- pacto social e político muito significativo no meio rural, especialmente na região Centro-Sul. De um lado, no campo político, a adoção da ex- pressão parece ter sido encaminhada como uma nova categoria-síntese pelos movimentos sociais do campo, capitaneados pelo sindicalismo rural ligado à Contag (Confederação Nacional dos Tra- balhadores na Agricultura). Em meados dos anos de 1990, assistiu-se a uma verdadeira efervescên- cia desses movimentos, que produziram inclusive formas de manifestação política que perduram até hoje, como é o caso dos eventos anuais em torno do “Grito da Terra”. Diante dos desafios que o sindicalismo rural enfrentava nesta época – TEORIA SOCIAL, AGRICULTURA FAMILIAR E PLURIATIVIDADE * Sérgio Schneider RBCS Vol. 18 nº. 51 fevereiro/2003 * Agradeço aos professores Ademir Cazella (UFSC) e Flávio Sacco dos Anjos (UFPel) pela cuidadosa e su- gestiva leitura à versão preliminar deste artigo, as- sim como às sugestões dos pareceristas da RBCS. Indubitavelmente, as deficiências e as incorreções remanescentes são de minha responsabilidade. A realização deste trabalho contou com o auxílio da Fapergs (Auxílio Recém-Doutor) e do CNPq. Artigo recebido em dezembro/2001. Aprovado em maio/2002.

Teoria Social, Agricultura Familiar e Pluriatividade

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Leitura sobre a Agricultura Familiar

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Introdução

Atualmente, a discussão sobre a agricultura

familiar vem ganhando legitimidade social, políti-

ca e acadêmica no Brasil, passando a ser utilizada

com mais freqüência nos discursos dos movimen-

tos sociais rurais, pelos órgãos governamentais e

por segmentos do pensamento acadêmico, espe-

cialmente pelos estudiosos das Ciências Sociais

que se ocupam da agricultura e do mundo rural.

Embora tardiamente, se comparada à tradi-ção dos estudos sobre esse tema nos países de-senvolvidos, a emergência da expressão “agricul-tura familiar” emergiu no contexto brasileiro apartir de meados da década de 1990. Neste perío-do ocorreram a dois eventos que tiveram um im-pacto social e político muito significativo nomeio rural, especialmente na região Centro-Sul.De um lado, no campo político, a adoção da ex-pressão parece ter sido encaminhada como umanova categoria-síntese pelos movimentos sociaisdo campo, capitaneados pelo sindicalismo ruralligado à Contag (Confederação Nacional dos Tra-balhadores na Agricultura). Em meados dos anosde 1990, assistiu-se a uma verdadeira efervescên-cia desses movimentos, que produziram inclusiveformas de manifestação política que perduramaté hoje, como é o caso dos eventos anuais emtorno do “Grito da Terra”. Diante dos desafiosque o sindicalismo rural enfrentava nesta época –

TEORIA SOCIAL, AGRICULTURA FAMILIAR E PLURIATIVIDADE*

Sérgio Schneider

RBCS Vol. 18 nº. 51 fevereiro/2003

* Agradeço aos professores Ademir Cazella (UFSC) eFlávio Sacco dos Anjos (UFPel) pela cuidadosa e su-gestiva leitura à versão preliminar deste artigo, as-sim como às sugestões dos pareceristas da RBCS.Indubitavelmente, as deficiências e as incorreçõesremanescentes são de minha responsabilidade. Arealização deste trabalho contou com o auxílio daFapergs (Auxílio Recém-Doutor) e do CNPq.

Artigo recebido em dezembro/2001.Aprovado em maio/2002.

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impactos da abertura comercial, falta de créditoagrícola e queda dos preços dos principais pro-dutos agrícolas de exportação –, a incorporaçãoe a afirmação da noção de agricultura familiarmostrou-se capaz de oferecer guarida a um con-junto de categorias sociais, como, por exemplo,assentados, arrendatários, parceiros, integrados àagroindústrias, entre outros, que não mais po-diam ser confortavelmente identificados com asnoções de pequenos produtores ou, simplesmen-te, de trabalhadores rurais.

De outro lado, a afirmação da agricultura fa-miliar no cenário social e político brasileiro estárelacionada à legitimação que o Estado lhe em-prestou ao criar, em 1996, o Pronaf (Programa Na-cional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).Esse programa, formulado como resposta às pres-sões do movimento sindical rural desde o iníciodos anos de 1990, nasceu com a finalidade deprover crédito agrícola e apoio institucional àscategorias de pequenos produtores rurais que vi-nham sendo alijados das políticas públicas ao lon-go da década de 1980 e encontravam sérias difi-culdades de se manter na atividade. A partir dosurgimento do Pronaf, o sindicalismo rural brasi-leiro, sobretudo aquele localizado nas regiões Sule Nordeste, passou a reforçar a defesa de propos-tas que vislumbrassem o compromisso cada vezmais sólido do Estado com uma categoria socialconsiderada específica e que necessitava de políti-cas públicas diferenciadas (juros menores, apoioinstitucional etc).

Além desses dois elementos, pode-se desta-car um terceiro, que diz respeito à reorientação dosdebates acadêmicos sobre a ruralidade. Surpreen-dentemente, a partir da segunda metade da déca-da de 1990 assistiu-se a uma relativa retomada dosestudos agrários e rurais no Brasil que até entãosuscitara pouco interesse dos pesquisadores. Vol-tou-se a falar não apenas da agricultura e da pro-dução agrícola, mas também do rural lato sensu.Esse novo cenário permitiu que os estudiosos am-pliassem seu escopo temático para além das dis-cussões acerca dos impasses e das possibilidadesda reforma agrária e dos assentamentos, das ques-tões relacionadas aos impactos do progresso tec-nológico ou das migrações. Verifica-se, assim, a

afirmação da temática ambiental e da sustentabili-dade e assiste-se ao crescente interesse dos estu-diosos por novos temas, como a agricultura fami-liar, a conformação dos mercados de trabalho e adinâmica ocupacional da população rural.

Esse conjunto de novas temáticas, que pas-saram a ser objeto de pesquisas, ensejaram váriasmudanças, que vão desde o estímulo ao interesseindividual até reorientações de cunho teórico eepistemológico por parte de alguns investigado-res. Contudo, a alteração de mais longo alcance,ainda não totalmente sedimentada nos meios so-ciopolíticos e no âmbito intelectual como umtodo, talvez esteja relacionada à insistente afirma-ção de que não se pode mais confundir ou inter-pretar como sinônimos o espaço rural e as ativi-dades produtivas ali desempenhadas. Embora issonão seja inteiramente novo, recentemente passoua ganhar projeção e reconhecimento no Brasil oargumento de que a agricultura como atividadeprodutiva não deixou de integrar o mundo rural,mas, em algumas regiões, observa-se a diminui-ção de sua importância no que concerne à gera-ção de emprego e à ocupação.

Sem desconhecer que a agricultura ocupa umlugar de destaque no espaço rural, cuja importân-cia varia segundo as regiões e os ecossistemas na-turais, não se pode, contudo, imaginar que ela pró-pria não tenha sido modificada no período recente.Em contextos internacionais, a dinâmica da própriaagricultura no espaço rural vem sendo condiciona-da e determinada por outras atividades, passandoa ser cada vez mais percebida como uma das di-mensões estabelecidas entre a sociedade e o espa-ço ou entre o homem e a natureza. Talvez o exem-plo emblemático dessa mudança estrutural seja aemergência e a expansão das unidades familiarespluriativas, pois não raramente uma parte dosmembros das famílias residentes no meio rural pas-sa a se dedicar a atividades não-agrícolas, pratica-das dentro ou fora das propriedades. Essa formade organização do trabalho familiar vem sendo de-nominada pluriatividade e refere-se a situações so-ciais em que os indivíduos que compõem uma fa-mília com domicílio rural passam a se dedicar aoexercício de um conjunto variado de atividadeseconômicas e produtivas, não necessariamente li-

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gadas à agricultura ou ao cultivo da terra, e cadavez menos executadas dentro da unidade de pro-dução. Ao contrário do que se poderia supor, estanão é uma realidade confinada ao espaço rural depaíses ricos e desenvolvidos.

Este artigo insere-se no contexto da reno-vação temática e teórica assim delineado. Seuobjetivo é o de contribuir no debate sobre aagricultura familiar no Brasil em situações depluriatividade, o que implica apresentar um re-ferencial de análise que permita entendê-lacomo uma estratégia de reprodução social eeconômica das famílias rurais. Na primeira se-ção, discute-se a origem e a evolução do deba-te sobre a pluriatividade, em um contexto emi-nentemente relacionado à realidade dos paísesdesenvolvidos. Na segunda, procura-se situar asanálises sobre a pluriatividade no âmbito dastradições teóricas clássicas dos estudos agrários,mostrando como esse fenômeno já fora objetode preocupação de autores como Chayanov eKautsky. Na terceira, analisa-se a pluriatividadeno âmbito das principais abordagens analíticascontemporâneas e indica-se o referencial teóri-co julgado adequado ao seu estudo. Apontam-se o conceito de mercantilização de Marsden ea idéia de estratégias familiares de Fuller comoconceitos úteis ao estudo da pluriatividade emsituações de agricultura familiar. Na quarta se-ção, discute-se o problema central deste artigo –a relação entre agricultura familiar e pluriativi-dade. Nesse sentido, é necessário definir o quese entende por agricultura familiar para, somen-te então, indicar as mudanças que ocorrem quan-do os membros da família optam por combinar aatividade agrícola com outras atividades. Naquinta seção, é indicada a forma de operaciona-lização ou a metodologia para o estudo do fe-nômeno da pluriatividade quando se está napresença de unidades familiares. Aqui a propos-ta é separar, heuristicamente, a família rural emunidade doméstica e unidade de produção, oque permite estudar a pluriatividade não apenasem relação à alocação da força de trabalho, mastambém aos aspectos de gênero e hierarquia fa-miliar, assim como as variáveis demográficas esimbólicas.

Pluriatividade: a ubiqüidade de uma noção analítica

Até meados da década de 1980, os termospart-time farming (agricultura em tempo-parcial)e pluriactivité (pluriatividade) eram utilizados qua-se sempre como sinônimos pelos cientistas sociais.Até então, aceitava-se que a única diferença entreambos estava relacionada ao fato de que o primei-ro termo era de uso corrente entre os analistas delíngua inglesa e o segundo, mais ligado à tradiçãoacadêmica francesa. No entanto, mais do que me-ras diferenças etimológicas (que em certa medidaexpressam a dificuldade do diálogo intelectual en-tre essas duas tradições), uma leitura atenta dostrabalhos que utilizam essas noções indica queelas incorporam diferentes interpretações de umfenômeno social que começou a se generalizarainda na década de 1970, correspondente à diver-sificação crescente das fontes de renda e da inser-ção profissional dos indivíduos pertencentes auma mesma família de agricultores.

Nos anos mais recentes, as diferenças se-mânticas e até mesmo as concepções teóricasacerca das noções mencionadas se alteraram sig-nificativamente na literatura internacional, poden-do-se, inclusive, perceber a necessidade de con-senso em torno da noção de pluriatividade. NoBrasil, malgrado alguns esforços, o debate sobrea pluriatividade ainda é embrionário. Embora al-guns cientistas sociais tenham despertado para arelevância do tema e orientado sua pesquisa nes-sa direção, o que inclusive já se reflete no espaçoque a temática vem ganhando em reuniões cien-tíficas, de maneira geral a pluriatividade aindacontinua a ser tratada como uma curiosidade ouum fenômeno social inteiramente específico. Em-bora escassos, entre os resultados de pesquisas epublicações pioneiras no Brasil pode-se citar ostrabalhos de Anjos (1995), Carneiro (1996a), Ne-ves (1995, 1997) e Schneider (1994, 1999a). Maisrecentemente, contudo, especialmente a partir demeados da década de 1990, José Graziano da Sil-va, alertado inicialmente pelo surpreendente de-sempenho do emprego não-agrícola na PNAD(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios)de 1992, vem coordenando um projeto cujo obje-

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tivo consiste em analisar o que denominou de“novo rural brasileiro”, em alusão à emergênciaexpressiva das atividades rurais não-agrícolas e dapluriatividade no meio rural brasileiro (Graziano,1999; Campanhola e Graziano da Silva, 2000). Pri-meiramente restrito ao Estado de São Paulo, oprojeto (chamado sugestivamente de “ProjetoRurbano”) assumiu proporções nacionais, englo-bando análises em diversos Estados. Pode-se afir-mar que o mérito da inclusão desse tema na agen-da de pesquisas dos cientistas sociais brasileirosse deve ao esforço de Graziano e de sua equipe.

Em razão de esse campo de análise ser ain-da recente nos estudos brasileiros, considera-seoportuno e necessário a recuperação da trajetóriado debate sobre a origem e o desenvolvimentodesses termos na literatura internacional. Essa re-visão, já iniciada em outras oportunidades(Schneider, 1994), orienta-se pela retomada do iti-nerário histórico de termos, noções e conceitospara, depois, fixar-se no debate teórico e analítico,baseando-se nas pistas apontadas por outros espe-cialistas como Fuller (1984, 1990), Marsden (1990)e Arkleton (1992) e, no Brasil, por Carneiro(1996a, 1998), Kageyama (1998) e Anjos (2001).

A principal controvérsia em relação ao termopart-time farming refere-se à utilização do tempode trabalho na propriedade por parte do indivíduoou da família, ao passo que a noção pluriactivité(pluriatividade) refere-se à combinação de uma oumais formas de renda ou inserção profissional dosmembros de uma mesma família. Em ambos os ca-sos, há que se estabelecer, necessariamente, umcontraponto. No primeiro, a noção de full-time far-ming (agricultura em tempo-integral), utilizando-se, como critério de diferenciação, um determina-do, embora arbitrário, corte de tempo de trabalho.No segundo, a noção de monoactivité (monoativi-dade), que se refere à forma de desempenho deuma atividade, o que, exatamente por ser “mono”,traz implícita a idéia de que o indivíduo ou a famí-lia ocupa a integralidade de seu tempo naquela ati-vidade. Cada uma dessas noções tem uma trajetó-ria analítica particular. Em essência, a agricultura“monoativa” ou em “tempo integral” são semelhan-tes e encerram o mesmo conteúdo, mas seus opos-tos diferem substancialmente.

Segundo a revisão empreendida por Fuller(1984), o termo part-time farming foi criado porRozman (apud Fuller, 1984, p. 190) para diferen-ciar os agricultores que produziam apenas parasubsistência daqueles que se ocupavam plena-mente com a produção para a venda. De acordocom sua periodização, pode-se traçar uma linhadivisória entre os trabalhos anteriores e posterio-res ao ano de 1975 (p. 206). Antes, os estudosenfatizavam a viabilidade econômica e o carátertransitório e instável da produção em tempo-par-cial. Depois, os trabalhos adquiriram estatuto so-ciológico, iniciando uma fase de pesquisas mar-cadas pelo “enigma” em torno de conceitos eunidades de análise pertinentes ao estudo daagricultura de tempo-parcial.

Esse critério é reconhecido em outros traba-lhos de revisão, como o artigo de Buttel e Larson(1982), onde consideram que até a década de1970 o debate sobre a agricultura em tempo-par-cial foi intermitente e fragmentado. Fuller sugeriuque o termo agricultura em tempo-parcial fossesubstituído por multiple job holding farm house-hold (unidade agrícola familiar de trabalho múlti-plo, representado pela sigla MJHFH), o que per-mitiria reorientar a unidade de análise baseadaexclusivamente no tempo de trabalho da unidadefamiliar. Assim, os estudos sobre as unidades agrí-colas familiares de trabalhos múltiplos incorpora-riam três características fundamentais das famílias:composição demográfica, processo de tomada dedecisão e vontades e interesses dos indivíduos,considerando-se suas situações locais e históricas(Fuller, 1984, p. 210).

Em trabalho mais recente, Fuller (1990) indi-ca que o deslocamento de uma noção para outranão deve ser entendido apenas em face dos limi-tes analíticos que a noção agricultura em tempo-parcial impõe aos estudos empíricos (sobretudoem razão da confusão criada entre os conceitosde ocupação do produtor e da “função produtiva”da propriedade), mas também como uma decor-rência dos novos desafios impostos nos anos maisrecentes às próprias Ciências Sociais, particular-mente a Sociologia. Esses desafios indicam, inclu-sive, a emergência de novos aportes teóricos parao estudo do meio rural e das transformações agrá-

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rias na década de 1980, como foi o caso da afir-mação da Sociologia da Agricultura nos EstadosUnidos (Buttel e Newby, 1980; Buttel, Larson eGillespe, 1990) e da Economia Política na Europa(Marsden, 1992; Marsden, Munton e Ward, 1992 eVan der Ploeg, 1993).

Em outro trabalho, posterior, refletindo so-bre o debate da década de 1980, a diferença en-tre agricultura em tempo-parcial e pluriatividade éapresentada de forma clara e objetiva por Fuller eBrun (1988), conforme as seguintes definições:

Nesse contexto, o termo agricultura em tem-po-parcial foi substituído por unidade agrícola fa-miliar de trabalho múltiplo que, por sua vez, foisubstituído pela noção de pluriatividade, numareferência analítica à diversificação das atividadese das fontes de renda das unidades familiares

agrícolas. Para Fuller, essa mudança implicou aampliação dos objetos de pesquisa das CiênciasSociais para temas como a ligação da agriculturacom o sistema agroalimentar, as relações dos agri-cultores com o mercado de trabalho e os aspec-tos intrafamiliares decorrentes do novo padrão derelações sociais e econômicas entre homens emulheres (1990, p. 362).

Ainda segundo Fuller, há três os fatores quecontribuíram para o reconhecimento acadêmicoe social do conceito de pluriatividade na décadade 1980. O primeiro, de ordem conceitual, refe-re-se ao uso impreciso da noção de agriculturaem tempo-parcial, que dificultava analiticamentea separação entre o trabalho do operador princi-pal (chefe da propriedade) e a função produtivada propriedade. Em muitas propriedades, o tra-

Part-time farming(agricultura em tempo-parcial)

“[...] o termo part-time farming, no senso co-mum, até muito recentemente, tinha mais con-fundido do que clarificado a questão. O termodificulta a distinção entre a unidade produtivacomo uma entidade física (um espaço) e osocupantes dessa unidade (a família ou a unida-de doméstica). Estes podem fazer a gestão des-sa unidade de diferentes maneiras, inclusivecombinando as tarefas agrícolas com outras ati-vidades […]. Os termos part-time farm, part-time farmer e part-time farming têm sido utili-zados de forma intercambiável, o que contribuipara o surgimento de noções errôneas ou pres-supostos equivocados associados a esse fenô-meno. É possível dizer que uma part farm éuma unidade produtiva que oferece, ou ondeé alocado, menos do que um ano completo detrabalho. O conceito de part-time farmingpode ser utilizado, de forma mais precisa, paradefinir situações onde, devido ao tamanho físi-co ou a uma opção de gestão, a unidade pro-dutiva é cultivada pelo investimento de menosdo que um ano completo de trabalho” (Fuller eBrun, 1988, p. 150, grifos no original).

Pluriactivité ou pluriactivity(pluriatividade)

“[...] o termo procura focalizar as diferentesatividades e interesses dos indivíduos e das fa-mílias que vivem na unidade produtiva. Preo-cupa-se tanto com a reprodução social e a par-ticipação no mercado de trabalho rural, comocom a terra e as questões agrícolas. A pluriati-vidade implica uma forma de gestão do traba-lho doméstico que sempre inclui o trabalhoagrícola, o que não quer dizer que esta ativida-de seja exclusiva ou mesmo a mais importante.Outras atividades podem ser assumidas com oobjetivo de sustentar ou de dar suporte à uni-dade doméstica, ou ainda serem motivadas porconsiderações não relacionadas à agricultura. Apluriatividade permite-nos questionar o pressu-posto de que a full-time farming seja tanto anorma, e, portanto, algo positivo, quanto umestado temporário, ou um mal necessário, nodesenvolvimento econômico das unidades pro-dutivas, das famílias ou das áreas rurais. Esseconceito, entretanto, no plano ideal, não é fa-cilmente mensurável por estatísticas oficiais dis-poníveis” (idem ibidem).

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balho externo não tinha, de fato, uma relaçãocom a redução das atividades produtivas agríco-las.1 O segundo, diz respeito ao “deslocamentoetimológico” decisivo para a afirmação desse fe-nômeno social como objeto de investigação aca-dêmica, o que ocorreu no âmbito do ArkletonTrust Project – iniciativa de pesquisadores de paí-ses ligados à então Comunidade Econômica Eu-ropéia (CEE, atualmente União Européia) paraestudar em profundidade as unidades familiaresrurais que combinavam a agricultura com outrasatividades. Essa pesquisa representou, inegavel-mente, um marco no estudo da pluriatividade,pois a partir dela passou-se a utilizar a unidadedoméstica (farm household) como unidade deanálise, e não mais o chefe da propriedade ou otempo de trabalho gasto em atividades não-agrí-colas.2 Finalmente, o terceiro fator foram os de-bates em torno da reforma da PAC (Política Agrí-cola Comum), iniciados no final da década de1980 e concluídos em 1992, pois a crescente di-versidade das ocupações do mundo rural não po-dia mais ser ignorada.

Esse processo de afirmação culminou com aadoção da noção de pluriatividade como a me-lhor forma de apreender o fenômeno da multipli-cidade de formas de trabalho e renda das unida-des agrícolas. De acordo com Fuller (1990, p.367) e Newby (1987), o termo pluriatividade temo mérito de incorporar tanto as características danoção de agricultura em tempo-parcial (unidadesonde os moradores não utilizam todo seu tempode trabalho nas atividades agrícolas) como as damultiple job holding (unidades agrícolas quecombinam múltiplas fontes de rendimento). A ex-pressão tem sido “[...] bastante utilizada, porqueabarca um conjunto de atividades que nem sem-pre são remuneradas em dinheiro (cash), mascom pagamentos em espécie, por meio da per-muta de trabalho e outros arranjos informais”(Fuller, idem). Com essa definição, os estudiososnão apenas têm conseguido abarcar os diferentescontextos onde o fenômeno se manifesta, inclu-sive os pequenos produtores não integrados aosdiversos mercados, os grupos identificados como campesinato, como também examinar as rela-ções entre o trabalho formal e informal.

Quanto ao estatuto teórico e analítico, as crí-ticas são variadas e dirigem-se principalmente aofato de que a noção de pluriatividade se refere so-bretudo a um conjunto heterogêneo e diversifica-do de situações, que varia de acordo com o espa-ço e o contexto histórico, em que os membros defamílias de agricultores buscam atividades não-agrícolas como ocupação (independentemente deser uma renda principal ou complementar) eacesso a um maior nível de renda. Nesse sentido,segundo Carneiro (1996a, p. 96), corre-se o riscode atribuir “[...] a qualidade de sujeito a um con-junto de práticas cuja heterogeneidade impedeque se possa delimitar criteriosamente o verdadei-ro campo de estudo”.

Na França, o livro organizado pela Associa-tion des Ruralistes Françaises (ARF, 1984) expres-sa essa disputa teórica em relação ao conteúdoanalítico do termo pluriatividade. Segundo os his-toriadores, especialmente aqueles que estudam achamada “proto-industrialização” (Garrier eHubscher, 1988), as atividades não-agrícolas sem-pre foram praticadas por camponeses, pois inte-gram o próprio modo de vida das sociedades ru-rais que não conhecem a rígida divisão social dotrabalho e do espaço que caracteriza as socieda-des capitalistas contemporâneas.3 Carneiro(1996b, pp. 7-12), ao revisar esse debate, desta-cou que, para os historiadores, a pluriatividadepossui um caráter estrutural que perpassa dife-rentes períodos históricos e situações socioeco-nômicas. Por meio de um olhar disciplinar, elespercebem a pluriatividade pelos “rendimentosexteriores à unidade de produção familiar”, e otermo é identificado como um fenômeno pré-mo-derno, pois o campesinato sempre recorreu àcombinação de diversas fontes de renda e de tra-balho. Mas, se a pluriatividade for compreendidacomo um fenômeno contrário às situações emque as pessoas se ocupam exclusivamente comuma única atividade (“monoatividade”), o casodos “agricultores profissionais e modernos a duasunidade de trabalho homem” (UTH – unidade demedida do trabalho de um homem ao ano, con-siderando 300 dias de atividade), ela representauma situação recente, típica do período pós-pro-dutivista da década de 1970.

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Essas divergências tornam o assunto polêmi-co, mas não impede que a expressão seja utiliza-da para descrever o processo de diversificação douso da força de trabalho que ocorre dentro e forada propriedade, nem que aponte o surgimento deum conjunto de novas atividades no meio rural.Nesses termos, há consenso em torno de uma dasmais rigorosas definições de Fuller:

A pluriatividade permite reconceituar a proprie-dade como uma unidade de produção e repro-dução, não exclusivamente baseada em ativida-des agrícolas. As propriedades pluriativas sãounidades que alocam o trabalho em diferentesatividades, além da agricultura familiar (home-based farming). [...] A pluriatividade permite se-parar a alocação do trabalho dos membros dafamília de suas atividades principais, assim comoo trabalho efetivo das rendas. Muitas proprieda-des possuem mais fontes de renda do que locaisde trabalho, obtendo diferentes tipos de remu-neração. A pluriatividade, portanto, refere-se auma unidade produtiva multidimensional, ondese pratica a agricultura e outras atividades, tantodentro como fora da propriedade, pelas quaissão recebidos diferentes tipos de remuneração ereceitas (rendimentos, rendas em espécie e trans-ferências) (Fuller, 1990, p. 367).

É justamente por causa dessa aparente ubi-qüidade que a noção de pluriatividade vem sendoquestionada por vários autores, que reivindicam“uma delimitação mais rigorosa de um campo deobservação tão difuso” (Carneiro, 1996b, p. 95).Embora essas críticas sejam pertinentes, parece serlogicamente impossível a associação direta do ter-mo com a noção de “camponês” ou “pequeno pro-dutor” – como pretendem os historiadores france-ses, que consideram os termos quase sinônimos –,tendo em vista as características históricas de cadaum. Para encerrar a controvérsia, parece válidauma sugestiva recomendação de Carneiro, paraquem a pluriatividade “[...] é um termo de criaçãorecente do vocabulário técnico, do qual o campoacadêmico se apropriou. Assim, a noção só ganhasentido se for relacionada com a política agrícolaque estimulou a especialização da produção e dotrabalho” (1996b, p. 10). Nessa perspectiva, a plu-riatividade é, de fato, uma noção ou, no máximo,uma categoria social que se refere ao fenômeno da

combinação de múltiplas inserções produtivas porum indivíduo ou uma família.

As formas pioneiras da pluriatividadena agricultura: o “trabalho rural acessó-rio” e as “atividades não-agrícolas com-plementares”

Uma vez que se concorda que o fenômenoatualmente denominado pluriatividade não repre-senta uma situação inteiramente nova no modode funcionamento das formações sociais e econô-micas agrárias e que lhe falta conteúdo teórico econceitual, vale pena examinar como os autoresde alguns estudos clássicos interpretaram essarealidade. É nos trabalhos de Kautsky e Chayanovque se encontram algumas das primeiras referên-cias ao “trabalho rural acessório” e a “outras ativi-dades não-agrícolas”, entendidos como formascomplementares de obtenção de renda e de inser-ção econômica de pequenos proprietários oucamponeses.

Segundo Kautsky (1980), o desenvolvimentodo capitalismo na agricultura tende a uma “lentae gradual” subordinação à indústria.4 Para ele, oprocesso é comandado pela dinâmica do progres-so tecnológico na agricultura (especialmente de-vido aos efeitos da agroquímica), que acaba portransformá-la em um ramo da indústria, comple-tando-se, assim, uma longa evolução que resultana afirmação da superioridade técnica da grandepropriedade sobre as pequenas (ou unidadescamponesas, como também são chamadas). Noentanto, Kautsky afirma que o processo de trans-formação estrutural da agricultura sob o capitalis-mo não elimina, necessariamente, as pequenaspropriedades desde que elas desenvolvam “for-mas de trabalho acessório” (que podem ou nãoestar ligadas à agricultura) que lhes permitammanter sua reprodução social.

A permanência de pequenos proprietáriosestaria relacionada à própria natureza do proces-so de desenvolvimento capitalista na agricultura,pois não obstante a superioridade técnica e em-presarial da grande exploração, o que favorece aobtenção de maior taxa de lucro pelos capitalis-tas, os pequenos proprietários continuariam a de-

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sempenhar o papel fundamental de fornecimentoda força de trabalho para as unidades maiores.Segundo Kautsky:

[...] não devemos pensar que a pequena proprie-dade territorial esteja em vias de desaparecer nasociedade moderna, ou que possa ser inteiramen-te substituída pela grande propriedade. A grandepropriedade, por mais que rechace os campone-ses livres, sempre manterá uma parte deles à suailharga, uma parte que ressuscita como pequenosarrendatários (1980, p. 178).

No entanto, o autor ressalta, a possibilidadede persistência das pequenas propriedades cam-ponesas somente é admitida sob a condição deque elas venham a assumir uma função acessó-ria e complementar à grande empresa que, porsua vez, exercerá seu pleno domínio no terrenoda produção agrícola. Tal função estaria relacio-nada à pouca disponibilidade de terra e às difi-culdades de modernização tecnológica, o querestringe sua capacidade de concorrência e reduzsua renda a níveis que obrigam essas pequenasunidades a buscar uma atividade complementarou, então, a abandonar definitivamente o cam-po. De acordo com Kautsky (1980, pp. 194-206),existem três tipos de ocupação acessória que po-dem exercer esse papel:

a) Trabalho agrícola assalariado, mais conheci-do como trabalho temporário, exercido nasgrande propriedades em épocas de maiordemanda por mão-de-obra, como nas co-lheitas.

b) Ocupação dos camponeses em indústrias adomicílio, o que, em geral, ocorre em re-giões de pouca aptidão agrícola para con-solidar uma agricultura competitiva, casode várias áreas na Alemanha e no restanteda Europa por ocasião de seus estudos.Apesar de ser menos eficiente do que agrande indústria urbana, para Kautsky a in-dústria a domicílio rural desfrutaria da van-tagem de se apoiar na agricultura, o que lhepermite rebaixar os custos de produção, es-pecialmente com a remuneração da forçade trabalho.

c) Fundação de indústrias no campo, que pro-gride em função do avanço das comunica-ções (canais, estradas de ferro, telégrafos), oque também ocasiona a necessidade de tra-balhos complementares para as famílias depequenos proprietários (idem, p. 205).

Assim, afirma Kautsky, “[...] estas três espé-cies de trabalho acessório ao alcance dos peque-nos camponeses não se excluem de modo algum.Podem existir simultaneamente, e, freqüentemen-te, coexistem” (idem, p. 206). Portanto, pode-sedizer que a questão das atividades rurais não-agrí-colas (ainda que não explicitamente nesses mes-mos termos) aparece na obra de Kautsky nãoapenas como uma forma de reafirmação de seuargumento central, em favor da superioridade téc-nica da grande propriedade e do inequívoco pro-cesso de industrialização da agricultura (tornando-a um apêndice da indústria), mas também comouma divergência a Lênin, Engels e ao próprioMarx, já que o autor tem uma visão radicalmentedistinta a respeito dos desígnios da estratificaçãosocial e econômica decorrente do processo de pe-netração do capitalismo no campo.

Fora do escopo do marxismo, outro autorpioneiro a destacar a importância das “atividadesrurais não-agrícolas” foi Alexander V. Chayanov(1974). Para se compreender a explicação desseautor sobre as razões que levaram os camponesesrussos a buscar atividades complementares nomeio rural é necessário situar sua tese em umquadro analítico mais amplo, qual seja, a “teoriada unidade econômica camponesa (UEC)”, cujoobjetivo é analisar os aspectos organizacionais daunidade econômica camponesa a partir de seus“elementos morfológicos estáticos”.5 No centrodessa formulação está “[...] a hipótese de um ba-lanço subjetivo entre trabalho e consumo paraanalisar os processos de continuidade da unidadeeconômica camponesa e para estabelecer a natu-reza da motivação da atividade econômica dafamília” (Chayanov, 1974, p. 38). Essa hipótesesustenta-se na idéia de que, na agricultura campo-nesa, a família é o elemento-chave para explicaro processo de tomada de decisão por parte dosindivíduos no que se refere à produção, à aloca-

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ção da força de trabalho, à utilização dos equipa-mentos e ao investimento. Assim, a compreensãodo funcionamento das unidades econômicas cam-ponesas pressupõe a análise do modo pelo qualas famílias solucionam seus problemas com vistasà manutenção de uma situação de equilíbrio, vitalpara garantir sua reprodução social. A avaliaçãosubjetiva da família, portanto, é decisiva para de-finir o “grau de auto-exploração” das unidadeseconômicas camponesas no que se refere ao vo-lume da atividade agrícola, à intensidade do tra-balho e ao destino da produção. Tal avaliaçãotem como referência a manutenção do balançoentre trabalho e consumo.

Embora a idéia de equilíbrio entre trabalhoe consumo seja visivelmente fundadora do esque-ma analítico de Chayanov, sua principal contribui-ção reside na identificação de elementos própriosao comportamento da família, que é quem regulae operacionaliza a unidade de produção agrícola.Segundo Chayanov, deve-se considerar a famíliasob três aspectos centrais. Primeiro, em seu ciclodemográfico completo, o que implica relacionar avariação da utilização dos fatores produtivos (ter-ra, trabalho e meios de produção) ao seu processode diferenciação interna. Segundo, deve-se buscarentender o “caráter teleológico” do comportamen-to das ações familiares, que organiza o funciona-mento dos “mecanismos internos de equilíbrio”(Chayanov, 1974, p. 287). Essa racionalidadeorienta-se na direção da “utilização ótima de fato-res” (terra, capital e força de trabalho), estabeleci-da a partir do tamanho da família e seu grau deauto-exploração em relação às condições objeti-vas dos meios de produção (idem, p. 99). Tercei-ro, a composição e a união entre a unidade domés-tica (ou de consumo) e a unidade de produção, oque faz com que a família funcione como umtodo, especialmente no que se refere à gestão desua rendas (idem, pp. 110-112).

O modelo analítico de Chayanov é crucialpara se compreender o significado das atividadesrurais não-agrícolas, às quais o autor se refere demodo recorrente. Nesse sentido, assume tambémrelevância o conceito de estratégia que, para oautor, funciona como um conjunto de ações cons-cientes e planejadas que a família se utiliza para

alcançar seus objetivos. Esse conceito, na verda-de, baseia-se na “relação ótima de fatores de pro-dução”, que consiste na adequação das necessi-dades familiares à conveniência técnica em umdeterminado sistema de produção (idem, p. 98).

Desse modo, em situações em que a famílianão dispõe de uma quantidade suficiente de ter-ra para suas necessidades, ou quando “sobrambraços” para trabalhar, ela tende a buscar em “ati-vidades artesanais e comerciais ou em outrasatividades não-agrícolas” uma forma de ocupara força de trabalho para garantir o equilíbrio en-tre trabalho e consumo (idem, p. 101). Essas es-tratégias não são derivadas de um cálculo aritmé-tico ou de uma racionalidade guiada pelo lucroou pela acumulação, mas tão-somente orientadaspelas necessidades, que variam ao longo do ciclodemográfico familiar. Assim, Chayanov demonstraque o recurso a atividades não-agrícolas é deter-minado, primeiramente, pela variação neste ciclo.Nas fases em que a família possui filhos pequenosou quando resta apenas o casal de velhos (e, àsvezes, um filho que se ocupa deles), a demandapor trabalhos não-agrícolas é menor vis-à-vis assituações em que a família amplia sua capacidadede trabalho ante a maior aptidão dos filhos. Nes-se caso, quando há subocupação da força de tra-balho, o recurso às atividades não-agrícolas torna-se uma alternativa.

No entanto, apesar de a busca por atividadesnão-agrícolas variar segundo o ciclo demográfico,isso não quer dizer, segundo Chayanov, que o ta-manho da família seja o único critério que orien-ta a divisão familiar do trabalho entre atividadesagrícolas e não-agrícolas. É preciso também levarem conta os elementos técnicos que influenciama produção, porque a adoção de meios de produ-ção mais eficazes poderia suprir a falta de mão-de-obra. A divisão do trabalho familiar também seorienta “pelas condições econômicas gerais quese dão localmente” (idem, p. 116). Assim,

[...] a suposição de que a procura de capital e, so-bretudo, de terra induz a família camponesa aorientar parte considerável de sua mão-de-obrapara atividades não-agrícolas está perfeitamentecorreta na maioria dos casos. O êxodo para osofícios não-agrícolas acontece, com efeito, de

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modo particular nas zonas de grande densidadedemográfica (idem, p. 118).

Essa afirmação, contudo, segundo o próprioChayanov, exige o estabelecimento de dois con-dicionantes:

a) O fato de que o desenvolvimento de ativida-des não-agrícolas está relacionado à irregula-ridade da distribuição do tempo de trabalhona agricultura, pois em determinadas esta-ções, como no inverno (no caso russo), ainatividade pode ser quase total.

b) Em muitas situações não é a falta de meiosde produção o que origina os ganhos comatividades não-agrícolas, mas uma situaçãode mercado mais favorável para esse tipo detrabalho, em termos de remuneração, emcomparação com aquela derivada da vendade produtos agrícolas (idem, p. 118).

Para Chayanov, o recurso às atividades não-agrícolas é uma estratégia de alocação da força detrabalho familiar ante os condicionantes da unida-de produtiva agrícola e expressa, acima de tudo,a racionalidade que a família imprime às suas ati-tudes para manter o equilíbrio entre trabalho econsumo e garantir, assim, sua reprodução.

Trata-se de atividades artesanais e comerciais quefornecem uma remuneração muito mais elevadapor unidade de trabalho. Com sua ajuda pode-seobter ganhos maiores com menos esforço, e a fa-mília prefere ajustar o equilíbrio básico entre con-sumo e desgaste da força de trabalho principal-mente por meio da ocupação em artesanato ecomércio [...]. Em outras palavras, podemos asse-gurar teoricamente que a divisão do trabalho na fa-mília camponesa entre atividades agrícolas e não-agrícolas (artesanato e comércio) é levada a cabopela comparação da situação de mercado dessesramos da economia nacional” (idem, p. 120).

Embora muitas vezes as atividades não-agrí-colas sejam exercidas fora da propriedade, aindasegundo as formulações de Chayanov, isso nãocomprometeria o caráter indivisível dos rendi-mentos familiares. Trata-se de um “sistema únicode equilíbrio básico” que faz com que haja uma

interdependência entre os ganhos totais da famí-lia (idem, p. 112).

A teoria social contemporânea e o lugarda pluriatividade: a contribuição da so-ciologia da agricultura

Uma revisão cuidadosa da literatura interna-cional que procura situar o debate sobre a pluria-tividade no contexto das reflexões sobre a agri-cultura familiar mostra que os avanços teóricos emetodológicos mais significativos sobre esses te-mas se encontram na corrente do pensamento so-cial contemporânea denominada “Sociologia daAgricultura” (Buttel, Larson e Gillespie Jr., 19906).Trata-se de uma abordagem relativamente recen-te na área dos estudos rurais e agrários, cuja defi-nição teórico-metodológica é eclética e pluralista,variando de enfoques neomarxistas a neowebe-rianos, e alicerçada por uma orientação genéricaque os autores denominam “perspectiva crítica”(Schneider, 1997). Apesar da multiplicidade deenfoques, há consenso entre os autores ligados aessa área da sociologia de que a agricultura fami-liar encerra uma diversidade de situações e pos-sui múltiplas estratégias de reprodução social.

A principal divergência entre os expoentesdessa vertente teórica evidencia-se nas suas inter-pretações acerca do papel e da posição dos agri-cultores diante das transformações estruturais daagricultura sob o regime capitalista. De um lado,há os que abordam as mudanças sociais, econô-micas e espaciais da agricultura e do mundo ru-ral a partir da internacionalização do sistemaagroalimentar (agri-food-system), apontando a ho-mogeneização dos mercados de trabalho rural eurbano e o aumento da hegemonia do capital fi-nanceiro em escala global como suas característi-cas principais. Em contrapartida, uma segundavertente focaliza o processo de reestruturação daagricultura a partir do estudo da agricultura fami-liar e das estratégias que as famílias rurais ado-tam, entre as quais a pluriatividade.7

Como no espaço deste artigo não será pos-sível apreciar todas as perspectivas analíticas queintegram a Sociologia da Agricultura, optou-sepor apresentar a contribuição teórica mais ade-

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quada e que melhor se ajusta à reflexão sobre aagricultura familiar em situações de pluriativida-de. Terry Marsden e Anthony Fuller estão entre osautores do pensamento social contemporâneoque mais têm contribuído para constituição de umarcabouço analítico para discussão da pluriativi-dade e temas correlacionados.

Segundo Marsden, é necessário compatibili-zar as análises gerais sobre as transformações es-truturais (encapsulada na utilização recorrente daidéia de “reestruturação capitalista”) com as trans-formações particulares que afetam a agricultura fa-miliar. Ou seja, trata-se de fazer uma analogia en-tre o processo de reestruturação da agricultura e opapel desempenhado pela pluriatividade. Nessesentido, o autor insiste na retomada de análises so-bre o funcionamento dos processos produtivos noespaço rural, que seriam o locus privilegiado paraa observação das transformações das unidades fa-miliares (Marsden, Whatmore, Munton e Little,1986). Para isso, Marsden propõe a utilização deconceitos fundamentais do debate sobre a mer-cantilização social e econômica (commoditizationdebate), discussão lançada na segunda metade dosanos de 1980 pelos estudiosos da escola holande-sa de Wageningen (em particular Norman Long eJan Douwe Van der Ploeg), cujo objetivo era pro-por uma alternativa analítica à utilização da noçãode produção simples de mercadorias para explicara persistência da agricultura familiar. Marsden res-gata o conceito de “mercantilização do espaçoagrário” acrescentando-lhe a idéia de que se tratade um processo de desenvolvimento desigual, queaos poucos integra certos tipos de agricultores eregiões produtivas enquanto outros vão sendo ex-cluídos e marginalizados (Marsden, 1991).

A partir desse marco teórico geral, Marsdenpassa a analisar o processo de reestruturação ca-pitalista da agricultura que eclodiu com as mu-danças radicais decorrentes da crise do modelofordista de produção e consumo de massa vigen-te nos países desenvolvidos entre o pós-Guerra emeados da década de 1970 (Marsden et al., 1986).De acordo com o autor, ao contrário do que su-gere parte da literatura internacional, os processosde flexibilização e de descentralização industriale, sobretudo, de informalização das relações de

trabalho não necessitam de um “novo modelo” so-cietário, mas, um recuo do próprio fordismo(1992, p. 210). As características mais salientesdesse recuo poderiam ser percebidas por meiodas mudanças no mercado de trabalho, da emer-gência de novas formas de regulação das relaçõesde trabalho e das novas tecnologias e formas degestão dos processos produtivos.

Em vez de construir novos modelos analíti-cos em substituição ao fordismo, Marsden afirmaque os cientistas sociais deveriam se preocuparem desenvolver análises capazes de incorporar adimensão local, nacional e internacional dos es-paços, dando ênfase à articulação social e políti-ca dessas esferas. Essa perspectiva de análisedesdobra-se em dois vetores. Primeiro, segundoo autor, as novas formas de organização econô-mica devem ser entendidas a partir de suas espe-cificidades e das configurações particulares queassumem as novas formas de regulação da açãosocial. Segundo, deve-se analisar as diferentestrajetórias do capitalismo recombinando-as combase nas diferenças socioespaciais (Marsden,1989, Marsden et al., 1987).

Desde o início da década de 1990, de acor-do com Marsden, estão em curso mudanças napolítica agrícola dos países desenvolvidos que es-timulam a diversificação e o aumento da produ-ção, o que pode ser entendido como um indíciode que o próprio Estado cria mecanismos novosde regulação social e econômica dos espaços ru-rais. Essas iniciativas vêm de encontro ao recuodo padrão fordista de produção em massa naagricultura (“pós-produtivismo”) e contribuempara a disseminação de novas formas de reprodu-ção da força de trabalho no meio rural, sendo apluriatividade a expressão mais eloqüente desseredirecionamento (1995, p. 291).8 Assim, o espaçorural, que durante o fordismo se limitara a cum-prir funções produtivas agrícolas e alimentares,ganha novas atribuições, tornando-se um lugaronde se desenvolvem múltiplas atividades produ-tivas e ocupacionais.

Entre suas novas funções, o autor destaca opapel do consumo de bens materiais e simbólicos(por exemplo, propriedades, festas, folclore e gas-tronomia) e serviços (ecoturismo, atividades liga-

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das à preservação ambiental etc.), indicando quena fase pós-fordista o espaço rural não pode maispermanecer circunscrito à sua função na produ-ção agrícola ou ao uso da terra para o cultivo deprodutos alimentares e de matérias-primas. Por-tanto, para se compreender o meio rural é preci-so ir além da perspectiva agro-alimentar, ou seja,deve-se analisar as relações de produção e consu-mo em uma dimensão local e global. Marsdenpropõe que o conceito-chave para explicar anova configuração socioeconômica e espacial domeio rural seja a noção de commoditization(mercantilização) que, na sua opinião,

[...] representa um amplo processo social e políti-co pelo qual os valores mercantis são construídose atribuídos a objetos rurais e agrícolas, mas tam-bém ao artesanato e às pessoas. Ela não represen-ta um processo único e universal que transformaapenas o trabalho na agricultura (tal como sugeri-do na literatura marxista sobre o desenvolvimen-to agrário). Trata-se, ao contrário, de um fenôme-no diversamente construído, em torno do qual osprocessos de desenvolvimento coalescem e se ge-neralizam (Marsden, 1995, p. 293).9

Com base nessas formulações, Marsden con-sidera que a pluriatividade tende a se generalizartanto em áreas de produção agrícola, onde oavanço tecnológico diminuiria a demanda de tra-balho, como nas demais zonas rurais, onde o pró-prio Estado vem estimulando o desenvolvimentode outras atividades econômicas, como o turismoe o artesanato (Marsden e Flynn, 1993). O autoracredita que esse processo conduzirá à revaloriza-ção do espaço rural, especialmente em razão dorápido crescimento do movimento ambientalista edos processos de descentralização industrial, quetendem a ampliar o mercado local de trabalho e,conseqüentemente, a adoção da pluriatividadenas famílias rurais.

Ao afirmar que a pluriatividade decorre, emlarga medida, das transformações engendradaspelo próprio processo de reestruturação capitalista,Marsden fornece ainda pistas importantes para aanálise das transformações do mercado de traba-lho. Nesse sentido, recupera a tese de Bradley(1984), segundo a qual uma das características cen-trais do capitalismo no período pós-fordista é o

processo de segmentação do mercado de trabalho,decorrente das novas formas de organização dosprocessos produtivos que tem como característicaprincipal a descentralização horizontal e a flexibili-zação das relações de trabalho.10 Esse processo re-flete os impactos desiguais sobre o espaço rural,que passa, por meio do mercado de trabalho, a sertambém integrado à dinâmica capitalista.

Desse modo, Marsden vê a pluriatividadecomo uma configuração, por excelência, das rela-ções de trabalho contemporâneas, decorrente dosprocessos recentes de relocalização econômica.Embora o autor insista no fato de que a pluriati-vidade seja uma decorrência dos novos contornossociais, econômicos e espaciais da reestruturaçãocapitalista, também reconhece que os elementos“exógenos” (sobretudo o mercado de trabalho deatividades não-agrícolas) não são suficientes paraexplicar inteiramente esse fenômeno. Para secompreender os tipos de impacto que essas trans-formações provocam nas decisões das famílias ru-rais, especialmente no que se refere ao recurso àpluriatividade como estratégia de reprodução so-cial, Marsden sugere a análise das relações sociaisinternas às propriedades e ao processo produtivo(1990, p. 378):

Precisamos enfatizar a contínua transformação daagricultura familiar, e não sua estagnação comouma forma de produção. O esforço de investiga-ção precisa se deter sobre as oportunidades e aslimitações com as quais a unidade familiar se vêconfrontada e sobre as concessões que as famíliasde agricultores constantemente se vêem forçadasa fazer em resposta às pressões internas e exter-nas de mudança. As análises podem, então, incor-porar as relações internas à unidade produtiva,principalmente no que se refere às questões gera-cionais e de gênero, bem como as relações esta-belecidas entre a unidade produtiva e o capitalexterno. É este conjunto complexo de interações,desenvolvido em condições locais e históricas es-pecíficas, que deve servir de base para o estudoda natureza e da dinâmica da agricultura familiar(Munton e Marsden, 1991, p. 109).

Ou seja, Marsden propõe uma via para defi-nir conceitualmente o que chama de unidade fa-miliar rural, qual seja, o estudo das relações so-ciais engendradas pela dinâmica do processo de

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trabalho. Seu ponto de partida é o pressuposto deque as unidades familiares são compelidas a bus-car novas fontes de renda fora da propriedade de-vido ao ingresso em um ambiente competitivo, oque impede que sobrevivam apenas e exclusiva-mente dos ganhos obtidos com as atividades agrí-colas. Dada essa nova configuração do mercadode trabalho e da importância que assume o espa-ço rural como um espaço mercantilizado de bense serviços, parte expressiva das unidades familia-res agrícolas tornam-se pluriativas, garantindo, as-sim, condições razoáveis de sobrevivência.11

O trabalho de Fuller é também uma referên-cia fundamental para o entendimento do conceitode pluriatividade e pode ser considerado um com-plemento aos estudos de Marsden, cuja perspecti-va é inspirada nos fundamentos epistemológicosneomarxistas da Sociologia da Agricultura. Fullerinterpreta a pluriatividade a partir dos mecanismosque as famílias estabelecem com o mercado e oambiente externo, enfatizando que a natureza dadivisão interna do trabalho exerce uma influênciadecisiva sobre as estratégias adotadas por elas.

Em seus primeiros trabalhos, Fuller propõeque o estudo da pluriatividade não deve ficar res-trito à mensuração do tempo que o chefe da pro-priedade dedica às atividades agrícolas e não-agrí-colas. Sugere que se tome a família e o seu ciclode reprodução como eixo principal de análise, jáque a decisão pela diversificação das atividades fa-miliares depende também dos recursos, dos costu-mes e das tradições da família. Para Fuller, “[...]deve-se entender a propriedade familiar comouma unidade econômica onde a família é o prin-cipal agente das decisões” (1983, p. 7). Essa defi-nição contempla a família como um todo, fazendocom que a noção de propriedade familiar não secircunscreva apenas ao chefe da propriedade ouaos membros que trabalham fora.

Em trabalhos mais recentes, e como consul-tor principal do projeto “Estruturas Agrárias e Plu-riatividade das Famílias Agrícolas (1987-1990)”,patrocinado pelo Arkleton Trust,12 Fuller foi umdos precursores da idéia de que se deve estudara pluriatividade a partir da dinâmica interna da fa-mília, e de como ela reage ao jogo das instituiçõese dos condicionantes do mercado no sistema lo-

cal (Fuller, 1987, p. 11). Para ele, a pluriatividadeé um elemento de diversificação que pode se pro-duzir tanto no interior da família como a partir doexterior, pois funciona como uma estratégia quese modifica de acordo com a dinâmica das famí-lias e de sua relação com a estrutura agrária (Brune Fuller, 1991, p. 25). Entre as principais conclu-sões do projeto mencionado, tem-se a idéia deque a pluriatividade

[...] se reveste de diferentes formas em função dasfontes de renda e da inserção da mão-de-obra epreenche diferentes funções. Todavia, a pluriati-vidade não pode mais ser considerada unicamen-te um fenômeno estrutural associado à transiçãoe que constitui a saída para a agricultura, ou a ne-cessidade de incrementar as rendas das pequenaspropriedades, ainda que esses aspectos se mante-nham importantes (Arkleton Trust, 1992, p. 19).

Assim, segundo os autores, a pluriatividadeconstitui-se em um traço importante da agricultu-ra européia, e sua presença não está relacionadasomente ao tamanho dos estabelecimentos ou àlocalização em determinadas áreas (consideradasmarginalizadas). Ao contrário, constatou-se queela não é um fenômeno efêmero, mas generaliza-do por toda a estrutura agrária da Europa, além deenglobar uma diversidade de práticas e atividadesagrícolas e não-agrícolas.

Nesse sentido, para Fuller, a pluriatividadeapresenta variações muito expressivas de situa-ções de espaço e de tempo, ainda que se possaafirmar que sua característica fundamental seja ainteração entre agricultura, unidade familiar emercado de trabalho (1990, p. 368). Do ponto devista teórico e conceitual, isso implica a definiçãode três níveis de análise, que também foram utili-zados no estudo de Arkleton Trust. O primeirotoma a pluriatividade como uma expressão de de-terminados tipos de economia regional ou local.Trata-se de sua projeção espacial, bem como desuas interações com a estrutura econômica e ascondições socioculturais e políticas ali instaura-das. Busca-se saber, por exemplo, quais são os fa-tores regionais ou locais que exercem atração eestímulo, e, em contrapartida, os restritivos ou li-mitadores ao desenvolvimento da pluriatividade.

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O segundo refere-se à abordagem da famíliacomo o núcleo das decisões para compreender asrelações entre a agricultura e a pluriatividade. Adecisão de alocação dos recursos disponíveis (ca-pital, trabalho etc.), bem como a opção por umadeterminada estratégia de investimento em ativi-dades agrícolas ou não-agrícolas são decisivaspara a compreensão das diversas formas possíveisque assume a pluriatividade. O terceiro, por suavez, refere-se à interpretação da pluriatividadecomo uma expressão da dinâmica das transforma-ções socioeconômicas estruturais dos espaços ru-rais. Ou seja, trata-se do enfoque histórico e com-parativo entre regiões, comunidades e até países,no sentido de se averiguar os fatores que podemcontribuir para explicar as distintas funções dapluriatividade, como, por exemplo, o tamanho ea composição familiar e a disponibilidade de ummercado de trabalho de atividades não-agrícolas(Brun e Fuller, 1991, pp. 26-28).

A pluriatividade como característica daagricultura familiar

Como fenômeno social e econômico presen-te na estrutura agrária de regiões e países, pode-se definir a pluriatividade como um fenômenoatravés do qual membros das famílias que habi-tam no meio rural optam pelo exercício de dife-rentes atividades, ou, mais rigorosamente, peloexercício de atividades não-agrícolas, mantendo amoradia no campo e uma ligação, inclusive pro-dutiva, com a agricultura e a vida no espaço ru-ral. Nesse sentido, ainda que se possa afirmar quea pluriatividade seja decorrente de fatores que lhesão exógenos, como o mercado de trabalho não-agrícola, ela pode ser definida como uma práticaque depende de decisões individuais ou familia-res. Interessa, pois, avaliar o significado econômi-co, o sentido sociocultural da consolidação dapluriatividade em famílias que residem no espaçorural e se integram em outras atividades ocupa-cionais, combinando-as com a atividade agrícola.

Com efeito, ao delimitar as fronteiras concei-tuais entre a agricultura familiar e a pluriatividade,o passo seguinte consiste em evidenciar o referen-cial teórico que alicerça essa definição. Cabe, por-

tanto, explicitar como é entendida a agricultura fa-miliar e por que a pluriatividade se tornou umadas estratégias de sobrevivência. Assim, a discus-são teórica acerca da pluriatividade deve envolvero debate mais amplo sobre a persistência da for-ma familiar de trabalho e de produção no interiordo capitalismo. Parte-se do pressuposto de que adinâmica socioeconômica no meio rural faz parteda sociedade como um todo, e que, em determi-nadas situações históricas, ela certamente será es-tabelecida pelo regime capitalista. Mas essa não éuma “regra universal”, e o modo pelo qual a for-ma familiar interage com o capitalismo pode variare assumir feições muito particulares. Em algunscasos históricos, as formas sociais identificadascom o trabalho familiar acabaram sucumbindo eforam absorvidas pelo próprio capitalismo mas,em outros, como no caso de certas configuraçõesda pluriatividade, a presença do trabalho familiarem unidades produtivas agrícolas pôde desenvol-ver relações até certo ponto estáveis e duradourascom as formas sociais e econômicas predominan-tes. Assim, as unidades familiares subsistem comuma relativa autonomia em relação ao capital evão se reproduzindo nessas condições. A suatransformação vai depender de sua relação com asformas distintas e heterogêneas de estruturaçãosocial, cultural e econômica do capitalismo, emum certo espaço e contexto histórico.

Há controvérsia metodológica entre os estu-diosos que, segundo Neves (1995), decorre emlarga medida da capitulação dos pesquisadores aoraciocínio dualista, tipológico e ordenador dessaheterogeneidade, que vale à pena ser comentado.O que está em jogo é a definição das unidadesfamiliares que utiliza como referencial o outroextremo de uma suposta polaridade, qual seja, aunidade ou a empresa capitalista. Às formas fami-liares corresponderiam características como tra-balho familiar, resistência à apropriação do exce-dente via mercado, propriedade de meios deprodução, busca de autonomia etc.; às formas ca-pitalistas seriam definidas por assentarem-se emtrabalho assalariado, apropriação de mais-valia,reprodução ampliada, racionalidade dirigida àobtenção de produtividade e rentabilidade, entreoutros aspectos. Dessa classificação derivam qua-

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lificações empíricas, muitas vezes utilizadas paracaracterizar os próprios produtores, como a pola-rização entre produtor tecnificado ou capitaliza-do versus os camponeses, pobres ou tradicionais.Esse tipo de raciocínio, que segundo Neves deri-va de equívocos metodológicos, reduz a com-preensão e a análise das formas sociais existentesno campo à mera contraposição de dois segmen-tos: um social, caracterizado pelas unidades fami-liares, e outro, econômico, consagrado à empre-sa capitalista.

Entretanto, acredita-se ser possível e adequa-do o delineamento de alguns elementos que auxi-liem a elaboração de uma definição mais abran-gente acerca da agricultura familiar ou da formafamiliar de organizar o trabalho e a produção naatividade agrícola, e isso, com certeza, será útilpara a compreensão de suas características em so-ciedades capitalistas.13 O primeiro elemento dizrespeito à forma de uso do trabalho. As unidadesfamiliares funcionam, predominantemente, combase na utilização da força de trabalho dos mem-bros da família que, por sua vez, podem contratar,em caráter temporário, outros trabalhadores. Noentanto, a utilização de critérios de quantificaçãopara determinar o limite a partir do qual uma uni-dade familiar que usa trabalho contratado deixa deser considerada como tal constitui-se em operaçãoheurística que, isoladamente, não é suficiente parase entender e se caracterizar sociologicamente suanatureza, ou seja, como vivem seus integrantes epor que tomam determinadas decisões.14

O segundo elemento refere-se aos obstácu-los oferecidos pela natureza, que impedem umaeventual correspondência, em essência, entre aatividade produtiva agrícola e industrial. Emboranotórios, os avanços científicos e tecnológicosainda não conseguiram eliminar a “base natural”sob a qual se assenta a produção de alimentos efibras, e muito menos subverter os processos pro-dutivos agrícolas a ponto de suprimir a distinção,em termos de funcionamento, entre agricultura eindústria.15 De fato, malgrado argumentos contrá-rios, um olhar atento sobre a produção agrícola ésuficiente para convencer o observador de que setrata de uma atividade ainda muito dependentede fatores naturais como clima, solo, ou equilíbrio

dos ecossistemas. Na agricultura, o tempo de tra-balho que se gasta para produzir uma mercado-ria, sobretudo nas situações em que a produçãoé especializada, não corresponde ao tempo deprodução necessário à sua elaboração. Além dis-so, é cada vez mais perceptível o apelo que aprodução dita “natural” exerce sobre os consumi-dores, forjando, inclusive, situações específicasde mercado para essas mercadorias. Portanto, asbarreiras naturais continuam limitando o desen-volvimento de economias de escala na agricultu-ra, impedindo, assim, uma total subordinaçãodos processos produtivos ao interesse do capital,e, por isso, operando com base em relações detrabalho não assalariadas. Não é por acaso queuma parcela majoritária da produção agroalimen-tar dos países capitalistas mais desenvolvidoscontinua nas mãos dos agricultores familiares.

O terceiro elemento pode ser extraído dateoria social. A tradição marxista sempre privile-giou o enfoque do desenvolvimento agrário comoum processo macrosocial e econômico sem con-siderar a resistência das formas familiares e reco-nhecer a capacidade de adaptação e interaçãodessas categorias sociais no sistema dominante. Énecessário ajustar esse enfoque no sentido dedeslocar seu referencial holístico e nomológicopara a compreensão das formas de articulação daagricultura familiar com o ambiente social e eco-nômico em que estiver inserida. Este ambiente éconstituído por um conjunto de instituições quefornece estímulos e determina os limites e as pos-sibilidades, exercendo, assim, uma influência de-cisiva sobre as decisões individuais e familiares.As relações dos agricultores com o ambiente so-cial e econômico podem ocorrer por meio do cré-dito, do financiamento ou de outra forma deapoio institucional – Estado ou ONGs –, e tam-bém pelo acesso a mercados de produtos (com-pra de insumos e venda de mercadorias, relaçãocom a agroindústria etc.), mercado de trabalho(como a possibilidade de obter rendas em ativida-des não-agrícolas), acesso e informações e inova-ções produzidas pelo progresso tecnológico.Além disso, o ambiente social e econômico tam-bém compreende as expectativas cambiantes e aspercepções que as famílias nutrem em relação ao

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seu futuro e às possibilidades de desenvolvimen-to do local em que vivem.

Contudo, o elemento central que patrocina arelativa estabilidade e exerce um papel reguladorentre os diferentes aspectos aqui apresentados éa própria natureza familiar das unidades agrícolas,que está assentada nas relações de parentesco ede herança existentes entre seus membros. É nointerior da família e do grupo doméstico que selocalizam as principais razões que explicam, aomesmo tempo, a persistência e a sobrevivência decertas unidades e a desagregação e o desapareci-mento de outras.16 As decisões tomadas pela famí-lia e pelo grupo doméstico ante as condiçõesmateriais e o ambiente social e econômico sãocruciais e definidoras das trajetórias e estratégiasque viabilizam ou não sua sobrevivência social,econômica, cultural e moral.

Mesmo que em certos casos as unidadesfamiliares estejam submetidas a determinadoscondicionantes externos como, por exemplo, omonopólio de preços ou os diferentes tipos demercado (de trabalho, de crédito, de produtos einsumos, entre outros), o fato de estruturarem-se com base na utilização da força de trabalhode seus membros permite que determinadas de-cisões se tornem possíveis, o que muitas vezesum agricultor muito inserido na dinâmica capi-talista, contando com a contratação de assalaria-dos, não poderia concretizar ou sofreria fortesrestrições. Isso não significa concordar com aidéia de que essa especificidade do caráter fami-liar seja suficiente para explicar por que algu-mas unidades conseguem reproduzir-se ou re-sistir, mesmo em condições adversas.

A reprodução social, econômica, cultural esimbólica das formas familiares dependerá de umintrincado e complexo jogo pelo qual as unidadesfamiliares se relacionam com o ambiente e o espa-ço em que estão inseridas. Nele os indivíduos e afamília devem levar em conta o bem-estar e o pro-gresso de sua unidade de trabalho e moradia e aspossibilidades materiais de alcançar determinadosobjetivos. Desse modo, a reprodução não é ape-nas o resultado de um ato da vontade individualou do coletivo familiar, e tampouco uma decorrên-cia das pressões econômicas externas do sistema

social. A reprodução é, acima de tudo, o resultadodo processo de intermediação entre os indivíduos-membros com sua família e de ambos interagindocom o ambiente social em que estão imersos. Nes-se processo cabe à família e a seus membros umpapel ativo, pois suas decisões, estratégias e açõespodem trazer resultados benéficos ou desfavorá-veis à sua continuidade e reprodução.

Essa perspectiva permite romper com ousual reducionismo classificatório dos estudos so-bre a agricultura familiar, pois nem a categoria tra-balho familiar estritamente, nem a contratação ounão de assalariados, nem tampouco as relaçõescom o mercado servem, isoladamente, como cri-térios para definir a natureza de uma determina-da forma social. Nesse sentido, para se entendero significado da pluriatividade em situações ondepredomina a agricultura familiar a partir das ferra-mentas conceituais disponibilizadas pela sociolo-gia crítica, é preciso admitir que determinadas for-mas sociais se transformam (no sentido de que sesuperam), se metamorfoseiam e se reproduzemfora do escopo rígido das leis de valorização docapital. Trata-se de aceitar a hipótese de que de-terminadas formas sociais estabelecem relaçõescom o modo de produção dominante sem que, apriori, elas assumam um caráter capitalista. A con-tratação eventual ou regular de assalariados pelasunidades familiares ou sua inserção em circuitosmercantis, seja pela venda da força de trabalho(via atividades não-agrícolas), seja pela venda deprodutos agrícolas, não autoriza a categorizaçãocompulsória como capitalistas.

De certo modo, o amplo apoio obtido poressa perspectiva, a partir das indicações de auto-res ligados à Sociologia da Agricultura, permite di-zer que há muitas concordâncias em torno desseaporte, sobretudo no que se refere à identificaçãodo cenário social e econômico em que transcor-rem as transformações do capitalismo contempo-râneo. Há consenso, por exemplo, no diagnósticogeral acerca da crise do fordismo e da validade desuas explicações sobre as novas formas de regula-ção social e econômica da estrutura agrária, forte-mente marcadas pela consolidação do sistemaagroalimentar internacional e pela mercantilizaçãocrescente tanto das relações de produção, como

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das dimensões que Marsden enquadra na esferado “consumo não-produtivo”, como a paisagemrural, o clima, o ambiente natural etc.

No entanto, em relação às avaliações sobrea pluriatividade e sobre a emergência de novasformas de regulação do trabalho no meio rural, aadesão da perspectiva analítica aqui proposta àsidéias defendidas pelos autores da Sociologia daAgricultura é parcial. Embora se aceite que astransformações do mercado de trabalho sejamconseqüências de um padrão pós-fordista em ges-tação, não se considera que a pluriatividade sejaum fenômeno decorrente apenas de processossociais e econômicos externos às unidades fami-liares, sem implicar qualquer tipo de (re)ação dossujeitos afetados. Seria um equívoco afirmar queos agricultores familiares sejam meros coadjuvan-tes ou simples bearers of structures (suportes dasestruturas), e que não contribuam, em algumamedida, para a afirmação da pluriatividade.

As avaliações da Sociologia da Agriculturaparecem satisfatórias em relação aos aspectos ma-crosociológicos pelos quais se explica o recursodos agricultores às atividades não-agrícolas. Con-tudo, elas têm pouco a dizer sobre as motivaçõesdos indivíduos, sobre como tomam suas decisõesde dispêndio ou investimento, ou mesmo sobreos projetos que orientam suas estratégias de bus-ca de alternativas materiais à sua reprodução so-cial. Ou seja, para entender a complexidade dasrelações sociais engendradas nesse processo, épreciso estudar a pluriatividade a partir do modocomo é exercida pelos próprios agricultores fami-liares. Dessa forma, é preciso adentrar no ambien-te intrafamiliar para conhecer melhor os mecanis-mos pelos quais uma família se torna pluriativa ede que modo ela exerce essa pluriatividade.

A família pluriativa: em busca de umaunidade de análise

A partir dos elementos teóricos até aqui apre-sentados torna-se necessário fixar uma unidade deobservação pertinente ao estudo da pluriatividadee da agricultura familiar. A unidade de análise ser-ve para se fixar o “campo de observação” dos fe-

nômenos empíricos e funciona como um recursoheurístico e metodológico que recorta o objeto daanálise sociológica. Nesse sentido, adverte-se parao fato de que a abordagem empreendida aquiconsidera as famílias rurais unidades onde a pre-sença da pluriatividade deve ser entendida comoum ponto de partida para reflexão sobre o própriofuncionamento e as características da agriculturafamiliar. Portanto, a unidade que servirá de refe-rência metodológica, e que deverá se constituirem locus privilegiado da observação sociológica,será a família rural e não as atividades não-agríco-las exercidas por alguns de seus membros. A famí-lia é entendida como um grupo social que com-partilha um mesmo espaço (não necessariamenteuma habitação comum) e possui em comum apropriedade de um pedaço de terra para cultivoagrícola. Está ligada por laços de parentesco econsangüinidade (filiação), podendo a ele perten-cer, eventualmente, outros membros não consan-güíneos (adoção). É no âmbito familiar que se dis-cute e se organiza a inserção produtiva, laboral,social e moral de seus integrantes, e é em funçãodesse referencial que se estabelecem as estratégiasindividuais e coletivas que visam a garantir a re-produção do grupo. Embora seu objetivo seja areprodução material, cultural e moral do grupo,não há, para tanto, caminho predeterminado ouestratégias definidas ex ante.

Para operacionalizar a utilização da famíliacomo unidade analítica sugere-se sua separação,para fins heurísticos, em unidades familiares deprodução e grupos domésticos (Neves, 1995, 1997;Carneiro, 1998). Esta separação consiste em um atoabstrato e tem por finalidade entender melhor asrelações sociais que ocorrem nas duas dimensõesfundamentais da vida – o trabalho e a sociabilida-de. Não se trata de uma cisão, mas de uma opera-ção racional por meio da qual o pesquisador estu-da as situações em que as famílias ou osindivíduos recorrem às atividades não-agrícolas eà pluriatividade como estratégias para viabilizarseus interesses pessoais ou coletivos – geralmen-te, elevação da renda ou busca por trabalhos me-nos penosos (Schneider, 1999b, p. 125).

Conforme também haviam sugerido Fuller(1984) e Barthez (1982, 1987), a separação da

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unidade familiar em unidade de produção e gru-po doméstico funciona como um recurso meto-dológico que permite ir além das necessárias,mas insuficientes, medidas da quantidade detempo de trabalho e do valor das rendas obtidasfora da propriedade como critérios definidoresde uma unidade familiar pluriativa. Definir a plu-riatividade pela obtenção de rendas externas àunidade ou a utilização de tempo de trabalho emoutras atividades que não a agricultura implicaem um reducionismo conceitual que desconside-ra as outras causas que podem estar na origemda decisão de um indivíduo ou de uma famíliaem optar por uma dada estratégia. Conhecer es-sas causas é absolutamente fundamental paraque se possa evidenciar as diferentes formas dealocação do trabalho no interior da propriedadeque, provavelmente, variam entre unidades ex-clusivamente agrícolas e as que combinam a agri-cultura com outros tipos de atividade. Isso permi-te compreender as variações da pluriatividade emsituações onde as propriedades, seus sistemasprodutivos e o contexto social e econômico sãosemelhantes. Ademais, a separação entre unidadede produção e grupo doméstico também permiteutilizar na análise a variação da composição de-mográfica da família como elemento importanteà compreensão das distintas formas que assumea pluriatividade, bem como os efeitos diferencia-dos que decorrem da inserção do homem ou damulher em atividades não-agrícolas.

Segundo Neves, esse recurso metodológicopode promover o estudo da dinâmica da organi-zação familiar sem necessariamente determinar exante os projetos familiares ou os resultados daspressões do ambiente social e econômico. A dis-tinção entre unidade familiar e unidade de produ-ção permitiria, assim, evidenciar a coexistência demúltiplos projetos e arranjos entre os membros dafamília, pois “[...] as unidades de produção são ar-ranjos contingenciais. Não são essências. São for-mas de conexão, de disjunção e de conjunção.São sistemas de procedimentos e de estratégias enão uma estrutura dada à qual aos indivíduos sócabe a própria modelação” (Neves, 1995, p. 34).

Além dessa “manobra heurística”, que pre-tende dar um enfoque multidimensional à unida-

de de análise – família rural –, considera-se neces-sário tecer um último comentário sobre a utiliza-ção do conceito de estratégia, que muitas vezesaparece adjetivado como estratégia de reprodu-ção. Ele não é apenas o elo entre as unidades fa-miliares e o ambiente externo, mas também a li-gação que parece superar a dicotomia sociológicaacerca do problema da relação estrutura/agenteou processos micro versus macro.

A utilização do conceito de estratégia develevar em consideração os marcos teóricos e con-ceituais sobre as unidades familiares e sua relaçãocom o contexto socioeconômico específico. Doponto de vista substantivo, as estratégias podemser interpretadas como o resultado das escolhas,das opções e das decisões dos indivíduos em re-lação à família e, inversamente, da família emrelação aos indivíduos (Marini e Pieroni, 1987). Épreciso ponderar, contudo, que essas estratégiasocorrem nos limites de determinados condicio-nantes sociais, culturais, econômicos e até mesmoespaciais, que exercem pressão sobre as unidadesfamiliares. Portanto, a tomada de decisão e as op-ções, sejam quais forem, possuem um referencialque, na prática, se materializa por meio das rela-ções sociais, econômicas e culturais estabelecidasentre os indivíduos. Assim, embora se tratem deestratégias conscientes e racionais, essa consciên-cia é mediatizada por uma racionalidade informa-da pela realidade que tanto é a expressão dasrelações materiais presentes como daquelas her-dadas e transmitidas culturalmente. Desse modo,as estratégias não são causais ou teleológicas,mas, o resultado da ação humana ante as contin-gências objetivas.

Considerações finais

Não está entre os objetivos deste trabalho oestabelecimento de aspectos conclusivos a respei-to do tema. A apresentação de uma revisão da li-teratura, seguida por uma discussão sobre as me-lhores possibilidades analíticas e conceituais parao estudo da pluriatividade, não deve ser encaradacomo receita ou indicações infalíveis. Além disso,o que procurou-se demonstrar é que também no

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terreno dos estudos rurais e agrários recentes aflo-ra uma discussão interessante sobre o próprio ca-ráter da teoria social. De um lado, os autores pa-recem hesitar em abrir um diálogo mais francocom perspectivas teóricas e epistemológicas ri-vais, preferindo implementar o intercâmbio deconceitos e noções. Esse tipo de iniciativa pareceinteressante, pois indica uma postura de reconhe-cimento da capacidade heurística que certos con-ceitos possuem, independentemente das matrizesteóricas a que pertencem. De outro, observa-se apreocupação com os referenciais teóricos em se-gundo plano. Essas perspectivas, embora muitodifundidas na literatura, por opção deliberada doautor foram pouco exploradas neste trabalho.

Assim, quando se realiza um balanço das teo-rias utilizadas pelos cientistas para estudar temáti-cas rurais e agrárias, percebe-se que também estaspassam por ajustes e desafios semelhantes aos queafetam a teoria social contemporânea como umtodo, a saber, interesses voltados ao diálogo multie interdisciplinar, de um lado, e a tendência à frag-mentação e ao pluralismo, de outro. Nesse caso,caberia especular sobre a opção que poderá vir ase tornar hegemônica no contexto das ciências so-ciais brasileiras, exercício que foge aos propósitose mesmo à competência deste trabalho.

Em relação ao debate sobre a agricultura fa-miliar, resta acrescentar que as sugestões de con-ceitos e de enfoques apresentadas não se pren-dem às unidades agrícolas. Ou seja, quando sepropõe estudar as formas familiares de organiza-ção do trabalho e da produção não se está imagi-nando que elas estejam restritas ao setor agrícolae ao espaço rural, pois existem várias outras ativi-dades em que se pode observar essa configura-ção. O mesmo pode ser afirmado em relação àpluriatividade, que se apresenta como um fenô-meno social relativamente novo e desconhecidono espaço rural, embora suas características hámuito estejam presentes nas diversas formas detrabalho (precário ou não) exercidas no âmbitourbano-industrial, pois, em essência, trata-se dacombinação de mais de uma atividade ocupacio-nal por pessoas que pertencem a uma mesma fa-mília. Curiosamente, as famílias urbanas nunca fo-ram chamadas de pluriativas pelo fato de haver

em sua unidade domiciliar pessoas com múltiplasinserções profissionais. Nesse sentido, o debatesobre a pluriatividade ganha uma nova frente dediscussão, que leva à reflexão sobre o processode homogeneização social, econômica, cultural esimbólica das famílias rurais e urbanas ou das fa-mílias em geral.

NOTAS

1 O trabalho de Cavazzani e Fuller (1982) é pioneirona tentativa de procurar uma alternativa ao concei-to de agricultura em tempo-parcial.

2 Mais adiante será retomada a definição de pluriativi-dade tal como é concebida nas pesquisas realizadasno escopo do Arkleton Trust, com o qual o embasa-mento teórico e metodológico deste artigo encontragrande afinidade.

3 Para os historiadores franceses, “amplamente inseri-da no espaço rural, a pluriatividade é uma caracte-rística permanente e estrutural dos campos france-ses. Trabalho a domicílio, em atelier ou em fábricas,os chefes de família praticam a alternância entre osetor agrícola e os setores secundário ou terciário,os membros auxiliares da família exercem uma pre-ciosa atividade de apoio onde todos os tipos de si-tuações existem e coexistem. Portanto, a pluriativi-dade não se constituiu em um campo de estudosespecíficos para os historiadores” (Garrier e Hubs-cher, 1988). Para mais informações, consultar tam-bém Hubscher, Farcy e Mesliand, todos publicadosno livro ARF (1984).

4 Conforme enfatizou Kautsky “[...] a indústria consti-tui a mola não apenas de sua própria evolução, masainda da evolução agrícola [...]. A grande indústriapassa agora a dominar. A agricultura deve obedeceràs suas ordens, adaptar-se às suas exigências”(1980,pp. 317 e 319).

5 Portanto, trata-se de uma perspectiva analítica infor-mada por um referencial que hoje se denominariade microsociológico, o qual requer mediações teóri-co-conceituais para poder ser aplicado à análise defenômenos desconhecido pelos camponeses russos.

6 A utilização dessa expressão parece ser uma claratentativa de demarcar um campo de oposição à tra-dição da Rural Sociology (sociologia rural) norte-americana, de inspiração estrutural-funcionalista.

7 Para uma análise mais detalhada dessas vertentesteóricas, consultar Schneider (1999b, capítulo 2).

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8 O pós-produtivismo é definido por Marsden como“uma fase que é parcialmente apoiada pela habili-dade inerente dos agricultores de se integrar aagentes e setores de atividades não-agrícolas”(1995, p. 294).

9 Em outro trabalho, Marsden define a mercantiliza-ção em termos muito semelhantes a Long, Van derPloeg, Curtin e Box (1986), ao afirmar que “[...] oprocesso de mercantilização, em linhas gerais, en-volve a extensão da forma mercadoria a novas es-feras de atividade ou, o que é mais usual nas eco-nomias avançadas, a superposição de novos tiposde relações mercantis” (Marsden, 1989, p. 314).

10 Na verdade, há uma literatura expressiva que tratadesse processo, especialmente no âmbito da cha-mada “geografia econômica”. Para não citar váriosautores estrangeiros, indica-se as revisões deSchneider (1999a) e Raud (1999).

11 Essa abordagem também encontra seguidores noBrasil. Para mais detalhes, consultar Graziano da Sil-va, Balsadi e Del Grossi (1997).

12 Essa pesquisa pode ser considerada o estudo maiscompleto e aprofundado sobre a pluriatividade e asatividades rurais não-agrícolas nos países europeus.Ela abrangeu 24 regiões de 12 países, sendo quenove são membros da Comunidade Européia e trêsnão. O estudo foi realizado entre 1987 e 1991 e en-volveu a aplicação de um questionário-base em1987 e, outro, em 1992, com uma amostra estratifi-cada de trezentos estabelecimentos em cada região(totalizando 6.600 propriedades em 22 áreas). Fo-ram também realizados estudos de caso aprofunda-dos (chamados de “estudo de contexto”), entre1988 e 1989, com mais setenta estabelecimentos decada região (Arkleton Trust Project, 1992).

13 Em Schneider (1999) pode-se encontrar argu-mentos mais detalhados acerca desses elementosconceituais.

14 Quando um pesquisador analisa uma situação con-creta, tendo como variável a forma de uso da forçade trabalho, e chega a conclusão de que a caracte-rização de determinadas unidades se dá pelo seucaráter familiar ou capitalista, ele está, no limite, re-produzindo uma fórmula dualista de pensamentoque pouco auxilia a explicação sociológica. Para oaprofundamento dessa questão, consultar o exce-lente artigo de Neves (1995).

15 Há uma vasta bibliografia que discute as particulari-dades ou os obstáculos naturais para a realização daprodução capitalista na agricultura. As posições maisinteressantes sobre esse tema foram desenvolvidaspor Mann (1990, cap. 1) e Abromovay (1992, p. 247).

16 Essa perspectiva de análise está de acordo com asidéias de Friedmann (1978a, 1978b) e Carneiro(1996b).

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TEORIA SOCIAL, AGRICULTURA FAMILIAR E PLURIATIVIDADE 121

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TEORIA SOCIAL, AGRICUL-TURA FAMILIAR E PLURIA-TIVIDADE

Sérgio Schneider

Palavras-chaveTeoria social contemporânea; Agri-cultura familiar; Trabalho rural; Plu-riatividade; Sociologia rural.

Este artigo procura apresentar umreferencial de análise que permitaentender a pluriatividade como umestratégia de reprodução social eeconômica das famílias rurais. Otema central trata a agricultura fami-liar e a pluriatividade do ponto devista teórico e conceitual. Situa-se ocontexto em que aparece o estudoda agricultura familiar e da pluriati-vidade no Brasil e discute-se a ori-gem e a evolução do debate sobre apluriatividade, uma situação emi-nentemente relacionada à realidadedos países desenvolvidos. Situam-se, ainda, as análises sobre a pluria-tividade no contexto das tradiçõesteóricas clássicas dos estudos agrá-rios, mostrando como esse fenôme-no já fora objeto de preocupação deoutros autores. Analisa-se, em segui-da, a pluriatividade no âmbito dasprincipais abordagens analíticascontemporâneas da teoria social eindica-se qual o referencial teóricoque parece adequado ao seu estu-do. Por fim, é indicada uma pers-pectiva metodológica para o estudoda pluriatividade em unidades fami-liares.

SOCIAL THEORY, FAMILY FAR-MING AND PLURIACTIVITY

Sérgio Schneider

KeywordsContemporary social theory; Fami-liar agriculture; Rural work; Pluriac-tivity; Rural sociology.

This paper aims at presenting ananalytical reference that allows un-derstanding pluriactivity as a stra-tegy for social and economic repro-duction for rural families. In theintroduction, we present the contextin which the study of family farmingand pluriactivity emerges in Brazil.In the first section, we discuss theorigin and evolution of the debateabout pluriactivity, a situation main-ly related to the reality in developedcountries. In the second section, wetry to position the analysis of plu-riactivity in the context of the theo-retical traditions that are classical inagrarian studies, showing how thisphenomenon has already been ob-ject of concern for others authors. Inthe third section, we aim to positionpluriactivity in the main contempo-raneous analytical approaches of thesocial theory and indicate whichone seems to be adequate for thestudy. In the fourth section, we dis-cuss the central theme of this paper,which is the relationship betweenfamily farming and pluriactivity froma theoretical and conceptual pointof view. In the fifth section, we indi-cate a methodological perspective tostudy pluriactivity in family units.

THÉORIE SOCIALE, AGRICUL-TURE FAMILIALE ET PLU-RIACTIVITÉ

Sérgio Schneider

Mots-clésThéorie sociale contemporaine;Agriculture familiale; Paysan; Plu-riactivité; Sociologie rurale.

Cet article présente un référentield’analyse permettant de compren-dre la pluriactivité en tant que stra-tégie de reproduction sociale et éco-nomique des familles rurales. Dansl’introduction, l’auteur situe le con-texte dans lequel émerge l’étude del’agriculture familiale et de la plu-riactivité au Brésil. La première par-tie aborde l’origine et l’évolution dudébat sur la pluriactivité, une situa-tion éminemment liée à la réalitédes pays développés. Dans la se-conde partie, l’auteur cherche à si-tuer les analyses sur la pluriactivitédans le contexte des traditions théo-riques classiques des études agrai-res, en montrant comment ce phé-nomène a déjà été l’objet d’étudespar d’autres auteurs. Dans la troisiè-me partie, l’auteur situe la pluriacti-vité dans les principales approchesanalytiques contemporaines de lathéorie sociale et indique quel est leréférentiel théorique qui correspondle mieux à son étude. La quatrièmepartie aborde le thème central del’article, qui se réfère à la relation del’agriculture familiale et de la plu-riactivité du point de vue théoriqueet conceptuel. La cinquième et der-nière partie, est indiquée une pers-pective méthodologique pour l’étu-de de la pluriactivité dans les unitésfamiliales.

192 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 51