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Excelentíssimos senhores conselheiros e senhoras conselheiras do Conselho Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, Como partes interessadas em um processo que deverá ser encaminhado para vossa apreciação em breve, que se refere e impacta diretamente em nosso cotidiano de trabalho, tomamos a liberdade de vos endereçar algumas palavras que explicitam nossa opinião acerca da matéria. Trata-se da proposição de alterações do anexo III do Regimento Geral desta Universidade, que enumera seus Órgãos Suplementares, além de alterar o regimento para o Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral (MArquE/UFSC). Através desta nos posicionamos contra a retirada do Museu da condição de órgão suplementar, pois acreditamos que, para cumprir de forma completa sua missão a instituição deve estar a serviço de toda a comunidade, e não tornar-se apenas ferramenta de um único centro de ensino. Consideramos importante que esta alteração esteja enfim sendo discutida junto a uma comunidade mais ampla, e não apenas entre o CFH e a reitoria, uma vez que nos parece necessário um amplo debate junto a toda a comunidade universitária, uma vez que se trata de uma modificação que atinge o Regimento desta Universidade e a função de seus aparelhos culturais. Estamos certos que o Conselho Universitário é o espaço adequado para a ampliação de tal discussão, e buscamos aqui contribuir para a qualificação do debate, tornando público o posicionamento dos profissionais atuantes no Museu, que em diversos pontos difere daquele levado adiante pelas chefias no decorrer do processo, resultando em encaminhamentos que não correspondem ao entendimento e às defesas da equipe. Cabe aqui ressaltar que as alterações propostas pela Direção do MArquE não correspondem à posição tomada pela equipe, motivo pelo qual estamos prestando os presentes esclarecimentos. Gostaríamos, destarte, de deixar claro que tais posicionamentos não se relacionam a preferências pessoais ou político-partidárias, mas a defesas políticas acerca do que é um Museu, quais as especificidades de um Museu Universitário e quais suas funções. Defesas estas que, como buscaremos demonstrar a seguir, encontram sua base na produção teórica da área de museologia e de áreas afins, assim como em documentos oficiais e na legislação federal brasileira acerca de Museus e instituições culturais congêneres. Parece-nos fundamental explicitar também que, desde o início do processo, não fomos omissos em relação às posições aqui defendidas, ao contrário: posicionamo-nos desde o princípio, quando ainda estávamos ligados, nos planos concreto e simbólico, à Secretaria de

Trata-se da proposição de alterações do anexo III do ... Através desta nos posicionamos contra a retirada do Museu da condição de órgão suplementar, pois acreditamos que,

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Page 1: Trata-se da proposição de alterações do anexo III do ... Através desta nos posicionamos contra a retirada do Museu da condição de órgão suplementar, pois acreditamos que,

Excelentíssimos senhores conselheiros e senhoras conselheiras do Conselho

Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina,

Como partes interessadas em um processo que deverá ser encaminhado para vossa

apreciação em breve, que se refere e impacta diretamente em nosso cotidiano de trabalho,

tomamos a liberdade de vos endereçar algumas palavras que explicitam nossa opinião acerca

da matéria. Trata-se da proposição de alterações do anexo III do Regimento Geral desta

Universidade, que enumera seus Órgãos Suplementares, além de alterar o regimento para o

Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral (MArquE/UFSC).

Através desta nos posicionamos contra a retirada do Museu da condição de órgão

suplementar, pois acreditamos que, para cumprir de forma completa sua missão a

instituição deve estar a serviço de toda a comunidade, e não tornar-se apenas ferramenta de

um único centro de ensino.

Consideramos importante que esta alteração esteja enfim sendo discutida junto a

uma comunidade mais ampla, e não apenas entre o CFH e a reitoria, uma vez que nos parece

necessário um amplo debate junto a toda a comunidade universitária, uma vez que se trata de

uma modificação que atinge o Regimento desta Universidade e a função de seus aparelhos

culturais.

Estamos certos que o Conselho Universitário é o espaço adequado para a ampliação de

tal discussão, e buscamos aqui contribuir para a qualificação do debate, tornando público o

posicionamento dos profissionais atuantes no Museu, que em diversos pontos difere daquele

levado adiante pelas chefias no decorrer do processo, resultando em encaminhamentos que

não correspondem ao entendimento e às defesas da equipe. Cabe aqui ressaltar que as

alterações propostas pela Direção do MArquE não correspondem à posição tomada pela

equipe, motivo pelo qual estamos prestando os presentes esclarecimentos.

Gostaríamos, destarte, de deixar claro que tais posicionamentos não se relacionam a

preferências pessoais ou político-partidárias, mas a defesas políticas acerca do que é um

Museu, quais as especificidades de um Museu Universitário e quais suas funções. Defesas

estas que, como buscaremos demonstrar a seguir, encontram sua base na produção teórica da

área de museologia e de áreas afins, assim como em documentos oficiais e na legislação

federal brasileira acerca de Museus e instituições culturais congêneres.

Parece-nos fundamental explicitar também que, desde o início do processo, não fomos

omissos em relação às posições aqui defendidas, ao contrário: posicionamo-nos desde o

princípio, quando ainda estávamos ligados, nos planos concreto e simbólico, à Secretaria de

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Cultura da Universidade. Vale destacar, nesse sentido, o documento (anexo 1) enviado à

magnífica reitora no mês de abril deste ano, quando ainda falava-se apenas em um

“estreitamento de laços” com o Centro de Filosofia e Ciências Humanas, mas propunha-se um

Conselho Deliberativo cuja representatividade (com maioria de docentes do CFH) nos causou

estranhamento. Naquele documento, defendemos outra composição para o Conselho, que nos

parecia mais adequada, e terminamos nos colocando à disposição para o diálogo e para

esclarecimentos, e externando nosso desejo de encontrar, na atual gestão da Universidade, o

espaço de interlocução necessária para que o Museu cumprisse de forma mais plena sua

função social.

Fomos surpreendidos, porém, pelos eventos que sucederam a entrega de tal

documento. Em primeiro lugar, por não recebermos qualquer resposta da magnífica reitora

nem de ninguém que a representasse. O espaço de interlocução almejado por nós não existiu

nem por via escrita nem por qualquer outra via. Pelo contrário, as negociações e decisões

seguiram sem uma discussão na comunidade universitária e no seio da própria instituição; de

forma que em junho do ano corrente fomos informados que o Museu estava sendo realocado

da Secretaria de Cultura para o Centro de Filosofia e Ciências Humanas, em reunião com o Sr.

Paulo Berton, secretário de Cultura, já com a presença dos diretores do referido centro de

ensino, o Diretor Sr. Paulo Pinheiro Machado e a Vice diretora, Sra. Sônia Maluf (atual diretora

do museu).

Também naquele momento expressamos nossa preocupação em deixar de ser um

Órgão Suplementar desta Universidade, por compreendermos que a caracterização destes

aproxima-se mais do esperado e regulamentado para uma instituição museológica, ainda que

naquele momento todos negassem a intenção de tirar do Museu sua condição de órgão

suplementar. É importante explicitarmos que isto em nenhum momento significou negar a

presença, a pertinência e a validade do ensino como parte fundamental do cotidiano de

trabalho no Museu. A defesa por permanecer um Órgão Suplementar ser confundida com a

negação do ensino é um equívoco, uma vez que lê-se no Capítulo IV do estatuto da UFSC:

“Para fins de ensino, pesquisa e extensão, os Órgãos Suplementares estarão a serviço da

Universidade (...)”(Artigo 11, §2°) . O que não nos parece pertinente é que uma instituição

museal tenha como sua finalidade preponderante o ensino nos moldes acadêmicos. Parece-

nos que a contribuição do MArquE para o corpo discente das áreas afins à sua atuação seria

potencializada, pelo contrário, através da plena realização de suas funções fundamentais,

como espaço de extensão e educação não-formal, nas quais os estudantes pudessem realizar

projetos, estágios e trabalhos. O Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São

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Thiago, desta mesma Universidade, nos parece um exemplo claro da possibilidade de um

Órgão Suplementar, ao realizar sua função social junto à comunidade, ser um espaço de

efetivo aprendizado para estudantes de diversas áreas, seja da graduação, seja da pós-

graduação.

É válido retomar, portanto, qual a função social preponderante de uma instituição

museal, e para isto nos baseamos nas disposições do Estatuto Brasileiro de Museus (lei

1.904/2009, regulamentada pelo decreto presidencial 8.124, publicado no Diário Oficial da

União em 18 de outubro de 2013). Este considera os museus “instituições sem fins lucrativos

que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação,

estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico,

artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a

serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”. Parece-nos certo que, mesmo havendo

especificidades inerentes ao fato do MArquE ser parte de uma estrutura universitária que goza

de certa autonomia, este é antes de tudo um Museu, devendo estar atento às suas múltiplas

responsabilidades como tal e ao cumprimento da legislação federal própria.

Vale destacar que os termos que compõem o caput do artigo 1° da lei 11.904 são

esmiuçados ao longo dos artigos seguintes. Em relação ao estudo e à pesquisa, por exemplo, é

explicitado que estes devem ser empreendidos no sentido de fundamentar “as ações

desenvolvidas em todas as áreas dos museus, no cumprimento das suas múltiplas

competências” (subseção II da seção II do capítulo II). Vemos portanto que trata-se, na

legislação, de uma produção intimamente relacionada com as ações cotidianas, e não de uma

pesquisa acadêmica “pura”.

Em relação à educação, destaque-se que esta está presente na legislação sob duas

formas. Primeiramente, no artigo 29 a lei fala da proposição de ações educativas que

contribuam “para ampliar o acesso da sociedade às manifestações culturais e ao patrimônio

material e imaterial da Nação”, ou seja, voltadas para diferentes tipologias de público. Em

segundo lugar, trata especificamente dos estudantes universitários, quando dispõe, no artigo

30, que os “museus deverão disponibilizar oportunidades de prática profissional aos

estabelecimentos de ensino que ministrem cursos de museologia e afins, nos campos

disciplinares relacionados às funções museológicas e à sua vocação”.

Destacamos este segundo ponto para reafirmar nossa intenção e disponibilidade – e

nossa responsabilidade – em contribuir com o ensino universitário das áreas afins do Museu,

sem que isso implique em nossa subordinação a um único centro de ensino. Ao longo do

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tempo o MArquE tem mantido diversas parcerias com os Centros de Ensino, entre as quais

podemos citar, nos últimos anos, iniciativas conjuntas com o Centro Tecnológico (CTC), Centro

de Comunicação e Expressão (CCE), Centro de Ciências da Educação (CED), Centro de Ciências

Biológicas (CCB), Centro de Ciências Agrárias (CCA), além do próprio Centro de Filosofia e

Ciências Humanas (CFH). É esse protagonismo nos diversos Centros de Ensino – que

pretendemos expandir, também, para os outros Campi da UFSC – que buscamos preservar,

pois acreditamos que contribui para o cumprimento dos objetivos do MArquE.

Sabemos da realidade do curso de Museologia da UFSC e de sua deficiência em termos

de laboratórios e espaços para atividades práticas. Compreendemos que o Museu pode – e

deve – ser uma instituição parceira do curso em diferentes sentidos, notadamente naquele

citado pela lei. Consideramos salutar uma integração acadêmica entre servidores docentes e

técnicos no sentido de ampliar as oportunidades aos estudantes. Pensamos que essa relação,

porém, deve ter limites e estar subordinada à legislação. Um exemplo claro diz respeito à

utilização de espaços de Reserva Técnica e de acervos para a utilização em aulas, o que tem

sido um ponto de tensão entre os servidores do Museu e a direção do CFH. O MArquE tem sob

sua guarda um importante acervo de arqueologia, etnologia e cultura popular, entre os quais

se destacam as obras de Franklin Cascaes, cuja integridade não pode ser posta em risco pelas

demais atividades da instituição. A legislação prevê que os “museus garantirão a conservação e

a segurança de seus acervos” (artigo 21), o que inclui critérios específicos de segurança, como

o controle do acesso a certos espaços e ao acervo. Estes não são, portanto, adequados para

práticas sistemáticas junto ao corpo discente – apenas para estágios supervisionados e

atividades pontuais, combinadas entre docente e setor de museologia; o que historicamente já

é realizado pelo MArquE.

Vale destacar que essas posições não são exclusivas dos servidores do MArquE. O

próprio Ministério da Educação (MEC) se posiciona da mesma forma. Na avaliação do curso de

museologia realizada em setembro do ano corrente essa concordância é explicitada. Nas

palavras dos avaliadores:

Há conteúdos que necessitam formação prática no curso, nas disciplinas relacionadas à comunicação museológica, conservação e documentação. Em visita in loco, verifica-se que não foram implantados os espaços laboratoriais previstos, com protocolo e regime de funcionamento, para as aulas de conservação, de documentação, de práticas e processo museológicos com acervos, de elaboração, planejamento e execução de exposições, bem como sala de exposição. Tem-se utilizado como medida paliativa os espaços do Museu de Arqueologia e Etnologia Oswaldo Cabral, que abrigam acervos legalmente protegidos, inadequados para atividades didáticas curriculares de aulas práticas com número expressivo de discentes (salvo estágios, que

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tem por norma a orientação e supervisão individual no processo formativo) (BRASIL, 2013, s.p., grifos nossos).

Desta forma, parece-nos claro que a contribuição do MArquE para o curso não seria

significativamente potencializada caso este deixasse de ser Órgão Suplementar desta

Universidade para se tornar parte do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, pois este não

pode ser utilizado pelos discentes da forma pretendida pela Direção do Centro. Pelo contrário,

sua nova posição afastaria o Museu do cumprimento de sua missão, tirando dos alunos do

Curso de Museologia – e dos demais cursos – a oportunidade do contato próximo e direto com

um Museu de relevância, que cumpra de maneira plena suas responsabilidades.

No artigo “Museus em Universidades públicas: entre o campo científico, o ensino, a

pesquisa e a extensão”, Ribeiro analisa os Museus Universitários em relação às três funções

das Universidades públicas: o ensino, a pesquisa e a extensão. Sua conclusão é de que “a

extensão universitária possui potencial para apoiar os museus universitários, oferecendo o

apoio institucional que o ensino e a pesquisa já não podem oferecer no atual contexto

acadêmico nacional” (2013, p. 88), uma vez que, apesar de esta ainda ser menos

institucionalizada e fomentada, vir construindo “conceitos e práticas que abrem um maior

espaço para uma atuação mais efetiva dos museus universitários e, consequentemente, uma

maior força institucional na disputa por recursos para a sua gestão.” (id., p. 99).

Para delimitar o que compreende como particularidade dos Museus Universitários

(independente da área de conhecimento que caracterize seu acervo), a autora baseia-se em

Gil, que elenca as seguintes características:

Deve estar integrado numa universidade [...];

Deve ter a preocupação de estudar, conservar e apresentar conve-nientemente as coleções que possui, usando-as em ações científico-pedagógicas[...];

Tem como uma das suas missões constituir a “face visível” da universidade para o grande público [...];

Os museus universitários deverão constituir um meio [...] com que a uni-versidade pode contar para levar sua ação de sensibilização dos jovens pré-universitários para as atividades científicas, bem como de divulgação cultural (no sentido mais amplo) às populações que não a frequentam;

Tem o dever de proteger e valorizar o seu patrimônio histórico-artístico, facilitando a fruição dele pelo grande público e favorecendo o seu estudo pelos especialistas da própria universidade ou exteriores a ela;

Distinguem-se dos seus congêneres dependentes de outros organismos no fato das atividades enumeradas serem realizadas numa perspectiva universitária, dando origem a uma instituição híbrida que projeta a universidade nas populações que não a frequentam – influindo na sua qualidade de vida – bem como nos jovens que nela pretendem ingressar.

(GIL apud RIBEIRO, 2013, p. 91-92)

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Percebemos, portanto, a importância preponderante do Museu na função de extensão

universitária, ou, como consta no site do MArquE, como “uma porta aberta à comunidade

externa”.

Poder-se-ia argumentar que o Museu já compôs o Centro de Filosofia e Ciências

Humanas, quando de sua fundação, e que a medida a ser votada se constituiria apenas em

uma “volta às origens”. Ora, vale destacar que inicialmente a instituição se constituía como um

Instituto de Pesquisa. Sua nova configuração como Museu, porém, trouxe novos contornos

para a instituição, principalmente no que se refere às demandas e expectativas da comunidade

em geral. No entanto, desde antes da instalação do Instituto de Antropologia, que viria a se

tornar o MArquE, nosso fundador, o Professor Oswaldo Rodrigues Cabral, já apontava a

intenção de constituir uma instituição que fosse, ainda que dentro da Universidade, além do

ensino. No discurso de inauguração do Instituto, em 29 de maio de 1968, em seu estilo tão

próprio, o Prof. Cabral disse o seguinte: “Era mister, sem abandonar uma enfrentar a outra

frente. Foi assim que partimos para a criação de um Instituto, que deixasse de ser bitolado

pelas exigências mínimas de um currículo escolar, para se situar no eixo de um horizonte

amplo.” (CABRAL, 1969. p. 109)

Ademais, de acordo com Ribeiro (2013), se muitos museus se vinculam aos

departamentos que deram origem a suas coleções, contemporaneamente tem-se optado por

vinculá-los às unidades administrativas de extensão, por estas serem as principais responsáveis

pela relação da Universidade com a comunidade (p.92). Assim, parece-nos que o MArquE

deixar de ser um órgão suplementar e passar a ser vinculado a um centro de ensino é um

movimento no sentido oposto ao apontado pela área de forma mais geral.

É importante, assim, que um museu universitário, reúna as condições de manter sua

atuação a serviço de toda a sociedade, ainda que sem descuidar de seu papel dentro da

própria universidade. Ulpiano Bezerra de Menezes, por sua vez, chama a atenção para o perigo

da criação de relações hierárquicas entre os Museus Universitários e os centros ou institutos

de ensino. Nas palavras do autor, o “museu universitário, da USP ou de qualquer outra

universidade, deve servir à sociedade, em todos os seus segmentos, como qualquer outro

museu, e, além disso, desenvolver formas específicas de atendimento a necessidades próprias

da universidade.” (MENEZES apud ALMEIDA, 2001, p. 61; grifos no original).

Como corpo técnico do Museu, sabemos das dificuldades que temos enfrentado para a

efetivação de nossa função social. Ressaltamos, porém os inúmeros avanços conseguidos pela

equipe graças a projetos enviados a editais externos e ao apoio das gestões da universidade.

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Se ainda não atingimos o ideal em relação à frequência de exposições, nos últimos anos o

MArquE dedicou-se – além do desenvolvimento permanente de projetos e iniciativas dentro

do tripé ensino, pesquisa e extensão – ao aprimoramento de sua estrutura. Graças a essa

opção ostentamos hoje reservas técnicas de excelente qualidade, além do Pavilhão de

Exposições Silvio Coelho dos Santos e uma equipe técnica com formação específica, que inclui

profissionais nas funções de Museólogo, Pedagogo, Arqueólogo, Conservador-Restaurador e

Historiador, Antropólogo e Cientista Social.

Identificamo-nos com características dos museus universitários que, de acordo com

Muriel Christison, diretora do Museu da Universidade de Illinois, causam problemas nas

instituições. Dentre os elencados pela autora, destacam-se a pressão dos departamentos para

uso dos espaços e das coleções, as chefias exercidas por pessoas sem formação na área

museológica e a falta de autonomia para a obtenção de recursos financeiros (CHRISTISON

apud ALMEIDA, 2001). Vale destacar ainda que, atualmente, o Museu não conta com um

duodécimo ou outras verbas advindas da Universidade que lhe dê condições de cumprir seu

papel de forma mais satisfatória.

Reconhecemos, portanto, que o Museu ainda não encontrou na Universidade o espaço

e o reconhecimento necessários para a efetivação plena de sua função social. Perspectiva essa

que foi planejada pela instituição e que se tornaria concreta com a conclusão do Pavilhão de

Exposição e com a implementação de suas exposições e de atividades educativas e culturais1.

Acreditamos, porém, que a subordinação a um centro de ensino não sanaria as dificuldades

encontradas; ao contrário, aprofundaria relações hierárquicas que nos parecem reforçar as

características acima elencadas. A perda da condição de Órgão Suplementar e sua sujeição a

um único Centro de Ensino vêm, assim, interromper o desenvolvimento planejado e executado

durante os últimos anos. Acreditamos, ainda, que a manutenção desta instituição como Órgão

Suplementar, somada a um efetivo apoio por parte da administração central da UFSC, é o

caminho possível para o fortalecimento do MArquE como Museu e, por conseguinte, como um

campo rico de aprendizagem para os estudantes vinculados à museologia e às demais áreas

afins, além de um espaço de comunicação museológica aberto à comunidade como um todo.

Não nos parece, por um lado, que a mudança regimental proposta (anexo III do

Regimento Geral da UFSC) seja apenas um ato administrativo menor, mas sim que esta terá

implicações na função prioritária do Museu como órgão cultural. Por outro lado, e conforme

buscamos expor acima, não vislumbramos que esta tenha o potencial de sanar as demandas

1 Por meio de projeto “Implantação do Espaço Expositivo” apresentando ao Ministério da Cultura em maio de 2010.

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nem dos cursos vinculados ao CFH, nem do Museu. Acreditamos, ainda, que o Museu deve ser

um espaço de ensino, pesquisa e extensão aberto a toda a Universidade, a todos os centros de

ensino e campi da UFSC. Mais do que isso, acreditamos que o fazer do MArquE pressupõe

iniciativas que abarquem as mais variadas áreas do conhecimento, de modo que limitá-lo

apenas a um Centro de Ensino teria efeitos deletérios na qualidade do trabalho desenvolvido

na Instituição e representaria uma diminuição nas suas possibilidades de atuação, assim como

nos serviços que é capaz de prestar a toda a comunidade universitária.

Defendemos, assim, a manutenção do MArquE no rol de Órgãos Suplementares

desta Universidade. Mais do que isso, nos comprometemos a seguir trabalhando no sentido

de defender sua existência como instituição museal, de forma que busque cumprir as múltiplas

funções desta tipologia institucional.

Sem mais no momento, nos colocamos à disposição para a discussão da matéria, assim

como para qualquer esclarecimento que se faça necessário.

Assinam este documento:

Angelo Renato Biléssimo (historiador)

Flora Bazzo Schmidt (pedagoga)

Luciane Zanenga Scherer (arqueóloga)

Marcel Santos (secretário)

Teresa Fossari (arqueóloga)

Vanilde Rohling Ghizoni (restauradora)

Viviane Wermelinger Guimarães (museóloga)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALMEIDA, Adriana Mortara. Museus e coleções universitários: por que museus de arte na Universidade de São Paulo. Tese de doutorado apresentada à Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei 11.904: Institui o Estatuto dos Museus e dá outras providências. Brasília, 14 de janeiro de 2009. RIBEIRO, Emanuela Souza. Museus em universidades públicas: entre o campo científico, o ensino, a pesquisa e a extensão. Revista Museologia e Interdisciplinaridade: v. 2, n. 4. (2013). p. 88-102. BRASIL. Ministério da Educação. Relatório de Avaliação do Curso de Museologia da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, protocolo 201305794. Brasília, 2013. CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Inauguração do Instituto de Antropologia. Anais do Instituto de Antropologia, 1968, Ano I, n. 1. Florianópolis, janeiro de 1969. p. 101-112

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ANEXO I

À Exma Sra. Roselane Neckel,

Magnífica Reitora da Universidade Federal de Santa Catarina,

Com cópia, para conhecimento,

ao

Prof. Dr. Paulo Pinheiro Machado,

Diretor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFH/UFSC

E ao

Prof. Dr. Paulo Ricardo Berton

Secretário de Cultura - SeCult/UFSC

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Exma sra. Roselane Neckel, Magnífica Reitora da Universidade Federal de Santa Catarina,

Frente aos últimos acontecimentos e ao desencontro de informações que temos

vivenciado, nós, os servidores públicos federais lotados no Museu de Arqueologia e Etnologia

Professor Oswaldo Rodrigues Cabral subscritos, sentimos a necessidade de formular e registrar

nosso posicionamento, para que seja de sua ciência .

Inicialmente, pensamos ser premente contextualizar a redação desta carta. Viemos de

um longo período de incertezas, omissões e informações desencontradas, que vêm nos

desestruturando como equipe e interferindo sobremaneira em nossa capacidade de trabalho.

Neste ínterim, confiamos em sua gestão que, por meio da Secretaria de Cultura, pediu-nos

paciência. Na última semana, fomos surpreendidos pelo teor das reuniões que tivemos,

separadamente, com a Secretaria de Cultura - nas pessoas do professor Paulo Ricardo Berton

e da professora Alessandra Mara Rotta de Oliveira - e com a direção do Centro de Filosofia e

Ciências Humanas - nas pessoas do professor Paulo Pinheiro Machado e da professora Sônia

Weidner Maluf.

Surpreendidos, em primeiro lugar, pelo fato de termos sido confrontados com . d~cisões sobre as quais não encontramos espaço para discussão, e que nos deixaram cientes

de que fomos privados de participar - e mesmo do mínimo que se espera : de tomar

conhecimento - das tratativas relacionadas a nosso próprio espaço de trabalho. E, em segundo

lugar, surpreendidos pelo fato de em ambas as reuniões os sujeitos terem apresentado

decisões em nome da reitoria, quando seus discursos tinham, para nós, aspectos divergentes.

Em consonância com a legislação vigente na UFSC, compreendemos o MArquE como

um órgão suplementar (conforme anexo C do Regimento Geral da UFSC), de natureza cultural.

O artigo 11 do Estatuto da Universidade o situa, portanto, como órgão existente para além das

Unidades de Ensino (conforme caput), no qual não haverá lotação de pessoal docente

(conforme §1º) e que deve estar a serviço da Universidade para os fins de ensino, pesquisa e

extensão (conforme §2º). O artigo subseqüente estabelece que órgãos suplementares como o

MArquE estarão diretamente subordinados ao reitor, que "poderá atribuir ao vice-reitor e aos

pró-reitores ou Secretários Especiais a subordinação" (conforme redação dada em 2008 ao

parágrafo único).

Tendo em vista o estabelecido pela legislação vigente, causa-nos estranheza a

formação determinada para o conselho gestor, que nos foi comunicada na última quarta feira,

dia vinte e sete de março.

Temos consciência da situação delicada que temos vivido em relação à direção e à

coordenação dos trabalhos no seio do MArquE, mas não consideramos procedente, tendo em

conta o supracitado, que o conselho de gestão provisória seja composto

1. Por uma maioria docente, sendo que somos um órgão, em essência, composto

apenas por representantes do corpo técnico-administrativo da Universidade

2. Por uma maioria que representa apenas uma Unidade de Ensino - apesar de

reconhecer que esta comporta cursos com estamos

/

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vinculados a ela, e compreendemos que, de acordo com a legislação pertinente,

nossa responsabilidade com o ensino se estende à Universidade.

Em um primeiro momento, tendo em vista a fragilidade transitória vivida pela equipe e

o desejo de uma reestruturação que nos permita trabalhar de forma a cumprir a contento

nossa função social junto à comunidade universitária e à externa, não contestamos a

imposição do conselho, buscando apenas a paridade dos servidores do MArquE em seu seio. A

impossibilidade de qualquer negociação nesse sentido não nos permite vislumbrar, porém, o

cenário posto como de "diálogo horizontal", mas apenas de legitimação de decisões vert icais

já tomadas em outras instâncias.

A legislação da Universidade deixa claro, ademais, que o "estreitamento de laços"

proposto pelo Centro de Filosofia e Humanas pressupõe uma mudança radical na estrutura do

Museu, notadamente no que diz respeito a sua posição no organograma da UFSC.

Isto posto, temos a esclarecer que:

1. É do maior interesse dos técnicos do MArquE estabelecer e aprofundar parcerias

com servidores docentes da Universidade, sejam das áreas de arqueologia e

etnologia, sejam das áreas de formação inicial de seus técnicos, sejam de outras

áreas que tenham interfaces com o trabalho no Museu;

2. O MArquE vem contribuindo com o ensino não apenas no Centro de Filosofia e

Ciências Humanas, mas também do Centro de Comunicação e Expressão, do

Centro Tecnológico, e do Centro de Ciências da Educação, e tem cond ições de

potencializar tais contribuições;

3. Dentro das possibilidades do Museu e de uma lógica de reciprocidade, todos os

docentes que entraram em contato para firmar parcerias foram contemplados;

4. Os técnicos do Museu - assim como dos demais setores - não têm respaldo legal

para lecionar disciplinas, função que cabe aos servidores do corpo docente;

5. O MArquE tem um trabalho contínuo de formação de bolsistas, que tende a se

ampliar no ano de 2013;

6. Temos prestado serviços de atendimento a pesquisadores da Universidade e

externos, assim como à comunidade em geral, em especial os relacionados com

visitas técnicas, cumprindo esta que é uma das responsabilidades da instituição.

Ainda que sem exposições no momento o museu continua exercendo suas

atividades.

7. O corpo técnico do Museu reconhece a dificuldade que vem vivenciando no

sentido de uma ocupação dinâmica do pavilhão de exposições com uma agenda

cultural que contemple exposições, e deseja concentra r esforços neste sentido .

Concordamos com a necessidade, para o melhor encaminhamento dos trabalhos, da

constituição de um órgão co legiado que possibilite uma gestão ma is democrática, calcada na

discussão das questões pertinentes ao Museu. No entanto, defendemos que a constituição

deste órgão respeite não apenas a abertura do Museu para as unidades da Universidade, mas

também as especificidades de uma instituição museal e seu caráter de órgão suplemen ar.

Neste sentido, defendemos um conselho em que tenham assento :

Page 13: Trata-se da proposição de alterações do anexo III do ... Através desta nos posicionamos contra a retirada do Museu da condição de órgão suplementar, pois acreditamos que,

1. O/a diretorIa) do Museu.

2. Todos os servidores lotados no Museu, como representantes de sua área de

atuação, considerando que hoje contamos com um corpo técnico enxuto, com um

servidor de cada especialidade, cujo trabalho e o conhecimento têm

especificidades que a representação por setor (pesquisa/museologia) não

contemplaria.

3. Representantes docentes dos cursos de graduação e pós graduação que tiverem

parcerias efetivas com o Museu, quaisquer sejam suas Unidades de origem, na

proporção de um por curso.

4. Representantes discentes, indicados pelo Diretório Central de Estudantes, na

proporção de 1 estudante para cada 5 representantes não discentes.

5. Um representante da comunidade externa, indicado pela Associação de Amigos do

Museu, a AAMU.

Acreditamos que tal composição permitiria o aprofundamento de parcerias do Museu

com variados cursos e unidades de ensino, ao mesmo tempo que respeitaria o caráter e a

tipologia do MArquE, e os interesses das partes envolvidas. Compreendemos que a

consolidação de parcerias só pode existir em ambientes em que sejam respeitados os anseios

e as necessidades de todos os envolvidos, assim como as características específicas de cada

um. E que destes ambientes emergem trabalhos mais significativos para os servidores, a

comunidade interna e a comunidade em geral.

Num cenário de trabalho como este, poderíamos nos comprometer, como ações de

curto prazo no sentido de estruturar o caminhar da instituição e construir um museu que

cumpra de forma mais efetiva, tranqüila é completa suas atribuições, com:

1. A elaboração, no prazo de 30 dias, de uma minuta que discipline a construção de

parcerias com cursos, centros de ensino e outras instâncias dentro da UFSC,

permitindo a construção de novas iniciativas e formalizando as já existentes;

2. A ocupação, em prazo equivalente, da parte do novo pavilhão dedicada às

atividades administrativas, criando as condições para desenvolvimento e

efetivação de exposições;

3. O diálogo com o curso de Museologia no sentido de garantir, a cada semestre, o

espaço necessário para que os estudantes desenvolvam exposições e outros

trabalhos acadêmicos no âmbito das disciplinas, resguardando a atuação do

museu e as necessidades dos alunos;

4. A elaboração, em 30 dias, de uma proposta de agenda cultural para a instituição,

que aponte para um contato permanente e dinâmico entre o museu e a

comunidade, contemplando exposições e atividades articuladas a elas e para além

delas;

5. A elaboração, em até 45 dias, de um plano de ocupação do pavilhão que preveja: ~

5.1 A abertura, em agosto de 2013, de uma exposição que ocupe uma das salas do

pavilhão, abrindo à comunidade de forma definitiva o novo ~

~ y ~ ~

Page 14: Trata-se da proposição de alterações do anexo III do ... Através desta nos posicionamos contra a retirada do Museu da condição de órgão suplementar, pois acreditamos que,

5.2 A ocupação, até o início do ano letivo de 2014, de todos os espaços expositivos do

novo pavilhão, com exposições de relevância, articuladas à tipologia do MArquE e

a atividades culturais.

Esperamos que a forma como estruturamos este documento tenha conseguido

expressar, magnífica reitora, que nossa intenção é a de contribuir para a discussão acerca do

futuro do museu, discussão esta que nos diz respeito e na qual, pensamos, temos a somar.

Sabemos do compromisso de sua gestão com os princípios democráticos, e esperamos

encontrar nela - ainda que tardiamente - a interlocução necessária para que possamos

trabalhar com mais satisfação e isonomia; para que nos tornemos de fato atores deste

processo vivido atualmente pelo Museu. E para que, assim, possamos efetivar de forma mais

plena a função social de nossa instituição.

Respeitosamente, nos colocamos à disposição para o diálogo e para qualquer

esclarecimento que se faça necessário.

arcel . Santos C .... de Expediente

Museu di Arqueologia e Etnologia Osvatdo Rodriglles Cabral

SeCult/UFSC

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~~~ciL ~~ .r;~~~. V~~de Rohling Çjtl~nl /

Restauradora . ~u de Arqueologia e Etnologia l svaldo Rodrigues Cabral

SeCult/UFSC

Florianópolis, 03 de abril de 2013.

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?edagog,9-Museu de Arque~~giQ e Etnolo

lg10

Osvaldo Ro.dPi;ues Cabra SeCult/UFSC

Sylvia Gravana da CU Arquivista

Museu Universitário SeCArte • UFSC

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Museu Universitário SeCArte - UFSC