Trabalho e Pluriatividade

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    ISSN 2236-4994 I 41

    Agricultura familiar e as relaes sociais de trabalho: umestudo sobre a pluriatividade na Vila Freire Cerrito RS

    Resumo: Este artigo tem como objetivo geral analisar as relaes entre a emergncia da pluriatividade e as transforma-es na organizao scioprodutiva da agricultura familiar. Inicialmente, apresentada uma breve contextualizao sobre aagricultura familiar brasileira, as mudanas ocorridas nas relaes sociais de trabalho no campo e, especificamente, trata dotema da pluriatividade em um estudo de caso na Vila Freire, municpio de Cerrito/RS. Nesse sentido, identificou-se que osagricultores combinam atividades agrcolas e no-agrcolas. E assim, ressalta-se que a diversidade de formas de alocaoda mo de obra converge para a ampliao das possibilidades e estratgias de reproduo social e permanncia das famliasno espao rural.

    Family agriculture and social relations at work: a studyabout pluriactivity in Vila Freire Cerrito RS

    Abstract: This paper aims at analyzing the relations between the emergence of pluriactivity and the transformations inthe socio-productive organization of family agriculture. First, I will present a brief background on Brazilian family agriculture,the changes occurred in social work relations in the field, and then I will more specifically address the topic of pluriactivity ina case study in Vila Freire, in the city of Cerrito/RS. Accordingly, we found that farmers combine agriculture activity and nonagricultural. Thus, it is worth emphasizing that the diversity of forms used to allocate labor converges to the expansion ofpossibilities and social reproduction strategies and retention of families in rural areas.

    Cintia Helenice Loper Aires*

    Giancarla Salamoni**

    * Especialista em Geografia /Universidade Federal de Pelotas

    ** Professora Doutora dodepartamento de Geografia daUniversidade Federal de Pelotas

    Palavras-chave:

    Agricultura Familiar;

    Pluriatividade; Relaes

    Sociais de trabalho.

    Key-Words: Family

    farming; pluriactivity;

    Social Relations at Work.

    Produo do espao e dinmica regional

    DOI: 10.5902/22364994/8738

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    Agricultura familiar eas relaes sociais de

    trabalho: um estudo sobre

    a pluriatividade na Vila

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    Introduo

    Os processos de colonizao e ocupao do pas resultaram que grandes pores do terri-

    trio brasileiro fossem distribudas entre poucos privilegiados, por meio da doao de terras. Essecarter concentrador propiciou o desenvolvimento da grande lavoura monocultora e mercantil, en-

    tretanto, essa forma de organizao do espao agrrio esteve desde o inicio associada agricultura

    de subsistncia, onde os gneros produzidos eram destinados a abastecer as famlias produtoras e

    os trabalhadores das grandes fazendas. Segundo Lamarche (1993, p.179), A agricultura familiar foi

    profundamente marcada pelas origens coloniais da economia e da sociedade brasileira, com suas

    trs grandes caractersticas: a grande propriedade, as monoculturas de explorao e a escravatura.

    A grande lavoura, tanto nos tempos coloniais quanto atualmente, reconhecida por ocupar

    extensas reas com um nico cultivo e se diferencia da agricultura familiar em vrios aspectos. As

    monoculturas ocupam grandes reas cultivadas, enquanto a agricultura familiar assenta-se sobre

    pequenas extenses de terras, produzindo gneros destinados ao auto-consumo e, os excedentes

    so destinados a venda externa propriedade. Ainda, na agricultura familiar encontra-se associadaa produo especializada para o mercado e a produo para o consumo familiar.

    Nesse sentido, Bonini reafirma a importncia da agricultura familiar no contexto atual:

    Embora a agricultura patronal de carter empresarial ocupe uma posio considervelno contexto do agro brasileiro, a agricultura familiar jamais ser extinta, uma vez que aprincipal responsvel pela produo de diferentes gneros alimentcios que abastecem osgrandes centros urbanos. (BONINI, 2004, p.37)

    O agricultor familiar tambm pode ser considerado aquele que possui na agricultura a sua

    principal fonte de renda e a gesto da propriedade de responsabilidade da famlia, bem como a

    mo-de-obra utilizada , sendo que se for necessrio a fora de trabalho de terceiros, essa ser uti-lizada de forma complementar. Para Wanderley (2001, p.23) a agricultura familiar, entendida como

    aquela em que famlia, ao mesmo tempo em que proprietria dos meios de produo assume o

    trabalho no estabelecimento produtivo (...).

    A FAO e o INCRA (1996) definem a agricultura familiar a partir de quatro aspectos principais,

    a saber:

    a) a direo dos trabalhos exercida pelo produtor;b) no foram realizadas despesas com servio de empreitada;c) sem empregados permanentes e com nmero mdio de empregados temporrios me-nor ou igual a quatro ou com um empregado permanente e nmero mdio de empregadostemporrios menor ou igual a trs;d) com rea total menor ou igual a quinhentos hectares para as regies Sudeste e Sul emil hectares para as demais regies. (FAO/ INCRA apud BLUM, 2001, p. 63)

    Mais recentemente, o processo de modernizao constitui-se em um dos elementos que

    determinam profundas mudanas no segmento da produo familiar. Gazolla (2006) afirma que as

    transformaes sociais, econmicas e tcnicas que ocorreram no meio rural mudaram a vida e as

    estratgias de reproduo social dos agricultores familiares.

    Estas transformaes mudaram principalmente os modos de vivncia dos agricultores e assuas estratgias de reproduo social. A agricultura familiar que se assentava, antes deste

    perodo, na diversificao produtiva, hoje se reproduz com base no mercado de fatoresde produo, na especializao produtiva, nos cultivos voltados ao mercado e com uma

    intensa diferenciao scioprodutiva entre as suas unidades. (GAZOLLA, 2006, p. 100)

    Aps a Segunda Guerra Mundial, com o processo de globalizao dos mercados, as econo-

    mias mundiais se encontram interligadas e as produes, tanto das indstrias quanto da agricultura,

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    passam a depender das necessidades do mercado consumidor. Com a dependncia dos mercados

    e com a concorrncia de pases desenvolvidos, nos quais a agricultura est amparada por polticas

    pblicas e por subsdios, os pases subdesenvolvidos vem-se diante de desafios para fortalecer o

    segmento da produo familiar.

    Uma alternativa para muitos agricultores a aquisio de novas tecnologias agrcolas, po-rm, muitas vezes essa possibilidade se torna invivel devido extenso fsica da propriedade.

    Para as pequenas propriedades o investimento em maquinrios acaba por no responder as ex-

    pectativas necessrias, devido ao custo de manuteno dos equipamentos contrapondo-se aos

    benefcios referentes sua aquisio.

    Dessa forma, o produtor familiar que no tem condies de adotar os padres de tecnologias

    exigidos pelo mercado encontra dificuldades na comercializao da produo. As atividades agr-

    colas exigem tempo e energia dos agricultores, principalmente, se forem realizadas com prticas

    tradicionais, combinando a fora manual com a trao animal. Aqueles agricultores descapitaliza-

    dos no possuem condies para investir na modernizao dos equipamentos, necessrios para

    aumentar a sua produo e tornar seu trabalho menos penoso.Muitos agricultores familiares acabam contratando mo-de-obra externa propriedade para

    poder executar todas as tarefas relacionadas a produo, sendo que, o custo da produo se torna

    elevado e a rentabilidade menor. Assim, muitas vezes, este processo de contratao de mo-de-

    -obra externa propriedade torna-se invivel para muitos dos agricultores, principalmente, queles

    ligados ao sistema de produo tradicional.

    Entre os fatores que podem levar a contratao de mo-de-obra externa propriedade esto

    os relacionados ao xodo rural de alguns dos componentes do grupo familiar. Esse xodo pode

    ocorrer por vrios motivos como a formao de novas famlias, por doenas, por falta de oportuni-

    dade no meio rural, entre outros.

    Esses fatores so muitas vezes determinantes para que as famlias de agricultores procuremnovas estratgias para continuar se reproduzindo socialmente e residindo no meio rural. Nesse

    contexto de fragilidade dos agricultores familiares, uma das alternativas para garantir a estabilidade

    da famlia a procura por parte de algum membro da famlia por ocupao fora da propriedade.

    O contexto da agricultura familiar e as relaes com a pluriatividade

    A agricultura familiar no Brasil ganhou importncia, em termos de polticas pblicas espec-

    ficas para este segmento, a partir da dcada de 90. Essa conquista, juntamente com um relativo

    contexto de crise na agricultura patronal ligada s grandes propriedades e s lavouras empresariais

    de exportao, teve um papel importante para o fortalecimento da agricultura familiar que respon-svel pelo abastecimento do mercado interno de alimentos. A crise no campo ligada precarieda-

    de do modo de vida dos agricultores familiares resultou em vrios movimentos que aceleraram a

    implementao de polticas agrcolas, entre estas a criao do PRONAF - Programa Nacional de

    Fortalecimento da Agricultura Familiar. Essa poltica pblica foi destinada a auxiliar os agricultores

    familiares diretamente na produo e para que eles possam se manter no campo, por meio de

    crdito a juros subsidiados.

    O objetivo principal do PRONAF era criar condies para aumento da capacidade produtiva,

    gerar novos empregos e melhorar a renda das famlias, propiciando uma melhoria na qualidade de

    vida dos agricultores familiares. Segundo Hespanhol e Costa (2001),

    Essa linha de atuao do PRONAF constitui-se numa linha de financiamento do governofederal, com recursos no reembolsveis, em parceria com os governos municipais, ob-

    jetivando a implementao, ampliao, racionalizao, modernizao ou realocao dainfra-estrutura pblica e de servios de apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar.(HESPANHOL E COSTA, 2001).

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    A partir das medidas adotadas pelo Estado para promover a agricultura familiar, gerando

    empregos e condies mais dignas para os agricultores, a agricultura familiar passou a ter mais

    destaque no processo de desenvolvimento do pas. Porm, este desenvolvimento no atingiu todos

    os agricultores, mantendo-se em alguns lugares as precrias condies de vida e de reproduo

    social das famlias rurais.Para o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA), que estabelece as diretrizes para a

    formulao da Poltica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, a lei

    n 11.326, de 24 de Julho de 2006 considera como agricultor familiar e empreendedor familiar rural

    aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo aos seguintes requisitos:

    I - no detenha rea maior do que 4 (quatro) mdulos fiscais;II - utilize predominantemente mo-de-obra da prpria famlia;III - tenha renda familiar predominantemente originada do prprio estabelecimento ou em-preendimento;IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua famlia. (MDA, 2008)

    A agricultura familiar no Rio Grande do Sul passou por um perodo de transformaes so-ciais, econmicas e produtivas, que ocorreu a partir dos anos 70. O agricultor familiar deixa de

    se assentar na diversificao produtiva e passa se reproduzir com base nos mercados urbanos

    - industriais, seguindo para a especializao produtiva e para modernizao agrcola (mquinas,

    implementos e insumos qumicos).

    A modernizao a partir da adoo de insumos industriais mudou a realidade social e eco-

    nmica dos agricultores; com a evoluo da tecnologia ocorreu a diminuio da demanda por mo-

    -de-obra nas unidades agrcolas familiares. Desta forma, o processo de modernizao se torna um

    elemento que influencia o xodo rural. Com a falta de empregos no meio rural percebe-se que ocor-

    re o envelhecimento desta populao, sendo que os jovens se deslocam para os centros urbanos

    em busca de melhores oportunidades de emprego.Essa realidade foi influenciada e alterada por um elemento que passou a ter relevncia

    para manter as famlias nas propriedades, oportunizando novas possibilidades de ocupao de

    mo-de-obra. A pluriatividade aparece como elemento dinamizador do espao rural, ela possibilita

    que integrantes da famlia de agricultores possam conciliar atividades agrcolas com atividades

    no- agrcolas. As atividades no-agrcolas so originadas pelas novas empresas que esto se ins-

    talando no meio rural e pelas atividades de mo-de-obra que no esto ligadas a agricultura, como

    o trabalho domstico, o comrcio e o turismo local.

    De acordo com o IBGE, em 2004, a populao total do Rio Grande do Sul era de 10.700.990

    habitantes, sendo que 8.648.020 viviam na zona urbana e, 2.052.960 na zona rural. Sendo que a

    PEA - Populao economicamente ativa rural ocupada era de 1.178.340 pessoas e destas 873,40mil estavam envolvidos em atividades agrcolas e 304,94 mil em atividades no-agrcolas (SCHNEI-

    DER, 2006). E, de acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD, 2008), o valor

    do rendimento mdio mensal (em R$) conforme o tipo de atividade mostra que os rendimentos da

    ocupao de mo-de-obra no agrcola superam os rendimentos da ocupao agrcola.

    Noutras palavras, a renda dos domiclios rurais engloba, alm dos rendimentos da ocu-pao agrcola, rendimentos da ocupao no agrcola, que, mesmo nas reas rurais, mais bem remunerada que a primeira. A diferena torna-se mais patente se comparadosos ganhos decorrentes de trabalho agrcola e no agrcola, considerando apenas os domi-clios da rea rural: nesse universo, o rendimento mdio do trabalho de R$ 266, para asocupaes agrcolas, e de R$ 571, para as no-agrcolas. (PNAD, 2008, p.11)

    A renda mdia mensal da Populao Economicamente Ativa (PEA) rural, por regio, mostra

    uma disparidade, onde a regio Nordeste apresenta uma renda mensal de R$ 296,00 em relao

    ao Sul do pas que apresenta a maior mdia mensal de renda, correspondente a R$ 633,00. Essa

    desigualdade de renda tambm se acentua quando analisamos os rendimentos mdios entre gne-

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    ros, nas regies do Sul e CentroOeste a remunerao mdia recebida por mulheres no chega a

    50% da dos homens. (PNAD, 2008)

    Mesmo com as adversidades encontradas no meio rural, as ocupaes no agrcolas cres-

    ceram, conforme aponta a PNAD:

    A PNAD 2008 confirma a tendncia de expanso do nmero de ocupados em atividadesno agrcolas no meio rural. Entre 2004 e 2008, as ocupaes no agrcolas cresceram,embora o seu peso no total das ocupaes tenha sido influenciado tambm pela que-da da PEA rural ocupada. Em contrapartida, as ocupaes agrcolas seguem em que-da tanto em nmeros absolutos quanto relativos entre 2004 e 2008. Estas tendncias

    reforam as teses que apontam para a modificao paulatina do meio

    rural brasileiro, cujo dinamismo vem alterando o perfil e a distribuio

    das ocupaes, reduzindo a dependncia das famlias em relao aos

    rendimentos agrcolas. (PNAD, 2008, p.15)

    As novas oportunidades de trabalho explicam a tendncia do aumento da populao rural ouo retorno de pessoas que haviam abandonado o mesmo. A tendncia do crescimento da populao

    domiciliada e ligada a pluriatividade no meio rural confirmada por Schneider (2006):

    Nesse sentido, as mudanas relacionadas a PEA rural indicam que o espao rural gachorevela uma nova funo para alm da tradicional atribuio de local de produo primria.Em 2004, uma parcela no-desprezvel da populao rural, algo como 15% (304.940 pes-

    soas) do total, habitava no meio rural, mas estava ocupada em atividades no ligadas aosetor agropecurio o que, por si s, leva a pensar sobre as formas de trabalho e ocupao

    deste contingente. E o que mais relevante: h uma ntida tendncia de crescimento aspessoas domiciliadas no meio rural entre os ocupados em atividades no-agrcolas, que em1992 eram 297 mil e em 2004 chegaram a 304 mil habitantes. (SCHNEIDER, 2006, p. 143)

    Em regra, fazem parte da mo-de-obra familiar figura do pai, a me e os filhos. Em algunscasos, h a presena de agregados com ou sem ligao de parentesco, que vivem na propriedade

    e participam do processo produtivo. Cabe destacar, que a mulher possui significativa importncia,

    uma vez que ela atua nos afazeres domsticos e participa do processo produtivo. As mulheres

    combinam as atividades agrcolas, o cuidado com as crianas e o trabalho domstico. A respeito do

    assunto destaca Bonini (2004),

    Na famlia camponesa, as crianas e os mais velhos no participam das atividades maispesadas, somente aqueles que exigem um menor grau de esforo fsico. Cabendo, assim,aos homens executarem as tarefas mais pesadas, como o trabalho na lavoura e o geren-ciamento da propriedade. A mulher camponesa exerce mltiplas funes, sendo que astarefas agrcolas, propriamente ditas, so consideradas apenas como ajuda, ocorrendo

    desta forma a subestimao do trabalho das mulheres. (BONINI, 2004, p.34)

    Apesar de a mulher no ser considerada como mo de obra principal na unidade produ-

    tiva, e tendo seu trabalho considerado muitas vezes como ajuda, cabe a ela uma diversidade de

    afazeres que transformam seu dia numa longa jornada de trabalho. Ela est envolvida em todas as

    esferas de produo e reproduo da unidade agrcola familiar.

    Na agricultura familiar no ocorre a diviso dos rendimentos obtidos com a produo e co-

    mercializao dos produtos. Os recursos que so obtidos pelo resultado do trabalho familiar so

    novamente empregados na propriedade, na adoo de novas tecnologias agrcolas (maquinrios,

    insumos qumicos, sementes e mudas, entre outros), na aquisio de bens de uso domstico e

    ainda, na compra de terras.O desenvolvimento do capitalismo no campo caracteriza-se pelo incremento das relaes

    mercantis, fazendo com que os produtores diminuam a diversificao da produo agrcola. Desta

    forma, a consequncia a reduo da fora de trabalho. E, muitas vezes, cabe s mulheres buscar

    fora da propriedade, quando necessrio, renda externa para complementar a renda da famlia,

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    criando um novo modelo de trabalho que ir introduzir mudanas tanto na sua rotina de trabalho

    quanto para o grupo familiar, que passa a ter uma nova fonte de renda e uma nova classificao,

    tornam-se uma famlia pluriativa.

    Para Brumer (1996), os principais fatores que afetam a insero das mulheres rurais em

    atividades produtivas so: a relao entre o tipo de produo desenvolvida, a tecnologia utilizada, aforma de insero no mercado dos produtores e a diviso de trabalho que se forma no interior dos

    estabelecimentos agrcolas.

    Quando analisamos o tipo de trabalho assalariado tambm verificamos que h uma dife-

    renciao entre os gneros, os homens detm os empregos agrcolas permanentes, enquanto as

    mulheres atuam durante o perodo de grande demanda de servio. Os empregos variam de acordo

    com o setor de emprego; para as mulheres ocorre um predomnio de empregos no agrcolas

    como: domsticas, cozinheiras, enquanto para os homens h um predomnio de trabalhos agrco-

    las. Brumer (1996, p.53) complementa dizendo: Homens e mulheres, bem como, com frequncia

    as crianas, participam deste trabalho, pois somente o trabalho masculino no suficiente para

    garantir o sustento da famlia.Os jovens aparecem no meio rural como smbolo e expresso de redefinies e questionamen-

    tos sobre a ruralidade e a manuteno da agricultura familiar. Eles se movem em busca de realizao

    de seus sonhos e projetos de vida. As evidncias sugerem que os jovens esto clamando por mudan-

    as na condio social e nas relaes que fundamentam a agricultura familiar. No entanto, quando

    no encontram espao para a realizao das transformaes desejadas, buscam no meio urbano me-

    lhores condies de vida, mas encontram srias dificuldades para a sua incluso social e de trabalho.

    Na agricultura familiar, as crianas convivem diariamente com a rotina de trabalho dos pais

    na propriedade, logo, elas se familiarizam desde cedo com o trabalho e com a sua representao.

    O trabalho para o agricultor familiar significa a possibilidade de estabilidade e de honrar seus com-

    promissos. Desta forma, os adolescentes, em geral, aprendem logo a diferenciar funes, deveres

    e a normatizar os princpios de trabalho. Na propriedade rural os adolescentes, a partir dos 15 anos,

    passam a assumir as tarefas de adultos, passando a ser vistos como tal no espao social e de lazer.

    Embora a participao dos jovens no mundo de trabalho na agricultura familiar possua importncia

    singular em cada propriedade, essa participao vai depender de cada famlia e das condies

    objetivas e subjetivas que as permeiam. Para Stropasolas (2006),

    Embora a ausncia das crianas no ambiente do trabalho no seja a regra no conjuntodas famlias pesquisadas, a freqncia e a intensidade de sua participao oscilam, de-pendendo do caso considerado, aflorando aqui algumas variaes no seio desta categoriasocial, sendo as condies econmicas e produtivas, a disponibilidade de terra e de mo--de-obra alguns fatores determinantes desta variao. (STROPASOLAS, 2006, p.213)

    Por outro lado, o carter seletivo dos processos migratrios relacionados agricultura fami-

    liar no Sul do Brasil apresenta a masculinizao do meio rural. Sendo que a Pastoral da Juventude

    Rural do Rio Grande do Sul apresenta em sua pesquisa que o universo rural compe-se de 53% de

    rapazes e 47% de moas. Isso significa que por necessidade ou para realizao de anseios pesso-

    ais as mulheres esto buscando realizao fora do meio rural. (STROPASOLAS, 2006)

    Assim, o agricultor familiar diante das inovaes tecnolgicas e evoluo dos mercados

    adaptou-se s novas mudanas para conseguir permanecer na sua propriedade. Desta forma, o

    agricultor passou a assumir novas ou mltiplas atividades, em alguns casos, tornou-se necessrio

    que membros da famlia buscassem trabalho externo a propriedade para que a famlia pudesse

    continuar se mantendo no campo.

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    Caracterizao scioprodutiva das unidades familiares na Vila Freire- Cerrito- RS: aemergncia da pluriatividade

    O municpio de Cerrito foi criado em 28 de dezembro de 1995, pela lei n 10656/95. At esta

    data, o municpio de Cerrito era um dos distritos do municpio de Pedro Osrio.

    De acordo com o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica de 2010, o municpio de

    Cerrito possui uma populao de 6.402 habitantes e uma rea de unidade territorial que corresponde

    a 452 Km. As principais vias de acesso cidade de Cerrito so: as BRs 293 e 116 e a RS 703.

    O municpio de Cerrito formado por trs distritos, sendo o primeiro distrito a sede urbana, o

    segundo denominado Alto Alegre e o terceiro Vila Freire, que ter destaque nesta pesquisa. Cerrito

    encontra-se na longitude 52,8 oeste e na latitude de 31,8 sul e faz limites com os municpios de

    Capo do Leo, Morro Redondo, Piratini, Canguu e Pedro Osrio.

    Segundo dados da FEE - Fundao de Economia e Estatstica, de 2011, o municpio possui

    uma densidade demogrfica de 14,1 habitantes por Km. Uma taxa de analfabetismo, em 2010, de

    pessoas com 15 anos ou mais de 12,8% e uma expectativa de vida de 71,60 anos.

    A economia do municpio est baseada na produo primria, com destaque para a presen-

    a das propriedades familiares, com rea at 50 hectares. A maioria dos produtores familiares do

    municpio produz alimentos para o autoconsumo e quando ocorre o excedente de produo este

    destinado venda. Nas palavras de Hepp, A produo excedente canalizada para o atacadista,

    ou seja, comerciantes que circulam no meio rural adquirem os produtos e determinam o preo dos

    mesmos no ato da compra. (HEPP, 2002, p.77)

    Esta pesquisa abrangeu dez propriedades de agricultores familiares localizados na Vila Freire,

    sendo que seis famlias adotam a pluriatividade, ou seja, combinam as atividades agrcolas com as

    atividades noagrcolas. Cabe ainda ressaltar, que as propriedades foram classificadas, pela sua di-

    menso fsica, como pequenas propriedades. De acordo com Blum (2001), para que seja consideradauma pequena propriedade, a unidade familiar deve possuir no mximo cinquenta hectares. Sendo que

    at dez hectares considerado mini- propriedade, e de onze a cinquenta hectares, a propriedade

    classificada como pequena. De acordo com essa classificao, na rea pesquisada, os agricultores

    se encontram entre mini proprietrios e pequenos proprietrios de terras, visto que, o tamanho das

    propriedades do grupo de agricultores analisado varia de trs (3) a trinta e trs (33) hectares.

    A pequena dimenso fsica das propriedades, os preos elevados dos insumos e os baixos

    valores obtidos com a venda da produo, na maioria dos casos, fazem com que somente as ativi-

    dades agrcolas tornem invivel a manuteno das famlias, devido aos baixos rendimentos obtidos

    exclusivamente com a agricultura. Esses fatores contribuem para que os agricultores adotem a

    pluriatividade como uma alternativa para gerao de renda.As famlias dos agricultores, analisados neste trabalho, afirmam que a obteno de alimen-

    tos e de renda, baseados somente nas atividades internas das unidades produtivas, se tornou

    insuficiente para garantir as necessidades de todos os membros da famlia. Portanto, as atividades

    noagrcolas respondem por importante parcela da renda familiar e para a permanncia dos seus

    membros domiciliados na localidade da Vila Freire.

    Entre as dez unidades de produo agrcola familiar, verifica-se que todas as famlias anali-

    sadas eram proprietrias, duas das famlias trabalhavam em parceria, em terras de terceiros, e uma

    famlia arrendava terras de terceiros para ampliar a rea destinada a produo.

    Quando os entrevistados foram questionados sobre como eles haviam obtido as suas terras,

    identificou-se que oito famlias obtiveram parte das suas terras por meio de herana, sendo quecinco delas obteve por herana somando a compra de terceiros, e as outras cinco adquiriram suas

    terras por herana e ou compra de parentes.

    Nas dez unidades produtivas analisadas, apenas em uma no encontramos a criao de

    bovinos. Nas outras unidades o nmero de bovinos encontrado varia de 2 at 30 cabeas, sendo

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    que o total de bovinos encontrados chega a 117 cabeas. Todas as unidades produtivas utilizam o

    rebanho de bovinos para o consumo da prpria famlia e, entre estas, quatro produtores direcionam

    algumas cabeas para a venda externa. Apenas em duas propriedades encontramos equinos, sen-

    do eles utilizados como trao animal nos trabalhos agrcolas.

    Em seis unidades produtivas encontramos a criao de aves, no total de 137 animais, desti-nados ao consumo interno da propriedade. Em relao aos sunos foram encontrados em seis das

    unidades analisadas, somando um total de 15 cabeas, todos para o consumo familiar. No que tan-

    ge aos ovinos, foi encontrado apenas um animal em uma das unidades analisadas, como tambm

    apenas um aude em uma das propriedades, sendo que no se soube relatar o nmero exato de

    peixes existentes, que so direcionados para o consumo da famlia e tambm o aude visto como

    uma oportunidade de lazer para a famlia. (Tabela 1)

    Tabela 1- Tipo de rebanho e destino da produo nas unidades produtivas de Vila Freire Cerrito /RS

    Tipo de rebanho e destino da produo nas unidades produtivas

    Tipo de rebanho Nmero totalde cabeas

    Nmero de produtores por destino da pro-duo

    Consumo Venda

    Bovinos 117 9 4

    Eqinos 2 2 -

    Aves 137 6 -

    Sunos 15 6 -

    Ovinos 1 1 -

    Fonte: Pesquisa de campo, 2008.

    Quando analisamos os principais tipos de cultivos encontrados nas unidades produtivas fa-miliares na Vila Freire, percebemos que as batatas doce e inglesa, feijo e o milho possuem uma

    maior relevncia no contexto dos cultivos agrcolas na localidade. Dentre as dez famlias analisa-

    das, apenas quatro delas plantam batata doce e batata inglesa, uma famlia planta cebola, outra

    cultiva mandioca e outra famlia trabalha com o cultivo de fumo, o feijo aparece como cultivo em

    cinco das unidades agrcolas analisadas e o milho aparece como cultivo na maioria das anlises,

    sendo encontrado em nove das dez unidades. Todos esses cultivos so direcionados para o consu-

    mo da famlia, sendo que somente o milho e a mandioca so usados tambm para a alimentao

    dos animais. (Tabela 2)

    Tabela 2- Tipos de cultivos por destino de produo em cada unidade produtiva da Vila Freire Cerrito / RS

    Tipos de cultivos Produo por unidadepara consumo familiar

    Produo por unidadepara consumo animal

    Batata 4 -

    Batata Doce 4 -

    Cebola 1 -

    Feijo 5 -

    Fumo 1 -

    Mandioca 1 1

    Milho 9 9

    Fonte: Pesquisa de campo, 2008.

    A agricultura familiar caracterizada pela pequena propriedade, pela mo-de-obra predomi-

    nantemente familiar, onde a prpria famlia responsvel tanto pela gesto da propriedade como

    pelos meios de produo. A produo familiar marcada pela associao entre a policultura e a

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    pecuria. Essa associao beneficia os agricultores, pois, algumas das suas culturas servem tanto

    para o consumo familiar quanto para a alimentao dos animais, de onde a maioria retira grande

    quantidade de produtos de origem animal que complementam a sua alimentao e a sua renda.

    Este o caso dos agricultores de Vila Freire, localidade onde ocorre a conciliao da policul-

    tura com a pecuria, sendo uma das principais culturas o milho, que serve tanto para o uso doms-tico quanto para a alimentao dos animais. No caso das aves, os produtores se beneficiam com

    a carne e com os ovos que so usados para o consumo. Os sunos fornecem carne e os bovinos

    servem tanto como fora de trabalho na maioria das propriedades analisadas, bem como, para a

    produo de carne e leite. No caso do leite, observou-se que algumas famlias, alm da produo

    para consumo, comercializam o excedente para complementar a renda domstica.

    Os principais produtos de origem animal que so produzidos nas propriedades so: o leite

    que aparece em sete unidades produtivas, os ovos que so encontrados em cinco delas, o mel em

    duas e a carne que aparece na maioria das unidades; encontra-se a produo de carne em nove

    unidades agrcolas. Quando questionados nas entrevistas para verificar se esses produtos eram

    suficientes para o sustento da famlia, cinco produtores relataram que sim, e cinco responderamque no, que eles precisavam comprar alguns produtos para complementar as necessidades da

    famlia. Verificamos, tambm, se outros produtos eram processados dentro do estabelecimento,

    encontramos as conservas, o queijo, a banha, o salame e os vinhos. Todos esses produtos so de

    origem caseira e servem somente para o consumo da famlia.

    Os tipos de fora utilizados nos trabalhos das unidades agrcolas so de origem animal e

    mecnica. A prevalncia do tipo de fora a animal, que aparece em oito das propriedades, sendo

    que cinco delas utiliza somente a fora animal, duas dessas somam essa fora fora-mecnica,

    que alugada nos perodos de safras ou quando h uma demanda maior de servio, e uma uni-

    dade utiliza tanto a fora animal como a mecnica (prpria). Em relao a fora mecnica, ela

    utilizada em trs propriedades, esses produtores utilizam somente fora mecnica prpria e, outras

    duas famlias utilizam a fora animal, e quando necessrio, alugam a fora mecnica para sanar as

    necessidades de produo.

    A mo-de-obra utilizada nas propriedades analisadas so predominantemente de origem fa-

    miliar, apenas uma das unidades utiliza a mo-de-obra temporria. Essa fora de trabalho utilizada

    corresponde a uma pessoa e ocorre em poca de safra, e em torno de trinta dias anuais.

    Quando analisamos a composio familiar nas dez unidades pesquisadas, verificamos que

    em cada unidade encontra-se de dois at no mximo quatro integrantes. Tendo no total nove casais,

    uma viva e dez jovens solteiros. Ao analisarmos as classes etrias dos membros das famlias de

    agricultores percebemos que do zero at os dez anos encontramos quatro pessoas, dos onze at os

    vinte anos e dos vinte e um at os trinta anos encontramos trs pessoas em cada faixa etria, dos

    trinta e um at os quarenta anos encontramos duas pessoas. E dos quarenta e um at os cinqentae dos cinquenta e um at os sessenta encontramos sete pessoas em cada faixa etria, e, a partir

    dos sessenta anos, encontramos quatro pessoas na rea analisada.(Tabela 3)

    Tabela 3- Composio do grupo familiar na Vila Freire Cerrito /RS

    Classes Etrias Nmero de pessoas

    0 10 4

    11 20 3

    21 30 3

    31 40 2

    41 50 7

    51 60 7

    61 e mais 4

    Fonte: Pesquisa de campo, 2008.

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    Podemos perceber que ocorre um aumento no nmero de pessoas de acordo com o aumen-

    to das classes etrias, isso significa que est ocorrendo um envelhecimento da populao rural do

    local, esse fato j vem sendo estudado h alguns anos, em outros locais. Blum (2001) explica que

    essa tendncia ao envelhecimento da populao do meio rural devido s poucas oportunidades

    de oferta de mo-de-obra no meio rural para os jovens e ao baixo ndice de infra-estrutura neces-sria para o aumento do nvel de vida dos moradores. Este fato relevante para que os jovens

    procurem nos centros urbanos, novas oportunidades de emprego e melhores condies de vida.

    A escolaridade dos agricultores envolvidos na pesquisa mostra que a maioria no concluiu o

    ensino fundamental. Treze pessoas estudaram da 1 a 4 srie incompleta, uma concluiu at a 4

    srie, oito estudaram da 5 a 8 srie incompleta, quatro possuem o ensino mdio incompleto e, duas

    completaram, apenas uma pessoa possui curso superior e trs no se encontram em idade escolar.

    A pluriatividade possui algumas caractersticas, dentre as fundamentais, encontramos a in-

    terao entre a agricultura, a unidade familiar e o mercado de trabalho. Ou seja, para Schneider A

    pluriatividade refere-se a um fenmeno que se caracteriza pela combinao das mltiplas inseres

    ocupacionais das pessoas que pertencem mesma famlia. (SCHNEIDER, 2006, p. 139)Ao analisarmos as relaes sociais de trabalho que predominam na Vila Freire e, o nmero

    de pessoas que atuam, de acordo com os tipos de ocupao da mo de obra, percebemos que sete

    pessoas dedicam-se integralmente as atividades agrcolas no interior da unidade produtiva; seis

    trabalham fora da propriedade e combinam com ocupaes no agrcolas fora da unidade familiar;

    trs trabalham em tempo parcial na unidade produtiva e conciliam este com o trabalho domstico

    familiar; sete pessoas dedicam-se somente ao trabalho domstico; uma estuda e no restante do

    tempo dedica-se as atividades na unidade produtiva; duas somente estudam e duas ainda no

    esto em idade escolar (estas ltimas so crianas menores).(Tabela 4)

    Tabela 4-Tipos de trabalho nas unidades produtivas (UP) e nmero de pessoas por atividade na Vila Freire Cerr ito/ RS

    Tipos de trabalho nas unidades produtivas Nmero de pessoas

    Tempo Integral na UP 7

    Trabalho fora e dentro da UP 6

    Tempo parcial na UP mais trabalho domstico 3

    Somente trabalho domstico na UP 7

    Tempo parcial na UP mais estuda 1

    Somente estuda 2

    Criana sem idade escolar 2

    Fonte: Pesquisa de campo, 2008.

    Das dez unidades produtivas analisadas seis delas esto ligadas a mo-de-obra no-agrco-

    la e, portanto, tornam-se famlias pluriativas, ou seja, algum membro da famlia trabalha em alguma

    atividade que no seja a agrcola. Verificamos que trs pessoas esto ocupadas na construo

    civil; uma em atividades no comrcio local; uma trabalha como mo-de-obra em outras proprieda-

    des rurais executando servios diversos; uma em trabalho domstico e um como servidor pblico.

    Uma famlia para ser pluriativa precisa que alguns membros da famlia continuem com os trabalhos

    agrcolas, enquanto outros mantenham laos com outras atividades fora da agricultura. (Tabela 5)

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    Tabela 5- Tipo de atividades agrcolas e no-agricolas fora das propriedades na Vila Freire- Cerrito/RS

    Tipo de atividade Nmero de pessoas

    Construo Civil 3

    Comrcio Local 1Trabalho Agrcola 1

    Trabalho Domstico 1

    Servio Pblico 1

    Fonte: Pesquisa de campo, 2008.

    Os trabalhos no-agrcolas citados, em que ocorre a insero de mo-de-obra, esto todos

    basicamente concentrados na localidade onde residem os pluriativos. De acordo com os relatos,

    verificamos que o nmero de dias trabalhados fora das atividades agrcolas varia, sendo de dez a

    trinta dias mensais. Nas palavras de Schneider (1999),

    O assalariamento constitui-se, neste caso, numa alternativa estratgica s dificuldadesenfrentadas pelos colonos. A inadequao do sistema produtivo tradicional, que esgotavao solo e gerava poucos ganhos de produtividade, somada aos problemas de reproduodo modo de vida colonial como um todo. Tornaram os empregos fora da propriedade umaopo com dupla vantagem: obter rendas e ganhos econmicos para garantir a subsis-tncia familiar e ter a possibilidade de permanecer residindo na propriedade agrcola,plantando os produtos al imentares de consumo bsico. (SCHNEIDER, 1999, p. 112)

    Os trabalhos no-agrcolas contribuem para o aumento de oferta de mo-de-obra no meio

    rural, desta forma, ocorre uma diminuio do xodo rural, que causa uma saturao dos centros

    urbanos e o esvaziamento do meio rural e, consequentemente, uma diminuio na oferta de produ-

    tos agrcolas. Esta nova forma de mo-de-obra permite novas possibilidades de obteno de rendapara os integrantes das famlias, possibilitando que essas famlias possam ampliar seus rendimen-

    tos e manter suas propriedades rurais.

    Quando questionadas sobre as razes que levou os membros das famlias a trabalhar em

    atividades no-agrcolas, a maioria das famlias relatou que a falta de dinheiro para compra de

    insumos com preos elevados e a rea da propriedade, considerada como insuficiente para gerar

    renda somente com a produo agrcola, foram as principais causas para a procura de novas opor-

    tunidades de trabalho fora da propriedade. Percebemos isso, quando as famlias relatam que todos

    os membros que trabalham fora da propriedade em trabalhos no-agrcolas contribuem para as

    despesas da famlia e das unidades produtivas.

    A maior parte da renda obtida com as atividades no-agrcolas investida na propriedaderural. Os principais investimentos realizados no ltimo ano agrcola, nas propriedades com renda

    dos pluriativos so: aquisio de terras em uma unidade produtiva, aquisio de veculos em trs

    unidades, em uma ocorreu construo e reforma das benfeitorias na propriedade e em outras trs

    unidades no houve nenhum investimento no ltimo ano agrcola.

    Percebemos, tambm, que com o envelhecimento da populao que reside no campo, faz

    com que outra renda possa se tornar importante para o processo de manuteno das propriedades

    e para manter as famlias no campo. Referimos - nos a aposentadoria: trs das famlias pesqui-

    sadas possuem aposentados que contribuem para o processo de manuteno e permanncia dos

    integrantes da famlia no meio rural.

    Consideraes Finais

    As combinaes da agricultura com atividades que lhe so exteriores uma conduta bas-

    tante antiga, tanto no Brasil, quanto em outras regies do mundo, mesmo que no reconhecidas

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    como tpicas de pluriatividade. Ela aparece como uma forma de manter o exerccio da agricultura na

    unidade familiar, ao invs de representar o fim das prticas agrcolas. Assim, nos dias atuais, pode-

    -se dizer que a pluriatividade representa uma das estratgias de reproduo social da agricultura

    familiar, valendo-se de fatores internos e externos da unidade produtiva para tal objetivo.

    A produo familiar passou por muitas transformaes nos ltimos anos e hoje consi-derada um importante segmento na produo e diversificao de gneros agrcolas destinados

    alimentao no Brasil. Porm, as condies de vida dos agricultores familiares, muitas vezes

    continua precria e, para amenizar essas dificuldades, os agricultores adotam novas alternativas

    para empregar a mo de obra do grupo domstico. Assim, a pluriatividade se tornou uma importante

    forma de gerao de renda para manter as famlias no meio rural.

    A agricultura familiar na rea pesquisada caracterizada pela pequena propriedade, pela

    mo-de-obra predominantemente familiar, onde a prpria famlia responsvel tanto pela gesto

    da propriedade como pelos meios de produo. A produo familiar marcada pela associao

    entre a policultura e a pecuria.

    Normalmente, quando ocorre um desequilbrio entre oferta de mo-de-obra e a disponibili-dade de trabalho em uma propriedade comum que parte da famlia busque outras atividades para

    suprir suas necessidades. Nesse sentido, as atividades no agrcolas cada vez mais esto tendo

    importncia e relevncia no contexto da agricultura familiar da Vila Freire.

    Ao analisarmos as relaes sociais de trabalho que predominam na rea pesquisada, perce-

    be-se que existem tanto pessoas que se dedicam integralmente as atividades agrcolas no interior

    da unidade produtiva, quanto algumas que trabalham fora da propriedade, combinando ocupaes

    agrcolas e no-agrcolas.

    Percebe-se, ento, que os membros que trabalham fora da propriedade, em trabalhos agr-

    colas e no-agrcolas, contribuem com rendimentos para as despesas da famlia e das unidades

    produtivas. Pois, a maior parte da renda obtida com as atividades no-agrcolas investida napropriedade rural, como para aquisio de terras, aquisio de veculos, construo e reforma de

    benfeitorias, entre outras.

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    Correspondncia:

    Cintia Helenice Loper Aires - Passeio Um n 777, Jardim das Tradies Bairro:

    Trs Vendas, Cidade: Pelotas/ RS.

    E-mail: [email protected]

    Recebido em 14 de maio de 2012.

    Revisado pelo autor em 25 de outubro de 2012.

    Aceito para publicao em 21 de novembro de 2012.