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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

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6ª Edição

Agosto

TIPICIDADE DO PORTE DE DROGAS PARA USO PESSOAL

Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

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Tipicidade do porte de drogas para

uso pessoal

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1. APRESENTAÇÃO 6

2. CASOS DE CORTES NACIONAIS 7

ÁFRICA DO SUL

CCT 108/17

O direito à privacidade autoriza o adulto a usar, cultivar ou possuir maconha em local privado e para

consumo pessoal. 7

CCT 7/96

É inconstitucional o dispositivo legal que prevê que uma pessoa portando qualquer quantidade de

substância ilegal que produza dependência comete crime de tráfico de drogas, por violar o direito ao

silêncio e o princípio da presunção de inocência. 8

ALEMANHA

2 BVL 43/92; 2 BVL 51/92; 2 BVL 63/92; 2 BVL 64/92; 2 BVL 70/92; 2 BVL 80/92; 2 BVL 2031/92; 1369/90

O princípio da proporcionalidade em sentido estrito exige, como regra geral, que as autoridades

responsáveis pela aplicação da Lei de Substâncias Intoxicantes abstenham-se de instaurar a persecução

penal no caso de conduta meramente preparatória ao consumo pessoal de pequena quantidade de

cannabis e que não ofereça risco a terceiros. 9

ARGENTINA

CASO SEBÁSTIAN ARRIOLA Y OTROS. RECURSO DE HECHO. CAUSA Nº 9.080

É inconstitucional dispositivo legal que reprime a posse de drogas para consumo próprio com pena de

prisão. Ao incriminar conduta que não implica perigo ou dano específico aos direitos ou à propriedade

de terceiros, o dispositivo viola os direitos constitucionais à privacidade e à liberdade pessoal. 12

BÉLGICA

ARRÊT 158/2004

A lei que determina que nenhum boletim de ocorrência policial deve ser elaborado em casos de posse

de cannabis para consumo próprio por pessoa maior de idade compreende conceitos tão vagos e

imprecisos que é impossível determinar o seu alcance. 13

BRASIL

HC 142987

A importação de quantidade ínfima de sementes da planta cannabis sativa, as quais, ante a ausência de

substância psicoativa (THC), não podem, por si sós, produzir droga ilícita, não se amoldam ao crime de

tráfico de drogas ou de contrabando. 15

Sumário

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HC 144161

É plausível a alegação de que importar pequena quantidade de substância ilícita, em tese, amolda-se ao

porte de droga para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006) e não ao crime de tráfico

internacional de drogas. 17

RE 635659 RG

Há repercussão geral na questão quanto a tipicidade do porte de drogas para consumo pessoal. 18

ADI 4274

É dada interpretação conforme a Constituição ao §2º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, restando excluída

qualquer interpretação que enseje a proibição de manifestações e debates públicos acerca da

descriminalização ou da legalização do uso de drogas ou de qualquer substância que leve o ser humano

ao entorpecimento episódico, ou viciado, das suas faculdades psicofísicas. 18

CANADÁ

R. V. SMITH – CASE 36059

A exigência do consumo de maconha medicinal apenas na forma seca infringe os direitos constitucionais

à vida, à liberdade e à segurança. 20

COLÔMBIA

SENTENCIA SP- 2940-2016 (RADICACIÓN 41760)

O porte de droga em quantidade superior à dose mínima fixada em lei, exclusivamente para uso pessoal

e decorrente de doença ou vício do usuário, é conduta atípica e, portanto, não configura crime, o que

não justifica um armazenamento ilimitado de substâncias ilícitas. 21

SENTENCIA C-491/12

É tolerado o porte de drogas destinado ao consumo pessoal, sendo puníveis comportamentos que

consistam em "vender, oferecer, financiar e fornecer" substâncias narcóticas, psicotrópicas ou drogas

sintéticas, em qualquer quantidade. 22

SENTENCIA C-221/94

O uso pessoal de drogas não é considerado conduta criminosa, pois se limita à esfera individual do

consumidor. 23

GEÓRGIA

CASE 1/5/592 - CITIZEN OF GEORGIA BEKA TSIKARISHVILI V. THE PARLIAMENT OF GEORGIA

É inconstitucional dispositivo legal que prevê pena de prisão àquele que adquirir até 70 gramas de folhas

secas de cannabis, por se tratar de medida desproporcional e que não contribui efetivamente para a

proteção da saúde e segurança dos indivíduos. 25

HUNGRIA

DECISION 54/2004

Permitir o consumo pessoal de entorpecentes elimina o direito do indivíduo à livre autodeterminação,

uma vez que essa prática compromete a tomada de decisão livre, informada e responsável, trazendo

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sérias consequências para a sociedade e segurança pública, além de prejudicar a obrigação do Estado

de proteção ao direito à saúde. 26

MÉXICO

AMPARO EN REVISIÓN 1115/2017

É autorizado o uso pessoal e recreativo de maconha, bem como a prática de atos gerais ligados ao

autoconsumo. Excluem-se dessa autorização quaisquer atos de comércio, bem como o consumo de

outros entorpecentes e psicotrópicos. 28

PORTUGAL

ACÓRDÃO 587/14

Não viola o princípio da legalidade criminal a interpretação segundo a qual são puníveis como crime de

consumo as situações de posse ou aquisição de droga em quantidade superior ao consumo médio

individual para dez dias. 29

SEICHELES

CASE 8/2001 - PHILIP AMUKHOBE IMBUMI V. THE REPUBLIC

Não viola o princípio da presunção de inocência a suposição de que aquele que é encontrado portando

quantidade de drogas superior ao limite legal tem o intuito de traficá-la. 31

3. REFERÊNCIAS 32

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1. APRESENTAÇÃO

O Boletim de Jurisprudência Internacional tem como objetivo levantar e sistematizar, para fins de

comparação, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), de altas Cortes nacionais e órgãos internacionais

sobre um tema específico.

O Boletim é resultado de pesquisa em bases de dados, bases de jurisprudência e publicações, nacionais

e internacionais, com conteúdo em português, inglês ou espanhol. Todas as decisões recuperadas foram

inseridas no boletim e não refletem, necessariamente, a posição do STF. As informações incluídas em cada

resumo resultam da análise de decisões e documentos, em geral, em idioma estrangeiro, de modo que a

fidelidade às fontes poderá ser aferida no original. Ressalta-se, contudo, que não formam um resumo de

todo o julgamento, mas a seleção, tradução e adaptação dos trechos para fins de comparação do objeto de

estudo em análise.

A 6ª edição refere-se ao Tema 506 da repercussão geral “tipicidade do porte de drogas para uso

pessoal”, reconhecida no RE 635.659 RG, rel. min. Gilmar Mendes. A controvérsia constitucional cinge-se em

determinar se o artigo 5º, X, da Constituição Federal autoriza o legislador infraconstitucional a tipificar

penalmente o uso de drogas para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006).

Os principais termos de busca utilizados foram: porte de drogas, entorpecentes, consumo pessoal, uso

próprio, cannabis, descriminalização, estupefaciente, tenencia de drogas, consumo personal, legalización del

consumo de sustancias psicoactivas, personal use, legalization, possession of drugs, consumption and

acquisition of narcotics.

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Sumário 7

2. CASOS DE CORTES NACIONAIS

África do Sul

CCT 108/17 - Minister of Justice and Constitutional Development and Others v Prince (Clarke and Others

Intervening); National Director of Public Prosecutions and Others v. Rubin; National Director of Public

Prosecutions and Others v Acton

O direito à privacidade autoriza o adulto a usar, cultivar ou possuir maconha em local privado e para

consumo pessoal.

Julgado em 18-09-2018

I. Três petições foram apresentadas à Suprema Corte sob a premissa de que certos dispositivos da Lei

de Drogas e Narcotráfico nº 140 de 1992 (Drugs and Drug Trafficking Act 140 of 1992) e da Lei de Controle

de Medicamentos e Substâncias Relacionadas nº 101 de 1965 (Medicines and Related Substances Control Act

101 of 1965) eram inconstitucionais. Os requerentes impugnaram os seguintes artigos:

- 4(b)1 da Lei de Drogas, que proíbe o uso ou a posse de qualquer substância perigosa ou ilegal que

produza dependência, salvo exceções previstas em lei;

- 5 (b)2 da Lei de Drogas, que proíbe o comércio de qualquer substância perigosa ou ilegal que produza

dependência, salvo exceções previstas em lei;

- 22A(9)(a)(i)3 e 22A(10)4 da Lei sobre Medicamentos, que proíbem a aquisição, utilização, posse, fabrico

ou fornecimento de cannabis, bem como a venda ou administração dessa substância para fim diverso do

medicinal.

O Supremo Tribunal reconheceu que os referidos dispositivos eram inconsistentes com o direito

constitucional à privacidade, mas somente na medida em que proíbem uma pessoa adulta de manter e usar

1 4. Use and possession of drugs.-No person shall use or have in his possession- (…) b) any dangerous dependence-producing substance or any undesirable

dependence-producing substance;

2 5. Dealing in drugs.-No person shall deal in- (…) (b) any dangerous dependence-producing substance or any undesirable dependence-producing substance,

unless - (i) he has acquired or bought any such substance for medicinal purposes;

3 22A. Control of medicines and Scheduled substances. (…) (9) (a) No person shall- (i) acquire, use, possess, manufacture, or supply any Schedule 7 or

Schedule 8 substance, or manufacture any specified Schedule 5 or Schedule 6 substance unless he or she has been issued with a permit by the Director

General for such acquisition, use, possession, manufacture, or supply: Provided that the Director-General may, subject to such conditions as he or she may

determine, acquire or authorise the use of any Schedule 7 or Schedule 8 substance in order to provide a medical practitioner, analyst, researcher or veterinarian

therewith on the prescribed conditions for the treatment or prevention of a medical condition in a particular patient, or for the purposes of education, analysis

or research;

4 22A. Control of medicines and Scheduled substances. (…) (10) Notwithstanding anything to the contrary contained in this section, no person shall sell

or administer any Scheduled substance or medicine for other than medicinal purposes: Provided that the Minister may, subject to the conditions or

requirements stated in such authority, authorise the administration outside any hospital of any Scheduled substance or medicine for the satisfaction or relief

of a habit or craving to the person referred to in such authority.

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Sumário 8

cannabis, em residência ou habitação privada, para seu próprio consumo. Essa decisão foi encaminhada à

Corte Constitucional para confirmação.

II. O Tribunal Constitucional da África do Sul, por unanimidade, asseverou que o direito à privacidade

autoriza o adulto a usar, cultivar ou possuir maconha de forma privada e para consumo pessoal, ressaltando

que tal direito se estende para além dos limites de casa ou habitação. No julgamento, a Corte levou em

consideração, além do direito à privacidade, preocupações com a saúde e o atual entendimento sobre essa

matéria em outras partes do mundo.

Apontou-se que não foram encontradas evidências médicas convincentes de que a cannabis em

pequenas quantidades seja prejudicial aos usuários, particularmente em comparação com os danos

resultantes do álcool. Também não foi comprovado que o uso de maconha cause comportamento violento

ou agressivo ou que leve ao consumo de drogas mais potentes ou perigosas. Observou-se, ainda, que muitos

países democráticos descriminalizaram ou legalizaram o consumo pessoal de pequenas quantidades de

maconha.

Tendo em vista que o Estado não conseguiu provar que a limitação à privacidade era razoável e

justificável, as disposições legais que puniam o uso pessoal e privado de cannabis por adultos foram

declaradas inconstitucionais. Esse pedido foi suspenso por 24 meses, permitindo que o Parlamento corrigisse

os defeitos constitucionais. Nesse ínterim, o Tribunal determinou que adultos que consumissem, possuíssem

ou cultivassem maconha para uso próprio não seriam considerados culpados de infringir essas disposições.

No entanto, o consumo ou posse de cannabis por uma criança em qualquer lugar, ou por um adulto em local

público, não é descriminalizado. [Resumo oficial]

CCT 7/96 - Die Staat v. Julies

É inconstitucional o dispositivo legal que prevê que uma pessoa portando qualquer quantidade de

substância ilegal que produza dependência comete crime de tráfico de drogas, por violar o direito ao

silêncio e o princípio da presunção de inocência.

Julgado em 11-06-1996

I. A questão envolvia a impugnação do artigo 21 (1)(a)(iii)5 da Lei de Drogas e Tráfico de Drogas de 1992.

O dispositivo criava a presunção de que uma pessoa encontrada portando qualquer quantidade de substancia

capaz de causar dependência seria traficante.

II. O Tribunal Constitucional da África do Sul declarou a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado.

Mantendo a jurisprudência firmada no caso Estado v. Bhulwana e Estado v. Gwadiso, a Corte asseverou que

essa disposição viola o direito pessoal do acusado ao silêncio e o princípio da presunção de inocência.

5 21. Presumptions relating to dealing in drugs. (1) If in the prosecution of any person for an offence referred to (a) in section 13 ( f) it is proved that the

accused- (…) (iii) was found in possession of any undesirable dependence-producing substance, other than dagga, it shall be presumed, until the contrary is

proved, that the accused dealt in such dagga or substance;

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Sumário 9

Asseverou-se que seria inconcebível que a mera posse fosse considerada indicativo suficiente de alguma

intenção particular de comércio, real ou pretendido, ao invés de uso pessoal do portador. Na ausência de

conexão racional, o Tribunal constatou que, independentemente de quaisquer considerações políticas, a

presunção de crime é inconsistente com o artigo 33(1)6 da Constituição Provisória da República da África do

Sul n. º 200 de 1993. [Resumo oficial]

Alemanha

2 BvL 43/92; 2 BvL 51/92; 2 BvL 63/92; 2 BvL 64/92; 2 BvL 70/92; 2 BvL 80/92; 2 BvL 2031/92; 1369/90

O princípio da proporcionalidade em sentido estrito exige, como regra geral, que as autoridades

responsáveis pela aplicação da Lei de Substâncias Intoxicantes abstenham-se de instaurar a persecução

penal no caso de conduta meramente preparatória ao consumo pessoal de pequena quantidade de

cannabis e que não ofereça risco a terceiros.

Julgado em 09-03-1994

I. Na Alemanha, o uso de drogas é regulado por lei. Na década de 90, questionou-se se as disposições

penais da Lei de Narcóticos (Betäubungsmittelgesetz – BtMG, de 28 de julho de 1981) eram compatíveis com

a Lei Fundamental, na medida em que puniam várias formas de uso ilícito de produtos derivados de cannabis.

A referida lei, que foi alterada diversas vezes, subordinava o tráfico de narcóticos a um abrangente controle

estatal. Em princípio, qualquer manipulação de entorpecentes requeria permissão oficial e era proibida sem

ela. A autorização oficial para fins científicos ou outros fins de interesse público, juntamente com as isenções

legais dela decorrentes, distinguiam o manuseio legal e o tráfico ilegal de narcóticos.

Dentre as substâncias consideradas não transacionáveis, previstas no Anexo I da referida lei, constavam

as plantas de cannabis (maconha) e partes vegetais das plantas pertencentes ao gênero cannabis; resina de

cannabis; e Tetrahidrocanabinol- THC (agente ativo contido na maconha e no haxixe). Excetuavam-se dessa

lista as sementes de cannabis; as plantas utilizadas como faixas de proteção na produção de beterrabas e

destruídas antes da floração; e aquelas destinadas à extração ou processamento de fibras para fins

comerciais.

No julgamento do processo paradigma 2 BVL 43/92, a ré foi condenada a dois meses de prisão pois, ao

abraçar seu marido, que estava sob custódia na prisão de Lübeck, entregou-lhe uma carta contendo 1,12

gramas de haxixe. O Tribunal Distrital de Lübeck, ao analisar o recurso, afastou a punição sob o fundamento

de que as disposições penais da Lei de Narcóticos eram inconstitucionais.

6 Limitation 33. (1) The rights entrenched in this Chapter may be limited by law of general application, provided that such limitation- (a) shall be permissible only to the extent that it is- (i) reasonable; and (ii) justifiable in an open and democratic society based on freedom and equality; and (b) shall not negate the essential content of the right in question, and provided further that any limitation to- (…).

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Sumário 10

Considerou-se que a inclusão de produtos de cannabis no texto legal violava o princípio da igualdade, visto

que o álcool e a nicotina - substâncias muito presentes em toda a sociedade e, conforme literatura

especializada, mais perigosas do que produtos de maconha– não foram listados.

Alertou-se que o consumo excessivo de álcool pode causar sérios danos físicos e psicológicos aos

indivíduos e consideráveis prejuízos para a sociedade, sendo um produto que acarreta forte impacto social.

Afirmou-se ainda, que o dano causado aos pulmões por fumar produtos de tabaco é superior ao causado

pelo fumo de maconha.

Em contraste, apontou-se que não há prova de que o uso de cannabis cause danos físicos significativos

ou produza dependência física, tampouco há evidências de degradação das funções cerebrais e da

inteligência por meio do uso crônico de maconha, não havendo registro de uma dose letal de cannabis.

Alegou-se que a chamada "síndrome amotivacional" não é uma consequência específica do uso dessa

substância e que não há comprovação de que a maconha seja porta de entrada para drogas mais pesadas.

Embora exista a possibilidade de que o uso do narcótico leve a uma ligeira dependência psicológica, os efeitos

individuais e sociais do uso de maconha, bem como suas consequências psicológicas, são classificadas como

baixas.

Asseverou-se que os direitos fundamentais devem ser limitados apenas em estrita conformidade com o

princípio da proporcionalidade, não podendo sofrer interferêncais desnecessárias. Nesse contexto,

entendeu-se que as razões objetivas para a diferença na responsabilização penal do uso de álcool e nicotina

relativamente aos produtos de cannabis para uso próprio eram insustentáveis, por violar o senso geral de

justiça e afrontar o direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. Ademais, essa restrição

é inconsistente com o estado de direito e incompatível com a Lei Fundamental. Explicou-se que um dos

elementos básicos da autodeterminação humana é a decisão responsável sobre quais alimentos, produtos e

entorpecentes o cidadão poderá consumir, não podendo o Estado proibir ou retringir o direito de intoxicar-

se.

No processo 2 BvL 51/92, defendeu-se que o haxixe é uma droga relativamente inofensiva e não causa

nenhum dano significativo ao consumidor ou à economia. O risco de mudar para drogas mais pesadas não é

maior nesse entorpecente do que nas diversas bebidas alcoólicas consumidas.

Em 2 BvL 63/92, alegou-se que a venda lucrativa de haxixe não viola os direitos de terceiros, tampouco

infringe a ordem constitucional ou a lei moral. Sua proibição, em verdade, afronta o direito de igualdade

perante lei, em comparação com a impunidade das vendas lucrativas de álcool.

Esses argumentos foram reforçados em demais ações, razão pela qual o Tribunal ad quem proferiu

decisão conjunta.

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Sumário 11

II. O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha considerou que o artigo 2, parágrafo 17, da Basic

Law se aplica a transações envolvendo substancias entorpecentes na medida em que não existe um “direito

à intoxicação” em desconformidade com as restrições do dispositivo.

No que diz respeito ao conteúdo dessas limitações, o princípio da proporcionalidade é, na ausência de

garantias constitucionais expressas, o critério constitucional geral para decidir em que medida o direito à

liberdade pode ser limitado. De acordo com esse princípio, uma lei que limita os direitos fundamentais deve

ser adequada para atingir o objetivo para o qual é dirigida e necessária para atingi-lo. A lei é adequada

quando, por meio dela, o resultado desejado pode ser alcançado. É necessária quando o legislador não

poderia ter escolhido outro meio, igualmente eficaz, que impusesse menor ou nenhuma violação ao direito

individual. A aplicação desse critério pode levar a conclusão de que a medida, mesmo sendo capaz de atingir

o fim almejado e sendo necessária para atingi-lo, pode ainda assim ser desproporcional se o resultado obtido

com a restrição imposta ao direito individual superar o incremento de proteção conferido ao interesse

público que a norma quer atingir.

Os delitos estabelecidos na lei relacionados a transações ilegais com produtos derivados de cannabis

abrangem diversas condutas que, de maneira geral, poderiam implicar risco social. Contudo, a lei penal deve

estabelecer condutas com diferenças significativas em relação à natureza e extensão do perigo representado

pelos interesses que visa proteger. O mesmo se aplica às variações de ilicitude e culpabilidade individual.

Dependendo das características e efeitos da substância, do montante envolvido no caso específico, da

natureza da infração pertinente e de todos os outros fatos relevantes, o perigo representado para os

interesses públicos protegidos pode ser tão pequeno que a tipificação, como forma de prevenir

genericamente a conduta, pode perder força. Em tais casos, tendo em devida conta o direito à liberdade do

indivíduo afetado, a culpa individual do réu e as considerações correlatas de política criminal que visam a

prevenção no caso específico do indivíduo, a punição é desproporcional e, portanto, inconstitucional.

Se a posse de produtos derivados de cannabis for pequena, para uso pessoal, então, como regra, o

perigo concreto da droga à terceiros não é significativo. Assim, o interesse público em estabelecer sanções

penais nesses casos é proporcionalmente limitado. A sanção penal pode implicar resultados

desproporcionais e, no que se refere a desencorajar o indivíduo a violar a lei, pode causar mais malefícios do

que benefícios, por exemplo, levando-o à cultura das drogas.

Os dispositivos da Lei de Substâncias Intoxicantes (Intoxicating Substances Act) estabelecem punição

para conduta meramente preparatória ao consumo pessoal de pequena quantidade de cannabis e que não

oferecem risco à terceiros. Contudo, a lei conferiu à autoridade responsável por sua aplicação margem de

discricionariedade para, à luz da situação particular, abster-se de impor uma sanção (s 29 (5) Lei de Sustâncias

Intoxicantes) ou de instaurar a persecução penal (s 153 e seguintes do Código de Processo Penal, s 31 a da

Lei de Substâncias Intoxicantes). Assim, as autoridades, em particular os Procuradores, que possuem o

7 Article 2 [Personal freedoms] (1) Every person shall have the right to free development of his personality insofar as he does not violate the rights of others

or offend against the constitutional order or the moral law.

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Sumário 12

controle sobre o processo até a acusação, devem abster-se de perseguir as infracções enumeradas na Lei de

Intoxicação de Substâncias, à luz da exigência do princípio da proporcionalidade no sentido mais estrito. Por

outro lado, se a ofensa envolve perigo para terceiros, por exemplo, porque ocorre em uma escola, em casa

com jovens, em quartéis do exército ou em instituições semelhantes, ou se for cometido por alguém

encarregado da supervisão de jovens, por um professor ou por um funcionário público encarregado da

aplicação da Lei de Intoxicação de Substâncias, e é provável que encoraje outros a imitar a ofensa, então

pode haver culpabilidade suficiente e interesse público em instaurar a persecução penal.

Por fim, a Corte rejeitou o argumento de que o princípio da igualdade requereria que todas as

substancias que têm potencial de serem igualmente prejudiciais ao indivíduo devem ser proibidas ou

permitidas da mesma forma. O legislador pode regular as transações com substancias entorpecentes de

forma diferentes em relação à regulamentação do álcool e da nicotina sem que isso implique violação à

constituição.8 9

Argentina

Caso Sebástian Arriola y Otros. Recurso de Hecho. Causa nº 9.080

É inconstitucional dispositivo legal que reprime a posse de drogas para consumo próprio com pena de

prisão. Ao incriminar conduta que não implica perigo ou dano específico aos direitos ou à propriedade

de terceiros, o dispositivo viola os direitos constitucionais à privacidade e à liberdade pessoal.

Julgado em 25-08-2009

I. Como parte de uma investigação policial sobre tráfico de drogas, foram presas oito pessoas que

portavam pequena quantidade de maconha, supostamente para uso pessoal.

A defesa dos detidos alegou que a criminalização do porte de droga para consumo pessoal é

incompatível com o princípio da reserva contida no artigo 1910 da Constituição da Nação Argentina. Observou

que é ilegítima a intervenção estatal punitiva quando um ato não ofende a ordem e a moral pública,

tampouco afeta total ou parcialmente o bem jurídico alheio, seja ele individual ou coletivo.

II. A Corte Suprema de Justiça da Argentina declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade do

artigo 14, segundo parágrafo, da Lei de Entorpecentes nº 23.737/198911, que reprime a posse de drogas para

consumo próprio com pena de prisão de 1 mês a 2 anos (substituível por medidas educativas ou de

8 Resumo “GER-1994-1-010” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices – InfoBase on Constitution

Case Law of the Venice Commission).

9 Resumo traduzido e adaptado da decisão em inglês disponibilizada pela German Law Archive.

10 Artículo 19- Las acciones privadas de los hombres que de ningún modo ofendan al orden y a la moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están solo

reservadas a Dios, y exentas de la autoridad de los magistrados. Ningún habitante de la Nación será obligado a hacer lo que no manda la ley, ni privado

de lo que ello no prohíbe.

11 Ley 23.737. Art. 14 — Será reprimido con prisión de uno a seis años y multa de trescientos a seis mil australes el que tuviere en su poder estupefacientes.

La pena será de un mes a dos años de prisión cuando, por su escasa cantidad y demás circunstancias, surgiere inequívocamente que la tenencia es para uso

personal.

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 13

tratamento, conforme artigo 2112 dessa lei). Entendeu-se que o referido dispositivo vulnera os direitos

constitucionais à privacidade e à liberdade pessoal ao incriminar a posse de entorpecentes para uso pessoal

em condições que não impliquem perigo ou dano específico aos direitos ou à propriedade de terceiros.

O Tribunal afirmou que a reforma constitucional de 1994 e os tratados de direitos humanos

incorporados ao ordenamento argentino reforçam a proteção da privacidade e da autonomia pessoal, bem

como o princípio da dignidade humana. Nesse contexto, "as razões pragmáticas ou utilitárias" em que a

abordagem punitiva se baseou falharam, visto que punir o consumidor para combater o tráfico de drogas

não teve o resultado esperado, sendo notório que essa prática aumentou significativamente no decorrer dos

anos e às custas de uma interpretação restritiva de direitos individuais. A Corte relembrou que o consumidor

é vítima de criminosos que traficam drogas, logo, puni-lo acarretaria sua “revitimização”.

Salientou-se que essa decisão de maneira alguma implica "legalizar as drogas", mas busca, por meio de

uma linguagem democrática, que pode ser entendida por todos os habitantes, informar sobre os problemas

ligados às drogas. Sublinhou-se, ainda, o compromisso inescapável que todas as instituições deveriam

assumir no combate ao narcotráfico.

Por fim, o Tribunal encorajou as autoridades públicas a garantir políticas de Estado contra o tráfico ilícito

de drogas e a adotar medidas preventivas de saúde, com informação e educação dissuasiva do consumidor,

focada em todos os grupos vulneráveis, especialmente nos menores de idade, a fim de dar cumprimento

adequado aos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo país.

Bélgica

Arrêt 158/2004

A lei que determina que nenhum boletim de ocorrência policial deve ser elaborado em casos de posse de

cannabis para consumo próprio por pessoa maior de idade compreende conceitos tão vagos e imprecisos

que é impossível determinar o seu alcance.

Julgado em 20-10-2004

12Ley 23.737. Art. 21. En el caso del artículo 14, segundo párrafo, si el procesado no dependiere física o psíquicamente de estupefacientes por tratarse de

un principiante o experimentador, el juez de la causa podrá, por única vez, sustituir la pena por una medida de seguridad educativa en la forma y modo

que judicialmente se determine.

Tal medida, debe comprender el cumplimiento obligatorio de un programa especializado, relativo al comportamiento responsable frente al uso y tenencia

indebida de estupefacientes, que con una duración mínima de tres meses, la autoridad educativa nacional o provincial, implementará a los efectos del mejor

cumplimiento de esta ley.

La sustitución será comunicada al Registro Nacional de Reincidencia y Estadística Criminal y Carcelaria, organismo que lo comunicará solamente a los

tribunales del país con competencia para la aplicación de la presente de la ley, cuando éstos lo requiriesen.

Si concluido el tiempo de tratamiento éste no hubiese dado resultado satisfactorio por la falta de colaboración del condenado, el tribunal hará cumplir la

pena en la forma fijada en la sentencia.

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 14

I. A lei sobre o tráfico de substâncias venenosas, soníferas, narcóticas, psicotrópicas, desinfetantes ou

antissépticas, as quais são comumente utilizadas na fabricação ilícita de entorpecentes e substâncias

psicotrópicas, previa que a posse de cannabis para uso próprio configurava crime.

Em 2003, essa norma foi alterada, estabelecendo que o policial não deveria formalizar uma ocorrência,

mas apenas registrar, casos de posse para uso pessoal de “determinada quantidade” de cannabis por pessoa

maior de idade, quando tal posse não implicasse perturbação pública.

Os recorrentes alegaram que essa lei afrontou o princípio constitucional da persecução penal

obrigatória, consagrado também no artigo 7.º13 da CEDH e no artigo 15.º14 do Pacto Internacional sobre os

Direitos Civis e Políticos.

Sustentaram ainda, que diversos tópicos carecem de definição legal, como: quantidade de drogas que

deve ser considerada para consumo próprio, especificação dos problemas decorrentes do uso de droga e

conceito de perturbação pública.

II. O Tribunal de Arbitragem da Bélgica observou que, embora o referido princípio não vá tão longe a

ponto de exigir que a legislação regule cada aspecto individual do processo de acusação, exige, no entanto,

que a lei não viole os requisitos particulares de precisão, clareza e previsibilidade com que toda a legislação

penal deve cumprir. Asseverou que a disposição impugnada diverge, em vários aspectos, das regras gerais

do direito penal, notadamente no que se refere à competência do Ministério Público e à obrigação de os

serviços policiais informarem a ocorrência de crimes que chegam ao seu conhecimento.

De acordo com o Tribunal de Arbitragem, quando a lei estipula que, embora a posse de cannabis para

uso pessoal seja punível, para que esse ato não seja reportado ao Ministério Público, a quantidade da droga

em questão deve ser claramente estabelecida. Esta é a única maneira de garantir que os policiais tenham um

critério objetivo para decidir se devem ou não instaurar uma ocorrência. Na medida em que a norma

impugnada não satisfaz este requisito e permite que a determinação da quantidade de entorpecente seja

feita com base em elementos subjetivos, nota-se que seu conteúdo não é suficientemente detalhado para

cumprir o princípio da persecução penal obrigatória.

13 ARTIGO 7° Princípio da legalidade

1. Ninguém pode ser condenado por uma ação ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção,

segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento

em que a infracção foi cometida.

2. O presente artigo não invalidará a sentença ou a pena de uma pessoa culpada de uma ação ou de uma omissão que, no momento

em que foi cometida, constituía crime segundo os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas.

14 ARTIGO 15

1. ninguém poderá ser condenado por atos omissões que não constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional,

no momento em que foram cometidos. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência

do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá dela beneficiar-se.

2. Nenhuma disposição do presente Pacto impedirá o julgamento ou a condenação de qualquer indivíduo por atos ou omissões

que, momento em que forma cometidos, eram considerados delituosos de acordo com os princípios gerais de direito reconhecidos

pela comunidade das nações.

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 15

O Tribunal observou que a redação da lei parece indicar que os problemas derivados do consumo de

drogas não são medidos em função do efeito que a pessoa exerce sobre a sua família e amigos imediatos,

mas apenas com base na sua condição pessoal. Assim, os policiais que elaboram o relatório têm ampla

liberdade para avaliar a condição psicológica, médica e social do usuário de cannabis, uma situação que leva

à incerteza jurídica, além de violar princípios constitucionais.

Por último, a definição legal de "perturbação pública" refere-se principalmente à posse de maconha em

locais específicos e arredores imediatos, termos também sem conceituação específica na lei. Embora seja

inegável que o uso de maconha em "locais frequentados por pessoas menores de idade para fins educativos,

desportivos ou sociais" cause incômodo, a falta de definição conceitual daria margem à interpretação de que

deve ser aberta ocorrência para averiguar qualquer caso de consumo de cannabis por pessoa adulta em local

acessível a menores de idade. A dificuldade em definir "perturbação da ordem pública" também não cumpre

os requisitos do princípio da persecução penal obrigatória.

Tendo em vista que essa norma compreende uma série de conceitos tão vagos e imprecisos que é

impossível determinar o seu alcance exato, o Tribunal anulou a disposição impugnada, tendo conservado os

efeitos do dispositivo até à data da publicação do presente acórdão15.

Brasil

HC 142987

A importação de quantidade ínfima de sementes da planta cannabis sativa, as quais, ante a ausência de

substância psicoativa (THC), não podem, por si sós, produzir droga ilícita, não se amoldam ao crime de

tráfico de drogas ou de contrabando.

Julgado em 11-09-2018

I. O paciente foi inicialmente denunciado pela suposta prática de tráfico internacional de drogas (artigo

33, §1º, I16, da Lei 11.343/2006, combinado com o artigo 40, I17 da mesma Lei), por ter tentado importar da

15 Texto traduzido e adaptado do resumo “BEL-2004-3-010” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices

– InfoBase on Constitution Case Law of the Venice Commission).

16 Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito,

transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem

autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz

consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-

prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

17 Art. 4º. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

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Sumário 16

Holanda, sem autorização legal e regulamentar, 15 sementes de cannabis, as quais seriam utilizadas em

plantio para uso próprio. Após redistribuição do feito, em denúncia substitutiva e em razão da mesma

conduta, o paciente foi denunciado pelo crime de contrabando (artigo 334-A, caput18, do Código Penal).

O juízo de primeiro grau rejeitou a denúncia, por ausência de justa causa. O Ministério Público recorreu

dessa decisão ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que denegou o pleito. Em sede de recurso especial,

o relator deu provimento ao pedido por entender caracterizada a conduta típica de importação clandestina

de sementes de cannabis sativa, matéria-prima destinada à preparação de substâncias entorpecentes.

Asseverou, ainda, a não incidência do princípio da insignificância ao caso.

A defesa sustentou ausência de justa causa para autorizar a persecução penal, considerando que a lei

proíbe a importação de vegetais e não de sementes. Afirmou que o laudo pericial comprovou a ausência da

substância tetrahidrocannabiol (THC) nas sementes, ressaltando que não se extrai substância tóxica desse

elemento, mas somente da planta eventualmente geminada. Alegou que o paciente importou o produto de

um país onde a venda é legal, o que indica que não teve a intenção de fomentar a criminalidade local.

Informou que o acusado adquiriu as sementes para consumo próprio, sendo que estas sequer chegaram a

ser plantadas.

O Ministério Público apresentou parecer pelo trancamento da ação penal. Atestou que, mesmo que

ultrapassada a ilegalidade da conduta do paciente, o ato de importar 15 sementes de maconha não tipifica

o crime de tráfico internacional de drogas nem de contrabando.

II. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, considerando as particularidades da

causa, sobretudo a ínfima quantidade de substâncias apreendidas, com base no artigo 192, caput, do RISTF,

concedeu a ordem para determinar a manutenção das decisões (sentença e acórdão TRF 3) que, em razão

da ausência de justa causa, rejeitaram a denúncia.

Asseverou-se que a matéria-prima ou insumo devem ter condições e qualidades químicas para, através

de transformação ou de adição, por exemplo, produzirem a droga ilícita, causadora de dependência física ou

psíquica, o que não é o caso das sementes da planta cannabis sativa, que não possuem a substância

psicoativa (THC). Ademais, verificou-se que em outros julgados desta Corte, em razão da pequena quantidade

de sementes de maconha importadas, foi deferida a liminar para suspender a tramitação da ação penal na

origem (HCs 147.478/SP, 143.798/SP e 131.310/SE).

I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade

do delito;

18 Contrabando

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

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Sumário 17

HC 144161

É plausível a alegação de que importar pequena quantidade de substância ilícita, em tese, amolda-se ao

porte de droga para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006) e não ao crime de tráfico

internacional de drogas.

Julgado em 11-09-2018

I. O paciente foi denunciado pelo crime previsto no artigo 334-A do Código Penal (contrabando), acusado

de importar pela internet 26 sementes de cannabis sativa para consumo próprio.

O juízo de primeiro grau rejeitou a denúncia. O Ministério Público recorreu dessa decisão ao Tribunal

Regional Federal da 3ª Região que deu provimento ao pedido, determinando que a denúncia fosse recebida

e que o paciente respondesse pelo crime de tráfico internacional de drogas (art. 33, § 1º, inciso I, c/c o art.

40, inciso I, da Lei 11.343/2006). A Corte entendeu que, no caso, deveria prevalecer o princípio in dubio pro

societate. A defesa apresentou recurso especial, o qual foi inadmitido na origem. Todos os demais recursos

interpostos ao Superior Tribunal de Justiça foram denegados.

A defesa alegou que não há como afirmar que as sementes apreendidas seriam destinadas à preparação

de produto ilícito com a específica finalidade de tráfico ou mercancia. Apontou que a conduta descrita

poderia se amoldar ao tipo penal do artigo 28, §1º19, da Lei 11.343/2006, qual seja, porte de pequenas

quantidades de entorpecentes para uso pessoal, cuja constitucionalidade da criminalização está sendo

discutida por esta Corte. Assim, requereu o trancamento da ação penal.

II. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, levando em consideração sobretudo a

pequena quantidade de substâncias apreendidas, deferiu a liminar para suspender a tramitação da ação

penal na origem.

Assentou-se que há real plausibilidade na alegação de que a conduta praticada se amolda, em tese, ao

porte de droga para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006) e não ao crime de tráfico internacional

de drogas (artigo 33, § 1º, inciso I, c/c o artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/2006). Relembrou que a

constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas está sendo discutida pelo Plenário, no ponto em que se

criminaliza o porte de pequenas quantidades de entorpecentes para uso próprio, hipótese do presente writ.

19 Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização

ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de

pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

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Sumário 18

RE 635659 RG

Há repercussão geral na questão quanto a tipicidade do porte de drogas para consumo pessoal.

Julgado em 08-12-2011

I. Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Defensor Público-Geral do Estado de São Paulo

contra acórdão que, por entender constitucional o artigo 28 da Lei 11.343/2006, manteve a condenação pelo

crime de porte de drogas para consumo pessoal.

O recorrente argumentou que o crime (ou a infração) definido no dispositivo impugnado ofende o

princípio da intimidade e vida privada, direito expressamente previsto no artigo 5º, X da Constituição Federal

e, por conseguinte, o princípio da lesividade, valor basilar do direito penal.

A controvérsia constitucional cinge-se a determinar se o preceito constitucional invocado autoriza o

legislador infraconstitucional a tipificar penalmente o uso de drogas para consumo pessoal.

II. O Supremo Tribunal Federal reconheceu que a discussão é de natureza constitucional e possui

repercussão geral, por se tratar de tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os

interesses subjetivos da causa e alcança grande número de interessados.

No caso, está em jogo o disposto no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, que revela a consubstanciar

tipicidade quanto ao uso adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo

pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, prevendo os

incisos as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento

a programa ou curso educativo. Cumpre ao Supremo pronunciar-se a respeito do tema, pacificando

jurisprudência que norteará inúmeras decisões. Reconheceu-se que o que fora veiculado ultrapassa, no

campo social, os muros subjetivos do processo em que interposto o extraordinário.

ADI 4274

É dada interpretação conforme a Constituição ao §2º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, restando excluída

qualquer interpretação que enseje a proibição de manifestações e debates públicos acerca da

descriminalização ou da legalização do uso de drogas ou de qualquer substância que leve o ser humano

ao entorpecimento episódico, ou viciado, das suas faculdades psicofísicas.

Julgado em 23-11-2011

I. A Procuradora-Geral da República em exercício interpôs ação direta de inconstitucionalidade contra o

§ 2º do artigo 3320 da Lei 11.343/2006, para que o Supremo Tribunal Federal realizasse interpretação

conforme a Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que pudesse implicar a criminalização da

20 Art. 33. (…) § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

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Sumário 19

defesa da legalização das drogas ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de

manifestações e eventos públicos.

A requerente alegou que uma descabida interpretação do dispositivo em causa “vem gerando indevidas

restrições aos direitos fundamentais à liberdade de imprensa (art. 5º, incisos IV e IX, e 220 CF) e de reunião

(art. 5º, inciso XVI, CF) ”. Argumentou que, “nos últimos tempos, diversas decisões judiciais, invocando tal

preceito [o §2º do art. 33], vêm proibindo atos públicos em favor da legalização das drogas, empregando o

equivocado argumento de que a defesa dessa ideia induziria ou instigaria o uso de substância

entorpecentes”. Preceito, portanto, que se tem prestado para interpretação conducente a que “seja tratada

como ilícito penal a realização de reunião pública, pacífica e sem armas, devidamente comunicada às

autoridades competentes, só porque voltada à defesa da legalização das drogas”. Concluiu-se, portanto, que

essa intepretação atenta diretamente contra o núcleo essencial da liberdade de expressão.

II. O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, julgou procedente o pedido para dar interpretação

conforme a Constituição ao dispositivo impugnado, com o fim de excluir qualquer significado que enseje a

proibição de manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou da legalização do uso de

drogas ou de qualquer substância que leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou viciado, das suas

faculdades psicofísicas.

Aduziu-se que a utilização do § 2º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 como fundamento para a proibição

judicial de eventos públicos de defesa da legalização ou da descriminalização do uso de entorpecentes —

popularmente denominados de “Marcha da Maconha” — ofende o direito fundamental de reunião. Há

afronta também ao regular exercício das liberdades constitucionais de manifestação de pensamento e de

expressão, em sentido lato, além do direito de acesso à informação, os quais emanam diretamente do

princípio da dignidade da pessoa humana e da cidadania.

Aduziu-se que nenhuma lei, civil ou penal, pode blindar-se contra a discussão do seu próprio conteúdo.

Nem mesmo a Constituição está a salvo da ampla, livre e aberta discussão dos seus defeitos e das suas

virtudes, desde que sejam obedecidas as condicionantes ao direito constitucional de reunião, tal como a

prévia comunicação às autoridades competentes e o fim pacífico.

O Ministro Relator Ayres Britto ressaltou que o direito de reunião é insusceptível de censura prévia e

poderia ser visto como especial veículo da busca de informação para uma consciente tomada de posição

comunicacional. Acrescentou que a expressão “reunião pacífica” permite concluir que a única vedação

constitucional, na matéria, refere-se a reuniões cuja base de inspiração e termos de convocação revelem

propósitos e métodos de violência física, armada ou beligerante. Ressalvou-se ainda, a possibilidade de

restrição ao direito fundamental de reunião que se enquadre nas duas situações excepcionais previstas na

própria Constituição: o estado de defesa e o estado de sítio (art. 136, § 1º, inciso I, alínea “a”, e art. 139,

inciso IV).

O Ministro Luiz Fux acrescentou que, para afastar a incidência da criminalização nessas manifestações,

deveriam ser observados os seguintes parâmetros: i) reunião pacífica, sem armas, previamente noticiada às

autoridades públicas quanto à data, ao horário, ao local e ao objetivo, e sem incitação à violência; ii) ausência

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Sumário 20

de incitação, incentivo ou estímulo ao consumo de entorpecentes na sua realização; iii) inexistência de

consumo de entorpecentes durante a manifestação ou evento público - a marcha é apenas uma reunião para

manifestar livremente o pensamento; e iv) a não participação ativa de crianças e adolescentes na sua

realização.

Canadá

R. v. Smith – Case 36059

A exigência do consumo de maconha medicinal apenas na forma seca infringe os direitos constitucionais

à vida, à liberdade e à segurança.

Julgado em 11-06-2015

I. Um cidadão canadense produzia derivados de maconha comestíveis e tópicos para venda, através da

extração de compostos ativos da planta de cannabis. Ocorre que sua conduta infringiu os Regulamentos de

Acesso Médico à Maconha (Marihuana Medical Access Regulations - MMAR), os quais limitam a posse de

maconha medicinal à forma seca. Tendo em vista que o cidadão não utilizava a maconha para propósitos

médicos, foi acusado de posse ilegal e porte para fins de tráfico de cannabis, crimes previstos na Lei de Drogas

e Substâncias Controladas (Controlled Drugs and Substances Act - CDSA).

Na ação, o réu contestou a constitucionalidade dos Regulamentos de Acesso Médico à Maconha.

II. A Suprema Corte do Canadá decidiu, por maioria, que a exigência do consumo de maconha medicinal

apenas na forma seca, nos termos dos Regulamentos de Acesso Médico à Maconha (Marihuana Medical

Access Regulations - MMAR), infringe injustificadamente os direitos constitucionais à vida, à liberdade e à

segurança (seção 721 da Carta Canadense de Direitos e Liberdades). Ademais, viola o direito de não ser

privado dessas garantias, salvo em decorrência dos princípios fundamentais da justiça.

A Corte acrescentou que a vedação do uso de outras formas de cannabis limita a liberdade dos pacientes

ao ter que descartar protocolos médicos razoáveis ante a ameaça de sofrer um processo criminal. Da mesma

forma, ao forçar uma pessoa a escolher entre um tratamento legal, mas inadequado, e um tratamento ilegal,

porém mais eficaz, a lei também viola a segurança do indivíduo.

O Tribunal considerou, ainda, que a vedação prevista na norma regulamentar é arbitrária e contrária aos

princípios fundamentais da justiça, pois contradiz o objetivo de proteger a saúde e a segurança. Evidências

apontam, inclusive, que a inalação de maconha pode apresentar riscos para a saúde e que seria menos eficaz

para algumas condições do que a administração de derivados de cannabis, por exemplo, nas formas tópica

ou comestível, como produzidas pelo acusado.

21 7. Everyone has the right to life, liberty and security of the person and the right not to be deprived thereof except in accordance with the principles of

fundamental justice.

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Sumário 21

Concluiu-se, portanto, que não há conexão entre a proibição de formas não secas de maconha e a saúde

e segurança dos pacientes que se qualificam para o acesso legal à maconha medicinal, razão pela qual o réu

foi absolvido de ambas as acusações22.

Em voto divergente, porém, determinava-se novo julgamento, pois o réu não deteria legitimidade para

questionar a constitucionalidade da norma. No mérito, considerou-se que os Regulamentos não interferem

na liberdade ou na segurança dos interesses pessoais dos usuários de maconha medicinal, tampouco ofende

qualquer princípio individual fundamental23. [Resumo oficial]

Colômbia

Sentencia SP- 2940-2016 (Radicación 41760)

O porte de droga em quantidade superior à dose mínima fixada em lei, exclusivamente para uso pessoal

e decorrente de doença ou vício do usuário, é conduta atípica e, portanto, não configura crime, o que

não justifica um armazenamento ilimitado de substâncias ilícitas.

Julgado em 09-03-2016

I. Um soldado colombiano foi flagrado portando 50,2 gramas de maconha, tendo sido processado e

condenado pelo crime de tráfico, fabricação ou porte de drogas, previsto no artigo 376 do Código Penal24,

com o agravante de ter o ato sido cometido em estabelecimento militar.

A defesa alegou a atipicidade da conduta, destacando que o réu, desde muito jovem, era viciado e

consumidor de maconha. Assim, a quantidade de substância encontrada, embora excedesse a dose pessoal

prevista em lei, deveria ser entendida como mero suprimento, especialmente porque estava aquartelado, o

22 No Canadá, entrou em vigor em 17 de outubro de 2018, lei que versa sobre o uso de maconha e altera a Lei de Drogas e Substâncias Controladas e o Código Penal, dentre outros. A partir de então, em linhas gerais, o maior de 18 anos poderá: comprar maconha, plantas e sementes em lojas e sites licenciados; compartilhar a substância com maiores de idade, de forma gratuita; cultivar até quatro plantas para uso pessoal; carregar consigo até 30 gramas da substância, dentre outras prerrogativas. Cada Província (Estado) poderá criar legislação própria para ampliar a idade mínima ou restringir o cultivo caseiro. Dentre as proibições estão, por exemplo: consumir alimentos derivados de cannabis até o advento de regulamentação em legislação específica; dirigir sob efeito da substância entorpecente; exibir publicamente o cultivo da planta; fumar em locais onde o tabaco já é proibido; comercializar a maconha e seus derivados; compartilhar com menores de idade; entrar em outro país com maconha canadense. Fontes: https://www.theguardian.com/world/2018/oct/17/cannabis-becomes-legal-in-canada-marijuana https://edition.cnn.com/2018/10/17/health/canada-legalizes-recreational-marijuana/index.html https://super.abril.com.br/blog/psicoativo/como-vai-ser-a-legalizacao-da-maconha-no-canada/

23 Texto traduzido e adaptado do resumo “CAN-2015-2-007” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices

– InfoBase on Constitution Case Law of the Venice Commission).

24 Artículo 376. Tráfico, fabricación o porte de estupefacientes. El que sin permiso de autoridad competente, introduzca al país, así sea en tránsito o saque

de él, transporte, lleve consigo, almacene, conserve, elabore, venda, ofrezca, adquiera, financie o suministre a cualquier título sustancia estupefaciente,

sicotrópica o drogas sintéticas que se encuentren contempladas en los cuadros uno, dos, tres y cuatro del Convenio de las Naciones Unidas sobre Sustancias

Sicotrópicas, incurrirá en prisión de ciento veintiocho (128) a trescientos sesenta (360) meses y multa de mil trescientos treinta y cuatro (1.334) a cincuenta

mil (50.000) salarios mínimos legales mensuales vigentes.

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 22

que o impedia de obter continuamente a quantia necessária para o consumo regular. Ademais, não foram

encontradas provas de que o réu tinha intenção de vender ou distribuir a substância apreendida.

II. A Corte Suprema de Justiça da Colômbia decidiu que o porte de droga em quantidade superior à dose

mínima fixada em lei, exclusivamente para uso pessoal e decorrente de doença ou vício do usuário, é conduta

atípica e, portanto, não configura crime.

O Tribunal assinalou que a dependência não pode ser confundida com delinquência, motivo pelo qual

devem ser diferenciados os comportamentos de porte para consumo próprio dos atos relativos ao

narcotráfico (fabricação, venda e transporte), os quais são sujeitos à punição.

A dependência química deve ser entendida como problema de saúde pública, estando os consumidores

e dependentes sujeitos a medidas estatais de tratamento profilático, pedagógico ou terapêutico, restando

afastado o processamento penal. Nesse contexto, o Tribunal firmou que um critério razoável para

estabelecer a dose tolerável para o consumo pessoal é o da necessidade do usuário, em quantidade

compatível com a política criminal de natureza preventiva e reabilitadora, e que assegure a proteção da

saúde da pessoa.

Por fim, a Corte assinalou que, embora atípica, a conduta dos dependentes não poderia justificar um

armazenamento ilimitado de substâncias ilícitas25.

Sentencia C-491/12

É tolerado o porte de drogas destinado ao consumo pessoal, sendo puníveis comportamentos que

consistam em "vender, oferecer, financiar e fornecer" substâncias narcóticas, psicotrópicas ou drogas

sintéticas, em qualquer quantidade.

Julgado em 28-06-2012

I. No caso, questionou-se a constitucionalidade da expressão "portar consigo" prevista no artigo 1126 da

Lei 1453 de 2011, que alterou o artigo 376 do Código Penal. Segundo esse dispositivo, aquele que, sem a

permissão da autoridade competente, introduzir no país, transportar, portar consigo, armazenar, preservar,

25 Em 25 de agosto de 2018, o atual Presidente da Colômbia, Iván Duque Márquez, anunciou que emitirá um decreto para capacitar

a Polícia Nacional a confiscar quaisquer quantidades de drogas encontradas nas ruas. Reconheceu-se que os consumidores não são

criminosos e afirmou-se que a medida visa regulamentar o consumo e abastecimento e implementar mecanismos para processar as

pessoas que têm na sua posse as chamadas "novas drogas". Assim, qualquer um que seja flagrado transportando uma quantidade

de entorpecente maior que a tolerável será considerado narcotraficante.

Fonte: http://www.elcolombiano.com//colombia/confiscar-dosis-minima-propuesta-que-choca-con-la-jurisprudencia-

EY9230732.

26 Artículo 11. Tráfico, fabricación o porte de estupefacientes. El artículo 376 de la Ley 599 de 2000 quedará así:

Artículo 376. Tráfico, fabricación o porte de estupefacientes. El que sin permiso de autoridad competente, introduzca al país, así sea en tránsito o saque

de él, transporte, lleve consigo, almacene, conserve, elabore, venda, ofrezca, adquiera, financie o suministre a cualquier título sustancia estupefaciente,

sicotrópica o drogas sintéticas que se encuentren contempladas en los cuadros uno, dos, tres y cuatro del Convenio de las Naciones Unidas sobre Sustancias

Sicotrópicas, incurrirá en prisión de ciento veintiocho (128) a trescientos sesenta (360) meses y multa de mil trescientos treinta y cuatro (1.334) a cincuenta

mil (50.000) salarios mínimos legales mensuales vigentes.

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 23

elaborar, vender, oferecer, adquirir, financiar ou fornecer de qualquer maneira substância narcótica,

psicotrópica ou drogas sintéticas previstas nas tabelas 1 a 4 da Convenção das Nações Unidas sobre

Substâncias Psicotrópicas, será punido com prisão de 128 a 360 meses e multa de 1.334 a 50.000 salários

mínimos mensais em vigor.

O requerente alegou que, ao punir o indivíduo que porta droga para consumo pessoal, a lei viola o

princípio da dignidade humana, do qual fazem parte o princípio da autonomia e do livre desenvolvimento da

personalidade. Afirmou que os seres humanos têm liberdade para escolher seus comportamentos e opções

de vida, os quais integram seu foro particular, sendo inadmissível que os atos que não interferem na esfera

de terceiros sejam criminalizados.

II. A Corte Constitucional da Colômbia decidiu que, quando se tratar de porte ou conservação de

substâncias entorpecentes em quantidades reconhecidas como de consumo próprio, porém, destinadas à

comercialização, tráfico ou distribuição, ainda que gratuita, a conduta será penalizada quando tiver o

potencial de afetar bens juridicamente tutelados, como a saúde pública, a segurança pública e a ordem

socioeconômica.

Assim, ainda que tolerado o porte de drogas em montante considerado como dose para uso pessoal,

resta intacta a possibilidade de criminalizar comportamentos que consistam em "vender, oferecer, financiar

e fornecer" substâncias narcóticas, psicotrópicas ou drogas sintéticas, em qualquer quantidade.

Sentencia C-221/94

O uso pessoal de drogas não é considerado conduta criminosa, pois se limita à esfera individual do

consumidor.

Julgado em 05-05-1994

I. Trata-se de ação que questiona a constitucionalidade dos artigos 2º27 e 5128 da Lei 30 de 1986 (Estatuto

Nacional de Entorpecentes), os quais definem, respectivamente, a quantidade máxima de entorpecentes que

27 Artículo 2o. Para efectos de la presente ley se adoptarán las siguientes definiciones: (…) j) Dosis para uso personal: Es la cantidad de estupefaciente

que una persona porta o conserva para su propio consumo. Es dosis para uso personal la cantidad de marihuana que no exceda de veinte (20) gramos; la

de marihuana hachís la que no exceda de cinco (5) gramos; de cocaína o cualquier sustancia a base de cocaína la que no exceda de un (1) gramo, y de

metacualona la que no exceda de dos (2) gramos. No es dosis para uso personal, el estupefaciente que la persona lleve consigo, cuando tenga como fin su

distribución o venta, cualquiera que sea su cantidad".

28 Artículo 51. El que lleve consigo, conserve para su propio uso o consuma, cocaina, marihuana o cualquier otra droga que produzca dependencia, en

cantidad considerada como dosis de uso personal, conforme a lo dispuesto en esta ley, incurrirá en las siguientes sanciones: a) Por primera vez, en arresto

hasta por treinta (30) días y multa en cuantía de medio (1/2) salario mínimo mensual. b) Por la segunda vez, en arresto de un (1) mes a un (1) año y

multa en cuantía de medio (1/2) a un (1) salario mínimo mensual, siempre que el nuevo hecho se realice dentro de los doce (12) meses siguientes a la

comisión del primero.

c) El usuario o consumidor que, de acuerdo con dictamen médico legal, se encuentre en estado de drogadicción así haya sido sorprendido por primera vez,

será internado en establecimiento psiquiátrico o similar de carácter oficial o privado, por el término necesario para su recuperación. En este caso no se

aplicará multa ni arresto. La autoridad correspondiente podrá confiar al drogadicto al cuidado de la familia o remitirlo, bajo la responsabilidad de ésta a

una clínica, hospital o casa de salud, para el tratamiento que corresponda, el cual se prolongará por el tiempo necesario para la recuperación de aquél, que

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 24

deve ser considerada como de uso pessoal e as sanções aplicáveis aos usuários de drogas que portem a dose

indicada para consumo próprio.

O autor alegou que, se o Estado não pode garantir a recuperação da saúde do dependente de drogas,

porque não há clinicamente um tratamento científico e radical para garantir a cura, não pode privá-lo da

substância ou medicamento que proporciona alívio.

Segundo o demandante, os toxicodependentes são doentes psicofisiológicos, estejam ou não sob a

influência de entorpecentes. Logo, não pode o Estado punir ou aplicar medida de segurança ao direito

inalienável das pessoas ficarem psicofisiologicamente enfermas, incluindo o vício em drogas. Acrescentou

que aqueles que simplesmente consomem drogas, sem que haja dependência, igualmente não podem ser

punidos, porque sua conduta prejudica apenas a si mesmos.

O recorrente salientou a discriminação sofrida pelos viciados em relação a outros doentes incuráveis,

sob a alegação de que se o Estado permite o alívio do sofrimento de enfermos graves com medicamentos

que causam dependência, não pode negar o consumo do entorpecente ao dependente de drogas sem violar

o direito à igualdade. Ressaltou que há discriminação também em comparação com o viciado em nicotina e

o alcoólatra, os quais recebem a alcunha de dependentes socialmente aceitos, enquanto os usuários de

drogas são tratados como infratores ou delinquentes.

Asseverou que a quantidade de droga que um viciado requer diariamente depende do grau de

dependência e das condições biofisiológicas de cada pessoa. Por conseguinte, definir um valor limite para a

dose pessoal sem levar em consideração as necessidades individuais dos dependentes revela uma

diferenciação artificial e injustificada entre os que sofrem do mesmo mal.

Argumentou que, no caso de toxicômanos incuráveis, a duração do tratamento seria indefinida e a

internação em estabelecimento psiquiátrico ou similar pelo tempo necessário para a recuperação se tornaria

uma pena imprescritível. Assinalou também que o Estado colombiano é incapaz de fornecer aos dependentes

de drogas centros de reabilitação psiquiátrica que não sejam anexos de cadeias ou abrigos subumanos onde

se violam constantemente os direitos humanos dos enfermos.

II. A Corte Constitucional da Colômbia, em decisão majoritária, descriminalizou o porte de

entorpecentes para consumo próprio, não podendo essa conduta estar sujeita a qualquer penalidade.

Assentou-se que somente os comportamentos que interferem na órbita da liberdade e nos interesses

dos outros podem ser legalmente punidos. Assim, o uso pessoal de drogas não poderia ser considerado

criminoso, pois limita-se à esfera individual do sujeito consumidor e, consequentemente, está excluído do

controle normativo do sistema legal que respeita a liberdade e a dignidade humana, como é o sistema

colombiano.

deberá ser certificada por el médico tratante y por la respectiva Seccional de Medicina Legal. La familia del drogadicto deberá responder del cumplimiento

de sus obligaciones, mediante caución que fijará el funcionario competente, teniendo en cuenta la capacidad económica de aquella. El médico tratante

informará periódicamente a la autoridad que haya conocido del caso sobre el estado de salud y rehabilitación del drogadicto. Si la familia faltare a las

obligaciones que le corresponden, se le hará efectiva la caución y el internamiento del drogadicto tendrá que cumplirse forzosamente.

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 25

Nesse cenário, declarou-se a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados por ferir o direito ao

livre desenvolvimento da personalidade. No entanto, o Tribunal asseverou explicitamente que está mantida

a punição para aqueles que vendem e distribuem drogas, incumbindo ao legislador “determinar as

circunstâncias de lugar, idade, exercício temporário da atividade e outros atos análogos, dentro dos quais o

uso de drogas é inadequado ou prejudicial à sociedade”.

Geórgia

Case 1/5/592 - Citizen of Georgia Beka Tsikarishvili v. The Parliament of Georgia

É inconstitucional dispositivo legal que prevê pena de prisão àquele que adquirir até 70 gramas de folhas

secas de cannabis, por se tratar de medida desproporcional e que não contribui efetivamente para a

proteção da saúde e segurança dos indivíduos.

Julgado em 24-10-2015

I. Trata-se de ação que contestou a constitucionalidade do artigo 260.2, do Código Penal (versão em

vigor de 1º de maio de 2014 a 31 de julho de 2015), o qual determinava a prisão de 7 a 15 anos para a compra

e posse de até 70 gramas de folhas secas de cannabis para uso pessoal, frente ao artigo 17.229 da

Constituição, segundo o qual são inadmissíveis a tortura, o tratamento desumano ou cruel e a punição que

infrinja a honra e a dignidade do indivíduo.

II. O Tribunal Constitucional da Geórgia declarou a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado.

Observou que, ao determinar as políticas processuais penais, o Estado detém ampla margem de apreciação

para especificar a conduta criminosa e a punição aplicável. No entanto, a discricionariedade estatal não é

ilimitada, devendo-se avaliar se a lei é adequada e efetiva para neutralizar os riscos advindos da ação

criminosa e observar a não intervenção nas liberdades e direitos humanos mais do que é objetivamente

necessário.

O Tribunal avaliou a proporcionalidade entre a gravidade do crime e a pena atribuída a ele. Asseverou

que a lei deve assegurar que o juiz / promotor tenha flexibilidade suficiente para considerar cada fator

relevante no caso concreto (danos causados, atos culposos, etc.), de modo que a punição proporcional seja

imposta.

Apontou-se que a existência de punição só é justificada quando é o meio adequado para alcançar

conjuntamente os objetivos da punição (restauração da justiça, ressocialização do acusado e prevenção

geral). Caso contrário, a punição se torna um fim em si, o que não é compatível com a ideia de um Estado de

Direito. Punir uma pessoa apenas com o propósito de impedir que outras pessoas cometam o mesmo crime

29 Article 17 1. (…). 2. Torture, inhuman, cruel treatment and punishment or treatment and punishment infringing upon honour and dignity shall be

impermissible.

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 26

transforma o indivíduo em ferramenta de combate ao crime, o que não é justificável e, portanto, torna a

punição grosseiramente desproporcional.

A Corte asseverou que o objetivo legítimo do Estado de criminalizar o ato de comprar e armazenar

cannabis seria impedir a distribuição dessa substância e, assim, garantir a ordem pública, a segurança e a

saúde dos seres humanos. No tocante à proteção da saúde, a Corte concluiu que não é razoável aprisionar

alguém por tão longo período por ter cometido ato que prejudica apenas a sua própria saúde. No que se

refere à segurança e à ordem pública, o Tribunal assinalou que pesquisas e estatísticas não comprovaram

que o consumo de cannabis leva alguém a cometer outros crimes. Segundo especialistas, esse risco é igual

ou inferior à possibilidade de cometimento de ato criminoso por pessoas sob a influência do álcool.

Quanto ao dever de proteção da saúde da sociedade em geral, a Corte entendeu legítimo o interesse do

Estado de controlar a distribuição de maconha e punir quem adquire grandes quantidades de substâncias

ilícitas para a revenda. No entanto, a Corte constatou que possuir 70 gramas de maconha seca não indica a

intenção inequívoca de revendê-la, dado que, de acordo com a explicação especializada fornecida ao

Tribunal, o risco de sobredosagem de cannabis é mínimo, o que permite que uma pessoa consuma 50-70

gramas de maconha em um curto espaço de tempo. Logo, a punição para um ato de natureza hipotética

(revenda) ou para uma prática que não prejudica a saúde de outros, além de ser desproporcional e

inadequada, acarreta restrição indevida à liberdade do indivíduo.

Por fim, a Corte considerou que o dispositivo impugnado impôs uma punição geral para

compra/armazenamento de determinada quantidade de maconha, mas não previu a obrigação de o

promotor descobrir a intenção do ato, se para consumo pessoal ou para fins de revenda30.

Hungria

Decision 54/2004

Permitir o consumo pessoal de entorpecentes elimina o direito do indivíduo à livre autodeterminação,

uma vez que essa prática compromete a tomada de decisão livre, informada e responsável, trazendo

sérias consequências para a sociedade e segurança pública, além de prejudicar a obrigação do Estado de

proteção ao direito à saúde.

Julgado em 13-12-2004

I. Cinco petições foram apresentadas ao Tribunal Constitucional com o intuito rever a

constitucionalidade de algumas disposições sobre drogas previstas no Código Penal frente ao disposto em

acordos internacionais.

30 Texto traduzido e adaptado do resumo “GEO-2016-2-009” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices –

InfoBase on Constitution Case Law of the Venice Commission).

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 27

Os peticionantes defenderam que o órgão legislativo não cumpriu sua tarefa legislativa exigida pelos

tratados internacionais. Alegaram que o atual texto do Código Penal não garante o direito à

autodeterminação, que decorre do princípio da dignidade humana. Reclamaram que o presente regulamento

sobre entorpecentes considera o uso de certas substâncias estupefacientes e psicotrópicas puníveis sem

analisar motivos razoáveis e sem levar em consideração se o usuário obtém drogas para seu uso pessoal ou

para fins comerciais.

Dois membros do parlamento argumentaram que as disposições que garantem a isenção da

responsabilidade criminal violam a Convenção Única de Nova York sobre Entorpecentes e o acordo das

Nações Unidas de Viena sobre a proibição de substâncias narcóticas e psicotrópicas. Na sua opinião, as

expressões utilizadas no Código Penal, como "por ocasião de um uso comum de drogas" ou "para uso

pessoal", são noções legais sem um conteúdo claro e, portanto, violam a exigência de segurança jurídica.

Além disso, as petições referiam-se à proteção dos interesses do direito das crianças de receber a proteção

e o cuidado de suas famílias, o direito a um meio ambiente saudável e o direito ao mais alto nível de saúde

física e mental.

II. O Tribunal Constitucional da Hungria enfatizou que se configura como uma instituição neutra e que

não pode se posicionar a favor ou contra a regulamentação criminal relativa ao consumo de drogas,

tampouco poderia rever decisões políticas no campo penal. Sua atuação deve permanecer restrita aos

deveres relacionados à obrigação do Estado de proteção institucional, sendo-lhe permitido comparar os

direitos pessoais e os deveres do Estado no tocante ao efeito do uso de drogas nos indivíduos e na sociedade.

Sobre essa matéria, a Corte considerou que, como o consumo de narcóticos cria um estado mental

alterado, a visão segundo a qual o comportamento do consumidor afeta apenas o indivíduo seria infundada,

devendo essa prática ser analisada dentro de um contexto social. Assim, a fim de proteger o direito de todos

à dignidade humana, é dever do Estado eliminar os perigos que afetam seus cidadãos.

O Tribunal rejeitou a alegação de afronta ao direito à autodeterminação. Afirmou que, para cumprir suas

obrigações, o Estado deve proteger não apenas os direitos fundamentais individuais, mas também os valores

e situações relacionados a eles. A este respeito, o Tribunal Constitucional aplicou o teste de necessidade-

proporcionalidade e analisou apenas se o dever de proteção institucional baseado no direito à vida pode

justificar a restrição do direito à livre autodeterminação, e se sim, quais os limites dessa restrição.

Concluiu-se, portanto, que o uso de drogas retira parte da dignidade humana do consumidor, tornando

sua capacidade de decidir dependente de fatores externos. Entendeu-se que permitir o consumo pessoal de

entorpecentes eliminaria o direito do indivíduo à livre autodeterminação, uma vez que essa prática

compromete a tomada de decisão livre, informada e responsável, trazendo sérias consequências para a

sociedade e a segurança pública, além de prejudicar a obrigação do Estado de proteção ao direito à saúde.

Assentou-se que o "direito à auto-preocupação" integra direito à livre autodeterminação; contudo, o

"direito à intoxicação" não pode ser deduzido da Constituição, nem mesmo indiretamente.

Nesse contexto, o Tribunal considerou plausível o tratamento diferenciado dado pelo legislador ao uso

de diversos narcóticos e substâncias psicotrópicas. No campo da prevenção especial, e devido ao risco

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 28

decorrente da "incerteza da liberdade do consumidor", a restrição do direito à livre autodeterminação ao

classificar determinado comportamento como conduta criminosa não pode ser vista como desnecessária ou

desproporcional. Assim, o Tribunal declarou que as disposições do Código Penal protegem toda a sociedade

dos perigos das drogas.

Pontualmente, o Tribunal acatou a alegação de que as expressões "para uso pessoal", "uso comum" e

outros termos do Código Penal violam o princípio da segurança jurídica, por se tratar de conceitos vagos. Da

mesma forma, a frase "ocasião de uso" é ambígua, já que as disposições do Código Penal não especificam se

esta condição se aplica ao uso único ou ao uso regular em esferas pessoais diferentes ou não.31

México

Amparo en Revisión 1115/2017

É autorizado o uso pessoal e recreativo de maconha, bem como a prática de atos gerais ligados ao

autoconsumo. Excluem-se dessa autorização quaisquer atos de comércio, bem como o consumo de

outros entorpecentes e psicotrópicos.

Julgado em 11-04-2018

I. Um cidadão mexicano solicitou autorização à Comissão Federal para a Proteção contra Riscos

Sanitários (COFEPRIS) para consumir o narcótico cannabis (índica e americana, sua resina, preparações e

sementes), bem como o psicotrópico THC, de forma regular, pessoal e recreativa. Seu requerimento incluía

a realização de atividades correlatas ao autoconsumo: plantar, cultivar, colher, preparar, possuir, transportar

e praticar atos gerais relacionadas ao uso lúdico e individual de maconha. No entanto, excluía expressamente

a realização de transações comerciais, tais como a distribuição, venda e transferência da substância.

O pedido foi negado, razão pela qual o requerente impetrou recurso de amparo, argumentando que a

negativa violou seu direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Denegado o recurso, o requerente

recorreu à Suprema Corte.

II. A Suprema Corte de Justiça da Nação do México, por maioria, considerou inconstitucionais os artigos

da Lei Geral de Saúde, que proibiam a Secretaria de Saúde de emitir autorizações para as atividades

relacionadas com o consumo pessoal e recreativo de maconha - plantio, cultivo, colheita, preparação, posse

e transporte.

No caso concreto, o acórdão recorrido foi anulado, devendo a autoridade competente conceder

autorização ao requerente para o uso pessoal dessa droga, bem como para a realização dos atos gerais

ligados ao autoconsumo, conforme solicitado.

31 Texto traduzido e adaptado do resumo “HUN-2004-3-009” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices

– InfoBase on Constitution Case Law of the Venice Commission).

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Sumário 29

A Corte assinalou que essa decisão não implica, em nenhum caso, permissão para comercialização,

fornecimento ou qualquer outro ato que se refira à venda e/ou distribuição de cannabis, tampouco autoriza

o consumo de outros estupefacientes e substâncias psicotrópicas, sob o fundamento de que o exercício de

um direito não deve prejudicar terceiros32.

Portugal

Acórdão 587/14

Não viola o princípio da legalidade criminal a interpretação segundo a qual são puníveis como crime de

consumo as situações de posse ou aquisição de droga em quantidade superior ao consumo médio

individual para dez dias.

Julgado em 17-09-2014

I. A Lei 30/2000 definiu novo regime legal aplicável ao consumo pessoal de entorpecentes e

psicotrópicos, bem como a proteção da sociedade e da saúde das pessoas que consomem tais substâncias

sem prescrição médica. A Lei baseou-se nas diretrizes da Estratégia Nacional de Luta contra a Droga que

possuía duas coordenadas: rejeição a opções “antiproibicionistas”, tais como a legalização do comércio de

drogas ou do consumo de drogas; e convicção de que a proibição do consumo como mero ilícito

“contraordenacional” se justifica em nome do princípio humanista, que torna desnecessária a intervenção

do direito penal, sobretudo nos casos de primeiras infrações, de consumidores ocasionais e de

toxicodependentes propriamente ditos, e que requer mecanismos mais flexíveis e eficientes no tratamento

dos casos concretos.

A lei alterou dois aspectos fundamentais do regime anterior. Em primeiro lugar, descriminalizou o

consumo, a detenção e a aquisição para consumo próprio de droga (artigo 2.º, n.º 1) e revogou o artigo 40,

do Decreto-Lei 15/93, sobre a criminalização, exceto no que se refere ao cultivo. Em segundo lugar,

acrescentou o n.º 2 do artigo 2º estabelecendo que, para os efeitos da lei, “a aquisição e a detenção para

consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária

para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.

A alteração legal deixou em aberto como deveria ser punido o agente encontrado com uma quantidade

superior à necessária para o consumo médio individual durante dez dias. Surgiram, então, na doutrina e na

jurisprudência, diversas correntes interpretativas. A interpretação conferida pelo acórdão de uniformização

de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça restringiu a revogação promovida pelo artigo 28 da Lei

30/2000 para considerar que se mantinha em vigor o artigo 40 do Decreto-Lei 15/93 e, portanto, as situações

de detenção ou aquisição de droga para consumo próprio com quantidade que excedia dez dias continuava

32 Comunicado da Suprema Corte de Justiça da Nação do México.

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

Sumário 30

a ser punível a título de consumo. Por outro lado, outra corrente defendia que esta solução seria contrária

ao programa político-criminal que a lei procurou instituir e que não haveria razão para continuar punindo

como crime um comportamento que o legislador procurou descriminalizar. Uma terceira corrente defendia

que a conduta deveria subsumir-se ao crime de tráfico, com base na interpretação literal, pela qual se

enquadraria como “tráfico” o comportamento que não se enquadrasse como “consumo”.

II. O Tribunal Constitucional de Portugal declarou a constitucionalidade da interpretação dada ao artigo

2833 da Lei 30/2000, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de considerar que este preceito manteve

em vigor o artigo 40, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, relativamente à aquisição ou detenção, para consumo

próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à

necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

Avaliou-se que o tribunal, ao decidir que a criminalização continuava em vigor, adotou uma

interpretação corretiva que, em prol da teleologia da norma, desconsidera o elemento gramatical em favor

da forma que abarca menos casos do que seria “natural” ou “possível” à luz da sua letra. Esse exercício possui

caráter analógico, mas não seria uma analogia constitucionalmente vedada, pois não implica alargamento da

responsabilidade criminal do agente.

A interpretação segundo a qual a conduta deve ser considerada uma vertente de um ilícito de mera

“ordenação social”, esbarra na letra expressa do artigo 2º, n.º 2º da Lei 30/2000, que delimita a situação

fática do ilícito contraordenacional previsto no n.º 1, ou seja, quando a quantidade é inferior ao consumo

médio pessoal por dez dias. Por outro lado, as razões que motivaram a alteração do regime jurídico pela lei,

ou seja, a inadequação e a desnecessidade de mobilizar a persecução penal no caso de consumidores

ocasionais ou toxicodependentes não se poderiam aplicar a todo tipo de detenção ou aquisição, sem se

atentar para os riscos associados às quantidades efetivamente detidas. Assim, afastando-se a solução pela

interpretação “contraordenacional” e pela não punibilidade, o sentido normativo conferido pelo Supemo

Tribunal de Justiça, ainda que extravase a letra da lei, implica uma analogia in bonan partem, que respeita o

princípio da legalidade criminal.34

33 Artigo 28.º. Normas revogadas

São revogados o artigo 40.º, exceto quanto ao cultivo, e o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, bem como as

demais disposições que se mostrem incompatíveis com o presente regime.

34 Texto traduzido e adaptado do resumo “POR-2014-3-018” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices

– InfoBase on Constitution Case Law of the Venice Commission).

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Sumário 31

Seicheles

Case 8/2001 - Philip Amukhobe Imbumi v. The Republic

Não viola o princípio da presunção de inocência a suposição de que aquele que é encontrado portando

quantidade de drogas superior ao limite legal tem o intuito de traficá-la.

Julgado em 07-05-2002

I. O caso versa sobre a constitucionalidade da seção 1435 da Lei de Uso Indevido de Drogas (Misuse of

Drugs Act). Segundo esse dispositivo, presume-se que a pessoa que detém mais de 25 gramas de cannabis,

ou resina de cannabis, porta a droga com o intuito de traficá-la, salvo prova em contrário. Essa disposição

legal foi questionada frente ao princípio constitucional da presunção da inocência e do direito a não

autoincriminação – ou direito de permanecer em silêncio –, segundo os quais toda pessoa acusada de crime

não será obrigada a testemunhar no julgamento, ou a confessar culpa.

II. O Tribunal Constitucional das Seicheles, utilizando-se da jurisprudência nacional e do direito

comparado, considerou que o relevante não são os vários pronunciamentos judiciais sobre a matéria, mas a

natureza das disposições constitucionais em cada país e a abordagem do direito de igual proteção da lei.

Assinalou-se que a presunção de cometimento de crime, bem como a relação entre o limite e o objeto, deve

observar a proporcionalidade, por ser medida razoável e justificável.

No caso concreto, ao examinar as disposições do Código de Processo Penal e o prosseguimento da ação

penal, o Relator apontou que não havia a obrigação de acusado testemunhar, direta ou indiretamente, como

ocorreu ao final do processo. Isso porque incumbe ao Tribunal decidir se a acusação estabeleceu uma prova

prima facie contra o acusado, isto é, prova suficiente para permitir a suposição ou consolidação de um fato.

O acusado é, em seguida, informado do seu direito de prestar depoimento sob juramento, ou de fazer

declaração do banco dos réus, ou de chamar testemunhas que lhe beneficiem. Assim, como a acusação

conteria a presunção contra o réu, é dada a ele a escolha da defesa. Nota-se que não se trata

necessariamente de um depoimento auto incriminatório, uma vez que a lei dá oportunidade ao acusado de

se absolver e não inculpar a si mesmo. Portanto, não houve violação ao princípio da presunção de inocência.

O Tribunal concluiu que a Constituição das Seychelles, fundada no interesse da sociedade, concede ao

legislador o poder de promulgar qualquer lei que imponha ao acusado o ônus de provar fatos específicos ou

de fazer declarações sobre o crime de que está sendo imputado ou de qualquer elemento que o integra.

Portanto, a presunção de inocência, embora tenha previsão constitucional, não constitui direito absoluto36.

35 Presumption of trafficking

14.(1) A person who is proved or presumed to have had in his possession or custody or under his control –

(…) (e) 25 grammes or more of – (i) cannabis; or (ii) cannabis resin,

36 Texto traduzido e adaptado do resumo “SEY-2002-D-001” inserido na Base de Jurisprudência da Comissão de Veneza (Codices

– InfoBase on Constitution Case Law of the Venice Commission).

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3. Referências

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

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6ª Edição Supremo Tribunal Federal Maio de 2019

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The guardian. Canada becomes second country to legalise Cannabis. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2018/oct/17/cannabis-becomes-legal-in-canada-marijuana 3.2 Bases de Jurisprudência

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Secretaria de Documentação

Coordenadoria de Análise de Jurisprudência

Jurisprudência Internacional

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