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Coletânea dos poemas declamados

Turbilhao ebook

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poemas declamados na radio, pelos alunos da escola secundaria de pombal, no âmbito do turbilhão de poesia,

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Coletânea dos

poemas

declamados

Ser Poeta Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e cetim… É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente… É seres alma e sangue e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente! (Florbela Espanca, «Charneca em Flor», in «Poesia Completa») (Beatriz Gomes – 9ºF) (Ilustração – Joana Gomes, 10ºE)

URGENTEMENTE É urgente o Amor, É urgente um barco no mar. É urgente destruir certas palavras ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas. É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras. Cai o silêncio nos ombros, e a luz impura até doer. É urgente o amor, É urgente permanecer. Eugénio de Andrade (Inês Rodrigues, 9º G)

VOCÊ É UM IDIOTA "Sente-se. Está sentado? Encoste-se tranquilamente na cadeira. Deve sentir-se bem instalado e descontraído. Pode fumar. É importante que me escute com muita atenção. Ouve-me bem? Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo. Você é um idiota. Está realmente a escutar-me? Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção? Então Repito: você é um idiota. Um idiota. I como Isabel; D como Dinis; outro I como Irene; O como Orlando; T como Teodoro; A como Ana. Idiota. Por favor não me interrompa. Não deve interromper-me. Você é um idiota. Não diga nada. Não venha com evasivas. Você é um idiota. Ponto final. Aliás não sou o único a dizê-lo. A senhora sua mãe já o diz há muito tempo. Você é um idiota. Pergunte pois aos seus parentes. Se você não é um idiota... claro, a você não lho dirão, porque você se tornaria vingativo como todos os idiotas. Mas os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota. É típico que você o negue. Isso mesmo: é típico que o Idiota negue que o é. Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um Idiota. É francamente fatigante. Como vê, preciso de dizer mais uma vez que você é um Idiota e no entanto não é desinteressante para você saber o que você é e no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.

Ah sim, acha você que tem exatamente as mesmas ideias do seu parceiro. Mas também ele é um idiota. Faça favor, não se console a dizer que há outros Idiotas: Você é um Idiota. De resto isso não é grave. É assim que você consegue chegar aos 80 anos. Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem. E então na política! Não há dinheiro que o pague. Na qualidade de Idiota você não precisa de se preocupar com mais nada. E você é Idiota (Formidável, não acha?)" Bertolt Brecht (Lara Paz Baptista)

NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não atem calma. Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é, Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou. Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo: “Fui eu?” Deus sabe, porque o escreveu. Fernando Pessoa (Leonor França)

ADEUS Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mão à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro! Era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes! e eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis. Mas isso era no tempo dos segredos, no tempo em que o teu corpo era um aquário, no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros. Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor..., já se não passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus. Eugénio de Andrade (Maria Ramalho, 9º G)

Cântico Negro "Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... A minha glória é esta: Criar desumanidade! Não acompanhar ninguém. - Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vós responde Por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí... Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. Como, pois sereis vós Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, E vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes pátria, tendes tetos, E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... Eu tenho a minha Loucura! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém. Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se soltou. É uma onda que se alevantou. É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou - Sei que não vou por aí! José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo' (Universidade Sénior) E (Sara Pestana, aluna do ensino secundário)

Vai-te, Poesia! Deixa-me ver a vida exata e intolerável neste planeta feito de carne humana a chorar onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos com bandeiras de lume nos olhos, para fabricar sonhos carregados de dinamite de lágrimas. Vai-te, Poesia! Não quero cantar. Quero gritar! José Gomes Ferreira (Professor Agostinho Santos)

O amor, quando se revela O amor, quando se revela, não se sabe revelar. Sabe bem olhar p'ra ela, mas não lhe sabe falar. Quem quer dizer o que sente não sabe o que há de dizer. Fala: parece que mente. Cala: parece esquecer. Ah, mas se ela adivinhasse, se pudesse ouvir o olhar, e se um olhar lhe bastasse pra saber que a estão a amar! Mas quem sente muito, cala; quem quer dizer quanto sente fica sem alma nem fala, fica só, inteiramente! Mas se isto puder contar-lhe o que não lhe ouso contar, já não terei que falar-lhe porque lhe estou a falar... Fernando Pessoa (Samuel Gaspar, 11ºA)

Amor é um Fogo que Arde sem se Ver Amor é um fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se e contente; É um cuidar que ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? Luís Vaz de Camões, in "Sonetos" (João Silva, 11ºA)

HIPNOSE Olhei-me do monte mais alto e revi o meu sobressalto, em hipnose ou sono profundo, eu hoje tomo parte do mundo e planto, em pranto errante (nómada hesitante), o elevar vagueante do norte, fazendo da sorte o sim da estrada. Sabei que eu recomecei a jornada! Sabei que usei de novo a enxada para encher de tudo esta terra de nadas. Sim, plantei crianças e fiz mares azuis, levantei marés e toquei as estrelas, roubando centelhas ao fogo dos céus. Depois libertei a dor dos infernos e amainei os ventos desertos de cor. Por fim, vi o amor na raiva da dor e a terra engravidar de esperança... Assim vi nascer a lembrança! (Luís Bernardo Fernandes, 11º A)

SÍSIFO Recomeça… Se puderes, Sem angústia e sem pressa. E os passos que deres, Nesse caminho duro Do futuro, Dá-os em liberdade. Enquanto não alcances Não descanses. De nenhum fruto queiras só metade. E, nunca saciado, Vai colhendo Ilusões sucessivas no pomar E vendo Acordado, O logro da aventura. És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura Onde, com lucidez, te reconheças. Miguel Torga (Inês Santos,11ºA)

Um rio te espera Estás só, e é de noite, na cidade aberta ao vento leste. Há muita coisa que não sabes e é já tarde para perguntares. Mas tu já tens palavras que te bastem, as últimas, pálidas, pesadas, ó abandonado. Estás só e ao teu encontro vem a grande ponte sobre o rio. Olhas a água onde passam os barcos, escura, densa, rumorosa de lírios ou pássaros nocturnos. Por um momento esqueces a cidade e o seu comércio de fantasmas, a multidão atarefada em construir pequenos ataúdes para o desejo, a cidade onde cães devoram, com extrema piedade, crianças cintilantes e despidas. Olhas o rio como se fora o leito da tua infância: lembra-te da madressilva no muro do quintal, dos medronhos que colhias e deitavas fora, dos amigos a quem mandavas palavras inocentes que regressavam a sangrar, lembras-te da tua mãe que te esperava com os olhos molhados de alegria. Olhas a água, a ponte, os candeeiros, e outra vez a água; a água; água ou bosque; sombra pura nos grandes dias de verão. Estás só. Desolado e só. E é de noite.

Eugénio de Andrade (Tatiana Mateus, 12ºF)

Jogo do destino No golpe e suas marcas dá o Destino aflição. Por que chorar agora quimera e ilusão? Cuidado! tem cuidado! Não canso de lembrar-te: Não durmas entre a presa e a garra do leão! Não deixes que te engane o torpor desta vida, Pois têm seus olhos sempre da vigília o condão. Noites! – Deus nos perdoe! – Mas o que resta delas, Noites que a Sorte muda com traiçoeira mão? O seu prazer só engana – cálice donde, ágil, A víbora se atira a quem colhe o botão. Tanto rei que servira por divinos favores Algo deixou? Procura em tua recordação! IBN ABDUN

Aniana Martins, 9º F

MAR INCERTO Que triste o som acorda à minha voz! Como é pálida a luz do meu espelho E a desse rio azul que não tem foz: O tempo, em que me vou fazendo velho... Dias loucos da infância, onde estais vós? E a alegria -- esse cântico vermelho Do sangue virgem que não tem avós? Como se chama a sombra em que ajoelho? Arfa, cansado, no meu peito um mar: O mar remoto da remota Ilha Onde as sereias cantam ao luar... À esteira dos navios, as gaivotas Gritam no céu, e o céu, lânguido, brilha Sem ecos de vitórias ou derrotas. António de Sousa (Daniela Neves, 9ºF)

URGENTEMENTE

É urgente o Amor, É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros, e a luz impura até doer. É urgente o amor, É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade

Tenho que agir Passava os dias e as noites a chorar e ouvia sempre "já aconteceu, não vale a pena lamentar" Ao fim de tanto tempo acabaste por me magoar Arrisquei mas perdi agora não há volta a dar... Tudo o que eu sonhei acabou por se desmoronar O pó e a poeira andam a pairar no ar Porque tudo acabou e eu não vou, friso, eu não vou voltar a traz Errar é humano Sim, é verdade Acorda para a vida e conhece a humildade Sê sincero naquilo que dizes Os amigos não são feitos para tu os iludires Abre os olhos sê corajoso Para viver feliz não não é preciso ser ambicioso Sem noção partiste-me o coração Hoje quando penso em ti as lágrimas caem no chão Sonhei muito alto e acabei por cair Doeu, mas levantei-me Agora tenho que agir Ana Valeiro

De Coimbra, fica um rio e uma saudade Cavaleiros andantes, dulcineias De Coimbra, fica a breve eternidade

Do Mondego, a correr em nossas veias De Coimbra, fica o sonho, fica a graça Antero de revolta, capa à solta De Coimbra, fica um tempo que não passa Neste passar de um tempo que não volta

Manuel Alegre - 1978

Declamado por Gonçalo (da Radio Cardal)

Língua Portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,

És, a um tempo, esplendor e sepultura:

Ouro nativo, que na ganga impura

A bruta mina entre os cascalhos vela

Amo-se assim, desconhecida e obscura

Tuba de algo clangor, lira singela,

Que tens o trom e o silvo da procela,

E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma

De virgens selvas e de oceano largo!

Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",

E em que Camões chorou, no exílio amargo,

O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Olavo Bilac, in "Poesias"

Nuvens

Ó nuvens pelos céus que eternamente andais!

Longo colar de pérolas na estepe azul,

exiladas como eu, correndo rumo ao sul,

longe do caro norte que, como eu, deixais!

Que vos impele assim? Uma ordem do Destino?

Oculto mal secreto? Ou mal que se conhece?

Acaso carregais o crime que envilece?

Ou só de amigos vis o torpe desatino?

Ah não: fugis cansadas da maninha terra,

e estranhas a paixões e ao sofrimento estranhas

eternas pervagais as frígidas entranhas.

E não sabeis, sem pátria, a dor que o exílio encerra.

Tradução de Jorge de Sena

Mikhail Yuryevich Lermontov

(Anasatasiya Kovalevska)

Morte pensada Experimentei a Morte na cabeça (No coração, só se ele parasse). Mas, por mais que a conheça Não se pensa a Morte: dá-se. Que a Morte não é ser, sendo ela tudo, Nem pessoa será, que tantas leva: É um lá ou além, último som agudo A que não chega a voz do vivo. Nem Chove ou neva Onde campa é a terra de ninguém. Não morremos sequer: matamos a alma Enternecida pelo corpo terno, E ela lá vai, sua alma sua palma, Que nem morre no Inferno. Vitorino Nemésio (Sara Brito)