Tese de Contestacao Em Materia de Tratamento Canino Da Lv

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  • ADVOCACIAGERAL DA UNIO

    PROCURADORIA DA UNIO NO ESTADO DE MATOGROSSO DO SUL

    Grupo Especial de Recuperao Processual do Patrimnio da Unio e de defesa

    da Probidade Administrativa

    RUARIOGRANDE DO SUL, 665, JARDIM DOS ESTADOS, 67-3324-1840 (FAX) 3321-4055- CEP.79020-010

    AGU/PU/MS/AMRV/2013

    EXMO. Juiz federal da 4 vara da 1 subseo da seo judiciria do estado de mato grosso do sul:

    Salus populi, suprema lex esto (que a sade do povo seja a suprema lei mxima de Direito, da lei das XII tbuas);

    II- Bom Senso:

    (...) o quenos avisa do perigo das doenas infecto-contagiosas que podero vitimar a ns ou aos animais que temos sadios em casa ou nos abrigos. - o que preserva nossa integridade fsica e a de nossos animais quando vamos prestar o socorro ou adotar. (cf. in fl. 60, estatuto da associaoautora); (...). A citologia de linfonodo confirmou a presena do parasita da leishmaniose, (...). A doena leishmaniose at o momento no tem cura para o co, (...). (cf. in fl. 41, relatrio ao ento Prefeito sobre o co scooby); (...). Lembramos que esta doena de difciltratamento e a resposta a estetratamento demorado (...). (cf.relatrio, fl. 85, in fine); (...), demonstra uma menor possibilidade de transmisso da Leishmania sp. para o flebotomneo. (...) O tratamentoparaleishmaniose, comoj mencionado anteriormente, busca a curaclnica do animal, (...) (cf. relatrio, infl. 93). A doena leishmaniose at o momento no tem cura para o co, (...) (cf. relatrio, in fl. 104).

    AUTOS N00035012820134036000

    AO DE CONHECIMENTO

    AUTORA: ASSOCIAO ABRIGO DOS BICHOS

    UNIO, representada neste ato processual pelo membro da Advocacia-Geral da Unio que ao final subscreve, vem

    apresentar contestao, cujos fundamentos de impugnabilidade, doravante sistematizados, evidenciam impropriedades processuais da

    demanda e a improcedncia de seu pedido.

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    - CONEXO ENTRE DEMANDAS COLETIVAS (ART.301, VII, CPC) PREVENO DO JUZO DA 1 VARA FEDERAL (LEI N 7.347/85:

    ART. 2, NICO) -

    1- A demanda, que presentemente se contesta, tem,

    em sua causae petendi e, mormente, no pedido desfavorvel Unio, estreito

    liame de semelhana coma demandados autos n 2008.60.00.001270-0, cujo

    procedimento especial desenvolve-se perante o Juzo federal da 1 vara desta

    subseo judiciria (cf. anexo 29).

    2- Consideradas segundo a perspectiva de afirmao de

    interesse material pela parte autora, ambas tm natureza processual de demanda

    coletiva (gnero), caracterizando-se, especificamente, como aes civis

    pblicas, a despeito do irrelevante rtulo de ao ordinria, aposto

    aleatoriamente como nomen iuris da demanda contestada, cuja natureza, ressalte-

    se, de ao civil pblica, espcie do gnero ao coletiva, razo pela

    qual o rtulo com que foi impropriamente nominada no lhe traduz a correta

    ontologia processual, e da ser pertinente esta lio do jurista argentino Agustn

    Gordillo:

    (...) as palavras no so mais que rtulos nas coisas:

    colocamos rtulos nas coisas para que possamos falar delas

    e, da por diante as palavras no tem mais relao com as

    coisas, do que as tm rtulos de garrafas com as prprias

    garrafas. (...) Qualquer rtulo conveniente na medida em

    que nos ponhamos de acordo com ele e o usemos de maneira

    conseqente. A garrafa conter exatamente a mesma

    substncia, ainda que coloquemos nela um rtulo distinto,

    assim como a coisa seria a mesma ainda que usssemos

    palavra diferente para design-la (in Princpios gerais de

    direito pblico, RT, 1977, pg. 2, traduo de Marco Aurlio

    Greco, sem destaque).

    3- So aes civis pblicas porque, em ambas, a mesma

    parte autora pede, em nome prprio, tutela jurisdicional pela afirmao de

    interesse transindividual (considerado, a priori e in status assertionis), do qual

    no titular no plano substancial, agindo, pois, em substituio processual.

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    4- A ao civil pblica, explica Teori Albino

    Zavascki, procedimento moldado natureza dos direitos e interesses a

    que se destina tutelar: direitos transindividuais (difusos e coletivos) (in

    Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos,

    So Paulo, Editora RT, 2006, p. 66), disciplinando-se, primordialmente, pelas

    normas especiais do sistema processual coletivo, cujas principais fontes

    formais so a lei n 7.347/85 e a lei n 8.078/90, aplicando-se-lhe, apenas

    subsidiariamente, as normas comuns do CPC (art. 271 do CPC e art. 19 da lei

    n 7.347/85), donde, portanto, a impropriedade formal (incorrespondncia

    semntica) do rtulo inicial da actio contestada.

    5- Aclaradas quanto natureza processual,

    importante que agora se perceba que, em ambas as demandas, o ncleo temtico das respectivas causae petendi o comum e invarivel discurso da viabilidade do tratamento canino da leishmaniose visceral, e, por consequncia, a comum pretenso de se querer impedir que o Poder Pblico execute a medida preventiva de eutansia de ces infectados por leishmania chagasi.

    6- Para uma melhor percepo do alto grau de

    conexo entre as duas demandas, menciona-se, inicialmente, que o primeiro pedido de tutela jurisdicional, formulado na demanda conexa (na 1 vara), visa obteno de mandamentalidade que iniba o Poder Pblico de eutanasiar, sem prvia autorizao formal do proprietrio, co infectado por leishmania chagasi (cf. petio inicial, in anexo 29).

    7- J no pedido de tutela jurisdicional, formulado em

    fl. 50 destes autos, a mesma parte autora pretende assegurar semelhante situao que acol: o tratamento canino da leishmaniose visceral, o que pressupe, obviamente, a proibio de o Poder Pblico adotar a medida de eutansia do co infectado.

    8- Ora, se o outro rgo jurisdicional, quando julgar o mrito da demanda conexa, vier a reconhecer, com eficcia subjetiva universal (erga omnes), a legalidade da coatividade administrativa da eutansia canina por LV, e sobretudo se tal preceito declaratrio revestir-se do atributo de imutabilidade (res iudicata), ocorrer de grave conflito lgico e prtico com eventual deciso de mrito que venha a impor, pelo julgamento do pedido desta demanda contestada, a absteno administrativa da prtica obrigatria da eutansia canina.

    9- Em verdade, esse risco inicial de incompatibilidade prtica entre decises reciprocamente antagnicas, proferidas, separadamente, nas duas demandas coletivas, no mais to-somente um perigo concreto, j fato, e fato extremamente grave!

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    10- Com efeito, em deciso vigente, proferida nos autos de suspenso de liminar n 1.289-MS, o rgo de Presidncia do STJ suspendeu, com eficcia erga omnes (por se tratar de jurisdio coletiva respeitante hiptese do art. 81, nico, I, da Lei n 8.078/90), pronunciamento monocrtico, emitido pelo TRF da 3 Regio em agravo por instrumento interposto na demanda conexa, e que condicionava a prtica administrativa da eutansia canina prvia aquiescncia do proprietrio.

    11- O Ministro Ari Pargendler, convencido pela fora de evidncias cientficas, que lhe eram expostas pela Unio, e sensvel extrema gravidade social da matria assim como de sua magnitude para a sade pblica, suspendeu a eficcia daquele pronunciamento do TRF, nestes termos:

    (...) J a manuteno da exigncia de consentimento do proprietrio para o sacrifcio do animal doente e do direito

    realizao do tratamento no animal (que pode no evitar a

    transmisso da doena) tm o potencial de causar grave

    leso a sade pblica. (...)

    Defiro, por isto, o pedido, em parte, para suspender os

    efeitos da deciso proferida pelo MM. Juiz do Tribunal

    Regional Federal da 3 Regio no que diz respeito

    necessidade de consentimento do proprietrio do animal

    doente para a realizao da eutansia e possibilidade do

    proprietrio do animal portador da doena recusar-se a

    sacrific-lo, mediante a assinatura de termo de

    responsabilidade de tratamento (cf., sem destaque, in anexo 24).

    12- Isso implica reconhecer que na demanda conexa (na 1 vara federal), em cuja relao processual a mesma associao e a Unio encontram-se nos mesmos plos processuais antagnicos, est em vigor deciso jurisdicional superior, reconhecendo, provisoriamente, a legalidade administrativa da eutansia canina.

    13- Portanto, j fato a gravssima

    incompatibilidade prtica entre o preceito liminar, proferido nestes autos, e o preceito superior acima transcrito, o que peremptoriamente comprova a estreitssima conexo entre as duas demandas coletivas.

    14- O conflito decisrio s no mais grave

    institucionalmente, porque as duas decises reciprocamente antinmicas so provisrias, no se revestem de res iudicata, mas mesmo assim urgente e cogente a observncia do mandamento processual enunciado no art. 105 do CPC: o reconhecimento da conexo (art. 103 do CPC) e a remessa destes autos ao Juzo federal da 1 vara, prevento e que, por s-lo, h de julgar conjuntamente as lides coletivas.

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    15- til enfatizar que essa regra processual

    (art. 105) desdobramento especfico do princpio fundamental da harmonia

    institucional dos poderes constitudos (interpretao lgica do art. 2 da CF:

    So poderes da Unio, (...) e harmnicos (...) e o Judicirio), como imposio

    no somente extrnseca entre eles, mas tambm interna corporis, e por isso o art.

    105 do CPC regra que salvaguarda o interesse pblico pela efetividade da

    deciso jurisdicional, informada pelo postulado institucional de coerncia da

    unidade da jurisdio, valendo-lhe, na essncia, aquela sbia e secular mxima

    de Papiniano: jus publicum privatorum pactis mutari non potest; dizer: se no pode

    o Direito Pblico ser substitudo pelas convenes dos particulares, a fortiori,

    acrescenta-se aqui, pelo arbtrio da autoridade que deve aplic-lo.

    16- Firmada a natureza de ao civil pblica

    das duas demandas coletivas e, consequentemente, o regime prevalente de

    disciplina normativa pela lei n 7.347/85, a regra, que estabelece o critrio de

    identificao do Juzo prevento, a que decorre do texto do pargrafo nico,

    do art. 2, dessa lei, consoante o qual A propositura da ao prevenir a

    jurisdio do juzo para todas as aes posteriormente intentadas que

    possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto (destacou-se).

    17- O conceito jurdico-processual de

    propositura de ao acha-se positivado no art. 263 do CPC, nestes termos:

    Considera-se proposta a ao, tanto que a petio inicial seja despachada

    pelo juiz, ou simplesmente distribuda, onde houver mais de uma vara.

    (...); no caso concreto, em razo da coexistncia, na 1 subseo judiciria, de

    mais de uma vara federal com igual competncia civil ratione materiae, a

    propositura de ao considera-se, simplesmente, como o ato

    administrativo-judicirio de distribuio da petio inicial.

    18- Assim, em se tratando de duas aes civis

    pblicas conexas, que tramitam perante Juzos federais diversos, o Juzo

    prevento, segundo a regra especial do nico, do art. 2, da lei n7.347/85,

    aquele para o qual foi distribuda a petio inicial da primeira das aes

    civis pblicas.

    19- Dessa premissa, importa ser ressaltada a

    especialidade normativa do critrio de preveno estabelecido no nico,

    do art. 2, da lei n 7.347/85, a significar que sua regra especial de preveno,

    decorrente dessa fonte formal extravagante, afasta, ex vi do art. 271, in fine, do

    CPC, a incidncia da regra comum resultante do caput do art. 219, do CPC.

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    20- Concretamente, a petio inicial da ao civil pblica contestada foi distribuda em 12/04/2013, e a da ao cautelar preparatria, em 13/11/2008 (cf. anexo 30); j a petio inicial da ao civil pblica conexa, autuada na 1 vara federal com o nmero n 2008.60.00.001270-0, fora distribuda em 17/01/2008 (cf. in anexo 29),de maneira que essa precedncia distributiva fixou a preveno do Juzo federal da 1 vara, a quem, por conseguinte, competir o julgamento conjunto das duas aes civis pblicas.

    21- De ser ainda acrescentado que o Juzo prevento ainda no julgou o pedido daquela ao civil pblica conexa, inexistindo, assim, o bice reunio processual, advertido pelo enunciado

    sumular n235 do STJ: A conexo no determina a reunio dos processos,

    se um deles j foi julgado.

    - INOBSERVNCIA DE LITISCONSRCIO PASSIVO NECESSRIO -

    22- Dentre as crassas impropriedades formais que permeiam a ao contestada, assume relevo preliminar a sua omisso quanto incluso de litisconsorte passivo necessrio.

    23- Com efeito, extrai-se do texto postulatrio do item I, em fl.50, a explcita impugnao de atos administrativos normativos, emanados tanto da Unio quanto do Conselho federal de medicina veterinria (CFMV).

    24- percepo da exigncia in concretu de

    litigncia obrigatoriamente conjunta, ou necessariedade litisconsorcial, o eixo

    de referncia sempre o resultado prtico a que tende o processo,

    vista do pedido e da causa de pedir, como bem o disse Barbosa Moreira (no clssico Litisconsrcio unitrio, Forense, 1972, pg. 146, n85, sem destaque).

    25- Conquanto sofrvel a linguagem do texto postulatrio, ainda assim se constatam duas pretenses processuais

    subjetivamente autnomas nele misturadas: ...desobrigar os requerentes a

    cumprirem os preceitos da Portaria Interministerial n. 1.426, de 11 de julho

    de 2008, expedida pelo Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    e Ministrio da Sade e as resolues dos Conselhos Federal e Estadual

    de Veterinria que probe a administrao de medicamento humano no

    tratamento da leishmaniose, (...) (cf., sem destaque, em fl. 50).

    26- Parece bvio que essa pretenso de inibir a atuao disciplinar dos mencionados Conselhos, quando invocarem a fora normativa de suas resolues na matria sub judice, pedido de tutela inibitria inconfundvel (rectius, autnomo) com o anteriormente formulado em face da Unio; onde est, ento, a declarao de vontade da autora, a incluir essas autarquias corporativas no plo passivo da demanda?

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    27- Ora, raciocnio bsico do princpio fundamental da ampla defesa o de que todo aquele, para cuja esfera jurdica se direciona, desfavoravelmente, pedido de tutela jurisdicional, h de ser necessariamente indicado (art. 282, II, CPC) e citado como ru (art. 282, VII), estando o rgo jurisdicional proibido de proferir deciso favorvel ao autor, enquanto no sanado o vcio de nulidade (caput do art. 47 do CPC).

    28- Se, como prescreve a 2 parte do caput do art. 47 do CPC, ...a eficcia da sentena depender da citao de todos os litisconsortes no processo, mais que bvio que a antecipao de eficcia da sentena, ou seja, a deciso antecipatria, tambm depender, e com muito mais razo, da prvia complementao de declarao de vontade do autor, no sentido de incluir os litisconsortes passivos necessrios.

    29- Pasme-se: o Juzo, embora tenha lido e interpretado aquele texto postulatrio, passou ao largo do princpio fundamental, omitindo-se no dever legal de ordenar ...ao autor que promova a citao de todos os litisconsortes necessrios, dentro do prazo que assinar, sob pena de extino do processo ( nico do art. 47, do CPC), sem se esquecer, todavia, de impor antecipao de tutela mandamental a entidades que sequer foram qualificadas como rs.

    30- Eis, com efeito, a parte dispositiva da liminar antecipatria:

    Assim, DEFIRO O PEDIDO DE ANTECIPAO DE

    TUTELA com o fim de desobrigar a autora a cumprir os

    preceitos da Portaria Ministerial n 1.426, de 11 de julho de

    2008, expedida pelo Ministrio da Agricultura, Pecuria e

    Abastecimento e Ministrio da Sade e as Resolues dos

    Conselhos Federal e Estadual de Veterinria que probe a

    administrao de medicamento humano no tratamento de

    leishmaniose (in fl. 141, sem destaque).

    31- , porm, decorrncia do princpio informativo lgico (cf. Arruda Alvim, in manual de Direito Processual Civil, RT, 6 edio, 1997, pg. 18) a exigncia de que mesmo a cognio provisria sobre o mrito, qual a que ocorre na antecipao de eficcia de deciso de mrito, est condicionada prvia observncia dos requisitos de admissibilidade do julgamento de mrito, como os pressupostos processuais e as condies de exerccio regular do direito de ao.

    32- A inobservncia, pela autora, de litisconsrcio passivo necessrio j implicava, ab initio litis, a impossibilidade de o Juzo prescindir desse requisito de admissibilidade e adentrar na cognio provisria sobre o mrito, porque a omisso litisconsorcial configura ilegitimidade passiva da Unio.

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    33- Disse-o Cndido Rangel Dinamarco: A

    necessariedade do litisconsrcio reside na indispensabilidade da

    presena de partes plrimas, resolvendo-se numa questo de

    legitimidade ad causam ativa ou passiva: dizer que o litisconsorte

    necessrio significa negar a legitimidade de uma s pessoa para

    demandar ou para ser demandada isoladamente, carecendo de ao o

    autor que insistir na demanda isolada. Trata-se de matria de ordem

    pblica, que ao juiz cumpre fiscalizar de ofcio, ditando-lhe a lei,

    expressamente, o dever de determinar o necessrio para que se faa o

    litisconsrcio, nos casos em que a lei o exige, sob pena de extino do

    processo sem julgamento de mrito (cf., sem destaque, in Litisconsrcio,

    Malheiros, 4 edio, 1996, pgs. 66 e 67).

    34- Muito antes de Dinamarco, Enrico Tullio

    Liebman, no seu Manual de Direito Processual Civil (in vol. 1, 2 ed., Forense,

    1987, pg. 107, n51, sem destaque), j preconizava, em termos de implicao

    de legitimidade ad causam, que ...o litisconsrcio necessrio resolve-se, do

    ponto-de-vista terico, em uma legitimao para agir necessariamente

    abrangente dos titulares da relao jurdica que o autor quer deduzir

    em juzo: a ao, nica, tem cabimento conjuntamente contra o vrios

    legitimados passivos necessrios, e isso quer dizer que no tem

    cabimento s contra um ou alguns deles (...); movida a alguns, a ao

    no poder ser julgada pelo mrito e a rigor deveria, mesmo de-ofcio,

    ser declarada inadmissvel.

    35- Suscita-se, por conseguinte, a exceptio plurium

    litisconsortium (litisconsrcio necessrio), revelando-se a ilegitimidade ad causam

    da Unio para continuar figurando, isoladamente, no plo passivo da demanda.

    - A ILEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAO IMPERTINNCIA TEMTICA ENTRE OS FINS ESTATUTRIOS E A SITUAO

    MATERIAL PRETENDIDA COM A DEMANDA

    36- Outro importante aspecto formal, em que

    falhou o filtro de admissibilidade prvia sobre a demanda contestada, o da

    legitimidade ativa, porque a associao autora no , vista de seus desgnios

    estatutrios, porta-voz legtimo de potenciais interesses de grupo mdico-

    veterinrio nem de empresas interessadas na fabricao e comercializao de

    produtos para tratamento canino da LV.

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    37- que, alm do pressuposto cronolgico de

    pr-constituio (in art. 5, V, a, Lei n 7.347/85), exige-se,

    concorrentemente, que a associao autora inclua, entre suas finalidades

    institucionais, a proteo ao meio ambiente, ao consumidor, ordem

    econmica, livre concorrncia ou patrimnio artstico, esttico,

    histrico, turstico e paisagstico (art. 5, V, b, Lei n 7.347/85); todavia,

    e ao contrrio do que possa induzir e seduzir o resultado de uma interpretao

    simplesmente literal do texto, a incluso temtico-estatutria no bastante

    em si mesma.

    38- Imprescindvel, e isto como resultado de

    interpretao lgico-finalstica, que a prvia incluso temtico-estatutria

    guarde, sob a tica da casustica litigiosa, relao de pertinencialidade com o

    objetivo imediatamente prtico buscado atravs da demanda proposta, ou seja, que o

    pedido mediato esteja direta e inteiramente compreendido pelo raio de

    alcance dos objetivos estatutrios anunciados pelo ato constitutivo da

    Associao autora.

    39- O elemento da pertinncia temtica, que se

    aproxima, at certa medida, da adequacy of representation do sistema norte-

    americano das class actions (rule 23, n4, da Federal Rules of Civil Procedure: the

    representative parties Will fairly and adequately protect the interests of the class), encontra-

    se logicamente implcito no texto da alnea b, do art. 5 da Lei

    n7.347/85, e compe a frmula de aferio da legitimidade ativa dos

    corpos sociais intermedirios, para propositura de ao civil pblica.

    40- A legitimao extraordinria de uma associao civil no atributo que lhe decorre da mera personalidade jurdica (existncia legal), ou como se lhe fosse um predicado a priori e tematicamente universal, que resultasse de presuno legal absoluta (juris et de jure); ao contrrio disso, ela um conceito relacional e ad hoc (casustico), e por isso exigente de aferio sempre luz de parmetros concretos e objetivos da res in iudicium deducta.

    41- O conceito relacional de legitimao categoricamente enfatizado pela processualstica atual, a exemplo desta doutrina de Fredie Didier e Hermes Zaneti:

    Como se sabe, a legitimidade ad causam a capacidade de

    conduzir um processo em que se discute determinada

    situao jurdica substancial. A legitimidade uma

    capacidade que se atribui a um sujeito de direito tendo em

    vista a relao que ele mantm com o objeto litigioso do

    processo (a situao jurdica afirmada na demanda).

  • 10

    Para que se saiba se a parte legtima, preciso investigar o

    objeto litigioso do processo, a situao concretamente

    deduzida pela demanda. No se pode examinar a

    legitimidade a priori, independentemente da situao

    concreta que foi submetida ao Judicirio. No existe parte

    em tese legtima; a parte s ou no legtima aps o

    confronto com a situao concreta submetida ao Judicirio (in Curso de Direito Processual Civil, processo coletivo, Vol. 4, PODIVM, 5 edio, pg. 220, sem destaque).

    42- Marcelo Abelha Rodrigues tambm expe de maneira clara a essncia relacional do conceito jurdico de legitimidade:

    O sujeito processual s estar credenciado a atuar na

    posio jurdica processual respectiva se possuir

    legitimidade para tanto. Exatamente por isso a palavra

    legitimidade exprime idia de transitividade, de carter

    relacional, e s existe perante uma dada situao. Assim, s

    se legtimo com relao a alguma coisa e/ou algum, no

    sendo lcito pensar que a legitimidade seja sinnimo de

    atributo de algum e que por isso mesmo exista de per si e

    acompanhe a pessoa em qualquer situao (in Elementos de

    Direito Processual Civil, vol. 1, RT, 2 ed., pgs. 187 e 188, sem

    destaque).

    43- Como a legitimao ativa extraordinria a regra no sistema processual coletivo, a pertinncia temtica seu elemento logicamente indissocivel, cuja funo , praticamente, a de validar critrio de aferio da legitimidade in concreto, cujo parmetro , como ressaltado, a res in

    iudicium deducta, uma vez que Todos os critrios para a aferio da

    representatividade adequada devem ser examinados a partir do contedo

    da demanda coletiva (Fredie Didier e Hermes Zaneti, in ob. cit., pg. 211, sem destaque).

    44- Essa aluso doutrinria a representatividade adequada, como sinnimo da expresso pertinncia temtica, precisa ser entendida e empregada, no Direito ptrio, segundo esta advertncia de Antnio Gidi:

    Representante aqui deve ser considerado como sinnimo

    de porta-voz: o autor da ao coletiva um porta-voz

    dos interesses do grupo, sendo seu portador em juzo (cf.

    A representao adequada nas aes coletivas brasileiras: uma proposta, in

    Revista de Processo, RT, 2003, pg. 62).

  • 11

    45- , pois, nesse sentido que se pode dizer que

    (...) o art. 5 da LCP e o art. 82 do CDC j trazem a limitao do

    aforamento de aes coletivas somente consentneas ao objeto

    estatutrio quando ajuizadas por associao civil (Fredie Didier e Hermes Zaneti, in ob. Cit., pg. 210, sem destaque).

    46- Enquanto que o pressuposto cronolgico da

    pr-constituio associativa (art. 5, V, a) suscetvel de ser motivadamente relevado ope judicis (4 do art. 5), a exigncia da alnea b, do art. 5, da lei n7347/85, imprescindvel, inafastvel, absolutamente cogente e vinculante:

    Art. 5. Tm legitimidade para propor a ao principal e a

    ao cautelar:

    (...);

    V- a associao que, concomitantemente:

    (...)

    b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteo ao

    meio ambiente, ao consumidor, ordem econmica, livre

    concorrncia ou ao patrimnio artstico, esttico, histrico,

    turstico e paisagstico.

    47- Pois bem; ex vi legis, qualquer

    tratamento canino procedimento privativo da prtica de clnica mdico-veterinria.

    48- O Decreto n23.133, de 09 de setembro de 1933, que foi a primeira fonte de sistematizao normativa da profisso veterinria no Brasil, j o estabelecia, nestes termos:

    Art. 11. So funes privativas dos mdicos veterinrios:

    a) exame, diagnstico e aplicao de teraputica mdica e

    cirrgica veterinria (destacou-se).

    49- Em captulo com a rubrica Do exerccio Profissional, a vigente Lei n5.517, de 23 de outubro de 1968, regulando inteiramente a matria profissional, manteve essa titularidade privativa:

    Art. 5. da competncia privativa do mdico veterinrio o

    exerccio das seguintes atividades (...):

    a) a prtica da clnica em todas as suas modalidades;

    (...)

    c) a assistncia tcnica e sanitria aos animais sob qualquer

    forma; (...) (destacou-se).

  • 12

    50- Ora, se o pedido de tutela jurisdicional compreende, em seu alcance mediato, a assegurao da prtica de conduta privativa da profisso mdico-veterinria, estaria isso includo nas finalidades institucionais da associao autora?

    51- A resposta documental e, portanto, materialmente objetiva, encontrando-se peremptoriamente negativa pela anlise dos nove incisos do artigo 2 do estatuto social da associao (in fl. 23 dos autos principais); dizer: a associao autora no detm a representao adequada da classe mdico-veterinria, no tendo, institucionalmente, relao de pertinncia temtica com a defesa da tese mdico-veterinria do tratamento canino da LV.

    52- bvio que para burlar a exigncia legal (art. 5, V, b) a associao ilegtima tergiversou at onde lhe foi possvel, mas, ainda assim, sua tese nuclear de causae petendi, ou seja, o argumento de ilegalidade da Portaria federal n1426/2008, o macro e veemente indcio de desvio de finalidade institucional.

    53- ainda mais acentuada essa incompatibilidade, em se considerando os textos dos art. 3 e 4 da Portaria impugnada:

    Art.3 Para a obteno do registro, no MAPA, de produto de uso veterinrio para tratamento de leishmaniose

    visceral canina o interessado dever observar, alm dos

    previstos na legislao vigente, os seguintes requisitos:

    I- realizao de ensaios controlados, aps a autorizao do

    MAPA; e

    II- aprovao do relatrio de concluso dos ensaios clnicos

    mediante nota tcnica conjunta elaborada pelo MAPA e o

    Ministrio da Sade (MS).

    1 O pedido de autorizao para realizao de ensaios

    clnicos controlados deve estar acompanhado do seu

    Protocolo.

    2 Os ensaios clnicos controlados devem utilizar,

    preferencialmente, drogas no destinadas ao tratamento de

    seres humanos.

    3 A autorizao do MAPA vincula-se nota tcnica

    conjunta elaborada pelo MAPA e o MS.

    Art. 4 A importao de matrias-primas para pesquisa,

    desenvolvimento ou fabricao de medicamentos para

    tratamento de leishmaniose visceral canina dever ser

    solicitada previamente ao Ministrio da Agricultura,

    Pecuria e Abastecimento, devendo a mesma estar

    acompanhada do protocolo de estudo e respectivas notas

    do artigo anterior.

  • 13

    54- O texto do art. 3 refere-se a interesse jurdico pela obteno de registro, no MAPA, de produto para tratamento da LVC, ou seja, alude a interesse material manifestvel por Instituies de pesquisa ou por empresas que queiram fabric-lo ou comercializ-lo.

    55- Considerando-se, comparativamente, tais potenciais interessados no registro e os desgnios institucionais da associao autora, discriminados nos nove incisos do art. 2 de seu estatuto (fl. 59), veemente a constatao de que a associao no tem nenhuma vocao para pesquisa cientfica e, tampouco, para as atividades empresariais de fabricao e de comercializao de produtos de uso veterinrio, cujas finalidades lucrativas so, alis, incompossveis com a clusula estatutria sem fins lucrativos (cf. art. 1 do estatuto, in fl. 59).

    56- No tocante ao texto do art. 4 (cf. supra) da Portaria impugnada, concernente ao interesse jurdico pela importao de matria-prima para pesquisa, desenvolvimento e fabricao de medicamentos, a mesma ratio essendi do item anterior encontra-se presente.

    57- V-se que tanto o pedido impugnatrio da Portaria federal, quanto o pedido impugnativo das Resolues dos Conselhos de Medicina Veterinria objetivam situaes de vantagem ou para grupo de veterinrios adeptos da corrente ideolgica do tratamento da LVC, ou para empresas com fins lucrativos, que fabriquem ou comerciem produtos de uso veterinrio.

    58- importante que se perceba que essa real inteno, alheia aos escopos estatutrios associao, vem habilmente ocultada pelo pretexto de luta contra a eutansia canina, cuja argumentao discursiva procura incutir a construo artificiosa de que o ato da Portaria impugnada estaria a determinar, pelo art. 1, a eutansia canina; sem embargo do sentido e alcance muito claros da sua norma tcnica proibitiva, foroso convir que, at o presente momento, o sofisma tem ludibriado eficazmente o Poder Judicirio.

    59- Por conta disso, primordial desconstruir, logicamente, a capciosidade de que o art. 1 da Portaria n1426/2008 estaria a impor a eutansia do co com LV, retificao que tanto afastar o pretexto ambiental do discurso postulatrio, como tambm iluminar os reais interesses extra-estatutrios a que, veladamente, se pretende beneficiar.

    60- Assim, do enunciado do art. 1 da Portaria impugnada no se extrai, luz de uma correta interpretao, nenhum mandamento para a prtica de eutansia canina, in verbis:

    Art.1 Proibir, em todo o territrio nacional, o tratamento

    da leishmaniose visceral em ces infectados ou doentes com

    produtos de uso humano ou produtos no registrados no

    Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    (MAPA).

  • 14

    61- Ao contrrio do que procura seduzir o

    discurso ambiental da autora, o sentido unvoco que logicamente se extrai

    desse texto o de mandamento proibitivo de o mdico veterinrio tratar da

    leishmaniose visceral canina com produto no registro no MAPA, ou que seja

    de uso da medicina humana.

    62- Com efeito, o sentido de norma cujo

    elemento dentico primrio (mandamento) caracteriza-se por um dever

    de non facere (no tratar da LVC com medicamento sem registro), ou seja, de

    dever jurdico de prestao negativa (observar conduta omissiva), de modo

    que, se o proprietrio do co com LV simplesmente ouvir do mdico

    veterinrio a recusa do tratamento, inegvel que o profissional ter

    cumprido seu dever jurdico, ainda que no tenha procedido eutansia

    do co.

    63- Diversamente da conduta omissiva de no

    tratar da LVC, , fenomenicamente, a conduta comissiva de praticar a eutansia

    canina, que prestao de facere, cujo mandamento normativo encontra-se fora

    do contedo da Portaria n 1.412/2008.

    64- Mister compreender que o fim social

    precpuo almejado pela norma proibitiva do art. 1 da Portaria federal o de

    proteger, da resistncia parasitria (da leishmania chagasi), a eficcia

    teraputica dos poucos medicamentos disponveis para o tratamento da

    leishmaniose visceral humana (LVH), uma vez que o desvio para

    tratamento canino, cuja dosagem dez vezes maior que a ministrada a

    humanos e por perodo mais longo (id. est., o tratamento da LVC vitalcio),

    implicar, irreversivelmente, o dano social ( sade pblica) do surgimento de

    cepas parasitrias progressivamente resistentes.

    65- Acima das normas legais, s quais confere

    detalhamento material, a norma proibitiva do art. 1 encontra fundamento de

    validez constitucional no art. 200, I:

    Art. 200. Ao sistema nico de sade compete, alm de

    outras atribuies, nos termos da lei:

    I- controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e

    substncias de interesse para a sade e participar da

    produo de medicamentos, equipamentos, imunobiolgicos,

    hemoderivados e outros insumos; (...) (destacou-se).

  • 15

    66- Ademais, Proibir, em todo o territrio

    nacional, o tratamento da leishmaniose visceral em ces infectados ou

    doentes linguagem de norma proibitiva, cujo modal dentico preordena-se a um comportamento social omissivo; ao invs de non facere, uma determinao normativa de eutansia canina prpria de mandamento de norma preceptiva:

    As normas jurdicas contm mandamentos de naturezas diversas, tendo em conta o efeito jurdico que desejam

    produzir na realidade. As normas preceptivas contm

    comandos prescrevendo determinada ao positiva, um ato

    comissivo, um fazer. (...) As normas proibitivas so as que

    vedam determinada ao, interditam a conduta nela

    prevista, impondo um dever de absteno, de no fazer

    alguma coisa (cf. Lus Roberto Barroso, in Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 4 edio, pg. 215).

    67- Ora, in abstracto, o nico profissional, a

    quem a lei defere, privativamente, a atividade econmico-liberal de ministrar

    teraputica a co, o mdico veterinrio:

    Art. 5. da competncia privativa do mdico veterinrio o

    exerccio das seguintes atividades (...):

    a) a prtica da clnica em todas as suas modalidades;

    (...)

    c) a assistncia tcnica e sanitria aos animais sob qualquer

    forma; (...) (Lei n5.517/1968, sem destaque).

    68- Logo, se h algum potencialmente interessado, mormente pela alta rentabilidade econmica, na pretendida atividade de tratamento da LVC, e, portanto, no afastamento da proibio da norma tcnica do art. 1 da Portaria, esse algum o mdico veterinrio praticante da clnica de pequenos animais.

    69- Ratificam-no, alis, vrios documentos nos autos, os quais, confrontados reciprocamente, geram indcio veemente de que a Associao autora esteja sendo utilizada para buscar, dissimuladamente, tutela jurisdicional ao interesse comum de alguns desses profissionais a ela vinculados direta ou indiretamente.

    70- Confrontem-se, por exemplo, os documentos em fls. 52, 54, 55, 94, nos quais aparece o nome de Mara Kaviski Peixoto, mdica veterinria (CRMV/MS n2311) e atual presidenta da Associao autora, relatando-se, em fl. 55, sua atuao clnica como mdica veterinria.

  • 16

    71- Nesse mesmo documento de fl. 55, faz-se

    meno a Soares da Fonseca, ou seja, ao mdico veterinrio Andr Lus

    Soares da Fonseca (CRMV/MS n1404), que, como advogado da Associao,

    patrocinou-lhe a demanda conexa (na 1 vara federal - cf. anexo 29) e que, no

    documento em fl. 76, tambm se junta a outros mdicos veterinrios

    interessados no tratamento da LVC.

    72- Seu interesse fica sobremaneira evidente,

    cotejando-se os documentos novos, compilados nos anexos 25 e 31 desta pea

    de defesa.

    73- Em fl. 53 dos autos, assim como no anexo

    31 desta defesa, surge o nome de Maria Lcia Metello, mdica veterinria e

    ex-presidenta da Associao autora; j em fls. 85, 93, 95, 96, 97, 99, 100 a 109

    dos autos, depara-se com o nome de Janecler Oliveira, mdica veterinria

    (CRMV/MS n3364) tambm vinculada, economicamente, empresa

    Pronto Dog, empresa essa que, consoante fl. 97, emitiu laudo de exame

    citopatolgico sobre o co scooby, e, nos documentos em fls. 99 a 103, consta,

    em laudos de exames laboratoriais, como empresa cliente proprietria

    do mesmo animal.

    74- Sobre serem questionveis vrios aspectos

    de eticidade em meio a essa miscelnea de interesses econmico-

    profissionais com interesses puros da Associao, esse descortinamento da

    constrangedora promiscuidade expe luz quem sero os verdadeiros

    beneficirios imediatos da eventual tutela de procedncia.

    75- Por conseguinte, se as pretendidas situaes

    materiais de vantagem, a que visam os pedidos formulados pela associao,

    satisfaro, em verdade, a interesses profissionais comuns de grupo

    mdico-veterinrio, cujos partidrios tm interesse de lucrar com

    tratamento da LVC, resulta evidenciada a impertinncia temtica entre os

    atos jurdicos impugnados nos pedidos e o programa teleolgico

    compromissado no estatuto social da autora.

    76- Com razo estava Kazuo Watanabe, ao

    alertar que, assim como a class action norte-americana sofreu deturpaes em seu

    uso, as aes coletivas, no Brasil, esto mais suscetveis a freqentemente sofr-

    la, tanto por individualismos dissimulados, quanto pela incipincia judiciria

    no exerccio da admissibilidade de jurisdio coletiva:

  • 17

    Nos Estados Unidos, onde a class action tem longa tradio,

    h opinies favorveis (...) e tambm negativas (...), e no

    so poucos os que manifestam a preocupao a respeito de

    sua correta utilizao de modo a no transform-las em

    instrumento de proveito egostico de quem as prope, em

    vez de faz-las cumprir objetivos sociais a que se

    vocacionam. Com maior razo, preocupao redobrada

    devemos ter no Brasil, onde o individualismo mais

    acentuado e no temos ainda a tradio no trato com as

    demandas coletivas (in As garantias do cidado na justia, Saraiva, 1993, pg. 186, sem destaque).

    - A CONTROVRSIA POR UMA VISO DE SADE PBLICA E DE

    MEIO AMBIENTE

    77- Como j foi advertida, a associao autora faz proposital confuso entre a determinao normativa para a Administrao Pblica proceder eutansia canina por LV e a proibio, aos mdicos veterinrios, de tratar da LVC com medicamentos no registrados no MAPA.

    78- Alm da confuso, seu discurso postulatrio, abundante em informaes cientificamente inverdicas, imprime estreitssimo ngulo de viso complexa problemtica, tratando-a nos limites da relao econmica entre cliente (proprietrio), paciente (co) e mdico veterinrio.

    79- Ocorre que, ao contrrio do que se passa na Europa continental, por exemplo, onde os fatores naturais e culturais implicados so essencialmente diversos e incomparveis com os daqui e por isso, l, a zoonose ainda no tem importncia social como questo de endemia, a leishmaniose visceral, em nosso pas, um alarmante problema de sade pblica, mais do que uma simples questo do reduto mdico-veterinrio:

    No Brasil, a LV inicialmente tinha um carter eminentemente rural e, mais recentemente, vem se

    expandindo para as reas urbanas de mdio e grande porte

    (...). A doena mais freqente em crianas menores de 10

    anos (54,4%), sendo 41% dos casos registrados em

    menores de 5 anos. (cf. in anexo 1).

    80- Malgrado a incomparabilidade de cenrios, um dos maiores equvocos metodolgicos, a que so induzidas as decises judiciais, o de reduzir a complexa matria estreiteza dos interesses da prtica diria da clnica veterinria, isolando-a de sua irredutvel dimenso social, subtraindo-a de uma viso de sade pblica, da qual est intrinsecamente indissocivel.

  • 18

    81- Mesmo quando o assunto [muito mal]

    versado luz da legislao ambiental, as argumentaes da autora so

    tendenciosamente reducionistas e deturpadoras do razovel sentido das normas

    e valores constitucionais e legais sobre meio ambiente, isolando-os da

    objetividade jurdica de sadia qualidade de vida humana.

    82- No obstante, em se cuidando de uma

    doena parasitariamente incurvel (leishmaniose visceral), em cujo ciclo de

    transmisso do protozorio (leishmania chagasi) o ser humano tem o papel

    exclusivamente de hospedeiro, mesmo impensvel, luz da boa razo,

    que a matria possa ser discutida e apreciada fora do campo de interseco

    entre sade pblica e meio ambiente.

    83- No centro desse espao comum de interface encontra-se o valor supremo da dignidade da pessoa humana, razo finalstica do ordenamento jurdico e, consequentemente, parmetro dotado de ubiqidade para a interpretao normativa.

    84- Celso Antnio Pacheco Fiorillo e Marcelo

    Abelha Rodrigues enfatizam muito bem essa premissa fundamental:

    (...), o que no pode ser olvidado a dignidade humana, princpio fundamental da repblica, um dos valores

    cardeais de vida do meio ambiente ecologicamente

    equilibrado. Trata-se, pois, de um piso mnimo exigido do

    Poder Pblico e Coletividade, na busca do efetivo exerccio

    dos demais direitos humanos, j que tutelar o meio

    ambiente de certa forma garantir os soportes y fatores esenciales para la existencia del hombre sobre la tierra. (in Manual de Direito Ambiental e Legislao Aplicvel, So Paulo, Editora Max Limonad, 1997, p. 35/36, com citao, in fine, de Ramn Martin Mateo).

    85- Tambm Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem o tratamento ambiental na Constituio Portuguesa, uma das fontes de inspirao do Constituinte brasileiro, exaltam a proeminncia do valor humano no contexto ambiental:

    A compreenso antropocntrica de meio ambiente justifica a consagrao do direito ao ambiente como um

    direito constitucional fundamental, o que constitui uma

    relativa originalidade em direito constitucional

    comparado (in Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1985, p. 348).

  • 19

    86- Alis, vale ainda lembrar, como informe til de interpretao histrica e que vem reforar a posio de centralidade humana em matria ambiental, que a Constituio de 1988 inspirou-se tambm no art. 45-1 da Constituio espanhola de 1978, cujo texto correlaciona o equilbrio ambiental como meio para o fim de desenvolvimento da pessoa humana:

    Todos tienen el derecho a disfrutar de un medio ambiente

    adecuado para el desarrollo de la persona, as como el

    deber de conservarlo (destacou-se).

    87- Consoante nossa Constituio de 1988, o

    direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (caput do art. 225 da CF) direito humano de terceira dimenso (sic in STF: MS n 22.164-0 SP) e tem por objeto a sadia qualidade da vida humana, tanto das presentes quanto das futuras geraes, estabelecendo-se entre elas, luz de uma leitura moral do texto constitucional (do caput do art. 225), uma tica de solidariedade entre geraes:

    Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente

    ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

    essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder

    pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo

    para as presentes e futuras geraes (destacou-se).

    88- vista disso, o fato social da

    predominncia de morbimortalidade em crianas acometidas por LV

    uma importante evidncia de que a eutansia de ces infectados e a proibio de

    desvio de medicamentos de uso humano para tratamento da LVC so medidas

    estratgicas, integradas sistematicamente a outras, para assegurar, no s a

    vida, mas, sobretudo, a sadia qualidade devida a essa gerao futura, na

    medida em que tais providncias constituem, respectivamente, instrumento de

    manejo ambiental (v.g., eutansia do co infectado art. 225, 1, I, da CF) e

    de proteo da longevidade de eficcia teraputica dos medicamentos de

    uso humano (art. 200, I, e art. 225, V, da CF).

    89- fundamental compreender que o

    ambiente urbano (do latim urbs, urbis: cidade), em razo das funes sociais da

    cidade (art. 2 da Lei n 10.257/2001), est a exigir uma concepo de padro

    de meio ambiente ecologicamente equilibrado um tanto diversa da que

    apropriada para o ambiente natural ou silvestre; isso, evidentemente, sem

    prejuzo da necessria noo de interao e interdependncia recprocas

    entre esses dois aspectos do todo ambiental.

  • 20

    90- A disseminao urbana de ces infectados

    por leishmania chagasi um fato natural que desequilibra o meio ambiente da

    cidade, pondo em perigo, coletivamente, a sadia qualidade de vida

    humana.

    91- A disseminao urbana de fmeas de

    lutzomyia longipalpis, ou de lutzomyia cruzi, infectadas por leishmania chagasi,

    tambm fato natural que desequilibra o meio ambiente da cidade e pe

    em perigo a sadia qualidade de vida humana, coletivamente.

    92- empreendimento humano invivel, e at

    constitucionalmente questionvel (art. 225, 1, VI), envidarem-se esforos

    para extinguir as duas espcies vetoras (lutzomyia longipalpis e lutzomyia cruzi), cujo

    ciclo biolgico ocorre, inicialmente, em superfcie terrestre (ovo, larva e

    pupa), e, depois, quando inseto adulto, em construes de peri e

    intradomiclio.

    93- Tais caractersticas entomolgicas, por si

    ss, j indicam que o combate a essas espcies vetoras exige metodologia

    diversa da empregada para o combate ao vetor da dengue, at porque nem

    todos os habitantes da cidade esto dispostos a permitir que os agentes

    de controle de endemia da LV entrem em suas moradias, ou

    estabelecimentos, afastem mveis e borrifem, nas paredes e tetos, o

    inseticida de efeito residual (imaginem-se as recusas, as portas fechadas e o

    tempo consumido pela medida de controle qumico em apenas um edifcio de

    apartamentos!).

    94- Outro detalhe peculiar e importantssimo:

    essa borrifao qumica s funcional para o inseto adulto, cuja mortalidade

    somente ocorrer pelo contato com as superfcies tratadas. No Brasil, um

    dos sofismas de que se utilizam os pregadores do tratamento canino da LV o

    discurso da isonomia de mtodos e condies entre o combate ao vetor

    da dengue e o combate ao vetor da leishmaniose visceral.

    95- Ora, se, no ambiente urbano,

    ineliminvel o risco do inseto adulto (a fmea de lutzomyia longipalpis ou de

    lutzomyia cruzi) infectar-se com o protozorio (leishmania chagasi) e de transmiti-lo

    ao homem pelo repasto sanguneo, racional, ento, que se adotem medidas

    de mitigao desse risco ambiental, proibindo-se prticas humanas

    perigosas, como a de manter o co infectado (reservatrio vitalcio do

    protozorio) em cidade onde investigaes entomolgicas comprovem a

    existncia de quaisquer das espcies vetoras e a vigilncia

    epidemiolgica confirme a ocorrncia de infeco humana autctone.

  • 21

    96- Alis, segundo critrios objetivos de

    estratificao e informes levantados por vigilncia epidemiolgica, a cidade de

    Campo Grande classifica-se como rea de transmisso intensa de LV, onde

    existem centenas de ces infectados e as duas espcies vetoras (lutzomyia

    longipalpis e lutzomyia cruzi).

    97- O programa nacional de vigilncia e

    controle da LV, cujas normas tcnicas encontram-se dispostas em linguagem

    pedaggica no instrumento denominado Manual de Vigilncia de Controle da

    Leishmaniose Visceral (in anexo 1), uma das mais importantes polticas

    sociais do SUS e que visa reduo do risco da leishmaniose visceral

    humana, legitimando-se, constitucionalmente, como adimplemento normativo

    do dever estatal imposto pela norma constitucional do art. 196:

    A sade direito de todos e dever do Estado, garantido

    mediante polticas sociais e econmicas que visem

    reduo do risco de doenas e de outros agravos e ao acesso

    universal e igualitrio s aes e servios para sua

    promoo, proteo e recuperao

    98- O programa (o PCVLV) tem como eixo

    metodolgico a estratificao das reas e regies brasileiras em trs categorias e

    classificadas segundo o critrio da mdia de casos humanos autctones de

    LV: reas de transmisso espordica, reas de transmisso moderada e reas

    de transmisso intensa.

    99- Vale ressaltar que a sistemtica tcnica da

    metodologia programtica dessa poltica social de sade pblica, alm de mpar,

    a melhor no mundo inteiro, exatamente porque considera a peculiar

    situao epidemiolgica brasileira, recusando-se a mimetismo europeu.

    100- Fundamentalmente, contemplam-se no

    PCVLV a ao de eutansia do co infectado, principal reservatrio urbano e

    domiciliar do parasito, a ao de controle qumico do vetor adulto, a ao de

    saneamento ambiental direcionada ao ovo, larva e pupa do vetor, e os servios

    de diagnstico e tratamento dos casos humanos de LV.

    101- J se faz ver, portanto, que a regra tcnica

    de eutansia de co infectado decorre, imediatamente, do programa nacional de

    controle e vigilncia da LV, e no do art. 1 da Portaria n 1426/2008, cujo

    ato normativo o nico ato administrativo impugnado pelo pedido formulado

    em face da Unio.

  • 22

    102- A principal ratio essendi da proibio do

    tratamento canino com medicamentos de uso humano ou no registrados

    no MAPA, como mandamento da norma tcnica do art. 1 da Portaria

    federal, est relacionada com a eficcia do tratamento de recuperao da

    sade humana, aspecto proeminente do SUS, porque mandamento

    proibitivo com o fim social de evitar o surgimento de resistncia

    parasitria aos poucos medicamentos disponveis para uso na medicina

    humana contra a LV.

    103- De uma perspectiva ambiental, a medida

    estatal de eutansia do co infectado ao administrativa que se

    compreende no conceito lato de manejo ambiental, o qual instrumento tambm

    indispensvel manuteno do equilbrio ecolgico no ambiente urbano e

    assegurado ao Poder Pblico pela regra constitucional do inciso I, do 1 do art.

    225:

    1 Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe

    ao Poder Pblico:

    I (...) e prover ao manejo ecolgico das espcies (...)

    (destacou-se).

    104- Etimologicamente (cf. Antnio Geraldo da

    Cunha, in dicionrio etimolgico da lngua portuguesa, Lexikon, 4 edio, pg.

    408), o vocbulo manejo vem do italiano manggio e manejar vem do italiano

    maneggiare, derivado do latim medievo manizzare, e este remontando ao latim

    manus, cuja semntica compreende poder, domnio, influncia.

    105- Tcnica e rigorosamente analisada, a

    conduta individual de manter a criao de co infectado em rea endmica de

    LV conduta de degradao do ambiente urbano (art. 3, II, Lei n

    6.938/81), na medida em que expe a perigo concreto de leso coletiva a

    sade da espcie humana e dos demais animais no infectados, concorrendo

    para o efeito de propagao parasitria (do agente etiolgico), que evento de

    desequilbrio ecolgico na cidade.

    106- Com efeito, ilcito ambiental porque enquadrvel, conceitualmente, nos enunciados categricos dos incisos II e III, do art. 3 da Lei n 6.938/81:

  • 23

    Art. 3. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

    (...)

    II degradao da qualidade ambiental: a alterao

    adversa das caractersticas do meio ambiente;

    III- poluio: a degradao da qualidade ambiental

    resultante de atividades que direta ou indireta:

    a) Prejudiquem a sade, a segurana e o bem estar da

    populao;

    b) Criem condies adversas s atividades sociais e

    econmicas;

    c) Afetem desfavoravelmente a biota;

    d) Afetem as condies estticas ou sanitrias do meio

    ambiente; (...).

    107- Mutatis mutandis, equipara-se,

    exemplificativamente, conduta de criador de bovino, ou de suno, cujos

    animais estivessem infectados pelo vrus aphtae epizooticae, o vrus causador da

    febre aftosa, recusando-se, a pretexto de crueldade contra a vida animal, a

    permitir a eutansia dos animais hospedeiros, fontes de disseminao de novos

    vrus no meio ambiente.

    108- Outra eloqente imagem comparativa a de

    uma Associao de proteo a bovinos que pretendesse impedir a eutansia

    de animais acometidos pela doena neurolgica encefalopatia espongiforme

    transmissvel (BSE), ou seja, pelo mal da vaca louca, cuja epidemia, no

    ano de 1990, gerou, em humanos, a doena denominada Creutzfeldt-Jacob

    (CDJ) e caracterizada por infeco generalizada do crebro e invariavelmente

    letal.

    109- A fora das comparaes leva a uma

    indagao legitimamente constrangedora, mas que bem expe um dos

    paradoxos em que se enfiou a Associao autora: por que nunca lhe foi

    preocupante a eutansia de bovinos acometidos por febre aftosa ou pelo mal da

    vaca louca?

    110- No captulo constitucional do meio

    ambiente, o Poder Constituinte incumbiu o Ente Pblico de controlar a

    produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e

    substncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o

    meio ambiente (cf., sem destaque, no inciso V, 1 do art. 225).

  • 24

    111- Esse texto harmoniza-se, finalisticamente, com os textos constitucionais dos incisos I e VIII do art. 200:

    Art. 200. Ao sistema nico de sade compete, alm de outras atribuies, nos termos da lei:

    I- controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e

    substncias de interesse para a sade e participar da

    produo de medicamentos, equipamentos, imunobiolgicos,

    hemoderivados e outros insumos;

    (...)

    VIII colaborar na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (destacou-se).

    112- A norma tcnica de proibio do tratamento da leishmaniose visceral canina (art. 1 da Portaria n1426/2008) com produtos de uso na medicina humana, ou que no sejam registrados no MAPA, corresponde, verticalmente, ao ltimo nvel de densidade normativa que detalha a norma constitucional impositiva do dever estatal de controlar (...)

    emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a

    vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (cf., sem destaque, no inciso V, 1 do art. 225).

    113- Comentando essa ascendncia constitucional, prelecionou Paulo Affonso Leme Machado, com muita proficincia:

    Constituio Federal manda que o Poder Pblico no se omita no exame das tcnicas e mtodos utilizados nas

    atividades humanas que ensejem risco para a sade

    humana e o meio ambiente. O inciso V do 1 necessita ser

    levado em conta, juntamente com o prprio enunciado do

    art. 225 CF, onde o meio ambiente considerado essencial sadia qualidade de vida. Controlar o risco no aceitar qualquer risco. H riscos inaceitveis, como aquele que

    coloca em perigo os valores constitucionais protegidos,

    como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, (...) (in Direito Ambiental Brasileiro, 13 ed., Malheiros Editores, So Paulo, 2005, pg. 73, sem destaque).

    114- No Brasil, a conduta de fazer o

    tratamento da LV canina gera, no estgio atual da Cincia e da arte clnica,

    dois perigos concretos, ao meio ambiente urbano e sade pblica

    concomitantemente: a disseminao parasitria (degradao do equilbrio

    ecolgico urbano) e a resistncia patognica (progressiva ineficincia

    medicamentosa do tratamento humano da LV).

  • 25

    115- comum ouvir-se dos partidrios do

    tratamento canino, na maioria, clnicos veterinrios de pequenos animais, que o

    Poder de Polcia que se lhes contrape inconstitucional, porque feriria o

    princpio constitucional da livre iniciativa (art. 170).

    116- Ocorre que nessa tenso axiolgica entre livre

    iniciativa e meio ambiente, o prprio Constituinte condicionou, no mesmo

    art. 170 (inciso VI), todas as atividades humanas da Ordem Econmica

    proteo do meio ambiente (natural, cultural, urbano e do trabalho).

    117- Prudente e racional que, enquanto o campo

    da Cincia no avalizar um seguro e eficaz protocolo teraputico para a LVC,

    capaz de afastar ambos aqueles perigos concretos, o princpio da precauo,

    do qual corolrio a norma constitucional do inciso V, 1 do art. 225, tem

    fora normativa de non facere:

    O princpio da precauo entra no domnio do direito

    pblico que se chama poder de polcia da administrao.

    O Estado, que, tradicionalmente, se encarrega da

    salubridade, da tranqilidade, da segurana, pode e deve

    para este fim tomar medidas que contradigam, reduzam,

    limitem, suspendam algumas das grandes liberdades do

    homem e do cidado: expresso, manifestao, comrcio,

    empresas. O princpio da precauo estende este poder de

    polcia. Em nome desse princpio, o Estado pode suspender

    uma grande liberdade, ainda mesmo que ele no possa

    apoiar sua deciso em uma certeza cientfica (excerto de

    Franois Ewald e Kessler, in Les noces Du risque et de La politique,

    Le Dbat, Gallimard, mars/abril 2000, n. 109, citado por Paulo

    Affonso Leme Machado, em Direito Ambiental Brasileiro, 13 ed.,

    Malheiros Editores, So Paulo, 2005, pg. 76, sem destaque).

    118- imprescindvel enfatizar, a bem da

    verdade cientfica, que nem a Associao autora, qual estranha a

    vocao para pesquisa cientfica, nem quaisquer dos partidrios da

    ideologia do tratamento da LVC no Brasil, conseguiram demonstrar, com

    aclamao e reverncia do seleto mundo cientfico, qualquer constatao, por

    pesquisa metodologicamente confivel, de cura parasitolgica e de

    eliminao da capacidade de infectividade do vetor pelo co tratado.

  • 26

    119- Tanto assim que nenhum dos

    documentos, entranhados em fls. 70 a 123,pode reivindicar o status superior de

    documento cientfico puro, assim considerado, no campo das Cincias

    aplicadas e naturais, aquele que objetivamente revela um juzo categrico de constatao,

    um enunciado descritivo-cientfico, como resultado de investigao por mtodo

    indutivo-experimental, cujo pressuposto de aceitabilidade pela seleta

    comunidade cientfica a observncia de compromisso gnosiolgico com a

    rigorosa observao do objeto de cognio, formulao de hipteses e a

    experimentao controlada.

    120- Com efeito, o artigo, em fls. 70 a 73, de

    autoria de Carlos Henrique Nery Costa e de Joo Batista Furtado Vieira,

    quase todo ele de cunho crtico-sociolgico, cujas proposies

    predominantemente subjetivas decorrem de esforos dos autores no exerccio de

    juzos de valorao funcional (sobre o til ou intil) e de juzos de preferncia (sobre

    escolha oportuna), e, por conseguinte, tal artigo no corresponde,

    verdadeiramente, a um documento de revelao cientfico-experimental,

    logo, nada aportando de comprovao de veracidade sobre a eficcia do

    tratamento da LCV relativamente aos dois problemas mais cruciais no assunto:

    cura parasitolgica e eliminao da capacidade de infectividade do vetor

    pelo co tratado.

    121- O documento, em fls. 76 a 77, intitulado

    Controle da Leishmaniose visceral no Brasil: recomendaes do

    Brasileish, de autoria conjunta de especfico grupo de resistncia do

    tratamento da LVC no Brasil, cujas opinies, s quais auto-atribuem o status de

    recomendao, nunca passaram pelo crivo de refutabilidade da seleta

    comunidade cientfica.

    122- O prprio vocbulo recomendaes j

    o prenncio de que o documento no tem contedo de descritividade

    cientfico-experimental, porque a funo da linguagem nele utilizada diretivo-

    comportamental, ou seja, visa a mobilizar a vontade de outrem para um

    determinado comportamento social; a funo da linguagem de revelao

    investigatrio-cientfica bem outra: a de informar objetivamente, por isso

    uma comunicao simplesmente descritiva.

    123- Ocorre que o Brasileish, enquanto pessoa

    jurdica de Direito Privado, no desfruta de autorizao legal para emitir

    qualquer recomendao pblica que implique, intencionalmente, exortao

    popular contra texto expresso de normas estatais.

  • 27

    124- Nem a Constituio nem a Lei reconhecem-

    lhe vontade institucional para emitir, maneira e com foros de autoridade pblica,

    recomendao de comportamento social populao. Com boa dose de

    soberba, arroga-se poderes semelhantes ou maiores que os legalmente

    delegados ao prprio Conselho Federal de Medicina Veterinria.

    125- Inabilitada e ilegtima para tal, pois que sem

    autoridade pblica (competncia) para faz-lo, essa carncia de especial

    qualificao jurdica pe essa entidade privada em rota de coliso com a

    Ordem Pblica, e, por esse motivo, na iminncia, assim como a Associao

    autora, de ser assestada por medidas processuais para dissolv-las.

    126- Com efeito, embora no se empreguem,

    explicitamente, os termos norma, normao, recomendaes normativas

    ou recomendaes obrigatrias, mas estando claro o propsito de

    direcionamento de comportamento social pelo eufemismo recomendao,

    o documento do Brasileish capaz de infundir publicamente um grave e

    enorme malefcio social: o de fomentar a populao a opor resistncia

    medida de sade pblica da eutansia do co infectado.

    127- A funo da mensagem, constante do

    documento recomendao do Brasileish, a de mobilizar (dirigir), em tom de

    ordem, ou determinativo (deve ser), o comportamento social dos

    proprietrios de ces infectados: Aos proprietrios de ces infectados deve

    ser garantido o direito de escolha entre a eutansia ou o tratamento

    responsvel do seu animal (cf. in fl. 77, sem destaque).

    128- Para isso, a entidade privada ostenta-se, ou

    exibe-se publicamente, pela escolha (intencional) de um comportamento

    comunicacional de superioridade em relao aos destinatrios da mensagem

    recomendada, bem maneira das prerrogativas de um paralelo Conselho

    corporativo da profisso.

    129- Sem embargo, um documento em que se

    confessam seis verdades fundamentais sobre o tratamento da LVC:

    1) se se fazem recomendaes especificamente para o controle da LV

    no Brasil, porque a situao epidemiolgica do pas singular e

    incomparvel com a de pases da Europa continental;

  • 28

    2) a ideologia neoliberal do tratamento canino da LV tem como pilar de

    sustentao o decisionismo individualista: o proprietrio escolhe entre

    trat-lo ou eutanasi-lo: Aos proprietrios de ces infectados deve

    ser garantido o direito de escolha entre a eutansia ou o tratamento

    responsvel do seu animal (cf. in fl. 77);

    3) preconizao do tratamento, no h a especificao de um

    rigoroso protocolo teraputico aclamado pela comunidade cientfica,

    mas, sim, protocolos arbitrrios, experimentveis ao talante de cada

    clnico veterinrio: Quando a opo for o tratamento, deve ser

    realizado com protocolos que confiram melhora ou cura clnica do

    animal e reduo da carga parasitria, as quais devem ser

    avaliadas por meio de exames clnicos e laboratoriais (cf. in fl. 77,

    sem destaque);

    4) tais protocolos enigmticos visam, no mximo, a conferir boa

    aparncia fsico-orgnica ao animal vitaliciamente infectado, o que

    resultado paliativo a que se refere pela terminologia cura clnica;

    5) o tratamento no elimina a carga parasitria, podendo apenas

    diminu-la, logo, o co continua com capacidade para infectar o vetor:

    Quando a opo for o tratamento, deve ser realizado com

    protocolos que confiram melhora ou cura clnica do animal e

    reduo da carga parasitria, as quais devem ser avaliadas por

    meio de exames clnicos e laboratoriais (cf. in fl. 77, sem destaque);

    6) e, por fim, os exames laboratoriais e clnicos somente se prestam para a

    avaliao da denominada cura clnica, ou seja, da boa aparncia fsico-

    orgnica, sem nenhum alcance para provar a ausncia de capacidade

    canina de infectividade em relao ao vetor: Quando a opo for o

    tratamento, deve ser realizado com protocolos que confiram

    melhora ou cura clnica do animal e reduo da carga parasitria,

    as quais devem ser avaliadas por meio de exames clnicos e

    laboratoriais (cf. in fl. 77, sem destaque).

    130- Um dos aspectos sem qualquer carter

    cientfico e que denuncia bem a subjetividade das tais recomendaes,

    propaladas pelo documento em fls. 76 a 77, a seguinte proposio jurdica:

    Aos proprietrios de ces infectados deve ser garantido o direito de

    escolha entre a eutansia ou o tratamento responsvel do seu animal

    (cf. in fl. 77); dizer: um grupo de mdicos veterinrios arrogando-se a

    supremacia de posio ex professo para recomendar populao brasileira seu

    entendimento jurdico-normativa, e, o que pior e preocupante, fazendo-o

    equivocadamente e induzindo o cidado a obstaculizar a auto-

    executoriedade dos atos administrativos de Poder de polcia.

  • 29

    131- Fazem-no equivocadamente, porque partem da falsa premissa de tratar-se de relao jurdico-privada entre o proprietrio do co infectado e a Administrao Pblica, sob a qual o consenso, o acordo de vontades entre as partes (contrato), seria imprescindvel, haja vista a pressuposio de que tais partes estariam em nvel de paridade (igualdade jurdica); a tpica recomendao ideolgica do liberalismo clssico (do sculo XIX), do laissez faire, laissez passer.

    132- Ocorre que, ao Estado brasileiro, que se

    quer social e democrtico de Direito, a Constituio lhe impe, em matria de sade pblica e meio ambiente, incumbncias de prestao social positiva, proibindo-o de omitir-se diante da livre iniciativa privada e do interesse individual, principalmente quando as liberdades pblicas individuais deixam de normalmente s-lo e passam a impedir ou comprometer a tarefa estatal de realizao dos interesses pblicos primrios da sade humana e do ambiente.

    133- A mensagem imperativa (normativa) da

    Constituio, sobretudo a que vem pelos textos dos arts. 196, 200 (I e VII) e 225 (caput e incisos I, V e VI), ao tempo em que impe tarefas sociais ao Estado, instrumentaliza-o com o que se denomina potestade pblica (o puissance publique da doutrina francesa), um conjunto de prerrogativas para efetivar, socialmente, o interesse maior da sociedade.

    134- Reorganizada a matria sobre essas

    premissas corretas, o regime jurdico de Direito Pblico e a relao

    intersubjetiva, entre o proprietrio do co infectado e a Administrao Pblica,

    uma relao jurdico-administrativa decorrente do exerccio de Poder de

    Polcia administrativa, logo, no h cogitar de liberdade particular de adeso

    ao jus imperium, ou de se poder afast-lo pelo livre-arbtrio, porque a

    submisso individual inerente ao prprio conceito de cidadania,

    resultando do fato mesmo de se integrar uma sociedade politicamente

    organizada, cuja vontade social, expressada na Constituio e nas Leis,

    predetermina quais os valores concretizveis e quais os interesses que devem ser

    assegurados e satisfeitos pelo governo.

    135- vista disso, o conceito exatamente jurdico

    da controvertida matria relacional intersubjetiva (proprietrio do co infectado Estado) no subsumvel ao de nenhuma categoria do Direito Privado, onde a autonomia da vontade particular e a relao de coordenao entre partes so categorias axiomticas; a matria relacional sub judice, enfatiza-se, prpria de Direito Pblico, cujo axioma a supremacia do interesse pblico primrio, assegurado por normas de ordem pblica, insuscetveis de derrogao pela vontade privada.

  • 30

    136- Ora, a relao jurdico-administrativa uma

    relao de subordinao do privado ao pblico, de verticalidade ou

    desnivelamento intersubjetivo, implicando que, para a efetivao do interesse

    pblico primrio pelo Poder constitudo, nem a Constituio e nem a Lei o

    subordinam aquiescncia do particular, ao prvio consenso:

    A Administrao ficaria inerte, paralisada, se cada vez

    que pretendesse movimentar-se, efetivando os atos

    administrativos editados, precisasse consultar os

    interesses privados atingidos. Por isso, o Estado dotou os

    rgos administrativos de um poder ou potestade para

    vencer a injustificada resistncia do particular

    recalcitrante. As decises administrativas, tomadas com

    vistas ao interesse pblico, impem-se sem prvia

    consulta ao administrado e, muitas vezes, sem o ttulo

    hbil expedido pelo Judicirio, como ocorre no mbito do

    processo civil comum. Pode a Administrao, diante da

    resistncia privada, fazer prevalecer, inclusive pelo

    emprego da fora, sua deciso, recorrendo a meios

    coativos e sufocando os esforos do particular,

    impeditivos consecuo dos fins de interesse pblico.

    Mediante atos unilaterais auto-executveis, sem o

    correspondente ttulo judicirio, a Administrao

    interfere no cenrio jurdico-administrativo, restringindo

    a esfera de direitos e interesses do cidado, sempre que o

    interesse coletivo esteja afetado (cf. Jos Cretella Jnior, Prerrogativas e Sujeies da Administrao Pblica, in RDA, n103, pg. 20, 1971).

    137- Sobre, portanto, equivocada, assaz

    preocupante aquela pssima recomendao do documento do Brasileish, na medida em que desinforma a populao brasileira sobre a necessidade scio-ambiental do manejo eutansico, o qual, reitere-se, um dos pontos fundamentais da paralela ao estatal de educao social prevista pelo Programa nacional de Controle e Vigilncia da LV.

    138- Naquele documento, a inteno imediata

    semear a discrdia popular, a contrariedade coletiva autoridade administrativa e fomentar a litigiosidade, e a inteno mediata lucrar com a vontade do cliente-proprietrio que quer e pode custear um enigmtico e caro tratamento canino, mas, paradoxalmente, ao proprietrio que no o quer, a recomendao uma s e coincidente com a do programa nacional: a eutansia do co infectado. Note-se, ento, como um simples raciocnio crtico-filosfico desmascara o mvel econmico e o interesse lucrativo.

  • 31

    139- Alm dessa verdade inconfessa, o documento habilmente insinua uma proposta de financiamento pblico de campanha de vacinao canina antileishmaniose (fls. 76 e 77); ocorre que nenhuma das duas vacinas comercializadas no Brasil (as marcas leishmune e leishtec) adimpliram, at o momento, todos os requisitos exigidos pela Instruo Normativa n31/2007:

    O desenvolvimento de vacinas antileishmaniose visceral

    canina deve contemplar a realizao de testes para

    determinar a segurana, a eficcia, a inocuidade, a

    proteo, a infeco e a imunogenicidade das vacinas,

    conduzidas por meio de ensaios de Fase I, Fase II e Fase

    III (art. 1 do anexo da IN n31/2007). 140- Ademais, ambas no curam a doena (a

    leishmaniose visceral canina) e, tampouco, destinam-se a eliminar a carga parasitria do co infectado, tanto assim que somente podem ser ministradas em co concomitantemente no infectado e sadio; vejam-se estas observaes da bula da vacina leishmune:

    Introduo:

    (...) O co, como hospedeiro domstico, considerado o

    principal reservatrio da infeco para o homem. Os ces

    infectam-se atravs da picada de insetos flebotomneos,

    conhecidos como mosquito-palha. (...) A vacinao de ces com leishmune auxilia na

    preveno da doena, reduzindo a incidncia e,

    consequentemente, a disseminao da Leishmaniose

    Visceral Canina Leishmune indicada como auxiliar na

    preveno da Leishmaniose Visceral Canina (Calazar

    Canino), para a vacinao de ces a partir de 4 meses de

    idade, saudveis e soronegativos para Leishmaniose

    Visceral Canina.

    (...)

    Vacinao primria: iniciar a vacinao em ces

    soronegativos para Leishmaniose Visceral Canina a partir

    dos 4 meses de idade. O protocolo completo de vacinao

    deve ser feito com 3 (trs) doses, respeitando um intervalo

    de 21 dias entre as aplicaes.

    (...) A vacina leishmune para uso exclusivo em ces. A

    vacina dever ser usada somente em ces assintomticos

    com resultados sorolgicos negativos para a leishmaniose

    visceral. Por no terem sido conduzidos estudos da

    aplicao da vacina em fmeas prenhes, no se recomenda

    a vacinao desses animais.

  • 32

    A resposta adequada vacinao diretamente

    relacionada competncia imunolgica de cada animal. A

    vacinao dever ser precedida de um minucioso exame

    clnico realizado por um Mdico Veterinrio. O uso

    concomitante de antinflamatrios ou antibiticos, nos dias

    que antecedem ou sucedem a vacinao, pode interferir

    com o desenvolvimento e manuteno da resposta imune

    aps a vacinao (cf. bula in anexo 32).

    141- Assim, a prpria bula da vacina leishmune reconhece a inevitabilidade de janelas abertas transmisso parasitria entre co e vetor:

    1) A vacinao de ces com leishmune auxilia na preveno da

    doena, reduzindo a incidncia e, consequentemente, a disseminao

    da Leishmaniose Visceral Canina: ela no absoluta na preveno,

    mas apenas auxiliar, e s indicada para prevenir, no para curar,

    desse modo predispe-se a reduzir, e no a erradicar a zoonose;

    2) Leishmune indicada como auxiliar na preveno da

    Leishmaniose Visceral Canina (Calazar Canino), para a vacinao de

    ces a partir de 4 meses de idade, saudveis e soronegativos para

    Leishmaniose Visceral Canina: em ces menores de 4 anos, em ces

    maiores infectados por leishmania, em ces doentes por outras zoonoses

    (no saudveis), a vacina ineficaz, havendo, portanto, enorme essa

    poro da populao canina servindo de reservatrio para transmisso e

    disseminao parasitrias;

    3) Por no terem sido conduzidos estudos da aplicao da vacina em

    fmeas prenhes, no se recomenda a vacinao desses animais:

    assim, tambm as fmeas prenhes no se beneficiam da relativa eficcia

    preventivo-vacinal e so, destarte, indivduos a descoberto da

    preventividade e potenciais reservatrios de leishmania.

    4) A resposta adequada vacinao diretamente relacionada

    competncia imunolgica de cada animal: essa condicionante

    individual (imunocompetncia de cada animal) outro aspecto ineliminvel

    de relatividade da eficcia vacinal;

    5) O uso concomitante de antinflamatrios ou antibiticos, nos dias

    que antecedem ou sucedem a vacinao, pode interferir com o

    desenvolvimento e manuteno da resposta imune aps a vacinao:

    mais uma aspecto individual de relatividade da eficcia vacina e

    extremamente provvel de ocorrer, implicando falha preventiva e

    abertura infectividade canina e disseminao parasitria.

  • 33

    142- Se nesse mbito da tecnologia aplicada (da

    inveno industrial) subsistem lacunas e imprecises, tal estado de coisas

    reflexo da atual impotncia de o mundo cientfico apresentar-lhe um nvel de

    probabilidade aceitvel de segurana na matria, ainda que, no dizer de

    Bochnski, a Cincia nunca venha a oferecer verdades absolutamente

    certas:

    (...) as teorias cientficas nunca so verdades

    absolutamente certas. Tudo o que a cincia pode alcanar

    neste domnio a probabilidade (cf. Jsef Maria Bochnski,

    in Diretrizes do Pensamento Filosfico, 4 ed., So Paulo, Editora

    Herder, 1971, pg. 62).

    143- A entusiasmada recomendao de

    financiamento pblico da vacinao canina, sutilmente insinuada no documento

    em fls. 76 e 77, oculta uma relao econmica questionvel eticamente: dois

    dos membros do Brasileish, co-autores do aludido documento (fl. 76),

    tiveram ou ainda tm, em alguma sorte de grau, vnculo de interesse

    econmico com o laboratrio FORT DODGE, a empresa privada

    proprietria da marca Leishmune.

    144- Com efeito, Vitor Mrcio Ribeiro e

    Ingred Menz, co-autores do documento de recomendao do Brasileish,

    compuseram a equipe que desenvolveu a vacina Leishmune, o que se

    comprova pelo anexo 33.

    145- Nesse contexto, o princpio da precauo

    tem um importante efeito probatrio no mbito do processo administrativo e

    judicial: o interessado na tutela estatal da conduta social de risco ambiental tem

    o nus de provar, peremptoriamente, a inocuidade ofensiva sadia

    qualidade de vida humana.

    146- Assim, no se fazendo convincentemente

    comprovada a segurana scio-ambiental de uma substncia, mtodo ou

    procedimento, foroso que o Poder Pblico imponha, por precauo, o

    abster-se de agir.

    147- O Decreto presidencial n 2.519/1998, ao

    promulgar a Conveno sobre diversidade biolgica (RIO 92), incorporou ao

    ordenamento jurdico a frmula textual do princpio 15 da Declarao do Rio

    sobre meio ambiente e desenvolvimento:

  • 34

    Princpio 15: com a finalidade de proteger o meio

    ambiente, os Estados devero aplicar amplamente o

    critrio de precauo conforme suas capacidades. Quando

    houver perigo de dano grave ou irreversvel, a falta de

    certeza cientfica absoluta no dever ser utilizada para

    que seja adiada adoo de medidas eficazes em funo dos

    custos para impedir a degradao ambiental (destacou-se).

    148- Ora, se o perigo de dano, suscitado pelo experimentalismo individual do tratamento canino da LV, tanto sade humana como sade de outras espcies do ecossistema urbano, o postulado da precauo est duplamente justificado, ao que vale ser acrescida esta sntese irretocvel de um dos mais expressivos jusfilsofos contemporneos:

    O ltimo valor que emerge do processo histrico com a

    fora de uma invariante o valor ecolgico, no se

    devendo, porm, olvidar que se protege o meio ambiente

    tanto pelo que a natureza de per si como pelo que ela

    significa para o valor da vida humana (Miguel Reale, Introduo Filosofia, 4 ed., Editora Saraiva, 2002, pg. 182).

    149- Com certa dose de audcia, pilhria e

    muita inconseqncia, adeptos da seita do tratamento canino da LV se acostumaram a propalar que a infeco humana, por leishmania chagasi, , por si s, irrelevante, desde que a doena (leishmaniose visceral) no se manifeste; ou seja, como se todos pudessem manter-se indiferentes notcia da tragdia pessoal da infeco por leishmania, e reagissem a ela mais alegres ou contentes porque ainda somente esto infectados!

    150- Certamente tambm nisso mal instrudos,

    no se aperceberam de que a Constituio federal, no texto do art. 196, positiva uma mensagem compulsria para que o Poder Pblico formule poltica de sade pblica, no somente para evitar o risco de doena, mas tambm de quaisquer agravos integridade fsica e mental humana, e o processo infeccioso , para o sentido constitucional, um fato jurdico (stricto sensu) de agravo.

    151- Conquanto o estado de infeco

    humana no requeira, por si s, nenhuma teraputica, ele tem, sim, muita relevncia para a sade pblica, bastando lembrar que a supervenincia de uma causa de imunossupresso, ou ainda de imunodepresso (co-infeco HIV, v.g.), ser suficiente para a irrupo do quadro de sintomatologia patolgica da LV; um sucessivo agravo de co-infeco viral grave, por exemplo, o bastante:

  • 35

    No existe diferena de susceptibilidade entre idade, sexo e raa. Entretanto, crianas e idosos so mais susceptveis.

    Existe resposta humoral detectada atravs de anticorpos

    circulantes, que parecem ter pouca importncia como

    defesa. A Leishmania um parasito intracelular

    obrigatrio de clulas do sistema fagocitrio mononuclear

    e sua presena determina uma supresso reversvel e

    especfica da imunidade mediada por clulas, o que

    permite a disseminao e multiplicao incontrolada do

    parasito. S uma pequena parcela de indivduos infectados

    desenvolve sinais e sintomas da doena. Aps a infeco,

    caso o indivduo no desenvolva a doena, observa-se que

    os exames que pesquisam imunidade celular ou humoral

    permanecem reativos por longo perodo; isso requer a

    presena de antgenos, podendo-se concluir que a

    Leishmania ou alguns de seus antgenos esto presentes no

    organismo infectado durante longo tempo de sua vida,

    depois da infeco inicial. Esta hiptese est apoiada no

    fato de que indivduos que desenvolvem alguma

    imunossupresso podem apresentar quadro de LV muito

    alm do perodo habitual de incubao (cf. in anexo 1, sem destaque).

    152- Ademais, a infeco humana por leishmania

    chagasi inabilita o infectado a ser doador de sangue; imagine-se, ento, uma epidemia de LVH e seu impacto para os hemocentros!

    153- Outro ponto extremamente relevante em

    relao ao agravo da infeco humana por leishmania chagasi: em razo de estar inabilitado doao sangunea, estar tambm, por corolrio natural, inabilitado doao de rgos; assim, por exemplo, se a criana necessita urgentemente de transplante de rim e o pai o nico doador compatvel, mas infectado por leishmania chagasi, a salvao do filho no poder operar-se pela doao paterna.

    154- Portanto, o estado de infeco humana

    um fato jurdico de agravo sade, uma vez que, para a Constituio, A

    sade dos seres humanos no existe somente numa contraposio a no

    ter doenas diagnosticadas no presente. Leva-se em conta o estado dos

    elementos da natureza guas, solo, ar, flora, fauna e paisagem para aquilatar se esses elementos esto em estado de sanidade e se de seu uso

    advm sade de vida ou doenas e incmodos para os seres humanos (Paulo Affonso Leme Machado, in Direito Ambiental Brasileiro, 13 ed., Malheiros Editores, So Paulo, 2005, pg. 121, sem destaque).

  • 36

    155- por isso que o Poder Pblico tambm

    deve preocupar-se e ocupar-se com condutas sociais perigosas, tendentes a

    suscitar graves atentados sadia qualidade de vida humana, e das quais podem

    resultar, mais cedo ou mais tarde, no mnimo o transtorno de privar uma

    pessoa do gozo de seu domiclio, de sua vida privada e familiar, para

    submeter-se, no meio hospitalar, recuperao da sade.

    156- Da tambm porque o caput do art. 225 da

    CF no se contentar apenas com o direito vida humana no meio urbano,

    mas, principalmente, como direito fundamental sadia qualidade de vida

    humana na cidade:

    Portanto, no podemos desvincular o meio ambiente artificial do conceito de direito sadia qualidade vida, bem

    como aos valores da dignidade humana e da prpria vida,

    conforme fizemos questo de explicitar. Todavia, podemos

    dizer que o meio ambiente artificial est mediata e

    imediatamente tutelado pela CF. Mediatamente, como

    vimos, a sua tutela expressa-se na proteo geral do meio

    ambiente, quando refere-se ao direito vida no art. 5

    caput, quando especifica no art. 225 que no basta apenas o

    direito de viver, mas tambm o direito de viver com

    qualidade; no art. 1, quando diz respeito dignidade

    humana como um dos fundamentos da Repblica; (...) (cf. Celso Antnio Pacheco Fiorillo & Marcelo Abelha Rodrigues, in Manual de Direito Ambiental e Legislao Aplicvel, So Paulo, Editora Max Limonad, 1997, p. 60).

    157- Sopesados os perigos sociais e ambientais com prudncia e cientificidade, resta claro que se interpe um tremendo paradoxo insolvel entre o acolhimento associativo da ideologia do tratamento canino da LV e aquelas diretrizes de Bom senso, estabelecidas no art. 3, item II, do estatuto da Associao autora (cf. fl. 60):

    II- Bom Senso: o princpio que traa nossos limites sem esquecer nossa meta.

    (...)

    o que nos avisa do perigo das doenas infecto-contagiosas que podero vitimar a ns ou aos

    animais que temos sadios em casa ou nos abrigos.

    - o que preserva nossa integridade

    fsica e a de nossos animais quando vamos prestar o

    socorro ou adotar. (...).

  • 37

    158- Ora, quando a Constituio Federal

    assegura a liberdade de associao (art. 5, XVII), est implcita a tutela jurdica

    da confiana nos limites consentneos com as diretrizes e objetivos lcitos

    formalmente compromissados em estatuto, do que lgica ilao que essas

    expectativas estatutrias, compromissadas pelo ente social, no devem ser

    quebradas ou fraudadas pelo prprio comportamento contraditrio, incoerente,

    ou a elas antagnico; o postulado proibitrio venire contra factum proprium.

    159- A finalizar esta quadra de consideraes,

    tambm importante desfazer outra grande impropriedade largamente difundida

    pelo discurso do tratamento canino da LV: a de que a eutansia do co

    infectado seria crueldade inconstitucional (art. 225, 1, VII).

    160- A priori, o senso crtico interpela por esta

    questo de ordem: e o abate bovino dirio e em larga escala para a alimentao

    humana, por acaso tambm crueldade inconstitucional? conquanto melindre,

    a reflexo tem, todavia, a profcua fora de desentocar interesses subjacentes e

    abrir de maneira sincera a questo da eutansia.

    161- O manual de vigilncia e controle da

    Leishmaniose Visceral (in anexo 1) explicito em ditar que a eutansia do co

    infectado dever observar as normas tcnicas da Resoluo n714, de 20 de

    junho de 2002, expedida pelo Conselho Federal de Medicina Veterinria:

    Para a realizao da eutansia, deve-se ter como base a

    Resoluo n714, de 20 de junho de 2002, do Conselho

    Federal de Medicina Veterinria, que dispe sobre os

    procedimentos e mtodos de eutansia em animais e d

    outras providncias, dentre as quais merecem destaque:

    - Os procedimentos de eutansia so de exclusiva

    responsabilidade do mdico veterinrio, que dependendo

    da necessidade pode delegar esta prtica a terceiros, que

    realizar sob sua superviso. Na localidade ou municpio

    onde no existir mdico veterinrio, a responsabilidade

    ser da autoridade sanitria local;

    - Os animais devero ser submetidos eutansia em

    ambiente tranquilo e adequado, longe de outros animais e

    do alojamento dos mesmos;

    - A eutansia dever ser realizada segundo a legislao

    municipal, estadual e federal, no que se refere compra e

    armazenamento de drogas, sade ocupacional e a

    eliminao de cadveres e carcaas;

  • 38

    - Como mtodos de eutansia so recomendados os

    barbitricos, anestsicos inalveis, dixido de carbono CO2, monxido de carbono CO e cloreto de potssio KCL, para este ltimo ser necessria a anestesia geral

    prvia.

    - Os procedimentos de eutansia, se mal empregados, esto

    sujeitos legislao federal de crimes ambientais (cf. in anexo 1).

    162- Juridicamente, o procedimento de eliminao do co infectado s se considerar procedimento de eutansia enquanto for e na medida em que for obediente s regras tcnicas da Resoluo n714/2002 do CFMV, caracterizando-se, desse modo e nessa exata proporo, como tipo especfico de ato lcito.

    163- Ora, se a Lei federal delega ao Conselho

    profissional (CFMV) competncia normativa para expedir normas tcnicas sobre determinado procedimento (eutansia) da profisso, e esse delegatrio o faz, embasando-se em critrios cientficos, operou-se, ento, a juridicizao, no campo das condutas sociais lcitas, do procedimento normado, sendo, pois, arremato contra-senso acus-lo, tout court, de crueldade ilcita, de infrao normativa:

    Num ordenamento jurdico no devem existir antinomias (cf. Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurdico, Unb., 9 edio, pg. 110, n8).

    164- As normas tcnicas, como espcies de

    normas sociais, so frmulas de fazer e de criar, que traduzem aperfeioamento, com base cientfica, de meios ou instrumentais para desenvolvimento de determinado trabalho, c