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TRATADO SOBRE A DÍVIDA EXTERNA [13] Os termos Sul e Norte pressupõem que existe um Norte no Sul e um Sul no Norte PREÂMBULO 1. Considerando que a dívida externa é o mecanismo mais recente de exploração dos povos e do meio ambiente do Hemisfério Sul pelo Hemisfério Norte, adicionando assim um peso extra da dívida histórica, ambiental e cultural do Norte para com o Sul. 2. Considerando que Norte é o responsável por uma dívida ecológica planetária, constituída a partir das relações econômicas e comerciais baseadas na exploração indiscriminada dos recursos com sérios impactos ecológicos (intensificação da erosão e desertificação, destruição das florestas tropicais e crescentes disparidades de estilos de vida), incluindo a deterioração do meio ambiente global. 3. Considerando que a dívida dos países do Sul vem gerando uma sangria importante dos recursos essenciais para um desenvolvimento ecologicamente sustentável, eles transferem para os credores mais de 50 bilhões de dólares por ano acima do que recebem na forma de capitais do Norte. Apesar disso, a dívida externa continua a crescer dramaticamente, tornando os países do Sul parcial ou totalmente incapazes de pagar a dívida. 4. Considerando que o endividamento dos países do Sul está fundado num modelo de desenvolvimento que não responde às necessidades das maiorias de suas populações mas sim na exploração perversa dos seus povos, recursos e meio ambiente, através de termos de comércio desvantajosos, do protecionismo e do poder exercido pelo capital internacional, sobretudo das empresas transnacionais. 5. Considerando que a lógica perversa da crise da dívida – quanto mais os países do Sul pagam mais devem – gerou transferências financeiras maciças dos pobres para os ricos, perpetuando assim um processo de descapitalização, empobrecimento e destruição ambiental com conseqüências devastadoras para o Sul, e que os próprios povos do Norte sofrem impactos negativos desta crise, como o saneamento financeiro de bancos com o dinheiro de contribuintes, o crescimento do desemprego e o aumento do uso de drogas. 6. Considerando que as dívidas ilegais e fraudulentas, caracterizadas pela violação de leis nacionais, fuga de capitais e corrupção, foram usadas para financiar projetos superfaturados e de baixa qualidade, com a cumplicidade de credores e tomadores.

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3. Considerando que a dívida dos países do Sul vem gerando uma sangria importante dos recursos essenciais para um desenvolvimento ecologicamente sustentável, eles transferem para os credores mais de 50 bilhões de dólares por ano acima do que recebem na forma de capitais do Norte. Apesar disso, a dívida externa continua a crescer dramaticamente, tornando os países do Sul parcial ou totalmente incapazes de pagar a dívida. PREÂMBULO [13]

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TRATADO SOBRE A DÍVIDA EXTERNA[13]

Os termos Sul e Norte pressupõem que existe um Norte no Sul e um Sul no Norte

PREÂMBULO

1. Considerando que a dívida externa é o mecanismo mais recente de exploraçãodos povos e do meio ambiente do Hemisfério Sul pelo Hemisfério Norte,adicionando assim um peso extra da dívida histórica, ambiental e cultural do Nortepara com o Sul.

2. Considerando que Norte é o responsável por uma dívida ecológica planetária,constituída a partir das relações econômicas e comerciais baseadas na exploraçãoindiscriminada dos recursos com sérios impactos ecológicos (intensificação daerosão e desertificação, destruição das florestas tropicais e crescentes disparidadesde estilos de vida), incluindo a deterioração do meio ambiente global.

3. Considerando que a dívida dos países do Sul vem gerando uma sangriaimportante dos recursos essenciais para um desenvolvimento ecologicamentesustentável, eles transferem para os credores mais de 50 bilhões de dólares porano acima do que recebem na forma de capitais do Norte. Apesar disso, a dívidaexterna continua a crescer dramaticamente, tornando os países do Sul parcial outotalmente incapazes de pagar a dívida.

4. Considerando que o endividamento dos países do Sul está fundado num modelode desenvolvimento que não responde às necessidades das maiorias de suaspopulações mas sim na exploração perversa dos seus povos, recursos e meioambiente, através de termos de comércio desvantajosos, do protecionismo e dopoder exercido pelo capital internacional, sobretudo das empresas transnacionais.

5. Considerando que a lógica perversa da crise da dívida – quanto mais os paísesdo Sul pagam mais devem – gerou transferências financeiras maciças dos pobrespara os ricos, perpetuando assim um processo de descapitalização,empobrecimento e destruição ambiental com conseqüências devastadoras para oSul, e que os próprios povos do Norte sofrem impactos negativos desta crise,como o saneamento financeiro de bancos com o dinheiro de contribuintes, ocrescimento do desemprego e o aumento do uso de drogas.

6. Considerando que as dívidas ilegais e fraudulentas, caracterizadas pela violaçãode leis nacionais, fuga de capitais e corrupção, foram usadas para financiarprojetos superfaturados e de baixa qualidade, com a cumplicidade de credores etomadores.

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7. Considerando que medidas para a redução ou o cancelamento da dívida masnão suficientes para superar a desigualdade social e a degradação ambiental, éindispensável a transformação estrutural dos objetivos, prioridades e métodos dodesenvolvimento que inclui:

q a transformação estrutural das relações financeiras, comerciais e tecnológicasentre ricos e pobres;

q um processo político democrático e participativa.

8. Considerando que as políticas de ajuste estrutural, induzidas pelo fundomonetário internacional e pelo Banco Mundial e conduzidas pelos governos do Sul,ignoram as raízes dos problemas que afligem esses povos, tais como adesigualdade na distribuição de renda e de conhecimento, inflação alta e dívidasinterna e externa que não cessam de crescer, que estas políticas forçam os paísespobres a adotar um padrão insustentável de produção voltada para a exportação,com impactos perversos sobre o valor desses produtos no mercado internacional,sobre a vida das populações rurais e urbanas e sobre os recursos não renováveis,e que tais políticas enfraquecem as economias domésticas, o poder de compra dossalários, o patrimônio público e a capacidade do Estado de investir, regular, eproteger o meio ambiente.

9. Considerando que tais políticas resultam da transferência de decisões soberanaspara o domínio dos credores e interferem nas políticas econômicas, comerciais etecnológicas dos países do Sul.

10. Considerando que os mecanismos de conversão e de compra de títulos dadívida não resolvem nem a crise do endividamento, nem a ambiental, nemtampouco contribuem para o desenvolvimento de políticas coerentes com umaadministração democrática dos recursos.

11. Considerando que as comunidades populares locais precisam assumir maiorcontrole do seu próprio desenvolvimento.

12. Considerando que os povos do Sul e do Norte precisam cooperar naconstrução de modelos de desenvolvimento diversificado, eqüitativos esustentáveis.

13. Considerando que o desenvolvimento eqüitativo e sustentável no Sul só podetornar-se viável e efetivo se o Norte também realizar uma transformação estruturalsuperando a lógica do crescimento ilimitado e indiscriminação, que é responsávelpor uma economia produtivista e consumista; geradora de excessos, desperdíciose degradação de recursos.

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14. Considerando que uma ação decisiva sobre a questão da dívida tornarádisponível maior quantidade de recursos para a promoção de modelos socialmentejustos e ecologicamente sustentáveis.

NOS COMPROMETEMOS A

1. Pressionar os governos e os bancos a estabelecer um processo democrático deresolução do problema da dívida, submetendo-se a plena transparência, prestandocontas e assegurando livre acesso a informação, auditorias públicas com prazosdefinidos e a participação de organizações populares e ONGs na formulação depolíticas.

2. Trabalhar pelo reconhecimento e compensação da dívida ecológica planetária doHemisfério Norte para com o Sul.

3. Trabalhar estrategicamente pelo cancelamento efetivo da dívida, pelastransferências líquidas de recursos do Sul para o Norte, pela geração detecnologias locais e pelo estabelecimento de transferência de tecnologiasapropriadas para o Sul dentro desta década.

4. Trabalhar taticamente pela redução maciça do estoque da dívida, começandopelo imediato repúdio de todas as dívidas ilegais e fraudulentas.

5. Opor-se a todas as medidas de conversão da dívida que não coincidam com osinteresses das maiorias (incluindo conversões ligadas à condicionalidade, venda deterras agrícolas, perda de soberania sobre o território, extração de materialgenético de áreas ricas em biodiversidade, aumento do gasto público e dainflação), e empreender ações coerentes com nossas estratégias de gestão dadívida.

6. Esforçar-se por substituir o atual modelo de desenvolvimento global pormodelos sustentáveis, eqüitativos e participativos, incluindo a transformaçãoestrutural do Norte, a redistribuição nacional e global da renda, da riquezanacional e do acesso aos recursos, transferindo o poder e a gestão deles para asmãos das populações locais e da sociedade organizada.

7. Pressionar os governos do Norte e as instituições internacionais a adotar termosde comércio mais justos e adequados para o Sul, incluindo a eliminação de todoprotecionismo prejudicial pelo Hemisfério Norte.

8. Pressionar os governos do Norte a prover um mínimo de 0,7% do seu ProdutoNacional Bruto como ajuda internacional ao desenvolvimento (ODA), trabalhartambém para que os fluxos financeiros para o Sul sejam orientados para um

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desenvolvimento participativo e social e ambientalmente sustentável, o objetivomaior é a eliminação da dependência do Sul em relação a essa forma de ajuda.

9. Iniciar campanhas conjuntas pela eliminação de condicionalidades perversasligadas aos programas de ajuste através de uma total reestruturação das agênciasfinanceiras multilaterais.

10. Trabalhar em conjunto com outras instituições sociais, culturais, profissionais ereligiosas e com meios de informação, no sentido de localizar a dimensão ética dadívida e dos programas de ajuste estrutural.

11. Trabalhar pelo estabelecimento de instituições democráticas a nível sub-regional, regional e internacional, independentes dos Estados, com poder parafiscalizar, regular e sancionar os agentes econômicos globais e suas transações.

12. Pressionar os governos do Sul a estabelecer uma estratégia coletiva de soluçãoda crise do endividamento.

13. Repudiar a administração do Fundo Global do Meio Ambiente (GEF) pelo BancoMundial e trabalhar para que ele seja colocado dentro de uma instituiçãotransparente, democrática e ambientalmente responsável.

14. Pressionar as Nações Unidas, os governos e os bancos comerciais pelaconvocação de uma conferência sobre a dívida externa e assuntos correlatos, emque participem todos os atores deste debate – devedores, credores, movimentossociais e ONGs.

ESTRATÉGIAS DE AÇÃO

1. Criar um comitê de coordenação cuja tarefa principal será a de desenvolver edetalhar as campanhas e promessas previstas neste tratado e dar início a umarede global sobre dívida, desenvolvimento e meio ambiente.

2. Promover campanhas conjuntas contra aspectos da dívida, desenvolvendoestudos de casos relativos a América Latina, África e Ásia. Estas campanhas serãoconduzidas nos níveis local, municipal, regional, nacional e internacional. Incluirãodeclarações sobre as dívidas ilegais e fraudulentas que reforçarão as pressões pelocancelamento da dívida.

3. Desenvolver posições políticas conjuntas sobre a dívida relativas a liberdade deinformação, transferência de recursos, prestação de contas e participação públicana formulação e políticas, pressionar pela democratização do diálogo entreinstituições credoras e governos, de modo a incluir organizações sociais e ONGs.

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Estas posições políticas serão levadas às agências multilaterais de financiamento,governos credores, instituições oficiais de relevo, movimento sociais e ONGs.

4. Pressionar as organizações internacionais pelo estabelecimento até o final de1995, de um sistema contábil para o Planeta Terra, que permita quantificar adívida acumulada dos países do Norte, resultante dos recursos por elesapropriados e da destruição e desperdício verificados ao longo dos últimos 500anos.

5. Estabelecer o dia Global de Libertação dos Devedores (em data a serestabelecida pelo comitê coordenador). As ações nesta data poderiam incluirpressões sobre os bancos credores, educação, demonstrações e atos simbólicos.

6. Trabalhar com juristas e advogados para estabelecer regulamentação elegislação sobre transações internacionais, pressionar para torná-las aplicáveis àsnações e corporações.

7. Pressionar pela transparência dos bancos em relação às operações financeiras,inclusive aquelas relativas as pessoas físicas, do Sul para o Norte, tais como umarelação anual de depósitos no banco, por país.

8. Retirar nossos depósitos daqueles bancos e entidades que apoiam ouimplementam atividade ambientalmente ou socialmente destrutivas e iniciarcampanhas para identificá-los.

TAREFAS DO COMITÊ COORDENADOR

1. Preparar uma relação abrangente dos recursos existentes, ações jádesenvolvidas e campanhas em andamento relacionas com a dívida externa. Estalista incluirá também ONGs que estão trabalhando esta questão.

2. Trabalhar com os signatários deste tratado pelo cumprimento das ações denúmero 1 a 8.

3. Planejas uma reunião de acompanhamento para um ano após o Fórum Global,para avaliar nosso progresso e dar continuidade ao processo de colaboração.