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TERRITÓRIOS DO PARQUE DOM PEDRO II dinâmicas da cidade contemporânea

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TERRITÓRIOS DO PARQUE DOM PEDRO II

dinâmicas da cidade contemporânea

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TERRITÓRIOS DO PARQUE DOM PEDRO II

dinâmicas da cidade contemporânea

rafael cruz

jorge bassani [orient]

trabalho final de graduação

são paulo, fauusp, 2013

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A Edite, Alexandra e Camila

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MUITOBRIGADO

Ao Jorge Bassani, que orienta esse trabalho há bem mais que um ano

À Camila D’Ottaviano, que também orientou este trabalho

A Tatiana Travisani e Euler Sandeville por aceitarem o convite

À Sandra Vichietti pelos valiosos conselhos na fase inicial desse trabalho

A Leoni e Juliana por toda a atenção na minha visita à Tenda da Mooca

Aos amigos que agregaram a minha formação e minha passagem por essa escola

A Augusto e Mitsuo pelas quartas feiras de futebol

À família que mora na minha casa, minha mãe e meu padrasto

Às famílias que moram no meu coração, Góes, Cantarinis, Lucios

Ao André, bróder e irmão

À Lila, por todo amor dos últimos oito anos

À Camila Góes, pelo apoio acadêmico.

Valeu gentes!

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“They build a ship each wintertime

for launch to sea before the storm

They don’t just go from A to B

they go around and come around again

‘cause out there’s always a construction site

a Starbucks and

yet another Guggenheim”

“They fail, fail and try again

fall off a cliff, succeed, and fall, fall again

They have proven quite effectively

that bumblebees indeed can fly

against the field’s authority

They invent each other ever anew

still they won’t have a different view

of everyone or anything

Defend themselves against the whims of fate

question the statistics, accelerate

the status quo, deny the rules of gravity”

Einstuerzende Neubauten – Youme & Meyou

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15 INÍCIO

19 CONSENSOS19 RACIONALIDADE26 COMPLEXIDADE

31 CENTRO31 CAFÉ36 FÁBRICA37 VIADUTO40 REQUALIFICAÇÃO

51 DINÂMICAS53 RIZOMAS61 RAÍZES68 TERRITÓRIO[S]

79 CORPO79 ESPETÁCULO85 HÁPTICO87 SUBJETIVIDADE92 RESISTÊNCIA

95 FIM

99 BIBLIOGRAFIA

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INÍCIO

“Parque Dom Pedro II, várzea do Carmo, situação urbana tão non sense, tão inclassificável, que para encará-lo como problema temos que lançar mão de processos os mais heterodoxos” (BASSANI, 2012:111)

Essa pesquisa sobre o Parque Dom Pedro II tem como ponto de partida as discussões em torno do Grupo de Estudos Mapografias Urbanas, coorde-nado pelo Prof. Jorge Bassani, orientador deste trabalho. Da mesma forma, o interesse pelo entendimento do espaço urbano como produto de subjetivação nasce da própria experiência com a cidade e se intensifica a partir do contato com o Situacionismo pelo GMap. Além disso, a relação entre usuário e cida-de como fruição e comunicação é pouco abordada no decorrer deste curso, de modo que este trabalho visa também preencher essa lacuna na formação.

Conceitualmente, apoia-se na temática da cidade contemporânea e parte de consensos sobre a produção urbana para tentar um aprofundamento das complexidades que secretam um território tão múltiplo e obscuro quanto o Parque Dom Pedro II. À medida que o trabalho se desenvolve, esses consen-sos são desconstruídos, de tal forma que esta pesquisa parece suscitar mais dúvidas do que encontrar respostas.

Esse trabalho torna-se uma forma muito particular de propor a minha visão e vontade de cidade, de política, de vida, ainda que sem um desenho ou um projeto. Trata-se de estabelecer uma reflexão, um olhar crítico para a cidade e os atores que a formam antes de fazer ali o edifício, a praça, o bairro, o mobiliário. Lancei-me o desafio de lançar esse olhar sobre o que é consi-

págs anteriores:

Planta da Cidade de São Paulo

Henry B. Joyner

1881

CESAD / Coleção IV Centenário

Mapa Digital da Cidade

2005

CESAD / PMSP

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16 TERRITÓRIOS DO PARQUE DOM PEDRO II

derado um dos lugares mais abomináveis da cidade. É ao mesmo tempo um trabalho de entender a cidade a partir da produção teórica e ensaiar a aplica-bilidade da teoria no seu entendimento, posto que o caráter difuso daquele espaço não permite precisões.

O TFG tem uma característica, eu tenho observado isso no trabalho de alguns colegas – Craice, Marinho, Thaís, Leo Klis – de quase introspecção, de ler a poesia da própria casa. O Parque Dom Pedro II tem, para mim, um pouco dessa poesia. Uma das primeiras memórias que eu tenho da cidade é de sacolejar com a minha mãe no EAOSA, perambular pela 25 de Março [cadê o parque?] e voltar cheio de sacolas com bugigangas para o carnaval. Foi surpreendente, lendo o Guattari, o momento em que o analista francês descreve o momento em que, caminhando por uma ponte em São Paulo, lhe ocorre uma súbita memória antiga:

“Ao fim de um certo tempo, a resposta me veio naturalmente, algo da minha primeira infância me falava do âmago dessa paisagem desolada, algo de ordem principalmente perceptiva” (2012:136)

De tal maneira que o rio Tamanduateí é, ao mesmo tempo o Tejo e o rio que corre pela minha aldeia. Ou um Capibaribe [que corre contra o mar], que tem o ABC a montante, cujo curso define o trajeto de quem vai fazer a vida na cidade.

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PQ DOM PEDRO II

CAPUAVA

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19

CONSENSOS

A periodização moderno / contemporâneo propõe que está em curso uma transição no modelo de produção das cidades, processo que se intensi-fica no período pós Segunda Guerra Mundial. Essa transição determina-se, entre outras condicionantes, pela mudança da matriz econômica: a cida-de moderna produzida pelo capital industrial passa à condição de cidade contemporânea à medida que aquela economia é substituída pelo capital financeiro e terciário. Tema recorrente de um grande volume de produção intelectual, essa transformação soma diversos outros temas à sua agenda – sustentabilidade, preservação e diálogo com a cidade existente, telemática e meios de comunicação.

RACIONALIDADE

O urbanista italiano Bernardo Secchi aponta que o “século breve”, termo cunhado por Eric Hobsbawn para definir o período entre a Primeira Guer-ra Mundial e a dissolução da União Soviética, marca a fase de passagem da cidade moderna para a cidade contemporânea. Esse período testemunha a evolução da economia industrial e o estabelecimento das metrópoles urba-nizadas, os efeitos das duas grandes guerras e a consolidação e o declínio do ideário modernista. De modo geral, o pensamento moderno esteve baseado nos preceitos de racionalidade e funcionalidade, que constitui desde a matriz epistemológica até a lógica de produção industrial, continuidade, concentra-ção e equilíbrio.

“O método mais eficiente de produção é o que decorre da racionalização

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e da padronização. A racionalização e a padronização agem diretamente sobre os métodos de trabalho, tanto na arquitetura moderna (concepção) quanto na indústria da construção (realização)” (CIAM apud FRAMP-TON, 1997:327).

O urbanismo moderno nasce do estabelecimento da economia e socie-dade industriais, a partir da necessidade de sanar as cidades dos problemas decorrentes da industrialização – o inchaço das zonas urbanas e todas as questões trazidas pelo crescimento demográfico urbano, como abastecimento e saneamento, tráfego e habitação, firmando-se a partir das intervenções do Barão de Haussmann em Paris e de Ildefons Cerdà em Barcelona, na segunda metade do século XIX.

Atrelado ao ideário modernista, o urbanismo moderno é marcado por uma linha de pensamento bastante racionalista e funcionalista. O grande marco desse pensamento sobre a cidade é a Carta de Atenas, documento redigido em 1933 pelo CIAM III e publicado sob a autoria de Le Corbusier. Diante de um pensamento modular, a cidade é projetada considerando um padrão restrito de sociedade – o trabalho, os deslocamentos, as necessida-des, o núcleo familiar são discutidos a partir de padrões genéricos descon-siderando complexidades e particularidades, fosse nos primeiros eventos do Congresso, liderado por arquitetos alemães, fosse na sua segunda fase, sob a influência dos franceses:

“De fato, a opção única, quando muito biunívoca, mas sempre exclu-dente e redutora, que a modernidade fez em termos do urbanismo recaiu e se orientou pela ideia de:

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21CONSENSOS

Retilinearidade de um progresso técnico ou social (ou pelo enfoque urba-nístico sistêmico e estrutural que a tem por fundamento e inspiração)

Verticalidade genealógica das fundações (ou pela abordagem culturalista--morfológica que dela se apropria seja como grund, seja como nostalgia)

Horizontalidade e superficialidade das aparências e simulacros (ou pela visão compositiva e semantizada que dela se estende)” (SALES, 2010:8).

A quebra de paradigmas que sustentaram o urbanismo modernista tem lugar no contexto de reconstrução das cidades no pós-guerra europeu. A hegemonia do pensamento corbusiano nos CIAM é rompida em 1947, sexto encontro, realizado em Bridgwater, Inglaterra, colocando aquele pretenso funcionalismo como uma esterilidade abstrata que não satisfazia às neces-sidades emocionais e materiais do homem (FRAMPTON, 1997: 329). Tal contestação abre precedentes para consideração de um urbanismo de alguma forma mais humanista, que respondesse às complexidades presentes na cida-de que configuram o pensamento urbanístico contemporâneo. Se o projeto ex novo dos modernistas não encontrou potencialidade na Tabula Rasa das cidade europeias devastadas ou nas políticas públicas do New Deal, teve sua cartilha aplicada em laboratórios nos países periféricos. No mesmo momento em que o CIAM revisava seus fundamentos, a Chandigarh de Le Corbusier na Índia e a Brasília de Lucio Costa e Niemeyer refletiam a tendência e a suposta necessidade desses países periféricos construírem uma imagem de desenvolvimento e industrialização, um simulacro de modernidade.

“A crise emergente do iluminismo ocidental, sua incapacidade de dar sus-

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tentação a uma cultura existente, ou mesmo de manter o significado de suas próprias formas clássicas, sua falta de qualquer objetivo além da contínua inovação técnica e do desenvolvimento econômico ideal, tudo isso parece estar sintetizado na tragédia de Chandigarh – uma cidade projetada para automóveis num país em que muitos, como acontece ainda hoje, não têm sequer uma bicicleta” (FRAMPTON, 1997:279).

A partir da falência do modo de projetar moderno, o pensamento urbano tomou novos rumos e abordagens. Dentro da chave do modernismo, o TEAM X, grupo de arquitetos originado pelo [fim do] CIAM X, foi responsável pelo principal questionamento do projeto moderno. O trabalho desenvolvido pelo casal Smithson, The Urban Re Identification e apresentado em 1953 no CIAM IX questionava o projeto de cidade modernista organizada a partir de funções (habitação, trabalho, lazer, circulação e edifícios históricos) propondo um pensamento urbano a partir das escalas, espaciais e de relação social – casa, rua, distrito e cidade. Era apresentada em forma de diagrama, ilustrado com foto-grafias feitas por Nigel Henderson de espaços ocupados e apropriados por jogos de criança.

“O objetivo modernista era o de um habitat padrão, estabelecido a partir de supostas ‘necessidades fundamentais’ determinadas de uma vez por todas. Penso aqui no dogma que constituiu o que se chamou a “Carta de Atenas” em 1933, representando a síntese dos trabalhos do CIAM, da qual Le Corbusier nos daria uma visão comentada, dez anos mais tarde, e que foi o credo teórico de várias gerações de urbanistas. Essa perspectiva de moder-nismo universalista definitivamente terminou. É apaixonante ver hoje em dia quantos jovens arquitetos se lançam, não na via decadente do ‘pós-mo-

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23CONSENSOS

dernismo’, mas na que denominaria a via da ressingularização. Um certo retorno da perspectivas estética, indo de encontro à funcionalidade, parece certamente salutar” (GUATTARI, 2012:156).

Na mesma base surge nos anos 60 uma miríade de novos pensamentos e olhares sobre a cidade, representado por figuras como Kevin Lynch (A Ima-gem da Cidade, 1960), Jane Jacobs (Morte e Vida das Grandes Cidades, 1961) e Aldo Rossi (A Arquitetura da Cidade, 1966). Aparece como tema a questão da percepção e apropriação dos espaços urbanos pelo usuário. Destaca-se também, numa chave que extrapola os limites da arquitetura e urbanismo, a atuação da Internacional Situacionista. O grupo liderado por Guy Debord, questionou abertamente o urbanismo moderno e, de modo geral, o próprio planejamento urbano, propondo uma participação ampla e lúdica do indivíduo na cidade.

“Em termos bem gerais, os dois grupos – Team X e Situacionistas – cada qual à sua maneira, propunham ideias semelhantes: a ideia de colagem, de mistura e de diversidade contra o excesso de racionalidade e funcionalidade modernas, e contra a separação de funções (zoning). Contra a generalidade, a impessoalidade, simbolizadas pelo Modulor corbusiano e pela ideia de Tabula Rasa, eles propunham a busca de identidades, da individualidade e da diversidade, sobretudo das pessoas comuns e reais das ruas das cidades existentes. Contra a homogeneidade e simplicidade ideais modernas, eles propunham a heterogeneidade e a complexidade ligadas à vida cotidiana. Contra a grande escala e a autoridade do Estado e dos próprios urbanistas ligadas às pretensões modernas, propunham uma volta à pequena escala, à escala humana, e a participação dos habitantes” (JACQUES, 2003:27).

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COMPLEXIDADE

O novo pensamento urbanístico que se desenvolve a partir do fim dos CIAM revela uma forma de cidade mais complexa que aquela que o urbanis-mo racionalista moderno lidava, agora a cidade é um espaço “confuso, do-minado pelo caos, desprovido de forma, incompreensível e imprevisível; por isso, causa de um novo e difuso mal-estar individual e coletivo” (SECCHI, 2006:87). Essa mudança é, em geral, apontada como resultado da reestru-turação global do capitalismo, suas transformações no modo de produção e na organização territorial, forças que produzem a chamada “cidade global”. Secchi aponta também uma “crise urbana” e “epistemológica” que tem lugar nas cidades a partir dos anos 1960, de modo que a cidade passa a constituir matéria de incertezas do porvir, principalmente quando contraposta à plane-jabilidade da cidade moderna.

O propósito da cidade moderna de separar e distanciar, que fica claro no zoneamento proposto pela Carta de Atenas, acaba por definir um terri-tório fragmentado e disperso, caracterizando elementos dessa complexidade contemporânea e rompendo as continuidades urbanas tradicionais. Questões e características da cidade moderna passam a coexistir e sofrer pressão das exi-gências contemporâneas. A urbanização dispersa, que claramente opôs centro e periferia de forma dicotômica, serve de plataforma para a consolidação de uma metrópole de múltiplas centralidades configurada a partir de redes de cidades. Partindo do legado das cidades industriais como substrato, a econo-mia pós-industrial exige uma imagem de qualidade e eficiência que define as intervenções na cidade globalizada. Conforme Meyer, Grostein e Biderman:

pág. anteriores:

Plan Voisin (esq)Le Corbusier

1925

Chinsale Road (dir)Nigel Henderson

1951

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27CONSENSOS

“atrair o investimento econômico por meio da instalação de empresas que, operando produtivamente em outros territórios, têm na metrópole o seu centro de decisão e a sua base administrativa, é um dos objetivos do planejamento contemporâneo” (2004:23).

Se por um lado o modelo de distribuição espacial da cidade moderna configurou um tecido urbano fragmentado e disperso, por outro, o capita-lismo contemporâneo e as novas tecnologias de informação desestrutura a coesão das cidades. O modelo de rede de cidades, colocado por acadêmicos como Saskia Sassen e Manuel Castells, ou ainda representado como “um sub-conjunto de grandes cidades, ligados por meios telemáticos e por uma grande diversidade de meios de comunicação” (GUATTARI, 2012:151) intensifica disparidades entre as escalas global e local, tomando uma direção oposta daquele pensamento que imediatamente sucedeu o movimento moderno. Tendo em vista a velocidade de circulação na rede contemporânea de cida-des – de músicas, de slogans publicitários, de turistas, de chips – a tomada de decisões dos projetos urbanos mais alimentam essas localidades globais do que de fato se estendem à complexidade que cobre a totalidade da cidade na escala metropolitana num projeto unitário.

“Essa mundialização da divisão das forças produtivas e dos poderes capitalísticos não é absolutamente sinônimo de uma homogeneização do mercado, muito pelo contrário. Suas diferenças desiguais não se localizam mais entre um centro e sua periferia, mas entre malhas urbanas supe-requipadas tecnologicamente, e sobretudo informaticamente, e imensas zonas de habitat de classes médias de habitat subdesenvolvido. É muito característico, por exemplo em Nova York, ver um dos grandes centros da

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finança internacional, no ponto extremo de Manhattan, coexistir com verdadeiras zonas de subdesenvolvimento, no Harlem e no South Bronx, sem falar das ruas e dos parques públicos invadidos por mais de 300 mil homeless e cerca de um milhão de pessoas amontoadas em lugares super-povoados” (GUATTARI, 2012:151).

Diante de uma infinidade temática de complexidades, dispersão, frag-mentação, mescla de pessoas e diversificação de atividades, aproximação para-tática e anacronismo de objetos, de sujeitos, de suas atividades e temporalida-des que a cidade contemporânea secreta, a produção urbana, mais ou menos formal gera uma heterogeneidade de espacialidades (SECCHI, 2006:155). Se a cidade contemporânea é inidentificável e indescritível, os lugares que compõem essa cidade estão ainda em via de definir sua forma e função, sob o exemplo principal dos shoppings, mas também das arenas multiuso e dos parques – tecnológico, temático, de diversões, de escritórios. Os lugares da cidade contemporânea, pelo caráter disperso e fragmentado, ausentam-se de uma conexão contextual com o entorno e com a cidade, tornando-se, de alguma forma, autossuficientes em sua existência.

Essa conformação da cidade produz um espaço dilatado, à medida que as tecnologias de circulação – intraestruturas viárias e de telecomunicação – permitem a fragmentação da cidade. Os interstícios vazios remanescen-tes dessa configuração, espaços residuais e terrenos vagos, definem lugares de potencialidades nesse tipo de tecido urbano. A partir do instante que as atividades industriais não precisam necessariamente situar-se na densidade das metrópoles, estabelece-se uma tendência de desativação e obsolescência dos edifícios das fábricas e dos espaços e infraestruturas que mantinham essas

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29CONSENSOS

atividades. Somado ao capital fixo construído pelos investimentos na eco-nomia industrial, obsoleto e desativado pelas mudanças de escalas e relações da cidade contemporânea, esses espaços inoperantes constituem conflitos e devires, lugares de negociação da lógica de produção urbana.

A partir dessa conceituação que entende uma ebulição dos processos e agentes formadores da cidade e seus espaços, a análise e compreensão das problemáticas urbanas contemporâneas extrapola qualquer tentativa de olhar superficial e generalista que possa ser lançado sobre a cidade. Frente a toda uma miríade de complexidades, o urbanismo atual deve lançar mão dos ins-trumentos os mais heterodoxos que possam abarcar as diversas componentes do espaço urbano contemporâneo. Numa dinâmica não linear de espaço e tempo, colocada pelas fragmentação e dispersão dos lugares e suas atividades, propõe-se um campo aberto, indeterminado de potencialidades e possibili-dades, que, entretanto, tem no dispositivo do planejamento e do projeto um agenciamento de negociação do capital urbano que alimenta a aliança entre Estado e mercado. Cabe a uma abordagem para além da forma da cidade que confronte e defina novos rumos de um devir urbano:

“O futuro da cidade e do território, que agora tendem a identificar-se pela grande dimensão da ‘cidade-região’, da extensão metropolitana e do “campo urbanizado”, não se mostram mais pré-figuráveis em termos sim-ples e usuais; a complexidade parece necessitar ao mesmo tempo, de um maior nível de abstração e de uma maior precisão” (SECCHI, p.146).

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CENTRO

CAFÉ

Embora desde o primeiro século de colonização a colina histórica, sítio do Colégio dos Jesuítas e marco de fundação da cidade, assumisse papel estratégico definitivo para a ocupação do território nacional, até meados do século XIX a cidade de São Paulo não assumia grande importância como centro urbano, tendo sido a economia do país sediada primeiramente no Nordeste, durante o ciclo do açúcar, e em seguida no eixo Minas Gerais – Rio de Janeiro, consequência do ciclo econômico do ouro. Até então, outras centralidades distantes da colina histórica, como Pinheiros, São Miguel, Freguesia do Ó e Penha desempenhavam a função de entreposto e local de parada, mediando as viagens às Gerais ou Rio de Janeiro, ou como ponto de partida das tropas bandeirantes.

A transferência da capital para o Rio de Janeiro, a fundação da faculdade de Direito no convento de São Francisco e a expansão da cultura cafeei-ra para o oeste paulista definiram São Paulo como um importante centro urbano de uma elite cosmopolita. Formado pelas Ruas Quinze de Novem-bro, Direita e São Bento o chamado triângulo histórico constituiu a origem do centro urbano de São Paulo, definido pelos vales dos rios Anhangabaú e Tamanduateí.

Durante esse primeiro período de formação do tecido urbano, a Várzea do Carmo, área de inundação do Tamanduateí próxima à colina histórica, representava um claro limite da cidade e importante barreira para a expansão

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urbana a leste. Definindo um terreno pantanoso pela natureza de área inun-dável e, por isso, associado a insalubridade, a várzea concentrava atividades como pastoreio e lavagem de roupas, ofícios periféricos ao caráter cosmopoli-ta que a cidade começava a manifestar.

A necessidade de expansão do centro urbano suscitou uma série de proje-tos para essas áreas de várzea, como coloca Segawa:

“transformar a cidade não era apenas substituir a vetusta taipa pelo tijolo, trocar o beiral aparente pela platibanda ornada. A metamorfose pressupunha romper os limites do sítio de fundação da urbe, transpor as várzeas que cercavam o Triângulo e irradiar a cidade sulcando as periferias com ruas, avenidas e construções, multiplicando a riqueza que circulava com a pujança proporcionada pela preciosa rubiácea. Num primeiro momento, a fixação da elite paulistana foi vencer as depressões: transpor ou urbanizar os vales. O eixo do Anhangabaú e a Várzea do Carmo eram as obsessões” (2000:15).

No final do século XIX apresentam-se as primeiras intenções de introdu-zir padrões de saneamento e embelezamento na transformação do território alagadiço da Várzea do Carmo em um grande jardim urbano. Pouco tempo depois a área era especulada para receber a “Exposição Continental”, o que culmina entre os anos 1910 e 1920 no projeto de Joseph Antoine Bouvard, inaugurado em 1992, o Parque Dom Pedro II, parte de um plano que tam-bém previa um parque para o vale do Anhangabaú e um “projeto de prolon-gamento da D. José de Barros, de maneira a formar uma artéria de grande circulação e uma entrada condigna no centro, partindo da situação atual das

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33CENTRO

estações ferroviárias”.

Estabelecia-se um eixo de crescimento a oeste à medida que o tecido urbano se expandia para além dos limites do triângulo histórico. Obras como o viaduto do Chá, o Teatro Municipal e a rua Barão de Itapetininga definiam o centro novo que se estabeleceu na margem oposta do vale do Anhangabaú. Paralelamente a essa tendência, bairros operários se estabeleciam do outro lado da colina e do rio Tamanduateí, ocupados pelas colônias de imigran-tes. Ao longo da orla ferroviária constituiu-se um arco desses bairros que se estendia da Lapa ao Ipiranga, englobando Barra Funda, Bom Retiro, Pari, Brás, Belém, Mooca e Cambuci. Margeando um centro fixado nas margens do Anhangabaú, concebia-se uma primeira periferia operária.

A implantação da ferrovia colocava um modelo que invertia a lógica da ocupação da cidade. O terreno plano e baixo da várzea do Tamanduateí, até então renegado pela expansão urbana, revela-se ideal para a implantação dessa infraestrutura e consequentemente da indústria. Do mesmo modo, é no entorno das estações da São Paulo Railway, ou Estrada de Ferro Santos--Jundiaí, inaugurada em 1867 que as colônias de imigrantes vão se instalar, sobretudo nas regiões do Brás e da Mooca. A ocupação de padrão periférico, que definirá o modelo de cidade dispersa, tem início no final dos anos 1920, na gestão Pires do Rio, que estabelece as premissas para a instalação de uma nova organização viária.

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36 TERRITÓRIOS DO PARQUE DOM PEDRO II

FÁBRICA

Na década de 1930, o crash da Bolsa de Valores de Nova York e posterior-mente a Segunda Guerra Mundial são responsáveis pela crise da economia cafeeira, que acumulava excedentes de uma superprodução ao mesmo tempo em que a população paulista ultrapassava 1 milhão de habitantes. A política econômica adotada a partir de então introduz uma industrialização voltada à substituição de importações, intensificando a paisagem industrial dos bairros periféricos. No plano urbano investe-se em infraestrutura rodoviária; como aponta Goulart:

“Prejudicado pelas dificuldades de importação, a partir de 1914, o sistema ferroviário estava quase estagnado, sem grandes possibilidades de expansão. A alternativa viável e modernizadora foi a da ampliação do sistema rodoviário. Em 1934, no Governo de Armando de Salles Olivei-ra foi criado o DER – Departamento de Estradas de Rodagem, que deu início aos projetos para construção de auto-estradas entre São Paulo e Santos [via Anchieta] e Campinas [via Anhaguera].”

Nesse sentido, durante a prefeitura de Francisco Prestes Maia, de 1938 a 1945, começa a ser praticado seu plano de avenidas desenvolvido com Ulhôa Cintra. Conclui-se a avenida Nove de Julho sobre o Ribeirão do Saracura e dá andamento às obras do primeiro anel perimetral com a construção das avenidas São Luís, Ipiranga, Mercúrio, Senador Queiroz, viaduto Dona Pau-lina e rua Dona Maria Paula (REIS FILHO, 2004:198).

A instalação da indústria automobilística, sobretudo no Grande ABC, e a

pags. anteriores:

(cima)Panorama da Cidade de São Paulo

Arnaud Julien Pallière1821

[ao centro, Ladeira do Carmo, atual av. Rangel Pestana]

Vista da colina histórica(baixo)2013

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37CENTRO

substituição dos bondes elétricos pelas linhas de ônibus aprofundam o inves-timento em infraestrutura rodoviária, como aponta Wilheim

“Convém estabelecer a relação entre o planejamento viário que caracte-rizou o urbanismo local até 1960 e a demanda para implantação das redes e serviços. Embora o transporte coletivo sempre estivesse presente nas cuidadas perspectivas aquareladas de Prestes Maia, bem representa-do por bondes elétricos, o início da fabricação nacional de automóveis, caminhões e ônibus, na década de 1950, acarretou uma alteração nos conceitos e prioridades viárias a favor dos veículos sobre rodas e, especial-mente, do automóvel privado como fator determinante” (WILHEIM, 2011:50).

Na mesma época o urbanista norteamericano Robert Moses elabora o relatório que introduz os instrumentos de zoneamento e setorialização no planejamento de São Paulo, política urbana que, associada ao rodoviarismo, contribui para o espraiamento da mancha urbana e consolidação do padrão disperso de cidade.

VIADUTO

Seguindo o plano de avenidas de Prestes Maia, nos anos 1960 foi com-pletada a segunda perimetral do sistema radiocêntrico, com a avenida Ama-ral Gurgel, a praça Roosevelt, o viaduto Júlio de Mesquita, a Radial Leste – Oeste e o conjunto de viadutos do Parque Dom Pedro II. A expansão da atividade industrial define um processo de conurbação e espraiamento da mancha urbana, a partir da instalação de novas plantas como já citado no

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Grande ABC, mas também para outras regiões da metrópole como Osasco, Guarulhos e Santo Amaro, e inclusive para fora da região metropolitana, como o vale do Paraíba e as refinarias de Paulínia e Cubatão. Esse movimen-to industrial determina uma cidade horizontal e rarefeita. No caso do ABC, particularmente São Caetano, Santo André e Mauá, a ocupação fabril obede-ce à mesma lógica que guiou a implantação da indústria na virada do século – terrenos planos ao longo dos vale do Tamanduateí, compondo a extensão da mesma orla ferroviária. Como aponta Meyer e Grostein,

“a dinâmica territorial da metrópole altera-se significativamente pela conjugação da instalação de indústrias relacionadas com o setor auto-motivo na região do ABC paulista – Santo André, São Caetano do Sul e São Bernardo do Campo – , com a mudança na escala das demandas habitacionais para o assentamento de expressivos contingentes de traba-lhadores atraídos pela oferta de empregos na metrópole” (2010:36-7).

A manutenção da política rodoviarista encontra no mito da construção de São Paulo como “Metrópole Nacional, Industrial e Terciária” e no discur-so do milagre econômico uma abertura para grandes obras viárias. Desen-volve-se na época a construção da maior parte dos viadutos que hoje cruzam a Várzea do Carmo – Diário Popular, 25 de Março, Antônio Nakashima, Mercúrio, 31 de Março e Governador Sodré, projeto do escritório Aflalo e Gasperini. Data do mesmo período outros empreendimentos viários de semelhante porte, como o Complexo Viário Heróis de 32 [Cebolão], projeto de Ubirajara Ribeiro, e o Elevado Costa e Silva [Minhocão]. Na virada para os anos 1980, a implantação de trecho aéreo da linha Leste – Oeste do Metrô somar-se-á às estruturas que cruzam e fragmentam a Várzea do Carmo.

próxima pág:

Refinaria do Capuava ABC Paulista

24.out.2013 01h

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40 TERRITÓRIOS DO PARQUE DOM PEDRO II

Essa prática projetual colocava o centro histórico como ponto nodal de um sistema de macroacessibilidade que servia a atender a própria dimensão metropolitana que criara. Em contrapartida, fica prejudicada a microacessi-bilidade à região central daqueles bairros que não constituem nem o centro nem as novas periferias da metrópole, ou seja, o mesmo arco ferroviário – in-dustrial que vai da Lapa ao Ipiranga. A mesma lógica que definia a periferia, a borda do centro na virada do século, reforça-se agora pelas manifestações mais artificiais que naturais – se antes o rio em meandros e a várzea inunda-da definiam uma barreira natural para a expansão da cidade a leste, agora o rio já canalizado, sua avenidas marginais, a ferrovia e os espaços intersticiais entre essas linhas representam a afirmação dessa barreira em nível local. À medida que as infraestruturas de transporte vencem e transpõem os limites físicos em uma escala maior, definem novos obstáculos para a mobilidade em uma escala menor.

REQUALIFICAÇÃO

Se nem a economia industrial representou uma concentração ou a centralização das atividades urbanas, também a atividade terciária, de forma orgânica e natural, não é de todo modo a responsável pela descentralização, dispersão ou fragmentação do território urbano. As atividades terciárias sem-pre ocuparam as centralidades, acompanhando o deslocamento desse centro a partir da região da Sé, que como aponta Meyer e Grostein:

“dirigiu-se, no final dos anos 50 e durante os anos 60, para região da avenida Paulista, e caminhou, na década de 1970, para o sudoeste, consolidando novos setores, tais como, a avenida Faria Lima e a região

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do Itaim, alcançando as avenidas marginais ao rio Pinheiros, e as regiões das avenidas Luís Carlos Berrini e Verbo Divino, nos anos 80 e 90” (2004:184).

“No nível da estrutura intra-urbana, a cidade de São Paulo tem se tor-nado cada vez mais dual: os investimentos pontuais em infra-estrutura de ponta, como telecomunicações, têm alternado o mapa de valor dos di-versos distritos, privilegiando aqueles nos quais se localizam as atividades inseridas nas transações internacionais, em detrimento das áreas perifé-ricas essencialmente ocupadas por habitação de baixa renda. A crescente dualidade também pode ser mensurada pelo aumento das disparidades socioeconômicas intra-urbanas, agravando-se as carências sociais, e pelo expressivo aumento de favelas e cortiços. Como consequência o aumento da violência urbana e a generalização da exclusão social dos que têm me-nor renda e/ou baixa qualificação profissional tornam-se cada dia mais visíveis” (SCHIFFER, 2004:190-1).

O progressivo êxodo do centro econômico e financeiro é colocado como relacionado ao processo de deterioração e degradação do centro histórico. A Associação Viva o Centro, think tank que representa principalmente catego-rias do setor terciário globalizado (bancos, bolsas, hotéis e restaurantes) e que têm o centro histórico como território estratégico de investimentos, tende a apontar as atividades informais como atores de um processo de deteriora-ção desses espaços centrais. Como a própria associação aponta, “o comércio informal dos camelôs é um poderoso fator de degradação da paisagem, de enfraquecimento do comércio estabelecido e de deterioração da qualidade urbana e de vida da região central” (1996:10).

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Por sua vez, apresenta-se como solução o estriamento dessa atividade informal, “organizando em estruturas de comercialização tipo shopping populares, construídas em parcerias com o poder público e gerenciada pela iniciativa privada ou pelos próprios camelôs organizados em microempresas ou cooperativas”. Em documento para a mesma associação, Marta Grostein aponta a modernização dos equipamentos existentes no Centro como forma de

“atrair um público diferenciado (...) colocando o Centro em condições de receber atividades culturais e de lazer diversificados, permitir a volta de atividades mais sofisticadas, equipar-se para receber empresários para encontros, palestras, e principalmente garantir qualidade aos espaços públicos” (ASSOCIAÇÃO VIVA O CENTRO, 1995:10).

Uma primeira causa para o esvaziamento das elites do Centro foi a políti-ca restritiva de construção naquela região a partir da legislação estipulada em 1957 que limitou os coeficientes de aproveitamento e o uso do solo (KARA JOSÉ, 2010:22). A própria condição do centro de ponto nodal do transporte público também facilitou a apropriação do centro pela camadas populares, atraída sobretudo pela atividade comercial popular, quadro que até hoje é ex-presso na figura da região das ruas 25 de Março, Florêncio de Abreu e Paula Souza.

Beatriz Kara, 2010 aponta em sua tese que essa visão da degradação e de-terioração do Centro é explorada como ferramenta ideológica que justifica os planos de revitalização e requalificação. Para Kara, o Centro não foi alvo de um processo de deterioração, mas de popularização, à medida que o êxodo

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das atividades formais e o consequente vazio, tanto das construções quanto das políticas públicas, abrem espaço para a ocupação, surgimento e cresci-mento de cortiços, situação de rua, da mesma forma que a presença popular potencializa o comércio ambulante.

O esvaziamento do centro pela elite e pelo setor terciário e sua conse-quente ocupação por atividades populares ocorre paralela e concomitan-temente a um processo de expansão centrípeta da cidade, agenciado tanto pelos mais pobres, que ocupam periferias carentes de infraestrutura e equi-pamentos, quanto pelos mais ricos que se fixam em enclaves tipo condomí-nios fechados. Por sua vez, esse movimento é apontado como resultado da omissão do poder público. Esse padrão periférico de crescimento é uma outra face do esvaziamento do centro histórico, em primeiro lugar pelos setores dominantes, em seguida pelo próprio Estado – um abandono demográfico e político que gera uma situação contraditória posto que esse movimento ocorre em uma região dotada de infraestrutura e acesso.

Essa contradição se intensifica tendo em vista que o tratamento dos espaços públicos também é diferenciado à medida que a centralidade terciária se desloca a sudoeste; como aponta Rolnik, “pode-se afirmar, generalizando, que, do Centro Histórico à região da Paulista e dali para a Faria Lima – Ber-rini, trata-se de uma história de perda progressiva de qualidade urbanística. Dos jardins e boulevards de Bouvard, ou calçadas de 15 metros e mistura de usos da Paulista, aos 90 centímetros de calçada e monofuncionalidade da Berrini, ganharam o automóvel e a primazia do privado, perderam o pedestre e a dimensão pública do espaço urbano” (ROLNIK, 2003: 65).

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Seguindo a tendência de revitalização e requalificação, uma série de planos e operações são propostas como medida de reversão do processo de abandono do Centro: Cura Brás-Bresser [1979], Operação Urbana Anhanga-baú [1991], Operação Urbana Centro [1997], Operações Urbanas Diagonais Norte e Sul [2002], Nova Luz [2005], et c. Reconhecendo como patológicas as medidas tomadas no período anterior, baseadas em intervenções de escala metropolitana, os projetos dessa etapa pautam-se pela recuperação, revita-lização e requalificação dos espaços centrais. Data dessa época a iniciativa de mudar a sede do poder municipal do Ibirapuera para o centro; primeira-mente para o Palácio das Indústrias, no Parque Dom Pedro II [1994-2004] e em seguida para o Edifício Matarazzo, no Anhangabaú. No conjunto de práticas de revitalização somam-se ainda o restauro da Casa das Retortas e do Mercado Municipal, no entorno do Parque Dom Pedro II, todo o projeto do Pólo Luz Cultural [que resultou no Museu da Língua Portuguesa, reforma do edifício da Pinacoteca do Estado, além do futuro projeto para a Sala de Dança, de Herzog e de Meuron], projeto para o Vale do Anhangabaú, além dos próprios projetos para o Parque Dom Pedro II, de Raymundo de Pascoal e José Paulo de Bem na virada dos anos 80 para os 90 e mais atual, o projeto dos escritórios UNA e H+F.

Meyer destaca a intervenção na região da Luz como potencial “paradig-ma de intervenção integradora e polarizadora, sobretudo pela importante perspectiva que sua realização abre para toda a Orla Ferroviária, e que hoje se apresenta como conjunto de espaços mais estratégicos para a requalificação urbana”. Como medida adotada, destaca a função nodal e polarizadora da estação da Luz como elemento articulador de um sistema de mobilidade es-truturado em rede (2004:164). Aponta também o território da orla ferroviá-

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ria e industrial como “espaço estratégico para projetos urbanos de abrangên-cia contemporânea”, que “nasce da concomitância temporal e espacial entre a superação de sua função atual ou passada e as perspectivas que ele oferece para novos projetos que deverão criar melhores soluções e qualidade urbana”.

Com um foco de produção de conhecimento sobre a cidade voltado para as questões metropolitanas e para os locais da cidade, perde-se a referência ou o fio da meada do processo de abandono por parte das políticas públicas da região central em sua escala local, aqui, em especial, a região do Parque Dom Pedro II: a transformação espacial é sensível, entretanto não produz uma consistente reflexão teórica. Tal processo se intensificava enquanto as iniciativas pública e privada buscavam uma solução projetual que revertesse o processo da dita deterioração sem atingir sua causa primordial, até porque a identificação dessas condicionantes não parece estar ao alcance da produção de conhecimento sobre a cidade, de modo que a solução tomada é sempre a introdução de intervenções pontuais nesse tecido que se pretende requalificar. Note-se que tal prática atravessa os diversos espectros políticos que passaram pela gestão municipal desde a reabertura política, fosse os projetos de revitali-zação dos espaços públicos do Centro na gestão Erundina, o desproporcional Maharishi Tower, empreendimento imobiliário que teve o amparo da gestão Pitta ou a recente proposta para o Parque Dom Pedro II que se sustenta na parceria com o SESC-SENAC, apresentada na gestão Kassab.

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EVOLUÇÃO DA MANCHA URBANA

1881 1914

1930 1952

CESAD/ EMPLASA

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5 0 10 km

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EVOLUÇÃO DA MANCHA URBANA

1962 1972

1983 2001

CESAD/ EMPLASA

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DINÂMICAS

Desenvolvendo uma crítica ao método psicanalítico de Freud, Félix Guattari levanta as seguintes questões

“Como se operam as modificações de um modo de pensamento, de uma aptidão para apreender o mundo circundante em plena mutação? Como mudar as representações desse mundo exterior, ele mesmo em processo de mudança? (...) As convulsões contemporâneas exigem, sem dúvida, uma modelização mais voltada para o futuro e a emergência de novas práticas sociais e estéticas em todos os domínios” (2012:22).

Uma reflexão sobre os modos de pensar cabe também à produção de co-nhecimento sobre a cidade. O montante de teorias sobre a cidade contempo-rânea aponta para a incerteza dos rumos urbanos, de modo que uma situação tão anormal quanto patológica como tem se tornado o Parque Dom Pedro II foge de qualquer teoria ou experiência. O território do Parque em seu estado anómalo hoje se constitui de dívidas, consequência de problemas não resol-vidos ou até intensificados no passado, como a negligência com a escala do pedestre e o tratamento da escala intermediária no nível do solo. Constiui-se também de dúvidas, decorrentes das transformações e incertezas da passagem para a cidade contemporânea, as novas potencialidades a se entender e a se explorar, que surgem desses espaços mais obscuros a espera de uma reorgani-zação, de um devir.

A condição de vazio do Parque Dom Pedro II é expressão do conceito de terrain vague que Sola Morales desenvolve:

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“Estes lugares estranhos existem a parte dos circuitos efetivos da cidade e de suas estruturas produtivas. Do ponto de vista econômico, áreas in-dustriais, estações de trem, portos, bairros residenciais de risco, e lugares contaminados estão onde a cidade não mais está. Margens não incor-poradas, ilhas com interiores ausentes de atividades, fracassos, são áreas não-habitadas, não-seguras, não-produtivas.”

A atual composição morfológica do Parque Dom Pedro II define duas cidades, duas estruturas claramente distintas – uma cidade formal na qual se definem as conexões urbanas metropolitanas de mobilidade, cidade aérea, do trânsito e da velocidade desenhada por viadutos que servem ao transpor-te individual privado, as linhas de ônibus, ao metrô, e mesmo as passarelas que se prestam a interligar o pedestre-passageiro aos terminais; e uma cidade informal no [sub]solo dessa estrutura formal aérea, portanto um verdadeiro underground, sítio dos “atores sociais problemáticos” (KARA JOSÉ,2010:31), o morador de rua, o ambulante, o pixador. Se a parte definida pela cidade formal é a-significada pelo trânsito, pela velocidade e pela congestão na qual o indivíduo assume o papel de passageiro, a cidade informal, constituída no solo é, por usa vez, a-significada pela ausência, pelo vazio puro, pela falta da experiência e da prática cotidiana.

Esses fragmentos de informalidade decorrem da negligência com esse espaço e sua escala; é resultado do esvaziamento de práticas e políticas forma-lizantes, que, no entanto, em escala mais abrangente constituem a cidade for-mal. Caracteriza-se, assim, uma ilha de informalidade incrustrada no tecido central e formal da cidade – um buraco negro ou um arquivo corrompido na constituição da complexidade de todo um sistema urbano.

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RIZOMAS

Cabe ao entendimento das dinâmicas que constituem esses territórios algumas figuras conceituais que emergem dos campos mais teóricos da filo-sofia, e que começam a ser empregados na análise das cidades tendo em vista que a ciência urbana encontra-se limitada em seus modelos e ferramentas tradicionais para entender os fenômenos complexos da contemporaneidade, como se tornou o parque Dom Pedro II.

Gilles Deleuze coloca que o papel do filósofo é criar conceitos. Espaço Liso e Espaço Estriado – “o espaço nômade e o espaço sedentário”, ou “o espaço onde se desenvolve a máquina de guerra ou o espaço instituído pelo aparelho do Estado” (DELEUZE e GUATTARI, 2009:179) são figuras conceituais desenvolvidas por Deleuze e Félix Guattari que servem a análise e compreensão de territórios – ideia tanto quanto genérica que passa a ser apropriada por outras disciplinas. Tomando tais conceitos para a análise dos espaços do Parque Dom Pedro II, a característica desse território de infor-malidades imbricado na constituição da cidade formal pode ser representada pela figura de um espaço liso na estrutura de um espaço estriado.

“Mas, justamente, o que nos interessa são as passagens e as combinações, nas operações de estriagem, de alisamento. Como o espaço é constante-mente estriado sob a coação de forças que nele se exercem; mas também como ele desenvolve outras forças e secreta novos espaços lisos através da estriagem. Mesmo a cidade mais estriada secreta espaços lisos: habitar a cidade como nômade, ou troglodita. Às vezes bastam movimentos, de velocidade ou de lentidão, para recriar um espaço liso” (ibid.:214) .

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No capítulo em que desenvolvem essas ideias [1440 – o Liso e o Estria-do], Deleuze e Guattari se valem de diversas analogias e figuras conceituais a partir de diferentes prismas – modelo tecnológico, musical, marítimo, matemático, físico, estético. Dos modelos tecnológicos, o patchwork é a que melhor representa a condição do Parque Dom Pedro II.

“O espaço liso do patchwork mostra bastante bem que “liso” não quer dizer homogêneo; ao contrário, é um espaço amorfo, informal...” (ibid.:182).

Como já foi colocado, o Parque Dom Pedro II constitui-se de um espaço fragmentado e heterogêneo. Essa situação condicionada pelas infraestrutu-ras de transporte que cruzam ar e solo e pelo próprio desenho projetado e executado de grades, trechos e passagens definem esse amontado de retalhos a espera de uma costura, espacial e semântica, a se dar por rizoma.

Como espaço liso, as atividades dadas nesse território são subordinadas ao trajeto, característica de qualquer prática nômade – o comércio ambulan-te, o pixador, mas principalmente o trajeto do morador de rua. Sem raízes que o prenda a terra nem pontos que definam seu percurso, o morador de rua que ocupa o Parque Dom Pedro II fica em constante devir; “a terra deixa de ser terra, e tende a tornar-se simples solo ou suporte” (ibid.:53).

A arquitetura-não-arquitetura que constitui os abrigos dos sem-teto a partir de materiais efêmeros, como o papelão ou o feltro dos cobertores aban-donados no trajeto, faz a metáfora do tecido-não-tecido, o próprio feltro que Deleuze e Guattari utilizam como figura conceitual para definir o espaço liso

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(ibid.:181). Paola Jacques (2011) traça um paralelo semelhante ao apontar a constituição da forma da favela a partir da fragmentação. Lançar o olhar a essa construção, sempre mutante e inacabada, revela uma complexidade atingida a partir da dimensão temporal. Só na condição de uma estrutura in-completa, efêmera é que esse nomadismo pode continuar a fazer rizoma, pela multiplicação dessa linha de fuga, de desterritorialização, deixando-se aberto a possibilidades. “Para o nômade (...) é a desterritorialização que constitui sua relação com a terra, por isso ele se reterritorializa na própria desterritoria-lização”. (DELEUZE e GUATTARI, 2009:53). “O nômade se distribui num espaço liso, ele ocupa, habita, mantém esse espaço, e aí reside seu princípio territorial” (ibid.:52).

Por ser livre de pontos, partindo de um trajeto livre, o nômade desterri-toralizado cria rizomas, estrutura que destitui a ordem e a hierarquia. Como dinâmica que acontece e define o espaço liso, o rizoma é múltiplo e heterogê-neo. Dessa forma, o morador de rua, e mesmo o pixador e o artista urbano, que Deleuze e Guattari definiriam como “rizoma americano: beatnik, under-ground, subterrâneos, bandos e gangues” em momento algum buscam cons-tituir um organismo ou uma organização; sua atividade cobre a superfície do espaço de maneira múltipla, negando inclusive a genealogia e a hierarquia.

“1º e 2º - Princípios de conexão e de heterogeneidade: qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo” (id., 2008:15)

“3º - Princípio de multiplicidade: é somente quando o múltiplo é efeti-vamente tratado como substantivo, multiplicidade, que ele não tem mais

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nenhuma relação com o uno como sujeito ou como objeto, como realidade natural ou espiritual, como imagem e mundo” (ibid.:16).

“4º- Princípio de ruptura a-significante: contra cortes demasiado signifi-cantes que separam as estruturas, ou que atravessam uma estrutura. Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas” (ibid.:18).

“5º. e 6º. – Princípio de cartografia e decalcomania: um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou generativo. Ele é estranho a qualquer ideia de eixo genético ou de estrutura profunda”.(ibid.:21).

Enquanto espaço liso, os territórios do Parque Dom Pedro II são poten-cialmente lugar da heterogeneidade, espaço de “atos muito diversos, linguís-ticos, mas também perceptivos, mímicos, gestuais, cogitativos”. As atividades nesses espaços são sempre horizontais, superficiais, e não apresentam uma de-terminada origem – apenas existem. O que atrai nos espaços do Parque Dom Pedro II é justamente a ausência de uma força gravitacional, de um ponto focal. O caráter estriador da lógica que opera a totalidade desses espaços impede essa apropriação, seja pela ausência de políticas efetivas para aqueles espaços, seja pela ideologia ou mito criado ao redor da própria marginalidade daqueles territórios, de modo que apenas as atividades marginalizadas atuem dentro dessa possibilidade de conectividades e heterogeneidades. A mesma ausência ou suposto abandono que afasta o convívio e a experiência daquele espaço determina o território de potencialidades que é adotado pela mar-

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ginalidade. Aparentemente paradoxal, essa lógica faz sentido na óptica das máquinas de guerra contra os aparelhos de Estado.

Assim como heterogêneo, o rizoma é múltiplo. A situação de rua, a pixa-ção ou o comércio ambulante são múltiplos. Não existe unidade estruturado-ra ou hierarquizante a priori na situação de rua; os moradores não definem um corpo ou organismo uno. “Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas somente determinações, grandezas, dimensões que não po-dem crescer sem que mude de natureza” (ibid.:16). Essas “multiplicidades se definem pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou de desterritorialização segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às outras”.

A característica dos territórios do Parque Dom Pedro II de espaço inters-ticial define aquela área como meio, sem começo nem fim, que independe de genealogia. Assim são as dinâmicas que ocupam e definem esses espaços – não importa a origem do pixador ou do morador de rua. Negam a unidade e a hierarquia pela negação da gênese.

Esses nomadismos rizomáticos produzem a lógica do mapa, entendido como figura que aceita diversas entradas e saídas, em oposição ao decalque que reproduz a imagem de um modelo, algo como um raciocíno de inputs e outputs, a volta sempre “ao mesmo”. De modo que o mapa é uma figura muito mais útil à compreensão das dinâmicas complexas que compõem o Parque Dom Pedro II, a cidade e a sociedade contemporâneas, que tendo se destacado das dicotomias da cidade moderna, sua racionalidade de causas e consequências, é hoje formada por infinitos atores, um campo de múltiplas entradas.

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“É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade. Entre as coisas não designa uma correlação loca-lizável que vai de uma para outra reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocida-de no meio” (ibid.:37).

Com um olhar voltado à favela carioca, Paola Jacques conclui que “a diferença, portanto, entre os territórios urbanos das cidades convencionais e as ocupações ‘selvagens’ dos terrenos (...) é o caráter móvel das linhas de fuga, a desterritorialização” (2011:146). Entendendo que essa dinâmica é potencializada no espaço liso e no caso do Parque Dom Pedro II é posta em prática pelas atividades nômades, decorre que cabe a esse território em estudo a ideia de metaterritorialidade, “território onde desterritorializações – desvios e fugas, rupturas e misturas – se efetuam” (SALES, 2012:67). Como espaço da desterritorialização, os fragmentos do Parque Dom Pedro II assumem tendência a não-codificação, estabelecendo-se como “grau zero” de projeto.

O MASP, figura modelo do conceito de terreiro, grau zero para Pedro Sales, é igualmente um espaço aberto. Não é, entretanto um espaço residual, mas projetado, previsto. O Parque Dom Pedro II, como já foi explorado ao longo deste texto, é um espaço residual, um interstício na escala intermediá-ria entre o local e o metropolitano que não foi tratado no projeto da cidade. Até o momento em que a cidade não estria a totalidade do Parque Dom Pe-dro II ou suas existências internas, seja pela presença do Estado ou qualquer outra força territorializadora, esses espaços, esses fragmentos são potenciais terreiros, na concepção de Sales, “terra de ninguém – não tem dono e não

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tem forma acabada – e terra de todos – usufruída de modo coletivo e contin-gente”.

“Espaço-esboço, sóbrio, carente de composição estável ou significado a priori, seu grau de ordem é mínimo. Dotada de capacidade transdutora entre o público e o privado, o sagrado e o profano, o exterior e o interior, o aberto e o construído, e descarregada da conotação rural (produtiva e festeira) ou sacra (oficial ou clandestina, arcaizante ou mítica), tal matéria (ou melhor, material) admitiria uma nova acepção ou atuali-zação urbana? Não parece só que sim, mas que cabe expandi-la sintática e pragmaticamente, isto é, como condição de possibilidade construtiva e programática” (SALES, 2010:16).

A partir dessa ideia, os territórios supostamente abandonados do Parque Dom Pedro II configuram uma complexidade que potencializa intervenções a partir da imprevisibilidade e possibilidade de apropriações em potencial.

RAÍZES

Em contraposição a essa dinâmica rizomática, pontua-se no espaço ver-dadeiros aparelhos do Estado que por sua vez definem territorializações. Em sua origem, o Parque Dom Pedro II é estriado pela própria função operadora do espaço, por seus bulevares e edifícios, que por sua vez organizava o espaço aberto que era a Várzea do Carmo. A desativação do Parque Shanghai e a construção dos viadutos entre os anos 1960 e 1970 definem um movimento de retorno à condição de lisura daquele espaço.

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Se no microcosmo dos espaços lisos o morador-de-rua-rizoma atua como intermezzo, em constante trajeto, a partir da instalação de um equipamento, como as tendas de assistência social, esse nomadismo encontra um ponto--fim. Em torno desse equipamento se registrarão movimentos de estriamento – apropriação e enraizamento na terra, ainda que temporário. Ao dia 2 de outubro de 2013 a praça da Sé era palco de ação da prefeitura, concomitan-temente de limpeza urbana e assistência social, desestabilizando a dinâmica do moradores de rua daquele espaço. De imediato, estabeleceu-se um fluxo desses moradores para o Espaço de Convivência Jardim da Vida – Dom Lu-ciano de Almeida / Tenda Parque Dom Pedro II, equipamento municipal de serviço social desativado em julho deste mesmo ano, cuja funcionalidade tão somente se restringia, naquele momento, a indicar a esses moradores outros equipamentos de acolhida. Situa-se em espaço residual sob os viadutos An-tônio Nakashima e 25 de Março, limitado pela Avenida do Estado, ou seja, entre as regiões do Glicério, da Praça da Sé e do próprio Parque Dom Pedro II, estrategicamente entrincheirado e escondido entre os dois viadutos.

Fato é que a tenda, como aparelho do Estado, interfere integralmente na dinâmica nômade daqueles moradores – se o próprio ethos nômade do mo-rador de rua o coloca num constante porvir, esse nomadismo é sedentarizado por esse equipamento de assistência. A dinâmica que então era o intermezzo passa a ter um ponto fim. O trajeto que condicionava as paragens passa a ser condicionado por esse ponto. Ainda que o morador de rua temporariamen-te o abandone, é sempre um ponto de retorno. A tenda define um vetor de estriamento da dinâmica nômade dos moradores de rua.

Num segundo momento, tive a experiência de outro desses aparelhos

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tipo centro de convivência – a tenda da Mooca. À medida que a tenda do Parque Dom Pedro II foi desativada, os trabalhos realizados ali, funcionários inclusive, foram movidos para essa tenda da Mooca. Essa experiência revela uma atividade de territorialização e estriamento intensa e marcante. A ideia de apropriação desses espaços e desses instrumentos chega ao ponto de um grupo de usuários não aceitar em seu território usuário de outra tenda. A noção de apropriação passa, então, à imagem da propriedade, entorno da qual o nomadismo, múltiplo e heterogêneo, passa a constituir a unidade, a hierarquia, a figura conceitual da raiz arborescente.

“A noção de unidade aparece unicamente quando se produz numa multi-plicidade uma tomada de poder pelo significante ou um processo corres-pondente de subjetivação...” (DELEUZE e GUATTARI, 2008:17).

Assim, a integração daqueles que vinham ocupar a tenda da Mooca na condição de usuários da tenda do Parque Dom Pedro II só é aceita a partir da intervenção e mediação dos próprios funcionários, que por sua vez vinham do Parque Dom Pedro II e já estabeleciam uma relação com aqueles que agora chegavam.

A biqueira, o ponto de tráfico de drogas é outro equipamento, porém em posição oposta à do Estado, ou talvez na constituição de um microEstado, de uma práxis e uma lei próprios, que também revela um movimento de terri-torialização. Em uma das experiências no Parque, enquanto fazia registros fotográficos sob o viaduto Mercúrio, fui interpelado por um morador que me advertia de que ali era uma biqueira, que eu não poderia fazer aquele tipo de registro sem a permissão do dono da boca, que essa autorização provavelmen-

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te seria possível mediante a um pagamento e que ela poderia intermediar essa negociação. O que até então parecia um terreno liso e inoperado, revelou-se territorializado em alguma medida, ainda que os limites desse território não se expusessem claramente.

“É nesse sentido que a réplica do Estado consiste em estriar o espaço, contra tudo o que ameaça transbordá-lo. O Estado não se apropriou da própria máquina de guerra sem dar-lhe a forma do movimento relativo: por exemplo, com o modelo fortaleza como regulador de movimento, e que foi precisamente o obstáculo dos nômades, o escolho e a paragem onde vinha quebrar-se o movimento turbilhonar absoluto. Inversamente, quando um Estado não chega a estriar seu espaço interior ou vizinho, os fluxos que o atravessam adquirem necessariamente o aspecto de uma má-quina de guerra dirigida contra ele, desenrolada num espaço liso hostil ou rebelde (mesmo se outros Estados podem introduzir aí suas estrias)”.(id., 2009:60-1)

Essa figura territorializante mostra-se ainda mais abstrata e contraditória posto que naquelas imediações está instalada a Escola Estadual São Paulo, que, embora apresente um limite bem definido a partir da materialidade dos edifícios, tem também um território extensivo dado pela ocupação de um espaço aberto pelos estudantes quando não estão em aula. Essa coexistência define um interstício ou um limite mutante entre esses dois territórios, que se define basicamente pela intensidade do uso – o território da escola deve retrair-se enquanto os estudantes estão em aula e deve se expandir à medi-da que saem para o intervalo – da mesma forma, seu território se anula nos

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finais de semana, quando esse tipo de uso também é nulo.

A coexistência entre território da escola e território da boca-de-fumo evi-dencia uma complexidade espacial de aspecto topológico. Como na garrafa de Klein ou na fita de Moebius, não existe uma definição de dentro e fora. Tudo é interstício, tudo é intermezzo, nos termos de Deleuze e Guattari. Essa complexidade torna-se mais intensa e até contraditória abstraindo-se os símbolos dessas duas entidades – a biqueira como máxima representação da marginalidade, do ilícito, do obscuro; a escola como imagem da estrutura formal, da hierarquia, do apolíneo.

O que parece tornar o Parque Dom Pedro II uma situação tão única e incompreensível é ser um espaço liso dentro de um espaço estriado. É um terreno abandonado incrustrado na malha urbana. Outras referências de território liso parecem sofrer dessa mesma contradição a certa escala – o mar, além de estriado pelas coordenadas geográficas, é limitado pelos territórios costeiros, colocando limite ao que convém ser chamado de “águas interna-cionais”, da mesma forma, em maior ou menor medida se dá nos desertos e na Antártida. Por outro lado, no nomadismo que define os devires dessas práticas (sobretudo no morador de rua, que não desliga seu nomadismo) toda experiência urbana é nômade, sendo os espaços lisos ou estriados. Além disso, a experiência desses nômades no além-parque se dá, sobretudo à noite, enquanto as forças organizadoras do espaço, polícia, seguranças particulares e a própria ordem invisível da cidade, se desligam, definindo uma etapa de maior lisura. Fora dos limites do Parque, o Estado define, controla e limita as velocidades, os fluxos e os movimentos, de ponto-a-ponto. Assim, se o espaço liso “é uma distribuição muito especial, sem partilha, num espaço

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sem fronteiras, não cercado”, no caso do Parque Dom Pedro II essa diferença de tratamento das escalas acabou por definir um território que potencializa práticas rizomáticas delimitado por um espaço estriado. É concomitante e contraditoriamente “estriado, por muros, cercados e caminhos entre os cer-cados” e “liso, marcado apenas por ‘traços’ que se apagam e se deslocam com o trajeto” (ibid.:52). Embora seu espaço interno seja difuso, seu território apresenta claramente linhas de entrada e saída; de tal modo que nem mesmo parece possível abarcar a totalidade do Parque Dom Pedro II. É uma mul-tiplicidade de fragmentos, mas que de nenhuma maneira define um uno. A menos, é claro, se for definido pela ausência, pelo contraste que marca frente à formalidade de outras quadras.

TERRITÓRIO[S]

Embora os fragmentos do Parque Dom Pedro II possam ser definidos como espaços lisos, rizomáticos e desterritorializados, uma outra realidade é apreendida à medida que se analisa a completude do que se convencionou chamar Parque Dom Pedro II. Essa pretensa totalidade só é abarcada to-mando como parâmetro a massa construída do tecido urbano. Um mapa de cheios e vazios, como o elaborado por Giambattista Nolli no século XVIII, ou de espaços públicos e privados, ou espaços opacos e atravessáveis, daria a dimensão de alguma totalidade do território do Parque Dom Pedro II, sempre em oposição dicotômica às formas construídas da cidade formal. À medida que se distingue nessa representação as infraestruturas viárias, em nível ou elevadas, a fissura longitudinal do rio, as grades e os acessos a esses espaços, revela-se um espaço fragmentado, que na escala do pedestre, isto é, na escala da experiência e da percepção urbana, dificilmente é abarcado

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como um todo. Imprimindo ainda a essa representação tantas outras quanti-ficações, como índices de velocidade dos pedestres, dos carros, dos ônibus e do metrô ou as linhas de fluxo desses trânsitos, fica mais claro o alto grau de fragmentação que cobre esse território. A questão de totalidade e fragmenta-ção também é explorada por Pedro Sales em outro texto:

“Algo de parecido poderia se dar com a cidade contemporânea e seus materiais: ‘suscetíveis à repetição, à conexão e composição (e, para usar os termos deste ensaio, ao entrecruzamento e à implicação recíproca) os fragmentos da cidade contemporânea’ constituem os materiais urbano--territoriais de um sistema aberto: ‘alguns se sobrepõem e se encaixam uns aos outros até perder a própria identidade, outros se aproximam, outros guardam grandes distâncias recíprocas’ ” (SALES, 2007).

Todavia, as dinâmicas rizomáticas e nômades cobrem os diferentes es-paços independente da fragmentação – acampamentos de moradores de rua ocupam tanto a praça de acesso ao metrô Pedro II, quanto as beiras do viadu-to Diário Popular, tanto os canteiros centrais da avenida do Estado e margens do rio Tamanduateí quanto os espaços gradeados que se propõem, de fato, como parque. Do mesmo modo, essas linhas de fuga não se apropriam dos espaços abertos operados, os terminais Mercado e Parque Dom Pedro II e o Espaço Catavento, a proximidade dos espaços comerciais em horário de atividade. Não existe brecha, interstício que permita mutualidade; a lógica da cidade formal, estriada, domina e reprime o potencial de metaterritorialidade desses espaços lisos delimitando claramente o dentro e o fora desses territó-rios.

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Essa tendência de isolamento, levada à etimologia do termo, define um arquipélago que, ainda fragmentado, mantêm pela própria cultura e imagem urbana algum nível de coesão. Posto dessa forma, o trabalho do gravurista Paulo Camillo Penna que cobre esse território representa o sentido de uma cidade configurada e cindida no Pélago – Tamanduateí. A intervenção artís-tica abre uma via de apropriação e experiência desses espaços ampliando a possiblidade e a potencialidade de devires e viveres.

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CORPO

ESPETÁCULO

O modelo de cidade que vem sendo reproduzido em São Paulo aponta sempre para uma direção de estriamento. Se na virada dos anos 1950 para os 1960 Guy Debord e os situacionistas contestavam o caráter alienante da cidade moderna e Jane Jacobs propunha espaços mais gentis para a escala do pedestre, o destino das cidades consolidou a espetacularização e a megaescala como imperativos do projeto urbano. Agora na contemporaneidade, uma parcela importante da produção arquitetônica é agenciada a fim de criar imagens de uma cidade global, simulacros de qualidade urbana, verdadeiros espetáculos.

“O renovado interesse pelas cidades, que marcou a passagem do século XX para o XXI, parece ser antes de mais nada resultado de estratégicas alianças do estado com o mercado no sentido de capturar e sobre-codificar o urbano mediante a criação de atrativos culturais como formas de reali-zação de ativos comerciais” (SALES, 2010:6).

O pastiche jocoso herdado dos arquitetos pós-modernos enfeita os edi-fícios bege de uma São Paulo que se pretende global, assumindo a posição colonial de reproduzir a imagem da metrópole. Assim se produz um grande volume da arquitetura corporativa, empresarial que se vale de estilismos e de monumentalidades para agregar status de pretensa qualidade. Seja na citação profana do neoclássico ou na proeza de formas escultóricas, o papel da arqui-tetura na cidade que se quer global é a comunicação veloz, criar uma ima-

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gem-referência de impacto, branding, espetáculo. Por outro lado, esse projeto de cidade mina as possibilidades de remanso, de lentidão, de atenção; quan-do existe algum tipo de espaço público qualificado, este é muito mais agen-ciado a uma apreensão turística, de quem faz “viagens quase imóveis”, “vendo desfilar diante de seus olhos paisagens que já encontraram cem vezes em suas telas de televisão, ou em prospectos turísticos” (GUATTARI, 2012:150).

A velocidade dos deslocamentos e a pressa característica do cotidiano são também fatores da inércia a qual o usuário da cidade é submetido em sua ati-vidade nos espaços urbanos. No caso de São Paulo, a soma das pré-existências modernas aos imperativos da cidade contemporânea definiram um cenário propício à alienação do usuário urbano. Por um lado, as grandes distâncias estabelecidas entre centro e periferia na configuração da São Paulo moderna dispersa definiram grandes deslocamentos e o movimento pendular diário casa-trabalho-casa ainda corresponde à realidade da população paulistana – exemplo disso é a exaustão do sistema de trens que liga o centro ao extremo leste nos horários de pico. Por outro lado, a imagem de cidade global criada sobretudo no eixo do rio Pinheiros tampouco contribui para a experiência e apropriação urbana pelo usuário da cidade.

Não à toa, esses principais enclaves de cidade global localizam-se não nos centros urbanos adensados, mas na proximidade de estruturas viárias; no caso do vale do Pinheiros, a facilidade de ligação com o anel viário entorno do centro expandido e consequentemente com as rodovias que conectam às margens da região metropolitana. Outros parques empresariais, como Alpha-ville e, mais recentemente, o polo tecnológico de Itaquera reproduzem essa lógica da cidade como um campus, como aponta Bernardo Secchi, o que já

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foi explorado em outro capítulo deste trabalho [CONSENSOS]. Também já foi abordado, citando Raquel Rolnik, como a consolidação dessas novas cen-tralidades mitiga os espaços públicos e, consequentemente, as possibilidades de experiência e convivência.

No caso do Parque Dom Pedro II, a questão da velocidade, ou mesmo da pressa, é bastante sensível. O lugar está situado no cruzamento de algumas das principais estruturas viárias em escala metropolitana, além de compor todo o perímetro leste do anel viário do centro. É, ainda, lugar de baldeação nos seus dois terminais de ônibus e é atravessado pelo trecho aéreo do metrô. Ainda que se proponha como parque, é um espaço de passagem, nunca de permanência, mesmo para aqueles nômades que transitam por ali. Esse con-tato imediato, superficial e desatento ignora uma série de possibilidades de experiências, usos e apropriações daquele lugar, tendo em vista toda a poten-cialidade de fruição de paisagens históricas, da colina, da evolução da cidade, do diálogo da cidade moderna entre densidade elitizada e periferia industrial que ainda guarda remanescentes naquela região, aproveitando-se exatamente dessa característica de interstício desse espaço.

“Hoje, o principal problema que o urbanismo tem a resolver consiste em melhorar o tráfego do crescente número de veículos automotores. (...) Assim, a atual proliferação de carros particulares é o resultado da propa-ganda incessante pela qual a produção capitalista convence as multidões – e é uma de suas vitórias mais estrondosas – de que a posse de um carro é exatamente uma das vantagens que a sociedade reserva aos privilegia-dos” (DEBORD [1957] in JACQUES,2003:39-40).

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“O urbanismo, tal como o concebem os urbanistas profissionais de hoje, reduz-se ao estudo prático da habitação e do trânsito, como problemas isolados. A total ausência de soluções lúdicas na organização da vida social impede que o urbanismo se mostre criativo, fato que o aspecto insí-pido e estéril da maioria dos novos bairros comprova de modo atroz” (IS [1959] in JACQUES,2003:98).

“Nos bairros antigos, as ruas transformaram-se em auto-estradas, os lazeres são comercializados e deturpados pelo turismo. O relacionamento social torna-se impossível. Os bairros recém-construídos apresentam dois temas dominantes: o trânsito de carros e o conforto residencial. São a minguada expressão da felicidade burguesa, esvaziada de qualquer preo-cupação lúdica” (DEBORD [1959] in JACQUES,2003:114).

A resposta do Situacionismo à cidade moderna em contraposição a propensão alienante e generalista da proposta modernista é a da apropriação e experiência dos espaços urbanos de forma lúdica, transformar a cidade no lugar do jogo. A base conceitual dessa ideia de cidade é a psicogeografia, “estudo das leis exatas e dos efeitos precisos do meio geográfico, planejado conscientemente ou não, que agem diretamente sobre o comportamento afe-tivo dos indivíduos”. É uma abordagem, de certa maneira, poética, apaixona-da das relações com a cidade. Esses afetos são construídos pelo procedimento da deriva, a deambulação atenta a construir e identificar relações afetivas espacializadas na cidade, reconhecendo diferentes atmosferas e unidades de ambiência.

No desenvolvimento da cidade contemporânea, que reforça a espetacu-

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larização e a alienação do usuário da cidade, as ideias situacionistas aparecem tão atuais quanto vanguardistas, meio século depois de serem apresentadas como contestação de um modelo de cidade vigente.

HÁPTICO

Retomando a conceituação desenvolvida por Deleuze e Guattari, os territórios do Parque Dom Pedro II definidos como espaços lisos, metaterri-torialidades, instigam uma percepção aproximada, corpórea e sinestésica. É exatamente essa aproximação que tanto a cidade racionalista da modernidade quanto a cidade espetacular da contemporaneidade tendem a barrar por seus agenciamentos estriantes. A percepção dessas categorias dicotômicas de espa-ço, liso e estriado, é definida pelas ideias de háptico e óptico.

“O Liso nos parece ao mesmo tempo o objeto por excelência de uma visão aproximada e o elemento de um espaço háptico (que pode ser visual, au-ditivo, tanto tátil). Ao contrário, o Estriado remeteria a uma visão mais distante, e a um espaço mais óptico – mesmo que o olho, por sua vez, não seja o único órgão a possuir essa capacidade” (DELEUZE e GUATTA-RI, 2009: 203).

Uma parte da produção contemporânea teórica e prática de arquitetura levanta essa questão de uma experiência aproximada do ambiente construí-do, principalmente aqueles baseados nos entendimentos da fenomenologia de Heidegger e Merleau-Ponty. Juhani Pallasmaa, arquiteto contemporâneo finlandês, ressalta em sua produção a hegemonia da visão na concepção e percepção da arquitetura em detrimento das outras possibilidades de expe-

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riência com base nos outros quatro sentidos (Cf. PALLASMA, J. Os Olhos da Pele: a Arquitetura e Os Sentidos. Porto Alegre: Bookman. 2011). Félix Guattari enxerga que existe uma necessidade de projeto da cidade que consi-dere as perspectivas da convivência e da experiência.

“Os coeficientes de liberdade criadora que o projeto possui são chamados a representar um papel essencial no trabalho do arquiteto e do urbanista. Mas não se trata, sob pretexto de estética, de naufragar num ecletismo que renunciaria a toda visão social! É o socius, em toda sua complexi-dade, que exige ser ressingularizado, retrabalhado, reexperimentado” (GUATTARI, 2012:156).

É justamente essa abordagem háptica, não tanto sensorial, mas aproxi-mada e afetiva que propunham os situacionistas. De alguma forma, na crítica que faziam do urbanismo moderno encontraram respostas, ou pelo menos perguntas, à problemáticas urbanas contemporâneas, a ponto da deriva poder ser encarada como proposição da experiência da vida cotidiana, mas também instrumento da análise urbana.

“As orientações não possuem constante, mas mudam segundo as vege-tações, as ocupações, as precipitações temporárias. As referências não possuem modelo visual capaz de permutá-las entre si e reuni-las numa espécie de inércia, que pudesse ser assinalada por um observador imóvel externo” (DELEUZE e GUATTARI, 2009: 204).

Os fluxos e movimentos que se desenvolvem no Parque Dom Pedro II acompanham um desenho de completa supressão da percepção háptica. As

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passagens aéreas, que compõem elemento marcante da ambiência desse lugar, condicionam a uma experimentação distanciada da paisagem, alienação agra-vada pela velocidade do fluxo canalizado de pessoas por grades e passarelas.

Essa disposição definida pelo desenho dos equipamentos e infraestruturas da cidade configura dois universos que não se cruzam, a cidade aérea formal, veloz e estriada e o deserto informal e liso. O projeto para o Parque Dom Pedro II deve construir as vias de cruzamento entre esses universos paralelos, de modo que se desenvolva ali uma cultura urbana háptica, criar possibilida-des de fruição e percepção mais próximas e estabelecer nesses vazios o espaço do socius.

SUBJETIVIDADE

A compreensão háptica dos espaços urbanos, em especial do Parque Dom Pedro II, a experiência aproximada do usuário com o objeto da cidade é o movimento produtor da subjetividade e do imaginário urbano. A própria condição histórico-geográfica desse sítio, na base da colina histórica revela um enorme potencial semântico a ser explorado pela atividade, experiência e apropriação daquele espaço. Os movimentos de estriamento e fragmenta-ção limitam a real qualificação daquilo como lugar à medida que distancia o uso, apropriação e fruição daquela área e daquela paisagem no cotidiano da cidade.

Tendo a noção de que o espaço é informado pelo uso, observa-se uma situação dialética que se estabelece ali – o espaço é ocupado por atividades informais, que caracterizam aquele como um lugar da marginalidade; não

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bastasse o isolamento produzido por essa relação de significados, a produção espacial agenciada pelo Estado segrega essa condição limitando a possibilida-de de uso e, consequentemente, a evolução daquele como um espaço de fato qualificado. A “Faixa de Gaza”, um corredor gradeado por ambos os lados que separa o terreno do Palácio das Indústrias / Espaço Catavento do resto do Parque, representa essa tendência de hermetismo e isolamento desses espaços ditos vazios.

“A imagem hierarquiza o espaço da cidade à medida que sua referência é a praça central, o edifício pós-moderno, o monumento histórico, a rua que se dimensiona na imagem de uma avenida ou de um beco. Pela per-cepção coletiva da imagem, ensina-se a identificar o poder que organiza a cidade e dela se utiliza para perpetuar-se. (...) Institucionalizada, a ima-gem corresponde à assinatura do poder público sobre a cidade e, coletiva, garante a estabilidade desse poder que se acredita eficiente porque perma-nece” (FERRARA, 2001:129).

Em certa medida, os projetos contemporâneos apresentados para o Par-que Dom Pedro II sob a égide da “requalificação” e “revitalização” reprodu-zem essa imagem hierarquizada, ainda que procure não deixar claras essas in-tenções de estriamento e espetacularização da vida. É o movimento contrário ao estabelecimento de uma cidade háptica e subjetiva. O imaginário urbano acaba sendo produzido mais pela imagem pronta, veiculada, mediatizada do que pelo uso, pela experiência real com o objeto urbano, “qualificado, infor-mado pelo uso; cidade como espaço habitado, vivido, qualificado, modifica-do: espaço socializado, espaço social” (FERRARA, 2001:123).

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“Em síntese, a imagem urbana apresenta a chancela do hábito, do cotidia-no descompromissado e, por isso mesmo, fortemente enraizado na cumplici-dade das crenças e valores constatados pela visão e registrados coletivamen-te. Uma simples fruição” (FERRARA, 2001:120).

A abertura do espaço urbano à experiência e à fruição é chave para o es-tabelecimento de uma cultura e de um imaginário urbanos que só podem ser construídos a partir do sentir e do pensar. Participar e viver os espaços, sentir e imaginar, são essenciais para o entendimento da cidade e do mundo. É nesse sentido que Guattari propõe a restauração de uma Cidade Subjetiva que engaja o indivíduo e o coletivo. Restauração, porque entende que a “ameaça de para-lisia da subjetividade” é resultado das desterritorializações do homem contem-porâneo – do turista ao jovem de walkman. Essa paralisia é, em alguma medi-da, o espetáculo alo da crítica situacionista. Uma cidade subjetiva, propensa a devires, é a cidade que pode ser experimentada, percebida e imaginada.

“Assim sendo, o significado criado pela unidade imagem / imaginário não é outro senão a real percepção da experiência urbana travestida no uso do es-paço e seus lugares. O uso é o significado da experiência e sua manifestação consiste na apropriação do espaço construído” (FERRARA, 2001:117).

Da cidade contemporânea sobressai a percepção da imagem, signo icônico, correspondente à realidade concreta, dada, óbvia. A restauração da subjetivida-de no ambiente urbano toma a importância do imaginário, signo indicial que exige uma percepção mais difícil, que estranha, indaga e se surpreende com a

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cidade.

RESISTÊNCIA

Uma tendência de subjetivação e ressignificação dos espaços urbanos representaria uma resistência ao movimento contínuo das cidades, de espe-tacularização, no qual cada vez menos o ser urbano, indivíduo ou coletivo, encontra espaço de ação e de representação. A profanação dos espaços públi-cos, a experiência corporal das cidades e a arte construtora de dissensos (JAC-QUES, 2010) são apresentados como micro-resistências urbanas, atuando na zona de tensão entre a espetacularização das cidades, pacificação e passivida-de dos espaços públicos e a potencialidade de transformação desses espaços.

“Algumas ações artísticas críticas na cidade contemporânea buscam ocu-par, usar, profanar, apropriar-se do espaço público para construir e pro-por outras experiências sensíveis e, assim, perturbar essa imagem traquili-zadora e pacificada do espaço público que o espetáculo do consenso tenta forjar. Nestas ações que buscam um escape da hegemonia das imagens consensuais, a questão do uso e do corpo são prioritárias, em particular, a experiência corporal urbana – as relações entre corpo e cidade, entre corpo humano e corpo urbano, e, entre corpo da arte e corpo político – que é determinante para a explicitação ou criação de tensões no espaço público” (JACQUES, 2010:117).

A dança e o teatro, mais que a recente arte relacional, constituem-se sempre como efêmeros e colocam o corpo como peça chave de percepção e expressão, isto é, entrada e saída de informação. O trabalho de Hélio Oiticica

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é totalmente consonante a essa ideia de ter a arte como meio e o corpo como ferramenta de experiência espacial. Pedro Sales aponta o Parangolé de Oitici-ca como metaterritorialidade:

“Fazer o corpo brincar ao propor que os usuários desta obra dançassem ao vesti-la não apenas rompe com todos os suportes tradicionais – o quadro, a escultura – como, por isso mesmo, só ganha sentido quando encorpado / incorporado.” (SALES, 2012:80)

Retomando o ponto semiológico de Lucrécia Ferrara ou o conceito de háptico de Deleuze e Guattari, da mesma forma, a cidade só ganha sentido quando encorpada/ incorporada. Ausente de experimentação e de movimen-to, a cidade desativada retorna a um estado de potencialidade latente, situa-ção de espaços públicos como o Parque Dom Pedro II. Se é finalidade do urbanista o projeto dos espaços da cidade, esse projeto só se mantem atuali-zado através do uso e da experiência cotidiana que os reinventam, subvertem e profanam. É o caso de dizer que o projeto nunca será completo, sempre terá uma abertura, uma potencialidade de espraiar rizomas, de se multiplicar na experiência e no imaginário.

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FIM

Como apresentado no INÍCIO deste trabalho, essa pesquisa nasce dos estudos mapográficos. Sob o primeiro título de Parque Dom Pedro II: mapografias do imaginário, teve como proposta primordial mapear subjetivi-dades produzidas nos territórios da Várzea do Carmo. A proposta foi de uma abordagem tão genérica que acabou abrindo um extenso leque de possibili-dades de exploração – o que por um lado estabeleceu a abordagem horizontal que permeia todo esse trabalho; por outro, suscitou dúvidas e aflições de uma pesquisa à deriva, sem a certeza de alcançar seus objetivos [e talvez sem a precisão de quais eram esses objetivos].

Confrontar as complexidades da cidade contemporânea com um olhar lançado sobre o Parque, identificar dinâmicas e possibilidades de subjetivação num espaço já dado como morto, é um esforço que este trabalho, em alguma medida conseguiu alcançar. Desenvolver o dispositivo que represente inten-sidades e potencialidades dos espaços da cidade contemporânea, múltipla e complexa, é um outro trabalho que dispensaria mais tantos esforços.

Pensar nos meios de representação da cidade contemporânea retoma os princípios rizomáticos de mapa e decalque desenvolvidos por Deleuze e Guattari. Os instrumentos tradicionais de representação gráfica da arquite-tura e do urbanismo são análogos ao decalque; planta, corte e elevação não traduzem as múltiplas entradas que constituem a cidade contemporânea, as relações topológicas que regem espaço e tempo urbanos. Paola Jacques explo-ra essa relação – destaca que o decalque é o papel vegetal do arquiteto, que organiza, ordena, estabiliza, quebra as multiplicidades e, dessa forma, cessa o

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movimento (2011:141).

“A literatura sobre a cidade contemporânea é imensa, mas as descrições tecnicamente pertinentes talvez não sejam assim tão numerosas como normalmente se pensa. A cidade contemporânea parece opor uma firme resistência à descrição, sobretudo se ela é feita sob as formas codificadas do urbanismo moderno” (SECCHI, 2006:88).

Fazer o mapa proposto por esse trabalho, no duplo sentido de espraiar rizomas e produzir a representação gráfica dos espaço da cidade, é buscar o instrumento de “entendimento e descobrimento das pulsações do ambiente urbano com a finalidade de intervenção urbanística” (BASSANI, 2012:133). Recorrer a noções topológicas, para além da representação cartesiana, bidi-mensional e congelada dos dispositivos tradicionais da arquitetura.

Se por um lado este trabalho não alcança o objetivo de representar grafi-camente as relações complexas do Parque Dom Pedro II, por outro identifica e aplica modelos conceituais a essas complexidades, impulsionado pela filoso-fia contemporânea e partindo da experiência com o urbano – representação verbal, não gráfica.

Esse trabalho, em alguma medida, procura desmanchar consensos que baseiam parte considerável da produção arquitetônica atual. Sabe-se que os espaços públicos urbanos e, de modo geral, a metrópole, vêm destacando--se em um protagonismo cada vez mais sensível. Tal protagonismo carrega a ideologia da construção da imagem de uma cidade global, que, entre outras ações, baseia os projetos de “revitalização” e “requalificação” dos espaços do

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centro, coração da cidade do CIAM VIII, cuja outra face é de um centro já qualificado e vivo do ponto de vista dos usos e ocupações, porém improduti-vo na visão da cidade global.

A condição do Parque Dom Pedro II merece uma ressalva em relação a essa crítica ao projeto. Os estriamentos do Parque definiram um espaço que, de fato, carece de vitalidade. Transparece a latência de possibilidades e potencialidades a partir dos usos e apropriações por atividades precárias e marginalizadas. Essas dinâmicas sintetizam uma contradição, mostrando essas atividades como resistentes aos processos de estriamento dos espaços públicos ao mesmo tempo em que reforçam o status quo da reprodução social e da produção das cidades.

Esse trabalho faz a proposta, antes de um projeto, de uma vida e uma cultura urbana apropriadora das complexidades e intensidades da cidade contemporânea. Um movimento de resistência à inércia e ao espetáculo. Faz a apologia à cidade afetiva, corpórea, imaginária, subjetiva. A partir desses princípios da vida urbana, construir o projeto urbano. Como metaterritoria-lidade, dispõe de potencialidade para acolher um espaço gentil. “Trata-se, em suma, de uma transferência de singularidade do artista criador de espaço para a subjetividade coletiva” (GUATTARI, 2012:158).

“A complexidade da posição do arquiteto e do urbanista é extrema mas apaixonante, desde que eles levem em conta suas responsabilidades estéticas, éticas e políticas. Imersos no seio do consenso da Cidade demo-crática, cabe-lhes pilotar, por seu projeto (dessin) e sua intenção (dessein), decisivas bifurcações do destino da cidade subjetiva. Ou a humanidade,

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através deles reinventará seu devir urbano, ou será condenada a perecer sob o peso de seu próprio imobilismo, que ameaça atualmente torná--la impotente face aos extraordinários desafios com os quais a história a confronta” (ibid.:158).

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