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THEMIS REVISTA DA ESMEC Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará Publicação Oficial da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará – ESMEC ISSN 1808 - 6470 Themis Fortaleza V.5 n.1 p. 1-259 jan/jul 2007

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THEMISREVISTA DA ESMEC

Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Publicação Oficial da Escola Superior da Magistratura

do Estado do Ceará – ESMEC

ISSN 1808 - 6470

Themis Fortaleza V.5 n.1 p. 1-259 jan/jul 2007

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2 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PORMARIA DO SOCORRO CASTRO MARTINS – CRB-3/775

THEMIS: Revista da ESMEC / Escola Superior daMagistratura do Estado do Ceará. Fortaleza, 2007

v. 5, n. 1, jan/julSemestralISSN 1808-6470

1. Doutrina. 2. Jurisprudência.

I. Escola Superior da Magistratura do Estado doCeará-ESMEC

CDU: 340(05)

Pede-se que acusem o recebimento destevolume da “Revista”

Rogamus ut acceptionem nuntiesSe ruego acusar recibo dei presente numeroCon preghiera di accusare ricevuta dei presente

numeroOn prie de vouloir bien accuser reception de

cette revuePlease acknowledge receipt of this exemplarBitte, den Empfang dieser Zeitchrift zu

beschinigenOni peats konfirmi Ia ricevon

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3THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Permuta

Solicita-se permuta / Exchange requested /On prie e’echange/ We requestexchange/ On demande l’échange/Wir erbitten Austausch/ Se solicitacanje/ Si chiede lo scambio/ Se pide intercambio

Endereço para permuta:

Biblioteca da ESMECRua Ramires Maranhão do Vale, nº 70 – Água FriaCEP 60.811-670 Fortaleza-Ceará-Brasil

Tel./fax: (85) 3278-6242 ou (85) 3278-4013E-mail: [email protected]

Correspondências e Artigos:

Secretaria da ESMECEditores da Revista THEMIS - Revista Científica da Escola Superior daMagistratura do Estado do Ceará (ESMEC)Rua Ramires Maranhão do Vale, nº 70 – Água FriaCEP 60.811-670 Fortaleza-Ceará-Brasil

Tel./fax: (85) 3278-6242 ou (85) 3278-4013E-mail: [email protected]

Permitida a reprodução desde que citada a fonte.

THEMIS - Revista Científica da Escola Superior da Magistratura do Estadodo Ceará (ESMEC) possui tiragem de 500 exemplares impressos e 100(cem) exemplares em CD-ROM e é distribuída, gratuitamente, aos alunose professores da ESMEC e às bibliotecas e instituições das principaisuniversidades, escolas de magistratura e institutos de pesquisa, emespecial àqueles que nos solicitarem, pelo sistema de permuta.

Consulte a versão eletrônica da THEMIS - Revista Científica da EscolaSuperior da Magistratura do Estado do Ceará (ESMEC) em:<http://www.tjce.jus.br/esmec/esmec_publicacoes.asp>

E-mail: [email protected]://www.tjce.jus.br/esmec

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4 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

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5THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

© TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ

ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO CEARÁEdifício Desembargador Júlio Carlos de Miranda BezerraTel. (0XX85) 3278-6242/4013 E-mail: [email protected]

Rua Ramires Maranhão do Vale, 70 – Edson QueirozCEP 60811-670 Fortaleza-CE

DIREÇÃODesembargador João Byron de Figueirêdo Frota

COORDENAÇÃOJuiz Washington Luiz Bezerra de Araújo

ORGANIZAÇÃO DE TEXTOSFlávio José Moreira Gonçalves

CONSELHO CONSULTIVOÁgueda Passos Rodrigues Martins – Alberto Silva Franco – Antônio de Pádua Ribeiro –

César Asfor Rocha – Ernando Uchoa Lima – Fernando Luiz Ximenes Rocha – Luiz Carlos

Fontes de Alencar – José Ari Cisne – José Maria de Melo – José Paulo Sepúlveda Pertence

– Marco Aurélio Farias de Mello – Paulo Bonavides – Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite

– Sálvio de Figueiredo Teixeira – Vicente Leal de Araújo

CONSELHO EDITORIALAlmir Pazzianotto Pinto – Antônio Augusto Cançado Trindade – Carlos Roberto Martins

Rodrigues – Carlos Facundo – Celso Antônio Bandeira de Melo – César Oliveira de Barros

Leal – Dimas Macedo – Edgar Carlos de Amorim – Ernani Barreira – Fátima Nancy

Andrighi – Fernando Luiz Ximenes Rocha – Flávio José Moreira Gonçalves – Francisco de

Assis Filgueiras Mendes – Francisco Haroldo Rodrigues de Albuquerque – Francisco Luciano

Lima Rodrigues – Gizela Nunes da Costa – Hugo de Brito Machado – João Alberto Mendes

Bezerra – José Afonso da Silva – José Alberto Rola – José Alfredo de Oliveira Baracho – José

Evandro Nogueira Lima – José Filomeno de Moraes Filho – Luiz Flávio Borges D’Urso –

Márcio Thomaz Bastos – Napoleão Nunes Maia Filho – Oscar Vilhena – Roberto Jorge

Feitosa de Carvalho – Rogério Lauria Tucci – Sérgio Ferraz – Sílvio Braz Peixoto da Silva

– Valeschka e Silva Braga – Valmir Pontes Filho

Os conceitos emitidos em artigos assinados são de absolutae exclusiva responsabilidade de seus autores

Tiragem: 1500 exemplares

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COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DO ESTADO DO CEARÁ

TRIBUNAL PLENO

PresidenteDes. Fernando Luiz Ximenes Rocha

Vice-PresidenteDes. Rômulo Moreira de Deus

Corregedor Geral da JustiçaDes. José Cláudio Nogueira Carneiro

Des. Ernani Barreira PortoDes. Francisco Haroldo Rodrigues de Albuquerque

Des. João de Deus Barros BringelDesa. Huguette Braquehais

Des. Rômulo Moreira de DeusDes. José Cláudio Nogueira Carneiro

Desa. Gizela Nunes da CostaDesa. Maria Celeste Thomaz de Aragão

Des. José Arísio Lopes da CostaDes. Luiz Gerardo de Pontes BrígidoDes. João Byron de Figueiredo Frota

Des. Ademar Mendes BezerraDesa. Mariza Magalhães Pinheiro

Desa. Edite Bringel Olinda AlencarDes. Raimundo Eymard Ribeiro de Amoreira

Des. Antônio Abelardo Benevides MoraesDes. José Edmar de Arruda Coelho

Desa. Maria Iracema do Vale HolandaDes. José Mário dos Martins Coelho

Desa. Maria Sirene de Souza SobreiraDes. Raimundo Eymard Ribeiro de Amoreira

Des. Antônio Abelardo Benevides MoraesDes. Francisco de Assis Filgueira Mendes

Des. Lincoln Tavares DantasDes. Celso Albuquerque Macêdo

Des. Francisco Lincoln Araújo e SilvaDesa. Lucia Maria do Nascimento Fiúza Bitu

Dr. Bomfim Cavalcante Carneiro - Secretário Geral

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RELAÇÃO DOS DIRETORES E COORDENADORES DAESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA

DO ESTADO DO CEARÁ (ESMEC)

Diretor Atual: Des. João Byron de Figueirêdo Frota

Ex-Diretores:

Des. Ademar Mendes Bezerra (2006-2007)Des. Francisco Hugo Alencar Furtado (2005)Des. José Claúdio Nogueira Carneiro (2003-2004)Desa. Gizela Nunes da Costa (2001-2002)Des. Raimundo Bastos de Oliveira (1999-2000)Des. Fernando Luiz Ximenes Rocha (1997-1998)Des. Francisco Haroldo Rodrigues de Albuquerque (1995-1996)Des. José Maria de Melo (1993-1994)Des. Ernani Barreira Porto (1991-1992)Des. Julio Carlos de Miranda Bezerra (1987-1990)

Coordenador Atual:

Juiz Washington Luiz Bezerrra de Araújo

Ex- Coordenadores:

Juiz Haroldo Correia Máximo (2007)Juiz Marcelo Roseno de Oliveira (2006-2007)Juiz Roberto Jorge Feitosa de Carvalho (2005)Juiz Mantovanni Colares Cavalcante (2003-2004)Juiz Francisco Luciano Lima Rodrigues (2001-2002)Juiz Francisco de Assis Filgueira Mendes (1988-2000)

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S U M Á R I O

ARTIGOS

Dignidade da Pessoa Humana na Filosofia Moral de Kant ... 15Bruno Cunha Weyne

A Contribuição da Doutrina Cristã para os DireitosFundamentais ....................................................................... 42Roberta Lia Sampaio de Araujo Marques

Édipo-Rei: uma análise jusfilosófica ..................................... 62Alex Feitosa de Oliveira e outros

A Importância da Lógica e da Argumentação para os Profissionais doDireito ..................................................................................... 92Paulo Rogério Areias de Souza

Acesso à Justiça no Brasil: obstáculos e instrumentosgarantidores ......................................................................... 119Carlos Augusto Medeiros de Andrade

O Princípio da Razoável Duração do Precesso como DireitoFundamental ......................................................................... 158José Olavo de Rodrigues Frota Neto

A Grande Mídia, um Poder de Fato que se Sobrepõe aos PoderesConstituidos ........................................................................... 197José Batista de Andrade

O Papel do Advogado-Geral da União no Controle deConstitucionalidade Concentrado ....................................... 210Michelle Amorim Sancho Souza

Razoabilidade e Controle Jurisdicional do Mérito do AtoAdministrativo ...................................................................... 227Rommel Moreira Conrrado

Aspectos Relevantes do Controle de Constitucionalidade: difusoe concentrado ..................................................................... 239Júlio César Matias Lobo

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ARTIGOS

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14 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

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15THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA FILOSOFIAMORAL DE KANT

Bruno Cunha Weyne

Aluno da Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC)

e Monitor da Disciplina Introdução ao Estudo do Direito.

RESUMO: Este artigo pretende analisar sistematicamente

a formulação de Kant sobre a dignidade da pessoa humana,

a fim de oferecer um norte interpretativo aos juristas no

momento da aplicação desse princípio, que hoje aparece

como um dos fundamentos do Estado Democrático de

Direito (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988).

Para realizar tal tarefa, o trabalho divide-se em duas partes.

A primeira estuda os pressupostos conceituais da filosofia

moral de Kant, e a segunda investiga os principais aspectos

do princípio da dignidade da pessoa humana no

entendimento desse filósofo. Nesta perspectiva, o imperativo

categórico kantiano prescreve que o ser racional nunca deve

ser tratado como um meio, mas sempre como fim em si

mesmo.

PALAVRAS-CHAVE: Dignidade da pessoa humana.

Filosofia moral. Kant. Imperativo categórico.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Pressupostos conceituais da

filosofia moral de Kant. Dignidade da pessoa humana em

Kant. 4. Considerações Finais. 5. Referências bibliográficas.

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16 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

1. Introdução

Nenhuma época histórica proporcionou tantos motivos

para a humanidade pensar a sua condição e os seus

problemas quanto a época atual. O desenvolvimento técnico-

científico, que, na maioria das vezes, possibilita a integração

internacional, e o processo neoliberal, têm como resultado

a amplitude assombrosa dos riscos das atividades humanas.

Tanto é que, como conseqüência da intervenção das ciências

na biosfera, há o perigo concreto de uma destruição

ecológica e até de uma guerra nuclear. Por outro lado, no

plano econômico, como decorrência da emergência de

determinados setores da sociedade, em detrimento de

outros, tem-se que grande parte da população mundial vive

em condições subumanas, condenada à pobreza, à fome e

à miséria.

Nessa perspectiva, impõe-se, como exigência básica

para a conservação da espécie humana num planeta

habitável e numa sociedade justa, a produção dos princípios

éticos da dignidade e da solidariedade. Contrariamente a

isso, o que se revela como característica do mundo

moderno1 é a substituição das diferentes formas de

solidariedade e de comunhão para dar lugar a um

1 “A era moderna não coincide com o mundo moderno. Cientificamente,a era moderna começou no século XVII e terminou no limiar do século XX;politicamente, o mundo moderno em que vivemos surgiu com as primeiras

explosões atômicas” (ARENDT, 2005:13-14).

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17THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

individualismo que considera o homem um ser isolado,

atomístico e marcado por inúmeros interesses e impulsos

que precisam ser satisfeitos. Assim, o centro dos valores

reside apenas naquilo que favoreça a felicidade, a auto-

realização e o prazer do sujeito, de tal sorte que tudo o que

não é exigido pelo metabolismo da vida de cada qual se

torna supérfluo. A atual sociedade, também chamada de

sociedade dos consumidores, aparece como associação

mecânica de indivíduos para a consecução de seus fins

particulares. Nessa ótica, se é que se pode falar de uma

ética ou de um princípio ético geral que oriente a convivência

entre os homens, seriam eles a “ética do sucesso” e o

“princípio de levar vantagem em tudo” (cf. OLIVEIRA,

1993a:40-43).

Entretanto, a despeito de a presente época ser

marcada pelo individualismo e pela extrema capacidade

para a indiferença, configurando uma sociedade das mais

iníquas da história, pode-se visualizar, paradoxalmente,

consideráveis avanços na consciência e na defesa dos

direitos que efetivam a dignidade do homem enquanto ser

comunitário e livre. O número crescente de grupos

alternativos que buscam recolocar o sentido da vida em

comum como problema central é apenas um de vários

exemplos representantes do surgimento de um senso novo

de justiça e de uma maior preocupação com os direitos

humanos (cf. OLIVEIRA, 1993a:44-47). Destarte, infere-se

que tal paradoxo deve ser visto como um sinal de que o

mundo moderno vive um período de transição,

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18 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

encaminhando-se para uma revalorização da humanidade.O princípio da dignidade da pessoa humana é cada

vez mais abordado no cotidiano dos países que seautodenominam democráticos. Deixou de ser apenas ummandamento moral para ganhar a força coercitiva do Direito.Na ordem jurídica brasileira, por exemplo, ele foiestabelecido como fundamento do Estado Democrático deDireito no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de1988.

Todavia, como os valores não são unívocos, poismudam conforme a visão de mundo de cada um, a aplicaçãoe a interpretação desse princípio têm-se mostrado, muitasvezes, variáveis e até mesmo antagônicas. Portanto, épertinente a seguinte indagação: qual o critério mais razoávelpara a aplicação e para a interpretação de tal princípio? Estetexto pretende clarear a proposta da filosofia moral deImmanuel Kant acerca do conteúdo do princípio da dignidadeda pessoa humana, comumente apontada como uma dasmais fecundas formulações sobre a temática. Nesse sentido,Soromenho-Marques (1995:19) afirma que “Kant estásempre presente como raiz e horizonte de referência paraos filósofos que procuram aprofundar o papel daresponsabilidade e da cidadania democráticas no presente

quadro de crise social e ambiental global”.

2. Pressupostos conceituais da filosofia moral de Kant

Antes de analisar a doutrina da dignidade da pessoa

humana de Kant, faz-se necessária uma prévia explicação

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19THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

dos elementos conceituais básicos da moralidade, sem os

quais não seria possível apreender o lugar e o valor pessoal

do homem. A obra Fundamentação da Metafísica dos

Costumes (1785), cuja força inspiradora cresce nos dias

atuais2 , será o norte para essa tarefa.

Não é difícil perceber que o filósofo alemão tem como

preocupação ética principal a busca e a fixação de um

princípio capaz de reger todas as nossas ações. Porém, essa

noção merece mais atenção por assumir, aqui, o status de

ponto de partida. Confira-se, nesse passo, a observação

de Oliveira (1993b:132):

A questão de Kant, em relação àfilosofia prática é, em primeiro lugar,sua “fundamentação”: trata-se detematizar o “princípio defundamentação” das normas de ação.As coisas atuam mecanicamente, ohomem, ao contrário, possui acapacidade de agir segundo normas.Como justificar essas normas? Comodeterminar a validade dessas normasde ação – eis a questão de Kant. A

2 “O mais relevante é que elas [as leituras de Kant] nos dão uma pálidaimagem do poder e da vitalidade inspiradora do pensamento de Kant, e emparticular das teses éticas apresentadas na Fundamentação, seja no planoinstitucional, como foi o caso da fundação da Sociedade das Nações Unidas,respectivamente após cada um dos dois conflitos mundiais deste século, sejana renovação do debate político contemporâneo – como poderemos confirmaratravés das obras de J. Rawls, K-O-Apel, J. Habermas, ou, numa outra direçãode pensamento, Hans Jonas” (SOROMENHO-MARQUES, 1995:18-19).

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20 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

filosofia prática de Kant tem, pois,como objetivo tematizar o princípio defundamentação das normas, queconstitui o homem como ser ético. Suafunção é estabelecer uma “medidasuprema”, a partir da qual possadecidir a moralidade das normas.

Kant, na sua fundamentação da moralidade, vai

defender a necessidade de se valer unicamente de princípios

a priori, fundados na razão pura, sem qualquer interferência

de princípios da experiência. A justificação disso é

apresentada pelo referido filósofo logo na Primeira Seção

da obra em estudo, reaparecendo, com outras palavras, em

diversos momentos da sua investigação3 :

A boa vontade não é boa pelos efeitosque se promove ou realiza, pelaaptidão para alcançar a finalidade

3 O trecho a seguir bem revela a preocupação de Kant com a pureza damoralidade: “Tudo, portanto, o que é empírico é, como acrescento ao princípioda moralidade, não só inútil, mas também altamente prejudicial à própria purezados costumes; pois o que constitui o valor particular de uma vontadeabsolutamente boa, valor superior a todo o preço, é que o princípio da açãoseja livre de todas as influências de motivos contingentes que só a experiênciapode fornecer. Todas as prevenções serão poucas contra este desleixo oumesmo esta vil maneira de pensar, que leva a buscar o princípio da conduta emmotivos e leis empíricas; pois a razão humana é propensa a descansar das suasfadigas neste travesseiro e, no sonho de doces ilusões (que lhe fazem abraçaruma nuvem em vez de Juno), a pôr em lugar do filho legítimo da moralidade umbastardo composto de membros da mais variada proveniência, que se parececom tudo o que nele se queira ver, só não se parece com a virtude aos olhos dequem um dia a tenha visto na sua verdadeira figura” (KANT, 1995:63).

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21THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

proposta, mas tão-somente peloquerer, isto é, em si mesma, econsiderada em si mesma, deve seravaliada em grau muito mais alto doque tudo o que possa ser alcançadoem proveito de qualquer inclinação, oumesmo, se quiser, da soma de todasas inclinações4 (KANT, 1995:32).

Assim, a ação movida por qualquer fator empírico,

seja ele o mais nobre ou o mais egoísta, não possui valor

moral, porque tal ação sempre terá como fim alcançar

qualquer coisa que se quer (ou que é possível que se queira);

ou seja: o valor moral da ação não reside no efeito que dela

se espera nem em qualquer princípio da ação que precise

pedir o seu móbil a este efeito esperado, pois todos esses

efeitos podem também ser alcançados por outras causas, e

não se precisa para tal da vontade de um ser racional, em

cuja vontade – e só nela – pode-se encontrar o bem supremo

e incondicionado. Desse modo, “nada senão a

representação da lei5 em si mesma, que em verdade só no

ser racional se realiza, enquanto é ela, e não o esperado

efeito, que determina a vontade, pode constituir o bem

excelente a que chamamos moral” (KANT, 1995:38).Nesse sentido, Bielefeldt (2000:74) esclarece a

4 Chama-se inclinação à dependência em que a faculdade de desejarhumana está em face do mundo sensível.5 Quando não especificadas, entendam-se as palavras “lei” e “dever”respectivamente como “lei moral” e “dever moral”.

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22 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

insistência de Kant em desvincular a moral de qualquerresultado ou fator empírico, afirmando que:

[...] para Kant, mais importante que asuperação do dogmatismoracionalista é a superação doempirismo na ética. Não só osrepresentantes do hedonismo opõem-se a ele como antagonistas, mas,especialmente, as formas sutis deeudemonismo que, por isso mesmo,nem sempre são de fácil identificaçãoe negam a incondicionalidade damoralidade no resultado. Não importaa maneira do eudemonismo seapresentar: como utilitarismomaterialista ou como ensino moral-sense ou, ainda, como especulaçãomoral-teológica para atingir arecompensa da salvação divina – emtodos os casos, a vontade moralconfunde-se com a tendênciaempírica de reduzir-se a uma funçãosutil e periférica de interesse próprio,com supressão de sua pretensãoincondicional à validade.

Diante disso, é oportuno apresentar o conceito dodever (Die Pflicht), que aparece como a chave para oentendimento de outros igualmente relevantes para opropósito deste tópico. Duas maneiras são mais utilizadas

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23THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

para “textualizar” o mesmo conceito: (i) dever é anecessidade de uma ação por respeito à lei ou (ii) anecessidade de obediência ao imperativo categórico. Odever indica, duplamente, a presença da lei moral como umarepresentação compulsiva em nós – que pode sertransgredida, mas não negada – e a clivagem que essa leiexerce sobre as nossas inclinações. Por isso, o dever incluiem si o conceito de boa vontade.

Aquilo que Kant denomina imperativo categórico éjustamente a fórmula dessa lei, cuja representação, mesmosem tomar em consideração o efeito que dela se espera,tem de determinar a vontade para que esta se possa chamarboa, absolutamente e sem restrição. Contudo, para secompreender a composição de tal fórmula, algunsesclarecimentos precisam ser feitos. Em primeiro lugar, deve-se apontar que a vontade – faculdade de desejar – não édeterminada apenas pela razão, mas está também sujeita acondições subjetivas (a certos móbiles) que nem semprecoincidem com as objetivas. Daí decorre a divisão dosprincípios do querer em máxima e lei prática:

A máxima é o princípio subjetivo daação e tem de se distinguir doprincípio objetivo, quer dizer, da leiprática. Aquela contém a regra práticaque determina a razão emconformidade com as condições dosujeito (muitas vezes emconformidade com a sua ignorânciaou as suas inclinações), e é, portanto,o princípio segundo o qual o sujeito

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24 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

age, a lei, porém, é o princípioobjetivo, válido para todo o serracional, princípio segundo o qual eledeve agir (KANT, 1995:58).

Assim sendo, as ações dos seres racionais só atécerto ponto são contingentes. Por um lado, não se podedeterminá-las com total segurança, visto que a vontade nãoé, em si, plenamente conforme à razão, sujeitando-se aprincípios subjetivos. Por outro lado, como as leis práticassão objetivamente reconhecidas – ou seja: validadas portodos –, existe uma expectativa comum. E nisso reside aimportância mais clara da moralidade: ela impõe umaespécie de orientação e de limite para todo o comportamentoracional.

Em segundo lugar, é preciso analisar, maisdetidamente, a fórmula do imperativo. De acordo com Kant,“todos os imperativos se exprimem pelo verbo dever (sollen),e mostram assim a relação de uma lei objetiva da razão parauma vontade que, segundo a sua constituição subjetiva, nãoé por ela necessariamente determinada (uma obrigação)”.Ademais, todos os imperativos ordenam ou hipotética oucategoricamente:

Como toda a lei prática representauma ação possível como boa e, porisso, como necessária para um sujeitopraticamente determinável pela razão,todos os imperativos são fórmulas dadeterminação da ação que énecessária segundo o princípio deuma vontade boa de qualquermaneira. No caso de a ação serapenas boa como meio para qualquer

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outra coisa, o imperativo é hipotético;se a ação é representada como boaem si, por conseguinte, comonecessária numa vontade em siconforme à razão como princípiodessa vontade, então o imperativo écategórico (KANT, 1995:52).

Conforme o exposto acima, o imperativo categóricoé o único capaz de ser fórmula para a moralidade, pois nãose relaciona com a matéria da ação e com o que dela deveresultar, mas com a forma e com o princípio do qual elamesma deriva; quer dizer: o essencialmente bom na açãoreside na disposição, seja qual for o resultado. Tal imperativotambém pode chamar-se imperativo da moralidade.

Uma vez cumpridos os esclarecimentos necessários,pode-se agora partir para a análise da composição doimperativo categórico. Kant apresenta três fórmulas e,conseqüentemente, três critérios de validade para expressartal imperativo, a partir da fórmula geral6 – “Age apenassegundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo

querer que ela se torne lei universal7 ” (KANT, 1995:59):

I) representando a forma de todas as máximas,

apresenta-se a fórmula da equiparação da máxima à

universalidade da natureza: “Age como se a máxima da tua

ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal

6 “As três maneiras indicadas de apresentar o princípio da moralidadesão, no fundo, apenas outras tantas fórmulas dessa mesma lei, cada uma dasquais reúne em si, por si mesma, as outras duas” (KANT, 1995:73).7 Para ele, a universalidade é a mais segura das três para o juízo moral:“é melhor, no juízo moral, proceder sempre segundo o método rigoroso e basear-se sempre na fórmula universal do imperativo categórico” (KANT, 1995:73-74).

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da natureza” (KANT, 1995:58). De acordo com essa fórmula,

no julgamento das ações, deve, o ser racional, perguntar-se

se pode querer que a sua máxima transforme-se, sem se

contradizer, em lei universal da natureza. Caso a resposta

seja positiva, a sua ação será, pelo menos, conforme ao

dever8 . Se for negativa, por a máxima não se sustentar numa

legislação universal da natureza, então a sua ação será

contrária ao dever.

II) a matéria, isto é, o fim de todas as máximas, revela-

se por meio da fórmula da humanidade, segundo a qual o

ser racional, como fim segundo a sua natureza e, portanto,

como fim em si mesmo, tem de servir a toda a máxima de

condição restritiva de todos os fins meramente relativos e

arbitrários: “Age de tal maneira que uses a humanidade,

tanto na tua, como na pessoa de qualquer outro, sempre e

simultaneamente como fim e nunca simplesmente comomeio” (KANT, 1995:66). Essa fórmula do imperativo damoralidade estabelece o objeto principal do presente estudo:

8 Conforme Kant, nunca se poderá provar que uma ação foi movidaunicamente pelo respeito à lei, ou seja, por dever. No máximo pode-se afirmarque ela foi conforme ao dever. Nesse sentido, diz ele que “acontece, por vezes,na verdade, que, apesar do mais agudo exame de consciência, não possamosencontrar nada, fora do motivo moral do dever, que pudesse ser suficientementeforte para nos impelir a tal ou tal boa ação ou a tal grande sacrifício. Mas daquinão se pode concluir com segurança que não tenha sido um impulso secretodo amor-próprio, oculto sob a simples capa daquela idéia, a verdadeira causadeterminante da vontade. Gostamos de lisonjear-nos então com um móbil maisnobre, que falsamente nos arrogamos; mas, em realidade, mesmo pelo examemais esforçado, nunca poderemos penetrar completamente até aos móbilessecretos dos nossos ato, porque, quando se fala de valor moral, não é dasações visíveis que se trata, mas dos seus princípios íntimos que se não vêem”(KANT, 1995:46).

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a dignidade da pessoa humana. A análise de seuscomponentes, tarefa a ser realizada na parte subseqüentedo texto, possibilitará uma ilustração precisa do valor pessoaldo homem em Kant.

III) a determinação completa de todas as máximasconsiste na fórmula da autonomia9 ou na da liberdadepositiva no reino dos fins: “Age só de tal maneira que avontade pela sua máxima se possa considerar a si mesmaao mesmo tempo como legisladora universal” (KANT,1995:71). Deduz-se dessa fórmula que o ser racional é, aomesmo tempo, autor da lei a que se submete. Por contadisso, só deve obedecer às leis que ele próprio legislou, detal modo que a sua dignidade será ferida se outro lhe impuseruma lei. A autonomia (autodeterminação) da vontade é,segundo Kant, o princípio supremo da moralidade.

Tudo o que se disse até agora foi com a intenção deconstruir um conhecimento básico acerca da moral kantianapara, com isso, ser possível uma melhor compreensão das

considerações a serem realizadas.

3. Dignidade da pessoa humana em Kant

Numa abordagem do princípio da dignidade dapessoa humana, é plausível a indagação acerca de suaorigem. Para Kant, como já se foi explorado, a humanidadeé a matéria ou o fim de todas as máximas moldadas pela lei

moral. Por conseguinte, independentemente de normas

9 “Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à qual ela épara si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do querer)”

(KANT, 1995:77).

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jurídicas, de normas religiosas e de normas consuetudinárias,

o ser racional já possui o referido princípio em sua legislação

moral; ou seja: o respeito à humanidade reside, antes de

tudo, na própria razão.

Ora, para que então foi a dignidade da pessoa

humana incorporada ao ordenamento jurídico positivo?

Habermas sustenta que a constituição da forma jurídica torna-

se necessária a fim de compensar déficits da moral, uma

vez que algumas normas de ação, para alcançar ampla

eficácia, carecem não só de juízos corretos e eqüitativos da

moral, mas também, de forma complementar, da

obrigatoriedade legitimamente imposta, com o poder de

coação, próprio do Direito10 (cf. HABERMAS, 2004:139-

154). Daí se intui que a positivação do princípio da dignidade

da pessoa humana, em virtude do valor que esse ostenta,

resulta da urgência de sua plena efetividade, que não pode

ser satisfatoriamente garantida apenas através de um

mandamento moral.

No Brasil, ainda antes de entrar em vigor a atual

Constituição, a melhor doutrina já enfatizava que o “núcleo

essencial dos direitos humanos reside na vida e na

dignidade da pessoa” (COMPARATO, 1989:46). Nessa

perspectiva, Guerra Filho (2005:62-63) destaca a posição

10 Embora no pensamento de Kant já exista a idéia segundo a qual oDireito complementa a moral, subjaz nele a idéia platônica de que aquele ésubordinado a esta. Para Habermas, tal visão é inadequada ao nosso tempopós-metafísico, sustentando este filósofo, com prudência, a autonomia, a

complementaridade e a co-originalidade de cada um desses saberes.

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da dignidade da pessoa humana frente aos princípios

constitucionais:

Os direitos fundamentais, portanto,estariam consagrados objetivamenteem “princípios constitucionaisespeciais”, que seriam a“densificação” (Canotilho) ou“concretização” (embora em nívelextremamente abstrato) daquele“princípio fundamental geral”, derespeito à dignidade humana. Dele,também, se deduziria o jámencionado “princípio daproporcionalidade”, até como umanecessidade lógica, além de política,pois se os diversos direitosfundamentais estão, abstratamente,perfeitamente compatibilizados,concretamente se dariam as “colisões”entre eles, quando então, recorrendoa esse princípio, se privilegiaria,circunstancialmente, alguns direitosfundamentais em conflito, mas semcom isso chegar a atingir outro dosdireitos fundamentais conflitantes emseu conteúdo essencial.

Após essa sucinta visão do princípio da dignidadeda pessoa humana no âmbito jurídico, deve-se explicar osignificado dos elementos principais da segunda fórmula doimperativo categórico – “Age de tal maneira que uses a

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humanidade, tanto na tua, como na pessoa de qualquer outro,sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmentecomo meio”. Qual a diferença entre fim e meio e entre pessoae coisa? A partir dessa questão, outras tantas irão surgir; eo esclarecimento de todas elas possibilitará a visualizaçãodo conteúdo, segundo Kant, do princípio da dignidade dapessoa humana.

Para Kant (19995:64),

[...] aquilo que serve à vontade deprincípio objetivo da suaautodeterminação é o fim, e este, seé dado pela só razão, tem de serválido igualmente para todos os seresracionais. O que pelo contrário contémapenas o princípio da possibilidade daação, cujo efeito é um fim, chama-semeio.

Kant (1995:65) também distingue claramente pessoae coisa:

Os seres cuja existência depende nãoem verdade da nossa vontade, masda natureza, têm, contudo, se sãoseres irracionais, apenas um valorrelativo como meios, e por isso sechamam coisas, ao passo que osseres racionais se chamam pessoas,porque a sua natureza os distingue jácomo fins em si mesmos, quer dizer,

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como algo que não pode serempregado como simples meio eque, por conseguinte, limita nessamedida todo o arbítrio (e é um objetodo respeito).

Nessa última distinção, reaparece um dos conceitosmorais kantianos (ainda não esclarecido) mais importantesà apreensão do conteúdo do princípio da dignidade dapessoa humana: o respeito. O respeito, segundo Kant, é oúnico sentimento cognoscível a priori; quer dizer: não é umsentimento recebido por influência sensível, mas umsentimento que se produz por si mesmo através de umconceito da razão, e assim especificamente se distingue detodos os sentimentos do primeiro gênero que se podemreportar à inclinação ou ao medo. Conforme Oliveira(1993b:152), “trata-se de um sentimento moral, o que, paraKant, significa absolutamente independente da sensibilidadee, portanto, produto da razão prática11 ”. Em suma, para Kant(1995:39), “aquilo que eu reconheço imediatamente comolei para mim, reconheço-o com um sentimento de respeitoque não significa senão a consciência de subordinação daminha vontade a uma lei, sem intervenção de outrasinfluências sobre a minha sensibilidade”.

A incidência desse sentimento moral na dignidadeda pessoa humana apresenta-se com mais fulgor ainda na

11 O sentimento moral, para Kant, não é o critério para o juízo moral, masantes, o efeito subjetivo que a lei exerce sobre a vontade humana. Só a razão,como se viu, pode fornecer os princípios objetivos da ação moral (cf. KANT,2001:92; 1995:79).

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sua obra Crítica da Razão Prática (1788), na qual Kant

(2001:92) diz o seguinte: “o respeito dirige-se sempre e

unicamente a pessoas, jamais a coisas. As últimas podem

suscitar em nós a inclinação e, se forem animais (por

exemplo, cavalos, cães, etc), até mesmo o amor, ou também

o temor, como o mar, um vulcão, uma fera, mas nunca o

respeito”. Kant (2001:92) ressalta que “se se examina

atentamente o conceito do respeito pelas pessoas, perceber-

se-á que ele se baseia sempre na consciência de um dever

que um exemplo nos apresenta, e que, portanto, o respeito

nunca pode ter nenhum outro fundamento senão um

fundamento moral”. Ele elucida isso em ocasião anterior,

quando acresce, ao dizer de Fontenelle – na presença de

um grande, inclino-me, mas o meu espírito não se inclina

–, que [...] diante de um homem de classe inferior, um burguês

ordinário, no qual percepciono uma retidão de caráter de

um grau tal que eu, no que me toca, não tenho consciência

de possuir, o meu espírito inclina-se, quer eu queira quer

não e por muito que eu levante a cabeça para que não lhe

passe despercebida a superioridade da minha condição

(KANT, 2001:92).

Kant (2001:92-93) continua a explicação da seguinte

forma:

O seu exemplo apresenta-me uma leique confunde a minha presunçãoquando a comparo com a minhaconduta e o seu cumprimento, por

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conseguinte, a sua praticabilidade,vejo-a demonstrada diante de mimatravés da ação. Ora, posso até estarconsciente de haver em mim um igualgrau de honestidade e, não obstante,o respeito permanece. Com efeito,visto que no homem o bem é sempreimperfeito, a lei tornada concretaatravés de um exemplo, confundesempre o meu orgulho; e o homem,que vejo diante de mim, cujaimperfeição, a qual o pode aindaafetar não me é tão conhecida comoconhecida me é a minha, aparece-seassim uma medida. O respeito é umtributo que não podemos recusar aomérito que queiramos ou não;podemos, quando muito, não omanifestar exteriormente, no entanto,não conseguimos impedir deinternamente o sentirmos.

Para o exame do imperativo categórico atinente àdignidade da pessoa humana, outra questão ainda necessitaser explanada: a distinção entre dignidade e preço. Deacordo com Kant (1995:71-72), “quando uma coisa tem umpreço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra equivalente;mas quando uma coisa está acima de todo o preço e,portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade”.Apenas a pessoa, como se viu, está acima de todo o preço,e somente ela, enquanto capaz de moralidade, possuidignidade, e, por isso, não pode ser substituível ou

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considerada como objeto em momento algum. Nessehorizonte, enquanto o ser pessoal deve ser estimadoexclusivamente em razão de si mesmo, todo o resto possuimera acepção condicionada e, assim, é passível de umaligação funcional universal. É perfeitamente lícito utilizar esteem função do outro. Todavia, o ser humano, nas palavras deOliveira (1993b:154), “é autotélico e enquanto autofinalidaderevela-se algo fundamentalmente não-funcionalizável”. Porconta disso, ele nunca pode ser tido como meio, masinsuperavelmente exige ser reconhecido nessa suaautofinalidade. Em outros termos: a humanidade só podeser vista e tratada adequadamente quando efetivada no seuvalor intrínseco e incondicional.

Deve-se, ainda, apontar que o imperativo categórico– “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua,como na pessoa de qualquer outro, sempre esimultaneamente como fim e nunca simplesmente comomeio” – amplia o princípio ético popularmente conhecidocomo Regra de Ouro, estabelecido no capítulo 6:31 doEvangelho de Lucas: “O que quereis que os homens vosfaçam, fazei-o também a eles” (Quod tibi non vis fieri, alione feceris). O próprio Kant (1995:67) defende,veementemente, a não-redução do imperativo categórico àreferida Regra:

Não vá pensar-se que aqui o trivial“quod tibi non vis fieri” etc. possa servirde diretriz ou princípio. Pois estepreceito, posto que com váriasrestrições, só pode derivar daquele[do imperativo categórico]; não pode

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ser uma lei universal, visto não contero princípio dos deveres para consigomesmo, nem o dos deveres decaridade para com os outros (porquemuitos renunciaram de bom grado aque outros lhe fizessem bem se issoos dispensasse de eles fazerem bemaos outros), nem mesmo, finalmente,o princípio dos deveres mútuos;porque o criminoso poderia por estarazão argumentar contra os juízes queo punem, etc.

Dessa ampliação realizada pelo imperativocategórico em face do princípio religioso aludido, surge umaquestão fundamental para este trabalho, qual seja: a dosdeveres consigo mesmo, tratada por Kant no seu livro AMetafísica dos Costumes (1797), mais especificamente naparte dedicada à Doutrina da Virtude.

Primeiramente, tal questão é problematizada ao seinformar que o conceito de dever consigo mesmo contém,pelo menos à primeira vista, uma contradição, porquanto aproposição que afirma um dever comigo mesmo (eu devoobrigar a mim mesmo) implica ser obrigado a mim mesmo(uma obrigação passiva que era, ainda no mesmo sentidoda relação, também uma obrigação ativa). Nesse sentido,segundo Kant (2003:259), pode-se dizer que aqueleindivíduo “que impõe a obrigação (auctor obligationis)poderia sempre liberar o submetido à obrigação (subiectumobligationis) da obrigação (terminus obligationus), de sorte

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que (se ambos são um e o mesmo sujeito) ele seria de modoalgum obrigado a um dever que ele colocou sobre si mesmo”.

Todavia, no entendimento de Kant (2003:260), o serhumano tem deveres para consigo mesmo, pois

supondo que não houvesse taisdeveres, não haveria deveresquaisquer que fossem e, assim,tampouco deveres externos, postoque posso reconhecer que estousubmetido à obrigação a outrossomente na medida em que eusimultaneamente submeto a mimmesmo à obrigação, uma vez que alei em virtude da qual julgo a mimmesmo como estando submetido àobrigação procede em todos oscasos de minha própria razão práticae no ser constrangido por minhaprópria razão, sou também aquele queconstrange a mim mesmo.

A solução dessa aparente antinomia dos deveres paraconsigo mesmo talvez demonstre uma parcela considerávelda contribuição kantiana para o princípio do respeito àhumanidade, que passa a ser estendido ao próprio sujeitoda ação. Para resolver a ilusória contradição mencionada,Kant (2003:260) vale-se de uma concepção fundamental desua filosofia teórica formulada na obra Crítica da Razão Pura(1781): o duplo significado dos objetos, enquanto fenômenos

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e enquanto coisas em si12 . Assim, para Kant (2003:260),quando um ser humano está consciente de um dever para

consigo mesmo, “ele vê a si mesmo, como sujeito do dever,

sob dois atributos: primeiro, como um ser sensível, isto é,

como um ser humano (membro de uma das espécies

animais) e, segundo, como um ser inteligível (não corpóreo)”.

Observa-se, entretanto, que “os sentidos não podem atingir

este último aspecto de um ser humano, que só é possível

conhecer em relações moralmente práticas, nas quais a

incompreensível propriedade da liberdade é revelada pela

influência da razão sobre a vontade legisladora” (KANT,2003:260).

12 É importante transcrever o ensinamento de Kant (1974:13-16) a respeitodesse tema: “o que nos impele necessariamente a ultrapassar os limites daexperiência e de todos os fenômenos é o incondicionado, que a razão nascoisas em si mesmas exige necessariamente e com todo o direito para todo ocondicionado a fim de concluir a série de condições. Admitindo-se que o nossoconhecimento de experiência se regule pelos objetos como coisas em si mesmas,ver-se-á que o incondicionado não pode ser pensado sem contradição;admitindo-se, em compensação, que a nossa representação das coisas comonos são dadas se regule não por estas como coisas em si mesmas, mas antesestes objetos como fenômenos se regulem pelo nosso modo de representação,ver-se-á que a contradição desaparece; e que, conseqüentemente, oincondicionado não deve ser encontrado em coisas enquanto as conhecemos(nos são dadas), mas sim nelas enquanto não as conhecemos, como coisas emsi mesmas”. [...] “Na parte analítica da Critica, prova-se que espaço e tempo sãoapenas formas de intuição sensível, portanto, somente condições da existênciadas coisas como fenômenos; que nós, além disso, não possuímos nenhumconceito do entendimento e, portanto, nenhum elemento para o conhecimentodas coisas, a menos que a esses conceitos possa ser dada uma intuiçãocorrespondente; que, por conseguinte, não podemos conhecer nenhum objetocomo coisa em si mesma, mas somente na medida em que for objeto da intuiçãosensível, isto é, como fenômeno; donde se segue com certeza a limitação detodo o possível conhecimento especulativo da razão aos simples objetos daexperiência. Todavia, note-se bem, será sempre preciso fazer esta ressalva, deque, se não podemos conhecer estes objetos como coisas em si mesmas,devemos pelo menos poder pensá-los. Do contrário, seguir-se-ia a absurdaproposição de que haveria fenômeno sem que nele aparecesse algo”.

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Kant (2003:260) finaliza a sua explicação sobre aaparente antinomia dos deveres consigo mesmoargumentando o seguinte:

Ora, o ser humano, como um sernatural possuidor da razão (homophaenomenon), pode serdeterminado por sua razão, como umacausa, às ações no mundo sensível e,até aqui, o conceito de obrigação nãoé considerado. Mas o mesmo serhumano pensado em termos de suapersonalidade, ou seja, como um serdotado de liberdade interior (homonoumenon), é considerado como umser que pode ser submetido àobrigação e, com efeito, à obrigaçãopara consigo mesmo (para com ahumanidade em sua própria pessoa).Assim, o ser humano (tomado nestesdois sentidos distintos) podereconhecer um dever consigo mesmo,sem cair em contradição (porque oconceito de ser humano não épensado em um e mesmo sentido).

4. Considerações finais

O término desta investigação é o momento mais

oportuno para se reforçar a escolha de uma análise moral

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39THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

do princípio da dignidade da pessoa humana, porquanto já

se têm em mente os pressupostos conceituais e uma idéia

geral desse princípio na visão de Kant. Como foi dito

anteriormente, o respeito à humanidade origina-se na própria

razão, sendo somente por motivos de efetivação prática

positivado juridicamente. Dessa maneira, considera-se

adequada a busca de Kant, nos mais profundos

compartimentos da razão pura, pelos fundamentos da

moralidade, a qual, conquanto se mantenha sempre diante

dos olhos e sirva como padrão dos juízos de todos os seres

racionais, conserva-se, em grande parte, desconhecida. O

filósofo alemão procurou entender o que seria aquela lei

moral dentro de todos os seres racionais que, a todo

momento, diz “isso é correto” ou “isso é incorreto”, servindo

como uma bússola no julgamento de todas as ações. Para

a modernidade, o avanço promovido pela concepção

universalista da filosofia prática kantiana é bastante

impressivo, sobretudo quando se preconiza fielmente a

unidade e a dignidade de todos os seres humanos,

independentemente da cor da sua pele ou do tipo e do grau

civilizacional das suas sociedades.

É preciso ressaltar que a presente exposição não teve

qualquer intuito de exaurir as conseqüências da filosofia

moral de Kant no que se refere ao valor pessoal do homem.

A finalidade foi tão-somente buscar esclarecer, a partir desse

autor, o conteúdo e o valor do princípio da dignidade da

pessoa humana, para evitar, com isso, a sua utilização

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40 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

incoerente, em particular pelos operadores do Direito. No

âmbito jurídico, é certo afirmar que o princípio da dignidade

da pessoa humana é tão importante quanto ignoto para

aqueles que mais necessitam dominá-lo. Se esta pesquisa

pôde, de algum modo, iluminar o significado e o conteúdo

desse princípio, a sua validade e o seu objetivo estarão

firmados.

Reitera-se, com Kant, que se alguma coisa pode ter,

em sua existência, ou seja, em si mesma, um valor absoluto,

tal coisa é o homem ou, de maneira mais geral, todo o ser

racional. Esse existe não só como meio para o uso arbitrário

desta ou daquela vontade, mas, pelo contrário: em todas as

suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo quanto

nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre

de ser considerado simultaneamente como fim.

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41THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

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A CONTRIBUIÇÃO DA DOUTRINA CRISTÃ PARA OS

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Roberta Lia Sampaio de Araújo MarquesProfessora da Faculdade Christus

Coordenadora de Políticas da Direito Democraciae Desenvolvimento – D3

Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará

Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará

SUMÁRIO: 01 - Introdução; 02 -Contexto da Igreja Cristã Primitiva; 03- Os Dez Mandamentos; 04 - RelaçãoDireitos Fundamentais e Bíblia; 05 -Nova Hermenêutica dos DireitosFundamentais; 06 - Conclusão; 07 -Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Primeiramente, cumpre-nos esclarecer que nãopretendemos dar ao seguinte artigo uma visão religiosa.Também não queremos, nem temos espaço para tratar comprofundidade teológica, temas polêmicos sobre a históriada igreja cristã em relação aos direitos fundamentais. Ésabido que em nome da religião muito se tem contribuídopara a violação dos direitos fundamentais ao longo daevolução da humanidade.

Escolhemos enfocar a Bíblia, preferindo beber diretoda fonte e não em correntes já turvas. Não há como

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desconsiderar o valor histórico, arqueológico, antropológicoe científico da escritura bíblica. Tomando especialmente osDez Mandamentos e o Sermão do Monte, trazemos umasimples e, para alguns, surpreendente relação da Bíblia comos direitos humanos positivados na maioria dasconstituições do mundo.

A seguir, destaca-se a pessoa de Jesus Cristo e seusensinamentos, expressos sinteticamente no conhecidoSermão do Monte. Mesmo se não considerarmos a Jesuscomo o Filho de Deus, o próprio Deus encarnado emontologia humana, não se pode deixar de analisá-lo comouma figura histórica, real, filosófica, com ensinos e posturasrevolucionárias. O fato é que Ele dividiu a história em antese depois.

Pretendo demonstrar que vários direitos hojeconsiderados fundamentais já encontravam sua previsão naBíblia, antes mesmo de ser escrita qualquer Constituiçãode um Estado.

CONTEXTO DA IGREJA CRISTÃ PRIMITIVA

“O Cristianismo, com um rol tãoimpressionante de serviços nocampo social e humanitário, recebeuem relativamente pouco tempo umsólido apoio popular por onde seespalha. Esse apoio se traduzposteriormente, em avançosjurídicos, poder político e prestígio

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cultural. O Cristianismo venceu poruma atuação persistente e corajosana base do edifício social e políticoda sociedade. Constituiu-se uma‘utopia que funciona’ no seio dosubmundo romano. Conseguiu paramuitas pessoas e muitos grupos umacidadania real...” - Eduardo Hoornaert- História da Cidadania

Os cristãos, mesmo sendo perseguidos e levados àArena para serem mortos por leões, conseguiram sedestacar no seio da sociedade romana, desafiando oImpério. Elenco alguns diferenciais dos cristãos no ImpérioRomano, expostos no livro História da Cidadania, no capítuloAs Comunidades Cristãs dos Primeiros Séculos.• Enterro dos falecidos - os cristãos enterravam e pagavam

covas para os seus e para vizinhos e amigos, que nãopodiam pagar por um enterro digno.

• Hospitalidade - característica notória dos cristãos,acolhendo inclusive desconhecidos, estrangeiros emarginalizados.

• Serviço regular de alimentação e hospedagem para osnecessitados, viúvas e órfãos - cristãos tinham umaatenção especial, encontrando-se em toda a Escrituraorientações para o cuidado com esses segmentos dasociedade.

• Visitas a doentes - os cristãos, em prejuízo de suaprópria saúde, não deixavam de visitar e cuidar dos

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doentes, especialmente as vítimas de peste e pessoasque eram isoladas do convívio dos outros, como osleprosos.

• Visita aos presos - os encarcerados também recebiamuma atenção especial dos cristãos, sendo por elesvisitados e assistidos em suas necessidades.

• Identidade social e dignidade aos estrangeiros - oestrangeiro encontrava no meio dos cristãos umaidentidade, um local acolhedor, tendo sido totalmentedesconsiderados na sociedade romana.

• Registro de mulheres - há na Bíblia e nos registros dahistória do povo hebreu muitos registros de mulheres, oque na época era inovador, tendo o destaque de mulheresque ocuparam posições de liderança, livros da Bíblia comnomes de mulheres, tendo sido exaltadas por seus feitos,como o caso da rainha Ester.

Evidentemente, o contexto de relações sociaispresentes nas comunidades dos primeiros cristãos,expressavam, quando não transcendiam, valores e princípiosnorteadores dos atuais direitos humanos fundamentais. Seobservarmos o texto abaixo, fazendo um paralelo entre amáxima da revolução francesa “Liberdade, Igualdade,Fraternidade”, por vezes usada para representar os direitosfundamentais de primeira, segunda e terceira gerações,veremos que os cristãos primitivos antecipavam aefetividade dos direitos ainda hoje almejada pelassociedades:

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Muitos acreditaram na mensagem dePedro e foram batizados. Naquele diaquase três mil se juntaram ao grupodos seguidores de Jesus. E todoscontinuavam firmes, seguindo osensinamentos dos apóstolos, vivendoem amor cristão, partindo o pão juntose fazendo orações. Os apóstolosfaziam muitos milagres e maravilhas,e por isso todas as pessoas estavamcheias de temor. Todos os que criamestavam juntos e unidos e repartiamuns com os outros o que tinham. Elevendiam as suas propriedades eoutras coisas e dividiam o dinheirocom todos, de acordo com anecessidade de cada um. Todos osdias, unidos, eles se reuniam no pátiodo Templo. E nas suas casas partiamo pão e participavam das refeiçõescom alegria e humildade.Eles louvavam a Deus por tudo e eramestimados por todos. E cada dia oSenhor juntava ao grupo as pessoasque iam sendo salvas. (ATOS 2, 41-47)

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OS DEZ MANDAMENTOS

O Decálogo, em sua expressão clássica, é encontrado

duas vezes no Antigo Testamento, em Êxodo 20, 1-17 e

Deuteronômio 5, 6-21. Na primeira vez em que é

mencionado, o povo de Deus está ao pé do Monte Sinai, ou

seja, Israel está no início de sua jornada pelo deserto, depois

da fuga do cativeiro no Egito. Na segunda vez, são

encontrados provavelmente em forma de repetição didática

e enfática, quando Israel está no fim da jornada. Constituem

o cerne ou o princípio da lei, e são o conteúdo fundamental

da ética cristã (REIFLER, 1992, p. 47). Por essas razões,

elegi-os para traçar sua relação com os ensinamentos do

Novo Testamento, como forma de visualizar a unidade da

Bíblia e a firmeza do ensino (tabela 01), bem como analisá-

los de sorte a mostrar que os mandamentos são normas de

caráter individual e social, sendo fundamento para a proteção

de direitos fundamentais hoje conhecidos (tabela 02).

TABELA 011º MANDAMENTO

Não terás outros deuses diante de mim.

Também sabemos que o Filho de Deus é vindo e nos tem dado entendimento para

reconhecermos o verdadeiro; e estamos no verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é

o verdadeiro Deus e a vida eterna. Filhinhos, guardai-vos dos ídolos.

I João 5, 20-21

2º MANDAMENTO

Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança

alguma do que há em cima no céu, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da

terra;

Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem

corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. (...) pois eles

mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar

do Criador... Romanos 1, 22-25

3º MANDAMENTO Não tomarás o nome do Acima de tudo, porém, meus irmãos, não

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48 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

3º MANDAMENTO

Não tomarás o nome do SENHOR, teu Deus, em vão, porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o

seu nome em vão.

Acima de tudo, porém, meus irmãos, não jureis nem pelo céu, nem pela terra, nem por qualquer outro voto; antes, seja o vosso sim sim, e o vosso não não, para não cairdes em

juízo. Tiago 5, 12

4º MANDAMENTO

Guarda o dia de sábado, para o santificar, como te ordenou

o SENHOR, teu Deus.

O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do

sábado; de sorte que o Filho do Homem é Senhor também do sábado.

Marcos 2, 27-28 5º MANDAMENTO

Honra a teu pai e a tua mãe, como o SENHOR, teu Deus,

te ordenou, para que se prolonguem os teus dias e

para que te vá bem na terra que o SENHOR, teu Deus, te

dá.

Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isto é justo. Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa, para que te vá bem, e sejas de

longa vida sobre a terra. Efésios 6, 1- 3

6º MANDAMENTO

Não matarás.

Pois isto: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e, se há qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás o teu próximo como a ti

mesmo. O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o

amor. Romanos 13, 9-10

7º MANDAMENTO

Não adulterarás.

Certo homem de posição perguntou-lhe: Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas

bom? Ninguém é bom, senão um, que é Deus. Sabes os mandamentos: Não adulterarás, não

matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe.

Lucas 18, 18-21

8º MANDAMENTO

Não furtarás.

Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que

é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado. Efésios 4, 28

9º MANDAMENTO

Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.

Não mintais uns aos outros Colossenses 3, 9

Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Aquele que fala mal do irmão ou julga a seu irmão fala

mal da lei e julga a lei; Tiago 4, 11

10º MANDAMENTO

Não cobiçarás a mulher do teu próximo. Não desejarás a casa do teu próximo, nem o

seu campo, nem o seu servo, nem o seu boi, nem o seu

jumento, nem coisa alguma do teu próximo.

Mas a impudicícia e toda sorte de impurezas ou cobiça nem sequer se nomeiem entre vós,

como convém a santos; Efésios 5, 3

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MANDAMENTO DESCRIÇÃO ASSUNTO DIREITO PROTEGIDO

1º e 2º Adoração Moral teológica Respeito ao culto

3º Nome de Deus Moral teológica Respeito ao culto

4º Sábado Moral teológica / individual Descanso

5º Autoridade Moral individual Velhice e família

6º Homicídio Moral individual Vida

7º Adultério Moral social Casamento e

integridade

8º Roubo Moral social Propriedade e trabalho

9º Falso

testemunho

Moral social Honra

10º Cobiça Moral social Paz social

TABELA 02

RELAÇÃO DIREITOS FUNDAMENTAIS E BÍBLIA

A seguir, passo a traçar um paralelo entre uma série

de direitos fundamentais enumerados na Constituição

Federal brasileira de 1988 e a previsão de correlatos

ensinamentos previstos na Escritura, tanto no Antigo como

no Novo Testamento. Alguns institutos bíblicos constituem até

um avanço, em termos de proteção aos direitos

fundamentais, ainda não respaldado ou atingido pelas

constituições dos estados modernos.

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50 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Quando entre ti houver algum pobre de teus irmãos, em alguma das tuas cidades, na tua terra que o SENHOR, teu

Deus, te dá, não endurecerás o teu coração, nem fecharás as mãos a teu irmão pobre; antes, lhe abrirás de todo a mão e lhe

emprestarás o que lhe falta, quanto baste para a sua necessidade.

DEUTERONÔMIO 15, 7-8

Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das

viúvas ISAÍAS 1, 17

Ai dos que decretam leis injustas, dos que escrevem leis de

opressão, para negarem justiça aos pobres, para arrebatarem o direito

aos aflitos do meu povo, a fim de despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!

ISAÍAS 10, 1-2

Ai daquele que edifica a sua casa com injustiça e os seus aposentos, sem direito! Que se vale do serviço do seu

próximo, sem paga, e não lhe dá o salário; JEREMIAS 22, 13

Não oprimindo a ninguém, não roubando, dando o seu pão ao faminto e cobrindo ao nu com vestes; desviando a sua mão da

injustiça e fazendo verdadeiro juízo entre homem e homem; andando nos meus estatutos, guardando os meus juízos e procedendo retamente, o tal justo, certamente, viverá, diz o

SENHOR Deus. EZEQUIEL 18, 7-9

REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES, SOCIEDADE

JUSTA E SOLIDÁRIA

PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos

céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou

Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a

terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela

terra. GÊNESIS 1, 26-28

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DIGNIDADE AOS PRESOSArt. 5º, VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Lembrai-vos dos encarcerados, como se presos com eles; dos que sofrem maus tratos, como se, com efeito, vós mesmos em pessoa fôsseis os

maltratados. HEBREUS 13, 3

DIREITO A INTIMIDADE, A HONRAArt. 5º, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Não façam altares com degraus, para que, quando vocês subirem por eles, a

sua nudez não apareça. EXODO 20,26

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADEArt. 5º, XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

ANO DO JUBILEU Pois esse ano, que vem depois de cada quarenta e nove anos,

é o ano sagrado da libertação, em que vocês anunciarão liberdade a todos os moradores do país. Nesse ano todos os que tiverem sido vendidos como escravos voltarão livres para

as suas famílias, e todos os campos que tiverem sido vendidos voltarão a pertencer ao primeiro dono. Nesse ano ninguém semeará os seus campos, nem colherá o trigo que crescer por si mesmo, nem podará as parreiras, nem colherá as uvas, pois o Ano da Libertação é sagrado para o povo, e

nele todos se alimentarão somente daquilo que a terra produzir por si mesma. No Ano da Libertação todas as terras que tiverem sido vendidas voltarão a pertencer ao primeiro dono. (...) Mas alguém é capaz de perguntar como é que

haverá comida durante o sétimo ano, quando ninguém vai semear nem fazer a colheita. A resposta é que Deus

abençoará a terra, e no sexto ano ela produzirá colheitas que serão suficientes para três anos. Quando vocês semearem os

seus campos no oitavo ano, estarão comendo daquilo que colheram no sexto ano, e haverá bastante para comerem até a colheita do nono ano. A terra é de Deus; portanto, ela não será

para sempre daquele que a comprar. Deus é o dono dela, e para ele nós somos estrangeiros que moram por um pouco de

tempo na terra dele. LEVÍTICO 25, 8-23

DIA DE DESCANSOArt. 7º, XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

E, havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito.

GÊNESIS 2, 2 Guarde o sábado, que é um dia santo.

Faça todo o seu trabalho durante seis dias da semana; mas o sétimo dia é o dia de descanso, dedicado a mim, o seu Deus. Não faça nenhum trabalho nesse dia, nem você, nem os seus

filhos ou as suas filhas, nem os seus escravos ou as suas escravas, nem os seus animais, nem os estrangeiros que

vivem na terra de vocês. Em seis dias eu, o Deus Eterno, fiz o céu, a terra, o mar e tudo o que há neles, mas no sétimo dia descansei. Foi por isso que eu, o Deus Eterno, abençoei o

sábado e o separei para ser um dia santo. EXODO 20, 1-11

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EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO

Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

Procura dentre o povo homens capazes, tementes a Deus, homens de verdade, que aborreçam a avareza; põe-nos sobre eles por chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinqüenta e chefes de dez; para que julguem este povo em todo tempo. Toda causa grave trarão a ti, mas toda causa pequena eles

mesmos julgarão; será assim mais fácil para ti, e eles levarão a carga contigo.

ÊXODO 18, 21-22

DIREITO A INDENIZAÇÃO POR DANOArt. 5º, V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

Se durante uma briga um homem ferir o outro com uma pedra ou com um soco, ele não será castigado se aquele que foi

ferido não morrer. Mas, se este ficar de cama, e mais tarde se levantar, e começar a andar fora da casa com a ajuda de uma bengala, então aquele que o feriu terá de pagar o tempo que o outro perdeu e também as despesas do tratamento. Se alguns homens estiverem brigando e ferirem uma mulher grávida, e

por causa disso ela perder a criança, mas sem maior prejuízo para a sua saúde, aquele que a feriu será obrigado a pagar o

que o marido dela exigir, de acordo com o que os juízes decidirem.

ÊXODO21, 18

DIGNIDADE AO ESTRANGEIRO

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Não maltratem, nem persigam um estrangeiro que estiver morando na terra de vocês. Lembrem que vocês foram estrangeiros no Egito. Não maltratem as viúvas nem os órfãos. Se vocês os maltratarem, eu, o Deus Eterno, os

atenderei quando eles pedirem socorro. ÊXODO 22, 21-23

DIREITO AO JULGAMENTO JUSTOArt. 5º, LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Não espalhe notícias falsas e não minta no tribunal para ajudar alguém. Não siga a maioria quando ela faz o que é errado e não dê testemunho falso para

ajudar a maioria a torcer a justiça. Não faça injustiça, nem mesmo para favorecer o pobre. Não faça acusações falsas, nem condene à morte uma pessoa inocente. Pois eu condenarei aquele que fizer essas coisas más. Não aceite dinheiro para

torcer a justiça, pois esse dinheiro faz que as pessoas fiquem cegas e não vejam o que é direito,

prejudicando assim a causa daqueles que são inocentes.

ÊXODO 23, 1-8

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DIREITO AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADOArt. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Durante seis anos você semeará as suas terras e colherá o que elas produzirem.

Porém no sétimo ano deixe que a terra descanse e não colha nada que crescer nela. Mas os pobres poderão comer o que crescer ali, e os animais selvagens comerão o que sobrar. Faça isso também com as suas plantações de uvas e de

azeitonas. ÊXODO 23,10-11

ANO SABÁTICO

O Deus Eterno falou com Moisés no monte Sinai e mandou que ele desse ao povo de Israel as seguintes leis. Quando vocês entrarem na terra que o Deus Eterno lhes vai dar, deixem que de sete em sete anos a terra descanse, em honra do Deus Eterno. Durante seis anos semeiem os

seus campos, podem as parreiras e colham as uvas. Mas o sétimo ano será um ano de descanso sagrado para a

terra, um descanso dedicado ao Deus Eterno. Nesse ano ninguém semeará o seu campo, nem podará as suas parreiras. Ninguém colherá o trigo que crescer por si

mesmo, nem podará as parreiras, nem colherá as uvas. Será um ano de descanso completo para a terra. Os

campos não serão semeados, mas mesmo assim produzirão o bastante para alimentar todos os israelitas,

os seus escravos e as suas escravas, os seus empregados, os estrangeiros que vivem no meio do povo e também os animais domésticos e os animais selvagens.

Tudo o que a terra produzir servirá de alimento. LEVÍTICO 25, 1-7

NOVA HERMENÊUTICA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS“O Sermão do Monte é uma espéciede “supra-sumo” elaborado porMateus, baseado nos ensinamentosde Jesus. Não me parece umamensagem focalizada a dar respostasa todas as perguntas da vida; mas,sem dúvida alguma, é relevante parao tipo peculiar de vida proposto porJesus. É uma proposta suficiente emsi mesma e aponta para a realizaçãoplena de nossa humanidade. (...) O

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Sermão do Monte nos ajuda aentender a vida a partir de novosprismas, valores, princípios, virtudese perspectivas. Na verdade, o queJesus apresenta não deveria serconsiderado tão novo assim - é osentido humano pleno para o qualtodos fomos criados. Criados para avocação de ser gente.” Carlos Queiroz- Ser é o Bastante

Focalizando o Sermão do Monte, enunciado noscapítulos 5, 6 e 7 do Evangelho de Mateus, dos quaissugerimos uma leitura atenta, preferimos resgatar a essênciado Cristianismo, em vez de percorrer a história da igrejacristã. E na busca pela essência, o prisma ainda maisespecífico na pessoa de Jesus Cristo e em seusensinamentos resumidamente expostos nesta passagem daBíblia.

Considerando Hermenêutica como sendo a ciênciaque estuda as formas de interpretação, de uma forma bemsimples, intitulamos Nova Hermenêutica por ser umadiferente forma de se estudar a interpretação dos direitosfundamentais. Também pode ser considerada NovaHermenêutica por trazer conceitos antigos, escritos séculosantes de Cristo, mas numa linguagem atual e para aplicaçãono século XXI.

O livro de Mateus não é o primeiro dos quatroevangelhos canônicos e há fortes argumentos para que olivro tenha sido escrito entre os anos 70 e 80 D.C., ou melhor,

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30 a 50 anos depois de Jesus ter andado com seusdiscípulos em Jerusalém. Mateus faz pontes estratégicas decomunicação com a história e a experiência religiosa dosjudeus. Ele inclui profecias do Antigo Testamento e faz alusãopermanente às leis bem conhecidas dos judeus, realçandoo conteúdo do Dez Mandamentos. (QUEIROZ, 2003:20) Eesta menção, denota a coerência bíblica, na qual alimenta-se o presente artigo também.

Como já descrito, os ensinos concisos dos DezMandamentos, encontram disposição renovada no NovoTestamento. Os Direitos Fundamentais positivados em nossaConstituição Federal já encontravam previsão vários séculosantes, inclusive até em uma dimensão mais avançada. Porexemplo, a proteção do direito de propriedade e o seu novoenfoque dado em 1988, de que deve atender a sua funçãosocial, já se encontra como mandamento dado pelo próprioDeus ao seu povo, na forma do instituto “Ano do Jubileu”,que desestruturava o acúmulo de riquezas, na medida emque todas as propriedades retornavam aos seus primeirosdonos a cada cinqüenta anos, praticamente a cada geração.Vale ressaltar que os primeiros donos tinham quase que amesma porção de terra, tendo em vista que foram divididasentre as doze tribos, logo após o povo hebreu ter chegado àTerra de Israel. Com o Jubileu, as desigualdades sociais queporventura tivessem surgido, em cada cinco décadas eramsujeitas a um nivelamento. Existia a propriedade privada daterra, da casa, animais, utensílios domésticos e de trabalho,mas com um conceito diferente. Essa propriedade eradestinada ao trabalho e à produção, nunca como fonte deócio, mero acúmulo ou de especulação imobiliária. Sendo

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as propriedades bens inelásticos, o acúmulo por uns iria,necessariamente, conduzir ao empobrecimento dos outros.O Senhor proibia a venda da terra como título deperpetuidade, alegando o caráter transitório da passagemdo homem pela terra e de a recebermos com uma finalidade,“porque a terra é minha...” (Levítico 25:23), dizia Ele.(Cavalcanti:1988,28)

Outro avanço bem característico é a instituição do “AnoSabático”, na proteção do direito ambiental, direito deterceira geração, na concepção de Paulo Bonavides. A cadasétimo ano era o ano de descanso para a terra, providênciade profundas implicações agronômicas e ecológicas. Nãose devia cultivar nada, o que nascesse por si mesmo erapermitido aos pobres comer e as sobras eram dadas aosanimais. Para acalmar temores, Deus assegurava uma safraexcepcional cada sexto ano. (Cavalcanti: 1988, 28)

Os enunciados do Sermão do Monte tambémconstituem avanços e contribuem imensamente para aaplicação dos direitos fundamentais. É um avanço na lei dosprofetas, dos fariseus, dos escribas. Seria um avanço emnosso ordenamento jurídico atual, porém não para revogá-lo, mas para lhe dar pleno sentido.

Não pensem que eu vim para acabarcom a Lei de Moisés ou com osensinamentos dos Profetas. Não vimpara acabar com eles, mas para daro seu sentido completo.Eu afirmo a vocês que isto é verdade:Enquanto o céu e a terra durarem, nada

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será tirado da Lei - nem a menor letra,nem qualquer acento. E assim será atéo fim de todas as coisas.Portanto, qualquer um quedesobedecer ao menor mandamentoe ensinar os outros a fazerem omesmo será considerado o menor noReino do Céu. Por outro lado, quemobedecer à Lei e ensinar os outros afazerem o mesmo será consideradogrande no Reino do Céu.Pois eu afirmo a vocês que sóentrarão no Reino do Céu se foremmais fiéis em fazer a vontade de Deusdo que os professores da Lei e osfariseus. Mateus 5, 17-20

Jesus estava se referindo tanto aos Dez Mandamentosquanto a textos judaicos que não encontram previsão noVelho Testamento (conjunto de 613 mandamentos oriundosdas leis cerimoniais e morais do Judaísmo), até porrepresentar o texto apenas o ponto de partida para extrair averdadeira interpretação. Jesus, em todo o Sermão doMonte, busca interpretar o espírito dos mandamentos divinose humanos e o faz como nenhum outro intérprete da lei faria.Na verdade, Ele vem para ampliar a compreensão do texto,faz uma nova hermenêutica e busca criar princípiosdinâmicos que indiquem o sentido e o conteúdo de cadamandamento.

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No decorrer do discurso, Jesus parte de mandamentos

conhecidos e dá a eles uma interpretação extensiva. Por

exemplo, cumprir a ordem “não matarás” já não basta para

um cidadão se sentir tranqüilo. Proteger apenas o direito à

vida, já não é suficiente. Enumerar de forma exemplar os

direitos fundamentais no texto constitucional já não é

suficiente. Até a sua efetivação completa, de todos os

direitos fundamentais, ainda não seria suficiente...

O homicídio, como todos os outros crimes que atentam

contra bens juridicamente valorados, são decorrentes da

manifestação de sentimentos humanos maliciosos. A raiz do

problema aloja-se dentro da pessoa. O assassinato doloso

não começa com uma arma na mão; inicia-se com uma

intenção maldosa, fermenta-se no ódio do coração,

concretiza-se a partir da internalização da idéia da morte.

Contudo, a lei, o Código Penal, sozinhos, não têm o poder

para erradicar essa fermentação fúnebre de dentro das

pessoas. A lei pode até exercer o seu papel de inibir e de

punir a conduta delituosa, mas não tem quase nenhum poder

de prevenir. O próprio Jesus é capaz de resumir o respeito

aos direitos fundamentais e o equilíbrio na sua aplicação:

“Façam aos outros o que querem que eles façam a vocês;

(ou não façam aos outros aquilo que não gostariam que se

fizesse a vocês), pois isso é o que querem dizer a Lei de

Moisés e os ensinamentos dos Profetas.”

Entretanto, de onde vem a autoridade de Jesus em

ensinar, e a ir além da lei de Moisés, dos ensinos dos

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Profetas, a ir além do Legislativo, além da letra da

Constituição?

“Quando Jesus acabou de proferir

estas palavras, as multidões estavam

admiradas com a sua maneira de

ensinar.

Ele não era como os professores da

Lei; pelo contrário, ensinava como

quem tem autoridade, e não como os

escribas.” Mateus 7, 28-29

A singularidade dos ensinos de Jesus deve-se a vários

fatores, dentre os quais John Stott discorre de maneira

magistral em sete itens: a autoridade de Jesus como mestre,

como Cristo, como Senhor, como Salvador, como Juiz, como

Filho de Deus e como o próprio Deus encarnado em forma

humana. (STOTT, 1981; 225 a 235) Também porque Jesus

ensinava corretamente o paradigma certo, porque lidava com

a erradicação do mal, porque ensinava de maneira a libertar

as pessoas do peso da lei, porque priorizava as pessoas e

não bens e instituições. Era nisso que a Sua justiça excedia

a dos escribas e fariseus. E profetas. E legisladores. E Poder

Constituinte. Jesus ensinava “como quem tem autoridade”,

não só pela coerência do que dizia e falava, mas

principalmente por falar e fazer a coisa certa. (QUEIROZ,

2003; 215)

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CONCLUSÃO

De fato, Jesus está indicando novos caminhos na

interpretação dos direitos fundamentais, quando toca nasmotivações, nos valores, razão e sentimentos das pessoas.Seu discurso é sempre: “Ouviste o que foi dito aos antigos...”e conclui com um “ Eu porém vos digo”. Verdadeiramenteuma nova hermenêutica dos direitos fundamentais.

O resumo do ensino de Jesus toca profundamente asrelações humanas e avança em um princípio que, seconcretizado elevaria em muito o nível de relacionamentoentre as pessoas, o princípio da igualdade. Jesus, como novohermenêuta, vai além, propondo o amor ao próximo, umaforma revolucionária de implementar uma sociedaderealmente livre, justa e solidária.

Respondeu-lhe Jesus: Amarás oSenhor, teu Deus, de todo o teucoração, de toda a tua alma e de todoo teu entendimento. Este é o grande eprimeiro mandamento. O segundo,semelhante a este, é: Amarás o teupróximo como a ti mesmo. Destesdois mandamentos dependem toda aLei e os Profetas. MATEUS 22, 37-40

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61THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

RERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 1999.

CAVALCANTI, Robinson. Cristianismo e Política: Teoria Bíblica e

Prática Histórica. São Paulo: Editora Vinde, 1988.

CURY, Augusto Jorge. Análise da Inteligência de Cristo: O Mestre

dos Mestres. São Paulo: Academia da Inteligência, 1999.

KELSEN, Hans. O que é a Justiça? A Justiça, o Direito e a Política no

espelho da Ciência. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

PAULA, Ricardo Henrique Arruda de. Cidadania e Individualismo em

Aristóteles e Cristo: estudo comparativo de antropologia filosófica. Belo

Horizonte: Mandamentos, 2002.

PINSKY, Jaime e Carla Bassanezi Pinsky (orgs). História da Cidadania.

São Paulo: Contexto, 2003.

QUEIROZ, Carlos. Eles Herdarão a Terra. Curitiba: Encontro, 1998.

______________Ser é o Bastante: felicidade à luz do Sermão do Monte.

Curitiba: Encontro, 20003.

REIFLER, Hans Ulrich. A Ética dos Dez Mandamentos. São Paulo:

Edições Vida Nova, 1992.

SICRE, José Luís. A Justiça Social nos Profetas. Trad. Carlos Felício

da Silveira. São Paulo: ed. Paulinas, 1990.

STOTT, John R. W. Contraculttura Cristã - a mensagem do Sermão

do Monte. 1. Ed. São Paulo: ABU, 1981.

TENNEY, Merril C. Vida Cotidiana nos tempos bíblicos. Flórida (EUA):

Editora Vida, 1986

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ÉDIPO-REI: UMA ANÁLISE JUSFILOSÓFICA

Alex Feitosa de OliveiraCaroline Câmara Duarte

Danilo Barroso FrotaEugênio Cavalcante Matos

Felipe Lima GomesFelipe Frota Martins

Fernanda Elisa Viana PereiraFernando Freire Vasconcelos

Isabel Maira Guedes de Souza EickmannJorge Eduardo de Freitas Diógenes

José Olavo Fonteles NetoMaria Eduarda Alves Pinheiro

Philipe Martins de LacerdaRenata de Figueiredo Santos

Rommel Barbosa AndradeTiago Cruz Viana de Oliveira

Graduandos da Centenária Faculdade deDireitoda Universidade Federal do Ceará

Sumário: Resumo. 1. Grécia Antiga– Como a Ética e a Moral Clássicainfluenciaram Sófocles. 2.Jusnaturalismo e relações de poderem Édipo Rei. 3. O Devir em Édipo eo confronto entre o Mundo Sensível eo Inteligível. 4. Psicanálise em Édipo.4.1. Das relações de conduta e poder.4.2. Édipo à luz da psicanálise. 5. OSaber e o Poder na visão de Foucault.6. O conhecimento da verdade emÉdipo Rei (baseado na visão deNietzsche). 7. Conclusão. 8.Referências Bibliográficas.

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Resumo

Trata-se de uma breve análise acerca da obraclássica Édipo-Rei, de autoria do dramaturgo gregoSófocles, objetivando reconhecer alguns dos principaisaspectos jusfilosóficos presentes.

1. Grécia Antiga – Como a Ética e a Moral Clássicainfluenciaram Sófocles

Presenciando um momento de mutação, Sófoclespercebe que as noções e concepções éticas mudariambastante de sua juventude até seu fim. Enquanto Sócratespregava o método dialógico nas ruas da crescente Atenas,Platão aprendia com o mestre. E nas peças teatraispreponderava um olhar para o passado cujo objetivo erarefletir para que não se repetisse os mesmos erros de outrorae levassem toda uma civilização à ruína, através dastragédias.

Enquanto a ética discorria sobre relaçõesinterpessoais, poder, certo e errado, justo e injusto; a moral,em sendo particular, mostrava toda a degradação do homemem face dos costumes e tradições. Políticos tentandogarantir o seu quinhão, comerciantes sempre querendo“melhorar” o comércio, cidadãos sonhando com oreconhecimento público na ágora.

Era através das encenações de tragédias quese tentava resgatar o rumo dos preceitos de moral, numaépoca onde o sagrado digladia com o profano, as leis divinas

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parecem estar no mesmo plano das leis humanas.E em Édipo Rei todas essas questões aparecem

no jogo de poder, nas discussões de até onde vai o poderreal, nas relações familiares permeadas por incestos eparricídios.

2. Jusnaturalismo e relações de poder em Édipo Rei

O Jusnaturalismo dos escolásticos concebia odireito natural como um conjunto de normas ou de primeirosprincípios morais imutáveis, consagrados ou não nalegislação da sociedade. Estes, portanto, resultariam danatureza de Deus; seriam apreendidos imediatamente pelainteligência humana como verdadeiros.

Assim, as normas construídas pelos legisladoresseriam aplicações dessas primeiras premissas naturais eimanentes. Por exemplo, de princípios de direito naturalviriam afirmações como “não é permitido matar” ou“proíbem-se a eutanásia e o aborto”.

No caso de Édipo Rei, o direito natural expressa-se em situações como o direito de resistência e o poder deorigem divina.

Por exemplo, quando Édipo interpela Tirésias, osábio, ele o faz com muita rudeza. A resposta de Tirésiasmostra que há algo acima do poder instituído. Vejamos:

“Tirésias – mesmo não sendo rei, tenho direitos.Não respondo a ti nem a Creonte; sim ao deus Apolo”

Justamente por isso, Tirésias é sutilmente irônicoao dizer:

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“Tirésias – ao lado da verdade, sempre o usoda força...”

Uma das pérolas de Sófocles, extremamenteatual, cabendo um paralelo com os conflitos ásio-americanos.O mais recente caso é o Iraque, bombardeado pelos EUAsimplesmente porque os americanos podiam bombardear.Se por um lado não havia provas razoáveis da existência deameaça por meio de armas químicas ou biológicas – oumesmo nucleares – o presidente americano não precisavadelas para agir; ele já possuía a força, dezenas de vezessuperior a da Europa e China, os demais pólos de poder,assim como superior a do Iraque, o país invadido.

Quem diria que as profecias de Tirésias tambémse adequariam aos EUA, atual Édipo do mundocontemporâneo:

Tu enxergas, mas não vê; Sabe ondemoras, mas não sabe com quem tedeitas!Um dia fugirás cheio de vergonha!Quem vê em breve só enxergarásombras!Tua casa será um porto horrível!

Já que o gasto irresponsável da economiaamericana causando déficits e quedas no principal padrãocomercial – o dólar – é uma ameaça tanto interna quantoexterna. Um dia fugirão cheios de vergonha?

Ademais, Creonte possui mais um direitoconsiderado como imanente na peça que é a defesa.

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Vejamos:Creonte – Preciso me defender! Jamais tomariao poder. Pra quê? Se quando todos precisam tefalar, primeiro se dirigem a mim. E os atendo comatenção.”Ou ainda: “Creonte – Sim, mereceria a morte seficasse provada a minha culpa.”Nesse mesmo diálogo, Édipo volta a mostrarautoritarismo no que esbarra em direitos tidoscomo fundamentais:“Édipo - Tomas juízo, pois deves obedecer aquem tem o poder.Creonte - Se mandas mal, não devo obedecer.”

Caracteriza-se o direito à resistência ao poderarbitrário e tirano. Dele fala Henry David Thoreau pregandoa desobediência civil ao estado americano. Não desejavaele pagar impostos e contribuir com invasões a outras nações(México). Para Thoureau, o mero ato de votar não é suficiente,pois mudança através do voto só ocorreria quando nada maishaveria a ser mudado. Thoureau afirma que leis injustas nãodevem ser obedecidas. O homem se contentaria em “serbarro a ser moldado para tapar um buraco e cortar o vento?(Shakespeare)”. Homens assim, para ele, valem mais doque espantalhos ou cachorros.

Realmente, parece óbvio o dever de nãoobedecer a uma lei injusta. Locke afirma que a lei natural émais clara do que a lei jurídico-positivada, que é complicada

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e ambígua e justa apenas se fundamentada na natureze.Em que sentido teria Édipo dito: “Édipo – Meu

povo! Meu povo! Vês o que ele faz?”.Em um sentido afetivo, de quem clama, ou em

sentido possessivo de quem manda?Oportuna a resposta: “Creonte - Também sou do

povo que não é só teu”.Com o tempo, o poder passou a Creonte. Mesmo

assim, os direitos naturais continuaram a ser respeitados:“Édipo - Deverás afastar-me de Tebas, exilando-me.Creonte - Só o deus poderá decidir quanto aoteu banimento.”A vontade do deus entra como um julgamento.

Não é Creonte que decidirá, mas o deus.Uma última observação acerca do direito natural

apontará para Antígona, uma das peças da Trilogia Tebana.Nesta peça o irmão de Antígona está morto e não terá direitoa ser enterrado em solo natal e nem às libações sagradas(referimo-nos a Polinices). Antígona ordena que seu irmãoseja enterrado conforme o que ela considera certo e justode ser feito. Isso, entretanto contraria as ordens de Creonte.O argumento a favor do enterro é que muito antes de Creontechegar ao poder aquele era um costume consolidado, umhábito, mesmo uma lei. Além de reafirmarmos a posição deque as leis contra o que é considerado “natural” pelasociedade tendem a ser ineficazes, vemos que o poder“subiu a cabeça” de Creonte. O poder corrompe, ou melhor,

esquizofreniza.

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3. O Devir em Édipo e o confronto do mundo inteligívelcom o sensível

A obra Édipo - Rei de Sófocles, antes de ser meroretrato da realidade sensível, é um logos que encerra em sia problemática grega do DEVIR, mudança que vai do Nadaao Ser e deste ao Nada. Sófocles, nesta obra, em 430 a.C,já consegue conciliar o problema posto por Heráclito deÉfeso (549?-475?) e Parmênides (515/510-435?).

Heráclito diz que tudo é devir; este devir é oprincípio. Para este filósofo da Escola Jônica, “tudo flui (pantarei), nada persiste, nem permanece o mesmo”. Parmênides,no entanto, define que as coisas são imóveis e ingênitas.Na concepção deste eleata, devemos atingir pela razão oSer que é uno, indivisível, imutável, intemporal.

Danilo Marcondes cita em seu livro TextosBásicos de Filosofia que Platão foi fortemente marcado pelafilosofia de Heráclito e Parmênides, procurando conciliar aoposição entre ambos.

Sófocles, em sua obra antecipa a solução quePlatão (429/427-348/347) conseguirá levar a cabo com ateoria do Mundo das Idéias e do Mundo Sensível, quase meioséculo depois. Platão reúne em seus pensamentos aconciliação daquilo que é imutável e eterno com aquilo queflui e movimenta-se. Conclui que a imutabilidade está noplano ideal, racional, espiritual, o chamado Mundo dasIdéias. Já o movimento pertence ao Mundo dos Sentidos.

A questão grega da visão circular de mundo bemcomo a luta travada no pensamento antigo entre Sensível e

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Inteligível são mostradas no drama Édipo Rei através dasfiguras de Laio e Édipo.

Havia nesses personagens o medo do logos,considerado a essência do destino difundida no universo erepresentada pelo Oráculo de Delfos (depositário da verdadeincorruptível e inteligível). O que o Oráculo revelava passoua fazer parte de um ciclo que tinha que ser cumprido, paraque se cumprisse a ordem do Universo. E é dessa verdadeque Laio e Édipo tentam fugir.

Na tentativa de evitar o devir, ambos fizeram odevir. Essa tentativa deveu-se ao desconhecimento da suaprópria essência, possuidora de um logos que por si só seriacapaz de ser visto.

A problemática edipiana era uterina, por isso elaparte de Delfos, o qual tinha uma pré-história como localoracular muito antes de Apolo (os gregos ligavam o nomede delphús a “útero”). Nesse sentido, os personagens deSófocles partem de Delfos e a ele sempre recorrem paraobterem a Verdade. No entanto, o útero precisa serfecundado. Para contemplar a verdade e transcendê-la,fazem-se necessários laivos de idéias.

Tirésias aparece nesse contexto como arepresentação do mundo do inteligível, o germe da verdade.Ao entrar em cena, dá-se o conflito entre o Mundo Inteligívele o Sensível. Tirésias tem consciência que Édipo precisaser iluminado pela luz da verdade e habituar-se a ela atéque, aos poucos, consiga separar o Mundo das Sombrasdo Mundo da Realidade, tal qual ocorreu no Mito daCaverna, de Platão.

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Notemos que, caso o ancião revelasse a verdadea Édipo, já não mais seria verdade, posto que faltaria a“contemplatio”, sem a qual não se atinge a epistéme. Maisuma vez, o conhecimento estaria chegando àquele atravésda audição e da voz, ou seja, por meios sensíveis.

Tirésias, ao dizer: “... os olhos teus são bons etodavia não vês os males todos que te envolvem...”, e aseguir: “...ele, que agora vê demais, ficará cego...” , prevê oque ocorrerá com Édipo. Assim como ele, o rei contemplaráa verdade e, ao vê-la, cegar-se-á como sentença por terolhos e mesmo assim não a ter visto antes. Assim como ovidente, verá com o olhar da Mente e não com os olhossensíveis.

Tirésias, ao dizer: “Verás num mesmo dia teuprincípio e fim”, condensa em palavras a essência do devir.

Tebas havia perdido os laços com o passado;nela existia apenas o eterno presente; o ciclo gregoprecisava ser retomado, e somente uma pessoa poderiaretomá-lo: Jocasta. Somente ela possuía o ventre queresgataria o ciclo do eterno Devir. O presente, portanto,precisava unir-se ao passado.

Ao resgatar o passado, Édipo começa a sair dolabirinto e seus olhos começam a ver. Quanto mais adensao diálogo entre Édipo e Jocasta, mais aquele se vê ofuscadopelo brilho da Verdade, uma vez que percebeu que vivia nomundo das sombras. Começa a sair da Caverna, de seusenso-comum, do mundo das aparências e a enfrentar arealidade. Édipo estava desenraizado, participava de uminconsciente coletivo que não era seu e, ao tentar fugir dele,cumpre o que o Oráculo profetizara.

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71THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Na verdade, o Oráculo nada vaticinara, apenasdisse a Édipo que o Mundo Sensível está em constantemudança. Não houve uma imposição dos deuses, mas umamanifestação da realidade tal qual é, posto que lhe foirevelado simplesmente o ser das coisas.

Ao encaixar os fatos, através de relatos desituações passadas, Édipo contempla com dor a verdade ediz transtornado: “Ai de mim! As dúvidas desfazem-se! Ah!Luz do sol. Queiram os deuses que esta seja a derradeiravez que te contemplo!”. Eis o momento em que Édipo alcançaverdade.

Ao presenciar a terrível cena da morte de Jocasta,enforcada, diz-nos o mensageiro que Édipo retira os alfinetesde ouro e crava-os nas órbitas, gritando que o fazia paranão vê-la, nem aos males de que sofria, nem ainda aos queele mesmo povoou.

Desse modo, o ciclo metafísico foi cumprido.Édipo chegou ao Inteligível, sofreu o processo de ascese,não mais porque os deuses profetizaram. Ele não recebeua Verdade a partir de um oráculo, mas essa se construiu apartir da memória resgatada.

Marilena Chauí cita em sua obra Convite àFilosofia que conhecer, segundo Platão, é recordar averdade que já existe em nós, é despertar a razão para queela se exerça por si mesma.

Édipo perdeu o poder em Tebas, mas ganhou osaber. Sai da condição de poder temporal para atemporal.Reconhece a si e a Tebas. Não está mais desenraizado. Ahistória de Tebas cumpriu o ciclo de crescimento: sofreu oritual de passagem.

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Percebe-se, portanto, a grandiosidade da obrade Sófocles, à medida que consegue antecipar em grandeestilo a conciliação platônica entre os pensamentos deHeráclito e Parmênides. A virtude de Platão, por outro lado,consiste em ter ido além de Sófocles, ao sistematizar opensamento grego e lançar a problemática para o Mundoda Epistéme, enquanto aquele ficou no Mundo daRepresentação.

4. Psicanálise em Édipo4.1. Das relações de conduta e poder

Na obra, todas as personagens se nosapresentam com relativo equilíbrio emocional, de tal formaque buscavam o máximo de ponderação ao afirmar qualquercoisa, tirante Édipo, quando se considerava traído porCreonte. Todos buscam uma retidão em suas condutas.

Mas, por que as personagens procuram essaretidão? Para demonstrar, ou mesmo legitimar, a posiçãoque cada um ocupa na sociedade. Tirésias não admite queÉdipo o acuse de perfídia; o Corifeu se mostra o contrapontode Édipo na querela que este teve com Creonte, pois ochefe do coro se mostra sempre cauteloso e imparcial. Masnos ateremos a duas condutas: a de Édipo e a de Jocasta.

O rei Édipo, ao ser acusado por Tirésias de sero assassino do próprio pai, não só procura esvaziar afaculdade de adivinhação do velho cego, como o acusa detramar com Creonte a derrubada dele do poder. Observemosque a primeira preocupação de Édipo é com o poder, pois

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73THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Creonte assumiria o governo de Tebas caso Édipo fossederrubado. Analisemos esta importante passagem da peçaem que o cunhado do rei procura se defender da acusaçãode atentar contra Édipo:

... Considera isto em primeiro lugar:acreditas que alguém iria preferir opoder, com as inquietações quecomporta, a dormir tranqüilo, podendotambém governar? Eu, pelo menos -e como qualquer outra pessoa de bomjuízo -, não nasci com o desejo de serrei, mas com o poder de agir comoum rei. Como, portanto, me agradariamais ser rei, do que ter um poder euma autoridade sem respon-sabilidade? (...) todos que necessitamalgum favor teu, a mim recorrem, pois,por meu intermédio, tudo podemconseguir.

Pela fala de Creonte, percebe-se claramente queo poder de que já dispõe torna dispensável, indesejável até,a condição de rei. Entretanto, Édipo continua com o desejofixo de eliminar Creonte pelo fato de ver uma possibilidadede perder o poder em Tebas, e ser exatamente Creonte ovirtual sucessor dele no poder. E em nome da retidão a quenos referimos, Édipo aplica a si a punição de assassino,sem buscar se aproveitar do fato de jamais ter podidoimaginar que entre aqueles homens que matara na

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encruzilhada de três caminhos estivesse o rei Laio.Mais complexa é a conduta de Jocasta na peça.

Já conhecedora do oráculo de que o seu filho mataria o paie a desposaria, ela tenta demover Édipo da idéia de ir maisadiante nas investigações. Certamente, Jocasta já nãoestava muito à vontade com aquela verdade que se delineavaassustadora. A condição que detinha de esposa do rei, desdeo tempo de Laio, fê-la temer aquelas investigações, que emdeterminado ponto já apontavam Édipo como provávelassassino de Laio.

O filólogo e filósofo alemão Friedrich W. Nietzschepergunta, no prólogo de seu livro Ecce Hommo: “Quantaverdade suporta, de quanta verdade é capaz um espírito?”Provavelmente, a resistência de Jocasta àquela verdade nãopermitisse que ela quisesse ir mais além nas investigações.

4.2. Édipo à luz da psicanálise

A estória de Édipo, fundada no incesto e noparricídio cometidos por ele, foi considerada o eixofundamental da psicanálise para Sigmund Freud.Mostraremos o que Laplanche e Pontalis sugerem para aexpressão Complexa de Édipo no Vocabulário dePsicanálise, da autoria·dos dois:

Conjunto organizado de desejosamorosos e hostis que a criança senteem relação aos pais. Sob sua formadita positiva, o complexo apresenta-se como na história de Édipo Rei:

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desejo da morte do rival que é apersonagem do mesmo sexo e desejosexual pela personagem do sexooposto. Sob sua forma negativa,apresenta-se do modo inverso: amorpelo progenitor do mesmo sexo e ódiociumento ao progenitor do sexooposto. (...) Para os psicanalistas, eleé o principal eixo de referência dapsicopatologia; para cada tipopatológico eles procuram determinaras formas particulares da sua posiçãoe da sua solução. A antropologiapsicanalítica procura encontrar aestrutura triangular do Complexo deÉdipo, afirmando a sua universalidadenas culturas mais diversas, e nãoapenas naquelas em que predominaa família conjugal.

Interessante notar que a concretização dadescoberta do Complexo de Édipo deu-se pela própriavivência de Freud, que o levou a reconhecer o amor quesentia pela mãe e um ciúme pelo pai, pela atenção que estea dedicava. Freud procurou demonstrar que o mito gregosalienta uma compulsão que as pessoas reconhecem porperceberem marcas da existência.

Convém salientar que o Complexo de Édipo nãodeve ser reduzido a uma situação determinada, à autoridade

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que a casa paterna exerce sobre a criança. A força dessateoria reside no fato de que uma instância interditória (nocaso, a proibição do incesto) manifesta-se como um óbiceintransponível no acesso a uma satisfação que serianaturalmente procurada. Isso reduz a eficácia de uma críticada escola culturalista, segundo a qual em civilizações emque o pai é desprovido de funções repressivas não existiriao Complexo de Édipo. Na verdade, os psicanalistasprocuram descobrir, nessas civilizações, em que instituiçõesou mesmo personagens reais se encarnam, as instânciasinterditórias. É interessante notar que na obra Édipo Rei opróprio Édipo não tem consciência de que mataria seu paie desposaria a sua mãe. É exatamente o medo de que issoocorresse que o faz sair de Corinto e chegar a Tebas.

5. O Saber e o Poder na visão de Foucault

A partir de Freud, a história de Édipo vinha sendoconsiderada como relatando a fábula mais antiga de nossodesejo e de nosso inconsciente. No entanto, Foucault afirma,em sua segunda conferência, que Édipo não seria, pois umaverdade da natureza, mas um instrumento de limitação ecoação que os psicanalistas, a partir de Freud, utilizam paraconter o desejo e fazê-lo entrar em uma estrutura familiardefinida por nossa sociedade em determinado momento.

A história de Édipo pretende ser alguma coisaque tem a ver não com a história indefinida, semprerecomeçada do nosso desejo e do nosso inconsciente, mascom a história de um poder, um poder político.

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Deixando de lado o problema do fundo mítico aque se liga a tragédia de Édipo, esta é representativa e, decerta maneira, instauradora de um certo tipo de relação entrepoder e saber, entre poder político e conhecimento, de quenossa civilização ainda não se libertou. Existe na nossacivilização um complexo de Édipo que não diz respeito aonosso inconsciente e ao nosso desejo, nem às relações entredesejo e inconsciente. Se existe complexo de Édipo, ele sedá não ao nível individual, mas coletivo, de poder e de saber.

A tragédia de Édipo é fundamentalmente oprimeiro testemunho que temos das práticas jurídicas gregas.Um soberano e um povo conseguem, por uma série detécnicas, descobrir uma verdade que coloca em questão aprópria soberania do soberano. A tragédia de Édipo é,portanto, a história de uma pesquisa da verdade; é umprocedimento de pesquisa da verdade que obedeceexatamente às práticas jurídicas gregas daquela época.

É interessante observar que encontramos aindana tragédia de Sófocles restos da prática de estabelecimentoda arcaica prática da prova de verdade em que esta éestabelecida judicialmente não por uma constatação, umatestemunha, um inquérito ou uma inquisição, mas por umjogo de prova, de desafio lançado por um adversário aooutro. Primeiro, na cena entre Creonte e Édipo, quandoÉdipo critica seu cunhado por ter truncado a resposta doOráculo de Delfos, dizendo: “Tu inventaste tudo istosimplesmente para tomar meu poder, para me substituir”. ECreonte responde, sem que procure estabelecer a verdadeatravés de testemunhas: “Bem, vamos jurar. E eu vou jurar

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que não fiz nenhum complô contra ti”.Édipo, ao saber que a peste de Tebas era devida

à maldição dos deuses em conseqüência de conspurcaçãoe assassinato, responde dizendo que se compromete a exilara pessoa que tiver cometido este crime, sem saber,naturalmente, que ele mesmo o cometera.

Para saber o nome do assassino, vai ser precisoapelar para alguma coisa, para alguém, uma vez que não sepode forçar a vontade dos deuses. Este outro, o duplo deApolo (deus de Delfos), seu duplo humano, sua sombramortal é o adivinho Tirésias, que, como Apolo, é alguémdivino, mas perecível, enquanto Apolo é imortal; e, sobretudo,ele é cego, está mergulhado na noite, enquanto Apolo é odeus do Sol. Ele é a metade de sombra da verdade divina,o duplo que o deus luz projeta em negro sobre a superfícieda Terra. É esta metade que se vai interrogar. E Tirésiasresponde a Édipo dizendo: “Foste tu quem matou Laio”.

Curiosamente, toda esta velha história é formuladapelo adivinho e pelo deus na forma de futuro, prescritiva eprofética. Precisamos agora do presente e do testemunhodo passado: testemunho este do que realmente aconteceu.O primeiro é dado espontaneamente e inadvertidamente porJocasta ao dizer: “Vês bem que não foste tu, Édipo, quemmatou Laio, contrariamente ao que diz o adivinho. A melhorprova disto é que Laio foi morto por vários homens noentroncamento de três caminhos”. A este testemunho vairesponder a inquietude, já quase a certeza, de Édipo: “Matarum homem no entroncamento de três caminhos é exatamenteo que fiz; eu me lembro que ao chegar a Tebas matei alguém

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no entroncamento de três caminhos”. Assim, pelo jogodessas duas metades que se completam, a lembrança deJocasta e a lembrança de Édipo, temos esta verdade quasecompleta, a verdade do assassinato de Laio.

O que falta é exatamente o que lhes dá umaespécie de esperança, pois o deus predisse que Laio nãoseria morto por qualquer um, mas por seu filho. Portanto,enquanto não se provar que Édipo é filho de Laio, a prediçãonão estará realizada. Contudo, isto se descobrirá pelotestemunho do escravo que veio de Corinto anunciar a Édipoque Pôlibo morreu, e que este não era seu pai. O pastor deovelhas, escravo fugido depois do drama, que haviaescondido a verdade em sua cabana, confirma: “Com efeito,dei outrora a este mensageiro uma criança que vinha dopalácio de Jocasta e que me disseram que era seu filho”.

Foi preciso esta reunião do deus e do profeta,de Jocasta e de Édipo, do escravo de Corinto e do escravodo Citéron para que todas estas metades e metades demetades viessem ajustar-se umas às outras, adaptar-se,encaixar-se e reconstituir o perfil total da história.

Esta forma, realmente impressionante, no Édipode Sófocles, não é apenas uma forma retórica. Ela é aomesmo tempo religiosa e política. Um instrumento deexercício de poder que permite a alguém que detém umsegredo ou um poder quebrar em duas partes um objetoqualquer de cerâmica etc., guardar uma das partes e confiara outra que deve levar a mensagem ou atestar suaautenticidade. As mensagens, os mensageiros que ele enviae que devem retornar autenticarão sua ligação ao poder pelo

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fato de cada um deles deter um fragmento da peça e poderajustá-los aos outros fragmentos.

O que havia sido dito em termos de profecia nocomeço da peça vai ser redito sob forma de testemunhodos dois pastores. E assim como a peça dos deuses aosescravos, os mecanismos de enunciado da verdade ou aforma na qual a verdade se enuncia mudam igualmente.Quando o deus e o adivinho falam, a verdade se formula emforma de prescrição e profecia, na forma de um olhar eternoe todo poderoso do deus Sol, na forma do olhar do adivinhoque, apesar de cego, vê o passado, o presente e o futuro. Éesta espécie de olhar mágico-religioso que faz brilhar nocomeço da peça uma verdade em que Édipo e o coro nãoquerem acreditar. No nível mais baixo encontramos o olharde testemunha dos dois escravos. Um viu Jocasta lheentregar uma criança para que a levasse à floresta e lá aabandonasse. O outro viu a criança na floresta, viu seucompanheiro escravo lhe entregar esta criança e se lembrade tê-la levado ao palácio de Pôlibo.

Habitualmente se diz, quando se analisa a peça,que Édipo é aquele que nada sabia, que era cego, que tinhaos olhos vendados e a memória bloqueada, pois nunca tinhamencionado e parecia ter esquecido os próprios gestos aoter matado o rei no entroncamento dos três caminhos. Édipo,homem do esquecimento, do não-saber, homem doinconsciente para Freud. No entanto, para Foucault, Édipo,dentro do contexto de metades que se comunicam, jogo derespostas entre os pastores e os deuses, não é aquele quenão sabia, mas, ao contrário, é aquele que sabia demais.

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Aquele que unia seu saber e seu poder de uma certa maneiracondenável.

Podemos notar a importância da temática dopoder no decorrer de toda a peça. O que está em questão éessencialmente o poder de Édipo e é isso que faz com queele se sinta ameaçado. Em Édipo Rei, ele não se defendede maneira alguma ao nível de sua inocência. Seu problemaé apenas o poder. É interessado em manter a própria realezaque Édipo quer buscar a solução do problema dos habitantesde Tebas contra a peste. E quando começa a se sentirameaçado pelas respostas que surgem em sua volta, quandoo oráculo o designa e quando o adivinho diz de maneira maisclara ainda que é ele o culpado, sem responder em termosde inocência, Édipo diz a Tirésias: “Tu queres meu poder; tuarmaste um complô contra mim, para me privar de meupoder”.

No momento da grande disputa com Creonte, elelhe diz: “Trouxestes um oráculo de Delfos, mas esse oráculotu o falseaste, porque, filho de Labéu, tu reivindicas um poderque me foi dado”. Ainda aqui Édipo se sente ameaçado porCreonte ao nível do poder e não ao nível de sua inocênciaou culpabilidade.

E quando é convocada a última testemunha: opastor de ovelhas (o escravo de Citéron), é como soberanoque Édipo, ameaçando-o de tortura, lhe arrancará a verdade.Neste momento, o povo de Tebas diz: “Nós te chamávamosnosso rei”. Isto significa que o povo de Tebas, ao mesmotempo que reconhece em Édipo quem foi seu rei, o declaraagora destituído da realeza.

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A alternância de poder corresponde ao perfilcaracterístico de Édipo, tendo o obtido através de uma sériede histórias, de aventuras que fizeram dele inicialmente ohomem mais miserável e, em seguida, o homem maispoderoso.

O personagem lendário do herói épico queperdeu sua cidadania e sua pátria e que, depois de um certonúmero de provas, reencontra a glória é o personagemhistórico do tirano grego do fim do século VI e início do séculoV a.C. O tirano era aquele que depois de ter conhecido váriasaventuras e chegado ao auge do poder estava sempreameaçado de perdê-lo. A irregularidade do destino écaracterística do personagem do tirano tal como é descritonos textos gregos desta época. Édipo é aquele que, apóster conhecido a miséria, conheceu a glória, aquele que setornou rei após ter sido herói e, por ter usado a expressão“reerguer a cidade”, assemelha-se a Sólon que não é bemum tirano, mas o legislador, que se vangloriava de terreerguido a cidade ateniense no fim do século VI.

Encontramos em Édipo uma série decaracterísticas não mais positivas, mas negativas, da tirania.Várias coisas são reprovadas em Édipo em suas discussõescom Tirésias e Creonte e até mesmo com o povo. Creonte,por exemplo, lhe diz: “Estás errado; tu te identificas com estecidade e crê que ela te pertence; eu também faço parte destacidade, ela não é somente tua”. Do mesmo modo, Édipo éaquele que não dá importância às leis e que as substitui porsuas vontades e suas ordens. Quando Creonte o reprovavapor querer exilá-lo, Édipo responde: “Pouco me importa que

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seja justo ou não; é preciso obedecer assim mesmo”. Sua

vontade será a lei da cidade. É preciso, portanto, reconhecer

em Édipo um personagem historicamente definido pelo

pensamento grego do século V: o tirano.

Este personagem do tirano não é só

caracterizado pelo poder como também por um certo tipo

de saber. O tirano grego era aquele que tomava o poder

porque detinha ou fazia valer o fato de deter um certo saber

superior em eficácia ao dos outros. Édipo é aquele que

conseguiu resolver por seu pensamento, por seu saber, o

famoso enigma da esfinge.

Se Édipo cai em uma armadilha é precisamente

porque, em sua vontade de encontrar, ele prolongou o

testemunho, a lembrança, a procura das pessoas que viram

até o momento em que foi desenterrado do fundo do Citéron

o escravo que havia assistido a tudo e que sabia a verdade.

O saber de Édipo é esta espécie de saber de experiência.

É ao mesmo tempo este saber solitário, de conhecimento,

do homem que, sozinho, sem se apoiar no que se diz, sem

ouvir ninguém, quer ver com seus próprios olhos. Saber

autocrático do tirano que, por si só, pode e é capaz de

governar a cidade.

O saber edipiano, o excesso de poder, o excesso

de saber foram tais que ele se tornou inútil; o círculo se fechou

sobre ele, ou melhor, os dois fragmentos da téssera se

ajustaram e Édipo, em seu poder solitário, se tornou inútil.

Nos dois fragmentos ajustados a imagem de Édipo se tornou

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monstruosa. Édipo podia demais em seu poder tirânico,

sabia demais em seu saber solitário. Neste excesso, ele

era ainda o esposo de sua mãe e irmão de seus filhos. Édipo

é o homem do excesso, homem que tem tudo demais, em

seu poder, em seu saber, em sua família, em sua sexualidade.

Édipo, homem duplo, que sobrava em relação à

transparência simbólica do que sabiam os pastores e haviam

dito os deuses.

A tragédia de Édipo está bem próxima, portanto,

do que será alguns anos depois a filosofia platônica. Para

Platão, na verdade, o saber dos escravos, memória empírica

do que foi visto, será desvalorizado em proveito de uma

memória mais profunda, essencial, que é a memória do que

foi visto no céu inteligível. O próprio Platão afirma, em sua

teoria do rei filósofo, que o poder vem como resultado do

saber.

Quem é visado pela tragédia de Sófocles ou pela

filosofia de Platão, quando situadas em uma dimensão

histórica, quem é visado por trás de Édipo, o sábio, o tirano

que sabe, é o famoso sofista, profissional do poder político

e do saber, que existia efetivamente na sociedade ateniense

da época de Sófocles. Mas por trás dele quem é

fundamentalmente visado por Platão e por Sófocles é uma

outra categoria de personagem do que o sofista era como

que o pequeno representante, continuação e fim histórico: o

personagem do tirano. Este, nos séculos VI e VII, era o

homem do poder e do saber, aquele que dominava tanto

pelo poder quanto pelo saber que possuía.

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85THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

6. O conhecimento da verdade em Édipo Rei (baseadona visão de Nietzsche)

Na peça Édipo Rei de Sófocles, observa-se onascimento do processo e do inquérito no pensamentogrego, como uma forma de verdade a ser definida a partirda prática penal; caracterizando-se como algo que nem étotalmente um mito, nem inteiramente uma tragédia, alémde um episódio bastante curioso da história do saber e pontode emergência do inquérito.

Foucault em sua primeira conferência faz alusãoa Nietzsche, ao negar a preexistência de um sujeito deconhecimento. Nietzsche em um texto datado de 1873 afirma:“Em algum ponto perdido deste universo, cujo clarão seestende a inúmeros sistemas solares, houve, uma vez, umastro sobre o qual animais inteligentes inventaram oconhecimento. Foi o instante da maior mentira e da supremaarrogância da história universal”.

Nietzsche considera que o conhecimento foiinventado e que, portanto, ele não tem origem. Dizendo demaneira mais precisa, por mais paradoxal que seja, que oconhecimento não está em absoluto inscrito na naturezahumana. Conseqüentemente, fazendo-se um paralelo coma segunda conferência de Foucault, pode-se dizer queconhecimento da verdade e poder são fabricadossocialmente. O conhecimento não constitui o mais antigoinstinto do homem. De fato, o conhecimento tem relação comos instintos, mas não pode estar presente neles, nem mesmopor ser um instinto entre os outros; o conhecimento é

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simplesmente o resultado do afrontamento, da junção, da

luta e do compromisso entre os instintos. É porque os

instintos se encontram, se batem e chegam, finalmente, ao

término de suas batalhas, a um compromisso, que algo se

produz. Este algo é o conhecimento.

Nietzsche diz que só compreendemos porque há

por trás de tudo isso o jogo e a luta destes três instintos,

destes três mecanismos, ou dessas três paixões que são o

rir, o deplorar e o detestar (ódio). Esses três impulsos têm

em comum o fato de serem uma maneira não de se aproximar

do objeto, de se identificar com ele, mas, ao contrário, de

conservar o objeto à distância, de se diferenciar dele ou de

se colocar em ruptura com ele, de se proteger dele pelo riso,

desvalorizá-lo pela deploração, afastá-lo e eventualmente

destruí-lo pelo ódio.

Fazendo um paralelo entre a postura adotada por

Nietzsche e a peça de Édipo Rei, observa-se nesta, além

de um inquérito em busca do conhecimento da verdade, uma

mudança de paradigma do conhecimento adquirido. Quando

Édipo assim indaga a Tirésias: “Por que silenciaste diante

dos tebanos ansiosos por palavras esclarecedoras na época

em que a Esfinge lhes propunha enigmas?... Pois eu

cheguei, sem nada conhecer, eu, Édipo, e impus silêncio à

Esfinge”.

Pois de onde vem o conhecimento de Édipo,

quando o mesmo não consegue ver o triste fim que dele se

aproxima? Quando Creonte, Tirésias, Jocasta e o Pastor

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tentam convencer-lhe de deter seu inquérito, o mesmo Édipoenvolto nas três paixões que são o rir (o fausto, as regaliaspalacianas), o deplorar (o desdém a tudo a que não sesubmete a ele) e o detestar (ódio a Creonte, a Tirésias e atodos aqueles que ameaçam a sua realeza), contribui paraconservar o objeto à distância, de se colocar em ruptura comele.

Todo o inquérito edipiano encontra-se inserido navisão de Nietzsche de que não há uma espécie de afeição,de impulso ou de paixão que nos faria gostar do objeto aconhecer, mas, ao contrário, impulsos que nos colocam emposição de ódio, desprezo, ou temor diante de coisas quesão ameaçadoras e presunçosas.

Da mesma forma Édipo, em seu inquéritoapresenta ódio, desprezo e temor por tudo o que possaameaçar o seu reinado e, no entanto é este própriosentimento que faz com que ele fique cego diante da verdadeque todos já compreendem. Não há, portanto, noconhecimento uma adequação ao objeto, uma relação deassimilação, mas, ao contrário, uma relação de distância edominação; não há no conhecimento algo como felicidadee amor, mas ódio e hostilidade; não há unificação, massistema precário de poder. Estas palavras resumem o queo conhecimento da verdade representou para Édipo, vendo-se cego, miserável e maldito, culpado e vítima do enredo dapeça.

O conhecimento que Édipo diz possuir aoresponder o enigma da Esfinge, de nada lhe vale diante doinquérito da morte de Laio. Nietzsche, sobre isso, diz que oconhecimento não é uma faculdade, nem uma estrutura

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universal. Mesmo quando utiliza um certo número deelementos que podem passar por universais, esseconhecimento será apenas da ordem do resultado, doacontecimento, do efeito. O conhecimento é, cada vez, oresultado histórico e pontual de condições que não são daordem do conhecimento, de limites derivados da naturezahumana, do corpo humano. Não foi porque Édipo conseguiuresponder o enigma naquela condição que lhe confereprerrogativas para situações futuras, neste caso oconhecimento não é absoluto.

O conhecimento esquematiza, ignora asdiferenças, assimila as coisas entre si, e isto sem nenhumfundamento em verdade. Devido a isso, o conhecimento ésempre um desconhecimento. Por outro lado, é sempre algoque visa, maldosa, insidiosa e agressivamente, indivíduos,coisas e situações. Só há conhecimento na medida em que,entre o homem e o que ele conhece, se estabelece, se tramaalgo como uma luta singular, um duelo. O inquérito edipianose desenvolve como um duelo em que Édipo, motivado pelodesejo de confirmar sua condição de rei, de defensor dacausa do povo tebano, deve decifrar mais este enigma. Oque para ele, no início seria motivo de glórias, se desmistificae deforma num misto de ruína e maldição. Na verdade háuma luta em que na perspectiva de Édipo, ele está vencendo,mas que ao final ele se vê traído pelo destino e pelos deuses.

7. Conclusão

Édipo serve como material de estudo para asmais diversas áreas do conhecimento (especialmente a

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89THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

filosófica e a científica). Sobre o “mito” de Sófocles já sedebruçaram e perderam inúmeras noites de sonos monges

copistas medievais (tentando salvar os manuscritos gregostraduzindo-os para o latim), cientistas sociais (buscando

analisar as esferas do poder), filósofos (contemplando amoral, a ética, os costumes, a língua, a cultura) e humanistas

(tentando mostrar que Édipo mesmo em sendo rei não

passava de um mortal a vagar por ermas paragens).Serve, inclusive, de pedra fundamental para a

psicologia e a moderna psicanálise com os estudos deFreud e Lacan. O desejo humano mais primitivo – a tentação

carnal pelos genitores, do Complexo de Édipo e de Electra,no feminino – foi apenas a entrada das portas da percepção

para o mundo do superego.Avanços são substanciais. Muito há ainda o que

descobrir dessa fonte emanadora no que concerne aoinconsciente. E a ela sempre acorrerão iniciantes do pensar

como fonte inspiradora para novos vôos; vôos mais altos eem direção do horizonte.

Nas disposições finais, tivemos a chance deampliar a nossa bagagem de informações; incrementar a

nossa concepção do direito através da transdiciplinariedade

com outros ramos do conhecimento. Sua encenação

possibilitou um maior desenvolvimento da retórica e da

interpretação, tão necessária na aplicação do metiêr jurídico.

Fortaleza, junho de 2005.

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90 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

8. Referências Bibliográficas

BRANDÃO, J. de S. Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia

Grega. 2 vol. Petrópolis, Editora Vozes, 1991 e 1992.

BRANDÃO, J. de S. Mitologia Grega, volume III. Petrópolis, Editora

Vozes, 1987.

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92 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

A IMPORTÂNCIA DA LÓGICA E DA ARGUMENTAÇÃO

PARA OS PROFISSIONAIS DO DIREITO*

Paulo Rogério Areias de Souza

Aluno do Curso de Direito da Faculdade Christus

Monitor da Disciplina Filosofia, Bolsista da Iniciação Científica

RESUMO

Este trabalho apresentará a evolução e aimportância da lógica aplicada às questões jurídicas, semtentar exaurir o assunto, visto que o tema exige um estudoaprofundado das várias formas de utilização da lógica natomada de decisões judiciais, bem como das várias teoriasexistentes. Ao decorrer do trabalho, será analisado osurgimento da lógica, sua evolução histórica e algumas dasconcepções filosóficas predominantes ao longo de seudesenvolvimento. Será dada maior ênfase aos pensadorescontemporâneos como Chaïm Perelman, Robert Alexy e LuizRecaséns Siches. O intuito do presente trabalho serádemonstrar que a lógica poderá ser utilizada como armaeficaz na busca do ideal de justiça, fundamentando asdecisões judiciais ou dando coerência às petições dosjuristas, contribuindo assim, para uma melhor aplicação dasnormas presentes no ordenamento jurídico. Para um perfeitoentendimento do tema proposto, faz-se necessária umabreve introdução ao surgimento da lógica em Aristóteles,seguida pela contribuição oferecida pelos Sofistas à retóricae à argumentação. Serão analisadas a lógica formal e a

* Professor Orientador: Flávio José Moreira Gonçalves, Mestre em Direito - (UFC)

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93THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

lógica dialética e sua utilização na seara do Direito, tambémserão abordadas às concepções filosóficas dos pensadorescontemporâneos em busca da “melhor” lógica para o Direito.

Palavras-chave: Dialética. Argumentação. Retórica.

Profissionais do Direito

1 Considerações Introdutórias

A lógica é uma ciência de raízes ligadas à

Filosofia. O pensamento organizado é a manifestação do

conhecimento e o que o conhecimento busca é a

verdade.Para encontrá-la, é necessário estabelecer alguns

critérios para que essa meta possa ser atingida. Portanto a

lógica é um ramo da Filosofia que cuida das regras do

pensamento racional ou do modo de pensar de forma

organizada.

A aprendizagem da lógica não constitui um fim,

mas um meio. Ela só tem sentido enquanto meio para garantir

que nosso pensamento chegue a conhecimentos

verdadeiros. Podemos dizer que a lógica trata dos

argumentos, ou seja, das conclusões a que chegamos por

intermédio da apresentação de evidências que as sustentam.

Tradicionalmente os argumentos dividem-se em dois tipos,

os dedutivos – são os argumentos cuja conclusão é inferida

de duas premissas e os indutivos – são os argumentos nos

quais a partir de dados singulares suficientemente

numerados inferimos uma verdade universal. O principal

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94 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

organizador da lógica clássica foi Aristóteles com sua obra

chamada Organon. Aristóteles divide a lógica em formal e

material, o que exploraremos mais adiante neste trabalho.

Um sistema lógico é um conjunto de axiomas e

regras de inferência que visam a representar formalmente o

raciocínio válido. Diferentes sistemas de lógica formal foram

construídos ao longo do tempo, quer no âmbito estrito da

lógica teórica, quer nas aplicações práticas na computação

e na inteligência artificial.

Tradicionalmente, lógica é também a designação

para estudo de sistemas prescritivos de raciocínio, ou seja,

sistemas que definem como se deveria realmente pensar

para não errar, usando a razão dedutiva e indutivamente.

Implícita no estudo da lógica está a compreensão do que

gera um bom argumento e quais os raciocínios que são

falaciosos.

Adentrando nosso tema de estudo, passaremos

a tecer sucintos comentários sobre o conceito de lógica

jurídica, visto que o tema voltará a ser abordado mais à frente

de forma mais ampla, analisando as concepções filosóficas

de autores contemporâneos.

Ao analisarmos os conceitos de lógica jurídica é

fácil percebermos que em sua constituição tem pouco da

lógica matemática ou formal, ou seja, não se pode conceber

o raciocínio jurídico partindo de premissas absolutas e

incontestáveis, como ensina Chaïm Perelman:

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95THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Em um sistema formal, uma vezenunciados os axiomas e formuladasas regras de dedução admitidas,resta apenas aplicá-los corretamentepara demonstrar os teoremas de umaforma impositiva. Se a demonstraçãoestiver correta, devemos inclinar-nosdiante do resultado obtido e, seaceitarmos a verdade dos axiomas,admitir a verdade do teorema,enquanto não tivermos dúvidas sobrea coerência do sistema. O mesmo,porém, não acontece quandoargumentamos. (PERELMAN, 1999,p.170, apud BITTAR, ALMEIDA, 2005,p.507)

Os juízos jurídicos são de valor, pois envolvem

questões de ordem moral e cultural em sua formação. As

decisões e o raciocínio jurídico não obedecem a esquemas

pré-determinados para sua formação, ou seja, o raciocínio

jurídico trabalha com o razoável visando à adequação da

norma às questões peculiares de cada caso, como ensina

o renomado jusfilósofo Eduardo C. B. Bittar:

O ato de aplicar o direito sempreenvolve uma complexa abordagem darelação entre ser e dever-ser. Háaplicação em que existe o tratamentoconjugado do dever-se com o ser, demodo a que o dever-ser torna-se ser.Em todo ato aplicativo interrompe-se

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96 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

a promessa de que algo venha a ser,para que efetivamente o seja; naaplicação, o dever-ser deixa de serpotência e torna-se ato. A norma emsua aplicação, passa de seu estadoletárgico, estático, adentrando aomundo do ser, no qual se insere comtodas as problemáticas a eleinerentes; sua natureza de dever ser,seu sentido neutro e impassível, suaestrutura cristalina, sua perfeiçãoapriorística, são apenas momentos dosentido antes de sua reificação.Percebe-se que a temática daaplicação envolve necessariamente aabordagem da interpretação, poisnão há aplicação sem interpretação.(BITTAR; ALMEIDA, 2005, p. 507)

2 O Surgimento da Lógica

A Grécia clássica aparece historicamente como

o berço da Filosofia. Por volta do século VI a.C., os primeiros

filósofos pré-socráticos redigem em prosa um discurso que

se opõe à atitude mítica predominante nos poemas de

Homero e Hesíodo. O novo modo de pensar é decomposto

na sua estrutura por Aristóteles na obra Analíticos. Como o

próprio nome diz, trata-se de uma análise do pensamento

nas suas partes integrantes. Essa e outras obras sobre o

assunto foram denominadas mais tarde, em conjunto,

Órganon, que significa “instrumento” – um instrumento para

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97THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

melhor organizar o modo de pensar. Embora alguns filósofosanteriores a Aristóteles, tais como o pré-socráticoParmênides, os sofistas, Sócrates e Platão, tenhamestabelecido algumas leis do pensamento, nenhum o fez comtal amplitude e rigor. Por essa razão a lógica aristotélicapermanece através dos séculos até os nossos dias.

Para Aristóteles, a lógica subdivide-se em Lógicaformal, que estabelece a forma correta das operações dopensamento – se as regras forem aplicadasadequadamente, o raciocínio é considerado válido oucorreto, e a lógica material que é a parte da lógica que tratada aplicação das operações do pensamento, segundo amatéria ou natureza dos objetos a conhecer. Enquanto alógica formal se preocupa com a estrutura do pensamento,a lógica material investiga a adequação do raciocínio àrealidade. A lógica aristotélica não sofreu mudanças até oséculo XIX, mas teve inúmeros críticos até essa data.

A filosofia moderna procura outros métodoslógicos para determinar o raciocínio válido. Descartesrepudiava os procedimentos silogísticos da escolásticamedieval e procurava um novo método para a Filosofia quepossibilita-se a invenção e a descoberta e não se restrinjisseà demonstração do já sabido. Francis Bacon escreve oNovum Organum que se opunha ao Órganon de Aristótelese sua concepção de lógica. Stuart Mill formulou os cincocânones clássicos da inferência dedutiva que, na opiniãode Irving Copi, seria um instrumento para testar hipóteses -os seus enunciados descrevem o método da experiênciacontrolada, que é uma arma absolutamente indispensávelno arsenal da ciência moderna.

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98 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

3 Os Sofistas e sua Contribuição para a Retórica

A palavra sofista deriva do grego sophistés, com

o sentido original de habilidade específica em algum setor

ou homem que detém um determinado saber (do gregosóphos, «saber, sabedoria»). De início, vários profissionais

eram «sofistas»: carpinteiros, charreteiros, oleiros e poetas.Quando o domínio de uma técnica era reconhecido por todos,

o profissional era dito «sofista», desde as atividadesartesanais aos trabalhos de criação artística. O termo era,

portanto, um elogio.A partir do século V a.C., surgiram os professores

itinerantes de gramática, eloqüência e retórica que ofereciamseus conhecimentos para educar os jovens na prática do

debate público. A educação tradicional era insuficiente parapreparar o cidadão para a discussão política. Era preciso o

domínio da linguagem e de flexibilidade e agudeza dialéticapara derrotar os adversários.

O êxito desses tutores foi extraordinário.Passaram a ser, então, designados de sofistas, sábios

capazes de elaborar discursos fascinantes, com intensopoder de persuasão. Por outro lado, foram recebidos com

hostilidade e desconfiança pelos partidários do antigoregime aristocrático e conservador. Quando Atenas se

envolveu na Guerra do Peloponeso, os sofistas foramresponsabilizados pela decadência moral e política da

cidade. O julgamento de Sócrates ocorreu nesse clima de

acusação e ressentimento.

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99THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Nos séculos IV e III a.C., pensadores como Platão,

Xenofonte e Aristóteles, dramaturgos como Aristófanes em

sua comédia As Nuvens, todos passaram a atacar

sistematicamente os sofistas. O termo adquire um sentido

pejorativo e desfavorável, marcando para sempre o

vocabulário filosófico: argumento sofístico ou sofisma é o

mesmo que falso argumento ou intencionalmente falacioso;

de sofista deriva sofisticado, no sentido depreciativo de algo

muito elaborado ou excessivamente ornado, embora vazio

de conteúdo.

Na esfera jurídica atual, a contribuição dos

sofistas estende-se por todo campo da argumentação e da

retórica, muito comum nos debates jurídicos em que as partes

pretendem, por meio de seus argumentos e discursos,

alcançar a aceitação de suas teses.

4 A lógica formal x A lógica dialética no Direito

Foi com Parmênides e Heráclito que surgiu o

antagonismo entre lógica formal e lógica dialética.

Parmênides defendia o ponto de vista de que nada muda,

tudo que existe sempre existiu, nada se transforma e, por

isso, tudo que conhecemos não é um conhecimento

confiável, visto que, tudo que vemos transformando-se não

passa de ilusões de nossos sentidos como o sol que nasce

no horizonte ou o rio que corre para o mar. Parmênides

acreditava apenas na razão, para ele tudo que vemos

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100 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

sempre existiu.

Heráclito acreditava na constante transformação

do ser, tudo está em movimento no universo e, ao contrário

de Parmênides não desacreditava totalmente nos sentidos.

Nada permanece estático no universo, o que vemos hoje é

uma coisa totalmente diferente do que vimos ontem, tudo

está em constante mutação, foi ele que disse que jamais

poderíamos tomar banho duas vezes no mesmo rio, visto

que, cada vez que entrássemos, estaríamos entrando em

um rio diferente.

O pensamento de Parmênides espelha a lógica

formal e o de Heráclito espelha a lógica dialética. No decorrer

dos séculos essas teorias foram aperfeiçoadas por vários

filósofos como Aristóteles, Platão, Immanuel Kant e Hans

Kelsen, seguidores da Lógica Formal e Hegel, Marx, Engels,

Lênin, Karl Popper, seguidores da Dialética.

A lógica formal é uma forma de organizar o

raciocínio sem levar em consideração o conteúdo. O

raciocínio é feito com as premissas, e a conclusão que é

chamada de inferência na lógica. Para um raciocínio ser

considerado lógico terá que obedecer a três regras básicas

da lógica formal que são o princípio da identidade, o princípio

do terceiro excluído e o princípio da não-contradição. A lógica

formal, como o próprio nome diz, é pura forma não se

preocupando com o conteúdo das afirmações nem há

compromisso com a realidade. Aristóteles, para melhor

explicar sua teoria, criou símbolos, utilizando o silogismo,

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101THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

em que qualquer que fosse a proposição colocada no lugar

dos símbolos, o argumento seria válido – Se todos os B são

C e se todos os A são B, então todos os A são C.

O argumento é a exteriorização do raciocínio. Os

argumentos podem ser válidos ou inválidos. Para um

argumento ser considerado válido terá de obedecer, aos

acima citados, princípios da lógica formal, caso não obedeça

será considerado inválido.

As proposições, por sua vez, serão verdadeiras

ou falsas. Mas para uma conclusão ser verdadeira, as

premissas têm de ser verdadeiras e as inferências válidas,

sobre esse tema, ensina Fabio Ulhôa Coelho:

Os lógicos não se ocupam daveracidade ou falsidade daproposição. Interessam-se apenaspela validade ou invalidade doargumento. Estudam, em outrostermos, as condições segundo asquais se pode considerar lógico umainferência, isto é, obediente aosprincípios e regras do pensamentológico. Por essa razão, inclusive, epara propiciar maior agilidade noraciocínio, desenvolvem os lógicosuma linguagem própria, uma notaçãoespecífica. Como não se preocupamcom a realidade do que está sendoafirmado, os lógicos dispensam osmamíferos, asiáticos, Sócrates,ruminantes e tartarugas e adotam uma

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102 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

idéia geral de “ser”, representado porletras (A, B, C...). O argumento lógicoganha, então, a seguinte forma: TodoA é B; todo B é C; logo, todo A é C.(COELHO, 1996, p.21)

A palavra dialética etimologicamente vem do

grego dia que tem um sentido de dualidade, troca e Lektikós

que significa apto à palavra, capaz de falar, tem a mesma

raiz de logos que significa razão. O conceito característico

da dialética é o diálogo, ou seja, a oposição de idéias e

razões entre posições inicialmente antagônicas ou não.

Como vimos anteriormente, a lógica formal trabalha com

conceitos metafísicos, abstratos e absolutos em que a

realidade é explicada por suas essências imutáveis. Já a

lógica dialética parte do princípio da contradição, ou seja,

da oposição entre duas opiniões contrapostas.

A dialética é o movimento dos contrários, segundo

a teoria de Hegel passa por três fases distintas em sua

formação: a tese, a antítese e a síntese, ou seja, o movimento

da realidade se explica pelo antagonismo entre momento

da tese e o da antítese, cuja contradição deve ser superada

pela síntese.

No Direito, a lógica dialética hegeliana tem

importância fundamental, visto que o Direito se desenvolve

em um cenário de contradição, uma vez que, o direito de

um se coloca em oposição ao direito de outro, quando o

poder jurisdicional intervém para dizer o direito válido para

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todo o grupo social. A tese que representa o direito de A, a

antítese que representa o direito de B e, finalmente, a síntese

que é a decisão judicial, que não põe termo ao ciclo como a

priori poderia parecer, mas realimenta o ciclo transformando-

se também em uma nova tese que poderá ser contraditada.

5 As Concepções Filosóficas de Chaïm Perelman sobre

a Lógica Jurídica

Chaïm Perelman (1912-1984), nascido em

Varsóvia emigrou para Bélgica e lá construiu sua carreira,

lecionou na universidade de Bruxelas disciplinas como

Lógica, Moral e Filosofia, tornou-se o maior expoente dos

estudos de retórica moderna.

Sua obra intitulada “Lógica Jurídica: nova

retórica” tornou-se um clássico, configurando-se em manual

prático para o estudo de lógica e da argumentação jurídica.

Perelman foca seu trabalho na busca do

entendimento do raciocínio jurídico perfeito e na identificação

de suas particularidades específicas, com vista a entender

a real influência desses argumentos sobre as decisões

judiciais. Seus estudos tinham o intuito de responder a

questionamentos do tipo, a) como se raciocina

juridicamente? b) qual a peculiaridade do raciocínio jurídico?

c) quais as características desse raciocínio? d) de onde o

juiz extrai subsídios para a construção da decisão justa? e)

Até onde leva a argumentação das partes em um processo?

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104 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

f) qual a influência que a argumentação e a persuasão

possuem para definir as estruturas jurídicas? O intuito de

tais questionamentos é dar fundamento a reflexão a respeito

do julgamento e do ato jurídico decisório.

Os estudos realizados por Chaïm Perelman sobre

a nova retórica, a lógica e a argumentação são de

fundamental importância para a formação acadêmica dos

juristas contemporâneos. Perelman tinha como objetivo claro

declarar sua discordância ao positivismo jurídico que

colocava o raciocínio jurídico como um raciocínio exato,

mecanicista. O que Perelman queria era definir uma lógica

específica que não se utilize somente do raciocínio dedutivo,

mas que se utilize também de outras formas de raciocínio

como o indutivo.

Para esse autor, a aplicação do raciocínio jurídico

pelo juiz é matéria complexa, visto que a lógica judiciária

não se resume a uma mera dedução de conclusões extraídas

dos textos da lei, ou seja, a lei posta pelo legislador, muitas

vezes, tem um recurso lingüístico vago o que pode dar

margem a várias interpretações. Quando Perelman se refere

ao raciocínio jurídico está falando do ato fundamentado e

expresso nas decisões do juiz que engloba também os

demais profissionais que atuam com ele dentro do processo

como advogados, promotor etc. O estudo da obra de Chaïm

Perelman deverá ser cercado de cuidados com vista a não

se ter uma conclusão equivocada, como adverte o Eduardo

C. Bittar;

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105THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

No entanto, devem-se tomar algunscuidados ao estudar a obra dePerelman, quis sejam: não se estápensando que seja possível definir apriori o que seja a justiça feita pelo juiz,uma vez que a atividade jurisprudencialdo magistrado e exercida mediante aprovocação das partes e a existênciade um caso concreto a ser analisado;não se está pensando em conceituaruma verdade judicial, por meio de qualo juiz expressaria a vontade da lei, oualgo semelhante, mas no juízo domagistrado como iter racional paraalcance de um resultado socialmenteinstitucionalizado. (BITTAR; ALMEIDA,2005, p.414)

O pensamento de Perelman volta-se mais para

a prática do direito e menos para a estrutura lógica formal

do pensamento, isso se dá em função de sua intenção de

conferir autonomia ao raciocínio jurídico em relação à lógica

formal, inserida pelos positivistas nas ciências humanas e

jurídicas. Perelman não trabalha com o conceito de verdade,

mas sim, substitui esse termo por termos mais apropriados

como razoável, eqüitativo, aceitável, admissível..., termos

mais apropriados para expressar o raciocínio jurídico. Com

isso, quer o autor demonstrar que o juiz não é simplesmente

o porta voz da lei, como ensina o próprio autor: “o juiz não é

a ‘boca da lei’, aplicador neutro e desideologizado das

normas jurídicas como se quis no pensamento derivado da

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106 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Revolução Francesa.”

Para Perelman os estudos lógicos

contemporâneos modernos, derivados de uma tradição

cartesiana e leibniziana, negligenciaram a própria lógica

aristotélica. Para o autor é por intermédio do resgate da

lógica aristotélica aliada a influências ciceronianas, que

haverá de nascer uma semente adequada ao tratamento e

a análise dos problemas jurídicos contemporâneos, na

perspectiva perelmaniana. A utilização da lógica aristotélica

não formal, ou seja, a lógica aristotélica judiciária é um

recurso que é utilizado por Perelman para reinventar as

dimensões do sistema jurídico em seu funcionamento

dinâmico na prática. A influência de Aristóteles na obra de

Chaïm Perelman é notória, demonstrando, assim, em que o

autor busca embasamento teórico para fundar sua teoria.

A lógica jurídica consiste em uma lógica

argumentativa e por meio do discurso se constrói o saber

jurídico, a justiça, a eqüidade, a razoabilidade, e a

aceitabilidade das decisões judiciais.

A lógica perelmaniana não obedece a esquemas

rígidos de formação, elocução, dedução. Trata-se de uma

lógica material, prática com o firme propósito de produzir

efeitos diante de um auditório.

É pacifico o entendimento de que o operador do

Direito através de seus argumentos influencia a tomada de

decisão do juiz. O juiz quando entra em contato com os

argumentos, com os documentos, com as provas orais,

recebe informações que posteriormente vão ser

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107THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

condensadas no processo final de julgamento, que é a

decisão.

A proposta da nova retórica é de reformular o

pensamento jurídico contemporâneo, desvinculando-o do

pensamento positivista, ou seja, propondo ao jurista não

pensar nos fatos exclusivamente com os ditames da lei, mas,

sim, pensar nos fatos como situações passíveis de valoração

que se revelam por intermédio do discurso e da prática

judiciária.

O trabalho desenvolvido por Perelman tem foco

sobre o raciocínio jurídico que é o raciocínio decisório, ou

seja, o poder de dizer que o direito está no poder do juiz.

Com esse princípio fundamental é que Perelman visa a

afirmar que a lógica jurídica difere das demais formas de

lógica, por ser uma lógica dialética ou argumentativa. Sendo

assim, não é dedutiva, não é rígida nem abstrata dos fatos

que analisa. Todo o raciocínio jurídico e traçado em meio a

fatos concretos do dia-a-dia sejam fatos sociais, políticos,

dos quais surgem as decisões que regulam cada caso

concreto em particular.

6 As Concepções Filosóficas de Robert Alexy sobre a

Lógica Jurídica

Robert Alexy nasceu no dia 9 de setembro de

1945, em Oldenburg – Alemanha. É jurista e filósofo. Estudou

Direito e Filosofia em Götting, recebeu seu PhD em 1976

com a dissertação Uma Teoria da Argumentação Jurídica

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108 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

e alcançou sua habilitação em 1984 com a Teoria dos

Direitos Fundamentais.

Em sua obra Uma Teoria da Argumentação

Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da

fundamentação jurídica, Alexy dá sua contribuição para alógica jurídica de forma determinante e com o intuito deformular sua teoria parte primeiramente de umaargumentação prática geral para depois levar esseconhecimento para o campo do Direito, e formular suaprópria teoria da argumentação jurídica. Em busca deembasamento teórico, o jurista partiu para a análise devárias teorias da argumentação propostas por jusfilósofoscomo Stevenson, Hare, Toulmim, Habermas, Baier e outros.Alexy não pretende apenas formular uma teoria daargumentação que identifique os bons e os mausargumentos, o que propõe em sua teoria é adotar estruturados argumentos de forma analítica e descritiva. Alexy analisaos Princípios Gerais de Direito sua importância dentro doordenamento jurídico e sua aplicação para fundamentardecisões jurídicas, como ensina o autor:

Os princípios permitem exceções epodem entrar em conflito oucontradição; eles não têm pretensãode exclusividade; seu significado realsó se desenvolve através de umprocesso tanto de complementaçãoquanto de limitação recíproca e elesprecisam de princípios subordinados

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109THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

e valorações particulares comconteúdo material independente parasua realização concreta. (ALEXY,2005, p. 36)

O tema central da teoria de Alexy repousa naseguinte pergunta: é possível uma fundamentação racionaldas decisões jurídicas? Há a possibilidade de determinarcritérios que possam determinar que um discurso prático oujurídico seja racional? Alexy demonstra em sua obra que taiscritérios podem ser formulados de forma prática mediante aobservância de regras práticas a serem seguidas.

Regras básicas

- A validade do primeiro grupo de regras é condição préviade toda comunicação lingüística:

1. Nenhum orador pode se contradizer2. Todo orador só pode afirmar aquilo que ele próprio crê.3. Todo falante que aplique um predicado F a um objeto A,tem de estar preparado para aplicar F a todo outro objeto

que seja semelhante a A em todos os aspectos importantes

4. Diferentes oradores não podem usar a mesma expressão

com diferentes significados

Regras da razão

- Não é possível haver um discurso prático sem afirmações.

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110 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

1. Todo falante deve, quando lhe é solicitado, fundamentar o

que afirma, a não ser quando puder dar razões que justifiquem

a recusa a uma fundamentação

2. Quem pode falar, pode participar do discurso

3. Todos podem transformar uma afirmação num problema

4. Todos podem introduzir qualquer afirmação no discurso

5. Todos podem expressar suas opiniões, seus desejos e

suas necessidades

Regras sobre a carga da argumentação

1. Quem pretende tratar uma pessoa A de maneira diferente

da adotada para uma pessoa B, está obrigado a

fundamentar isto.

2. Quem ataca uma afirmação que não é objeto da

discussão deve dar uma razão para isso

3. Quem apresentou um argumento só é obrigado a

apresentar outros no caso de surgirem argumentos contrários

4. Quem introduz uma afirmação que não sirva como

argumento a uma manifestação anterior tem, se isto lhe é

pedido, de fundamentar porque introduziu essa afirmação.

As regras de fundamentação

1. A pessoa que afirma uma proposição normativa, que

pressupõe uma regra para a satisfação dos interesses de

outras pessoas, deve poder aceitar as conseqüências dessa

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111THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

regra também no caso hipotético em que ela se encontre na

situação daquelas pessoas.

2. As conseqüências de cada regra para a satisfação dos

interesses de cada um devem poder ser aceitas por todos

3. Toda regra pode ser ensinada de forma aberta e geral

4. As regras morais que servem de base às concepções

morais do falante devem passar por uma análise histórico-

crítica. Não passará por essa prova se:

- a regra moral perdeu a sua justificação

- a regra não pôde ser explicada racionalmente desde sua

origem nem há novas razões que a justifiquem agora.

5. É preciso aceitar os limites de possibilidade de realização

dos dados de fato

Regras de transição

- No discurso prático surgem problemas que obrigam a

recorrer a outros tipos de discurso. Isso dá lugar a mais três

regras:

1. Para qualquer falante e em qualquer momento, é possível

passar para um discurso teórico.

2. Para qualquer falante e em qualquer momento ,é possível

passar para um discurso de análise da linguagem.

3. Para qualquer falante e em qualquer momento, é possível

passar para um discurso de teoria do discurso.

A obra trata do desenvolvimento racional do

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112 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

discurso jurídico a partir da observância de regras e formas

lógicas, acima citadas, como fator determinante para o

alcance do objetivo dos juízos de dever e de valor. O intuito

do trabalho de Alexy é dar coerência lógica ao discurso

jurídico, evitando, assim, que as decisões judiciais cheguem

a absurdos e incoerências em suas formulações. É uma das

mais influentes obras da Filosofia do Direito surgida nos

últimos tempos.

7 As Concepções Filosóficas de Luíz Recaséns Siches

sobre a Lógica Jurídica

Luís Recaséns Siches nasceu na Espanha em

1903, fez os seus estudos universitários no período

compreendido entre 1918 a 1925. Nos seus estudos de pós-

graduação, foi discípulo de renomados mestres, como

Giorgio Del Vechio, em Roma, Rudolf Stanmmler, Rudolf

Smend e Hermann Heller em Berlim, Hans Kelsen, Felix

Kaufmann e Fritz Schrgirer em Viena, que eram os maiores

expoentes do pensamento jurídico da época.

Durante o tempo em que foi professor da

“Graduate Faculty” da “New School for Social Research”, em

Nova York, no período de 1949 a 1954, e da escola de Direito

da “New York University”, entre 1953 e 1954, bem como de

outras universidades norte-americanas, influenciado

diretamente com o pensamento jurídico anglo-saxão,

desenvolveu algumas idéias sobre a interpretação do Direito,

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113THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

a dupla dimensão circunstancial de todo Direito positivo, a

lógica do humano e o caráter criador da função judicial.

Recaséns Siches, então retornando às cátedras

da Universidade Nacional Autônoma do México, apresentou

suas idéias em livro, defendendo o emprego de um só

método, o da Lógica do Razoável, definida como uma razão

impregnada de pontos de vista estimativos, de critérios de

valorização, de pautas axiológicas, e, além de tudo, traz

consigo os ensinamentos colhidos da experiência própria e

também do próximo através da história.

Segundo a intenção de emprego desse método,

como único, poderia o intérprete deixar de lado, de uma vez

por todas, a referência à pluralidade de diferentes formas

de interpretação, fosse literal, subjetivo-objetivo,

consuetudinário, histórico, analógico, por eqüidade, etc.

Recaséns Siches defendia que, assim como a Ciência

Jurídica, a Filosofia do Direito não tinha condições de

escolher um método ou uma tábua de prioridades entre os

vários métodos de interpretação. Decorre daí, que a única

regra que se poderia formular, com universal validade, era a

de que o juiz sempre deveria interpretar a lei de modo e

segundo o método que o levasse à solução mais justa dentre

todas as possíveis.

Defendia ele que essa atitude não se

consubstanciaria em desrespeito à lei, porque, segundo seu

pensamento, ao legislador cabe emitir mandamentos,

proibições, permissões, mas não lhe compete o

pronunciamento sobre matéria estranha à legislação, mas

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114 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

referente apenas à função jurisdicional. Quando o legislador

ordena um método de interpretação, quando invade o campo

hermenêutico, esses ensaios científicos colocam-se no

mesmo plano das opiniões de qualquer teórico e não têm

força de mando.

Para Siches, ao contrário do que ocorre com a

lógica da inferência, de caráter neutro e explicativo, a lógica

do razoável procura entender os sentidos, os vínculos entre

as significações dos problemas humanos, e, portanto, dos

políticos e jurídicos, assim como realiza operações de

valoração e estabelece finalidades ou propósitos.

No que tange à atividade do magistrado,

especialmente a sentença, é essa também fruto de

estimativa, pois o juiz para chegar à intuição sobre a justiça

do caso concreto, não separa sua opinião a respeito dos

fatos das dimensões jurídicas desses mesmos fatos. Pois

“a intuição é um complexo integral e unitário que engloba os

dois aspectos: ‘fatos’ e ‘Direito’. A esse particular, o referido

autor formula as seguintes observações: primeiramente

entende que a intuição do juiz acha-se embasada na lógica

do razoável e que, quando se fala que o juiz procura uma

justificativa para o que pressentiu intuitivamente, isso não

significa que deva recorrer àquelas pseudo-motivações

lógico-dedutivas, de que se serviram os juristas no século

XIX, bastando oferecer uma justificação objetivamente válida,

com embasamento na lógica do humano. Isso faz com que

a função do juiz, embora mantendo-se dentro da observância

do Direito formalmente válido, seja sempre criadora, por

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115THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

alimentar-se de um amplo complexo de valorações

particulares sobre o caso concreto.

Não se trata, contudo, de Direito Alternativo, muito

menos do uso alternativo do Direito, porquanto, trata-se de

que o julgador se valha, ao intuir a solução mais justa

aplicável ao caso concreto, dos métodos tradicionais de

interpretação para justificar a sua tomada de decisão.

Recaséns Siches explica ainda que a estimativa jurídica

informa ao intérprete sobre quais são os valores cujo

cumprimento deve ou não ser perseguido pelo Direito, tais

como justiça, dignidade da pessoa humana, liberdades

fundamentais do homem, segurança, ordem, bem-estar geral

e paz. Mas há outros que podem ser englobados no conceito

que tradicionalmente se denomina prudência: sensatez,

equilíbrio, possibilidade de prever as conseqüências da

aplicação da norma e de sopesar entre vários interesses

contrapostos, legitimidade dos meios empregados para

atingir fins justos etc. No intuito de concluir, Siches salientou

que a Lógica do Razoável está sempre impregnada por

valorações, ou seja, critérios axiológicos. Essa característica

valorativa é totalmente estranha à lógica formal ou a qualquer

teoria da inferência, constituindo um dos aspectos que,

definitivamente, distingue a lógica do razoável da lógica

matemática.

Para o citado autor, a lógica formal não esgota a

totalidade do “logos”, da razão, é apenas um setor dela.

Existem outros setores que pertencem igualmente à lógica,

que possuem natureza completamente diversa da lógica do

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116 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

racional, que é a lógica dos problemas humanos de conduta

prática, a “lógica do razoável”. Fica claro, então, que Luís

Recaséns Siches é o dinamizador na ciência jurídica latino-

americana, das novas teorias em matéria de hermenêutica

do Direito.

8 Considerações finais

O que se entende contemporaneamente por

teoria da argumentação jurídica e lógica jurídica é que elas

têm origem nas teorias acima estudadas. Essas teorias

compartilham e têm em comum a rejeição à lógica formal

aristotélica como único instrumento de raciocínio jurídico.

No século XX, mais precisamente após a

Segunda Guerra Mundial, os juristas perceberam que não

se podia interpretar o Direito através de equações lógicas,

sem considerar valores e aspectos particulares de cada

caso, não se admitindo o positivismo obcecado nem o

jusnaturalismo exagerado. O pensamento jurídico atual passa

a se opor à lógica formal e a utilizar-se da dialética e da

lógica do razoável. O direito, como fato gerado no ceio da

sociedade e que está em constante evolução, exige do jurista

que analise os fatos com uma visão estrita de cada caso,

aplicando a norma de forma a amoldá-la a situações

apresentadas e obtendo, assim, o maior grau de êxito em

sua aplicação, abandonando definitivamente o simples

silogismo e partindo para a discussão dialética das

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117THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

questões jurídicas. Os operadores do Direito, principalmente

os magistrados, devem preocupar-se com a razoabilidade

das decisões e argumentações jurídicas, visando com isso

a fundamentar suas ações e a solidificar a evolução da lógica

jurídica.O disposto no art. 5º da LICC prescreve que, na

aplicação da lei, deverá o juiz atender aos fins sociais a que

ela se dirige e as exigências do bem comum.

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118 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Referências:

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racional como teoria da justificação jurídica. Trad. Zilda H. S. Silva. São

Paulo: Landy Editora, 2005.

BITTAR, Eduardo C.B; ALMEIDA, Guilherme de Assis. Curso de

Filosofia do Direito. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2005.

COELHO, Fábio Ulhôa. Roteiro de Lógica Jurídica. , São Paulo: Max

Limonad, 1996.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: ser, saber, fazer:

elementos da história do pensamento ocidental. 11ª ed., São Paulo:

Saraiva, 1995.

FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica,

decisão, dominação. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2003.

PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica. São Paulo: Martins

Fontes, 2004. NS SICHES, Luíz Recaséns Tratado General de

Filosofia del Derecho, México, Ed. Porrua, 1959.

TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. A lógica do razoável e o

negócio jurídico: reflexões sobre a difícil arte de julgar. Disponível na

Internet: em http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/

artigos.asp?codigo=86 . Acesso em 25 de junho de 2007.

VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito: Primeiras

linhas. São Paulo: Atlas, 2004.

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119THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL: OBSTÁCULOS EINSTRUMENTOS GARANTIDORES

Carlos Augusto Medeiros de AndradeMestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).

Defensor Público de entrância especial do Estado do Ceará.

Professor do Curso de Direito da Faculdade Christus.

Conselheiro Estadual da OAB-CE.

1. Introdução 2. Acesso à Justiça 2.1. Noção2.2. Obstáculos 2.2.1. Custos da Demanda2.2.1.1. Custas Judiciais 2.2.1.2. HonoráriosAdvocatícios 2.2.2. Impossibilidade dasPartes 2.2.3. Sistema Processual 2.3.Instrumentos Garantidores 2.3.1.Assistência Jurídica Integral e Gratuita –Defensoria Pública 2.3.2. JuizadosEspeciais 3. Conclusão 4. ReferênciasBibliográficas.

RESUMOPara a devida assistência jurídica, aspessoas enfrentam diversos obstáculos,desde a falta de recursos paracomparecimento aos locais de atendimentoaté a total falta de informação deinstrumentos democráticos como aDefensoria Pública.

PALAVRAS-CHAVE: Acesso à Justiça.Obstáculos. Assistência Jurídica.Defensoria Pública. Juizados Especiais.

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120 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

1. INTRODUÇÃO

Apresentar o que significa acesso à justiça,

passando pela sua noção, os obstáculos que, se não

impedem, dificultam que as pessoas busquem a garantia

dos seus direitos, analisando os custos da demanda (custas

judiciais e honorários advocatícios), a impossibilidade das

partes, dentro de uma visão sócio-cultural e a menção ao

sistema processual que em muito tem contribuído para que

as pessoas desacreditem no Poder Judiciário, chegando-

se até aos instrumentos facilitadores, em que se ressalta

principalmente a assistência jurídica integral e gratuita por

meio da Defensoria Pública e os Juizados Especiais, que

apesar de suas falhas, têm feito seu papel de garantir acesso

à justiça a grande parte da população: esta é a proposta do

presente estudo que visa também dar uma visão panorâmica

dos institutos que dão supedâneo ao tema em alusão:

ACESSO À JUSTIÇA.

Tem-se também como objetivo, chamar a atenção

dos operadores do Direito e da sociedade em geral, para a

crítica situação que, mormente o Estado do Ceará, passa,

em termos de falta de Defensores Públicos para atendimento

à população.

2. ACESSO À JUSTIÇA

2.1. Noção

Ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal,

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121THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

que diz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”, muito se tem atribuído

os termos “acesso ao Judiciário”, ou “acesso à tutela

jurisdicional”, ou ainda “acesso ao Poder Judiciário”. Ocorre

que a proposta do presente estudo, “acesso à justiça” é bem

mais abrangente, e, sobre o assunto, tem-se a opinião do

autor Augusto Marcacini, citando Kazuo Watanabe (“Acesso

à Justiça e Sociedade Moderna, in Encontro, Participação

e Processo.”) :Por acesso à justiça, assim, não seresume o mero ingresso em juízo. Outrosfatores mais se fazem necessários, a fimde que, ingressando em juízo, doprocesso resulte uma solução justa parao conflito. Dando maior dimensão a estagarantia, conclui Kazuo Watanabe que:“O direito de acesso à justiça é,fundamentalmente, direito de acesso àordem jurídica justa; são dadoselementares desse direito: 1) o direito àinformação e perfeito conhecimento dodireito substancial e à organização depesquisa permanente a cargo deespecialistas e orientada à aferiçãoconstante da adequação entre a ordemjurídica e a realidade socioeconômica doPaís; 2) direito de acesso à justiçaadequadamente organizada e formadapor juízes inseridos na realidade social

1 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência Jurídica, AssistênciaJudiciária e Justiça Gratuita. 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.20-21.

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122 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

e comprometidos com o objetivo derealização da ordem jurídica justa; 3)direito à preordenação dos instrumentosprocessuais capazes de promover aefetiva tutela de direitos; 4) direito àremoção de todos os obstáculos que seanteponham ao acesso efetivo à Justiçacom tais características.1

Por isso, ao iniciar-se o estudo acerca do tema,

deve levar-se em consideração logo, o que assevera Mauro

Cappelletti em sua clássica obra Acesso à Justiça: “O

acesso não é apenas um direito social fundamental,

crescentemente reconhecido; ele é, também,

necessariamente, o ponto central da moderna

processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e

aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência

jurídica”2 , em que o termo acesso, empregado no tema em

estudo, representa a possibilidade, a abertura de viabilidade

que as pessoas têm para obter algo.

Mas qual o primeiro momento em que se

despertou efetivamente a este acesso à justiça? Cappelletti,

em nota (7), assevera que:

Provavelmente o primeiroreconhecimento explícito do dever do

2 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução:Ellen Gracie Northfleet. 1ª ed., Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,1988, p. 13.

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123THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

Estado de assegurar igual acesso àjustiça (pelo menos quando as partesestejam na Justiça) veio com o CódigoAustríaco de 1895, que conferiu ao juizum papel ativo para equalizar aspartes.3

De lá até os tempos hodiernos, muito se tem

caminhado no sentido de fazer valer este direito, ressaltando-

se assim as palavras do juiz José Renato Nalini, em que

explana:“o movimento do acesso à justiça éuma solução de compromisso. Oaspecto normativo do direito não érenegado, mas enfatizado comoelemento de extrema importância. Écondição necessária aoconhecimento do fenômeno jurídico,mas não suficiente à suacompreensão total. O direito é norma,todavia não se contém todo napositividade.4

No que diz respeito ao objeto do presente estudo,

não se pode deixar de comentar a diferença entre acesso

formal e acesso efetivo à justiça, sobra o qual o autor

Guilherme Peña de Moraes trata da seguinte maneira:

3 Ob. cit. p. 11.4 NALINI, José Renato. O Juiz e o Acesso à Justiça. 2ª Ed. São Paulo:Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 24.

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O primeiro, identificado como direitofundamental de índole individualista,representa os direitos de ação edefesa, conceituados como direitossubjetivos públicos, autônomos,abstratos, determinados e específicos,de natureza constitucional-processual,de invocar, mediante a dedução deuma pretensão em juízo ou demanda,ou impedir, através da resposta dodemandado, a outorga da prestaçãojurisdicional, respectivamente(6).Ressalta-se que os direitos individuaissão caracterizados peloestabelecimento, relativamente aoEstado, de um dever de abstenção,isto é, são direitos asseguradores deuma esfera de ação pessoal própria,inibidora da ação estatal, de modoque o Estado os satisfaz por umabster-se ou não atuar.O segundo, particularizado comodireito fundamental de índole social,corresponde a uma faculdade ouprerrogativa dos indivíduos, ou dasunidades sociais das quais façamparte, de participação nos benefíciosda vida social, econômica ou cultural,mediante prestações, diretas ouindiretas, por parte do organismoestadual, no sentido de reconhecer edefender adequadamente, na esferaprática, os direitos titularizados pelapessoa humana. É relevante dizer que

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125THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

os direitos sociais são determinadospela constituição, com referência aoEstado, de um dever de prestação,vale dizer, são direitos fundamentaissatisfeitos por uma prestação oufornecimento de um bem por parte docorpo estatal.5

Mauro Cappelletti, tratando de acesso efetivo àjustiça entende que:

De fato, o direito ao acesso efetivo temsido progressivamente reconhecidocomo sendo de importância capitalentre os novos direitos individuais esociais, uma vez que a titularidade dedireitos é destituída de sentido, naausência de mecanismos para suaefetiva reivindicação(8). O acesso àjustiça pode, portanto, ser encaradocomo o requisito fundamental – o maisbásico dos direitos humanos – de umsistema jurídico moderno e igualitárioque pretenda garantir, e não apenasproclamar os direitos de todos.6

Ainda sobre a noção que se deve ter de acessoà justiça, tendo em vista o seu estudo metodológico, oprofessor José de Albuquerque Rocha discorre:

5 MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública.1ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p.45-46.6 Ob. cit., p.11-12.

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126 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

(...) o direito de acesso à justiça deveser encarado como instrumento depolítica social. Não basta estudá-locomo faculdade abstrata de acesso àjustiça, mas deve ser tratado de umamaneira mais ampla, como qualquertema jurídico, compreendendo não sóo estudo das normas que oconsagram, mas também aspossibilidades concretas de suaefetivação, o que levanta a questão deidentificar os obstáculos que impedemo exercício do direito.7

É importante destacar que este acesso à justiça

não se deva ser entendido em seu sentido somente estrito,

mas sim o mais amplo possível, ou seja, no que se atribui o

acesso à justiça social, estendendo-se em vários aspectos

o termo, desde a dificuldade que alguém tem para acionar a

prestação jurisdicional do Estado pelo meio formal de

ingressar com uma determinada ação, até o fato de alguém

ser privado de poder entrar em um ônibus ou ter acesso a

7 ROCHA, José de Albuquerque. Defensoria Pública como Conquistado Cidadão, in. Revista Cearense Independente do MinistérioPúblico. Ano I, nº 03, Fortaleza: Ed. ABC, 1999, p. 172. E aqui vale oensinamento de John Rawls, em “Justicia como Equidad”, p. 90, emque “Una práctica es justa o equitativa, pues, cuando satisface losprincipios que los que em ella participan podrían proponerse unos aotros para su mutua aceptación em las circunstancias antesmencionadas. Las personas embarcadas em uma práctica justa, oequitativa, pueden mirarse unas a otras abiertamente y defender susrespectivas posiciones – si parecieran cuestionables – por referencia aprincipios que es razonable esperar que cada uno acepte.”

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um restaurante ou um prédio qualquer, porque não temrampa para sua cadeira de roda. Traduz-se também (e istoé importante ressaltar), na falta de oportunidade da criançaem ter uma escola para estudar ou os seus pais de empregocom renda suficiente para sustentá-la, enfim, justiça social.

2.2. ObstáculosInfelizmente muitos obstáculos têm aparecido no

firmamento deste direito indiscutível da sociedade de disporde meios que garantam seu acesso à justiça. Dentre elespode mencionar-se os custos da demanda (em que seinserem as custas judiciais e os honorários pagos aadvogados), a impossibilidade das partes e o sistemaprocessual, os quais serão discutidos a seguir. Poder-se-iamencionar mais alguns. Contudo, para fins do presentetrabalho, colocar-se-á o limite nos fatores acima citados, atémesmo pelo fato de cada um deles, ainda os que não foramelencados, guardarem estreita ligação entre si, como severá.

2.2.1. Custos da demandaConsiderado um dos principais fatores que

distanciam a população do acesso à justiça, o fatoreconômico, ou seja, os custos da demanda, podem sertratados no que concerne a dois pontos fundamentais (semesquecer outros que são também importantes, como, porexemplo, a falta de dinheiro para: pagar um transporte a fimde chegar em um local de atendimento de alguma instituiçãoque promova acesso à justiça; xerocopiar documentos

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necessários para o ingresso de pedidos sejam elesadministrativos ou mesmo judiciais etc.): custas judiciais ehonorários advocatícios.

2.2.1.1. Custas judiciaisEm se tratando da existência de custas judiciais

(ou “custas processuais”, “custas do processo” ou ainda noaspecto mais amplo “despesas processuais”), é flagrante adistância que aquelas impõem às camadas mais baixas dasociedade, financeiramente tratando, pois poucas são aspessoas que têm condição de pagar os valores necessáriospara ingressar judicialmente. Como exemplos podem sercitados em ações de divórcio, de separação judicial ou dealimentos, que “deságuam” às dezenas no setor dedistribuição do Fórum. Dependendo do chamado “valor dacausa” poderão as custas iniciais chegar a um saláriomínimo. Quer dizer, a parte interessada terá quedesembolsar de imediato quase quatrocentos reais.Levando-se em consideração que a imensa maioria daspessoas que tem emprego (pois muitas delas não o têm),percebem apenas este mesmo salário mínimo “capaz deatender a suas necessidades vitais básicas e às de suafamília com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,vestuário, higiene, transporte e previdência social(...)”9 , logo,ficará difícil para pagar, haja vista que o que ganha em ummês terá que desembolsar para pagar somente umadespesa processual.

2.2.1.2. Honorários advocatíciosAlém do que se paga ao Poder Judiciário,

9 Inciso IV do art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil.

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quando se quer uma determinada demanda, para seingressar em juízo, precisa-se de profissional (ouprofissionais, pois, às vezes, necessita-se de um contadorpara um cálculo; um engenheiro, para planta e memorialdescritivo em uma ação de usucapião etc.) habilitado paratanto, ou seja, um advogado. E o que se paga ao mencionadobacharel, é estipulado em tabela oficial, definida pela Ordemdos Advogados do Brasil. Sobre o assunto, trata o autor RuyPereira Barbosa, em que inicialmente cita o jurista HélioBicudo, em seu artigo intitulado “Cega, Cara e Lenta”,referindo-se à justiça brasileira e adiante exara:

Exemplificativamente citamos o quedetermina a atual Tabela deHonorários Advocatícios, para asseguintes ações:1) Advocacia Civil:a) Medidas Cautelares:a.1) ¾ dos honorários previstos paraa causa principal, se esta não vier aser promovida; se vier a serpromovida, 1/3 dos honoráriosprevistos para a causa principal.Mínimo – R$500,00;a.2) arresto, seqüestro, busca eapreensão, exibição, caução,produção antecipada de provas,justificação, sustação de protesto,atentado – mínimo R$500,00;a.3) homologação de penhor legal,apreensão de título, ratificação deprotesto marítimo e outras medidasprovisionais – mínimo R$500,00.

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b) Possessórias:b.1) manutenção e reintegração deposse – 20% sobre o valor da coisalitigiosa. Mínimo R$1.000,00;b.2) interdito proibitório – 10% sobreo valor da coisa litigiosa. MínimoR$1.000,00.c) Ordinária de Despejo:Como advogado do autor ou do réu,20% sobre o valor do aluguelcorrespondente a um ano de locação.Mínimo R$1.000,00.(...)1 0

Como se vê, o raciocínio anterior, em que agrande maioria da população sequer percebe um saláriomínimo de remuneração, não tem condição de ter seusdireitos garantidos, ou seja, que seja proporcionado o acessoà justiça, com valores tão superiores às suas condições.

2.2.2. Impossibilidade das partesTratado tanto por Gulherme Peña de Moraes1 1,

como por Mauro Cappelletti1 2 como “possibilidade das

partes”, em que citam Marc Galanter, optou-se por nomear

esta parte do estudo como “impossibilidade das partes”, até

mesmo para guardar uma conexão lógica entre os temas

tratados, uma vez que a referência é aos obstáculos,

10 BARBOSA, Ruy Pereira. Assistência Jurídica. 1ª ed., Rio de Janeiro:

Forense, 1998, p. 34-35.11 Ob. cit., p. 48.

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empecilhos, instrumentos inibidores ou impeditivos do

acesso à justiça, e não o contrário.

No que concerne ao assunto em si, a

impossibilidade das partes a que se refere esta parte do

trabalho diz respeito ao aspecto sócio-cultural da população,

pois a econômica já foi discutida anteriormente.

Quanto ao cultural, o professor José de

Albuquerque Rocha diz que “é derivada da falta de

consciência jurídica da população que ignora seus direitos”1 3.

Mas se deve atentar que isto ocorre pela falta de utilização

de meios adequados para fazer chegar a informação às

pessoas, ou melhor, políticas públicas voltadas neste sentido.

Senão, da eficácia de alguns meios utilizados, já que há algo

sendo feito como: divulgação pela imprensa escrita (jornais,

revistas, etc.) e falada (rádios e televisões), bem como

programas que têm sido desenvolvidos, como palestras

proferidas nos bairros, ou seja, nos próprios locais de

moradia.

Dentro ainda deste aspecto da falta de

informação, insere-se também a falta de conhecimento

jurídico, como trata Mauro Cappelletti1 4:Num primeiro nível está a questão dereconhecer a existência de um direitojuridicamente exigível. Essa barreirafundamental é especialmente sériapara os despossuídos, mas não afeta

13 Ob. cit., p.172-173.

14 Ob. cit., p. 22-23.

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apenas os pobres. Ela diz respeito atoda a população em muitos tipos deconflitos que envolvem direitos.Observou recentemente o professorLeon Mayhew: “Existe... um conjuntode interesses e problemas potenciais;alguns são bem compreendidos pelosmembros da população, enquantooutros são percebidos de forma poucoclara, ou de todo despercebidos”(26).Mesmo consumidores beminformados, por exemplo, sóraramente se dão conta de que suaassinatura num contrato não significaque precisem, obrigatoriamente,sujeitar-se a seus termos, emquaisquer circunstâncias. Falta-lhes oconhecimento jurídico básico nãoapenas para perceber que sejampassíveis de objeção.

No que concerne ao aspecto social, ou melhor,

sociológico, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Neri

da Silveira, em aula inaugural da Fundação Escola Superior

da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, proferiu:Nessa ordem, as preocupações como acesso efetivo à justiça, por todos,inclusive pelos menos favorecidos dafortuna, tornaram-se, nas últimasdécadas, de uma forma mais intensa,questão, ao mesmo tempo, dointeresse da ciência do direito, quantoda sociologia jurídica. As relações

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entre o processo civil e a justiça social,entre a igualdade jurídico-formal e adesigualdade socio-econômica,ganham, neste plano, significativasdimensões. A função do PoderJudiciário cresce, em conseqüência,de interesse, não só para osprofissionais do direito, mas, também,relativamente ao domínio dasociologia jurídica.Estudos de natureza sociológica, nocampo da administração da justiça,evidenciam, de outra parte, quedificuldades de todas as ordenscercam os pobres e necessitados,quer as econômicas, quer as sociaise culturais, constituindo, todas elas,obstáculos reais ao acesso à Justiça.Em tal sentido, BOAVENTURA DESOUSA SANTOS anota que asociologia da administração da justiça“tem-se ocupado também dosobstáculos sociais e culturais aoefetivo acesso à justiça, por parte dasclasses populares, e este constituitalvez um dos campos de estudo maisinovadores”. E prossegue: “Estudosrevelam que a distância dos cidadãosem relação à administração da justiçaé tanto maior quanto mais baixo é oestado social a que pertencem e queessa distância tem como causaspróximas não apenas fatoreseconômicos mas também fatores

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sociais e culturais, ainda que uns eoutros possam estar mais ou menosremotamente relacionados com asdesigualdades econômicas.1 5

2.2.3. Sistema processual

O aspecto do sistema processual pode ser

encarado inicialmente por um dos pontos que é marcante: o

da morosidade da efetivação dos atos desempenhados pelo

Poder Judiciário. E sobre este tema, trata Ruy Pereira

Barbosa1 6:Justiça, para o povo, é sinônimo dedemora, de morosidade. Háprocessos que permanecem emtramitação ano após ano.A Justiça era tardia antes e depois deRuy Barbosa. Em seu tempo afirmavaele: “Mas justiça atrasada não éjustiça, senão injustiça qualificada emanifesta. Porque a dilação ilegal nasmãos do julgador contraria o direitodas partes e, assim, as lesa nopatrimônio, honra e liberdade. Osjuízes tardinheiros são culpados, quea lassidão comum vai tolerando. Massua culpa tresdobra com a terrível

15 SILVEIRA, José Neri. Defensoria Pública como Instrumento daLiberdade, da Cidadania e da Justiça Social. Discurso na aula inauguralda Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio Grande do

Sul, Porto Alegre, 1999, p.19-20.

16 Ob. cit., p.33.

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agravante de que o lesado não temmeio de reagir contra o delinqüentepoderoso, em cujas mãos jaz a sortedo litígio pendente”.(8) O atraso naprestação jurisdicional, o que equivalea dizer, a Justiça tardia, prejudicaespecialmente os pobres, para osquais a longa espera traz prejuízosirreparáveis. A péssima sistemática daorganização judiciária, o constantedeslocamento de juízes, a escassezde recursos materiais, a falta de umaaplicação mais sensata dos recursos,tudo isto implica em prejuízo para aceleridade da prestação jurisdicional.

Contudo, Mauro Cappelletti dá outro enfoque

sobre o assunto1 7:O enfoque sobre o acesso – o modopelo qual os direitos se tornamefetivos – também caracterizacrescentemente o estudo do modernoprocesso civil. A discussão teórica,por exemplo, das várias regras doprocesso civil e de como elas podemser manipuladas em várias situaçõeshipotéticas pode ser instrutiva, mas,sob essas descrições neutras,costuma ocultar-se o modelofreqüentemente irreal de duas (oumais) partes em igualdade de

17 Ob. cit., p. 12-13.

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condições perante a corte, limitadasapenas pelos argumentos jurídicosque os experientes advogadospossam alinhar. O processo, noentanto, não deveria ser colocado novácuo. Os juristas precisam, agora,reconhecer que as técnicasprocessuais servem a funções sociais(9); que as cortes não são a únicaforma de solução de conflitos a serconsiderada (10) e que qualquerregulamentação processual, inclusivea criação ou o encorajamento dealternativas ao sistema judiciárioformal tem um efeito importante sobrea forma como opera a lei substantiva– com que freqüência ela é executada,em benefício de quem e com queimpacto social. Uma tarefa básica dosprocessualistas modernos é expor oimpacto substantivo dos váriosmecanismos de processamento delitígios. Eles precisam,conseqüentemente, ampliar suapesquisa para mais além dos tribunaise utilizar os métodos de análise dasociologia, da política, da psicologiae da economia, e ademais, aprenderatravés de outras culturas.”

Finalizando esta parte do estudo, cita-se o

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processualista Cândido Rangel Dinamarco, que trata doassunto em alusão, como se vê a seguir1 8:

Tudo quanto foi dito ao longo da obravolta-se a essa síntese muito generosaque na literatura moderna leva o nomede acesso à justiça. Falar eminstrumentalidade do processo ou emsua efetividade significa, no contexto,falar dele como algo posto àdisposição das pessoas com vistas afazê-las mais felizes (ou menosinfelizes), mediante a eliminação dosconflitos que as envolvem, comdecisões justas. Mais do que umprincípio, o acesso à justiça é a síntesede todos os princípios e garantias doprocesso, seja a nível constitucional ouinfraconstitucional, sejam em sedelegislativa ou doutrinária ejurisprudencial. Chega-se à idéia doacesso à justiça, que é o pólometodológico mais importante dosistema processual na atualidade,mediante o exame de todos e dequalquer um dos grandes princípios.A garantia de ingresso em juízo (oudo chamado “direito de demandar”)consiste em assegurar às pessoas oacesso ao Poder Judiciário, com suaspretensões e defesas a serem

18 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 9ªed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 303-305.

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apreciadas, só lhes podendo sernegado a exame em casosperfeitamente definidos em lei(universalização do processo e dajurisdição). Hoje busca-se evitar queconflitos pequenos ou pessoas menosfavorecidas fiquem à margem doPoder Judiciário; legitimam-sepessoas e entidades à postulaçãojudicial (interesses difusos, mandadode segurança coletivo, ação direta deinconstitucionalidade estendida adiversas entidades representativas); eo Poder Judiciário, pouco a pouco, vaichegando mais perto do exame domérito do atos administrativos,superando a idéia fascista dadiscricionariedade e a sutil distinçãoentre direitos subjetivos e interesseslegítimos, usadas como escudo paraassegurar a imunidade deles àcensura jurisdicional. Nessa e emoutras medidas voltadas àuniversalidade do processo e dajurisdição reside o primeirosignificado da garantida constitucionaldo controle judiciário e o primeiropasso para o acesso à justiça.Essa garantia não é um fim em simesma. A progressiva redução do roldos conflitos não jurisdicionalizáveise das pessoas sem acesso aoJudiciário seria coisa sem muito

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significado social e político se nãoexistisse a garantia do devidoprocesso legal, que por um dos seuspossíveis aspectos é a expressãoparticularizada do princípioconstitucional da legalidade, enquantovoltado ao processo. Constituisegurança para todo o sistema delimitações ao exercício do poder pelojuiz, de deveres deste perante aspartes e de oportunidades definidasna lei e postas à disposição delas,para atuação de cada uma noprocesso segundo seu próprio juízo deconveniência (regras sobreprocedimento, prova, recursos, etc.).A efetiva observância dessaslimitações e deveres, mais a ofertadessas oportunidades mediante aracional interpretação e efetivaçãodas regras formais do processo, sãoinerências da legalidade do Estado-de-direito. As partes têm verdadeirodireito ao processo, corporificadonessas regras formais do sistemaprocessual e garantidas a nívelconstitucional mediante a explícitaadoção da cláusula due process of law.

E arremata de maneira contundente o

mencionado autor, chamando a atenção de vários

operadores do Direito que insistem em procrastinar o

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andamento dos feitos processuais, com práticas quedificultam o resultado final da lide1 9:

Nem a garantia do contraditório temvalor próprio, todavia, apesar de tãointimamente ligada à idéia doprocesso, a ponto de hoje dizer-se queé parte essencial deste. Ela e mais asgarantias do ingresso em juízo, dodevido processo legal, do juiz natural,da igualdade entre as partes – todaselas somadas visam a um único fim,que é a síntese de todas e dospropósitos integrados no direitoprocessual constitucional: o acesso àjustiça. Uma vez que o processo tempor escopo magno a pacificação comjustiça, é indispensável que todo elese estruture e seja praticado segundoessas regras voltadas a fazer dele umcanal de condução à ordem jurídicajusta.Tal é o significado substancial dasgarantias e princípios constitucionaise legais do processo. Falar daefetividade do processo, ou da suainstrumentalidade em sentido positivo,é falar da sua aptidão, mediante aobservância racional dessesprincípios e garantias, a pacificar

19 Ob. cit., p. 305-306.

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segundo critérios de justiça. Emdiversos itens acima examinaram-seos reflexos que essas posturasideológicas projetam sobre a técnicaprocessual, ou seja, sobre os seusinstintos e a disciplina que recebem,segundo as disposições da lei e ainterpretação inteligente do estudiosoatualizado. O que recebe destaque,agora, é a necessidade deincrementar o sistema processual,com instrumentos novos e novastécnicas para o manuseio dos velhos,com adaptação das mentalidades dosprofissionais à consciência doemprego do processo comoinstrumento que faça justiça às partese que seja aberto ao maior númeropossível de pessoas. A Reforma doCódigo de Processo Civil, ainda emcurso, é uma boa resposta a essesclamores.

2.3. Instrumentos garantidoresTratou-se na parte anterior do presente estudo,

de alguns instrumentos inibidores do acesso à justiça, ouseja, de fatores que impedem ou dificultam que as pessoasbusquem a uma “ordem jurídica justa”, como refere KazuoWatanabe, já destacado outrora.

Nesta parte do trabalho, estudar-se-ão

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instrumentos que visam facilitar ou mesmo garantir o acessoà justiça, que são, no caso, a assistência jurídica integral egratuita por meio da Defensoria Pública e os JuizadosEspeciais.

2.3.1. Assistência jurídica integral e gratuita – Defensoria

Pública

Determina o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição

Federal que “o Estado prestará assistência jurídica integral

e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”.

Cumpre-se, inicialmente, tratar do que representa

assistência jurídica integral e gratuita, para, após, referir-

se à instituição que tem a incumbência de prestá-la.

Para entender-se o que quer dizer assistência

jurídica faz-se necessário distingui-la de assistência

judiciária e esta, no dizer de Augusto Marcacini2 0”é, pois,

um serviço público organizado, consistente na defesa em

juízo do assistido, que deve ser oferecido pelo Estado, mas

que pode ser desempenhado por entidades não-estatais,

conveniadas ou não com o Poder Público.” Quer dizer que a

assistência judiciária prescinde de um processo protocolado

no Poder Judiciário para ser prestada. Quanto à assistência

jurídica, diz o mesmo autor2 1 que:engloba a assistência judiciária,sendo ainda mais ampla que esta, porenvolver também serviços jurídicos

20 Ob. cit., p. 31.

21 Ob. cit. p. 33.

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não-relacionados ao processo, taiscomo orientações individuais oucoletivas, o esclarecimento dedúvidas, e mesmo um programa deinformação a toda a comunidade.”

Daí, não haver necessidade de um processo emtrâmite no âmbito judicial para se verificar a assistênciajurídica, pois uma simples consulta, a respeito da análise deum contrato, por exemplo, representa uma efetivação damesma.

Sobre o assunto, ou seja, a diferença entreassistência jurídica e judiciária, tem-se o entendimento deRuy Pereira Barbosa2 2:

Assistência Jurídica significa não sóa “assistência judiciária” que consisteem atos de estar em juízo de onde vema justiça gratuita, mas também a pré-judiciária e a extrajudicial ouextrajudiciária. A pretensão da Cartaé ampla, não se concentra nos atosdo processo, da demanda, do litígio,etc. “Assistência Jurídica”compreende o universo, isto é, ogênero, da qual é parte a “assistênciajudiciária”, eis que nem toda“assistência jurídica” é,necessariamente, “assistênciajudiciária, vez que aquela pode se darfora do juízo e esta sempre é em juízo.A partir da Constituição de 1988, oscarentes, no sentido jurídico do termo,fazem jus à dispensa de pagamentoe à prestação de serviços, não apenas

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na esfera judicial, mas em todo ocampo dos atos jurídicos. Na franquiaestão também incluídos: a instauraçãoe movimentação de processosadministrativos, perante quaisquerórgãos públicos, em todos os níveis;os atos notariais e quaisquer outrosde natureza jurídica, praticadosextrajudicialmente; a prestação deserviços de consultoria, isto é, deinformação e aconselhamento emassuntos jurídicos, tanto paraindivíduos, como para coletividade.Coletividade é aplicado aqui, paradistinguir o grupo de pessoasconsideradas em determinadassituações, notadamente comointegrantes de uma associação oucomo habitantes ou residentes dedeterminada região. Entende-secomo entes coletivos as fundações,associações, clubes de serviço, etc.”

Trata também, referido autor, citando outro, como

se vê2 3:Para o Procurador do Estado, PedroArmando Egydio de Carvalho, “oadjetivo composto – “jurídico integral”– é revelador de uma dupla finalidadedo dispositivo em exame: a) a

22 Ob. cit., p. 62-63.

23 Ob. cit., p. 64.

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assistência transcende o juízo, não secontenta em ser ‘judiciária’; é jurídica,isto é, efetiva-se onde estiver o Direito;b) a assistência é integral, ou seja, nãose esgota na parte, na unidade, masvisa integrar as seções e facetas deum todo, visa em uma palavra,coordenar os diversos grupos sociais,desintegrados do conjunto por suamarginalização.”(RT 689/302)

Vale salientar ainda que o significado do termo

“gratuidade” é que quando se procura um órgão que presta

assistência jurídica integral e gratuita, não se deve pagar

nada pela prestação do serviço, sequer uma xerocópia de

qualquer documento. Lembrando que não se paga

“diretamente”, mas “indiretamente” da arrecadação dos

tributos do Estado que são auferidos pelo Tesouro do Estado

e são destinadas aos seus órgãos de atuação, como a

Defensoria Pública.

Ainda sobre a matéria, oportuna a opinião de

Alexandre de Moraes2 4:A Constituição Federal, ao prever odever do Estado em prestarassistência jurídica integral e gratuitaaos que comprovarem insuficiência derecursos, pretende efetivar diversosoutros princípios constitucionais, taiscomo, igualdade, devido processo

24 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 3ª ed.,São Paulo: Atlas, 2000, p. 293.

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legal, ampla defesa, contraditório e,principalmente, pleno acesso àJustiça. Sem assistência jurídicaintegral e gratuita aos hipossuficientesnão haveria condições de aplicaçãoimparcial e equânime de Justiça.Trata-se, pois, de um direito públicosubjetivo consagrado a todo aqueleque comprovar que sua situaçãoeconômica não lhe permite pagarhonorários advocatícios, custasprocessuais, sem prejuízo para o seupróprio sustento ou de sua família.

Bem, visto o instituto da assistência jurídica

integral e gratuita, passa-se então ao estudo de quem pode

prestar tal serviço, que é a instituição prevista pela primeira

vez em uma Carta Constitucional brasileira, na de 1988, a

Defensoria Pública é regulada a partir do art. 134, da Seção

III – “Da Advocacia e da Defensoria Pública”, do Capítulo IV

– “DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA”, que, por sua

vez, faz parte do Título IV – “DA ORGANIZAÇÃO DOS

PODERES” e também pelo art. 135.

A partir dos parágrafos anteriores com a análise

dos artigos da Constituição Federal aludidos, fazem-se

algumas inferências:

Primeira - A Defensoria Pública não “pertence” a

qualquer dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário),

representando assim uma estrutura à parte, assim como

ocorre com o Ministério Público. É óbvio que no Brasil, cuja

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orientação e positivação são do modelo montesquiano,

senão veja-se o art. 2º da Carta Magna, a Defensoria Pública

está organicamente ligada ao Poder Executivo, embora seja

uma autêntica função essencial à justiça.

Segunda - Por ser uma instituição essencial à

função jurisdicional do Estado, seus componentes, ou seja,

os Defensores Públicos detêm um cargo político e não

somente técnico-jurídico, já que detêm cargo com legislação

própria, remuneração diferenciada das demais etc.

Terceira - A incumbência primordial do Defensor

Público é a assistência jurídica integral e gratuita àqueles

que não puderem pagar um advogado particular e nem

custas processuais e não só assistência judiciária, conforme

já foi vista a diferença no item 2.3.1. Aliás, vale ressaltar que

muitas pessoas que procuram a Defensoria Pública querem

simplesmente ser ouvidos, ou seja, almejam pela real

atenção das instituições governamentais, além, é ululante,

que seus direitos tenham prevalência e que sejam

encaminhadas para a busca de soluções.

Quarta - A Lei Complementar que se refere o

parágrafo primeiro do artigo 134, é a de nº 80, promulgada

aos 12 de janeiro de 1994, valendo destacar, no que

concerne aos Estados que, segundo o seu art. 142: “Os

Estados adaptarão a organização de suas Defensorias

Públicas aos preceitos desta Lei Complementar, no prazo

de cento e oitenta dias.” Apesar da previsão, havia Estados

que ainda não tinham organizado sua Defensoria Pública,

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148 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

sendo o maior exemplo o Estado de São Paulo, cuja

assistência judiciária era prestada pela P.A.J. – Procuradoria

de Assistência Judiciária, executada por Procuradores do

Estado, o que era um contra-senso, já que os mesmos detêm

a função preponderante de representar judicialmente o

aludido Estado. Felizmente, em janeiro de 2006, fora

publicada a lei que organizou a Defensoria Pública naquele

Estado e, em pouco tempo de atuação, já foram relevantes

serviços prestados, como a assistência jurídica prestada às

pessoas vítimas do desastre ocorrido no metrô que estava

sendo construído naquele Estado.

Quinta - O exercício da advocacia fora das

atribuições institucionais para os Defensores Públicos é

vedado, conforme o preceito constitucional anteriormente

transcrito, malgrado a interpretação do Conselho Federal

da Ordem dos Advogados do Brasil, que por meio da

Ementa nº 027/97/PCA, referente ao recurso nº 5.016/97/

PCA, entendeu que a incompatibilidade com o exercício da

advocacia seria somente àqueles que ingressaram na

Defensoria Pública após a promulgação da Lei

Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994.

Sexta - A remuneração dos Defensores Públicos

é aquela estabelecida na forma do § 4º do art. 39 da

Constituição Federal, conforme determina o art. 135, ou seja,

por meio de “subsídio fixado em parcela única, vedado o

acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono,

prêmio, verba de representação ou outra espécie

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149THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

remuneratória(...)”. Tal dispositivo foi acrescentado por meio

da Emenda Constitucional nº 19/1998, bem como o próprio

artigo 135.

No que concerne ao Estado do Ceará, tem-se

que a maioria da população é de baixa renda. Aliás, sem

correr o risco de estar cometendo qualquer exagero, poder-

se-ia dizer que miserável. Tem-se para esta mesma

população, distribuída em 184 (cento e oitenta e quatro)

municípios, configurados pelo mapa judiciário do Ceará em

136 (cento e trinta e seis) comarcas, o número de pouco

mais de duzentos Defensores Públicos (chegou-se até ao

número de cento e seis Defensores). Não é preciso um

raciocínio mais elaborado para se perceber que o número é

totalmente discrepante, até mesmo porque por lei o número

de cargos criados é de 415 (quatrocentos e quinze), que

quando tiverem todos preenchidos, por meio de concursos

públicos, o panorama de acesso à justiça social no Estado

do Ceará será bem diferente.

2.3.2. Juizados Especiais

Sem perder de vista o que já fora apresentado

no item 2.2.3., no que tange ao sistema processual, a idéia

dos vetustos “Juizados de Pequenas Causas” – criados pela

Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984, transformados para

“Juizados Especiais Cíveis e Criminais”, tendo em vista o

art. 98, I, da Constituição Federal, que ensejou a Lei nº 9.099,

de 26 de setembro de 1995, era “desafogar” os Fóruns

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150 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

comuns, estaduais ou federais dos processos com as

causas “de menor complexidade”, sendo resolvidas em um

“microssistema de natureza instrumental e obrigatório

destinado à rápida e efetiva atuação do direito”2 5, garantindo

assim, pleno acesso à justiça às pessoas. É também o que

pensa José Renato Nalini, quando cita outro autor2 6:Na visão de José Murilo de Carvalho,“um dos poucos esforços para tornara Justiça acessível aos pobres foi acriação de Juizados de PequenasCausas(...) Se estes Juizados fossemdisseminados pelas periferias dasgrandes cidades e pelas zonas rurais,poderiam ter um efeito revolucionário:pela primeira vez, na história do país,os pobres teriam acesso à Justiça. Ofato de se limitarem a pequenascausas não impediria a transmissãoda mensagem de que a justiça é paratodos e de que o cidadão tem direitoà sua proteção.

E também vale a palavra de Roberto Portugal

Bacellar sobre o tema, quando diz que:“os Juizados Especiais Cíveis vieram

25 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. RIBEIRO LOPES, Maurício Antônio.Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 1ª

ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.27.

26 Ob. cit., p.101/CARVALHO, José Murilo. A construção da cidadaniano Brasil, México, fundo de Cultura Econômica, 1993, p.220-221.

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dar acesso à justiça, a quem nuncateve. E os exemplos pelo Brasil aforasão muitos: acordos de R$12,00(dozereais) para pagamento em duasvezes; reclamação sobre um “radinhode pilha” mal consertado; liquidificadocom defeitos; problemas devizinhança; condomínio; dentre outrostantos.2 7

Para se ter uma noção a respeito da idéia de

celeridade e operacionalização dos “Juizados”, tem-se um

trecho da obra de Fernando Horta Tavares2 8:A Lei do Juizado Especial dePequenas Causas prevê a hipótesede um conflito, de qualquer valor, sersolucionado pelas próprias partes,bastando o instrumento ser escrito ereferendado pelo órgão do MinistérioPúblico, para ter eficácia de títuloexecutivo extrajudicial. Se as partesassim o desejarem, pode tal soluçãoextrajudicial ser homologada no juízocompetente (art. 55, caput e parágrafoúnico). Este dispositivo foi repetido,com pequenas modificações, pela Lein. 9.099, de 26/9/95, que criou os

27 BACELLAR, Roberto Portugal. A mediação no contexto dos modelosconsensuais de resolução de conflitos. São Paulo: Revista de

Processo, n. 95, v. 24, jul/set. 1999, p.123.

28 TAVARES, Fernando Horta. Mediação e Conciliação. 1ª ed., BeloHorizonte: Madamentos, 2002, p. 55.

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Juizados Especiais Cíveis eCriminais, cujo art. 57 incluiu que oacordo extrajudicial poderá ser dequalquer natureza, o qual, uma vezhomologado por sentença, valerácomo título judicial, e não apenasextrajudicial, como previsto na antigaLei n. 7.244/84.

Todavia, é oportuna a opinião do já aludido autor

Joel Dias, quando lembra que2 9:Para que se obtenha êxito concretocom a nova Lei dos JuizadosEspeciais, torna-se imprescindível quea doutrina e os tribunais readaptemconsagradas concepções, válidas nomacrossistema do Código deProcesso Civil, mas nãonecessariamente hábeis para esteoutro tão específico. Por tudo isso, anova realidade jurídica está a exigirmétodos e formas adequados àconsecução deste desiderato,viabilizando-se as respectivasunidades jurisdicionais e revendo-sealguns conceitos e institutos, tais comoo regime das provas, o julgamentocom base em eqüidade, os poderesdo juiz, os princípios dispositivo, dalivre iniciativa, da eventualidade, dodevido processo legal, a questão do

29 Ob. cit., p. 31-32.

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formalismo procedimental, asnulidades, dentre tantos outros, semo que não passará de mais uma “doceilusão” criada pelo legislador.(...) \É preciso repensar o processo emseu todo, como instrumento que serveà realização das pretensõesresistidas ou insatisfeitas de direitomaterial, sem se deixar de considerarque, agora e mais do que nunca, aprocura pelo Judiciário serásensivelmente acrescida, à medidaque o novo sistema dá azo à liberaçãodo que se convencionou chamar delitigiosidade contida, porquantoampliada não só a via de acesso aostribunais, como também oescoamento muito mais fluente dasdemandas ajuizadas, em virtude datramitação sumária ancorada numprocedimento mais enxuto, o qualatende basicamente aos critérios daoralidade, simplicidade,informalidade, economia processual eceleridade.

É interessante o que diz Paulo Cezar Pinheiro,

sobre o assunto em tela3 0:Em linhas gerais, pode-se afirmar queo legislador foi fiel às premissas queinformam vários aspectos, elementos,de um efetivo acesso à justiça, ao

30 CARNEIRO, Paulo C. Pinheiro. Acesso à Justiça: Juizados EspeciaisCíveis e Ação Civil Pública: Uma Nova Sistematização da Teoria Geraldo Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.113.

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editar a lei que instituiu os JuizadosEspeciais Cíveis.Ela promove a descentralização dajustiça, priorizando a defesa individualdas pessoas menos favorecidas, deforma gratuita, simples e rápida e, senecessário, com plena assistênciajudiciária, procurando assegurar aigualdade de armas e, assim, oexercício da cidadania. Incentiva autilização de equivalentesjurisdicionais, bem como aparticipação popular na administraçãoda justiça, democratizando-a. Enfim,assegura no plano técnico aacessibilidade e a operosidade.Procura garantir a utilidade doprocesso através, sempre quepossível, do aproveitamento do atoprocessual praticado, e, ainda,preconiza mecanismos para facilitara execução da sentençacondenatória.”

Finalizando, vale a pena observar o que mencionatambém José Renato Nalini, embora com certo “exagero”,mas que importa pela preocupação em chamar a atenção3 1:

Os juizados especiais merecem todaa atenção dos tribunais. Constituem a

31 Ob. cit., p. 103.

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porta pela qual o Judiciário poderáobter a salvação institucional,merecendo a indulgência do povo pelareiterada prática de uma justiçaburocratizada e insensível.

3. CONCLUSÃOAcredita-se que foram mostrados, senão com

profundidade, mas pelo menos de forma panorâmica,aspectos fundamentais acerca do tema acesso à justiçasocial.

A tomada de medidas urgentes é extremamentenecessária para que às pessoas que não tenham condiçãode pagar um advogado particular e/ou custas judiciais, lhessejam garantidas o efetivo acesso à justiça. E estasiniciativas passam pela realização de concursos públicos,tantos quanto necessários para o preenchimento de todosos cargos de Defensor Público existentes, no Estado doCeará, quanto em todos os Estados da Federação e tambémna União; realização de políticas públicas para divulgaçãodo trabalho exercido pelos órgãos facilitadores do acesso àjustiça, a fim de que todos conheçam e saibam das suasexistências, como Defensoria Pública e Juizados Especiais;ampliação do número de Unidades dos Juizados Especiais,para que os mesmos não se tornem pequenos “Fóruns”assoberbados de processos, com audiências sendomarcadas com um prazo de quase um ano. Estas sãoalgumas sugestões que ora se coloca para que a sociedadeparticipando, possa ter, em um futuro não distante, umarealidade bem diferente da que hoje se encontra e forareferida no presente estudo.

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156 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DOPROCESSO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

José Olavo de Rodrigues Frota NetoAdvogado

RESUMO

A importância da pesquisa sobre o tema “Oprincípio da razoável duração do processo como direitofundamental” está em apresentar os pontos relevantes sobreo assunto dentro de uma interpretação sistemática doordenamento jurídico. O que se pretende com este trabalho,em sentido amplo, é analisar a evolução legislativa no quese refere às medidas efetivamente tomadas pelo legisladorinfraconstitucional para a melhoria do tempo do processo,destacando aspectos históricos que ensejaram o surgimentoe a efetivação no ordenamento do princípio da razoávelduração processual. Já em sentido estrito, pretende-seanalisar o papel dos direitos e garantias fundamentais noDireito brasileiro, bem como suas características teóricas epráticas, com ênfase no estudo de sua eficácia, assim comoinvestigar a razoável duração do processo como direitofundamental, sua evolução e sua recente inclusão no rol dosdireitos fundamentais previstos no instrumento constitucional.Finalmente, tenta-se avaliar a efetividade do direitofundamental à razoável duração tentando trabalhar com oque já existe na prática, focando o estudo no ConselhoNacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo doPoder Judiciário. Ante o quadro de recorrentes e abusivos

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atrasos no trâmite de processos judiciais, inegavelmentepresente no cenário atual de um estrangulado PoderJudiciário, busca-se contribuir com a melhoria da situação,direcionando, portanto, o presente estudo para as medidasefetivamente tomadas para a diminuição da duração dosprocessos, bem como questionando sempre se as mesmascumprem ou não o seu desiderato.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Princípio. Razoávelduração processo.

INTRODUÇÃO

A sociedade moderna incita novosquestionamentos. O esplêndido avanço das ciênciashumanas, especialmente a partir do final do século XVIII,cuidou de responder a alguns, criar e recriar outros. Tudomudou depois de Karl Marx e Freud. O estudo da sociedadetrouxe contribuições sem precedentes ao desenvolvimentoda humanidade, melhoria na qualidade de vida, de trabalho,soluções para problemas antigos e angustiantes. Hoje vive-se melhor porque todos entendem-se melhor, porque todosse conhecem em maior profundidade, porque todosquestionam com maior arcabouço informativo. A ciênciatrouxe todos até aqui.

Em paralelo, as ciências jurídicas tambémavançaram. Rapidamente o aparato jurídico saltou dosdireitos individuais, passando pelos direitos de coletividade,à era dos direitos da humanidade como um todo, estesageográficos e atemporais. Reconhece-se que ainda hámuito o que conquistar, mas também sabe-se que já se foi

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160 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

muito longe, todos estão melhor.A discussão que hodiernamente se posta frente

a tantos direitos criados, reconhecidos e conquitados e que,acredita-se, deve ser a tônica de infindáveis debatespresentes e futuros, é a do acesso à Justiça. Como viabilizara entrega desses direitos? Como humanizar a prestaçãojurisdicional? Como assegurar que o tortuoso iter processualnão seja mais lesivo ao hipossuficiente titular do direito doque a própria lesão que ensejou o processo, ou do que anão prestação que o alçou às entranhas do Judiciário? Sãoquestões complexas, com poucos pontos de consensodoutrinário.

Diante deste panorama, uma questão mostra-sesobremaneira discutida atualmente no cenário jurídicobrasileiro: a razoável duração do processo. Seja porquetodos caem diante de um Poder Judiciário estrangulado,letárgico e atrasado, seja em virtude da recente promulgaçãoda Emenda Constitucional n° 45/2004, que erigiu ao rol dosdireitos fundamentais do cidadão brasileiro a celeridadeprocessual.

Sem embargos, a interminável via crucisexperimentada pela parte em um processo judicial no Brasilparece ter virado regra. Os processos são julgados adestempo, muitas vezes causando um dano maior à partedo que aquele que o ensejou a busca aflita pelo letárgicoPoder Judiciário. Os sistemas recursais permitem umaincontável gama de recursos tortuosos, que fazem amontoaras estantes das Cortes pátrias. A população, de umamaneira geral, se ressente irresignada e perde, dia apósdia, a confiança naquela que parecia ser o último raio deesperança, a Justiça.

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161THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

“A justiça atrasada não é justiça, senão injustiçaqualificada e manifesta”, disse Rui Barbosa comincontestável acerto, já nos idos 1956. O atraso na prestaçãojurisdicional, ou mesmo – paradoxal – a sua injustificadaceleridade, ferem, hoje, não apenas a dignidade do cidadão,em sua intocável condição, mas também descumpredispositivo constitucional expresso na lista de direitosfundamentais. Se não era grave esta mácula (e era) agorapassou a ser. O tempo do processo virou questãoconstitucional.

As correntes doutrinárias que se debruçam na aquestão não chegam a um consenso. Deve-se aumentar onúmero de magistrados, deve-se diminuir o número derecursos possíveis? Urge modernizar o poder judiciário! Vai-se aumentar o poder dos magistrados, arriscando umamudança no sistema da civil para a common law?

No presente e despretensioso estudo buscou-sefugir dessa área comum, ao se debruçar sobre as medidasefetivamente tomadas pelo legislador infraconstitucional paraa melhoria do tempo do processo. Tentou-se trabalhar como que já existe, focando o estudo, dentre outros, no ConselhoNacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo doPoder Judiciário, incumbido de diversas funções que vãodesde a definição de questões administrativas da Justiçaaté o recebimento e processamento de denúncias contramagistrados.

Ao CNJ também se atribui, conforme serádemonstrado adiante, a função de receber denúncias deprocessos que firam o princípio da razoável duração doprocesso, bem como adotar medidas para garantir aceleridade processual.

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Com esta proposta, o presente estudo se inicia,e não poderia deixar de ser, com um estudo histórico-conceitual dos direitos fundamentais. Após, procede-se umaanálise do nível de efetividade prática desses direitos.

Na etapa seguinte, perfaz-se uma análiseestrutural da Emenda Constitucional n° 45/2004, enfatizandoa forma com que a mesma inseriu no ordenamento jurídicobrasileiro, na qualidade magna de direito fundamental, oprincípio da razoável duração do processo. Neste ponto,também será abordada a parte conceitual do princípio emquestão, buscado fazer um paralelo do instituto no Brasil,com as acepções e produções internacionais existentes,inclusive na legislação estrangeira.

Por fim, a pesquisa dirige-se à parte prática, àefetivação do princípio da razoável duração do processo.Entende-se que o CNJ desempenha papel fundamental noefetivo cumprimento do princípio em debate, portanto,aborda-se inicialmente este órgão, sua origem e feições,suas atribuições, culminando com a análise prática de seusrecentes provimentos. Posteriormente, busca-se expor comoos tribunais contribuem ou podem contribuir para a efetivaçãodeste direito básico e fundamental das partes em umprocesso.

Longe de pretender esgotar o tema, o quedemandaria incontáveis tomos e perspicácia científicainédita, mas antes pelo contrário, ansiando ser mais uminstrumento de iniciação aos salutares debates sobre amatéria, o presente estudo carreia consigo um intento decontribuir para a melhoria da preocupante situação do trâmitedos processos judiciais neste país, intento este que podeser sentido como recorrente em todo o trabalho.

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A hipossuficiência das partes frente aosinjustificados atrasos na tramitação dos feitos. A periclitantesituação dos que, dia-a-dia, ano a ano, década a década,esperam pela resolução de uma situação de agressão a seupatrimônio jurídico. A dramática situação dos que vão aoencontro do divino, antes de encontrarem a justiça terrena.Estas e outras preocupações levaram à escolha do tema,que, dentre tantos outros que têm vasta literatura, ainda seressente de produção científica, de abordagem direta ecrítica.

O tema do trabalho que segue adiante transbordao jurídico para tocar o social. Apesar de se saber, conformedito acima, que este estudo não se presta a abranger todatemática, conserva-se a quase pretensiosa esperança deque o mesmo venha a se somar a outros e assim contribuir,de alguma forma, àqueles que anseiam não pela justiçatardia, mas somente por justiça.

Tem-se, então, como objetivo geral, analisar oprincípio da razoável duração do processo como direitofundamental e a sua efetividade no sistema jurídico brasileiro.Os objetivos específicos são: analisar o papel dos direitos egarantias fundamentais no Direito brasileiro, bem como assuas características teóricas e práticas, com ênfase noestudo de sua eficácia. Posteriormente, abordar-seefetividade dos direitos fundamentais; avalia-se a EmendaConstitucional n° 45/2004, bem como, investiga-se arazoável duração do processo como direito fundamental, eas repercussões de sua recente inclusão no rol dos direitosfundamentais previstos no instrumento constitucional;analisa-se a efetividade do direito fundamental à razoávelduração do processo, os meios processuais que possam

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albergar este direito, sendo o papel do Conselho Nacionalde Justiça o de garantidor do referido princípio.

Em relação aos aspectos metodológicos, ashipóteses são investigadas através de pesquisa bibliográficae documental. No que tange à tipologia da pesquisa, esta é,segundo a utilização dos resultados, pura, visto ser realizadaapenas com o intuito de ampliar os conhecimentos. Segundoa abordagem, é qualitativa, com a apreciação da realidadeno que concerne ao tema no ordenamento jurídico pátrio.Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, explicando,classificando e esclarecendo o problema apresentado, eexploratória, uma vez que procura aprimorar idéias, buscandomaiores informações sobre a temática em foco.

O direito à razoável duração do processo deveser urgentemente posto em prática, vez que se trata de umdireito fundamental e assim, cláusula pétrea, ressaltandoainda que a tutela jurisdicional não pode ser efetiva se forprestada com demora.

1 NOÇÕES SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são, hodiernamente, abase de uma sociedade democrática; caracterizando umavia de mão dupla, pois, reciprocamente, esta também éfundamento para a eficácia dos direitos fundamentais.

Com efeito, a democracia no modelo como éatualmente concebida – fruto, portanto, de um longo períodode maturação que remonta o início da cúria romana, passapela obscura e cinzenta Idade Média, e deságua nas erasModerna e Contemporânea ilustrada por expressõesresplandescentes como a Revolução Francesa (1789) –

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imprescinde de uma complexa estrutura de direitosfundamentais. Como falar em uma sociedade democráticasem um mínimo conjunto de direitos básicos (osfundamentais) dos cidadãos? A falta desse plexo de direitosredunda em algo diverso da democracia.

Para além da existência material das estruturasreferidas, é necessário, igualmente, um mínimo de eficáciadesses direitos. Ou seja, devem os mesmos, na prática, sercumpridos e respeitados. E mais, devem ser postos àdisposição dos titulares dos direitos eventualmentemalferidos meios judiciais efetivos que obriguem a suaconsecução. Estas são as garantias fundamentais, que sãoinstrumentos jurídicos, constitucionalmente protegidos, defazer valer os direitos fundamentais, dar-lhes um mínimo deeficácia.

O Brasil, República Federativa que é, cuidou deabrigar os direitos fundamentais, a princípio, no preâmbuloda atual Carta Magna, na qual a Assembléia Constituinteinspirou-se relatando o objetivo de “instituir um EstadoDemocrático, destinado a assegurar o exercício dos direitossociais e individuais, a liberdade, a segurança [...]”, ou seja,o constituinte buscou estruturar o Estado com base norespeito e na promoção dos direitos fundamentais. Não épossível, então, fazer uma análise de um direito sem analisaro seu passado, pois todos os direitos são afluentes de suaherança.

Os direitos humanos foram sendo reconhecidose constitucionalizados gradualmente. Dessa forma, a históriados direitos fundamentais remonta tempos antigos como adoutrina do Cristianismo, com um importante destaque paraa doutrina Escolástica e a filosofia de Santo Tomás de

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Aquino, como antecessores dos direitos humanos. Issoporque, como relata Branco, (2002, p.105):

A concepção de que os homens, porserem criados a imagem esemelhança de Deus, possuem altovalor intrínseco e uma liberdadeinerente à sua natureza anima a idéiade que eles dispõem de direitos quedevem ser respeitados por todos epela sociedade política.

Santo Tomás, por sua vez, acastelava um direitonatural constituído na concepção do homem comosemelhança de Deus e munido com qualidades exclusivas.Também na fase do Cristianismo, a liberdade, que hoje éespecialmente tratada como direito fundamental, eramencionada como essencialmente política, aludindo-se àparticipação na vida da cidade, ou melhor, à opção deexercer os direitos políticos dos cidadãos, contrariando-sea isso o pensamento moderno, em que a liberdade sefundamentava à realização da vida pessoal de cada um.

Ressalte-se também, nesse contexto histórico doadvento dos diretos fundamentais, a fundamentação relativaà presunção de que os homens se reúnem em sociedadepara preservação da própria vida, da liberdade e dapropriedade tratando-os, assim, como bens com conteúdode direitos oponíveis ao próprio soberano. A razão de serdo Estado se daria, então, exatamente na defesa dessesdireitos.

Posteriormente, com inspiração advinda da teoria

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acima descrita, os direitos fundamentais se enaltecem nasDeclarações de Virgínia, de 1776 e na Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão, em 1789, fruto daRevolução Francesa, onde os direitos humanos começarama ganhar uma dimensão de universalidade. Com estasrevoluções deu-se a positivação dos direitos fundamentais,inerentes ao homem, pois se evoluiu dos direitos de classeaos direitos individuais de liberdade. E na Declaração deVirgínia esses direitos foram reconhecidos, passando aserem exigidos judicialmente.

Também é mister salientar que, a Petition ofRights, de 1928, o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill ofRights, de 1969 já faziam referências a direitosfundamentalizados à época.

Por isso, com toda essa evolução histórica dosdireitos fundamentais nota-se que estes estão associadosa mutações sofridas ao longo do tempo, de onde sua forçae eficácia vieram.

Arruda (2006, p.28) quando comenta sobredireitos fundamentais, diz que “acompanham a evolução dasociedade, de forma a seguir constituindo, ao longo dostempos, cláusulas atuais que resguardam a humanidadecontra as renovadas formas de arbítrio e agressão a bensjurídicos relevantes e com dignidade fundamental”.

Assim, os direitos fundamentais assumemposição de destaque na sociedade quando se reconheceque o indivíduo tem primeiro direito, e depois deveres peranteo Estado e contrariamente, este tem primeiro deveres edepois direitos em relação ao indivíduo.

Referente ao direito fundamental à razoávelduração do processo, objeto do presente estudo, vislumbra-

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se também vestígios de seu reconhecimento ao longo dahistória, como no Direito inglês do século XII. Contudo, oreferido específico direito se assemelhou à evolução dosdemais sendo garantido inicialmente nas primeiras cartas,passando a ser constitucionalizado e posteriormenteinternacionalmente protegido. Esse direito, que antes eravisto como forma defensiva do particular perante o Estado,vem ganhando força e importância, pois está intimamenterelacionado à garantia de acesso à Justiça e à proteçãoque o Estado deve prestar.

Ainda segundo Arruda (2006, p.29):

[...] as queixas com relação ao tempode duração dos processos judiciaisdevem ser tão antigas como a própriaJustiça [...] daí ser este um problemaque em momentos tão distintos comoa Antiguidade e agora a pós-modernidade se tenha intentadosolucionar.

Ademais, faz-se necessário notar que arazoabilidade dos prazos processuais está intimamenterelacionada à proporcionalidade, pois não se pode permitirum prazo tão dilatado que protele a prestação jurisdicional,assim como o prazo não pode ser tão breve que nãosatisfaça plenamente o direito ou afete o contraditório e aampla defesa.

A evolução dos direitos humanos e a suapositivação no ordenamento jurídico brasileiro são de sumaimportância, pois os direitos humanos são direitos

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intrínsecos à pessoa humana, sendo essenciais a todos oscidadãos.

Em uma tênue distinção, os chamados direitoshumanos estão positivados em tratados e convençõesespecíficas referentes a direitos humanos, tantointernacionalmente como regionalmente, exemplificandorespectivamente, na ONU e no contexto regionalinteramericano, o Pacto San José da Costa Rica. Assim,os direitos fundamentais têm um aproveitamento mais restritoem relação aos direitos fundamentais inseridos naConstituição Federal de 1988.

Os direitos humanos, fundamentados no princípioda dignidade da pessoa humana, não advêm de geraçõese todos, sem distinção de sexo, raça ou religião são titularesdesses direitos. São essenciais, pois elevam a dignidadeda pessoa humana e se cumulam com os direitos sociais,culturais e econômicos.

Sarlet (2005, p.35-36), faz a seguinte alusão:

Em que pese sejam ambos os termos(“direitos humanos” e “direitosfundamentais”) comumente utilizadoscomo sinônimos, a explicaçãocorriqueira e, diga-se de passagem,procedente para a distinção é de queo termo “direitos fundamentais” seaplica para aqueles direitos do serhumano reconhecidos e positivadosna esfera do direito constitucionalpositivo de determinado Estado, aopasso que a expressão “direitos

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humanos” guardaria relação com osdocumentos de direito internacional,por refere-se àquelas posiçõesjurídicas que se reconhecem ao serhumanos como tal,independentemente de sua vinculaçãocom determinada ordemconstitucional, e que, portanto,aspiram à validade universal, paratodos os povos e tempos, de tal sorteque se revelam um inequívoco carátersupranacional.

Não deve ser esquecida, ainda, a preleção deSarlet (2005, p.35) que esclarece objetivamente a questãoe cita:

[...] não há dúvidas de que os direitosfundamentais, de certa forma, sãotambém sempre direitos humanos, nosentido de que seu titular sempre seráo ser humano, ainda que representadopor entes coletivos (grupos, povos,nações, Estado). Fosse apenas poresse motivo, impor-se-ia a utilizaçãouniforme do termo “direitos humanos”ou a expressão similar, de tal sorte quenão é nesta circunstância queencontraremos argumentos idôneos ajustificar a distinção.

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Portanto, verifica-se que a inaudível relação entreesses direitos se dá na forma de que os direitosfundamentais não deixam de ser também direitos humanos,pois o detentor desse poder sempre será o homem.

Os direitos fundamentais, em sentido próprio, sãoaqueles que os cidadãos têm frente ao Estado e a outrosindivíduos, e donde nascem outros direitos. Entende-se, porconseguinte, que os direitos fundamentais são aquelesnomeados no instrumento constitucional, e que gozam desuperioridade diante dos demais direitos previstos nalegislação ordinária, pois foram selecionados pelo poderconstituinte originário para compor a Magna Carta.

Fala-se, tradicionalmente, na existência de trêsdimensões dos direitos fundamentais: a primeira é vinculadaà idéia dos clássicos direitos individuais e políticos,fundamentados na liberdade; a segunda geração refere-seaos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados naigualdade; e a terceira menciona novos direitos, relacionadosem grande parte com as novas preocupações da sociedadeatual como, por exemplo, o meio-ambiente, a paz, ainformática, as minorias etc., fundamentados na fraternidade.

Diante disso, nota-se a historicidade e arepercussão que esse estudo teve pelo mundo, servindo dealicerce para toda teoria posterior de dimensões dos direitosfundamentais.

A norma jurídica pode ser vislumbrada em três“dimensões”, que se complementam entre si, quais sejam:sua validade, sua vigência e sua efetividade. Quanto à suavalidade, é relativo à competência para elaborar a normajurídica. Em relação à vigência pauta-se à eficácia jurídicada norma. E, em se tratando da sua efetividade se refere à

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eficácia social da norma jurídica.Quando se menciona a efetividade de uma norma

jurídica é mister lembrar que mesmo uma norma nãocumprida apresenta um mínimo de efetividade. É o quecomumente se chama de efetividade remanescente ou atémesmo, como alguns ainda preferem, invisível. Assim se dizporque a mera existência dessa norma no ordenamentojurídico, mesmo quando inaplicada ou descumprida, faz valerde certa prudência, fazendo com que a infração departiculares ou de autoridades seja contestada.

Ademais, com a evolução do plano jurídico essanorma passa a ser, com o tempo, mais efetiva. Conquanto,essa norma inaplicada ainda exerce uma função reguladorae uma função de legitimação da ordem estabelecida. Soma-se a isso que a evolução jurídica pode fazer com que a normapasse a ter mais efetividade com o tempo.

No âmbito dos direitos econômicos e sociais, oscomumente chamados de 2ª geração, e aquelesdenominados de 3ª geração, os quais são direitos novos econtemporâneos na sociedade, trazem a baila uma contendaem torno da eficácia jurídica ou da sua vigência, assim comoa problemática da efetividade ou da eficácia social danorma.

Sabe-se que no ordenamento jurídico existemnormas abstratas e gerais, como também normas concretas.Na Constituição Federal de 1988, as normas existentes,apesar de serem abstratas e genéricas, são insuficientesem “densidade normativa” em relação às normasinfraconstitucionais; pois nota-se que a norma constitucionaldetermina uma regulamentação de uma normainfraconstitucional para se ter uma real efetividade e eficácia.

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É ressaltada, aqui, a devida importância na tênuerelação que há entre a eficácia e a aplicabilidadeconstitucional com a efetividade ou eficácia social da normaconstitucional. Por fim, nota-se que, para muitos, umaefetividade suficiente da norma é um meio essencial daprópria validade jurídica da norma fundamental.

2 A TRANSFORMAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOÁVELDURAÇÃO DO PROCESSO EM DIREITOFUNDAMENTAL

Alocado no rol dos direitos e garantiasfundamentais da Constituição brasileira atual, o devidoprocesso legal é o princípio fundamental do processo, alemde outros princípios importantes no ordenamento. Uma dasprojeções do due process of law é o princípio da razoávelduração do processo.

A existência, no Brasil, desse direito fundamentalautônomo e completo ao processo em tempo razoável érecente, posto que sua inserção explícita no textoconstitucional deu-se apenas com a aprovação da EmendaConstitucional n° 45 de 8-12-2004, que, como visto, gerouextensa reforma no Poder Judiciário.

Reconhecido primordialmente na ConvençãoEuropéia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e dasLiberdades Fundamentais, o princípio da duração razoáveldo processo, encontra-se nitidamente subscrito no que sevê em seu Art.6º, in verbis:

Artigo 6°. Direito a um processoeqüitativo1. Qualquer pessoa tem direito a que

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a sua causa seja examinada,eqüitativa e publicamente, num prazorazoável por um tribunalindependente e imparcial,estabelecido pela lei, o qual decidirá,quer sobre a determinação dos seusdireitos e obrigações de carácter civil,quer sobre o fundamento de qualqueracusação em matéria penal dirigidacontra ela. O julgamento deve serpúblico, mas o acesso à sala deaudiências pode ser proibido àimprensa ou ao público durante atotalidade ou parte do processo,quando a bem da moralidade, daordem pública ou da segurançanacional numa sociedadedemocrática, quando os interesses demenores ou a protecção da vidaprivada das partes no processo oexigirem, ou, na medida julgadaestritamente necessária pelo tribunal,quando, em circunstâncias especiais,a publicidade pudesse ser prejudicialpara os interesses da justiça.(grifonosso)

Ficou exposto na Convenção Americana sobreDireitos Humanos o princípio do devido processo legal e otambém denominado, princípio da celeridade, da seguinteforma, em seu art. 8º, verbis:

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Art. 8o - Garantias judiciaisToda pessoa terá o direito de serouvida, com as devidas garantias edentro de um prazo razoável, porum juiz ou Tribunal competente,independente e imparcial,estabelecido anteriormente por lei, naapuração de qualquer acusação penalformulada contra ela, ou nadeterminação de seus direitos eobrigações de caráter civil, trabalhista,fiscal ou de qualquer outra natureza.(grifo nosso)

Arruda (2006, p.47-48) comenta em sua obraque:

Será forçoso reconhecer, no entanto,que o direito já estava inserido, emborade forma indireta e derivada, no textode ambas as Constituições. Seriatalvez uma espécie do que GomesCanotilho denomina “normas semdisposição”, as quais não estãoenunciadas lingüisticamente e nãosão language-dependet, mas queresultam da concretização de diversasdisposições constitucionais.

Segundo a visão de Ebling (2006, p.1):

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O princípio da razoável duração doprocesso, inserto na CartaConstitucional no art. 5º, LXXVII, porocasião da Emenda Constitucional n.45/2004 não é instituto novo. AConvenção Americana de DireitosHumanos, também conhecida peloPacto de San José da Costa Rica,que tem o Brasil como signatário,estabelece em seu art. 8º, que odireito a ser ouvido com as devidasgarantias e dentro de um prazorazoável por um juiz, imparcial,independente e competente para oexame da matéria, é pertinente atodos os indivíduos.

Através do recepcionamento no plano internodesses tratados internacionais, a enorme regulaçãosupranacional da matéria foi sendo transposta para osordenamentos nacionais, o que foi propiciando oreconhecimento inequívoco do direito no âmbito dos diversosEstados-parte (ARRUDA, 2006).

Portanto, o direito à razoável duração doprocesso já existia, não se tratando de um direito inovador esim de um direito reconhecido pela Constituição Federalbrasileira e pelas leis em geral.

Identifica-se, entretanto, uma tendência históricaao congestionamento nos tribunais, com a acumulação dosprocessos judiciais, uma situação que apenas se agravaatualmente.

O princípio da razoável duração do processo foi

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tendo, com esse congestionamento processual, grandeimportância. Paulatinamente, esse princípio foi sefortalecendo e deixando a condição de princípio informadordo direito processual para ser, finalmente, reconhecido comoum direito fundamental.

Como explica Arruda (2006, p.50-51):

Todavia, foram sua agudização e oreflexo mais contundente que tem naatualidade, os fatores queestimularam a colocação destamatéria no centro do debate jurídicohodierno, alcançando airrazoabilidade temporal dosprocessos ao patamar de questãofundamental da realização da justiça.[...] De outra banda, é necessárioreconhecer que particularidadespolíticas e econômicas de paísescomo Brasil e Portugal atrasaram decerta maneira o fenômeno e avalorização deste direito, o queexplicaria sua positivação /constitucionalização tardia.

Ao tratar do termo prazo razoável, aborda-se aapreciação de alguns termos inerentes ao conceito derazoável duração do processo. Tempo, por exemplo, significapara o homem a concepção de presente, passado e futuro.É medida de duração de algo, é sucessão de horas, dias,anos etc. sucessão de momentos.

Processo é o instrumento colocado à disposição

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dos cidadãos para solucionar conflitos de interesses e peloqual o Estado exerce a jurisdição. Carvalho (2006, p.1) defineprocesso de forma genérica como “conjunto de sucessãode atos que documentam a atividade jurisdicional”. Por issoé possível dizer que o tempo importa sobremaneira noprocesso, pois essa seqüência de atos que se sucedem esão ligados por uma relação causal não se realizaimediatamente, e sim com o tempo, paulatinamente.

Segundo Ferrari (2006, p.1):

Como a maior parte dos princípiosjurídicos, o princípio da razoávelduração é flexível, é adaptável aqualquer dos litígios que se encontresob sua égide e, por isso mesmo,deve ser positivado através decláusula geral que permita suaaplicação a todo e qualquer processo.A duração razoável do processo,assim, será aquela em que melhor sepuder encontrar o meio-termo entre adefinição segura da existência dodireito e a realização rápida do direitocuja existência foi reconhecida pelojuiz.

Prazo razoável é um conceito jurídicoindeterminado e amplo, sendo impossível delimitar, demaneira precisa, o alcance da norma jurídica sem analisar ocaso concreto. Por ser um conceito jurídico indeterminadoou aberto, e de caráter dinâmico, o prazo razoável requerum processo intelectivo individual de acordo com a natureza

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de cada caso. Isso quer dizer que não existe um limite exatoacerca dos contornos do conceito. (CARVALHO, 2006).

O surgimento de um novo princípio na legislaçãoé um fato memorável para o operador do Direito,especialmente quando o princípio em questão se aplicaespecificamente à sua área de estudo ou atuaçãoprofissional, ocasião na qual a inserção merece complexa eapurada reflexão, não só para aquilatar as mudançaspráticas e de interpretação introduzidas, mas também eprincipalmente para sopesar os efeitos futuros da alteraçãona legislação em si.

Um princípio é um norte, embora hajam tantasdistinções científicas, conforme demonstrado em tópicosanteriores. Neste contexto, o princípio deve orientar aprodução legislativa vindoura, de maneira que a mesmaesteja de acordo com a norma principiológica aduzida, nointento de acoplar a legislação à nova realidade.

Quando a mudança se opera no planoconstitucional, no plano dos direitos e garantiasfundamentais, como é o caso do princípio da razoávelduração do processo, as decorrências são ainda maisimportantes, mais marcantes. Ora, se a Constituição é a leidas leis, a norma-mãe, a regra que embasa todo oordenamento jurídico, é obvio que uma inovação em seu bojogera efeitos ainda mais amplos, ainda mais sensíveis. Maisque isso, a emenda em comento inseriu nas cláusulaspétreas da Carta Magna um princípio, o que opera, ou deveoperar, mudanças drásticas.

No caso específico, no que se refere à razoávelduração do processo, a emenda em debate traz consigo,além de novas obrigações jurídicas aos magistrados emembros do Poder Executivo, uma diretriz de curso forçado

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ao Poder Legislativo, responsável último pela viabilizaçãode um sistema que permita o cumprimento do princípio emcomento. Os legisladores, após a publicação da Emenda n°45/2004 encontram-se, sem sombra de dúvidas, vinculadosa produzir normas que tenham como objetivo tornar oprocesso judicial mais célere, mais rápido, mais efetivo. Onão cumprimento dessa obrigação jurídica por parte doLegislativo poderá ensejar a propositura de Ação Direta deInconstitucionalidade, que deverá ser operada tão logo sedeparem com dispositivos legais produzidos que venhamde encontro à celeridade processual.

E quando se trata de obrigação de prover, atravésda legislação, rapidez no trâmite dos processos judiciais,logo se afigura inexoravelmente a legislação processual, osprocessos civil, penal, administrativo, constitucional, dentrooutros. Leis de outra ordem podem ser produzidas com esteintento, mas parece quase inseparável a questão da razoávelduração e a legislação processual.

O processo, portanto, nessa qualidade debalisador da prestação jurisdicional, aparece comofundamental à consecução de um projeto que tenha comoobjetivo a aceleração do tempo de duração do processo.Como mencionado acima, não se pode negar que existamoutras áreas legais que possam contribuir para este projeto,pois elas de fato existem, mas também é certo admitir que alegislação processual se sobressai como a mais convenientee eficiente a atingir tal desiderato, a celeridade do processo.

Neste contexto, impende verificar, ainda que emlinhas gerais – pois seriam necessários incontáveis volumesde pesquisa para fazer uma análise completa –, algunsexemplos de alteração na legislação processual que

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contemplam o princípio da razoável duração do processo, eque, acredita-se, foram fruto direto de sua inclusão na ordemjurídica, já que as autoridades legislativas estãoconstitucionalmente obrigadas a fazê-lo.

Logo no ano de 2005, mais precisamente no mêsde maio, foi editada a Lei n° 11.187, que altera o Código deProcesso Civil no que trata do regime dos agravos,conferindo nova feição às modalidades retido e deinstrumento. Com efeito, a referida norma limitou a gama dedecisões passíveis de agravo de instrumento, tornando aregra o agravo retido nos autos, a ser apreciado pelainstância superior em momento processual posterior. Emdezembro do mesmo ano, a Lei n° 11.232 operou umarevolução na forma de execução de sentenças no processocivil brasileiro, revogando a parte da lei que tratava daexecução de títulos executivos judiciais, e ao mesmo tempodisciplinando o cumprimento da sentença, que agora passoua ser apenas mais uma fase (a executiva) do processo deconhecimento.

Estas mudanças na legislação processual bemexternam os primeiros efeitos do princípio da razoávelduração do processo na legislação, pois claramente têm porobjetivo diminuir o tempo de tramitação do processo. Aprimeira lei, a evitar que os infinitos agravos de instrumentopermitidos anteriormente tumultuem o trâmite processual, ea segunda, a acabar com a enfadonha e demorada fase deexecução de sentença, que fazia com que a parte queenfrentou uma tortuosa maratona para conseguir umasentença judicial transitada em julgado em um processo deconhecimento, por exemplo, fosse obrigada a propor açãode execução para ver cumprido o provimento jurisdicional.

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Tal ação ainda se prolongaria no tempo, com seus embargose recursos, tal qual uma execução comum. Desta feita, aalteração trazida pela Lei n° 11.232/2005 veio a contribuircom a celeridade processual ao prever o cumprimento dasentença no próprio processo de conhecimento, no qual foiprolatada a sentença.

O ano de 2006 foi marcado pela produção devárias leis processuais que têm por objetivo a celeridade doprocesso, e que, portanto, são efeitos diretos do princípiotratado neste estudo. Em fevereiro daquele ano, a Lei n°11.276, que alterou a forma de interposição de recursos, osaneamento de nulidades processuais e o recebimento derecurso de apelação, dentre outros, sempre visando asimplificação do trâmite do processo, com destaque para aproibição de recursos contra despachos judiciais e adeterminação “O juiz não receberá o recurso de apelaçãoquando a sentença estiver em conformidade com súmulado Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo TribunalFederal” consoante o art. 518, §1º Código de Processo Civil.

A inserção, pela Lei n° 11.277/2005, do art. 285-A do Código de Ritos Civil também foi uma revolução paraa diminuição do tempo de tramitação do processo. Pela suaimportância, transcreve-se o texto da lei em comento, inverbis:

Art. 285-A. Quando a matériacontrovertida for unicamente de direitoe no juízo já houver sido proferidasentença de total improcedência emoutros casos idênticos, poderá serdispensada a citação e proferida

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sentença, reproduzindo-se o teor daanteriormente prolatada.

§ 1o Se o autor apelar, é facultado aojuiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias,não manter a sentença e determinar oprosseguimento da ação.

§ 2o Caso seja mantida a sentença,será ordenada a citação do réu pararesponder ao recurso.

Esta alteração permite ao juiz, nos casosrepetidos e idênticos, prolatar sentença de extinção doprocesso de plano, antes mesmo de determinar a citaçãoda outra parte, o que evita lesão ao possível promovido edá escoamento aos chamados “processos em série” queentopem as estantes das Varas da Fazenda Pública e daJustiça Federal.

Outrossim, merecem destaque as Leis n° 11.280,n° 11.341 e n° 11.419, que cuidam de trazer a informática ea rede mundial de computadores (internet) para dentro doprocesso. De fato, excluir o processo judicial da era dadigitalização, da informatização, das redes de comunicaçãoé algo inconcebível nos dias de hoje. Com estas leis, foramcriados e autorizados diversos meios de, através docomputador, apressar a tramitação dos feitos.

A Lei n° 11.382, publicada em dezembro de 2005,alterou a forma de processamento das execuções de títulosextrajudiciais, inclusive com relação à realização de atosessenciais como o leilão, de maneira a tornar mais flexível e

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célere a execução forçada. A Lei n° 11.418, por sua vez,cuidou de regulamentar o art. 102, §3º da Carta Magna aodefinir critérios para a existência da repercussão geral,filtrando o feixe de recursos possíveis no Pretório Excelso.

Vale ressaltar, por oportuno, a criação, atravésda Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), do JuizadosEspeciais de Violência Doméstica e Familiar Contra aMulher, com o intuito, além de proteger de maneira especialas mulheres vítimas de violência doméstica, ajuda apressaros processos criminais e as respectivas punições aosagressores.

Por fim, em 2007 também já se experimentamudanças decorrentes do princípio da razoável duração doprocesso. Na esfera penal, a Lei n° 11.449 estabeleceu acomunicação imediata da prisão em flagrante à autoridadecompetente, dentre outras mudanças, o que significa maiorrapidez no caso de uma concessão de liberdade provisóriaou mesmo de um relaxamento de prisão.

O grande destaque, dentre as leis que tornamcélere a prestação jurisdicional, deve ser atribuído à Lei n°11.441, que altera os arts. 982, 983 e 1.031 e insere o art.1.124-A no Código de Processo Civil. Por sua importância,imprescindível a transcrição desses dispositivos em sua novaredação, litteris:

Art. 982. Havendo testamento ouinteressado incapaz, proceder-se-áao inventário judicial; se todos foremcapazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha porescritura pública, a qual constituirá

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título hábil para o registro imobiliário.

Parágrafo único. O tabelião somentelavrará a escritura pública se todas aspartes interessadas estiveremassistidas por advogado comum ouadvogados de cada uma delas, cujaqualificação e assinatura constarão doato notarial.

Art. 983. O processo de inventário epartilha deve ser aberto dentro de 60(sessenta) dias a contar da aberturada sucessão, ultimando-se nos 12(doze) meses subseqüentes, podendoo juiz prorrogar tais prazos, de ofícioou a requerimento de parte.

Art. 1.031. A partilha amigável,celebrada entre partes capazes, nostermos do art. 2.015 da Lei no 10.406,de 10 de janeiro de 2002 - CódigoCivil, será homologada de plano pelojuiz, mediante a prova da quitação dostributos relativos aos bens do espólioe às suas rendas, com observânciados arts. 1.032 a 1.035 desta Lei.

Art. 1.124-A. A separação consensuale o divórcio consensual, não havendofilhos menores ou incapazes do casal

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e observados os requisitos legaisquanto aos prazos, poderão serrealizados por escritura pública, daqual constarão as disposiçõesrelativas à descrição e à partilha dosbens comuns e à pensão alimentíciae, ainda, ao acordo quanto àretomada pelo cônjuge de seu nomede solteiro ou à manutenção do nomeadotado quando se deu o casamento.§ 1o A escritura não depende dehomologação judicial e constitui títulohábil para o registro civil e o registrode imóveis.§ 2o O tabelião somente lavrará aescritura se os contratantes estiveremassistidos por advogado comum ouadvogados de cada um deles, cujaqualificação e assinatura constarão doato notarial.§ 3o A escritura e demais atosnotariais serão gratuitos àqueles quese declararem pobres sob as penasda lei.

Conforme se depreende da leitura dastranscrições legais acima destacadas, a separação judicialconsensual, o divórcio consensual, a partilha de bens e oinventário poderão ser feitos pela via administrativa, atravésde Ofícios Notariais (Cartórios), simplificando,surpreendentemente, o rito para os procedimentosmencionados. Noutras palavras, não será mais necessário,

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em alguns casos, ao casal que deseje, de comum acordo,de divorciar, enfrentar os letárgicos caminhos do processonas Varas de Família, quase sempre abarrotadas. Namaioria dos casos, o inventário também poderá ser realizadopela via administrativa.

Tal iniciativa legal, além de prover maiorcomodidade à partes que militam em processos como estes,e que já estão, pela situação que enfrentam – morte de umparente ou separação – deveras atordoados, traz consigo aceleridade processual em mão dupla: a um, porque o trâmiteadministrativo, via de regra, é mais rápido e simples do queo judicial; e a dois, pelo enorme número de ações que nãoserão propostas em juízo.

Para concluir, deve-se registrar que, pelo menoscom relação à produção legislativa, verifica-se ocumprimento do princípio sob enfoque, mormente pelasdemonstradas alterações legais que certamente tornammais razoável o tempo da prestação jurisdicional.

3 O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DOPROCESSO E O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

A prestação da tutela jurisdicional em um temporazoável garante o efetivo acesso à Justiça, pois o direito àreferida prestação jurisdicional dentro de um períodorazoável, e até mesmo, aceitável, é uma exigência da tutelajurisdicional efetiva.

O acesso à Justiça pode ser encarado comorequisito fundamental, sendo o mais básico dos direitoshumanos, em um sistema jurídico igualitário e moderno, quepretende garantir, e não somente proclamar os direitos de

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todos. Essa norma constitucional não apenas garante odireito de ação, mas a possibilidade de um acesso efetivoà Justiça e, assim, um direito à tutela jurisdicional adequada,tempestiva e efetiva (CARVALHO, 2006)

Assim, direitos constitucionalmente tutelados,como o direito à defesa, o direito à celeridade processual, odireito à tempestividade da tutela jurisdicional, o direito aoacesso à Justiça, dentre outros, não significam apenas dizerque todos têm direito de ir a juízo, e sim de que todos tenhamdireitos a uma adequada, eficaz e efetiva tutela jurisdicional,daí porque referidos direitos encontram-se alocados egarantidos pelo art. 5º do texto constitucional.

Algumas características marcam a garantiaconstitucional de uma duração de processo em prazorazoável, como:- universalidade: em que todos, sem distinção, têm direito aesse direito fundamental;- irrenunciabilidade: no qual os titulares dessa garantia nãopodem dela dispor;- limitabilidade: os direitos fundamentais, em geral, por nãoserem direitos absolutos, e sendo o direito à razoávelduração do processo um direito fundamental deverá serinterpretado com base no sistema de duas garantiasconstitucionais que podem chocar-se, como por exemplo, oprincípio da celeridade e o princípio do contraditório, porémesse fenômeno de colisão poderá ser resolvido pelo princípioda proporcionalidade, uma vez que o mesmo é tambémdenominado de princípio absoluto (CARVALHO, 2006);- cumulatividade: uma vez que essa garantia pode, e porvezes é, cumulada com outras garantias.

É necessário ainda fazer uma exposição sumária

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de inovações ao texto constitucional que garantem ecolaboram para o direito fundamental à razoável duraçãodo processo. Carvalho (2006, p.1), expõe algumas delas:

(1) aferição do merecimento conformeo desempenho e pelos critériosobjetivos de produtividade e prestezano exercício da jurisdição e pelafreqüência e aproveitamento emcursos oficiais ou reconhecidos deaperfeiçoamento;(2) não será promovido o juiz que,injustificadamente, retiver autos emseu poder além do prazo legal, nãopodendo devolvê-los ao cartório semo devido despacho ou decisão;(3) a atividade jurisdicional seráininterrupta, sendo vedado fériascoletivas nos juízos e tribunais desegundo grau, funcionando, nos diasem que não houver expedienteforense normal, juízes em plantãopermanente;(4) o número de juízes na unidadejurisdicional será proporcional à efetivademanda judicial e à respectivapopulação;(5) os servidores receberãodelegação para a prática de atos deadministração e atos de meroexpediente sem caráter decisório;

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(6) a distribuição de processos seráimediata, em todos os graus dejurisdição;(7) As decisões definitivas de mérito,proferidas pelo Supremo TribunalFederal, nas ações diretas deinconstitucionalidade e nas açõesdeclaratórias de constitucionalidadeproduzirão eficácia contra todos eefeito vinculante, relativamente aosdemais órgãos do Poder Judiciário eà administração pública direta eindireta, nas esferas federal, estaduale municipal;(8) no recurso extraordinário orecorrente deverá demonstrar arepercussão geral das questõesconstitucionais discutidas no caso,nos termos da lei, a fim de que oTribunal examine a admissão dorecurso, somente podendo recusá-lopela manifestação de dois terços deseus membros;(9) os Tribunais Regionais Federais eos Tribunais Regionais do Trabalhoinstalarão a justiça itinerante, com arealização de audiências e demaisfunções da atividade jurisdicional, noslimites territoriais da respectivajurisdição, servindo-se deequipamentos públicos e

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comunitários;(10) os Tribunais Regionais Federaise os Tribunais Regionais do Trabalhopoderão funcionar descentra-lizadamente, constituindo Câmarasregionais, a fim de assegurar o plenoacesso do jurisdicionado à justiça emtodas as fases do processo;(11) o Tribunal de Justiça poderáfuncionar descentralizadamente,constituindo Câmaras regionais, a fimde assegurar o pleno acesso dojurisdicionado à justiça em todas asfases do processo;(12) o Tribunal de Justiça instalará ajustiça itinerante, com a realização deaudiências e demais funções daatividade jurisdicional, nos limitesterritoriais da respectiva jurisdição,servindo-se de equipamentospúblicos e comunitários;(13) para dirimir conflitos fundiários, oTribunal de Justiça proporá a criaçãode varas especializadas, comcompetência exclusiva para questõesagrárias;(14) a distribuição de processos noMinistério Público será imediata;(15) súmula com efeito vinculante;(16) criação do Conselho Nacional deJustiça.

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Muitas das inovações mencionadas acima, jábrevemente explanadas no segundo capítulo desse estudo,igualmente incorporaram o texto da Emenda Constitucionaln° 45.

Portanto, a Justiça deve oferecer uma prestaçãoà tutela eficiente, e com uma real possibilidade de correçãodo desrespeito à ordem jurídica, sendo possível averiguar auma intervenção judicial concreta, ou melhor, realizável.

A Emenda Constitucional n° 45 trouxe algumasinovações, como expostas anteriormente, dentre elas, acriação do CNJ - Conselho Nacional de Justiça,possibilitando assim, maior celeridade na tramitação dosprocessos.

O conselho é garantidor do princípio da razoávelduração do processo, pois visa dar maior efetividade a este,atacando a morosidade na tramitação e no julgamento dosprocessos. Instituiu em seu regimento interno, arepresentação por excesso injustificado de prazo nojulgamento de processos, que poderá ser formulada porqualquer interessado, pelo Ministério Público ou até mesmode ofício pelos conselheiros (MORAES, 2005).

O CNJ atua, portanto, para garantir maiorceleridade processual e efetividade das decisõesprocessuais. A atuação do CNJ deve ser pró-ativa, e nãoreativa, assim, em vez de esperar caso a caso julgamentode procedimentos por excesso de prazo, deve, em conjuntocom os tribunais do país, verificar os problemas, regulamentara questão, fixar metas e indicar a infra-estrutura e logísticasnecessárias para seu cumprimento. Com isso, a partir doingresso do processo no tribunal, seria calculado prazo certopara realizar o julgamento, uma vez que, em regra, não há a

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necessidade de nova produção de provas em segundo grau.Se bem utilizado, esse mecanismo irá aumentar o grau deconhecimento do Judiciário pela população, além de alterara percepção popular de uma Justiça morosa e que nãofunciona, pois passará a sentir sua ampla proteção, demaneira mais ágil e concreta (MORAES, 2005).

CONCLUSÃO

O escopo deste trabalho foi mostrar que o direitoà razoável duração do processo, seja no âmbito judicial ouadministrativo, consta do rol do art. 5º da ConstituiçãoFederal, como direito fundamental, razão pela qual goza deeficácia plena e imediata.

Então, a alocação da razoável duração doprocesso na parte mais importante do instrumentoconstitucional, nas cláusulas pétreas, operou significativasmudanças, dentre elas a obrigatoriedade, dirigida aolegislador, de engendrar alterações legais que almejem estedesiderato, bem como a possibilidade do manejo de açõesconstitucionais para fazer valer o processo com duraçãorazoável, já que os direitos fundamentais têm eficácia plena,e, portanto, desde a entrada em vigor da Emenda o cidadãopode buscar em Juízo o resguardo do mesmo.

Mostrou-se inicialmente que o direito ao processoem tempo razoável é um dos mais antigos direitosprocessuais, houve vestígios de seu reconhecimento ao longoda história, como no ordenamento inglês desde o século XII.Adiante, ficou exposta a diferença entre princípio e regra e atênue relação existente entre direitos humanos e direitos

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fundamentais, em que os direitos fundamentais não deixamde ser também direitos humanos, pois o detentor dessepoder sempre será o homem; analisando ainda asdimensões e a efetividade dos direitos fundamentais.

Em um segundo passo, mostraram-se asalterações no texto constitucional sofridas com a Emendan° 45/2004, que transformou o princípio em estudo em direitofundamental. Apontou-se que o princípio da razoabilidade, oprincípio da proporcionalidade e o princípio dainstrumentalidade das formas influenciaram o princípio darazoável duração do processo, asseverando que o prazo nãopode ser tão extenso que protele a necessária prestaçãojurisdicional, como igualmente não pode ser tão exíguo quecomprometa o contraditório e ampla defesa, ou mesmo asatisfação da tutela.

Constatou-se, finalmente que o inovador ConselhoNacional de Justiça é garantidor do princípio da razoávelduração do processo, pois visa dar mais efetividade aomencionado princípio, atacando a morosidade na tramitaçãoe no julgamento dos processos. Analisaram-se algumasresoluções do conselho, mostrando casos concretos em queeste órgão de controle intervem na efetividade do princípioem estudo, atacando o excesso injustificado de prazo nojulgamento de processos.

Com isso, entende-se que algum passo já foidado para efetivar e colocar em prática referido princípio,mas longe de ser um cláusula constitucional totalmente efetivae eficaz como deveria ser, já que os direitos fundamentaistêm eficácia plena, e, portanto, desde a entrada em vigor daEmenda o cidadão poderia buscar em juízo o resguardo do

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mesmo. Falta ainda uma grande reestruturação no poderJudiciário vigente para tornar totalmente efetivo tal direitofundamental.

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A GRANDE MÍDIA, UM PODER DE FATO QUE SESOBREPÕE AOS PODERES CONSTITUÍDOS.

José Batista de AndradeJuiz de Direito da Comarca de Baixio.

São Poderes da União, independentes eharmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.É assim que está dito no art. 2º da nossa Constituição daRepública. Além disso, no seu art. 127, foi instituído oMinistério Público, para defesa da ordem jurídica, do regimedemocrático e dos interesses sociais e individuaisindisponíveis. Assim, temos três Poderes constituídos e maisuma instituição autônoma; tudo isso para prevenir o arbítrioe o desrespeito aos direitos fundamentais da pessoahumana. Não há, pois, previsão de mais nenhum outro Poder.Acontece, porém, que, na prática, temos visto com muitafreqüência a atuação de um Poder de fato que se sobrepõeaos Poderes constituídos: a grande mídia.

Segundo o Dicionário de Aurélio Buarque deHolanda, mídia é a designação genérica dos meios decomunicação.

Para Alexandre de Moraes, meio decomunicação é toda e qualquer forma de desenvolvimentode uma informação, seja através de sons, imagens, gestos.

É através dos meios de comunicação que seexerce o direito fundamental de liberdade de expressão daatividade intelectual, artística, científica e de comunicação.Portanto, como forma de garantir o direito de comunicação,a nossa Constituição da República assegurou a liberdadedos meios de comunicação, no seu art. 220. Mas, ao

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discipliná-los, ela lhes restringiu o sentido, dando atençãoespecial ao jornal, às revistas, o rádio e a televisão. Issoporque, de uma forma geral, as informações sãobasicamente veiculadas através destes quatro meios decomunicação.

Diz a sabedoria popular que a propaganda é aalma do negócio. Mas, como se sabe, a alma sem corponinguém vê ou pode ver. Então para ser vista, a propagandaprecisa de um corpo, ou seja, precisa dos meios decomunicação. Juntos, eles podem fazer o bem, muito bem,ou o mal, muito mal. No primeiro caso, quando a informaçãoé verdadeira e imparcial; no segundo, quando ela éapresentada com desvio de finalidade.

O direito a informação verdadeira e imparcialtambém é um direito fundamental da pessoa humana, ouseja, todos nós temos o direito fundamental de sabermos atempo e a hora as notícias de interesse público. E comoessas notícias são veiculadas normalmente através da rádiodifusão sonora e de sons e imagens, ou seja, através dorádio e da televisão, esses serviços são essencialmentepúblicos; porém, a sua operacionalização é feita através deconcessão, permissão ou autorização públicas. Isto é, opoder público delega à iniciativa privada a prestação desseserviço público. Em outras palavras, o serviço de rádio-difusão sonora e de som e imagem é do povo, é nosso,cabendo, pois, ao dono da rádio ou da televisão a obrigaçãode encontrar as notícias e veiculá-las ao povo, de formaverdadeira e imparcial, ou seja, sem juízo de valortendencioso a beneficiar ou prejudicar propositadamentealguém. Mas, lamentavelmente, não é assim que temprocedido a grande mídia.

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À expressão grande mídia, entenda-se: a RedeGlobo, o Jornal Folha de São Paulo, o Jornal o Estadão e arevista Veja. Esta, chamada de “a última flor do Fascio”, pelojornalista e apresentador Paulo Henrique Amorim, no seuBlog Conversa Afiada, que assim afirmou: “O Brasil é a únicademocracia do mundo que tem três jornais – Globo, Folhae Estado -, uma rede de tevê com 50% da audiência e 70%da publicidade, e uma revista que é a última flor do Fascio.”Isso significa dizer que os nossos meios de comunicaçãosão, sim, de fato, objeto de oligarquia, apesar da expressãovedação contida no § 5º, do art. 220, da Constituição daRepública, que assim prescreve: Os meios decomunicação social não podem, direta ou indiretamente,ser objeto de monopólio ou oligopólio. (grifei)

Uma vez oligopolizada, a nossa grande mídia,conservadora e golpista, na opinião do jornalista citado,transformou-se num grande partido político e num super-poder de fato. Ela constantemente tem acuado o PoderExecutivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, fazendocom que estes poderes constituídos ajam conforme a suaconveniência. Para tanto, agem com o falso escudo daopinião pública, para ditarem as regras do jogo político,muitas vezes á revelia das normas constitucionais e legais.Nem a Suprema Corte, que é o órgão de cúpula do nossoPoder Judiciário, em tese de natureza técnica, temconseguido resistir às investidas da grande mídia. O exemplomais evidente e recente foi o caso do recebimento dadenúncia dos quarenta mensaleiros, do chamado “Mensalãodo PT”. Nesse fato, um agente de uma das pilastras dagrande mídia, no caso o jornal Folha de São Paulo, flagrou atroca de e-mails entre Ministros dessa Corte, durante a

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sessão de admissibilidade da referida denúncia, cujoconteúdo, em tese, visava beneficiar ao ex-ministro JoséDirceu, apontado na denúncia como o “chefe do Mensalão”.Resultado, a Suprema Corte, segundo outro flagra de umdos seus ministros, quando falava informalmente e em vozalta ao telefone celular, também noticiado pela grande mídia,“com a faca no pescoço”, não teve ora saída senãotransformar em réus os quarenta denunciados, inclusive oex-todo poderoso, Ministro José Dirceu.

E por falar no ministro José Dirceu, ele, aoassumir a pasta da Casa Civil do governo Lula, numasituação que o tornava Primeiro Ministro de fato, disse quea relação com a Rede Globo era com ele, porque elarepresenta uma questão de Estado. Numa outraoportunidade, dessa vez no programa Roda Viva, da TVCultura, levado ao ar no dia 16.05.2005, época em que aRede Globo estava em concordata, ele anunciou que ogoverno Lula iria ajudar empresas estratégicas como aGlobo e a Varig. Depois do escândalo do “Mensalão” e asua conseqüente cassação, ele afirmou que tudo não passoude uma conspiração da grande mídia.

A grande mídia, diga-se: a Rede Globo, o jornalFolha de São Paulo, o jornal O Estadão e a revista Veja,com muita freqüência, têm denunciado, julgado e condenadoos agentes políticos, principalmente quando estes integramum governo com raízes trabalhistas, como é o caso dogoverno atual. Essa é razão porque têm surgido tantas crisesno governo Lula. Por isso, no governo FHC, que nada tinhade trabalhista, quase não houve crise política, apesar dosvários escândalos de corrupção dos quais se tem notícia,dentre eles o da compra de votos de parlamentares para

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aprovar a Emenda Constitucional da Reeleição, o dasprivatizações das empresas estatais, em especial na vendada Vale do Rio Doce por apenas 1% (um por cento) do seuvalor real, um verdadeiro crime de lesa-pátria, cometido peloSr. Fernando Henrique Cardoso, dentre tantos outros, comoo da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento doNordeste). Neste último, o que o governo fez foi extinguir aSudene, um dos maiores patrimônio do povo nordestino, frutoda privilegiada inteligência de um dos maiores economistasque o Brasil já teve, o nordestino e paraibano, Celso Furtado,no governo de Juscelino Kubitschek. Ou seja, FHC utilizouaquela máxima radical: “para acabar com os carrapatos,mata-se a vaca”. Acontece que os carrapatos não morreram,passaram para outras vacas, e até mudaram de nomes, parasanguessugas, dentre outros. Vale salientar que essegoverno teve até ministro da família dona da revista Veja, aSra. Cláudia Coxin.

Certamente, com o mesmo nível de corrupção dogoverno anterior, ou, quiçá, menor, já que, ao contráriodaquele, não houve grandes privatizações, o governo atualvive sob intenso tiroteio da grande mídia. Ela não dá trégua,é uma crise em cima da outra, muitas das vezes fruto dedenúncia vazia, ou com desvio do foco para não respingarno governo passado. Quer vem um exemplo bem notório: ocaixa dois utilizado pelo PT é chamado de “Mensalão doPT”; o caixa dois do PSDB é chamado de “Mensalãomineiro”. Neste não se fala no Senador Eduardo Azeredo,ex-presidente do PSDB, nem no atual governador de MinasGerais e pré-candidato a presidente da República naseleições de 2010, o Sr. Aécio Neves. E isso faz muitadiferença: aliena a opinião pública.

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Opinião pública, segundo J. M. Othon Sidou, inDicionário Jurídico. 2ª ed. Forense Universitária, Rio deJaneiro, 2001, é o conceito fluido e oscilante de afirmaçãoda vontade popular, em assuntos que dizem respeito àcondução dos destinos de uma coletividade politicamenteorganizada.

Ora, assim o sendo, por que a vontade popularquase não questionou a provável compra de votos deparlamentares para aprovação a Emenda Constitucional dareeleição de FHC; mas, ao contrário, questionou tanto acompra dos votos dos parlamentares mensaleiros dogoverno Lula? A resposta a essa pergunta é fácil. É porqueaquele governo é de origem imperialista, jogava com asmesmas cartas da grande mídia, ou seja, nada denacionalismo, tudo de entreguismo; este, ao contrário, temorigem trabalhista. Por isso, é odiado pela grande mídia,porque fere os seus interesses conservadores, imperialistas.Então, sendo assim, fica claro que as crises do atual governonão decorrem da opinião pública, mas, sim, do queescrevem os grandes colunistas da grande mídia escrita –jornais Folha de São Paulo e Estadão, e da revista Veja – eos grandes apresentadores e comentaristas da grande mídiatelevisada – a Rede Globo.

Esse jogo sujo da grande mídia vem de muitotempo. Ela, através dos jornais Tribuna da Imprensa, dojornalista Carlos Lacerda, dos Diários Associados, de AssisChateaubriand, do Estado de São Paulo, do jornalista JúlioMesquita Filho e do jornal O Globo, do jornalista RobertoMarinho, tinha ódio de Getúlio Vargas, que governou o Brasilno período compreendido entre 1951 a 1954, por sertrabalhista e nacionalista. Por isso, serviram de instrumento

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da CIA, para corromper a opinião pública a aceitar a todocusto a derrubada de Getúlio Vargas. A pressão foi tãogrande e insuportável, que obrigou Getúlio Dornelles Vargasa suicidar-se, na manhã do dia 24 de agosto de 1954. Motivopuramente econômico, as empresas americanas nãoqueriam que Getúlio desenvolvesse a indústria de basenacional, como a do aço e a da geração de energia elétrica,por exemplo, nem muito menos controlasse a remessa dosseus lucros para as suas matrizes. Em outras palavras,naquela época a nossa grande mídia, assim como hoje, jáestava a serviço dos interesses imperialistas, e não do povobrasileiro.

O poder da grande mídia sempre foi muito forte.Tanto é verdade, que, em 1957, quando o presidente daRepública Juscelino Kubistschek tentou criar a TV pública,o magnata das comunicações brasileiras, na época, o donodos Diários Associados e da TV Tupi, Assis Chateaubriand,deu-lhe o seguinte ultimado: “se você criar a TV pública eulhe tiro da Presidência da República”. E Juscelino desistiuda idéia, porque não queria abreviar o seu mandato. Certavez, perguntaram a Chateaubriand porque ele não ia serMinistro de Estado. E ele respondeu: “não preciso serMinistro, eu faço ministros!”.

João Goulart, pela sua natureza trabalhista enacionalista, a grande mídia da sua época não lhe deu trégua.Ela foi o corpo que se juntou à alma da CIA para impedir aposse de Jango, com a renúncia de Jânio Quadros. Nãoconseguiu, mas estimou fortemente a instituição doparlamentarismo, uma excrescência na nossa históriarepublicana, para tirá-lo do centro do poder. Mas, o povoqueria Jango também como chefe de governo; por isso, no

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plebiscito realizado no dia 06 de janeiro de 1963, cerca denove milhões de leitores dos dez que votaram disseram sima Jango. Ele obteve o record de votação da nossa história,até então.

Com os poderes que o sistema presidencialistadá ao presidente da República, e com o massivo apoiopopular, Jango tentou implementar as reformas de base econtrolar as remessas dos lucros das empresasmultinacionais para os seus paises de origem. Foi o seufim! A CIA preparou o golpe militar de 1964, com amplo apoioda grande mídia brasileira da época, sob o pretexto deprevenir o golpe dos comunistas, mas que, no fundo, erapara impedir o desenvolvimento do país e manter a remessados extraordinários lucros das empresas americanas.

Como o dito popular, a história se repete. Após aredemocratização do país, veio o governo FHC, que emmaldita hora disse que tinha vindo para pôr fim à era Vagas.E, com amplo apoio da grande mídia, esfacelou o Brasil.Deu, a preço de banana, a Vale do Rio Doce, um patrimôniodo povo brasileiro de certa de 200 bilhões de dólares,construído pela política nacionalista de Vargas. Um crimede lesa-pátria praticado pelo Sr. Fernando Henrique Cardosoem co-autoria com a grande mídia. Foram oito anos dedesmonte do Estado brasileiro. Mal sobrou a Petrobrás,criada também no governo Vargas, através da campanha “opetróleo é nosso”. Mesmo assim, ainda quiseram mudar seunome para Petrobrax. O Estado foi considerado vilão, semcompetência para gerir seu patrimônio, o patrimônio do povo.Hoje, todo esse patrimônio, que foi vendido a preço debanana, está nas mãos dos grandes conglomeradoseconômicos internacionais, que além de campeões de

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desrespeito aos direitos dos consumidores, são livres decontrole de remessas de lucros aos seus países de origem.E as agências reguladoras, criadas para fiscalizar osserviços públicos delegados, têm se comportado igualárbitros de futebol bons, ou seja, não aparecem, e deixamos times jogarem como querem.

Veio o primeiro governo Lula, de raízestrabalhistas, que teve de fazer enormes concessões aosimperialistas e entreguistas, mas, mesmo assim, não selivrou dos freqüentes ataques da grande mídia. Surgiu o“mensalão”, que causou um enorme estrago ao PT, mas nãoconseguiu atingir o alvo principal, o presidente Lula.

Para evitar um segundo governo Lula, a RedeGlobo, em ato semelhante ao que fez no segundo turno daeleição de 1999, quando conseguiu emplacar o burguês,neófito e altruísta Fernando Collor de Melo, contra a vontadepopular, nas vésperas do primeiro turno das últimas eleiçõespresidenciais, deixou de noticiar a maior tragédia da aviaçãocivil da nossa história, até então, o acidente do avião daGol, onde morreram 155 pessoas, para noticiar a apreensãode petistas com uma mala de dinheiro para a compra de umsuposto dossiê contra o então candidato do PSDB aogoverno de São Paulo, o Sr. José Serra. O interessantedessa história é que antes da prisão em flagrante, umaequipe da Rede Globo, da Folha de São Paulo e dos comitêsde campanha de Alkimin e Serra, respectivamente,candidatos a Governador de São Paulo e a Presidente daRepública, já aguardavam a equipe do Delegado federalBruno, que fez a prisão em flagrante dos petistas. ODelegado Bruno exigiu que a notícia fosse dada no JornalNacional. E o golpe deu certo, pelo menos num primeiro

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momento, pois, Lula que já se considerava eleito, teve queadiar a sua vitória para o segundo turno.

Mas, diferentemente do que aconteceu nosegundo turno das eleições de 1999, a mídia internetizada,em especial aquela que não integra os provedores depropriedade da grande mídia (Uol, da Folha de São Paulo;G1, da Globo, etc), começou a vazar a maracutáia da RedeGlobo, descoberta principalmente pela Revista CartaCapital. Resultado, os efeitos dessa maracutáia nãoconseguiram alcançar o segundo turno das eleições, e oPresidente Lula ganhou de Alckmin com a mesma diferençacom que nocauteou Serra: 61% a 39%. Vitória dademocracia, derrota da grande mídia.

Uma vez derrotada pelo povo, a grande mídia nãocaiu na real. E o bombardeio ao governo do PT continua.Quase toda dia sai uma notícia nova com potencial de geraruma nova crise no governo Lula, em especial a figura dopresidente. É o trafico de influência do irmão Vavá; é a prisãodo compadre; é o apagão aéreo; é a queda do avião daTAM; é o caso Renan, e por aí vai.

Não se deve olvidar que os meios decomunicação, em especial o rádio e a televisão, quealcançam quase todos os 190 milhões de brasileiros, sãodo povo. Não são da Rede Globo, do jornal Folha de SãoPaulo, do Jornal o Estadão e nem da revista Veja. Estessão apenas, e tão somente, concessionários de serviçopúblico de comunicação social, de informação. E como tal,são obrigados a veicularem informações verídicas,imparciais, de interesse do povo brasileiro, não, como têmfeito, para interresses próprios e dos grandesconglomerados econômicos.

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Por outro lado, é importante que se diga quequase sempre a Pasta do Ministério das Comunicações,em qualquer governo, seja ele de raízes na direita, outrabalhista, é entregue a um concessionário de serviçopúblico de rádio difusão sonora (rádio) e de som e imagem(televisão). O atual, o Senador Hélio Costa, além deconcessionário, é também ex-funcionário da Rede Globo. Ecomo se não bastasse, dos atuais 81 Senadores, 27 sãoconcessionários de serviço público de rádio difusão de some de som e imagem. É por isso que a grande mídia bate emtodo mundo, principalmente nos poderes constituídos, muitasvezes com evidente desvio de finalidade. Mas, ao contrário,ela não admite qualquer controle externo. Diz logo que écensura, e que a censura é incompatível com a democracia.

Num Estado Democrático de Direito não podeexistir poder sem o controle do povo. Afinal, o povo é overdadeiro dono do poder estatal. Portanto, cabe-lhe ocontrole de qualquer poder político, seja ele constituído, oude fato, sob pena de abusos e desvio de finalidade.

Diante do exposto, urge com absoluta prioridadeque se regulamentem as concessões de rádio difusãosonora e de som e imagem, para que a produção e aprogramação de suas emissoras de rádio e de televisãocumpram os princípios fundamentais da comunicação social,dispostos nos incisos do art. 221 da Constituição daRepública, quais sejam:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas,culturais e informativas;II – promoção da cultura nacional e regional e estímuloà produção independente que objetive sua divulgação;

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III – regionalização da produção cultural, artística ejornalística, nos percentuais estabelecidos na lei;IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa eda família.

Do contrário, continuaremos reféns de uma mídiaacima dos poderes constituídos, ou seja, apelativa e golpista;inimiga do interesse público.

Comunicação é poder, e como tal somente podeser controlado pelo próprio poder. Assim, entendo que umaforma democrática de controlar o poder da mídia é com acriação da TV pública, que atue nos moldes da BBC inglesa,ou seja, sem ingerência do governante de plantão, e acriação de um Conselho Nacional de Impressa, nos moldedo atual Conselho Nacional de Justiça, para o seu controleexterno.

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BIBLIOGRAFIA:

1. AGUIAR, Ronaldo Conde. Vitória na Derrota. A morte de Getúlio

Vargas. Rio de janeiro: Casa da Palavra.

2. BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Governo João Goulart: as lutas

sociais no Brasil, 1961-1964. 7ª ed. Rio de Janeiro: Revam; Brasília:

EdUnB, 2001.

3. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo:

Atlas, 2004.

4. SIDOU, J.M. Othon. Dicionário Jurídico. 2ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1991.

5. Site: http//conversa-afiada.ig.com.br/

6. Site: www.cpdoc.fgv.br/nav-jk/bibliografia

7. Site: www.tvcultura.com.br/rodaviva.

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O PAPEL DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO NOCONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

CONCENTRADO*

MICHELLE AMORIM SANCHO SOUZAEstudante de Graduação da Faculdade

de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Sumário: 1. Introdução. 2. Supremacia e Rigidez do textoconstitucional. 3. Controle de constitucionalidadeconcentrado. 3.1. aspectos preliminares. 3.2. definição. 4.Advocacia-Geral da União. 4.1. Inovação da carta de 1988.4.2. O papel do Advogado-Geral da União no controleconcentrado. 5. Conclusão. 6. Referências.

RESUMO

A temática do controle de constitucionalidade éde extrema relevância para a defesa e, conseqüentemente,efetividade das normas constitucionais. Dessa forma, noordenamento pátrio, o Supremo Tribunal Federal atuará comoCorte Constitucional, por via abstrata, no julgamento doprocesso da ação direta de inconstitucionalidade.

O escopo primordial de nosso estudo, portanto,será a compulsoriedade da defesa, de lei ou ato normativo,independentemente de sua natureza federal ou estadual, peloAdvogado-Geral da União, em consonância à imposiçãoconstitucional do art. 103, § 3º, CF.

* Professor Orientador: Desembargador Fernando Luiz Ximenes Rocha.

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Palavras-chaves: Controle de Constitucionalidadeconcentrado, Advogado-Geral da União, Ação Direta deInconstitucionalidade – ADIn, Supremo Tribunal Federal –STF.

ABSTRACT

The thematic of the constitutionality control is ofextreme relevance for the defense and, consequently,effectiveness of the constitutional rules. So that, in the nativeorder, the Supreme Federal Tribunal will act as aConstitutional Court, for abstract means, in the judgment ofthe process of the direct action of unconstitutionality. Theprimordial target of our study, therefore, will be the compulsorydefense of law or normative act, independently of its federalor state nature, by the Lawyer-Generality of the Union, inaccord with the constitutional imposition of art. 103, § 3º, CF.

Key-words: constitucionality control - lawyer-generality of theunion - direct action of unconstitutionality, Supreme FederalTribunal.

1. INTRODUÇÃO

É inegável o avanço que a nossa atualConstituição teve em relação à aferição do controle deconstitucionalidade concentrado, o qual se baseia emexpurgar da ordem jurídica a norma in abstracto maculadade inconstitucionalidade. Dessa forma, coaduna-se,perfeitamente, com a supremacia e rigidez do textoconstitucional bem como com o princípio da hierarquia das

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normas jurídicas, adotados no ordenamento pátrio.O Supremo Tribunal Federal - STF é o guardião

máximo de nossa Lei Magna. Ao ser proposta a ação diretade inconstitucionalidade - ADIn genérica por algum doslegitimados (art. 103, CF), o Pretório Excelsodesempenhará, portanto, a função de Corte Constitucional,por via abstrata.

Diante desse breve exposto, o objetivo dessetexto é nos levar à reflexão acerca do papel do Advogado-Geral da União, precípuo defensor das causas da União,nessa forma de controle de constitucionalidade.

2. SUPREMACIA E RIGIDEZ DO TEXTOCONSTITUCIONAL

Como Lex Fundamentalis é sob a sua égidesuprema que se assenta a federação brasileira,representada pela união de seus entes autônomos. É, pois,a Constituição o topo da pirâmide jurídica, idealizada porHans Kelsen, através de seu estudo sobre a dinâmicajurídica, na qual o ordenamento assume a estruturaescalonada, cujas normas estão dispostashierarquicamente. O texto constitucional, portanto, por ser“o fundamento de validade de maior escalão na ordempositivada”1 , está acima de qualquer outro ato normativo emum determinado país, o que caracteriza o consagradoprincípio da supremacia constitucional.

Decorre disso, então, a rigidez, a fim de reforçara idéia de supremacia, já que, para a modificação da CartaMagna, torna-se necessária a realização de processosespeciais, solenidades e exigências formais mais1 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. Tradução de João Baptista Machado.

São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 247.

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específicas, diferentes e difíceis que os de aprovação deleis complementares e ordinárias, a exemplo brasileiro, dequorum privilegiado e votação em dois turnos nas duas casaslegislativas bem como a inclusão de limitações tantocircunstanciais quanto materiais, as cláusulas pétreas,respectivamente, previstas no art. 60, § § 1º e 4º, CF.

Nesse sentido, a lição de Raul Machado Hortanos revela que não basta o simples reconhecimento teóricoda supremacia constitucional. É preciso reconhecer, comoensinam Barthélemy, Duez e Laferrière, as conseqüênciasque defluem da rigidez constitucional: permanência jurídicada Constituição e superioridade jurídica das leisconstitucionais sobre as ordinárias, acarretando repulsa atoda lei contrária à Constituição. A rigidez sugere oproblema da constitucionalidade das leis (HORTA, 1995,p. 124, grifou-se).

Dessa forma, surge a necessidade de se verificara consonância entre as leis e os atos emanados do PoderConstituído e o Diploma Máximo, para que se impeça oaparecimento de tal anormalidade no ordenamento, por setornarem essas leis inválidas, incoerentes e inconsistentesfrente à disposição jurídica do país.

3. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADECONCENTRADO

3.1.Aspectos Preliminares

A idéia de tutela da ordem constitucionalantecede a noção de proteção do Estado2 , pois, durante aformação das monarquias nacionais, por volta dos séculosXV e XVI, fortaleceu-se, primeiramente, este ideário, para

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que, em seguida, a partir do primado da lei e,conseqüentemente, do surgimento do constitucionalismo, oqual remonta, provavelmente, aos séculos XVII e XVIII,passassem a se definir os contornos da garantia do EstadoDemocrático Constitucional.

É bem verdade, conforme assevera o autorportuguês, J.J. Canotilho, que é de extrema relevância aexistência de “meios, institutos destinados a assegurar aobservância, aplicação, estabilidade e conservação da leifundamental”. São as chamadas garantias constitucionais,já que representam “a constituição da própria constituição”3 .Essas garantias seriam, portanto, a vinculação que ospoderes teriam em relação ao Diploma Máximo e o controlede constitucionalidade.

Tanto o controle de constitucionalidade quanto arigidez constitucional configuram os elementos estruturantesde uma federação. Paulo Bonavides ratifica tal entendimentoao enunciar que sem esse controle, a supremacia da normaconstitucional seria vã, frustrando-se assim a máximavantagem que a Constituição rígida e limitativa de poderesoferece ao correto, harmônico e equilibrado funcionamentodos órgãos do Estado e sobretudo à garantia dos direitosenumerados na lei fundamental (BONAVIDES, 1996, p. 268).

Além disso, poderíamos ainda afirmar que essesrepresentam os verdadeiros pressupostos da máximaefetividade do princípio da segurança jurídica, o qual garante

2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da

Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 823.

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à “Constituição ser a lei das leis, a lex legum, ou seja, a maisalta expressão jurídica da soberania”4 .

Após essas breves considerações sobre aproblemática do controle de constitucionalidade, iremosdefinir o controle de constitucionalidade concentrado comoé desenvolvido no Brasil.

3.2. DEFINIÇÃO

O controle de constitucionalidade concentrado,cuja origem se reporta à criação de um tribunal autônomo,na Áustria, em 1920, sob a influência do pensamentokelseniano, em nosso país, é exercido, repressivamente, porum órgão jurisdicional, o Supremo Tribunal Federal - STF,como preceitua a regra do art. 102, I, a, CF, ao processar ejulgar originariamente: a ação direta de inconstitucionalidadede lei ou ato normativo federal ou estadual e a açãodeclaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativofederal.

Objetiva-se, então, retirar do ordenamento a leiou o ato normativo eivado de flagrante inconstitucionalidade,que será, diferentemente do modelo difuso, o objeto principalda relação jurídica. A ação direta de inconstitucionalidade –ADIn genérica será o meio idôneo, através do qual poderáser proposta essa incompatibilidade, conforme elenca aregra do art. 103 da Lei Magna brasileira, por algum dospresentes no seguinte rol: I – o Presidente da República; II –a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos

4 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros,

1996. p. 267.

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Deputado;, IV – a Mesa da Assembléia Legislativa ou daCâmara Legislativa do Distrito Federa;, V – o Governadorde Estado ou do Distrito Federa; VI – o Procurador-Geralda República; VII – o Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil;, VIII – partido político comrepresentação no Congresso Nacional; IX – confederaçãosindical ou entidade de classe no âmbito nacional. Faz-sede extrema importância lembrarmos o avanço alcançadopelo legislador da Carta de 1988 ao ampliar o número delegitimados a proporem a ação de inconstitucionalidade, nãosendo mais apenas monopólio do Procurador-Geral daRepública, no entanto, essa questão ainda é bastantecontroversa, uma vez que alguns doutrinadores acreditamser necessário que a legitimidade seja estendida tambémaos cidadãos brasileiros5 .

O instituto processual responsável pelaregulamentação do processo e julgamento da ADIn, peranteo STF, é a Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, a qualprevê, em seu art. 28, parágrafo único, à luz do dispositivoconstitucional do art. 102, § 2º, CF, que a declaração deconstitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusivea interpretação conforme a Constituição e a declaraçãoparcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têmeficácia contra todos e efeito vinculante em relação aosórgãos do Poder Judiciário e à Administração Públicafederal, estadual e municipal. Além de possuir efeito ex tunc,isto é, retroativo e erga omnes, contra todos. Embora ocorraque o STF possa restringir a eficácia dessa declaração, em

5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11. ed. São Paulo:

Malheiros, 1996. p. 54.

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alguns casos previstos em lei, e, também haja discussões arespeito da vinculação dessas decisões, em regra geral,ocorrerá aquilo que o preceito constitucional anterior afirma,não sendo, pois, nosso objetivo tecer mais comentáriossobre a questão.

A partir dos comentários, discutiremos, nostópicos seguintes, o alvo principal de nosso artigo, a funçãodesempenhada pelo advogado-geral da União no controle,por via de ação.

4. ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

4.1. Inovação da Carta de 1988

Inicialmente, faz-se oportuno destacarmosalgumas notas introdutórias acerca dessa instituição, umadas inovações do Poder Constituinte Originário de 1988, aqual está regulamentada no capítulo referente às funçõesessenciais da Justiça.

Dispõe o art. 131, caput, CF que a Advocacia-Geral da União - AGU é a instituição responsável porrepresentar a União em juízo ou fora dele bem como porprestar consultoria e assessoria jurídica ao Poder Executivo.Devido à sua natureza, portanto, o seu chefe, o Advogado-Geral da União, deverá ser escolhido, livremente, dentrecidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saberjurídico e reputação ilibada, pelo Presidente da República(art. 131, § 1º, CF). Essa livre nomeação é necessária, tendoem vista a relação de confiança que deverá nortearrepresentado e representante. Mesmo que essa forma deprocesso seja objetiva e unilateral, em que não deverá,

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teoricamente, haver contraditório, Schlaich observa que “écerto que, em virtude do conteúdo político dos temas, acabepor assemelhar-se a qualquer processo contraditório”6 .

Nesse diapasão, José Afonso da Silva, salientaque “a atual Constituição desfez, então, o bifrontismo quesempre existiu no Ministério Público Federal, cujos membrosexerciam cumulativamente as funções de Ministério Públicono exercício da advocacia da União”.7

Alertamos apenas para que os Procuradores deEstado e do Distrito Federal exercerão a representaçãojudicial e a consultoria jurídica das respectivas unidadesfederadas, ao molde da redação do art. 132, CF.

Dessa forma, cabe a nós discutirmos, agora, afunção, eminentemente defensiva, desenvolvida peloadvogado-geral no processo de julgamento da ADIn.

4.2. O PAPEL DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO NOCONTROLE CONCENTRADO

A partir da propositura da ADIn, da qual não seadmitirá desistência (art. 5º, Lei nº 9.868/99), o relator pediráinformação, que será prestada no prazo de trinta dias a contardo recebimento do pedido, à autoridade da qual tiveremanado o ato impugnado, seja do Executivo, CongressoNacional ou da Assembléia Legislativa, ou ainda doJudiciário, se for o caso (art. 6º, Lei nº 9.868/99).Posteriormente, se ainda pairar alguma dúvida acerca da

6 SCHLAICH Apud MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira.

Controle Concentrado da Constitucionalidade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 254.

7 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11. ed. São Paulo:

Malheiros, 1996. p. 558.

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impugnação, poderá, excepcionalmente, haver a figura doamicus curiae, ou seja, a intervenção excepcional deterceiros, como prevê a letra do art. 7º, § 2º da Lei. nº 9.868/99.

Diante dessa primeira etapa do processo, vemosque o constituinte brasileiro, sabiamente, inovou aoassegurar, desde já, os princípios da ampla defesa e docontraditório, consagrados no título dos direitos e dasgarantias fundamentais, à lei cuja inconstitucionalidade foiargüida.

Seguidamente, teremos a fase processual emque será ouvido, primeiramente, o Advogado da União, naqualidade de curador, defensor legis, especial da presunçãode constitucionalidade das leis, em conformidade aoenunciado no dispositivo constitucional do art. 103, § 3º, CF,o qual é o nosso objeto de análise:

Art. 103, § 3º, Quando o SupremoTribunal Federal apreciar ainconstitucionalidade, em tese, denorma legal ou ato normativo, citará,previamente, o Advogado-Geral daUnião, que defenderá o ato outexto impugnado – grifou-se.

Nesse sentido, a jurisprudência do STF ratificatal posicionamento ao afirmar que a função processual doAdvogado-Geral da União, nos processos de controle deconstitucionalidade por via de ação, é eminentementedefensiva. Ocupa, dentro da estrutura formal desse processoobjetivo, a posição de órgão agente, posto que lhe nãocompete opinar e nem exercer a função fiscalizadora já

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atribuída ao Procurador-Geral da República. Atuandocomo verdadeiro curador (defensor legis) das normas

infraconstitucionais, inclusive daquelas de origemestadual, e velando pela preservação de sua presunção

de constitucionalidade e de sua integridade e validez

jurídicas no âmbito do sistema de direito positivo, nãocabe ao Advogado-Geral da União, em sede de controle

normativo abstrato, ostentar posição processualcontrária ao ato estatal impugnado, sob pena de frontal

descumprimento do munus indisponível que lhe foi

imposto pela própria Constituição da República (ADI

1.254-MC-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19/09/97) –

grifou-se.

Dessa forma, há de se verificar, portanto, que a

intervenção do Advogado-Geral da União, em conseqüência,

reveste-se de compulsoriedade, não só quanto ao seu

chamamento judicial, mas, também, quanto ao seu

pronunciamento defensivo em favor da norma impugnada,

sob pena de afrontar a regra estabelecida no Diploma

Máximo. Por outro lado, o Procurador-Geral da República,

que deverá ser ouvido em qualquer um dos processos de

competência do Pretório Excelso (art. 103, § 1º, CF), atuará

como fiscal da lei, custo legis.

A exigência prevista no art. 103, § 3º, CF, nos

parece bastante controversa, uma vez que atribuir tal defesa,

sobretudo ao Advogado-Geral, por um prisma, é fundamental

para o texto impugnado esse amparo em obediência ao

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221THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

princípio da constitucionalidade das leis. No entanto, por

outro, delegar tal função a esse profissional, será, ao nosso

ponto de vista, baseado no ensinamento de Gilmar Ferreira

Mendes, “legitimar o entendimento de o Advogado-Geral da

União estar obrigado a defender a constitucionalidade da

lei questionada, mesmo nos casos de manifesta

inconstitucionalidade. Evidentemente, essa conduta haveria

de convertê-lo em um advogado da inconstitucionalidade”8 .

Somamos a isso, ainda quee existem decisões,

no sentido de que “não existe contradição entre o exercício

da fundação normal do Advogado-Geral da União, fixada no

caput do art. 131 da Carta Magna, e o de defesa de norma

ou ato inquinado, em tese, como inconstitucional, quando

funciona como curador especial, por causa do princípio da

presunção de sua constitucionalidade”9. Somos favoráveis

ao pensamento de que a norma constitucional em análise

mostra uma incompatibilidade funcional, o que acarreta, de

acordo com o magistério de Antonio Cezar Lima da Fonseca,

“em uma posição delicada assumida pelo Advogado, pois

se obrigam a fazer verdadeiras peripécias jurídicas para

defenderem atos manifestamente inconstitucionais (...). Tal

obrigatoriedade - de o Advogado-Geral defender a norma a

qualquer custo - é, data venia, equivocada. À evidência, o

Advogado expõe-se em demasia, às vezes ao risível, pelas

8 MENDES, Gilmar Ferreira Apud ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Controle de

Constitucionalidade das Leis Municipais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.76.

9 Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 131/470.

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teses mirabolantes que precisa criar, para defender um

legislador, muitas vezes, suspeito”10 . Um exemplo bastantesignificativo o qual vem corroborar a nossa tese de que ocorreconflito entre as funções é aquele formulado por João CarlosSouto, ao dizer que, “quando o Advogado-Geral houver dadoparecer pelo veto a um projeto de lei que, posteriormente,foi derrubado pelo Congresso, sendo, então, publicada alei. Caso o Presidente da República provoque o controleabstrato da constitucionalidade contra esta mesma lei,estaria o Advogado-Geral da União vinculado a opinar emfavor da manutenção desta espécie normativa querecentemente condenou?”11 .

A partir dos argumentos expostos, percebemosque a ordem constitucional não poderá tolerar uma normaque se mostre incompatível com seus preceitos, deve, defato, haver uma compreensão teleológica da regra disposta,pois não será, necessariamente, uma defesa arbitrária danorma impugnada, porém uma conclusão feita por esseoperador do Direito acerca de tal ação, tanto o é que, casojá haja decisão proferida a respeito da inconstitucionalidadede um determinado texto, não estará este obrigado adefendê-lo, em virtude da “fidelidade constitucional”.Segundo Fernando Ximenes, com o qual compactuamos o

10 FONSECA, Antonio Cezar Lima Apud BARROS, Marcos Ribeiro e FIGUEIREDO,

Guilherme José Purvin. O Advogado público nas ações diretas de

inconstitucionalidade. Disponível em http://members.tripod.com/~ibap/artigos/

mrbgjpf1.htm Acessado em 19 de novembro de 2006.

11 SOUTO, Carlos João Apud MASCARENHAS, Robson Silva. O Advogado-Geral

da União e o dever de defesa nas ações diretas de inconstitucionalidade. Disponível

em http://jus2.uol.com.br/doutrina/lista.asp?assunto=189 Acessado em 19 de novembro

de 2006.

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mesmo posicionamento, como a defesa desse ato já é feitapelo órgão do poder que o expediu, segundo vimos naprimeira fase processual da ADIn, seria desnecessária amencionada intervenção prevista na disposiçãoconstitucional. Observamos, ainda, que a capacidade paramelhor explicar por quais razões se deverá inserir tal lei noordenamento e a sua compatibilidade com a Constituiçãoreside no próprio poder constituído que a editou, conformejá acontece.

Poderíamos sugerir como resolução dessaquestão, à luz da análise da Constituição do Estado doCeará12 , um pronunciamento opinativo por parte doAdvogado-Geral da União acerca da matéria impugnada,sem ocorrer, obrigatoriamente, uma menção à defesa, a fimde que não se relegue a este uma função meramenteilustrativa no controle de constitucionalidade. Não haveria,dessa forma, prejuízos na tutela dos interesses da coisapública, pois permaneceria o contraditório e, a qualquermomento, poder-se-ia requerer a intervenção do Advogado.Na mesma linhagem lógica, a Constituição Paulistaexpressa, em seu art. 90, § 2º, que caberá ao Procurador doEstado, no que couber, defender o ato ou texto impugnado,“com o que se evitou a reprodução no âmbito estadual daimperfeição técnica existente no texto constitucionalfederal”13 .

12 Vide art. 127, § 1º da Constituição do Estado do Ceará, ao proclamar “quando o

Tribunal de Justiça apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo,

citará previamente o Procurador-Geral do Estado, que se pronunciará sobre a lei ou

ato impugnado”.

13 BARROS, Marcos Ribeiro e FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. O Advogado

público nas ações diretas de inconstitucionalidade. Disponível em http://

members.tripod.com/~ibap/artigos/mrbgjpf1.htm Acessado em 19 de novembro de 2006.

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5. CONCLUSÃO

O intuito primordial de nossa reflexão foi procuraruma solução para esse impasse, na constante tentativa dese buscar mais coerência entre o controle deconstitucionalidade concentrado e a sua forma de verificação,garantindo assim aos cidadãos brasileiros um efetivo sensode eficácia das normas constitucionais, em nossoordenamento, além de promover um processo, emboraobjetivo e unilateral, porém coeso de ajuizamento da açãodireta de constitucionalidade, perante o Supremo TribunalFederal.

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225THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

6. REFERÊNCIAS

BARROS, Marcos Ribeiro e FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. O

Advogado público nas ações diretas de inconstitucionalidade. Disponível

em http://members.tripod.com/~ibap/artigos/mrbgjpf1.htm Acessado em

19 de novembro de 2006.

BONAVIDES, Paulo. A constituição aberta: temas políticos e

constitucionais da atualidade, com ênfase no federalismo das regiões.

3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo:

Malheiros, 1996.

Constituição Federal do Brasil (1988). Constituição da República

Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2005.

CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da

Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. Brasil: Del Rey, 1996.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. Tradução de João Baptista

Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 10. ed. São Paulo:

Método, 2006.

MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle

Concentrado da Constitucionalidade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

MASCARENHAS, Robson Silva. O Advogado-Geral da União e o dever

de defesa nas ações diretas de inconstitucionalidade. Disponível em

http://jus2.uol.com.br/doutrina/lista.asp?assunto=189 Acessado em 19

de novembro de 2006.

MENDES, Gilmar Ferreira. O Advogado geral da União e a ação direta

de inconstitucionalidade. Disponível em: http://www.redebrasil.inf.br/

0artigos/agu/htm. Acessado em 19 de novembro de 2006.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas,

2005.

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226 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Controle de Constitucionalidade das

Leis Municipais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

SARMENTO, Daniel. O Controle de constitucionalidade e a lei 9.868/99.

Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11. ed.

São Paulo: Malheiros, 1996.

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RAZOABILIDADE E CONTROLE JURISDICIONALDO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO

Rommel Moreira ConradoJuiz de Direito

Sumário: 1. Introdução; 2. Ato Administrativo Vinculado,Discricionário e Mérito; 3.Princípios Constitucionais daAdministração Pública e Controle Jurisdicional 4. ControleJurisdicional e Separação dos Poderes; 5. Princípio daRazoabilidade; 6. Extensão do Controle Jurisdicional.

1 INTRODUÇÃO

No presente trabalho pretende-se tecer algumasconsiderações acerca da possibilidade de controlejurisdicional sobre o mérito do ato administrativo,especialmente à luz do princípio da razoabilidade.

Procurar-se-á, através de posicionamentosdoutrinários e jurisprudenciais, demonstrar quais as balizasaceitáveis para o exercício deste controle.

2 ATO ADMINISTRATIVO: VINCULAÇÃO, DISCRI-CIONARIEDADE E MÉRITO

Dentre as diversas classificações do AtoAdministrativo, uma, de relevante interesse prático, consistena distinção entre ato administrativo vinculado e atoadministrativo discricionário.

Como sabido, diferentemente do particular quepode fazer tudo o que a lei não proíbe (art. 5º, II, CF), a

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Administração Pública somente pode fazer o que a leipermite, encontrando-se, destarte, com um campo deatuação bem mais limitado, tendo em vista o princípio dalegalidade estrita (art. 37, CF). Sendo assim, toda e qualquerconduta do administrador público, em qualquer nível, paraser aceitável, deve estar sobre alicerces legais.

Por óbvio, o legislador não tem como prever todasas situações que podem surgir no seio social e, desta forma,discipliná-las. Por isso, não raras vezes, a lei confere aoadministrador uma certa “margem de liberdade” para atuar,no caso concreto, da forma que melhor atenda ao interessepúblico, última razão da lei e do próprio Estado.

Havendo tal “liberdade” para o administrador,encontramo-nos frente ao ato administrativo discricionário.Quando, ao revés, a lei disciplinou todos os elementos doato administrativo: conteúdo, finalidade, forma etc., nãosobrando espaço para movimentação do administrador, tem-se o ato administrativo vinculado. Pode-se citar como atoadministrativo discricionário, por exemplo, a escolha, peloPresidente da República, de Ministro do Supremo TribunalFederal, na qual se observará o “notável saber jurídico ereputação ilibada” do escolhido. Como exemplo de atoadministrativo vinculado, pode-se mencionar a aposentadoriacompulsória do servidor público aos 70 anos de idade:atingida tal idade, não se há de indagar acerca daconveniência em se manter ou não, tal servidor em atividade.

A “liberdade” conferida ao administrador -somente existente no ato administrativo discricionário – é,justamente, o chamado mérito do ato administrativo. Emoutras palavras, o mérito é a possibilidade de escolha, porparte do administrador, segundo seus critérios de

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conveniência e oportunidade, dentre mais de uma opçãoigualmente aceitáveis, a que melhor lhe pareça atingir ointeresse público.

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINIS-TRAÇÃO PÚBLICA e CONTROLE JURISDICIONAL

São expressamente previstos na ConstituiçãoFederal como princípios a serem obedecidos pelaadministração direta e indireta de qualquer dos Poderes daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade eeficiência. (art. 37)

Além desses princípios, são reconhecidos outros,explícitos ou implícitos, ao longo do texto constitucional, deobservância igualmente obrigatória: razoabilidade,proporcionalidade, supremacia do interesse público etc.

Para Hely Lopes Meirelles 1 :

(....) Por esses padrões é que se hão de pautartodos os atos administrativos. Constituem, porassim dizer, os fundamentos da açãoadministrativa, ou, por outras palavras, ossustentáculos da atividade pública. Relegá-losé desvirtuar a gestão dos negócios públicos eolvidar o que há de mais elementar para a boaguarda e zelo dos interesses sociais (....)

Célebre é a advertência de Celso AntônioBandeira de Mello 2 de que:

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Violar um princípio é muito mais grave quetransgredir uma norma qualquer. A desatençãoao princípio implica ofensa não apenas a umespecífico mandamento obrigatório, mas atodo um sistema de comandos. É a mais graveforma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,conforme o escalão do princípio atingido,porque representa insurgência contra todo osistema, subversão de seus valoresfundamentais, contumélia irremissível a seuarcabouço lógico e corrosão de sua estruturamestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda aestrutura neles reforçada.

Tais princípios, além de servirem de rumo para aconduta da Administração, servem, por outro lado, comoforma de controlá-la.

Com base neles, o Poder Judiciário pode exercero controle dos atos administrativos, observando-os além doprisma da legalidade estrita, sem medo de ferir o tão intocável“mérito”.

De fato, o mérito, como visto anteriormente, é apossibilidade de escolha, por parte do administrador, de maisde uma opção aceitável. E o que seria uma opção aceitável?Ora, em verdade, nem sempre se afigura possível distinguirdentre duas opções qual a mais correta, todavia, muitasvezes, qualquer pessoa de mediano bom senso podeperceber que uma terceira conduta possível, em hipótesealguma, seria aceitável. Traz-se um exemplo que suponhoelucidativo: o chefe do Executivo de determinado município,

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dispondo de verba para construir um hospital ou uma escola,ambos igualmente necessários na cidade, opta por este ouaquele e o faz com o seu juízo de mérito. Contudo, se optarpor construir – como, aliás, lamentavelmente já referido emnoticiários nacionais – um “aeroporto para disco-voador” nãose tem dúvidas de que houve uma explosão dos limites domérito.

Para Germana de Oliveira Moraes 3 :

Os princípios constitucionais explícitos daAdministração Pública, da impessoalidade,sob as vertentes da igualdade e daimparcialidade; da moralidade, sob asdimensões da boa-fé, da probidade e darazoabilidade, da eficiência e os princípiosgerais do Direito, implícitos na ordem jurídica– da razoabilidade e da proporcionalidade,forneceram os critérios materiais quepossibilitaram a extensão do controlejurisdicional para além dos domínioscircunscritos à legalidade administrativa.

4 CONTROLE JURISDICIONAL E SEPARAÇÃO DOSPODERES

A Constituição Federal, em seu art. 2º, prevê que“são Poderes da União, independentes e harmônicos entresi, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” Tal divisão eintercontrole dos Poderes – ou, como se chamahodiernamente, das funções estatais, eis que o Poder é uno– visa, sabidamente, a preservação dos direitos e garantias

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individuais e evitar a hipertrofia e conseqüente tendência aoabuso, por parte do Executivo, Legislativo ou Judiciário.

Todos os poderes encontram sua “força” naConstituição e, em vista disso, nenhum deles se encontraacima dela. Ora, ao Judiciário incumbe a tarefa de zelar pelaConstituição e, por conta disso, além do princípio dainafastabilidade da Jurisdição, prevendo que “a lei nãoexcluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art.5º, XXXV, CF), não se pode excluir da apreciação judicial apossibilidade de controle do ato administrativo, quervinculado, quer discricionário.

Neste sentido, é lapidar a seguinte – decisão doegrégio Supremo Tribunal Federal em voto do Min. Celsode Mello, proferido no MS (MC) 24.458-DF, encontrada noInformativo STF n.º298 de 17/02/03:

(....) Na realidade, impõe-se, a todos osPoderes da República, o respeitoincondicional aos valores que informam adeclaração de direitos e aos princípios sobreos quais se estrutura, constitucionalmente, aorganização do Estado.(...) Isso significa,portanto - considerada a fórmula política doregime democrático - que nenhum dosPoderes da República está acima daConstituição e das leis. Nenhum órgão doEstado - situe-se ele no Poder Judiciário, ouno Poder Executivo, ou no Poder Legislativo -é imune à força da Constituição e ao impériodas leis.Uma decisão judicial - que restaure a

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integridade da ordem jurídica e que torneefetivos os direitos assegurados pelas leis -não pode ser considerada um ato deinterferência na esfera do Poder Legislativo,consoante já proclamou, em unânime decisão,o Plenário do Supremo Tribunal Federal,qualquer que seja a natureza do órgãolegislativo cujas deliberações venham a serquestionadas em sede jurisdicional,especialmente quando houver, como no caso,alegação de desrespeito aos postulados queestruturam o sistema constitucional (...)

5 PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

Prevê a Constituição Federal em seu art. 5º,dentre outros direitos fundamentais, que:

LIV – ninguém será privado da liberdade oude seus bens sem o devido processo legal;LV- aos litigantes, em processo judicial ouadministrativo, e aos acusados em geral sãoassegurados o contraditório e ampla defesa,com os meios e recursos a ela inerentes;

Alexandre de Moraes4, comentando taisdispositivos da Carta Magna, trata da relação entre o DevidoProcesso Legal e o Princípio da Razoabilidade:

O princípio do devido processo legal possui,

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em seu aspecto material, estreita ligação coma noção de razoabilidade, pois tem porfinalidade a proteção dos direitosfundamentais contra condutas administrativase legislativas do Poder Público pautadas peloconteúdo arbitrário, irrazoável,desproporcional.....O princípio da razoabilidade pode ser definidocomo aquele que exige proporcionalidade,justiça e adequação entre os meios utilizadospelo Poder Público, no exercício de suasatividades – administrativas ou legislativas –e os fins por ela almejados, levando-se emconta critérios racionais e coerentes.

Celso Antônio Bandeira de Mello 5 trazesclarecimentos pertinentes ao princípio da razoabilidade:

Enuncia-se com este princípio que aAdministração, ao atuar no exercício dediscrição, terá de obedecer a critériosaceitáveis do ponto de vista racional, emsintonia com o senso normal de pessoasequilibradas e respeitosa das finalidades quepresidiram a outorga da competênciaexercida. Vale dizer: pretende-se colocar emclaro que não serão apenas inconvenientes,mas também ilegítimas – e, portanto,jurisdicionalmente invalidáveis - , as condutas

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desarrazoadas, bizarras, incoerentes oupraticadas com desconsideração às situaçõese circunstâncias que seriam atendidas porquem tivesse atributos normais de prudência,sensatez e disposição de acatamento àsfinalidades da lei atributiva da discriçãomanejada.

Não se imagine que a correção judicialbaseada na violação do princípio darazoabilidade invade o ‘mérito’ do atoadministrativo, isto é, o campo de ‘liberdade’conferido pela lei à Administração para decidir-se segundo uma estimativa da situação ecritérios de conveniência e oportunidade. Talnão ocorre porque a sobredita ‘liberdade’ éliberdade dentro da lei, vale dizer, segundo aspossibilidades nela comportadas. Umaprovidência desarrazoada, consoante dito, nãopode ser havida como comportada pela lei.Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nelaadmitidos.

Na jurisprudência, igualmente, é fácil encontrar-se menção ao princípio da razoabilidade no cotejo com oprincípio do devido processo legal. Neste sentido, v.g.confira-se:

Transgride o princípio do devido processo legal(CF, art. 5º, LIV) – analisado este na perspectiva de suaprojeção material (substantive due process of law) – a regra

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estatal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativaqualificada pela nota da irrazoabilidade. (….) Dentro dessaperspectiva, o postulado em questão, enquanto categoriafundamental de limitação dos excessos emanados doEstado, atua como verdadeiro parâmetro da própriaconstitucionalidade material dos atos estatais” (STF-Suspensão de segurança n.º 1.320-9/DF – Rel. Min. Celsode Mello, DJ, Seção I, 14 de abril de 1999, p. 24)

Desta forma, como anteriormente mencionado,o controle da Administração Pública passa pela análise dosprincípios, explícita ou implicitamente, previstos no textoconstitucional, especialmente pelo princípio da razoabilidadee, sendo assim, indubitavelmente o controle do atoadministrativo por parte do Judiciário não mais se encontralimitado exclusivamente ao aspecto de sua estritalegalidade.

A Juíza Federal Germana de Oliveira Moraes 7

bem sintetiza esta questão quando esclarece que:

O controle jurisdicional da AdministraçãoPública pelo Poder Judiciário não se encontramais espartilhado pelo critério necessário,porém insuficiente do controle de legalidade,transmudado que foi em controle dajuridicidade, o qual se concretiza através daanálise da compatibilidade do conteúdo dosatos administrativos com os princípios geraisdo Direito, inseridos expressamente daConstituição ou dedutíveis de seu espírito.

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6 EXTENSÃO DO CONTROLE JURISDICIONAL

Finalmente pergunta-se, qual a extensão dosefeitos do controle jurisdicional sobre o mérito do atoadministrativo? O Poder Judiciário decide qual seria aescolha aceitável ou simplesmente anula o ato administrativocujos limites do mérito foram ultrapassados?

Compreendo que o Poder Judiciário pode – edeve – se o caso, reconhecer que no exercício das atividadesadministrativas foram feridos princípios constitucionais comoo da razoabilidade e o do devido processo legal e anular oato correspondente. Todavia, sob pena de, agora sim, ofensaao princípio da separação dos Poderes, não pode substituiro “mérito” do administrador pelo seu próprio.

Desta forma, o ato administrativo pode seranulado pelo Judiciário, todavia, nova escolha do mérito deveser feita mais uma vez pela Administração, sem embargode, se o caso, outra vez olvidados princípios constitucionais,nova apreciação judicial.

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BIBLIOGRAFIA

1- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª

Edição. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 81

2- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.

13ª Edição, Malheiros: São Paulo, 2001. p.772

3- MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da

Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999. p. 107

4- MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e

legislação constitucional.São Paulo: Atlas, 2002. p.367/368

5- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 79

6- MORAES, Germana de Oliveira. Ob. cit. p. 131

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ASPECTOS RELEVANTES DO CONTROLE DECONSTITUCIONALIDADE: DIFUSO E

CONCENTRADO

Júlio César Matias LoboAdvogado

Aluno do curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e ProcessoTrabalhista da Faculdade Christus

RESUMO

O presente artigo enfoca, sob a ótica analítica edogmática, as características e os aspectos relevantes do institutode controle de constitucionalidade, das leis e atos normativosdo Poder Público, na modalidade de ação indireta e direta,destacando, outrossim, o entendimento doutrinário, bem comoa jurisprudência consolidada a cargo do Supremo TribunalFederal. A conclusão destaca as premissas seguras com o fitode diferenciar os institutos, sem prejuízo das menções a outrosdados fundamentais para escorreito conhecimento científicoacerca dos encimados institutos.

PALAVRAS-CHAVE

Controle de Constitucionalidade. Direito Difuso. Atos Normativos.Poder Público.

1 BREVES CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Constituição Federal, obra do Poder ConstituinteOriginário, norma de maior hierarquia de um sistema jurídico,constitui o fundamento de validade de todas as leis e atosnormativos. Desse modo, qualquer espécie normativa, deve, sobpena de invalidade, buscar, na Suma Lex, sua validade ética. Énela, portanto, que toda norma do poder constituinte derivadodeve buscar seu fundamento de validade, sob pena, de assim

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não o fazer, macular-se pelo vício da inconstitucionalidade, sejano vício da inconstitucionalidade formal, seja no dainconstitucionalidade material.

Tal fato é assim, tendo em vista a estrutura hierárquicado ordenamento jurídico pátrio, alcançando a Constituição ofastígio e a conseqüente supremacia em relação às demaisdisposições normativas elaboradas por agentes imediatamentesubordinados.

Apresenta também rigidez em relação às demaisespécies normativas, haja vista que seu processo de modificaçãoé mais dificultoso do que o exigido para a alteração das normasinfraconstitucionais, posto que, caso o processo de modificaçãoda Constituição fosse igual ao utilizado para as normasinfraconstitucionais, certamente estaria mitigada a suasupremacia.

De fato, o controle de constitucionalidade visa,como a própria expressão revela, fiscalizar a produção legislativa,quantos aos requisitos formais - o que representa a verificaçãoquanto à competência ratione materiae e legitimidadeprocedimental do órgão que editou o ato jurídico – e, quanto aosrequisitos materiais, – a observância da compatibilidadesubstancial da lei ou ato normativo com a Carta Política.

Assim, as leis e demais espécies normativas quenão respeitarem os requisitos formais e materiais estatuídos naCarta Magna, incorrerão no vício pernicioso dainconstitucionalidade formal e material, respectivamente, o querepresenta quebra na harmonia do ordenamento jurídico,devendo, por isso, ser de plano restaurado pelo valiosoinstrumento de controle de constitucionalidade na via incidentale direta, a seguir estudado.

2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIAINDIRETA OU INCIDENTAL

O controle de constitucionalidade por viaincidental, também conhecido incidenter tantum, por via de

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defesa ou por via de exceção, é aquele exercido por qualquerórgão do Poder Judiciário, no desempenho normal de suasatribuições, que é dizer o direito aplicável a um conflito deinteresses, posto à sua apreciação, de forma definitiva.

A verificação de compatibilidade de uma lei ouato normativo com a Constituição, naquele caso específico,não constitui matéria de mérito, mas incidente processual,que precisa ser solucionado para resolver-se a questãoprincipal, a fim de saber se a espécie normativa deconstitucionalidade duvidosa deve ou não incidir no casoconcreto suscitado. O controle é realizado apenasindiretamente, pois o objetivo principal da lide é a soluçãodo caso concreto, ou seja, a proteção do direito subjetivoviolado ou ameaçado de lesão. Ocorre, porém, que aresolução do caso concreto depende, sob o ponto de vistalógico, da apreciação acerca da constitucionalidade ou nãoda lei ensejadora da demanda.

Sendo assim, a questão prejudicial pode seralegada pelo autor da ação, ou terceiros, legítimosintervenientes; assim como o Ministério Público, quandoparte ou quando oficie como custos legis, como tambémpelo juiz ou tribunal , de ofício, quando da omissão das partes,haja vista que as nulidades devem ser pronunciadas pelojuiz, quando conhecidas ou as encontrar provadas, não lhesendo permitido supri-las, ainda que a requerimento dapartes (CC/2002, art. 168, parágrafo único).

Isto é assim porquanto a inconstitucionalidade évício insanável, ofensor de normas de ordem pública e, deconseqüência, qualquer lei contrária à Constituição é nula,e não anulável. Daí a nossa advertência de que o juiz podereconhecer a inconstitucionalidade da lei.

Contudo, à falta de prequestionamento nasinstâncias ordinárias, do vício de inconstitucionalidade, nestamodalidade (via indireta), obsta a declaração, de ofício, emsede de recurso extraordinário, junto ao Supremo Tribunal

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Federal, da declaração de inconstitucionalidade. Esse é oentendimento jurisprudencial dominante, como se podeobservar:

EMENTA: Falta de prequestionamento(súmulas 282 e 356) da questãoconstitucional relativa ao direitoadquirido no que diz respeito àredução do percentual da inflaçãoaplicável ao caso. Recursosextraordinários não conhecidos.2

O encimado entendimento jurisprudencial seguea regra geral consolidada nas Súmulas 282 e 356, doSupremo Tribunal Federal, pelas quais não se admiterecurso extraordinário quando falte prequestionamento damatéria constitucional invocada.

Desse modo, segundo a jurisprudência do STF,o prequestionamento para o Recurso Extraordinário nãoreclama que o preceito constitucional invocado pelorecorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão,mas é necessário que este tenha versado inequivocamentea matéria objeto da norma que nele se contenha.

Em virtude do princípio da presunção daconstitucionalidade das leis, somente pelo voto da maioriaabsoluta de seus membros ou dos membros do respectivoórgão especial poderão os tribunais declarar ainconstitucionalidade de lei ou ato normativo do PoderPúblico. Esta norma consubstancia-se no princípio dareserva do plenário.3 Evidente que tal exigência só fazsentido no órgão colegiado.

2 (STF, RE nº 144093, 1A T., Rel. Min. Moreira Alves, DJ 05/09/1997).3 VADE MECUM. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, Art. 97 transcrito da CFB,

p. 37

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Assim, caso a inconstitucionalidade sejadeclarada por um juiz singular, em sede de controleincidental, e a parte sucumbente recorra, o Tribunalcompetente só poderá declarar a inconstitucionalidade daquestionada lei, por maioria absoluta dos seus membros.4

Vê-se, portanto, que o Juiz singular tem mais liberdade paradeclarar a inconstitucionalidade de uma lei no caso concreto,do que os Tribunais superiores. Os órgãos fracionáriossomente poderão declarar a inconstitucionalidade, viaindireta, por meio de recurso.

Quanto à eficácia da decisão que declaraincidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei ou atonormativo, é importante frisar que seus efeitos se produzemapenas no caso concreto e inter partes, não prejudicandonem beneficiando terceiros.5

É dizer, não produz efeitos erga omnes. Mesmoque o STF profira decisão definitiva, por meio de recursoextraordinário, só produzirá efeitos entre as partes litigantes,e com efeitos retroativos, ex tunc, portanto, fulminando denulidade toda relação jurídica que teve como suportejurídicos a norma declarada inconstitucional.

Com efeito, ensina Valmir Pontes Filho “asuspensão da executoriedade da lei, por resoluçãosenatorial, tem o efeito indireto de elastecer os efeitos dadecisão declaratória de inconstitucionalidade, que até aqueleinstante diziam respeito apenas ao caso sub judice e entreas partes litigantes”6 .

Doutrina e jurisprudência são unânimes emafirmar que, somente no controle de inconstitucionalidadepor via indireta é que cabe ao Senado Federal suspender a

4 Ibidem.5 (CPC, art. 472).6 Pontes Filho, Valmir. Curso Fundamental de Direito Constitucional.

São Paulo: Dialética, 2001, p. 110, verbis.

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execução, no todo ou em parte, de lei declaradainconstitucional por decisão definitiva do Supremo TribunalFederal.

Em face de tal situação, pergunta-se: Qual opapel do Senado federal, quando o STF declaraincidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei ou atonormativo do Poder Público?

É uníssono o entendimento de que a atuação doSenado é discricionária. Nesse caso, poderá ou nãosuspender a execução, no todo ou parte, de lei declaradaincidentalmente por definição definitiva do STF.

Ousa-se discordar desse entendimento. Sendoo Senado Federal detentor de legitimidade ativa universalpara iniciar a fiscalização de constitucionalidade das leis eatos normativos, visando a defender a Constituição, admitir-se que possa exercer juízo político sobre a retirada ou não dalei declarada incidentalmente inconstitucional é, na verdade,permitir a existência de vício insanável na ordem jurídica, oque não parece razoável, ao menos do ponto de vista da ciênciado direito.

Caso o Senado Federal, via Resolução Senatorial,suspenda o ato normativo, tal decisão produzirá efeitos ex tuncou ex nunc?

Para Valmir Pontes Filho, “tal decisão não temefeitos retroativos, valendo só ex nunc”7 .

Entendimento diverso é o de Luís Roberto Barroso“embora a matéria ainda suscite ampla controvérsia doutrinária,afigura-se fundada em melhor lógica e em melhoresargumentos a atribuição de efeitos ex tunc à suspensão do atonormativo pelo Senado”.8

7 Ibid., p. 1118 Barroso, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito

Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise da doutrina e análise

crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 86, verbis.

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Por fim, ensina o professor: “por dicção legal, nemos fundamentos da decisão nem a questão prejudicial integramos limites objetivos da coisa julgada, de modo que não há falarem autoritas rei iudicata em relação à questão constitucional”.9

Data venia, entende-se por razões de segurança oude excepcional interesse social que a decisão deve produzirefeitos ex tunc, pois, ter-se que a decisão produza efeitos exnunc, é aceitar a tese de que uma lei ordinária, obra do PoderConstituinte Derivado, essencialmente limitado, suspendeu,ainda que temporariamente, a Constituição, obra do PoderConstituinte Originário, por natureza ilimitado.

3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA DEAÇÃO DIRETA

O controle de constitucionalidade por via principalou por ação direta objetiva a declaração de inconstitucionalidadeda lei em tese, posto que não há caso concreto a ser solucionadopelo órgão julgador. O controle, nesta modalidade, objetivagarantir à supremacia da Constituição Federal, que é a normade maior hierarquia do sistema jurídico.

Visa, portanto, ao contrário, do que ocorre com ocontrole incidental, a proteção da própria ordem jurídica, turbadapela presença de um vício irremediável. Ou no dizer de LuísRoberto Barroso: “Trata-se de um processo objetivo, sem partes,que não se presta à tutela de direito subjetivos, de situaçõesjurídicas individuais”. 10

Neste modo de controle judicial, o objeto principalda lide é a invalidação ou não da lei ou ato normativo, emtese. Isto é, a decisão presta-se a declarar a validade ou nãodo ato impugnado in abstrato.

Ao declarar a invalidade do ato posto à sua

9 Ibid.10 Ibid., p. 114.

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apreciação, assegura a jurisprudência do STF, o Tribunal sópoderá atuar como legislador negativo, não como legisladorpositivo.

Assim, a atuação do órgão julgador limita-se aparalisar a eficácia da norma declarada inconstitucional, ouseja, expulsar a norma do ordenamento positivo, não podendoinovar na ordem jurídica, criando direito e obrigações atéentão inexistentes.

4 DOS LEGITIMADOS PARA DEFLAGRAR O CONTROLEDE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA DE AÇÃO DIRETA

Os legitimados para deflagrar o controle deconstitucionalidade por via de ação direta junto ao SupremoTribunal Federal estão arrolados na Constituição FederalBrasileira do seguinte modo:

I – o Presidente da República;II – a Mesa do Senado Federal;III – a Mesa da Câmara dos Deputados;IV – a Mesa da Assembléia Legislativa;V – o Governador de Estado;VI – o Procurador-geral da República;VII – o Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil;VIII – Partido Político com representaçãono Congresso Nacional;IX – Confederação Sindical ou entidadede classe de âmbito nacional.11

Com a Constituição de 1988, o rol dos legitimadosativos para a propositura da ação direta deinconstitucionalidade sofreu substancial ampliação, pois até

11 Art. 103 da CF/88

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então a deflagração do controle abstrato e concentrado deconstitucionalidade era função privativa do Procurador-Geralda República.

A legitimação passiva, por sua vez, será exercidapelos órgãos ou autoridades responsáveis pela elaboraçãoda lei impugnada.

Apesar da ampliação significativa doslegitimados ativos para proporem a prefalada ação, ajurisprudência do Supremo Tribunal Federal fixouentendimento distinguindo os legitimados universais eespeciais. Aqueles, dado a função institucional que ocupamna ordem jurídica nacional, têm mais liberdade napreservação da Constituição. Estes ao contrário, precisamprovar relação de pertinência temática com a lei ou o atonormativo que pretendem invalidar.

Com isso, o STF restringe sua atuação àsquestões que diretamente afetem esfera jurídica sua ou deseus filiados.

Assim, são legitimados ativos universais: oPresidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara,o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal daOrdem dos Advogados do Brasil e partido político comrepresentação no Congresso Nacional.

São legitimados ativos especiais: o Governadorde Estado, a Mesa de Assembléia Legislativa, confederaçãosindical ou entidade de âmbito nacional.

Questão polêmica na jurisprudência e doutrina éa de saber qual a natureza jurídica da decisão que declara ainconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal tendocom paradigma a Constituição Federal, na modalidade decontrole por via principal.

O controle por via indireta ou incidenter partes,como se viu, é aquele exercido no caso concreto e porqualquer órgão jurisdicional como questão prejudicial demérito. Os efeitos da decisão se produzem apenas inter

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partes. Eventual pronunciamento do STF sobre a questãoprejudicial, não terá o condão de produzir efeitos erga omnes.Tal efeito só é alcançado por meio da Resolução Senatorial,com efeitos ex nunc.12

Diferentemente, se dá no controle por via diretajunto ao STF. Nessa modalidade, a decisão produzirá efeitoserga omnes, independentemente de manifestação doSenado Federal. Mas, os efeitos são ex tunc ou ex nunc?.

Encontram-se veneráveis posições dos doislados. Boa parte da doutrina e da jurisprudência entendeque a decisão deveria retroagir, fulminando de nulidade todosos atos praticados sob o império da lei declaradainconstitucional. A decisão, portanto, limitar-se-ia a declararalgo já existente, qual seja, o vício de nulidade coeso com aelaboração da lei. Teria, assim, natureza meramentedeclaratória, com efeitos, por conseguinte ex tunc. Outros,ao revés, entendem que os efeitos da decisão são para ofuturo. O que ficou regulado na vigência da lei declaradainconstitucional deve ser preservado, em nome do princípioda segurança das relações jurídicas. Desse modo, asentença teria natureza des/constitutiva, com efeitos ex tunc.

Data venia, parece insustentável a posiçãodaqueles que admitem sentença desconstitutiva, com efeitosex nunc. Luís Roberto Barroso ensina que “ainconstitucionalidade, portanto, constitui vício no plano davalidade. Reconhecida a invalidade, tal fato se projeta parao plano seguinte, que é o da eficácia: norma inconstitucionalnão deve ser aplicada”13 .

Assim, norma inconstitucional não deve seraplicada, pois se assim o proceder se estaria admitindo quea lei inconstitucional produziu algum efeito em detrimento

12 PONTES FILHO, Valmir. Op. Cit. P. 111.13 BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit. P. 14.

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da Constituição, o que é inadmissível. Daí a censura nosentido de que a natureza da decisão que declara ainconstitucionalidade de uma lei é meramente declaratória,e não constitutiva, com efeitos retroativos.

Não é só. Se a lei inconstitucional se situa noplano da validade poderemos, em tese, ter um vício de menorou maior gravidade. É dizer, dependendo da gravidade dovício, poderia ser o ato nulo ou anulável. Se nulo, a naturezajurídica da sentença seria meramente declaratória, efeitosex tunc. Se anulável, desconstitutiva, ex nunc. O vício seráde somenos importância quando ofender interessesparticulares, ou seja, quando violar normas dispositivas. Serávício de maior gravidade quando ofender interesse social e,portanto, violar normas de ordem pública.

Mas, acentua Valmir Pontes Filho, citando ZenoVeloso:

Em nosso direito e doutrina civilística,temos graus de invalidade: a nulidadee anulabilidade. Mas o Direito PúblicoBrasileiro - ao contrário do português- não conhece graus deinconstitucionalidade. A única sanção,entre nós, para a inconstitucionalidade,é a nulidade. E as leis nulas, assim,como atos nulos, não prescrevemjamais.14

Assim, se a única sanção imposta ao atoinconstitucional é a nulidade, a decisão que assim o fizer,terá natureza meramente declaratória, limitando, portanto, adeclarar vício insanável congênere com a elaboração da lei.

Em verdade, por imperativo de ordem lógica e

14 PONTES FILHO, Valmir, Op. Cit. P. 114.

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científica, a decisão que declara a inconstitucionalidade deuma lei ou ato normativo, terá natureza declaratória e efeitosex tunc.

Por isso que foi adotada no Brasil a teoria danulidade, embora com ressalvas, como se verá.

Contudo, a Lei n° 9.868, de 10 de novembro de1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da açãodireta de inconstitucionalidade e da ação declaratória deconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal,trata, expressamente de mitigar os efeitos temporais dadecisão que declara a inconstitucionalidade de lei ou atonormativo. Assim dispõe:

Art. 27. Ao declarar ainconstitucionalidade de lei ou atonormativo, e tendo em vista razões desegurança jurídica ou de excepcionalinteresse social, poderá o SupremoTribunal Federal, por maioria de doisterços de seus membros, restringir osefeitos daquela declaração ou decidirque ela só tenha eficácia a partir de seutrânsito em julgado ou de outro momentoque venha a ser fixado.

Vê-se, portanto, por imperativo de Justiça esegurança, em situação excepcional em que a declaraçãode nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultariagrave ameaça a todo o sistema legislativo vigente, éfacultado ao STF abrandar a regra absoluta da teoria nanulidade adotada pelo Brasil. O que é, de planocompreensível, tendo em vista as injustiças que poderiamser perpetradas face aos cidadãos que atuaram, de boa fé,sob a égide de uma lei inconstitucional.

Frise-se, igualmente, que o citado dispositivo tem

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sua aplicação restrita ao controle concentrado deconstitucionalidade. Este é o entendimento do SupremoTribunal Federal. Veja-se, por exemplo, a seguintejurisprudência:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EMAGRAVO DE INSTRUMENTO. IPTU.PROGRESSIVIDADE. COBRANÇA.IMPOSSIBILIDADE. EFEITOS DADECLARAÇÃO DEI N C O N S T I T U C I O N A L I D A D E .CONTROLE DIFUSO. 1. O artigo 67 daLei n. 691/84, do Município do Rio deJaneiro, não foi recepcionado pelaConstituição do Brasil, eis queestabeleceu a progressividade do IPTUem função da área e da localização dosimóveis, circunstâncias ligadas àcapacidade contributiva. Precedentes. 2.Efeitos da Declaração deInconstitucionalidade no controle difuso.A aplicação do artigo 27 da Lei n. 9.868/99 apenas se impõe no controleconcentrado de constitucionalidade.Agravo regimental a que se negaprovimento.15

Por outro, a Constituição Federal16 e a Leisupracitada no seu artigo 11, § 1°, autorizam o STF aconceder medida cautelar dotada de eficácia contra todos,com efeitos ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva

15 (STF, AgR. nº 440881, 1ª T., Rel. Min. Eros Grau, DJ, 05/08/2005).16 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação

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conceder-lhe eficácia retroativa. Prevê, ainda, o parágrafo2°, que, a concessão da medida cautelar torna aplicável alegislação anterior, acaso existente, salvo expressamanifestação em sentido contrário.

Proposta a ação não se admitirá desistência, nemintervenção de terceiros (art. 5° e 7°, da referida Lei).

Por último, prevê o art. 26, da mesma Lei, que adecisão que declara a inconstitucionalidade da lei ou atonormativo em ação direta é irrecorrível, ressalvado ainterposição de embargos, não podendo, igualmente, serobjeto de ação rescisória.

É de irremedável utilidade este artigo, pois nãofaz sentido movimentar o Guardião da Constituição para sepronunciar sobre algo que já se sabe qual será seupronunciamento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode se concluir, quanto ao controle por viaincidental, que este pode ser indireto ou incidenter partes,também denominado de sistema americano, o qual é exercidoà luz de um caso concreto. A fiscalização deconstitucionalidade, neste sistema, não é o objeto principalda lide, mas mera questão processual que precisa serresolvida como pressuposto lógico e necessário para odeslinde da questão principal.

Visa-se, portanto, tutelar o direito individualsubjetivo ameaçado ou violado pela lei inconstitucional. Daía denominação de fiscalização no caso concreto, pois sedeclara a inconstitucionalidade no caso posto à apreciaçãodo Poder Judiciário, para que ela não incida naquele casoespecífico.

A sentença que declara a inconstitucionalidadeda lei ou ato normativo produz efeitos apenas no casoconcreto e entre as partes litigantes, mas com efeitos ex tunc.

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Mesmo que a decisão definitiva seja proferidapelo STF, em grau de recurso, na mesma ação judicial, nãoterá efeitos erga omnes.

Somente à Resolução do Senado Federal cabeelastecer os efeitos da decisão do STF. Contudo só aoSenado Federal compete suspender a execução da leideclarada inconstitucional (CF/88, art. 52, inciso X), quandoa decisão definitiva do STF for proferida, incidentalmente, e,portanto no controle indireto, em grau de recurso.

A atuação do Senado Federal, no controleindireto, não é vinculante, mas discricionário. Suspenderáou não, de acordo com seu juízo de conveniência eoportunidade, a lei declara inconstitucional pelo STF.

Em relação ao controle por via de ação direta, seentende que o controle por via principal, inspirado nomodelo europeu, é aquele exercido em tese, in abstrato, forade um caso concreto. Não se presta à tutela dos direitossubjetivos, mas a preservação e harmonia do sistemajurídico.

A decisão que declara a inconstitucionalidade delei ou ato normativo produz efeitos erga omnes e ex tunc. Édizer, a decisão tem natureza meramente declaratória, postoque reconhece vício insanável congênere com a elaboraçãoda lei.

Contudo, apesar do Brasil adotar a teoria danulidade, tendo em vista razões de segurança jurídica ou deexcepcional interesse social, poderá o STF, por maioria dedois terços de seus membros, restringir os efeitos daqueladecisão ao decidir que ela só tenha eficácia a partir de seutrânsito em julgado ou de outro momento que venha a serfixado, em respeito aos princípios da Justiça e segurança quenorteiam o ordenamento jurídico pátrio.

Observou-se também que, no controle por viade ação direta, exercido junto ao Guardião da Constituição, adecisão tem, por si só, o efeito de expulsar do ordenamento

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jurídico, a norma declarada inconstitucional, sem aparticipação do Senado Federal,

Assim, a decisão no controle por via principalproduz, em regra, efeitos retroativos (ex tunc), gerais (ergaomnes), repristinatórios e vinculantes.

Desse modo, a restrição contida no citadodispositivo legal da Lei 9. 868/99, segundo a jurisprudênciadominante do Supremo Tribunal Federal, fica restrita à açãodireta de inconstitucionalidade.

Ainda se pode afirmar que, somente os atosnormativos emanados do Poder Público Federal ou Estadualsão impugnáveis mediante ação direta deinconstitucionalidade junto o STF, tendo como paradigma aConstituição Federal.

É importante destacar que o controle deconstitucionalidade por via indireta não se confunde com ocontrole difuso, muito menos o controle de constitucionalidadepor via direta com o controle concentrado.

Quanto ao controle indireto e direto já foidemasiadamente debatido, o que torna desnecessário tecermais comentários.

No controle difuso, a fiscalização deconstitucionalidade é exercida por qualquer órgão do PoderJudiciário. Desde o Juiz singular até o Ministro do SupremoTribunal Federal. Daí a expressão “difuso”.

Já no concentrado, o controle é exercidosomente pelo STF, por meio da ação Direta deInconstitucionalidade, de lei ou ato normativo federal ouestadual, tendo como base a Constituição.

Por isso, alerta Luís Roberto Barroso:

O controle por via principal é associadoao controle concentrado e, no Brasil, teránormalmente caráter abstrato, consistindoem um pronunciamento em tese. Contudo,

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assim, como controle incidental e difusonão são sinônimos, tampouco seconfundem a fiscalização principal econcentrada. É certo que, como regra, háno direito brasileiro coincidência entreambas, mas tal circunstância não éuniversal.

Exceção à regra no controle concentrado deconstitucionalidade, é a ação direta interventiva junto ao STF,em que a fiscalização não é em tese, mas exercida no casoconcreto.

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REFERÊNCIAS

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___________. Constituição do Brasil Interpretada e LegislaçãoConstitucional. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

PONTES FILHO, Valmir. Curso Fundamental de Direito Constitucional.São Paulo: Dialética, 2001.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003.

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TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 18ª ed .SãoPaulo: Malheiros, 2002.

VADE MECUM. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 37

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