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Gastrão 2015 Toracoscopia no tratamento do câncer de esôfago Rubens Antonio Aissar Sallum, Flavio Roberto Takeda, Ivan Cecconello P ara pacientes portadores de carcinoma de esôfago em boas condições clínica e com estadiamento que permitam um tratamento radical, a esofagectomia com linfadenectomia é a melhor opção visando à cura da doença. Este procedimento varia conforme a localização topográfica da lesão e consequentemente a distribuição das cadeias linfonodais alvo para uma ressecção radical (D2 no adenocarcinoma e 3 campos no carcinoma espinocelular). Nas lesões do esôfago torácico, aplica-se (com as variações da localização topográfica: torácico alto, médio e inferior) a chamada esofagectomia com linfadenectomia de “3 campos” onde pretende-se a dissecção de linfonodos em nível cervical torácico e abdominal. Desta forma a incisão em “colar” cervical associada a ampla toracotomia (ou videotoracoscopia) direita e laparotomia / laparoscopia constituem os acessos cirúrgicos necessários para a realização destes procedimentos propostos. Estas esofagectomias com linfadenectomias alargadas ganharam grande espaço no Japão, onde foram empregadas em largas séries com resultados significativamente melhores comparados à esofagectomia clássica. No ocidente, variações destas ressecções ampliadas foram difundidas nos EUA por Skinner, que inclui a remoção da veia ázigos popularizando em língua inglesa esta ressecção como “em bloc” (em bloco) ressecção em bloco incluindo a veia ázigo. Quando se avalia em termos de remoção de linfonodos o que pode ser considerado uma boa linfadenectomia de 3 campos, autores japoneses consideram que o número total removidos nas regiões cervical, torácica e abdominal pode variar de 40 a 74. Considerando a linfadenectomia toracica, há grande variação no número de linfonodos considerados mínimos para este procedimento. A UICC considera que 6 linfonodos são necessários , o Consenso de Milão da ISDE (International Society for Disease of Esophagus) em 1995 estabelece em 15 e uma revisão sistemática de 7 estudos japoneses assinala que pelo menos 20 linfonodos removidos no tórax são necessários. Uma extensa revisão de grandes casuísticas que realizam a esofagectomia com estas amplas ressecções linfonodais assinala uma Mortalidade operatória que varia de 1,0 a 10,3% e sobrevivência de 5 anos global variando de 30,8 a 52,0%. O registro nacional de câncer do Japão em 11.642 pacientes submetidos a esofagectomia de 3 campos, assinala sobrevivência global de 5 anos de de 36,1% e de 10 anos de 25,5%. Este Registro mostra ainda que esta sobrevivência de 5 anos cai progressivamente de 70,2% para o estádio I da doença para 5,5% para o estádio IVb. Este fato é importante, pois muda completamente o panorama tradicional de maus resultados do tratamento cirúrgico do câncer do esôfago, registrando-se sobrevivência Anais do Gastrão 2015 p.116

Toracoscopia no tratamento do câncer de esôfago · 2 curso de atualiação em cirurgia do aparelo digestivo, coloproctologia, ... tardia, vários estudos demonstram que pacientes

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Gastrão 2015

42º Curso de Atualização em Cirurgia do Aparelho Digestivo, Coloproctologia, Transplante de Órgãos do Aparelho Digestivo

Toracoscopia no tratamento do câncer de esôfagoRubens Antonio Aissar Sallum, Flavio Roberto Takeda, Ivan Cecconello

Para pacientes portadores de carcinoma de esôfago em boas condições clínica e com estadiamento que permitam um tratamento radical, a esofagectomia com linfadenectomia é a melhor opção visando à cura da doença. Este procedimento

varia conforme a localização topográfica da lesão e consequentemente a distribuição das cadeias linfonodais alvo para uma ressecção radical (D2 no adenocarcinoma e 3 campos no carcinoma espinocelular).

Nas lesões do esôfago torácico, aplica-se (com as variações da localização topográfica: torácico alto, médio e inferior) a chamada esofagectomia com linfadenectomia de “3 campos” onde pretende-se a dissecção de linfonodos em nível cervical torácico e abdominal. Desta forma a incisão em “colar” cervical associada a ampla toracotomia (ou videotoracoscopia) direita e laparotomia / laparoscopia constituem os acessos cirúrgicos necessários para a realização destes procedimentos propostos.

Estas esofagectomias com linfadenectomias alargadas ganharam grande espaço no Japão, onde foram empregadas em largas séries com resultados significativamente melhores comparados à esofagectomia clássica. No ocidente, variações destas ressecções ampliadas foram difundidas nos EUA por Skinner, que inclui a remoção da veia ázigos popularizando em língua inglesa esta ressecção como “em bloc” (em bloco) ressecção em bloco incluindo a veia ázigo.

Quando se avalia em termos de remoção de linfonodos o que pode ser considerado uma boa linfadenectomia de 3 campos, autores japoneses consideram que o número total removidos nas regiões cervical, torácica e abdominal pode variar de 40 a 74. Considerando a linfadenectomia toracica, há grande variação no número de linfonodos considerados mínimos para este procedimento. A UICC considera que 6 linfonodos são necessários , o Consenso de Milão da ISDE (International Society for Disease of Esophagus) em 1995estabelece em 15 e uma revisão sistemática de 7 estudos japoneses assinala que pelo menos 20 linfonodos removidos no tórax são necessários.

Uma extensa revisão de grandes casuísticas que realizam a esofagectomia com estas amplas ressecções linfonodais assinala uma Mortalidade operatória que varia de 1,0 a 10,3% e sobrevivência de 5 anos global variando de 30,8 a 52,0%.

O registro nacional de câncer do Japão em 11.642 pacientes submetidos a esofagectomia de 3 campos, assinala sobrevivência global de 5 anos de de 36,1% e de 10 anos de 25,5%.

Este Registro mostra ainda que esta sobrevivência de 5 anos cai progressivamente de 70,2% para o estádio I da doença para 5,5% para o estádio IVb. Este fato é importante, pois muda completamente o panorama tradicional de maus resultados do tratamento cirúrgico do câncer do esôfago, registrando-se sobrevivência

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livre de doença em 5 anos mesmo em formas bastante avançadas da doença (estádios III e IV), situações estas onde tratamentos anteriores com ressecções mais econômicas e limitadas acompanhavam-se de sobrevivência tardia nula.

No Serviço de Cirurgia do esôfago da Disciplina de Cirurgia do Aparelho digestivo do HC FMUSP em casos selecionados para estas modalidades de cirurgia de 3 campos, observou-se paralelo com estas casuísticas internacionais. Em 48 casos submetidos a este tipo de ressecção, a sobrevivência global de 5 anos atinge a expressiva marca de 62% , observando-se ainda que mesmo em pacientes com lesões mais avançadas (tumores T3 ou T4) este percentual supera 40%1 -

Figura

Estudo realizado por Ando e cols (Ando N, Ann Surg. 2000 ) mostrou uma análise multivariada de fatores prognósticos em 419 pacientes submetidos a esta modalidade de ressecção mostra que os principais fatores são: profundidade da lesão, metástase linfonodal, linfonodos mediastinais ressecados, número de complicações pós-operatória e ressecção completa.

Esta análise demonstra que não somente os fatores relacionados ao estadiamento da doença estão diretamente implicados no prognóstico, mas também a modalidade de ressecção mais ampliada de linfonodos bem como o número de complicações pos operatórias. Isto mostra a importância no empenho da diminuição da morbi-mortalidade nestes pacientes.

Quando se analisa o número de linfonodos acometidos e a sobrevivência tardia, vários estudos demonstram que pacientes com mais de 3 a 7 linfonodos com neoplasia não se beneficiam destas modalidades de linfadenectomia de 3 campos.

Nishimaki T et al (Nishimaki T Surgery. 1999) demonstram que quando não há linfonodos acometidos-N0 a sobrevivência de 5 anos é de 70,6%, quando temos de

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1 a 4 linfonodos positivos esta cai para 35,7% (número considerado ainda expressivo em câncer do esôfago) e para casos com mais de 4 linfonodos comprometidos a sobrevivência de 5 anos não passa de 5,9%.

Por outro lado as complicações pós- operatórias destas operações são expressivas. Estudo multicêntrico realizado no Japão no início da década de 90 com 96 Instituições somando 4590 pacientes submetidos a esofagectomia de 3 campos assinala 24,9% de complicações pulmonares, 42,3% de outras complicações e 14,0% de paralisia de cordas vocais.

Uma década após o panorama das complicações operatórias não mudou e em 704 pacientes analizados, as complicações pulmonares foram de 26,8% e o índice de paralisia de cordas vocais foi de 16%.

Estes fatos somados mostram que a indicação destes procedimentos cirúrgicos mais alargados devem ser restritos a pacientes em melhores condições clinicas e em situação de estadiamento mais favorável, ou seja, lesões restritas a parede esofágica com evidencia de no máximo poucos linfonodos regionais acometidos e sem doença à distancia. Ainda os fatores prognósticos mostram que empenho contínuo deva ser realizado na tentativa da diminuição das complicações per e pos operatórias, as quais interferem diretamente nos resultados tardios. Neste contexto, várias ações clínicas e cirúrgicas vêm sendo adotadas ao longo das últimas décadas visando a redução destas complicações. O suporte nutricional enteral pré e pos operatório com a utilização de jejunostomia, o suporte ventilatório prolongado e o uso de materiais e técnicas cirúrgicas mais elaboradas vem permitindo minimizar muitas destas complicações.

EsofagEcTomia por viodEoTorascocopia

Neste particular cabe destaque o emprego do acesso minimamente invasivo no tórax, através da videotoracoscopia que pode ser empregada na modalidade assistida (VATS) ou na forma exclusiva. Este procedimento contém o racional de permitir uma ampla dissecção linfonodal no tórax reduzindo-se as complicações mais graves decorrentes da ampla toracotomia necessária.

Em 2002 Serviço de Cirurgia do Esôfago HCFMUSP comparando-se 26 casos submetidos a este procedimento a 22 submetidos a toracotomia verificou-se mortalidade operatória de 7,7 e 9,1% respectivamente e o número de linfonodos dissecados no tórax de 21 e 24. Estes fatos demonstram ser exeqüível e seguro o emprego deste método, não incorrendo em maior mortalidade e permitindo semelhante dissecção linfonodal torácica – Figura

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Em 2014 no mesmo serviço, observamos os seguintes resultados de complicações: Dos 107 pacientes submetidos à esofagectomia por toracoscopia, observamos a ocorrência no intra-operatório em dois pacientes de alteração ventilatória e repercussão hemodinâmica severa, revertidas e sem necessidade de conversão.

As complicações peri-operatórias foram observadas:

- Complicações respiratórias em 26,17% (28 pctes) na sua grande maioria paciente tabagista 96,4%), dos quais 14,02% (15 pacientes) apresentaram atelectasias segmentares, 13,1% (14 pacientes) evoluíram com broncopneumonia e 2,9% (3 pacientes) pneumotórax residual.

- Complicações infecciosas em 8,4% dos pacientes representado pela infecção pulmonar na sua totalidade.

- Fistulas da anastomose esofagogástrica em 17,7% dos pacientes, sendo todas tratadas clinicamente com dilatações endoscópicas semanais. Importante notar que dos 19 pacientes que apresentaram fistula, somente três pacientes não foram submetidos ao tratamento com radioterapia e quimioterapia neoadjuvante.

- Paralisia de corda vocal em 8,4% sendo um paciente com paralisia de corda vocal definitiva.

A mortalidade peri-operatória foi de 0,93%, observando que a taxa de mortalidade em 2 meses foi de 2,8%; todas relacionadas à complicações pós-operatórias com complicações pulmonares e infecção sistêmica.

Aparente maior conforto do paciente submetido a este procedimento menos invasivo vêm sendo observado, corroborado na literatura com estudos que assinalam melhor qualidade de vida e maior preservação da função respiratória nos pacientes submetidos à esofagectomia por videotoracoscopia comparada a operação aberta.

Estudos japoneses mostram em 182 pacientes uma dissecção linfonodal torácica por este método semelhante a encontrada na toracotomia com 20 a 36 linfonodos removidos, acima das casuísticas ocidentais que assinalam em 474 casos a remoção de 7 a 16. A mortalidade global nestas séries variou de 0 a 8%. Em muitas circunstâncias, entretanto estes procedimentos alargados não podem ou devem ser empregados. A tabela 2 resume as principais situações de benefício da via transtorácica.

Tabela 2

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O tratamento para o câncer de esôfago inclui esofagectomia toraco-abdominal com a reconstrução através gastroplastia cervical e anastomose intratorácica ou cervical. Dependendo do pré-operatório estadiamento, um terapia neo-adjuvante deve ser executada (ou radioquimioterapia ou quimioterapia sozinha).

A primeira esofagectomia minimamente invasiva (por toracoscopia) para câncer de esôfago foi relatado por Cushieri et al [Cushieri J R Coll Surg Edinb. 1992], em 1992. Nos anos seguintes, diversos estudos foram publicados em centros que realizaram laparoscópica ou combinado toracotomia / esofagectomia laparoscópica para câncer de esôfago [Luketich JD, JSLS 1998;]. Em 2003, Luketich et al [Luketich JD, Ann Surg 2003] relataram a primeira série maior, com 222 pacientes que se submeteram minimamente invasiva esophagectomy (MIE). Eles realizaram esoafegctomia totalmente laparoscópica toracotomia com um taxa de conversão de 7,2%. À primeira vista, a morbidade taxa parece alta com uma grande taxa de complicação de 32% e uma taxa de deiscência de anastomose de 11,7%. Contudo, ambas as taxas não apresentaram diferença quando compradas com abordagem cirúrgica aberta convencional. Por outro lado, a taxa de mortalidade (1,4%) é muito menor em comparação a esofagectomia aberta (8% -22%) [Birkmeyer JD, N Engl J Med 2002]. Em 2012, os autores [Luketich JD, Ann Surg 2012] relataram resultados com mais de 1000 pacientes submetidos à esofagectomia, comparando MIE e aberta com complicações pós-operatórias. Neste estudo, observou-se que paciente com anastomose intratorácica (Ivor-Lewis) apresentaram resultados semelhantes a pacientes submetidos a técnica aberta, entretanto mostraram menores taxas de complicações do que pacientes com anastomse cervical. Estes resultados indicam que é possível realizar MIE com muito bons resultados perioperatórios, dados estes confirmados por Biere et al [Biere SS, Lancet 2012] em 2012, quando eles apresentaram dados de um ensaio controlado randomizado (RCT), comparando esofagectomia aberta e minimamente invasiva em relação complicações pós-operatórias de curto prazo, encontrando benefícios no grupo minimamente invasivo especialmente em relação infecções pulmonares.

No entanto, a utilização de MIE é limitada pela falta de estudos de alta qualidade sobre o resultado oncológico comparando aberta e laparoscópica abordagem [Decker G, Eur J Cardiothorac Surg 2009], bem como uma falta de alta qualidade de estudos clínicos comparando o padrão-ouro (Ivor-Lewis aberta) para MIE [Noble F, Dis Esophagus 2013]. Portanto, devido à falta de dados, MIE de hoje só deve ser realizada por cirurgiões em centros especializados que são experientes no esôfago minimamente invasiva cirurgia.

Anais do Gastrão 2015 p.120