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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 5312 UMA EXPERIÊNCIA NO INSTITUTO PROFISSIONAL MASCULINO (1900- 1914): A ANÁLISE DA CULTURA ESCOLAR NOS PEDIDOS DE DESLIGAMENTO Rafaela Rocha do Nascimento 1 Introdução O presente trabalho é fruto da pesquisa realizada no PROEDES/UFRJ 2 , junto ao Arquivo do Asylo dos Meninos Desvalidos, onde foi possível verificar os dossiês/pastas dos alunos do início do século XX. A investigação contempla o Instituto Profissional Masculino (1898-1910), também chamado de Instituto Profissional João Alfredo (1910-1933) 3 . O primeiro nome foi denominado quando a instituição ainda funcionava em regime de internato, e o segundo quando passou para o regime de externato. O internato foi criado pelo governo imperial, em 1874, com a finalidade de oferecer ensino primário e profissional a meninos considerados desvalidos. Identificamos sujeitos que ali se matricularam, dos quais nos chamaram a atenção pela experiência desenvolvida na instituição e por corresponderem ao perfil de aluno do qual a pesquisa se enquadra, que é o dos denominados como pretos e pardos no Instituto Profissional Masculino. Com base nisso, o estudo procura fazer uma reflexão, a partir dos registros da documentação presente nas fichas dos alunos, em particular a do aluno Euclides Carlos Monteiro 4 , em constante interlocução com outras fontes que possam nos aproximar mais das respostas sobre os sujeitos investigados e as atividades empreendidas na instituição, como, os periódicos: Jornal do Brasil e A Imprensa e os Decretos direcionados ao funcionamento da instituição escolar analisada. Por estas fontes e em diálogo com os autores que tratam do 1 Mestranda em Educação, pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE/UFRJ). Orientadora Pedagógica no Município de Japeri/RJ. E-Mail: <[email protected]>. 2 Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.fe.ufrj.br/proedes/>. Acesso em: 12 de abril de 2016. De acordo com Marques (1996), o acervo do Asylo dos meninos desvalidos foi doado pelo Colégio Estadual João Alfredo, localizado no prédio onde fora instalado o Asylo dos Meninos Desvalidos, ao Proedes, da Faculdade de Educação da UFRJ, no ano de 1990. O Arquivo é composto de pastas que formam os dossiês dos alunos matriculados no estabelecimento, de 1874 a 1956. 3 A instituição foi criada por iniciativa do Ministro do Império, João Alfredo, no Município da Corte, vinculada à Inspetoria de Higiene e Assistência; em 1894, com a denominação de Instituto Profissional, foi transferida para a Diretoria de Instrução Pública. A presente pesquisa irá priorizar o termo Instituto Profissional Masculino (IPM). 4 O aluno passou para o concurso da Imprensa Nacional, como funcionário de máquinas, em 1913.

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UMA EXPERIÊNCIA NO INSTITUTO PROFISSIONAL MASCULINO (1900- 1914): A ANÁLISE DA CULTURA ESCOLAR

NOS PEDIDOS DE DESLIGAMENTO

Rafaela Rocha do Nascimento1

Introdução

O presente trabalho é fruto da pesquisa realizada no PROEDES/UFRJ2, junto ao

Arquivo do Asylo dos Meninos Desvalidos, onde foi possível verificar os dossiês/pastas dos

alunos do início do século XX. A investigação contempla o Instituto Profissional Masculino

(1898-1910), também chamado de Instituto Profissional João Alfredo (1910-1933)3. O

primeiro nome foi denominado quando a instituição ainda funcionava em regime de

internato, e o segundo quando passou para o regime de externato.

O internato foi criado pelo governo imperial, em 1874, com a finalidade de oferecer

ensino primário e profissional a meninos considerados desvalidos. Identificamos sujeitos que

ali se matricularam, dos quais nos chamaram a atenção pela experiência desenvolvida na

instituição e por corresponderem ao perfil de aluno do qual a pesquisa se enquadra, que é o

dos denominados como pretos e pardos no Instituto Profissional Masculino.

Com base nisso, o estudo procura fazer uma reflexão, a partir dos registros da

documentação presente nas fichas dos alunos, em particular a do aluno Euclides Carlos

Monteiro4, em constante interlocução com outras fontes que possam nos aproximar mais das

respostas sobre os sujeitos investigados e as atividades empreendidas na instituição, como, os

periódicos: Jornal do Brasil e A Imprensa e os Decretos direcionados ao funcionamento da

instituição escolar analisada. Por estas fontes e em diálogo com os autores que tratam do

1 Mestranda em Educação, pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE/UFRJ). Orientadora Pedagógica no Município de Japeri/RJ. E-Mail: <[email protected]>.

2 Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.fe.ufrj.br/proedes/>. Acesso em: 12 de abril de 2016. De acordo com Marques (1996), o acervo do Asylo dos meninos desvalidos foi doado pelo Colégio Estadual João Alfredo, localizado no prédio onde fora instalado o Asylo dos Meninos Desvalidos, ao Proedes, da Faculdade de Educação da UFRJ, no ano de 1990. O Arquivo é composto de pastas que formam os dossiês dos alunos matriculados no estabelecimento, de 1874 a 1956.

3 A instituição foi criada por iniciativa do Ministro do Império, João Alfredo, no Município da Corte, vinculada à Inspetoria de Higiene e Assistência; em 1894, com a denominação de Instituto Profissional, foi transferida para a Diretoria de Instrução Pública. A presente pesquisa irá priorizar o termo Instituto Profissional Masculino (IPM).

4 O aluno passou para o concurso da Imprensa Nacional, como funcionário de máquinas, em 1913.

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assunto são analisadas as consequências deste ensino para os sujeitos que ali a percorreram

em parte ou por completo o período de formação5.

Assim, buscamos apreender estas informações em diálogo com autores que tratam da

cultura escolar, como a análise dos espaços escolares em suas práticas, pelos registros de

ações nem sempre corporificadas nas normas institucionais (FARIA FILHO, 1998;

ESCOLANO, 2000; JULIA, 2001); na perspectiva das experiências escolares dos internos,

que considera suas ações e tensões, pela sua presença em determinados espaços

(THOMPSON, 2002; GOUVÊA, 2015); nos estudos desenvolvidos sobre a inserção dos

negros nos bancos escolares e a importância do não apagamento destes sujeitos (PERES,

2002; FONSECA, 2007; CHALHOUB, 2012) e na formação que mesclava o científico e o

profissional, problematizando o ensino e as características do público atendido, que poderia

se beneficiar para o ingresso e/ou egresso na instituição, em momentos distintos, como

revela os estudos de Marques (1996) e de Souza (2008).

Os registros de comunicação preservados permitem que analisemos o currículo

exercido na instituição, as tensões, práticas e a possibilidade de ascensão social que a

instrução ali oferecia. Portanto, nesta investigação o questionamento central é: como se

desenvolvia o ensino nas práticas escolares para a obtenção de experiências que podem trazer

informações sobre a constituição dessas profissões, pelo aprendizado ali desenvolvido, como

a do aluno analisado? A partir disso, como o aprendizado de ofícios e o estudo científico

garantiriam a alunos identificados como pretos e pardos melhores condições de trabalho?

O estudo está dividido em duas partes: a primeira trata-se das discussões que envolvem

a importância do olhar sobre a cultura escolar, pelos relatos do pai sobre os acontecimentos

com seu filho. Aborda assim, a experiência do aluno na perspectiva da participação do

responsável em sua escolarização, nos contatos estabelecidos com a escola para a

permanência ou saída da instituição e nos termos de enaltecimento do ensino profissional e

científico ali desenvolvido. Na segunda parte é abordada o elo entre a constituição de redes

pelo responsável do aluno e o seu emprego no Jornal do Brasil. Neste ponto são discutidas as

informações do aluno, como a identificação de sua cor e o seu emprego na Imprensa

Nacional. Por fim, algumas considerações das fontes, em diálogo com os conceitos

destacados para o estudo, articuladas às indagações realizadas nesse trabalho.

5 A idade prevista para o ingresso e desligamento da instituição dependia do período, conforme os decretos e as regulamentações voltadas para o ensino profissional no Instituto. Conforme o Decreto n.987, de 5 de junho de 1904, os alunos poderiam ingressar em idade entre 10 e 12 anos, mas não foi encontrada informação da idade para o desligamento. Segundo Braga (1925), pelo Decreto n. 1730 de 5 de Janeiro de 1916, os alunos não poderiam permanecer no Instituto por mais de 6 anos e se tivessem completado 18 anos de idade. .

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A cultura escolar, experiência e legislação: informações presentes nos relatos do responsável do aluno Euclides Carlos Monteiro

Com base nos dados encontrados nos dossiês/pastas do Arquivo do Asilo dos Meninos

Desvalidos, identificamos o caso de Euclides Monteiro, aluno do Instituto Profissional

Masculino. Em sua ficha de matrícula consta o seguinte: aluno Euclides Carlos Monteiro6, cor

pardo; nasceu na Capital Federal; filho de José Carlos Monteiro e Mathilde Leopoldina

Monteiro e entrou na instituição em 14 de Maio de 1910, aos 10 anos de idade, e saiu em 1914.

Foi possível encontrar também dados sobre o seu pai, funcionário do Jornal do Brasil,

reconhecido em matéria do jornal “A Imprensa” como “chefe da officina de stereotypia”,

conforme consta em matéria, em 19107.

Na pasta do aluno nos deparamos com comunicações do seu responsável ao IPM por

meio de dois pedidos de desligamento e uma carta datada após o último pedido de

desligamento8. No primeiro pedido de desligamento, seu pai reclama sobre um tratamento

inadequado que ele recebeu no IPM, por parte de um colega de turma, atuando como

“inspetor aluno”. Esse fato resultou no pedido de saída do aluno, que só foi realizado após o

segundo pedido, onde não foi especificado o motivo. No terceiro registro é tratado o mérito

do aluno em ter passado como funcionário de máquinas em concurso da Imprensa Nacional.

6 Matriculado pelo número 347. Localização: 1910/ÁN-EU: 015 ECM. 7 A IMPRENSA. Edição: 01029 (1), 16 de out, de 1910. Biblioteca Nacional Digital. Disponível em:

<http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/>. Acesso em: 12 de junho de 2016. 8 Pedidos geralmente dirigidos ao Diretor da instituição, pelo responsável do aluno, normalmente apresentando

uma justificativa para o seu egresso. Informações presentes nas pastas dos dossiês dos alunos. Arquivo do Asylo dos Meninos Desvalidos. Localização: 1910/ÁN-EU: 015 ECM.

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Figura 1 – 1ª carta/ bilhete de Euclides ao IPM, 1913. Arquivo do Asilo dos Meninos Desvalidos.

PROEDES/FE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil.

Figura 2 – 2ª carta/ bilhete de Euclides ao IPM, 1913. Arquivo do Asilo dos Meninos Desvalidos.

PROEDES/FE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil.

Figura 3 – 3ª Carta/bilhete de Euclides ao IPM, 1914. Arquivo do Asilo dos Meninos Desvalidos. PROEDES/FE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil.

O primeiro pedido de desligamento: um relato acusatório

[...] um collega aproveitando-se da autoridade que lhe confiam como inspector alumno, usou de meios pouco brandos para com seus

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collegas que são desafectos, indo ao extremo de esbofetea-lo em pleno

dormitorio9.

Diante disso, a hipótese possível é de que a reclamação do pai de Euclides pode ter

motivado a criação de um regimento aos inspetores alunos, caso a instituição não possuísse,

pois até então não foi encontrado algum registro equivalente. Isso permite verificar as

redefinições das normas, pela cultura escolar, no uso e aprimoramento delas, pela prática

cotidiana da escola, trazendo e criando instrumentos que permitissem alterar o que já estava

normatizado por lei. Assim, a cultura escolar é entendida como um combustível para as

mudanças das legislações, havendo, portanto, uma sistematização do que já se praticava e

também o seu inverso, na existência de normas que podem ser correlatas à dinâmica

institucional (FARIA FILHO, 1998).

A partir disso é importante pensar a constante relação entre os sujeitos escolares e as

legislações que eram produzidas, ora fora do contexto escolar para o seu interior, ora deste

para o seu exterior, pela análise de Faria Filho (1998), em que a legitimidade deve passar da

retórica de igualdade para a lógica da igualdade. Isso ajuda a pensar que a lei também não é

neutra, sendo produto de tensões entre os sujeitos de todos os graus e, ao mesmo tempo,

dispositivo de reconciliação entre eles, em consideração da legitimidade das leis pelas ações

dos sujeitos. Ou seja, passa da simples retórica de igualdade para a lógica da igualdade,

atribuindo sentido à lei, pelas ações e não apenas pelas teorias.

Em vista disso é possível notar que o uso de cartas, pelo responsável de Euclides ao

Diretor do IPM,10 seria uma forma de trazer à tona e discutir ações resultantes das leis já

colocadas para a instituição, e a criação de novas ações, que poderiam gerar outras leis, ao se

comunicar com a ela por documentos não exigidos pela mesma. Assim, quanto ao “regimento

disciplinar” e as “disposições gerais”, no regulamento do IPM de 1890 é possível encontrar

aplicações de punições aos alunos e ao mesmo tempo as penas aos funcionários (ou não) da

instituição, como consta nas seguintes passagens:

Art.21. Aos alumnos podem ser applicadas as seguintes penas: reprehensão, privação de sahida, suspensão por sete dias, sendo remettidos aos responsaveis, e, finalmente, expulsão.

9 Informações presentes na pasta do aluno Euclides Carlos Monteiro. Arquivo do Asylo dos Meninos Desvalidos. Localização: 1910/ÁN-EU: 015 ECM.

10 O Diretor do IPM neste período era o Dr. Alfredo Magioli de Azevedo Maia. Além disso, ele ocupava cadeira de professor de matemática elementar. Informação presente no periódico Almanak administrativo, mercantil e industrial do RJ- 1891-1940. ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL. Edição: A00065. Em 1908, p.718. Biblioteca Nacional Digital. Disponível em: <http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/>. Acesso em: 14 de maio de 2016.

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As três primeiras penas podem ser applicadas pelos professores, mestres e inspectores: as cinco primeiras pelo sub-director e todas ellas pelo director11. Art.51. Os funccionarios do Instituto estão sujeitos ás penas geraes estabelecidas para os funccionarios municipaes. Para os empregados que não tem regalias de funccionarios, serão estabelecidas penalidades no regulamento interno12.

Até o momento não foram encontradas informações sobre o conteúdo do “regulamento

interno”, destacado no trecho do artigo 51, no entanto, é uma informação que comprova a sua

existência, mas não informa que ele se destinaria ao “inspetor aluno”. Neste sentido, ao

observar estes dois artigos do regimento do Instituto, de 1890, é possível indagar as intenções

do pai de Euclides na utilização de uma retórica formal e ao mesmo tempo insatisfatória na

primeira carta, ao reclamar do inspetor-aluno, pois utilizou-se dos mecanismos como a

escrita erudita e formal, já que provavelmente a utilizava no seu cotidiano pelo trabalho no

Jornal do Brasil. Logo, em consideração à legislação como linguagem escrita estão em pauta

os aspectos discursivos de produção de consentimento, persuasão e legitimidade para as

práticas que ela institui e reforma junto à instituição escolar (FARIA FILHO, 1998).

José Monteiro, provavelmente baseou-se no conhecimento da lei direcionada ao IPM,

com o fim de conseguir que providências fossem tomadas ao “inspetor aluno”, a informação

da criação deste cargo foi verificada na obra de Braga (1925)13, que pelo decreto nº 976 de 31

de dezembro de 1903 fixa a receita de despesa da Municipalidade para o exercício de 1904.

Em 1906 é colocada a necessidade de mais inspetores para a instituição, diante do número

elevado de alunos para poucos inspetores, cogitando até mesmo, desviar o cargo de dois

merendeiros para tal função. Com isso é possível supor que o cargo de “inspetor aluno” tenha

sido mantido nas práticas escolares da instituição, em substituição aos de funcionários,

atendendo as necessidades da escola.

Apesar de haver menção no Decreto de 1903 da existência do cargo de “inspetor-

aluno”, este não tinha um regimento próprio. Ou, se ele existiu, pelo menos não tivemos

acesso ao mesmo, pois, no regimento de 1890 não há menção de “inspector aluno”, somente

a de inspetor. Não consta neste regimento a permissão para a aplicação de castigos físicos,

mas poderia aplicar penas aos alunos: “(...) reprehensão, privação de sahida e suspensão por

11 Decreto n. 520- 5 de abril de 1890. Cap. IV, Do Regimento Disciplinar do IPM. (ALERJ- Directoria da intendência Municipal).

12 Decreto n. 520- 5 de abril de 1890. cap. X, Do Regimento Disposições Geraes. (ALERJ- Directoria da intendência Municipal).

13 Theodoro Braga (1925), diretor do Instituto Profissional no ano de 1924, publicou, em 1925, uma memória histórica da instituição, sob o título de Subsídios para a memória histórica do Instituto Profissional João Alfredo- desde a sua fundação até o presente (1875-14 de março de 1925).

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sete dias”. Estando o inspetor-aluno indefinido quanto ao enquadramento do regime

disciplinar da instituição, ou seja, entre seus direitos e deveres, o mesmo pode ser

averiguado, a partir do que era direcionado ao cargo de inspetor e à condição de aluno.

Desta forma, na condição de inspetor se encontrava sujeito às penas de empregados

que não têm regalias de funcionários, já que não se enquadraria no grupo de empregado

municipal. Na condição de aluno, ele poderia assim ser penalizado pelo diretor em todas as

disposições penais, fato que parece ter sido um dos motivos pela escrita da primeira carta ao

Diretor do IPM.

Pedido de desligamento como correspondência reivindicatória

Diante desta atitude de José Carlos Monteiro cabe questionar também: haveria na

legislação direcionada a instituição alguma restrição aos pedidos de desligamento? De acordo

com o observado no regulamento de 1890, não houve menção sobre o uso deste documento

para fins de desligamento, pois até o momento, o que foi verificado é o uso desta prática nas

pastas dos alunos, que na ficha de matrícula consta o motivo da saída e por algumas vezes o

pedido de desligamento. Portanto, o uso do termo “Pedido de Desligamento” é direcionado à

nomenclatura utilizada nos pedidos de saída, o que na ficha do aluno é transmitido como:

saiu “a pedido”.

Ainda de acordo com o diálogo do pai de Euclides com o diretor da instituição, há que

se considerar ser uma prática comum na organização escolar do IPM, pois há muitos casos de

desligamento a efeito de correspondência entre os responsáveis dos alunos junto à

instituição. Seria assim, uma forma de reivindicação dos sujeitos, pelos seus direitos. Diante

disso, Gondra (2004)14 nos convida a pensar estas fontes, como os abaixo-assinados, em um

mecanismo de debate acerca das reivindicações de um grupo em prol dos interesses

educativos, propondo mudanças e se colocando quanto uma rede de sujeitos em prol de um

interesse comum.

No estudo de Souza (2009), em que a autora trata da carta das mães de alunos do Asilo

dos Meninos Desvalidos, indignadas pelo fato deles terem carregado pedras e pela

dificuldade de vestimenta de oferta de alimentação aos alunos15, ajuda entender a

14 Gondra (2004) esclarece que os “Abaixo- Assinados” se constituem um meio de firmar opiniões, já que afeta diferentes sujeitos que geralmente se ligam a um objetivo comum e tem caráter reivindicatório, onde há o espaço para a reclamação, denúncia, solicitação e proposta. O abaixo-assinado constitui instrumento de poder e mobilidade social.

15 Souza (2009) trata da carta endereçada a Majestade Imperial em 188115, pelas mães de alunos. Segundo a autora, isso retrata a participação da família e busca pelo direito aos bons tratos aos seus filhos, havendo, até mesmo a comparação entre trabalho escravo, negros e trabalhos manuais.

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comunicação e registro que a carta16 estabelece, evidenciando a comunicação das mães dos

alunos, em limitações e alcance que estes sujeitos poderiam acionar, pelos seus interesses

e/ou insatisfações.

No caso aqui analisado, o pai do aluno, logo na primeira carta, em papel timbrado do

Jornal do Brasil, deixou pistas sobre sua posição social, além de uma ameaça sutil de sua

facilidade de acesso ao jornal:

Vejo-me na contingencia de prival-o dessa benéfica educação para salvar dissabores futuros, e também para evitar a reprodução do facto passado

[...]17.

Desta forma fica evidente como a articulação do pai com a instituição foi muito mais

facilitada pelo seu acesso às letras, permitindo que ele acionasse mecanismos institucionais

de reprovação e reinvindicação em torno de questões relativas ao cotidiano escolar. Ao que

lhe era tido como uma educação necessária ao filho, às correspondências constituíram-se em

uma ferramenta de diálogo e reivindicação.

O enaltecimento no último pedido de desligamento

Também bem honrado agradeço o grande conhecimento que actualmente possui meu filho, tais como instrucção primaria, musica e bastante adeantamente na arte da machinaria, o que ahi aprendeu devido ao bom regulamento de ensino deste estabelecimento que V. Ex tão saiba

[sábia]18 e doutamente dirige. [...] Neste Instituto onde se educam crianças, dando-lhes ao mesmo tempo um meio de profissão, há por parte de todos desta casa um amor e carinho quasi paternal pelos alunnos, a que muito

honra a sua diretoria e o próprio estabelecimento19.

Pelo que indicam as fontes20é possível atentar aos usos dos termos de enaltecimento à

instituição. Isto se aproxima das características empregadas por Gondra (2004) sobre o

abaixo-assinado, de que este é formal, coletivo e que se presta a formatações como de

correspondência individual (ex: destinatário). Esta forma empreende um mecanismo de

estratégia social, em meio às possibilidades da utilização das palavras pelo sujeito. Suas ações

são intencionais, elas não são empregadas sem um fim.

16 Pelo estudo de Souza (2009) é que consideramos o termo “carta” para a presente pesquisa. 17 Informações presentes na pasta do aluno Euclides Carlos Monteiro. Arquivo do Asylo dos Meninos Desvalidos.

Localização: 1910/ÁN-EU: 015 ECM. 18 Grifo nosso. 19 Último relato do pai de Euclides para o IPM, agradecendo a educação empreendida para o seu filho. Documento

presente na pasta do aluno. Arquivo do Asylo dos Meninos Desvalidos. Localização: 1910/ÁN-EU: 015 ECM. 20 Os três documentos com relatos do pai do aluno à instituição. O primeiro com queixa à agressão sofrida pelo

colega, pedindo a saída do seu filho da instituição. O segundo, um pedido de desligamento sem motivo aparente e justificativa para tal. O último, pós-saída do filho da instituição, relatando o seu emprego na Imprensa Nacional e agradecendo o ensino ali desennvolvido.

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Assim, em associação ao trabalho de Thompson (2002), sobre Educação e Experiência,

nas situações da classe operária inglesa, da relação entre patrão e empregado, é possível

observar que, a exemplo de quando o patrão nega um divertimento ao seu empregado à moda

dele, o empregado também pode empreender esforços para utilizar os desejos do patrão ao

seu favor. Há, portanto, no caso das correspondências do pai de Euclides, o enaltecimento de

determinados pontos que lhe façam acreditar que determinada prática vai lhe render boas

coisas. É pensar: por que não atenderam ao pai do aluno, o José Monteiro, no primeiro

pedido feito ao Instituto Profissional?

Ao que se percebe, não havia conseguido que o filho saísse da instituição no seu

primeiro pedido, pois mesmo enaltecendo de alguma forma o instituto, a queixa da briga com

o aluno-inspetor parece dar um tom mais depreciativo à instituição, no que reza às práticas

ali desenvolvidas, desejando assim que o seu filho fosse retirado dela.

Thompson (2002) deixa claro que o aparente ato de docilidade pelas classes abastadas,

não é necessariamente um aceite do que é imposto, sendo possível às classes populares

resistirem a tais dispositivos educacionais, ao passo que, também os reconhece como

importantes, levando-as à negociação. Além disso, as relações pelas redes contribuem para

pensar as ações que podem ser fomentadas por diferentes sujeitos, independente do seu

status social, podendo ser movidas por interesses comuns ou não entre eles, (GOUVÊA,

2015).

A aprovação no concurso

Art. 1º. O Instituto Profissional Masculino é um internato destinado a dar aos alumnos pobres a educação physica, intelectual e moral e a pratica necessária para o bom desempenho das profissões de que trata o presente

regulamento.21.

Em conexão com o discurso do regulamento do IPM, em artigo 1º do Decreto de 1898 é

notório os interesses dos dirigentes na manutenção da ordem pelo trabalho, na formação da

classe operária (THOMPSON, 1987), mas ao mesmo tempo cria oportunidade de ascensão na

aprendizagem das letras e de saberes escolarizados que vão além do ensino primário, nas

experiências dos sujeitos das classes populares. Essas experiências no IPM podem ser

aludidas às que foram desenvolvidas na Casa de São José, por ser esta uma instituição ligada

ao mesmo, em uma rede de escolarização para crianças pobres e órfãs.

21 Decreto n. 520- 5 de abril de 1890, novo regulamento, conforme Decreto n.987, de 5 de junho de 1904. Cap. I, Do Ensino Profissional do IPM. (ALERJ- Directoria da intendência Municipal).

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A CSJ22 atendia ao ensino primário e o IPM, ao ensino secundário. Pelo fato de muitos

alunos que passaram por ela tenha sido encaminhados para o IPM, o estudo de Martins

(2012) ajuda na reflexão das experiências de escolarização para as classes populares, ao

trazer caso de alunos23 que se destacaram no ensino ali desenvolvido24, a autora considera

suas histórias de vida perpassadas e influenciadas pela experiência escolar, sendo

significativa para “[...] galgar caminhos que lhe propiciaram ter uma vida de realizações, sem

esquecer que tiveram suas dificuldades” (p.74). Em consideração da autora, todos que

passariam pela instituição carregariam algo dela em suas vidas, sendo o conhecimento

profissional a centralidade para a garantia de sustento deles e de suas famílias.

Portanto, a reflexão aqui se direciona ao conceito de experiência de Thompson (1998),

em que o autor considera a experiência, como a que atribuí sentido à ação do sujeito,

permitindo-o agir a partir da sua cultura. Desta maneira, a cultura e a experiência se

consolidam para que a análise não se detenha em um sentido de dominação e subordinação,

e sim como campo possível de negociação e dissimulação.

E graças aos conhecimentos profissionais e intelectuais que ahi dá aos alunnos deste humanitário Instituto e que tenho o prazer de participar a V. Ex que meu filho se acha actualmente empregado nas officinas de machinas

da Imprensa Nacional [...]25

Assim, não se pode deixar de reiterar que a cultura letrada que o pai do aluno Euclides

utilizou ali, permitiu galgar espaços para o seu filho, como resultante do seu esforço de

comunicação e educação ofertada ao aluno, como as correspondências enviadas à Instituição,

para que saísse dela. Portanto é possível supor que o pedido de desligamento, constituiu-se

em um mecanismo de comunicação como espécie de “rito de passagem” para que o aluno

pudesse desenvolver suas habilidades no emprego conquistado, com base nos seus estudos de

ofícios desenvolvidos ali no IPM.

Assim, explicita honrosos agradecimentos ao Instituto pela formação ofertada ao seu

filho, declarando ter sido de total importância para que o mesmo conseguisse um emprego

22 Abreviação utilizada por Martins (2012), em referência ao nome da Instituição Casa de São José. 23 Os sujeitos da pesquisa de Martins (2012): José Antônio Tancredo, José Manoel de Paiva, José Pio, Mario

Cardoso Tancredo, Nestor Ferreira Vieira e Olyntho Menezes Pires. 24 O estudo de Martins (2012) se assemelha à presente pesquisa, pois discorre sobre as dinâmicas internas

ocorridas no processo educacional, envolvendo alunos, professores, diretor e inspetoras, e; relacionando-as com a educação quer era destinada aos internos.

25 Último relato do pai de Euclides para o IPM, agradecendo a educação empreendida para o seu filho. Documento presente na pasta do aluno. Arquivo do Asylo dos Meninos Desvalidos. Localização: 1910/ÁN-EU: 015 ECM.

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nas “officinas de machinas da Imprensa Nacional, collocação que conquistou pelo brilhante

concurso que ali fez e que constava de portuguez, arithmética e mechanica (...)”.26

A sua experiência escolar indica que a cultura escolar desenvolvida no IPM possibilitou

ao aluno entrada na Imprensa Nacional. Esta experiência, pelo aprendizado de ofícios, lhe

rendeu uma profissão que permaneceu em sua vida por longos anos e que obteve maiores

êxitos, pois, de acordo com o Jornal do Brasil de 1941, ele fazia parte do grupo de “[...]

operários de artes gráficas [...]” que a Imprensa Nacional estava “[...] promovendo por

merecimento [...]”27.

Desta forma, as relações entre Euclides, seu pai e os relatos com estas características

sobre a cultura escolar refletem aqui uma experiência que vai além do aspecto institucional,

pois considera relações e influências sobre a instituição e vice-versa. Como na visão de

Escolano (2000) e Julia (2001), a instituição escolar e o sujeito estão em constante relação.

A constituição de redes e as informações do aluno: campo de possibilidades para o estudo sobre escolarização de pretos e pardos no período republicano

A elucidação de vozes e experiências de alunos negros participantes dos bancos

escolares, desde o século XIX, vem sendo objeto de pesquisa contundente entre muitos

autores, assim como Peres (2002), ao problematizar dimensão étnico-racial, pela presença ou

ausência dos negros nas aulas noturnas da Biblioteca Pública Pelotense e em Fonseca (2007),

no fomento por pesquisas em história da educação, em torno dos negros como sujeitos

importantes nas narrativas sobre os processos educacionais.

Portanto, esta sessão busca trazer um pequeno ensaio sobre o caso do aluno aqui

retratado, atentando para a sua identificação de cor e informações relacionadas à sua

entrada, as redes que poderia empreender no espaço escolar e fora dele, aliados ao seu

processo de escolarização, ocorrido na instituição entre 1910 e 1914. A análise parte da busca

pelo significado das situações peculiares, dos quais o historiador não consegue apreender

exatamente, mas que permitem visibilidades já verificadas em outros tempos e/ ou outras

situações (PERES, 2002).

26 Carta endereçada ao Diretor do Instituto Profissional Masculino em 11 de Março de 1914 pelo responsável do menor Euclydes, José Carlos Monteiro. (UFRJ/ FE/PROEDES - Arquivo do Asylo dos Meninos Desvalidos. Referência: 1910/ NA - EU-015 ECM).

27 JORNAL DO BRASIL, Edição:00009 (1). 11 de janeiro de 1941, p. 5. Biblioteca Nacional Digital. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_06&pasta=ano%20194&pesq=Euclides%20Carlos%20Monteiro>. Acesso em: 10 de agosto de 2016.

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Já foi discutido em trabalhos anteriores28 o perfil dos alunos pretos e pardos que eram

atendidos no IPM no período entre 1905 e 1918 e depois com os egressos da Casa de São José

para o IPM, entre 1900 e 1916. Isso permite enriquecer o debate deste estudo, no sentido de

que algumas características presentes nas fontes (documentos dos alunos) traziam

referências possíveis ao benefício para o ingresso no IPM e a leis empregadas para o

funcionamento da instituição. Em aspectos como, alguns benefícios por documentos como

cartas e/ou bilhetes de recomendação29; a profissão dos pais30; a orfandade31 e o

aproveitamento no exame de admissão32.

Autores que já se debruçaram em estudos sobre a instituição: Lopes (1993), Marques

(1996) e Souza (2008, 2012) analisaram as características deste público, ora pela legislação

voltada para a prioridade de admissão, ora pela documentação dos alunos no Arquivo do

Asilo dos Meninos Desvalidos. Dentre muitas características discriminadas pelos autores,

Marques (1996) sinaliza a presença de filhos de funcionários públicos admitidos na

instituição. Segundo ele, muitos desvalidos eram excluídos à matrícula, enquanto que aos

filhos de funcionários públicos era reservado até mesmo um futuro emprego depois de

terminado a escolarização na instituição, pois teriam o “(...) direito - depois de terminado o

ensino - a trabalharem no próprio Instituto (...)” (MARQUES, 1996, p. 150-151).

O autor, ao trazer a ocorrência dos alunos filhos de funcionários públicos, amparados

legalmente para o ingresso no Instituto, destaca que esta se trata da primeira preferência

após os alunos da Casa de São José. Porém, isso é relatado quando em caso de orfandade de

pai e/ou mãe, o que não é o caso do aluno Euclides Carlos Monteiro, ademais, a profissão do

pai não consta em seus documentos33. Desta forma, é possível questionar onde estaria a sua

preferência para o ingresso na Instituição, visto que até para seguir a determinação do

28 Trabalho que trata dos anos entre 1905 e 1918: o confronto de raça/ etnia com as relações de favorecimento na admissão de meninos desvalidos em um Instituto Profissional do Rio de Janeiro no início do século XX. Trabalho direcionado aos egressos da Casa de São José ao IPM, entre 1900 e 1916: o tratamento étnico/ racial nas relações de dependência para o ingresso dos alunos em duas instituições educacionais: instituto profissional masculino/ João Alfredo e casa de São José /Instituto Ferreira Viana (1900-1916). O primeiro foi um artigo apresentado ao Congresso Brasileiro de História da Educação em 2010 e o segundo o trabalho final de conclusão do curso de graduação em Pedagogia.

29 Era um documento não muito comum, mas era fruto de um pedido do requerente a alguma personalidade da cidade (ex: Prefeito) na intermediação pela entrada da criança, junto ao Diretor do Instituto Profissional Masculino para a obtenção da admissão do menor. Ver nota número 5 e Marques, 1996, p. 124.

30 Para relacionar seu posto de funcionário público com os favorecimentos que esse grupo poderia ter na esfera social.

31 Condição que confirmava o caráter educacional/ assistencial da instituição. 32 Contemplando casos em que o exame não chegava a ser corrigido, ou estava sem nota, nota baixa, incompleto,

ter sido feito após a data de matrícula e/ ou a declaração do próprio aluno de não saber ler e / ou escrever. 33 O seu pai, na primeira carta ao IPM, utiliza o papel timbrado com o emblema do Jornal do Brasil. Em pesquisa

feita aos periódicos da Biblioteca Nacional foi possível constatar que era funcionário do Jornal do Brasil (JB). Informação presente no próprio jornal. JORNAL DO BRASIL. Edição: 00074(1). Publicado em: 15 de março de 1901, p.2. Biblioteca Nacional Digital.

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regulamento, se fosse julgar o cargo de funcionário público do seu pai (que não foi

especificado em seus documentos) deveria estar ligado ao fator “orfandade”. No regulamento

o amparo está explicitado da seguinte forma:

Na admissão á matricula, serão rigorosamente preferidos, depois dos alunos da Casa de São José: a) os filhos de funccionários municipaes, órphãos de pai e mãi; b) órfãos de pai e mãi; c) os filhos de funccionarios municipaes, orphãos de pai; d) os filhos de

funccionarios municipaes, orphãos de mãi. (Art. 10º)34.

Neste sentido, pela observação de Marques (1996) acerca do destino destes alunos e

com base na pesquisa sobre o percurso escolar de Euclides no IPM, é possível notar que ele

conseguiu galgar melhores espaços na sociedade pela formação tida no IPM e pelo aparente

bom rendimento nos estudos, permitindo-lhe a aprovação no concurso da Imprensa

Nacional, que na década de 1940 foi reconhecido como bom funcionário, obtendo promoção.

Em consideração a identificação de cor do aluno Euclides, baseamo-nos na análise feita

por Peres (2002), quando trata dos alunos que frequentaram a Biblioteca Pública Pelotense.

A autora consegue trazer experiências dos alunos negros após o processo de escolarização,

afirmando a participação e até o comando dos mesmos em jornais de movimentos negros35.

Já foi constatado em um trabalho anterior36 que no período entre 1905 e 1918, com relação

aos alunos identificados como pretos e pardos, 11 alunos entraram sem realizar o exame de

admissão, e 24 alunos realizaram o exame após a matrícula. Diante disso é possível notar que

o aluno Euclides poderia estar entre eles, mas de forma peculiar, pois tem o seu exame sem

data e a informação que consta na ficha de matrícula é de que não fez o exame. Porém, o seu

exame está anexado em sua pasta e com bom proveito, constando a anotação de que fora

matriculado no Instituto no 1º ano. Por isso, com estes indícios é possível pensar que fez o

exame após a sua matrícula.

Esta prática, pelo que se constatou em um trabalho anterior37, parecia ser corrente na

instituição, não indo de encontro à lei de 1905, que considerava o exame como meio de

seleção para a entrada, do qual seriam “dispensados, apenas, os que apresentassem

certificado de aprovação no curso primário das escolas municipaes do Districto Federal,

firmado pelo Director de Instrucção”, conforme ditava o decreto nº 520 de 5 de Abril de

34 Decreto nº 520 de 05 de abril de 1905. Regulamento do Instituto Profissional Masculino 1905, p.17. Artigo 10º. (ALERJ - Directoria da intendência Municipal).

35 No estudo de Peres (2002), a identificação dos alunos vai além do seu perfil, pois são os principais atores dessa história. Logo, ela pesquisa quem efetivamente procurou e se instruiu nos cursos noturnos entre 1877 e 1915, levando em consideração sua identidade étnica-racial.

36 Ver nota número 24. 37 Ver nota número 24.

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190538. Até então, o que se verificou é o que o exame teria sido utilizado apenas como seleção

interna para fins de organização da seriação.

Assim, no exame de admissão do aluno Euclides no IPM é possível observar os

seguintes aspectos: o exame de admissão sem data; a informação na sua ficha de matrícula,

de que não fez o exame e a comparação da sua data de entrada na instituição (janeiro de

1910) com a publicação no jornal “O Paiz”, ao comparecimento do responsável para questões

de secretaria (abril de 1910)39. Portanto, entende que decorrente das burocracias aparentes e

de necessidades legais, elas não se constituíram obstáculos à sua entrada e permanência no

IPM.

Neste sentido, os grupos das camadas populares poderiam atender aos propósitos do

Estado, na medida em que agissem segundo a sua determinação, seja através do discurso

para a aceitação dos espaços designados, seja na forma que lhes proporcionassem ganhos e

estabelecendo vínculos possíveis nos espaços que percorriam e que lhes eram acessíveis

(FRAGOSO; GOUVÊA, 2010). Além disso, trouxe indícios para pensar as suas relações

pessoais e de grupos e o cargo que os mesmos ocupavam, que poderiam ter propiciado meios

de conseguir a matrícula do seu filho no IPM (GOUVÊA, 2012).

Quanto à seleção dos alunos pela identificação de cor, a expressão grupo étnico é

observada em um objeto histórico, ou seja, pela identidade cultural dos grupos étnicos, em

contraste com o caráter evolucionista e biológico conferido historicamente ao termo raça.

Assim, a expressão étnico-racial tenta abarcar as dimensões políticas e culturais do termo.

Neste sentido, o estudo de Peres (2002) colabora para a observação de que o caso do aluno

Euclides é parte de um grupo de alunos que foram admitidos no IPM, sob a identificação de

cor pela visão, provavelmente biologicista40, até pelos termos utilizados no período da

pesquisa: pretos41 e pardos42.

38 Decreto nº 520 - de 05 de abril de 1905. Art. 8º. Regulamento do Instituto Profissional Masculino, 1905, p. 20 (ALERJ - Directoria da intendência Municipal).

39 O PAIZ. Edição: 09423(1), de 24 de julho de 1910, p.6. Biblioteca Nacional Digital. Disponível em:<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=178691_04&pesq=Euclides%20Carlos%20Monteiro>.Acesso em: 15 de agosto de 2016. Nome do aluno Euclides Carlos Monteiro em relação de alunos em abril de 1910 para comunicação de comparecimento do responsável para “satisfazer exigências regulamentares” (p.6).

40 Sobre a questão biológica, ver: Peres (2002) e Carula (2007). Este termo está ligado à influência do Darwinismo (seleção natural- o mais forte) como a forma possível de se estruturar a sociedade, em que degenerescência, a qual era comumente atribuída a cor negra: o preto, escravo, mulato, mestiço, moreno e ou filho de escravo/escravo.

41 Nomenclatura usada nos séculos XIX e XX, conforme foi verificado nos documentos dos alunos do Arquivo do Asylo dos Meninos Desvalidos. “Adj. (...) nêgro; m. habitante nêgro da áfrica, escravo, preto; (...)”. Ver: FIGUEREDO, Candido de. Novo dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Livraria Editora Tavares Cardoso e Irmão- Vol II, 1899, p. 363.

42 Nomenclaturas utilizadas nas fontes do período analisado, quando traziam alguma referência à cor do aluno, buscando identificá-lo em seu tom de pele, podendo aparecer em documentos da própria instituição (ficha de

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Em vista disso, a categorização da cor dos alunos é pensada sobre o possível valor

empregado nas fontes, que costumava conferir determinações do tom de pele, o de raça. Ao

mesmo tempo, não é correto descansar nas nomenclaturas do período, pois é necessário

avaliar o tratamento voltado aos sujeitos ao longo da história, em respeito as suas lutas e nas

perspectivas de estudos culturais, com o termo étnico, mas na análise é mantida a escolha do

registro nas fontes.

Portanto, o interesse pelo estudo de Euclides Carlos Monteiro é que sua conquista pelos

espaços parecia estar aliada ao esforço pessoal e apoio/cultura do seu responsável, não como

determinante, mas como melhor facilidade de aproximação e vínculo com a cultura letrada.

Por isso, o ensaio aqui produzido é relacionado ao objetivo de verificar o ingresso das

crianças não brancas em uma instituição valorizada no meio social e nas esferas de governo

por seu projeto de recolhimento e educação para o trabalho dos meninos órfãos e pobres

(MARQUES, 1996).

Em vista disso, como pensar a educação oferecida no IPM aos alunos pretos e pardos,

por exemplo, em um período de constantes debates em torno da necessidade de civilizar43 e

educar44 os sujeitos, no controle do uso do espaço e de socialização (SOUZA, 2008)? Nesse

contexto, em que estão presentes os discursos sobre o progresso da nação e as experiências

ainda recentes da escravidão (e das lutas pela liberdade), podemos considerar que a

instituição se encontrava numa dupla “missão” ou seria numa encruzilhada: atender ao

ordenamento social de incluir essa população de modo a contribuir para a riqueza da nação,

evitando-se os perigos sociais associados à ociosidade, e ao mesmo tempo, dispor aos alunos

identificados como pretos e pardos melhores condições de trabalho. O passado escravista,

com todo o seu rol de resistências e lutas, deveria ficar no passado.

Neste sentido cabe salientar o caráter emblemático de acolhimento da instituição no

período em que o aluno Euclides estava matriculado na mesma, quando como Braga (1925)

fala sobre a Reforma Álvaro Baptista: “esta reforma extinguiu o internato [...] O acto de

extincção do internato, isto é, a extincção do Asylo veio atentar contra o espírito da

instituição [...]”45. Mesmo com as modificações em 1911, até mesmo no corpo de docentes e

funcionários, o IPM continuou a oferecer o ensino de ofícios, não perdendo o seu caráter de

matrícula), como dos documentos juntos (necessários à matrícula), a contar: Atestado de Vacinação, Pedido de Admissão, Atestado de Pobreza e Certidão de Nascimento ou Batismo.

43 Tornar delicado, cortês e instruído. Ver: Figueredo, 1899. vol I. p. 304. 44 “(...) Instruir, domesticar, adestrar, (...)”.Ver: Figueredo, 1899. vol I. p. 471. 45 Ver: Braga, 1925, p.91.

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formação profissional, finalidade primeira do Instituto, voltado para o aprendizado de

ofícios46.

Por essa finalidade de propiciar o acesso ao mundo do trabalho é notório perceber que

aos alunos não brancos era tarefa reservada, na maioria das vezes, o trabalho manual, pois

como destaca Fonseca (2007), com base em Fernando de Azevedo pensava-se o negro como

um sujeito que apreendia sem recusa aos projetos que lhe eram impostos. Entre

determinados setores da sociedade, os negros eram reconhecidamente ativos somente para o

mundo do trabalho. Entretanto, em desconstrução a esta visão ideológica do “escravo coisa”

47, a terminologia dos “sujeitos da história”, emprega a eles a consideração de seus

pertencimentos sociais variados, que traz a contento a classe, por via cultural, social e

econômica (THOMPSON, 2002).

Portanto, na defesa de Fernando de Azevedo e no ideário republicano, a herança se

sobrepunha, impossibilitando mudanças. No entanto, a condição de pobreza poderia

sinalizar o pertencimento econômico e racial, mas não excluiria a admissão do grupo étnico-

racial, como é percebido no documento48 que é necessário para a entrada na instituição, como

relata o pai de Euclides Carlos Monteiro,

[...] precisando provar ser o suplicante pobre requer a VEx. se digne mandar

que o Sro comissário da secção atteste sobre o alegado49.

Na passagem acima é explicitada as palavras utilizadas no atestado de pobreza para o

ingresso de Euclides no IPM, em afirmação a condição de pobreza do seu pai José Carlos

Monteiro, o que não significaria a impossibilidade de ser funcionário do Jornal do Brasil, que

em posse de uma experiência e saber, pela frequência ao espaço das letras, indicariam maior

influência para o seu filho ser concursado na Imprensa Nacional.

Dentre tantas possibilidades, o que se pode arriscar é que o seu envolvimento com o

mundo letrado lhe permitiu um capital próprio, distinto do seu econômico e ele procurou

fazer um bom uso disso. Seria um mecanismo de ingerência, já que as instituições de ensino

46 O ensino na instituição compreendia o curso de ciências, onde continha dentre outros: a instrução primária, Francês prático e Máquinas e eletricidade; o curso de artes e o curso profissional, no qual eram inclusos dez ofícios, dentre eles os de Entalhador, Latoeiro, Marcenaria e Encadernação. Decreto nº. 520 de 5 de abril de 1905. Regulamento do Instituto Profissional Masculino, 1905, p. 17-18. (ALERJ- Directoria da intendência Municipal).

47 A ideia de “escravo coisa” também é uma perspectiva analítica de Fernando Henrique Cardoso na qual, Chalhoub (2012) critica em seu trabalho. Em “Visões da Liberdade”, Chalhoub desconstrói esta visão, onde o escravo é visto puramente para o serviço, chegando a ser rebaixado aos animais, como ele exemplifica em citações de autores citados por Cardoso que se encontravam no contexto escravista e defendiam esta tese para os seus interesses.

48 Atestado de Pobreza: um dos documentos necessários à matrícula. 49 Informações presentes na pasta do aluno Euclides Carlos Monteiro. Arquivo do Asylo dos Meninos Desvalidos.

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utilizam a educação formal para o controle, porém, sob outra perspectiva, esta educação é o

que permite que certos mecanismos sociais sejam ameaçados (THOMPSON, 2002).

Assim, há indicativos de que às agências dos sujeitos tornam possíveis aos grupos:

saídas por entre estruturas e determinações. Estas ações aqui discutidas acabam por

demonstrar que o pertencimento étnico-racial não comporta uma herança definidora no

impedimento à entrada em determinados espaços, como as instituições escolares e empregos

públicos.

Portanto, a afinidade do presente estudo com os conceitos de experiência, cultura

escolar e redes de sociabilidade é um exercício que requer uma consideração das agências,

logo é perceber as lutas pelas “visões da liberdade”, de que os sujeitos poderiam assumir ou

não a condição que lhe atribuíam, caso lhes trouxessem algum ganho ou por ser a própria

aceitação da condição, uma forma de se aproximar de seus pares (CHALHOUB, 2012).

Neste sentido, ao que se refere à aquisição dos saberes e frequência aos bancos

escolares, por uma formação influenciada por ideologias e projetos das elites, Peres (2002)

esclarece que as aulas noturnas na Biblioteca Pública Pelotense, por exemplo, foram uma

proposta para as classes populares, que incluíam os negros (livres e libertos), na intenção de

normatizar e prescrever normas e comportamentos com a crença que estes sujeitos

apreendessem passivamente as condições escolares e de trabalho postas para eles. Diferente

disso, os negros se utilizavam destes dispositivos para construírem seu campo de luta

(CHALHOUB, 2012).

Enfim, a partir deste olhar, os sujeitos aqui analisados: Euclides e seu pai (José)

permitiram pensar as fontes do IPM, pelos registros em sua documentação escolar, na

promoção de discussões pelo caráter comunicativo entre responsável e Instituição escolar.

Registros que não incidem nas prescrições legais dos documentos necessários à matrícula no

IPM, possibilitando averiguar os seus processos enquanto sujeitos, atentando para os

dispositivos previstos nas normas (FARIA FILHO, 1997) e nos métodos de reivindicações

utilizadas, até na perspectiva do uso das redes como networks50 (GOUVÊA, 2010).

Em suma, antes, longe de negar a sua classe enquanto aluno do IPM, ao necessitar de

instrução e educação, que segundo o seu pai, seria impossível custear tal empreendimento,

foi necessário considerar que suas relações também poderiam gerar possibilidades de

matrícula em uma instituição escolar, no início do século XX, que atendia preferencialmente

alunos em situação de orfandade, o que não era o perfil de Euclides.

50 Conceito empregado por Gouvêa (2010) para delinear a diversidade de conexões que os diferentes indivíduos podem vivenciar.

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Considerações Finais

O trabalho aqui exposto buscou avançar nas reflexões sobre a formação da classe que

frequentou o Instituto Profissional Masculino, pelo grupo étnico-racial que vem sendo

estudado: nas leis para o público que intenciona atender; na observação dos movimentos de

entrada; as relações e negociações entre os sujeitos; os registros (documentos dos

dossiês/pastas) que possibilitam pensar a sua situação familiar e econômica; dentre outras

coisas, buscando não afirmar ou pressupor que todos são das classes populares e também se

eles se reconhecem como tal. Consciente da necessidade maior em analisar o contexto, a

forma de inserção na instituição e as relações que eram estabelecidas.

Assim, nesta pesquisa foi possível identificar que a comunicação empreendida pelo

responsável do aluno revela a cultura e experiência em um cenário das letras,

proporcionando uma formação e busca de melhores condições de vida, o que pode ser

observado nas suas manifestações reivindicativas para o seu filho. A inserção do pai como

funcionário do Jornal do Brasil pode ter contribuído em grande parte para a formação

desenvolvida pelo IPM ao seu filho, que o levou a aprovação em concurso na Imprensa

Nacional.

Para o estudo da escolarização dos negros é necessário pensar e refletir sobre o devido

lugar que ocuparam nos bancos escolares, independente da ideologia presente na formação

deste grupo étnico-racial, por um caminho que considere a participação deles nos espaços

educacionais como sujeitos da história. Enfim, a partir disso foi possível dialogar o conceito

de experiência para o sujeito aqui estudado, pois o olhar por este conceito traz mobilidade ao

que muitas vezes é considerado como estático. Seria assim, a observação dos sujeitos

escolares em melhor aproximação com a identidade institucional, na perspectiva da cultura

escolar.

Referências

ASYLO DOS MENINOS DESVALIDOS. Pastas dos internos do Instituto Profissional Masculino (1905 a 1918). Arquivo do Asylo de Meninos Desvalidos. Rio de Janeiro: PROEDES/FE/UFRJ. BARROS, Surya. A. P.; NASCIMENTO, Roberta M. A.; ARAUJO, Camila A.. ESTADO DA ARTE DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA NO BRASIL. In: II Colóquio Internacional de

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