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IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 588 TRABALHO DIDÁTICO NA EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL AS EXPERIÊNCIAS MODELARES DE MONTESSORI E DESCOEUDRES Samira Saad Pulchério Lancillotti [email protected] (UEMS) Resumo A educação especial emergiu no século XVIII como parte do movimento de expansão da educação escolar burguesa. Surgiu a partir de iniciativas médicas como alternativa educacional para pessoas com deficiência, alijadas da escola comum, organizada para o ensino homogêneo. No início do século XX, o enfoque médicopedagógico, que caracterizava a educação especial, foi dando lugar ao enfoque psicopedagógico sob o influxo do movimento da Escola Nova. Essa influência se fez sentir na educação em geral e contou com ampla contribuição de médicos, psicólogos e educadores europeus, dentre os quais destacamos, para esta análise, Maria Montessori e Alice Descoeudres. A relevância dos trabalhos dessas autoras se deve ao fato de que ambas ainda embasam fortemente a educação ofertada a alunos com deficiência mental, particularmente no âmbito das instituições especializadas. Suas propostas serão analisadas com vistas a indicar de que modo conformaram, no primeiro terço do século XX, o trabalho didático voltado para esse alunado. A análise toma por objeto as obras: Pedagogia Científica, de Maria Montessori e A educação das crianças retardadas, de Alice Descoeudres. Destacase, como ponto comum, o caráter individualizado e ativo dessa educação que é guiada por parâmetros psicológicos, com vistas ao desenvolvimento natural dos alunos, de conformidade com as ideias pregadas pelo movimento escolanovista, que advogava o ensino centrado no aluno. Esse é um discurso que permeou a educação como um todo, mas ganhou espaço privilegiado no campo da educação especial, vindo a nortear as práticas educacionais. Essa penetração foi favorecida, em grande medida, pela conformação periférica da educação desses alunos, no sentido de que a demanda social mais restrita e o caráter mais idiossincrásico desse atendimento escolar impôs o trabalho com pequenos grupos, sendo a pequena escala uma condição indispensável à aplicação dos princípios escolanovistas. Palavraschave: Trabalho didático. Educação especial. Montessor.; Descoeudres. Individualização do ensino. SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA MODERNIDADE Até o século XVIII, as noções acerca da deficiência foram muito marcadas pela visão teológica. A superação dessa perspectiva arrastouse por um longo tempo e teve seu primeiro marco no início do século XVI, com a obra do médico e alquimista Philipus Aureolus Paracelso (14931541), Sobre as doenças que privam o homem da razão, escrita em 1526 e publicada em 1567, postumamente. Pela primeira vez, uma reconhecida autoridade da medicina considerou a deficiência mental como um problema médico e não teológico; para o referido autor, o louco eo idiota seriam “[...] doentes ou vítimas de forças sobrehumanas cósmicas ou não, e dignos de tratamento e complacência” (PESSOTTI, 1986, p.15). Essa visão foi referendada por Jerônimo

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Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

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TRABALHO DIDÁTICO NA EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL ‐ AS EXPERIÊNCIAS MODELARES DE MONTESSORI E DESCOEUDRES 

 Samira Saad Pulchério Lancillotti  

[email protected]  (UEMS) 

 Resumo 

 A educação especial emergiu no século XVIII como parte do movimento de expansão da educação escolar burguesa. Surgiu a partir de  iniciativas médicas como alternativa educacional para pessoas com deficiência, alijadas da escola comum,  organizada  para  o  ensino  homogêneo.  No  início  do  século  XX,  o  enfoque  médico‐pedagógico,  que caracterizava a educação especial, foi dando lugar ao enfoque psicopedagógico sob o influxo do movimento da Escola Nova. Essa  influência se fez sentir na educação em geral e contou com ampla contribuição de médicos, psicólogos e educadores  europeus,  dentre  os  quais  destacamos,  para  esta  análise, Maria Montessori  e  Alice  Descoeudres.  A relevância  dos  trabalhos  dessas  autoras  se  deve  ao  fato  de  que  ambas  ainda  embasam  fortemente  a  educação ofertada a alunos com deficiência mental, particularmente no âmbito das instituições especializadas. Suas propostas serão analisadas com vistas a indicar de que modo conformaram, no primeiro terço do século XX, o trabalho didático voltado  para  esse  alunado.  A  análise  toma  por  objeto  as  obras:  Pedagogia  Científica,  de Maria Montessori  e  A educação das crianças retardadas, de Alice Descoeudres. Destaca‐se, como ponto comum, o caráter individualizado e ativo dessa educação que é guiada por parâmetros psicológicos, com vistas ao desenvolvimento natural dos alunos, de conformidade com as ideias pregadas pelo movimento escolanovista, que advogava o ensino centrado no aluno. Esse é  um  discurso  que permeou  a  educação  como  um  todo, mas  ganhou  espaço  privilegiado no  campo  da  educação especial,  vindo  a  nortear  as  práticas  educacionais.  Essa  penetração  foi  favorecida,  em  grande  medida,  pela conformação periférica da educação desses alunos, no sentido de que a demanda social mais restrita e o caráter mais idiossincrásico  desse  atendimento  escolar  impôs  o  trabalho  com  pequenos  grupos,  sendo  a pequena  escala uma condição indispensável à aplicação dos princípios escolanovistas.   Palavras‐chave: Trabalho didático. Educação especial. Montessor.; Descoeudres. Individualização do ensino.   

 

SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA MODERNIDADE  

 

Até  o  século  XVIII,  as  noções  acerca  da  deficiência  foram muito marcadas  pela  visão 

teológica. A  superação dessa perspectiva arrastou‐se por um  longo  tempo e  teve  seu primeiro 

marco no  início do  século XVI,  com a obra do médico e  alquimista Philipus Aureolus Paracelso 

(1493‐1541), Sobre as doenças que privam o homem da  razão, escrita em 1526 e publicada em 

1567, postumamente. Pela primeira vez, uma  reconhecida autoridade da medicina considerou a 

deficiência mental como um problema médico e não teológico; para o referido autor, o louco e o 

idiota  seriam  “[...]  doentes  ou  vítimas  de  forças  sobre‐humanas  cósmicas  ou  não,  e  dignos  de 

tratamento  e  complacência”  (PESSOTTI,  1986,  p.15).  Essa  visão  foi  referendada  por  Jerônimo 

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Cardano  (1501‐1576),  filósofo,  matemático  e  médico  que,  além  de  reconhecer  implicações 

orgânicas nos quadros de deficiência mental, se preocupava com a questão da instrução dessas 

pessoas. 

Em  Londres,  no  ano  de  1664,  foi  publicado  o  trabalho  de  Thomas Willis  (1621‐1675), 

Cerebri Anatome, no qual o autor assumiu uma postura organicista diante da deficiência mental, 

para ele resultante de lesões ou disfunção do sistema nervoso central. Sua análise foi enriquecida 

e complementada pelo trabalho de Francesco Torti (1658‐1741) que, ao relacionar os quadros de 

deficiência  com mala  aira  (malária,  ou mau  ar  dos  pântanos)  apontou,  pela  primeira  vez,  a 

concorrência de  fatores  ambientais  como determinantes da deficiência mental  (PESSOTI, 1986, 

p.20). 

Contudo,  foi apenas com a superação da doutrina vigente sobre a mente humana e suas 

funções que essas ideias começaram a penetrar o senso comum. Essa superação está demarcada 

pelos trabalhos de John Locke (1632‐1704), filósofo, médico e político inglês, que sistematizou em 

uma de  suas principais obras  “Essay  concerning Human Understanding”, editada em 1690,  sua 

filosofia empirista. Para ele, uma das fortes evidências de que as ideias não são inatas está no fato 

de que tanto as crianças como os idiotas não as apreendem.   

 

Se, portanto, as crianças e os  idiotas possuem almas, possuem mentes, dotadas destas  impressões,  devem  inevitavelmente  percebê‐las,  e  necessariamente conhecer e assentir  com estas  verdades;  se, ao  contrário, não o  fazem,  tem‐se como evidente que essas impressões não existem (LOCKE, 1978, p.146). 

 

Locke  considerou  que  a mente  equivaleria  a  uma  tábula  rasa  na  qual  as  ideias  seriam 

impressas a partir das sensações. 

 

Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer idéias; como ela será suprida? De onde lhe provém este  vasto estoque, que a ativa e que apreende  todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso  conhecimento  está  nela  fundado,  e  dela  deriva  fundamentalmente  o próprio conhecimento (ibid., p. 159). 

 

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De acordo com Pessotti, Locke inaugura simultaneamente uma teoria do conhecimento e 

uma  doutrina  pedagógica;  o  primado  da  sensação  passa  de  preceito  pragmático  a  principio 

filosófico  e  pedagógico  geral,  com  uma  didática  decorrente  (1986,  p.  22).  Essas  ideias 

influenciaram, sobremaneira, o pensamento e a educação que se seguiram.   

Ressalte‐se que, nesse período, a educação ainda se estabelecia, predominantemente, por 

meio de uma  relação  individualizada entre preceptor e discípulo, só estando disponível para os 

mais  abastados  (ALVES, 2001).  Sendo essa  a  relação educativa dominante,  fica evidente que  a 

educação de pessoas com deficiência era organizada nos mesmos moldes. Lacerda coloca o  fato 

em destaque, ao abordar a educação de surdos: 

 

É no início do século XVI que se começa a admitir que os surdos podem aprender através de procedimentos pedagógicos sem que haja interferências sobrenaturais. [...]  A  figura  do  preceptor  era muito  frequente  em  tal  contexto  educacional. Famílias nobres e  influentes que tinham um  filho surdo contratavam os serviços de  professores/preceptores  para  que  ele  não  ficasse  privado  da  fala  e consequentemente  dos  direitos  legais,  que  eram  subtraídos  daqueles  que  não falavam. (LACERDA, 1998, não paginado). 

 

Na  transição do século XVIII para o XIX,  Jean Marc Gaspard  Itard  (1774‐1838) propôs um 

programa  educativo  individual  para  o menino  Victor  de  l’Aveyron  1.  Galvão  e  Dantas  (2000) 

assinalam  que  ele  seguia  o  modelo  educacional  dominante  à  época  que  era,  justamente,  o 

preceptorado, e afirmam que “a consolidação de instituições de educação coletiva só foi ocorrer 

ao  longo daquele  século,  com  a progressiva organização dos  Estados nacionais e dos  sistemas 

públicos de educação.” (GALVÃO; DANTAS, 2000, p.86).  

Segundo Bueno,  

A educação especial  surge nas  sociedades ocidentais  industriais no  século XVIII, como  parte  pouco  significativa  de  um  conjunto  de  reivindicações  de  acesso  à riqueza  produzida  (material  e  cultural)  e  que  desembocou  na  construção  da democracia republicana representativa, cujo modelo expressivo  foi o  implantado na França pela Revolução de 1789. [...] o acesso à escolarização dos deficientes foi sendo conquistado ao mesmo tempo em que se conquistava este mesmo acesso para as crianças em geral.  [...] A Educação Especial nasceu voltada para a oferta 

                                                           1 Um menino de hábitos selvagens encontrado na virada do século XVIII  para o XIX nas florestas do Sul da França, com idade estimada em torno dos 12 – 15 anos de idade, chamado posteriormente de Victor. 

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de  escolarização  de  crianças  cujas  anormalidades  foram  aprioristicamente determinadas como prejudiciais ou impeditivas para sua inserção em processos regulares de ensino. E esta não é uma mera diferença de ênfase na análise do percurso  histórica  da  Educação  Especial,  mas  uma  diferença  de  fundo, demonstrativa do  caráter de  segregação do  indivíduo anormal e dos processos exigidos pelas novas formas de organização social (1994, p. 37, grifo nosso). 

 

Fica, então, marcada a oposição anormalidade/normalidade como distintiva entre as duas 

propostas educacionais. A educação geral, regular, incumbir‐se‐ia de atender o aluno normal, que 

respondia ao padrão esperado para seu tempo, e a educação especial atenderia o aluno anormal, 

que diferia daquele padrão.  

As primeiras instituições voltadas ao atendimento de crianças com deficiência surgiram na 

segunda metade do século XVIII. Em Paris, em 1760, surgiu a escola do Abade Charles M. Epée, 

voltada ao atendimento da  criança  surda,   que, posteriormente,    foi  transformada no  Instituto 

Nacional de Surdos‐Mudos. A escola para cegos foi instituída por Valentim Haüi, em 1784 e, após a 

Revolução Francesa, passou a chamar‐se Instituto dos Jovens Cegos de Paris.  

O atendimento escolar de pessoas com deficiência física e mental tardou mais; apenas em 

1832  surgiu em Munique, na Alemanha, uma  instituição  voltada ao  atendimento do deficiente 

físico.  A primeira instituição, bem sucedida, no atendimento de alunos com deficiência mental foi 

a Escola de Abendberg, criada em 1840, por um médico suíço de nome Guggenbühl, alojada em 

uma montanha no Cantão de Berna, (MAZZOTTA, 1996, p.22).  

É  importante  assinalar  que,  desde  1816,  já  haviam  sido  feitos  ensaios, malfadados,  de 

criação  de  serviços  educacionais  para  os  imbecis  e  idiotas,  o  primeiro  deles,  em  1816,  em 

Salzburgo. Outras experiências foram feitas na década de 1830, em França, no hospital de Bicêtre 

e em Salpêtrière, também mal sucedidas por falta de apoio financeiro (PESSOTI, 1984, p.95).  

O movimento  de  ampliação  da  educação  especial  se  deu  na mesma medida  em  que 

ocorreu a expansão da educação geral; não aconteceu, porém, no mesmo ritmo. O atendimento 

manteve‐se, por longo  tempo, em escolas e instituições paralelas, no mais das vezes, de caráter 

privado. Essa pode ser apontada como uma marca da educação especial, pois o subsídio público 

nunca foi o bastante para atender, minimamente, a demanda dos necessitados desse ensino. 

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A  escola  comum  não  era  lugar  para  o  aluno  anormal,  pois  ele  perturbaria  a  ordem 

estabelecida  e  não  teria  atendimento  adequado  às  suas  necessidades  específicas.  Sobre  o 

atendimento educacional do deficiente mental, Carneiro Junior assim se expressou:  

 

Si  aprofundarmos  as  nossas  observações  sobre  as  creanças  que  frequentam escolas publicas, nos convenceremos de que, além dos  idiotas profundos e semi idiotas,  cretinos  e  imbecis,  que  geralmente  são  dellas  afastados,   —  há  ainda phrenastenicos ou defficientes, tardios ou  fracos de espírito, tarados e  instaveis que  as  frequentam  com  perda  de  tempo,  perturbação  para  o  regimem  e disciplina  da  escola  e  prejuizo  certo  para  sua mentalidade  defeituosa  (1913, p.27, grifo nosso).2 

 

Saliente‐se que o atendimento da escola comum tomava como referência o aluno médio, 

pois  só  assim  seria possível  a  instituição do ensino  coletivo.  Se o mestre  artesão,  a  seu  tempo, 

voltava‐se  ao  atendimento  individualizado de  seu discípulo, o professor, por  sua  vez, passou  a 

utilizar  ferramentas  como  o  quadro  de  giz  e  o  livro  didático,  que  lhe  permitiram  atender 

coletivamente a todos os alunos. Comenius indicava esse caminho em sua Didáctica Magna:  

 

[...] o nosso método encontra‐se adaptado às inteligências médias (das quais há sempre muitíssimas), de  tal maneira que nem  faltem os  freios para moderar as inteligências mais  subtis  (para  que  não  enfraqueçam prematuramente),  nem  o acicate e o estímulo para incitar os mais lentos.  [...] no exército escolar, convém proceder de modo que os mais lentos se misturem com os mais velozes, os mais estúpidos  com  os mais  sagazes,  os mais  duros  com  os mais  dóceis,  e  sejam guiados  com  as mesmas  regras  e  com  os mesmos  exemplos,  durante  todo  o tempo em que tem necessidade de ser guiados. (COMÉNIO, 1985, p.177‐178, grifo nosso). 

 Na  transição  do  século  XIX  ao  XX,  o  enfoque médico‐pedagógico,  que  caracterizava  a 

educação  de  crianças  com  deficiência  mental,  foi  dando  lugar,  ao  enfoque  psicopedagógico 

(JANNUZZI,  2004),  que  avançava  na  educação  como  um  todo,  sob  o  influxo  de  um  amplo 

movimento de reforma pedagógica que, a despeito de diferenças internas, ficou conhecido sob a 

denominação genérica de Escola Nova.  

                                                           2 Miguel de Carneiro Junior publicou, em 1913, um estudo sobre a Educação das creanças anormaes, realizado por determinação do Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo, Dr. João Chrisostomo Bueno dos Reis Júnior. 

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Essa influência se fez sentir, particularmente, por meio das experiências desenvolvidas por 

médicos e educadores europeus, dentre os quais destacamos, para essa análise, Maria Montessori 

e Alice Descoeudres.  

A  relevância dos  trabalhos dessas autoras se deve ao  fato de que ambas ainda embasam 

fortemente as práticas educacionais voltadas para alunos com deficiência mental, particularmente 

aquelas que se desenvolvem no âmbito das  instituições especializadas, como APAE e Pestalozzi. 

Foram  também  inspiradoras  para  a  educação  regular,  como  se  pretende  evidenciar.  Suas 

propostas serão analisadas, com vistas a indicar de que modo conformaram o  trabalho didático 

voltado à educação de pessoas com deficiência mental, no primeiro terço do século XX. 

 

MONTESSORI E A EDUCAÇÃO DOS DEFICIENTES MENTAIS 

 

Maria Montessori  (1869‐1952)  foi a primeira médica  formada na  Itália, pela Universidade 

de Roma – por isso ser conhecida como a ‘doutora’ –, e destacou‐se na educação do período por 

conseguir avançar na proposição de uma educação de caráter individualizado.  

Montessori articulou‐se com os esforços do movimento de  renovação educacional,  tendo 

por base os princípios  froebelianos e os  avanços da  ciência psicológica.  Seguindo os passos de 

Édouard Séguin3, manteve foco inicial na educação de crianças com deficiência mental; foi sobre 

essa experiência que a autora fundou um método de educação adequado ao pré‐escolar, pelo qual 

é mundialmente reconhecida. 

Na  terceira edição, corrigida e ampliada, do livro Pedagogia Científica, Montessori  indica 

que  seu método  nasceu da  experiência  com  crianças  anormais,  desenvolvidas  nos  orfanatos  e 

classes de alunos lentos. Indica ainda que:  

 

[...] o sistema educativo oferecido nas Case dei Bambini nasceu de fato e deve sua existência a causas muito mais distantes; e se o processo da presente experiência 

                                                           3  Édouard  Séguin  (1812‐1880)  ‐ médico  francês,  seguidor  de  Jean Marc  Itard,  julgou  que  o  idiotismo  resultava de perturbações no desenvolvimento mental. Ocupou‐se da educação de crianças com deficiência mental e procurou sistematizar uma proposta educacional que atendesse às suas particularidades. Lançou mão do uso de brinquedos, materiais concretos e atividades manuais, com vistas ao desenvolvimento da capacidade  imaginativa e de análise dessas crianças. Ocupou‐se, também, da formação de professores para a educação desse alunado. 

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com  crianças  normais  foi  tão  breve,  se deve ao  fato  de  ter  sido  precedida de muitas outras feitas com crianças anormais e que representam um longo trabalho intelectual. (MONTESSORI, 1937, p.33, tradução nossa). 

   Trabalhou  como professora  auxiliar em  clínica de psiquiatria na Universidade de Roma, 

ocasião em que tomou contato estreito com os pacientes dos manicômios, e entre suas  funções 

estava  a  de  selecionar  aqueles  pacientes  elegíveis  para  ensino  clínico.  Foi  nesta  ocasião  que 

conheceu o ensino de crianças idiotas e se interessou por ele.      Naquele período estava em pauta 

a  organoterapia  tireoidiana,  e  a  autora  assinala  que,  entre  confusões  e  exageros,  o  êxito  no 

tratamento de alguns pacientes alertava os médicos para as necessidades das crianças com idiotia.  

Foi  a  partir  deste  primeiro  contato  que  tomou  conhecimento  do método  educacional 

desenvolvido  por  Édouard  Séguin  e  desenvolveu  interesse  pela  eficácia  dos  tratamentos 

pedagógicos, com vistas a curar condições mórbidas como surdez, paralisia, idiotismo, raquitismo, 

entre outros Considerou que a articulação da pedagogia com a medicina era uma conquista da 

modernidade e sobre essa base se estabeleceria uma terapia pelo movimento.   

Em oposição à maioria de seus colegas, afirmou que a questão dos deficientes era antes 

uma questão pedagógica do que médica.  Foi assim que propôs no Congresso Pedagógico de Turin, 

em 1898, um método de educação moral, que ganhou divulgação e alcançou grande interesse por 

parte  das  escolas.  Desse  modo,  Montessori  passou  a  realizar  uma  série  de  palestras  para 

professores sobre a educação de crianças anormais. 

Com o  tempo,  seu  curso  levou  à proposição de uma Escola Normal Ortofrênica, que  foi 

dirigida por ela durante dois anos. A escola era mantida por um  Instituto que, além de oferecer 

um externato, passou a atender crianças com deficiência mental nos manicômios de Roma. 

Foi um período de trabalho febril, no qual a própria Montessori, depois de uma estadia em 

Londres e Paris estudando a educação dos anormais, se colocou em posição de ensinar as crianças 

e dirigir a obra das educadoras de crianças anormais do Instituto.  Nesse período, passou a ensinar 

pessoalmente as crianças, das oito da manhã às sete da noite, sem interrupção. A própria autora 

considera que esses dois anos de prática a credenciaram como pedagoga.  

A partir dessa experiência, começou a  intuir que aqueles métodos de ensino não  tinham 

nada  de  especial  para  a  instrução  de  deficientes:  eram  métodos  adequados  à  educação  de 

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qualquer  um,  já  que  se  assentavam  sobre  princípios  de  educação  mais  racionais  do  que  os 

vigentes.  

Montessori credita os avanços da educação especial aos trabalhos pioneiros de Peréire, do 

Instituto  de  Surdomudos  de  Paris  e  ao  trabalho  de  Itard  com  o  Selvagem  de  Aveyron, mas, 

considera  que  a  Édouard  Séguin  corresponde  o mérito  de  haver  completado  um  verdadeiro 

sistema  educativo  para  crianças  anormais.  Seu método  foi  exposto  em  um  livro  de mais  de 

seiscentas  páginas,  publicado  em  Paris,  em  1846,  sob  o  título:  Tratamento Moral,  Higiene  e 

Educação dos Idiotas. (MONTESSORI, 1937, p.35‐36) 

Após a publicação da obra, Séguin migrou para os EUA onde, depois de outros vinte anos 

de experiência, publicou uma segunda edição de seu método com novo título: Idiotia ‐ tratamento 

pelo método fisiológico.  

A  pequena  penetração  da  obra  de  Séguin  nos  países  europeus  levou  Montessori  a 

considerar  que  sua  obra  havia  sido mal  compreendida.  Verificou  que  era  frequente  o uso  do 

material indicado por ele, contudo, seu uso era  feito de  forma mecânica, cada professor seguia 

seus próprios hábitos, motivo pelo qual, na prática, o método se revelava infrutífero.  

Para a autora, o que não permitia aos professores retirar proveito do método era a forma 

como compreendiam a indicação de que se deveriam colocar no nível dos alunos.  

Sabe que vai educar crianças deficientes e por isso não consegue educá‐los, assim ocorre  que  muitos  professores  de  deficientes  acreditam  educar  as  crianças colocando‐se  a  seu  nível  com  jogos  e  bufonadas,  e  às  vezes  dizendo  puras bobagens (MONTESSORI, 1937, p.37, tradução nossa). 

 

Considerou que, muito ao contrário, o importante era despertar o homem que dorme na 

alma da  criança. A partir da obra de  Séguin, Montessori  começou  a desenvolver  suas próprias 

reflexões que resultaram em seu método original.  

Uma  das  suas  contribuições  diz  respeito  ao  ensino  simultâneo de  leitura  e  escrita que, 

segundo  considerou,  constava defeituosa  tanto nos  trabalhos de  Itard  como nos de  Séguin. As 

crianças  deficientes  foram  auxiliadas  por  ela  no  seu desenvolvimento  psíquico,  e  conseguiram 

aprender  leitura e escrita; algumas delas prestaram exames em escolas públicas e conseguiram 

aprovação junto com outras crianças normais. 

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Seu  trabalho  foi  tecido  nos mesmos moldes  da  educação  de  Séguin  que  conduzira  o 

deficiente de uma vida limitada a uma vida de relações. “Da educação dos sentidos às noções; das 

noções às ideias e das ideias à moralidade” (SÉGUIN apud MONTESSORI, 1937, p. 40). 

A autora considerou a necessidade de  refletir demoradamente sobre as obras de  Itard e 

Séguin e, para tanto, tratou de copiar suas obras com escrita caligráfica. Afirma que o fez devagar 

e com boa letra para ter tempo de refletir sobre cada ideia e consideração dos mestres. Quando 

estava por terminar a cópia do primeiro livro de Séguin, chegou‐lhes às mãos sua segunda obra, 

em inglês, que começou a traduzir com auxilio de uma senhora inglesa.  

Para ela, a segunda obra trazia a filosofia das experiências expostas na primeira obra, pelo 

que observa:  

 

O homem, que havia estudado, durante trinta anos, as crianças anormais expunha a ideia de que o método fisiológico isto é, o método que tivesse por base o estudo individual do aluno e, nos procedimentos educativos, tivesse em conta a análise dos  fenômenos  fisiológicos  e  psíquicos,  também  devia  ser  empregado  para as crianças  normais,  do  que  resultaria  a  regeneração  de  toda  a  humanidade. (MONTESSORI, 1937, p.41, tradução nossa). 

 

  Montessori viu nessas palavras a expressão de um visionário que conseguira abarcar com o 

pensamento  a  ação que  seria  capaz de  reformar  a escola e  a educação. A despeito de  todo o 

crédito  conferido  por  ela  às  obras  do  autor, Montessori  acabou  por  abandonar  o método  de 

Séguin, por considerá‐lo trabalhoso e pouco efetivo. Em suas palavras: “[...] a enorme quantidade 

de procedimentos e de esforços que exigia era desproporcional, em vista dos exíguos resultados. 

Todos me repetiam: sobram muitas coisas para fazer na educação das crianças anormais” (ibid.; p. 

40, tradução nossa). 

  Tomando por base as ideias de Séguin, desenvolveu seu próprio método, de educação para 

os anormais, enfatizando a individualidade do aluno. Ao cabo de algum tempo ponderou que seu 

método poderia  contribuir para o desenvolvimento  infantil, de  forma  geral,  constituindo‐se em 

“higiene da personalidade humana normal” (ibid., p.43) e, a partir dessas considerações, lançou‐se 

em definitivo, na experimentação de seus métodos nas classes elementares da escola primária, 

com alunos normais.  

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 Toda a proposta educacional desenvolvida por Montessori assentou‐se sobre a educação 

dos sentidos. A autora destacou a necessidade de avançar na preparação metódica dos indivíduos 

para  as  sensações.  Considerava  que  a  educação  dos  sentidos  tinha  enorme  importância 

pedagógica, seria a base necessária ao pleno desenvolvimento biológico sobre o qual se assentaria 

a adaptação social dos sujeitos. 

  Segundo ela: 

 

Nosso objeto educativo deve ser o de ajudar o desenvolvimento da infância, não o de  dar‐lhe  cultura.  Por  isto,  depois  de  haver  oferecido  à  criança  o  material didático  adequado  para  provocar  o  desenvolvimento  dos  sentidos;  devemos esperar  que  se  desenvolva  a  atividade  de  observação.  (ibid.,  p.  199,  tradução nossa). 

 

A educação montessoriana funda‐se no principio de apoio ao desenvolvimento natural do 

individuo, sem preocupar‐se com a transmissão cultural, sobre a qual estava assentada a educação 

de  seu  tempo.  Para  alcançar  tal  intento,  a  autora  propôs  a  adaptação  do  ambiente  às 

necessidades  e  personalidade  dos  alunos.  Considerou  que  a  vigilância  do  adulto  e  os 

ensinamentos deveriam  ser  reduzidos  ao mínimo necessário. Quanto  ao espaço  físico propôs  a 

utilização de móveis e objetos simples, atraentes e práticos, que fosse estimulantes e seguros para 

a atividade infantil.  

 

A  tarefa  da  educação  se divide  entre a mestra  e  o ambiente. A  antiga mestra ‘ensinante’  foi  substituída  por  um  conjunto muito mais  complexo;  quer  dizer, coexistem  com  a  mestra muitos  objetos  (os meios  de  desenvolvimento)  que contribuem para a educação da  criança. A profunda diferença que existe entre nosso método e as  chamadas  ‘lições de  coisas’ dos métodos antigos reside em que os ‘objetos’ não são uma ajuda para a mestra que há de explicar suas lições, ou  seja,  não  são  ‘meios  didáticos’.  São,  em  contrapartida,  uma  ajuda  para  a criança que os escolhe, que se apropria deles, os utiliza e se exercita segundo suas próprias  tendências  e  necessidades  e  conforme  os  impulsos  que  o  objeto desperta. Desta  feita, os objetos se convertem em  ‘agentes estimulantes de sua própria atividade’. Os objetos, não o ensino da mestra, são o principal; e, como quem  os utiliza  é  a  criança,  este  é o  ente ativo,  não  a mestra.  (MONTESSORI, 1937, p. 176, grifo nosso, tradução nossa). 

 

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Como  se  observa,  os  meios  de  trabalho  adquirem  preponderância  no  método 

montessoriano,  nessas  condições  o  papel  do mestre  se  restringe  ao  apoio  no  uso do material 

disponível. Considera a autora que as professoras das escolas montessorianas, deveriam renunciar 

à posição de ‘ensinantes’ e adotar uma nova postura: auxiliar as crianças a explorar plenamente o 

material disponível.  

 

A mestra deve conhecer muito bem o material, tê‐lo sempre muito presente na memória e aprender com exatidão a técnica experimentalmente determinada de apresentar  o material  e  tratar  a  criança  convenientemente  para  guiá‐la  com eficácia. Isto é o essencial na preparação da mestra. Poderá estudar teoricamente alguns  princípios  gerais  utilíssimos  para  orientar‐se  na  prática, mas  só  com  a experiência  adquirirá  as  delicadas  modalidades  que  variam  tratando  com indivíduos distintos,  para  não  entreter mentes  já  desenvolvidas  com materiais inferiores às capacidades individuais, provocando o fastio, e não oferecer objetos que a  criança  não pode apreciar ainda,  esfriando assim o  primeiro  entusiasmo infantil. (ibid., p. 177, tradução nossa).  

  

Para a autora, quando uma criança se auto‐educa e o próprio material lhe indica os erros, 

resta muito pouco à professora, nessas condições sua ação se restringe à observação e direção da 

atividade psíquica e do desenvolvimento fisiológico da criança. O método montessoriano também 

confere grande destaque à ordenação do ambiente educacional, os objetos presentes nas classes 

devem ser cuidadosamente dispostos, ao alcance das crianças e devem ser definidos a partir das 

necessidades  e  possibilidades  de  cada  etapa  do  desenvolvimento  infantil.  De  cada  objeto 

particular deverá existir apenas um exemplar; o material deve ser atrativo, colorido, simples, leve 

e, ao mesmo tempo, resistente. 

 Cada  criança  poderá  utilizar  os  brinquedos  e  objetos  disponíveis  segundo  seu  próprio 

interesse e ritmo. Após o uso, deverá limpá‐lo e devolve‐lo ao lugar de origem, para que possa ser 

utilizado  por  um  colega.  Montessori  pretende  eliminar  as  disputas  infantis  por  meio  da 

instauração de uma regra simples: caso uma criança queira utilizar qualquer objeto que esteja de 

posse de um colega, deverá aguardar que seja disponibilizado, esse expediente também permitiria 

exercitar a disciplina e a paciência. 

Considera  a  autora  que  seu  método  oferece  resposta  para  o  problema  da  educação 

individual  podendo  servir  tanto  ao  atendimento  educacional  de  alunos  normais  como  dos 

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deficientes,  com  um mínimo  de  gasto  e  energia,  superando  os  limites  das  propostas  de  seus 

contemporâneos que se assentaram na redução do número de alunos por classe.  

Ponderou que, sob seu método, fundado na auto‐educação, não seria necessário reduzir o 

numero de alunos por classe nem dispor de grande volume de recursos didáticos, tampouco seria 

necessário  recorrer  a  profissionais  altamente  especializados. Muito  ao  contrário,  seria  possível 

atender  ao  menos  quarenta  alunos  por  classe,  sem  que  o  mestre  necessitasse  qualquer 

preparação científica, bastaria que soubesse aplicar bem a arte de eliminar‐se, e não obstaculizar 

o desenvolvimento natural da criança. 

Esse  processo  seria  guiado  pela  identificação  e  uso dos  períodos  sensitivos,  referências 

psicológicas da nova educação. Oferecer à criança as atividades atinentes às necessidades de cada 

etapa, este seria o problema da nova pedagogia. Montessori reconheceu que essa tarefa não seria 

fácil, pois grande parte dos conteúdos escolares são definidos a partir de critérios culturais e não 

psicológicos.  

Ao  comparar  seu método  com as demais experiências modernas de educação, a  autora 

destaca:  

 

Até  nas  escolas  chamadas  modernas,  onde  se  acredita  oferecer  educação individual, existe uma marcada diferença com as escolas Montessori. Ali existe um professor  que  ensina  uniformemente  a  coletividade,  conceito  profundamente diferente do aluno no método Montessori, que  consiste em  livrar a  criança do professor  que  ensina  e  substituí‐lo  por  um  ambiente  onde  a  criança  possa escolher o que é adequado a seu próprio esforço e às necessidades íntimas de sua personalidade. (MONTESSORI, 1965, p. 93, tradução nossa) 

 

Destaca  que  em  seu método  parte‐se  do princípio  de que  é  a  pedagogia  que  revela  a 

psicologia e não o contrário, ou seja, considera que as atividades psíquicas só se revelariam pela 

atividade espontânea do aluno e não a partir de um a priori, desse modo estabelece uma crítica a 

outras  formulações  pedagógicas  que  consideram  possível  conhecer  o  educando  de  antemão  a 

partir da ciência psicológica (ibid., p. 94). 

No que tange aos programas de estudo e instrução, a autora defende que sejam definidos 

a partir da personalidade de cada aluno tomando por guia sua idade e nível de desenvolvimento, 

ao invés do ano escolar.   

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Com  respeito às marcas distintivas entre alunos com deficiência e os normais destacou a 

autora:  

A  primeira  e  fundamental diferença  entre uma  criança mentalmente  inferior  e uma  criança normal, quando  colocadas diante de um mesmo material, é que o deficiente  não manifesta  um  interesse  espontâneo  e  é  necessário  chamar‐lhe continuamente  a  atenção,  instigando‐o  a  observar  e  comparar,  exortando‐o  à ação (MONTESSORI, 1937, p. 207, tradução nossa). 

 

A autora considerou que, com seu método, seria possível atender na mesma classe, alunos 

com perfis diferentes, quando o contexto não permitisse a instituição de escolas graduadas. 

Nossos métodos têm a vantagem, para sua aplicação nas escolas, de poder reunir em  uma  única  classe  crianças  que  tenham  alcançado  distintos  graus  de adiantamento. Em nossas primeiras “Case dei Bambini” estão reunidas crianças de dois  anos  e  meio,  que  apenas  chegam  à  realização  dos  primeiros  exercícios sensoriais, com crianças de mais de cinco anos, que em pouco tempo poderiam passar à terceira classe da escola pública. Cada um se aperfeiçoa por si mesmo e avança segundo sua potencialidade individual. Este método seria muito vantajoso e  facilitaria o ensino nas escolas rurais e naquelas  localidades onde a escola não pode graduar‐se. [...] Outra de suas vantagens consiste em que a professora pode passar o  dia  todo  sem  fatigar‐se,  nem  consumir  suas  forças  com  crianças  que tenham alcançado distintos graus de desenvolvimento; assim como uma mãe que vive  sem  cansar‐se entre  seus  filhos de distintas  idades  (ibid., p. 336,  tradução nossa). 

 

A partir dessas  considerações nos parece  legítimo  inferir que, a despeito de  reconhecer 

diferenças entre  as  crianças normais e anormais,  a  autora admitiria a possibilidade de atender 

alunos com deficiência em classes normais, naquelas condições em que a proposição das classes 

graduadas  não  fosse  possível  e  desde  que  o  professor  atentasse  às  necessidades  e  ritmos 

particulares de seus alunos.  

Montessori ponderou que seu método não elimina o professor, mas lhe propõe um novo 

papel:  de  guia  dirigente  e  animador.  Segundo  a  autora,  o  professor  deve manifestar  genuíno 

interesse  pelos progressos  dos  seus  alunos,  deve  ser  inteligente,  sensível  e  vivaz,  com  grande 

saber e experiência, de modo a infundir respeito e admiração nas crianças.  

 

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A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS RETARDADAS ‐ A OBRA DE ALICE DESCOEUDRES 

 

Alice Descoudres  (1877‐1963), pedagoga genebrina, é  importante  referência da educação 

especial  no  campo  da  deficiência mental.  Foi  uma  das  fundadoras  do  Instituto  Jean  Jacques 

Rousseau,  em  Genebra,  onde  atuou  como  assistente  de  Édouard  Claparède A  autora  iniciou  a 

prática na  área  em  1909,  quando  aceitou  a  direção  de uma  classe  de  alunos  retardados,  em 

Genebra. De 1912 a 1947, manteve um curso sobre a educação de alunos com deficiência mental 

e  organizou,  no  referido  Instituto,  estágio  para  estudantes  que  pretendiam  aprofundar  seus 

conhecimentos nessa área. Descoeudres recebeu forte influência dos trabalhos de Ovide Decroly, 

psiquiatra e pedagogo com quem  tivera contato nas escolas belgas, voltadas ao atendimento de 

deficientes mentais, na condição de estagiária. 

Teve importante papel na construção de instrumentos e  técnicas de psicologia aplicada à 

educação,   e na realização de experiências psicológicas não apenas na sua escola, mas também 

“[...]nos  lares  familiares, nos  jardins públicos, nos ônibus  ... em  todo o  ambiente natural onde 

pôde  encontrar  crianças  para  observar,  indagar,  registrar  seus  comportamentos  e  respostas”.  

(ANTIPOFF, In: DESCOEUDRES, 1963, p. 8). 

Seu  livro  Education  des  Arriéres  teve  sua  primeira  edição  publicada  em  1916,  em 

Neuchâtel, sob o título L'éducation des enfants anormaux pela editora Delachaux & Niestlé S.A. A 

versão que  foi publicada no Brasil, em 1968, corresponde à 3ª edição da mesma obra,  revista e 

rebatizada  pela  autora4.    A  edição  em  português  foi  traduzida  e  publicada  por  iniciativa  da 

Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, à época  sob  a direção de Helena Antipoff, e  teve  amplo 

apoio  do  Governo  Estadual,  com  a  intenção  de  divulgar  mais  amplamente  os  métodos  da 

pedagogia moderna.  

No primeiro capítulo da obra, a autora  trata de definir quem são as crianças anormais, e 

apoia‐se em outros autores (Ley, Binet e Simon) para indicar que anormal ou débil é a criança que: 

 

                                                           4 Descoeudres  inicia o  livro  justificando a mudança do título. “Muito humildemente, deveríamos dizer aqui o nosso mea culpa por termos, com o título das duas primeiras edições deste livro, contribuído para popularizar esse termo – ‘anormal’‐ cujo desaparecimento da linguagem popular é de esperar‐se.” (1968, p.3). 

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[...] chega a comunicar verbalmente e por escrito com os seus semelhantes, mas que apresenta um retardamento escolar de dois anos – se tem menos de 9 anos – e de 3 anos, se tem mais de 9 anos – contanto que esse retardamento não ocorra por conta de uma insuficiência de escolaridade. (DESCOEUDRES, 1968, p. 25). 

 

  A partir da citação, fica claro que Descoeudres faz referência ao alunado que, comparado à 

criança‐tipo,  apresenta  atraso  sistemático nas  aquisições  acadêmicas, dando  lugar  a uma nova 

categoria no  âmbito  da deficiência mental, o  anormal  ou  débil,  que  se  somaria  aos  imbecis  e 

idiotas, dos quais se diferenciam por apresentarem habilidades sociais de base; no entanto, indica 

a  autora que esses quadros  são de difícil diagnóstico por diferirem muito pouco de  seu  grupo 

etário (ibid., p. 25).5 

  Com  respeito  ao  atendimento  escolar  de  alunos  com  deficiência  mental,  em  geral, 

Descoeudres assinala que os sistemas escolares preveem atendimento diferenciado, a depender 

do  grau  de  comprometimento.  Para  os  profundamente  anormais,  estariam  disponíveis  os 

internatos e para os retardados, os externatos. 

  A  autora  considerou  que  a  condição  ideal  para  o  regime  de  internato  seria  o 

funcionamento em uma  casa de  campo,  com  regime  familiar, onde  cada professor  assumiria  a 

posição de pai de família de um grupo de até dez crianças.  

  Já  no  caso  dos  externatos,  assinalou  a  existência  de dois  sistemas:  a)  classes  especiais 

anexas a escolas de normais; b) escolas autônomas para retardados e anormais.  

  As classes especiais  reuniriam crianças  retardadas e anormais entre 06 e 15 anos, seriam 

classes mistas (meninos e meninas), das quais estariam excluídos os idiotas e os viciosos ou todos 

aqueles que, por seu comportamento ou por sua saúde, acarretariam graves  inconvenientes ao 

atendimento  conjunto. Por outro  lado, poderiam  ser  incorporados alunos  com deficiência  física 

(que  não  seria  seguro  integrar  nas  classes  normais),  surdos‐mudos  com  deficiência  mental 

associada e, também, os indisciplinados.  

A  despeito das  idiossincrasias  que podem marcar  o  desenvolvimento  dessas  crianças  a 

autora enfatizou que a formação de grupos homogêneos é um dos elementos preponderantes a 

                                                           5 A autora ressalta que o diagnóstico, nesses casos, depende de criteriosos exames: pedagógico, psicológico e médico. 

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se considerar na formação das classes especiais6. Destacou, também, a importância de favorecer o 

convívio com alunos normais, principalmente alunos mais desenvolvidos, que poderiam assumir 

responsabilidade pela vigilância ou cuidado dos anormais nos momentos de recreação. 

  Com respeito às escolas autônomas para o atendimento de retardados e anormais, indicou 

que essas poderiam variar muito nos graus de ensino oferecidos e no modo de organização, o que 

estaria  na  dependência  do  número  e  da  qualidade  das  crianças  (DESCOEUDRES,  1968,  p.37), 

podendo funcionar, algumas vezes, como semi‐internatos. 

Seja nas classes especiais ou nas escolas autônomas, um aspecto destacado pela autora é a 

prática da coeducação dos sexos, mais no sentido de obter grupamentos homogêneos, do que por 

princípio.  Outro  elemento  característico  dessa  educação  seria  a  ênfase  na  educação  em 

detrimento da instrução:  

 Com anormais, se cuide mais da educação do que da instrução, que, do ponto de vista  do  desenvolvimento  intelectual  e da utilização  social,  revela apenas  valor muito  relativo.  Como  bem  disse  Binet,  a  vida  representa  mais  uma  luta  de caracteres do que de inteligências. E, pois, o que cumpre ensinar às crianças não são tais ou tais noções, por mais interessantes que sejam estas, mas sim, dar‐lhes lições de atenção, de vontade, de disciplina.  (ibid., p.40).  

Com essa afirmação, a autora  indica claramente o caráter utilitarista de sua posição, em 

acordo com o pensamento de grande parcela dos reformadores educacionais de seu tempo, que 

também pregavam esses valores para a educação comum.  

Com  respeito  à  formação  dos  mestres,  Descoudres  tece  considerações  que  merecem 

destaque. Considera imprescindível que o trabalho nessa área seja uma escolha pessoal e destaca 

o caráter do mestre como a questão preponderante, com ênfase nos seguintes aspectos:  

• Faz‐se  necessária  uma  preparação  científica  que  abarque  noções  de  psiquiatria, psicologia, e pedagogia especial, higiene escolar, medidas ortopédicas, anatomia e fisiologia dos órgãos da palavra; cumpre ainda conhecer as formas de tratar vícios de  linguagem,  ter  conhecimento de  leis, de  instituições econômicas e  sociais que possam ser de interesse dos excepcionais.  

                                                           6  A  homogeneidade  dos  grupos  é  um  dos  princípios  sobre  o  qual  se  assenta  a  possibilidade  de  uma  educação diferenciada. Esse é um dos pilares sobre os quais  Claparède assenta a sua Escola sob Medida.  

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• É  fundamental que os professores  tenham uma preparação  técnica para  trabalhos manuais  (cartonagem,  cestaria,  marcenaria,  etc.),  além  de  conhecimento  do trabalho froebeliano.  

• Impõe‐se  uma  preparação  prática  que  implica  um  estágio  em  classes  especiais, instituições  especializadas,  ou  em  jardins  de  infância,  além  do  conhecimento prático de obras de caráter filantrópico.   (DESCOEUDRES, 1968, p.40‐41). 

 

No que  concerne  ao  trabalho didático, propriamente dito, Descoeudres destacou  alguns 

princípios norteadores,  sendo que o primeiro e principal  seria alicerçar o processo educacional 

especial na atividade do aluno, abarcando a esfera corporal, intelectual e manual.  Esse princípio 

valeria para todo e qualquer aluno (inclusive os normais) e deveria orientar o trabalho didático em 

todos os graus.  

Um corolário desse primeiro princípio seria a garantia do máximo de liberdade compatível 

com  uma  boa  disciplina  (1968,  p.51);  por  decorrência,  as  atividades  escolares  deveriam  ser 

desenvolvidas em jardins, passeios e logradouros públicos, sempre que as lições se prestassem a 

isso, considerando, a autora, que a disciplina não se perderia em uma classe pequena.   

Um  segundo princípio de particular  importância para o ensino especial  seria a  educação 

sensorial  e  intuitiva.  Os  órgãos  dos  sentidos,  compreendidos  como  portas  de  entrada  da 

inteligência  deveriam  ser  exercitados  amplamente  de  modo  a  que  as  crianças  adquirissem 

consciência das sensações que lhes fossem transmitidas. 

 

A  intuição descerá até aos últimos elementos em que se  firmam as percepções: ela  analisará,  dissecará,  esquadrinhará;  terá  por  fim  1º  ‐  precisar  as  noções adquiridas;  2º‐  criar  novas;  3º  ‐ melhorar,  enobrecer  e  enriquecer a  expressão verbal,  ligando o mais  intimamente possível as  representações  verbais às  coisas que  elas  exprimam,  o  que  será  o melhor meio  de não  se deixar  enganar  pela habilidade dos débeis em servir‐se de palavras vazias de sentido. (ibid., p. 52‐53).  

  A autora enfatizou a importância do ensino intuitivo para os débeis que, por apresentarem 

baixa responsividade à excitação exterior, armazenam poucas imagens. Considerou que o ensino 

intuitivo  intenso seria a  resposta a essa debilidade, sobretudo se assentado no contato estreito 

com a natureza. 

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  Outro princípio essencial a ser considerado para a educação desses alunos seria a união 

estreita com a vida.  

 

Queremos preparar nossos alunos para a vida: cumpre, pois, que a escola deixe – prouvesse aos deuses que ela deixasse de o ser para todas as crianças! Mas que ao menos deixe para os nossos retardados – de ser uma escola escolástica, para se tornar um centro de vida. (DESCOEUDRES, 1968, p.53). 

 

  Descoeudres  apontou  que  essa  proposição  de  articulação  com  a  vida  teria  várias 

interpretações  entre  os  educadores  seus  contemporâneos,  referiu,  aos  “Centros  de  interesse” 

utilizados  na  Bélgica  com  essa  finalidade;  fez,  também,  referência  ao  método  Freinet,  que 

introduziu a imprensa na escola, e que, segundo ela, abarcaria tudo o que pudesse vir a atingir o 

interesse da criança no percurso dos graus escolares.  

Outro princípio de  suma  importância para o ensino especial  seria o da  individualização 

que, para a autora, não implicaria um atendimento individual, mas sim que, ao atender um grupo, 

o professor  consideraria  as necessidades  individuais dos alunos, por  exemplo: em uma  lição de 

coisas, atentaria para que os deficientes visuais tivessem enfatizada a sensibilidade tátil, os surdos 

aproveitassem a mesma atividade do ponto de vista da linguagem e os deficientes mentais fossem 

exigidos nas noções mais elementares.  

Finalmente,  destacou  de  forma  explícita  o  princípio  do  utilitarismo,  enfatizando  a 

necessidade de  ter em conta a utilidade  imediata das noções adquiridas durante o ensino. “[...] 

cumpre que a criança disponha, quanto antes, dos meios de ganhar a vida; e, devemos descobrir e 

desenvolver‐lhe as aptidões, utilizar a sua exígua mentalidade com parcimônia, orientando‐a para 

um fim prático” (ibid., p. 55). 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS  

 

As propostas de Maria Montessori e Alice Descoeudres para  a educação de alunos  com 

deficiência mental  foram desenvolvidas  no  primeiro  terço do  século  XX,  sob  influxo  do  amplo 

movimento de reforma educacional que ficou conhecido como Escola Nova, cujo ideário impactou 

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as  práticas  pedagógicas  ao  longo  do  século  e  ainda  tem  grande  influência  na  educação 

contemporânea,  com particular destaque no  campo da educação especial. Dentre os princípios 

norteadores  desse  movimento,  destaca‐se  a  individualização  do  ensino,  ponto  comum  nas 

propostas analisadas.   

Ao  longo de  todo o  século XX,  foram envidados esforços no  sentido de  individualizar o 

ensino, sempre na intenção de articular forma e conteúdo adequados à educação liberal. Esse foi 

o  mote  do  movimento  reformador  que  estabeleceu  severas  críticas  à  educação  tradicional, 

considerada  verbalista,  cujo  acento  se  colocava  na  formação  moral  do  homem,  a  qual  foi 

substituída pela educação ativa,  com  foco na  “formação do  indivíduo egoísta e  independente, 

membro  ajustado da  sociedade burguesa”  (SAVIANI, 1999, p. 192). Desde o princípio, o  grande 

desafio  posto  aos  educadores  escolanovistas  foi  a  compatibilização  da  expansão  da  escola 

burguesa, com o ensino individualizado.  

No  decurso  do  século  XX  as  ideias  desses  reformadores  tiveram  ampla  penetração  no 

ensino  comum; entretanto,  a  formidável e  crescente demanda por ensino escolar  inviabilizou  a 

implementação  desses  princípios,  por  um  simples  motivo:  nas  condições  materiais  dadas  a 

educação  individualizada  seria economicamente  inviável. A despeito de  todas  as  críticas o que 

prevaleceu  na  educação  comum  foi  o  ensino  coletivo,  que  se  consolidou  como  a  forma mais 

adequada à universalização da educação escolar.   

Se o ritmo de expansão da escola comum não permitiu a individualização do ensino, não foi 

isso o que ocorreu na educação especial, particularmente na dos alunos com deficiência mental. 

Nesse  campo,  a  proposta  escolanovista  ganhou  espaço  privilegiado  e  foi  possível  transformar 

princípios em prática. A nosso  juízo,  isso  foi  favorecido, em  grande medida, pela  conformação 

periférica da educação desses alunos, no sentido de que a demanda social restrita e o caráter mais 

idiossincrásico desse atendimento escolar impôs o trabalho com pequenos grupos. A despeito das 

considerações de Montessori sobre a possibilidade de universalização de seu método, a pequena 

escala  se  revelou  uma  condição  imprescindível  para  a  efetiva  implementação  do  ensino 

individualizado.  

 

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