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AJUSTE FISCAL E OS ‘CUSTOS EXTRAORDINÁRIOS’ NA REFORMA AGRÁRIA Gerson Teixeira Brasília, maio de 2015. A recuperação da economia com o fortalecimento dos programas sociais talvez seja a melhor alternativa que o governo pode dispor para enfrentar a atual ofensiva dos setores conservadores visando ‘destruir’ o PT e o seu legado nos governos Lula e Dilma. Contudo, por conta das circunstâncias de austeridade nas finanças públicas num contexto menos atrativo no mercado mundial de commodities, as previsões dominantes não vislumbram condições para um novo ciclo de crescimento da economia brasileira, nos curto/médio prazos. Analisando o ambiente de dificuldades ora enfrentadas pelo governo, o Prof. João Manoel Cardoso de Melo, da Unicamp, que apoia a presidenta Dilma, avaliou em recente entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo que prevaleceram as chantagens do mercado financeiro por um ajuste fiscal além do necessário mediante a ameaça, ao país, da perda do ‘grau de investimento’. Teme-se que do ‘ajuste’ resulte o prolongamento do período de retração econômica. Afora a magnitude do ajuste, considere-se o seu perfil. Foi lançado com medidas que criaram dificuldades para o PT junto às suas bases políticas históricas. Assim, a depender da escala, duração e da natureza do ajuste, e das suas consequências no nível de atividade econômica e nos índices de emprego, renda e inflação, não será uma tarefa trivial lidar com a atual trajetória desafiadora para o governo e o PT. No âmbito do ajuste fiscal medidas como a tributação das grandes fortunas e sobre herança teriam eficácia no processo de reequilíbrio das finanças públicas com impactos sociais relativamente limitados. Um bom exemplo de ações que também poderiam ser consideradas seriam aquelas saneadoras de irracionalidades na gestão de programas públicos que geram despesas ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE REFORMA AGRÁRIA ABRA Fundada em 20 de setembro de 1967

Texto Ajuste Fiscal e Juros Compensatórios Na Reforma Agrária1

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  • AJUSTE FISCAL E OS CUSTOS EXTRAORDINRIOS

    NA REFORMA AGRRIA

    Gerson Teixeira

    Braslia, maio de 2015.

    A recuperao da economia com o fortalecimento dos programas sociais talvez seja a

    melhor alternativa que o governo pode dispor para enfrentar a atual ofensiva dos

    setores conservadores visando destruir o PT e o seu legado nos governos Lula e

    Dilma.

    Contudo, por conta das circunstncias de austeridade nas finanas pblicas num

    contexto menos atrativo no mercado mundial de commodities, as previses

    dominantes no vislumbram condies para um novo ciclo de crescimento da

    economia brasileira, nos curto/mdio prazos.

    Analisando o ambiente de dificuldades ora enfrentadas pelo governo, o Prof. Joo

    Manoel Cardoso de Melo, da Unicamp, que apoia a presidenta Dilma, avaliou em

    recente entrevista concedida ao Jornal Folha de So Paulo que prevaleceram as

    chantagens do mercado financeiro por um ajuste fiscal alm do necessrio mediante a

    ameaa, ao pas, da perda do grau de investimento. Teme-se que do ajuste resulte o

    prolongamento do perodo de retrao econmica. Afora a magnitude do ajuste,

    considere-se o seu perfil. Foi lanado com medidas que criaram dificuldades para o PT

    junto s suas bases polticas histricas.

    Assim, a depender da escala, durao e da natureza do ajuste, e das suas

    consequncias no nvel de atividade econmica e nos ndices de emprego, renda e

    inflao, no ser uma tarefa trivial lidar com a atual trajetria desafiadora para o

    governo e o PT.

    No mbito do ajuste fiscal medidas como a tributao das grandes fortunas e sobre

    herana teriam eficcia no processo de reequilbrio das finanas pblicas com

    impactos sociais relativamente limitados.

    Um bom exemplo de aes que tambm poderiam ser consideradas seriam aquelas

    saneadoras de irracionalidades na gesto de programas pblicos que geram despesas

    ASSOCIAO BRASILEIRA DE REFORMA AGRRIA

    ABRAFundada em 20 de setembro de 1967

  • ilegtimas ou desnecessrias para o Tesouro. Muitos desses casos findam inviabilizando

    os seus instrumentos e os prprios programas.

    o que ocorre com o instrumento da desapropriao para fins sociais que

    praticamente foi inviabilizado com os custos extraordinrios e incabveis acrescidos

    sua operacionalizao por meio de jurisprudncias ou legislaes adotadas por presso

    do latifndio. O fato que, na atualidade, o Tesouro Nacional no suportaria um

    programa de reforma agrria impactante, de fato, nas assimetrias da estrutura de

    posse e uso da terra no Brasil vez que o instrumento para tal (a desapropriao

    sancionatria) apresenta custos artificiais insuportveis. Os valores finais pagos pela

    Unio em indenizaes de terras desapropriadas, bem assim, o encurtamento dos

    prazos de resgate dos Ttulos da Dvida Agrria passaram a pressionar em demasia as

    finanas pblicas. Dessa forma, alm de inviabilizar a desapropriao e impedir o

    alcance e o perfil desejvel para o programa de reforma agrria esses custos

    extraordinrios findam estigmatizando-o como excessivamente caso. E de fato , mas

    no por fatores congnitos desapropriao, e sim, pelo poder dos grandes

    proprietrios que transformaram justo o instrumento da desapropriao em uma

    verdadeira galinha dos ovos de ouro do latifndio.

    Destaco entre os custos extraordinrios e ilegtimos o caso da incidncia dos chamados

    juros compensatrios que incidem sobre o valor judicialmente contestado do preo

    arbitrado para a terra, e que incidem sobre o valor principal das indenizaes da data

    da contestao judicial at a data do seu efetivo pagamento.

    De 2011 a 2014 os pagamentos a ttulo de juros compensatrios pelo Incra somaram

    R$ 776 milhes, ou seja, 310.5 milhes acima do valor principal devido pelas

    indenizaes das terras. A figura abaixo discrimina os dispndios do Tesouro com essas

    indenizaes no acumulado de 2011 a 2014.

    Fonte: Incra

    PRINCIPAL S/ A INDENIZAO ;

    465.390.617

    JUROS COMPENSATRIOS S/ A INDENIZAO

    775.875.684

    JUROS MORATRIOS S/ A INDENIZAO ;

    55.812.246

    HONORRIOS ADVOCATCIOS E

    PERICIAIS ; 48.807.482

  • inconcebvel o pagamento dos juros compensatrios para proprietrios de imveis

    rurais que no cumprem a funo social. Essa verba prevista em decorrncia de

    compensao ao lucro cessante; por suposto, latifndio improdutivo no gera lucro.

    At ento aplicado em decorrncia de jurisprudncia, os juros compensatrios na

    desapropriao para fins sociais ganhou respaldo legal com a MP 2.183/2001, mantida

    intocvel desde ento. Mais grave, a MP cometeu uma fraude conceitual ao mudar o

    fato gerador dessa verba fixando-o como a receita cessante, e no mais, o lucro

    cessante.

    Cumpre esclarecer como contraponto ao que ocorre com a desapropriao para

    reforma agrria que o art. 8, 2, II da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) deixa

    claro que no so devidos juros compensatrios na desapropriao por interesse

    social para fins de reforma urbana.

    Conforme esclarece a Procuradoria do Incra, na execuo dessa verba o STF editou a

    Smula 618, em 1984, impondo em qualquer desapropriao, juros compensatrios de

    12% ao ano.

    Ainda segundo a Procuradoria do Incra, em 1999, o Decreto 3365/41, conhecido como

    Lei Geral das Desapropriaes foi alterado pela Medida Provisria, antes citada,

    passando, em seu art. 15-A, a tratar, pela primeira vez dos juros compensatrios

    impondo a incidncia dos mesmos no limite de at 6% ao ano.

    Por meio da ADI 2332/DF, impetrada pela OAB, o STF considerou inconstitucional essa

    alterao, retornando ao percentual fixo de 12%. Essa ADI se encontra pendente de

    julgamento de mrito naquela corte, sob a relatoria do Ministro Luis Roberto Barroso.

    A Procuradoria do Incra ressalta que, apesar desse julgamento, o STF no se ateve ao

    mrito da questo, se limitando percepo de uma aparente contradio entre o

    texto da medida provisria e a Sumula 618.

    Portanto, considerando: 1) que o prprio governo FHC enviou PL ao Congresso

    propondo a extino dos juros compensatrios nos processos de desapropriao para

    reforma agrria em reconhecimento inaplicabilidade dessa verba no caso (em

    seguida por presso dos ruralistas o governo retirou o PL); e 2) o imperativo de um

    ajuste fiscal com qualidade, isto , que evite cortes lineares de verbas e subtrao de

    direitos, focando-se na eliminao das irracionalidades e anomalias que vigoram em

    muitas polticas pblicas,

    Caberia o empenho do PT e do governo por medida legal pela extino da aplicao

    dos juros compensatrios nos processos de desapropriao para fins sociais. reas

    do governo como a PGFN e AGU seria aliadas nesse projeto.