48
Jack DeJohnette Malcom Gladwell Francisco CamachoThe Books Roman Paska VÍTOR FERREIRA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7428 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE Sexta-feira 6 Agosto 2010 www.ipsilon.pt A luta continua, Uma nova geração de escritores, uma nova geração de causas depois de Saramago

Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Jack DeJohnette Malcom Gladwell Francisco CamachoThe Books Roman Paska

VÍT

OR

FE

RR

EIR

A E

STE

SU

PLE

ME

NT

O F

AZ

PA

RT

E IN

TE

GR

AN

TE

DA

ED

IÇÃ

O N

º 74

28 D

O P

ÚB

LIC

O, E

O P

OD

E S

ER

VE

ND

IDO

SE

PAR

AD

AM

EN

TE

Sexta-feira 6 Agosto 2010www.ipsilon.pt

A luta continua,

Uma nova geração de escritores,uma nova geração de causas

depois de Saramago

Page 2: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

������������������������ ���������������� ��������������������� ��������

� � � � � � � � � �� �� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �� � � � � � � � � � � � ��� � � � � � � � � � � �� � � � � � � � �� �

EXCLUSIVO

Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimbyonde o leite condensado ������ é o ingrediente estrela.Surpreenda todos lá em casa com um Pudim Flan feitoem dois tempos, um Cheesecake ou um Bolo Brigadeiro.Tudo isto e muito mais numa edição exclusiva do Público.

���� �������������� ������ ��� .! " � �� ��� # � $ % ��� � �&� ��#��� ������ �� � � ' % # ( )

Page 3: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 3

Avey Tare, enfim sóJá sabíamos que Panda Bear gosta de se colocar em causa de três em três anos lançando álbuns a solo – o novo, “Tomboy”, vai sair em Setembro. Agora é o outro membro fundador dos Animal Collective, Avey Tare (ou seja Dave Portner), que não quer ficar para trás e se decidiu pelo lançamento de uma obra solitária. O álbum, o seu primeiro a solo, será editado a 26 de Outubro na editora Paw Tracks e terá nove temas. Um disco que se anuncia misterioso e do qual apenas se conhece o título – “Down There” – e a capa. Mas existe uma informação importante: ao que parece será um álbum influenciado por crocodilos. Pelo menos constam da capa. Os crocodilos são os animais preferidos de Avey Tare.

O Principezinho

regressa à Terra

Vão em breve poder matar saudades do Principezinho todos aqueles que nunca mais conseguiram ver o desenho de um chapéu sem se interrogarem se não estarão, afinal, a olhar para uma jibóia que acabou de engolir um elefante. Para o ano que vem estão já anunciados um filme de animação em 3D, uma ambiciosa série televisiva em 52 episódios e um jogo de vídeo. E a editora Gallimard anunciou que planeia publicar uma centena de títulos relacionados com o livro de Saint-Exupéry, que, desde o seu lançamento em 1943, já vendeu cerca de 80 milhões de cópias. Por trás deste regresso multimédia do simpático habitante do asteróide B612 está Olivier d’Agay, sobrinho-neto do escritor e presidente da fundação que gere os direitos da sua obra. Agay está empenhado em reciclar o Principezinho (“Le Petit Prince”, no original) para as crianças do século XXI. Daí que, como conselheiro dos produtores da série televisiva, tenha concebido um Principezinho empenhado em causas que sejam familiares aos jovens de hoje, como a ecologia ou o desenvolvimento sustentado. Na sua versão actualizada, o

Quatro projectos de habitação. Quatro filmes. E uma instalação feita de casas. Conta-se assim a presença portuguesa na 12.ª Mostra Internacional de Arquitectura da Bienal de Veneza, que começa a 29 de Agosto e termina a 21 de Novembro.Os quatro projectos são dos arquitectos Álvaro Siza Vieira, Manuel e Francisco Aires Mateus, João Luís Carrilho da Graça e Ricardo Bak Gordon, e fazem parte de “No place like - 4 houses, 4 films”, exposição que chega à Universidade Ca’ Foscari no âmbito da representação oficial portuguesa.A casa como redenção para a arquitectura, e lugar de pertença e regresso, foi o tema escolhido e orientou a escolha dos projectos: o Bairro da Bouça, no Porto, de Siza Vieira; as construções nas dunas da Comporta, dos irmãos Mateus; a casa que parece flutuar na paisagem do Alto Alentejo, de João Luís Carrilho da Graça; e a habitação construída num

espaço vazio no interior de Campo de Ourique, de Ricardo Bak Gordon. “No place like - 4 houses, 4 films” completa-se com filmes de João Onofre, Julião Sarmento, Filipa César e João Salaviza. Os artistas trabalharam, respectivamente, os espaços de Ricardo Bak Gordon, João Luís Carrilho da Graça e Siza Vieira, enquanto o cineasta ficcionou os lugares da dupla Aires Mateus. E chegamos, extra representação oficial, a “Void”, instalação da autoria dos irmãos Aires Mateus, convidados pela comissária geral da bienal, a arquitecta japonesa Kazuyo Sejima, a participar em “People meet in Architecture”. Francisco Aires Mateus revelou ao Ípsilon a peça: “É uma instalação que tem ver com a ideia de espaço e vazio na arquitectura. Os espectadores podem circular à sua volta e confrontar-se com as topografias e o espaço”. Todas as

maquetas incluídas representam projectos reais. “Alguns esperam apenas que os proprietários iniciem a construção, outros já estão terminados. São casas com escalas diferentes, para contextos variados. E são privadas.”Ao lado dos irmãos Mateus em “People meet in Architecture”, estão nomes consagrados da arquitectura (Rem Koolhaas, Christian Kerez, Ryue Nishizawa, que faz dupla com Sejima na firma SANAA) e outros mais “jovens”, como Tom de Paor, o duo espanhol Amid Cero 9 ou Junya Ishigami. Mas também artistas plásticos com afinidades

com o tema proposto (Thomas Demand, Jane Cardiff, Olafur Eliasson, Tom Sachs, Fiona

Tan ou Cerith Wyn Evans) e duas presenças um pouco mais

“inesperadas”: Wim Wenders e o curador e

historiador de arte Hans-Ulrich Obrist. José Marmeleira

Há casas portuguesas em Veneza

Fla

sh

Directora Bárbara ReisEditor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial Isabel Coutinho, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar SwaraDirectora de arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana SoaresEditor de fotografi a Miguel MadeiraE-mail: [email protected]

Ficha Técnica

SumárioLiteratura e ideologia 6A nova geração de autores no ano da morte de Saramago

Malcom Gladwell 12Ele viu o futuro do jornalismo

Jack DeJohnette 16Um dos últimos grandes da bateria jazz em Lisboa

António Pires 20A “world music” explicada às criancinhas, de Sines para o mundo

The Books 26Mais um álbum dos coleccionadores compulsivos

América Latina 26Histórias de vida ou morte, num ciclo de documentários

Roman Paska 30Somos todos marionetas

Filme 3D, série televisiva, jogo de vídeo e toda umanova bibliografi a

Kazuyo Sejima, a comissária geral da bienal e da exposição “People meet in Architecture”, com nomes que vão de Rem Koolhaas a Wim Wenders

“Void” é a instalação com que a dupla de arquitectos portugueses Manuel e Francisco

Aires Mateus participa em Veneza

Pausa nos Animal Collective para um álbum a solo,o primeiro de Tare, para sair a 26 de Outubro

AF

P/S

HA

UN

CU

RR

Y

Page 4: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

4 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Gormley, que já foi replicado de Londres à Austrália, passando pela Calábria, diz que esta será a última aparição dos seus duplos. E que está ansioso: “A obra em si é muito menos importante do que o que o público fará com ela. O olhar, o encontrar, o não encontrar...”.

Quatro álbuns inéditos nos segundos “Archives” de Neil YoungPrimeiro o mundo desesperou. Ainda nos anos 80, Neil Young, arquivista compulsivo, revelou que trabalhava na edição do material que guardara ao longo da sua carreira e em que o público nunca havia posto a vista em cima. Continuou a falar ocasionalmente do projecto, que continuou a ser adiado. A dada altura, mesmo o fã mais crente começou a descrer. Até que no ano passado o primeiro volume dos já míticos “Archives” saiu e, aberta a caixa de Pandora, todos podemos rejubilar. O volume 2 ainda não tem data de edição, mas está a ser preparado (o “manager” de Young refere que haverá um hiato de dois, três anos entre cada lançamento).Depois de coberto o período inicial da sua carreira, entre 1963 e 1972 (nos desconhecidos Squires e nos históricos Buffalo Springfield), em dez discos Blu-Ray, gravações vídeo e registos de imprensa, esta épica cronologia da carreira de Young revelará quatro álbuns nunca editados – em edições de vinil, para que vejam a luz como inicialmente previsto. É só a primeira revelação do que aí vem, claro.Sabemos para já que no “Archives - Volume 2” conheceremos “Homegrown”, posto de lado para dar lugar ao negríssimo “Tonight’s The Night” (1975), “Chrome Dreams”, perdido em favor do “folky” “American Stars’n Bars” (1977), “Oceanside-Countryside”, de 1978, e o álbum ao vivo “Odeon-Budokan Live”, gravado com os Crazy Horse entre Londres e o Japão em 1976.

rapazinho loiro, de cachecol e calças à boca de sino, vai salvar uma série de planetas, ajudando os respectivos habitantes a resolver os problemas que os afligem. E, claro, voltará à Terra, ainda que, na sua primeira incursão, não tenha simpatizado nada com os terráqueos adultos.Agay admite que adaptar a personagem “foi uma dor de cabeça”. Os responsáveis da série, pelo que dela se sabe, parecem ter procurado um compromisso, mantendo algumas personagens essenciais da história, como a rosa, a serpente ou a raposa – que, no livro, ensina ao Principezinho o sentido da palavra “cativar” –, mas tornando o protagonista um herói de aventuras um pouco mais vendável. Talvez por recearem que as filosóficas indagações do Principezinho original em torno da amizade e da sabedoria pudessem, digamos, não cativar os pequenos espectadores actuais.

Antony Gormley nu (vezes 100) nos AlpesAntony Gormley anda nu outra vez pelo mundo, mas a pergunta não é “e daí?”. O que ele acaba de fazer é uma visão e tanto: uma centena de réplicas do escultor britânico estrategicamente distribuídas pelos Alpes austríacos, sempre a 2039 metros de altitude, algumas em pontos fáceis de encontrar até por alpinistas frustrados, outras tão “off the beaten track” que são praticamente impossíveis de alcançar (ou então tarefa para um João Garcia).“Horizon Field”, assim se chama a invasão, é um dos trabalhos de campo mais ambiciosos do artista: demorou cinco anos a concretizar-se, e a logística foi aparatosa, exigindo uma maratona de audiências com proprietários, caçadores, botânicos, ambientalistas, políticos, esquiadores, militares, socorristas e residentes, além de várias séries de descolagens, aterragens e outras manobras perigosas a cargo dos helicópteros fretados para depositar cada uma das cem estátuas nos pontos previamente assinalados. É toda uma outra sala branca: a área em que Antony Gormley interveio, nas montanhas de Vorarlberg, compreende 150 quilómetros quadrados de terreno acidentado e particularmente exposto aos jogos de sorte e azar da meteorologia. Embora ainda não tenha nevado, uma das estátuas já apareceu de casaco. O plano, explicou o artista há uma semana, na inauguração oficial de “Horizon Field”, é que as estátuas fiquem no terreno por dois anos. “Mas se fosse possível [ficarem para sempre], também não seria mau”.

Fla

sh

Todo o cinema, de Veneza a Toronto (passando pelo Facebook)Não se vira uma pedra sem se falar do Facebook e lá está ele a imiscuir-se na programação dos festivais de cinema da “rentrée”. O muito esperado filme de David Fincher - que anda encantado com “all things pop”, já que a seguir se lança na adaptação cinematográfica americana da trilogia “Millenium”, de Stieg Larsson - sobre a dita rede social que une 500 milhões dos habitantes da Terra, “The Social Network”, já tem dois “trailers” online e estreia-se no Festival de Nova Iorque a 24 de Setembro, dias antes da estreia comercial nos EUA, a 1 de Outubro. “É excepcionalmente raro descobrir um filme que capta de forma tão poderosa o espírito do seu tempo”, diz quase desnecessariamente o director do festival, Richard Peña, embriagado com tanto “zeitgeist”. Mas (felizmente) não é só de Facebook que se fala a partir de Setembro. Veneza apresentou um programa ambicioso: os novos de Sofia Coppola (“Somewhere”), Vincent Gallo (“Promises Written in Water”), Abdellatif Kechiche (“Venus Noir”), Alex de la Iglesia (“Balada Triste

de Trompeta”), Takashi Miike (“13 Assassins”), Pablo Larraín (“Post Mortem”), François Ozon (“Potiche”, com Deneuve e Depardieu), Julian Schnabel (“Miral”) ou Monte Hellman (“Road To Nowhere”), todos em competição. Fora dela, na secção Horizontes, a estreia de João Nicolau nas longas com “A Espada e a Rosa”, “Painéis de São Vicente de Fora, visão poética”, os 16 minutos de Manoel de Oliveira a convite da Fundação de Serralves, mais o regresso de dois Affleck: Ben a realizar “The Town”, Casey a co-protagonizar “I’m Still Here”, o documentário que marca o regresso de Joaquim Phoenix. Por falar em documentário, eis Martin Scorsese pós-”Shutter Island” a escrever “A Letter to Elia”, uma obra sobre o “bright side” do cineasta e histórico delator na era McCarthy. Veneza abre a 1 de Setembro com “Black Swan”, de Darren Aronofsky, e “Machete”, de Robert Rodriguez, e fecha dia 11 com “The Tempest”, de Julie

Taymor. Mas ainda Veneza está a acabar e já Toronto,

do outro lado do Atlântico, arrancou.

r

a

Mais material do artista quando jovem na calha

Antony Gormley is watching us, a 2000 metros de altitude, nos Alpes austríacos

De 9 a 19 de Setembro, viramo-nos para o Canadá para ver actores a pegar nas câmaras: Robert Redford (“The Conspirator”, a ressaca do assassinato de Lincoln com James McAvoy, Robin Wright ou Kevin Kline), Emilio Estevez (quatro anos depois de “Bobby”, e dirigindo aqui Martin Sheen) e (rufar de tambores) Philip Seymour Hoffman com “Jack Goes Boating”. E também para ver 12 filmes britânicos, entre os quais a estreia mundial de “Never Let me Go”, de Mark Romanek. “Mistérios de Lisboa”, de Raul Ruiz, também passa por Toronto. “Last but not the least”, Toronto vai estar carregado de estrelas - de Kidman a Portman, de Affleck a De Niro. Kidman está em “The Rabbit Hole”, de John Cameron Mitchell, De Niro e Edward Norton reúnem-se em “Stone”, um thriller de John Curran, Kevin Spacey larga o teatro para fazer “Casino Jack”, Dustin Hoffman e Paul Giamatti contam “Barney’s Version” e até Yves Saint-Laurent assombra Toronto com a estreia mundial do documentário “L’Amour Fou”, de Pierre Thoretton. Para já, Locarno terá Bruce Labruce a dirigir actores porno no calor de Agosto. Mas, em Setembro, Veneza, Nova Iorque e Toronto já serão olhados à luz dos Oscars. É o sistema.Joana Amaral Cardoso

Sofi a Coppola, com “Somewhere”, Vincent Gallo, com “Promises Written in Water”, e François Ozon,com “Potiche”: eles já estão de malas feitas para Veneza

RE

UT

ER

S/F

RE

D P

RO

US

ER

Page 5: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby
Page 6: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

6 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

A literatura pode viver até de uma forma conflituosa com a ideologia. O que não pode é viver fora da ideo-logia.José Saramago

A morte de José Saramago em Junho representou o fim de uma geração politicamente comprometida, de uma literatura de causas, herdeira da luta contra o fascismo e a censura, do fim da ditadura, do colapso do Império, da transição para a democracia e da adesão à Europa.

Este é o ano da morte de José Sara-mago. No seu obituário, no “Expres-so”, Clara Ferreira Alves escreveu que pode ser que “um dia um escritor ain-da sem nome se sinta tentado a escre-ver um livro com este título”, ecoan-do “O Ano da Morte de Ricardo Reis”. Porque, tal como nesse ano (1936), “este é um ano em que estão a acon-tecer muitas coisas, é um ano histó-

rico e da história, um ano implacável, um ano de princípios e de fins”.

Esse(a) escritor(a) pode ainda não ter nome, mas não significa que este ano, este Portugal, esta crise, este mundo em que vivemos não preocu-pem os nomes da nova literatura por-tuguesa. E também não significa que, apesar de lidarem de outra forma com o comprometimento ideológico na literatura, estes jovens escritores não tenham ideias muito próprias (ideológicas, até) sobre a função so-cial (ou política) da literatura.

À sombra da montanhaA figura de José Saramago é uma “montanha na paisagem dos autores portugueses dos últimos 40 anos. E a sua sombra acaba por ser ampla”, diz o escritor José Luís Peixoto, 35 anos. É à sombra da montanha Saramago que a nova literatura portuguesa terá de viver (para o bem e para o mal).

Num artigo publicado pelo “Le Monde Diplomatique” de Julho, em homenagem a Saramago, João Tordo, 34 anos, escreveu que a morte do No-bel “marca o fim de uma era na lite-ratura portuguesa”, mas, ao mesmo tempo, “deixa o caminho aberto a uma nova geração que deve agora assumir-se, não como os ‘herdeiros’, mas como os viajantes nessa mesma estrada que o Nobel logrou abrir”. Tordo afirma que “é responsabilidade dos que ficam (...) não deixar que es-se caminho termine, abruptamente, num beco sem saída”.

Nem todos querem percorrer essa estrada. Pedro Rosa Mendes, 42 anos, reconhece que vai criar inimigos em Portugal por dizer que, “enquanto leitor, humildemente, o grande ro-mancista contemporâneo português é o [António] Lobo Antunes”. Explica: “O que o Lobo Antunes tem a mais do que o Saramago como grande au-

tor é a liberdade ideológica; é ser um homem livre. Várias vezes tive a sen-sação de que Saramago era um escri-tor aprisionado dentro de um homem livre nas suas opiniões, no sentido em que o homem era mais livre do que o escritor, mais livre do que a ficção que escrevia. Há um programa e há uma obrigação política na ficção do Sara-mago. Isso comporta a qualidade da coerência física, mas tem o grande problema da qualidade criativa.”

É essa liberdade que talvez Sara-mago tivesse no princípio, antes dos “Ensaios”, explica Dulce Maria Car-doso – antes dessa “acção totalitária de que todos temos de fazer o mes-mo, de pensar como a massa, de votar em branco”. Saramago era “uma es-pécie de autoridade moral, como se dissesse ‘agora está tudo errado e eu vou mostrar como isto dever ser fei-to’. Tinha ideias muito claras acerca do mundo: havia os bons e os maus.

A nova gera de escrito

no ano da morte de José A morte de José Saramago é o fi m simbólico de uma geração p

Como é que os novos escritores lidam com a ideologia? O Ívir a ser os herdeiros do Nobel português. Por Raquel Ribeiro

VÍT

OR

FE

RR

EIR

A

A figura de José Saramago é uma “montanha na paisagem dos autores portugueses. E a sua sombra acaba por ser ampla”José Luís Peixoto

Page 7: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 7

ração tores é Saramagoo politicamente comprometida. O Ípsilon falou com aqueles que podem o (texto) e Vítor Ferreira (ilustrações)

É tudo muito mais complexo. A maio-ria dos activistas acha que é preciso um fundamentalismo para mudar as coisas. Quando isso acontece, cega-mos. É perigoso.”

Peixoto foi Prémio José Saramago em 2001. valter hugo mãe em 2007. João Tordo em 2009. Pedro Rosa Men-des nunca venceu um Prémio José Saramago – nem pode porque tem mais de 35 anos. Dulce Maria Cardoso, 45, também não. É, aliás, crítica da “obsessão com a juventude desta so-ciedade”, e admite que isso também é uma contradição no prémio de que Saramago era patrono: “Ele é uma espécie de mito, a prova de que a for-ça do trabalho e do talento resulta: nasceu pobre, nunca pertenceu à

Ca

pa

Page 8: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

8 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

[‘Peregri-nação de

Enmanuel Jhesus’] é profundamente político porque todas as vozes são as de um projecto de sociedade ou de uma postura filosófica perante aquele mundo. Não são as minhas, lá está.Isso faço noutro lado Pedro Rosa Mendes

elite privilegiada e prova que, se nos esforçarmos e trabalharmos mui-to, chegamos lá. Começou a escrever muito tarde. Mas é o patrono de um prémio a que só se pode concorrer até aos 35 anos. Isso mostra o quão difícil é pôr a teoria em prática.” Ten-do em conta a idade com que come-çou a escrever regularmente, Sara-mago não teria podido concorrer ao seu próprio prémio.

Políticos apartidáriosPara valter hugo mãe, o mundo mu-dou. Este já não é o tempo da escrita de Saramago, ideológica, política e socialmente comprometida. Acima de tudo, o que estes escritores não querem é pertencer a um partido: “O nosso tempo não se compadece com grandes paixões partidárias. O com-promisso com o PCP do Saramago é mais do que uma preocupação polí-tica, é partidária. Perdemos a euforia pela construção de uma democracia que as pessoas da geração do Sarama-go tinham.”

Aqui, política e partidarismo não se confundem, tal como não se con-fundem o escritor com o cidadão. No caso de Saramago, o compromisso ideológico do escritor esteve sempre ligado ao marxismo (“Serve-me para compreender o mundo”, disse o No-bel numa entrevista a Carlos Reis, em “Diálogos com José Saramago) e o compromisso político do cidadão es-teve sempre ligado ao Partido Comu-nista.

Destes novos escritores não se po-de dizer que sejam apolíticos. Pelo contrário: valter hugo mãe faz parte da comissão de honra da candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República. Aceitou o convite, pela se-gunda vez, “porque além de estar convicto de que ele é o Presidente ideal, é também o único candidato que poderá derrotar Cavaco” - “E eu não seria um saramaguiano convicto se não quisesse que Cavaco saísse”, sublinha.

José Luís Peixoto já esteve ao lado do Bloco de Esquerda e participou activamente em campanhas eleito-rais. Não é filiado. Mas separa essa participação da tarefa de escritor: “É uma forma de participação cívica que qualquer cidadão pode escolher ter. Não me inibo de a ter, mas acredito que os meus livros existem noutra dimensão.” Considera-se “politica-mente de esquerda”: “Nunca me con-siderei de direita e não consigo com-preender o que é o centro e como se é do centro. As minhas ideias sempre se inclinaram para esse lado esquerdo e pela forma como ele vem sendo de-senhado desde os ideais da Revolução Francesa. Vejo as coisas de diferentes perspectivas: muda o próprio mundo e eu com ele.”

PAU

LO

PIM

EN

TA

Page 9: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 9

Pedro Rosa Mendes, Dulce Maria Cardoso ou João Tordo, por nunca terem militado, não são necessaria-mente menos politizados. Mendes explica que nunca lhe “passou pela cabeça fazer política” e que os parti-dos políticos “são mais plataformas e aparelhos que determinam o que fazer para fazer política, e menos fó-runs de ideias e de debate”. Inscre-veu-se numa juventude partidária quando era estudante de Direito, mas nunca foi às reuniões. O jornalismo também pode ter tido um papel nes-sa não-pertença. “Sou uma pessoa muito politizada. Interesso-me por política. É politicamente que olho pa-ra a realidade e isso determina e in-fluencia a forma politizada como es-crevo e a ficção que faço.”

Dulce Maria Cardoso concorda. Co-mo cidadã (e como escritora), tem uma opinião política (“só um cidadão lobotomizado não a tem”), mas diz que “a obra é uma coisa, a pessoa é outra”. Na classe política, não confia: “Há tão pouca sinceridade que é mui-to difícil pensar seriamente na activi-dade partidária. Não há responsabi-lização pelos erros cometidos, há um desvio da coisa pública em função de interesses privados.” Isso não quer dizer que a ficção não seja uma leitu-ra política do mundo. valter hugo mãe: “Tudo o que escrevo há-de ter uma profundidade política subjacen-te, mas não estou disponível para abraçar partidariamente nenhuma orientação. Frustra-me, não me iden-tifico rigorosamente com ninguém, enquanto não se resolver este modo inquinado de governar.”

Há aqui um tom de profunda desi-lusão. E estas ideias vão ao encontro da eterna discussão sobre o divórcio entre os cidadãos e a política. João Tordo é um céptico convicto, descon-fiado de toda a bondade humana: “Tenho uma permanente dúvida acerca de tudo. Sou incapaz de dog-ma, não posso ser partidário. Não tenho ortodoxias. Não sou inconfor-mista nem sou rebelde. Voto, mas não participo em manifestações. Certas vezes reconheço que foi por desinte-resse, grande parte das vezes foi por não acreditar.”

Mais do que políticos apartidários, estes escritores são cépticos politiza-dos.

Mundos negros, outras causasMas a ideologia pode ser, nesta gera-ção, outro tipo de compromisso. João Tordo afirma que esta crise económi-ca o “preocupa pessoalmente”: “En-quanto escritor, escreves sempre em resposta a alguma coisa. O mundo está a passar por um momento negro. Espero que as obras sejam uma refle-xão sobre isso”.

Para Tordo, a literatura não tem de “ter um dever cívico”: “Não acho que seja para propagar causas. Posso até fazer isso num livro, mas longe de mim educar alguém. Qualquer escri-tor que o faça intencionalmente cai no risco de se tornar um demagogo”. O seu próximo romance sai no final do mês. Chama-se “O Bom Inverno” e, explica Tordo, “não tem nada de causa social, nem ensina nada a nin-guém: são 12 pessoas fechadas num sítio, num bosque isolado. Não é um policial, nem é uma história de crime. É um estudo de personagens.” Mas Portugal preocupa-o, porque “esta crise é a nossa ditadura”. Está a pre-parar um romance que só sairá em 2011 “sobre um acontecimento que marcou a história política portuguesa, nos anos 50”. O seu objectivo é “bus-car um sentido para tudo isto, para a situação estranha que vivemos neste momento”.

Tal como Tordo, Dulce Maria Car-doso sente-se incomodada com os abusos de poder, mas “tornar isto matéria literária não me interessa, e a literatura não serve para isso, serve para criar ficções, criar mundos”. Nesse “apenas” que é a escrita de um livro está “a ambição toda do mun-do”. O seu segundo romance, “Os Meus Sentimentos”, reflecte sobre o “desencanto com a forma como a Re-volução acabou”, e há “bufos do an-tigo regime que transitaram pacifica-mente de uma para a outra situação”. Eles andam aqui, entre nós. A ideo-logia, explica Cardoso, “está na esco-lha das personagens”: “Não é ao aca-so que te surgem personagens com aquelas vidas: uma depiladora, um jornalista, um político.”

Cardoso diz que se há uma “causa” nos seus livros, é a do sofrimento. “Alguém atento aos meus livros

[‘Apocalipse dos Trabalhadores’] é uma moção de sobrevivência no limiar da dignidade laboral. É a história de duas mulheres-a-dias aquém do sistema.

A mulher-a-dias é uma excrescência do tecido laboral

‘Livro’ [sai no

Outono] traça um retrato de Portugal dos anos 40 até aos nossos dias. Não sendo um manifesto social, tem uma dimensão sociológica José Luís Peixoto

EN

RIC

VIV

ES

-RU

BIO

Há um tom de profunda desilusão nestes escritores. Mais do que políticos apartidários, eles são cépticos politizados

não acreditar.Mais do que políticos apartidários,

estes escritores são cépticos politiza-dos.

Mundos negros,outras causasMas a ideologia pode ser, nesta gera-ção, outro tipo de compromisso. João Tordo afirma que esta crise económi-ca o “preocupa pessoalmente”: “En-quanto escritor, escreves sempre em resposta a alguma coisa. O mundo está a passar por um momento negro. Espero que as obras sejam uma refle-xão sobre isso”.

[‘Apocalipselaboral. É

A mulh

Há uprofunesteMaisaparcépti

valter hugo mãe

Page 10: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

10 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Quando se fala de literatura portuguesa recente, diz Ana Paula Arnaut, professora na Universidade de Coimbra, “não podemos contar apenas com a nova geração”, mas também com autores como António Lobo Antunes, por exemplo. “A obra de Lobo Antunes tem sido pouco explorada em relação à dimensão ideológica que comporta. Toda a gente fala das questões da guerra colonial, da relação com África, mas os investigadores acabam por só fazer isso em relação aos primeiros romances de 1979 e 1980.” Ao ler um Lobo Antunes de 2007, “essas preocupações mantêm-se em conjunto com toda uma dimensão de preocupações sociais mais recentes, decorrentes da questão de África, e do período pós-colonial.” Paulo de Medeiros, professor universitário em Utrecht, dá Lídia Jorge como exemplo: “Todos os seus livros são directamente relacionados com questões políticas e, embora se possa dizer que existe neles uma forte preocupação com a condição das mulheres, tratam de outros assuntos, desde a revolução à guerra colonial e às sua memórias, passando pelos novos migrantes e as condições duma [nova] classe de despojados.”

A serem herdeiros de alguém, os autores da nova geração vêm igualmente beber a estes autores e não só a Saramago, portanto. Os romances de valter hugo mãe, por exemplo, “são obras directamente políticas e com uma força expressiva capaz de rivalizar com o melhor de Lídia Jorge e Lobo Antunes”, nota Medeiros. “mãe demonstra como a literatura actual portuguesa continua a oferecer uma crítica mordaz à sociedade portuguesa. A questão da infl uência da ditadura na mentalidade portuguesa, uma certa ‘pequenez’ como José Gil tem dito, é bem observada nos seus romances.”

Se Saramago, herdeiro do neo-realismo e escritor na transição da ditadura para a democracia,

parece ver no compromisso ideológico a saída feroz para as injustiças do mundo, já as novas gerações fazem política por outros meios. A ideologia está nestes jovens autores, diz Ana Paula Arnaut, “não está é da mesma maneira”.

A notícia da morte das ideologias na literatura foi um grande exagero. Para Arnaut, o problema está “na tendência para relacionarmos ideologia com política”. Ideologia é mais do que isso: “Ideias, julgamentos, juízos de valor que servem para interpretar a situação de um determinado indivíduo ou grupo. No caso do Gonçalo M. Tavares, por exemplo, os seus ‘Livros Negros’ servem para interpretar este mundo cruel e violento em que vivemos, literal ou enviesadamente.” O Ípsilon tentou falar com Gonçalo M. Tavares para este trabalho, mas o escritor não estava disponível.

Hoje a ideologia tem menos a ver com um alinhamento político-partidário do que com questões de identidade. O género, a raça, o pós-colonialismo, a imigração são “posicionamentos sobre o mundo em que vivemos, e, nesse sentido, todas as questões de identidade se tornam ideológicas”, argumenta Arnaut. Para Medeiros, também não faz sentido falar no fi m da ideologia: “Portugal e a língua portuguesa continuam a ter autores com um grande poder expressivo e com uma consciência profunda da humanidade e do dever intelectual de testemunhar, de expor a podridão e de ansiar por uma liberdade mais livre.”

A ideologia não morreuAs notícias da morte das ideologias na literatura parece ser um grande exagero. A ideologia está nestes jovens autores,

“não está é da mesma maneira”. Raquel Ribeiro

Alguém atento aos

meus livros notará que sou contra o sofrimento animal. Mas não quero fazê-lo enquanto activista. Sou sensível ao sofrimento de todas as formas, dos animais, dos injustiçados, dos que têm fome Dulce Maria Cardoso

RG

IO A

ZE

NH

A

RU

I G

AU

NC

IO

o

a

e

RG

Ana Paula Arnaut diz que há uma tendência (errada) para associar ideologia a política

Hoje ideologia tem menos a ver com alinhamento político do que com questões de identidade

Page 11: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 11

notará que sou contra o sofrimen-to animal. Mas não quero fazê-lo en-quanto activista. Gosto mais de his-tórias. Mas sou sensível ao sofrimen-to de todas as formas, dos animais, dos injustiçados, dos que têm fome”. No livro que está a escrever, reflecte sobre o retorno de Angola (de onde saiu na infância, via Ponte Aérea), o fim do Império e as suas consequên-cias no Portugal contemporâneo.

Mais do que ideologia, diz José Lu-ís Peixoto, “é a convicção que alimen-ta o livro”. “A ideologia é, à partida, um sistema social e/ou político, a con-vicção pode ser outra coisa. O escri-tor, pela natureza do que faz, integra essa condição de uma forma implíci-ta, não a escolhe. Acaba por comuni-car sempre com a sociedade”. Mas não deve “delinear a papel químico as suas convicções políticas”: o livro deverá ser “o mais completo e huma-no possível, e o humano é constituído por muitas e complexas vertentes”, argumenta. Aliás, “Nenhum Olhar” é exemplo de como Peixoto não acre-dita que “os textos devam ser uma fotocópia de convicções do autor”: aquelas personagens “não encontram uma saída, deixam-se abater perante as dificuldades”, explica. Para Peixo-to, a escrita é bondade, o altruísmo “é um órgão essencial ao seu funcio-namento”. “Se partir logo sem essa bondade, é vazio. Com isto não quero dizer que não tenha lá, explícita, uma ideia social ou uma utopia. Mas que-ro que tenha uma bondade, e que a esperança nessa bondade se multipli-que”. No seu novo romance (sai no Outono), “Livro”, Peixoto traça um retrato de Portugal dos anos 40 até aos nossos dias. É sobre a imigração,

mas “é sobre muitas mais coisas”. Quando o tempo narrativo chega à actualidade, “confronta-se a visão que os imigrantes têm de Portugal e, atra-vés dela, tenta-se reflectir sobre o país. Não sendo um manifesto social, tem uma dimensão sociológica”, diz.

O real socialvalter hugo mãe admite que é em li-vros como “O Apocalipse dos Traba-lhadores” que faz a sua política. Esse livro é uma “moção de sobrevivência no limiar da dignidade laboral. É a história de duas mulheres-a-dias aquém do sistema. Nem se pode falar [aqui] da precariedade dos recibos verdes, porque a mulher-a-dias é uma excrescência do tecido laboral.” O livro mostra como, dentro dessa es-tigmatização, aquelas mulheres con-seguem atingir “uma utopia da felici-dade”. É essa a “perspectiva útil da literatura” em que mãe acredita. “Não a literatura esgotada numa função, tem de ter sempre uma componente estética, mas uma literatura que sirva o leitor. Interessa-me que os livros sejam contra a indiferença, contra a desmobilização. Esse era o bastião de Saramago, incitar as pessoas à cons-ciencialização.” O mesmo se passa em “A Máquina de Fazer Espanhóis”, por exemplo, sobre a estrutura das novas famílias, o desprezo pela terceira ida-de ou a herança histórica de uma ge-ração de portugueses.

Para Pedro Rosa Mendes, a ficção “não é uma forma de fazer política”. Sente, aliás, uma desconfiança em “relação à politização da ficção”. Mas há algo que lhe interessa: “Uma di-mensão política da realidade.” Em “Peregrinação de Enmanuel Jhesus”, Rosa Mendes não está “ali a defender nada, não há um programa político, não há um a favor e um contra. No entanto, o livro é profundamente po-lítico porque todas as vozes são as vozes de um projecto de sociedade ou de uma postura filosófica perante aquele mundo”. Não são as dele, lá está: “Isso faço noutro lado.” O jor-nalismo dá-lhe a realidade. Essa ideia de real é que é importante. “O real é essencial: não estou a escrever sobre o meu mundo ou a minha depressão”, sublinha, para logo acrescentar: “Os meus botões são infinitamente menos importantes do que as coisas que eu vi.”

“A criação portuguesa”, lamenta, “é muito virada para si própria, oní-rica e introspectiva”. Nesse sentido há “um défice de real”, e a realidade torna-se “sempre aquilo que estamos a viver dela”. Mas há outra, há outras. “A política é isso: um exercício de ima-ginação apartir da realidade, uma utopia, e isso faz a história do indiví-duo com o mundo.”

‘O Bom Inverno’

[sai este mês] não tem nada de causa social, nem ensina nada a ninguém: são 12 pessoas fechadas num sítio, num bosque isolado. Não é um policial, nem é uma história de crime. É um estudo de persona-gens João Tordo

“Interessa-me que os livros sejam contra a indiferença, contra a desmobilização. Era esse o bastião de Saramago, incitar as pessoas à consciencialização”valter hugo mãe

Page 12: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

12 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Há uma pergunta que Malcolm Gla-dwell detesta: como surgem as ideias para as suas histórias? Detesta não porque a resposta contenha algum segredo, alguma fórmula que não queira revelar, mas porque não sabe a resposta. Não se lembra. E irrita-o que alguém esteja interessado no que não tem importância nenhuma: no caso das suas histórias, o que impor-ta é o ponto de chegada, não o de partida.

“Eu definiria este género como ‘his-tórias de aventura intelectual’”, ex-plicou Malcolm Gladwell ao Ípsilon, numa entrevista por telefone. “Sigo exactamente as mesmas regras de uma história de aventuras, em que se pretende um relato emocionante, que prenda o leitor, conduzindo-o por um percurso físico. A diferença é que eu o guio através de um percurso inte-lectual. Outros escritores apresentam-nos sequências de cenários exóticos. O que eu pretendo é explorar ideias, de uma forma excitante”.

Mas analisemos o processo de cons-trução de uma das histórias do livro “O que o Cão Viu”, agora publicado em Portugal pela Dom Quixote. Ape-nas uma, já que a dissecação desagra-da ao autor e pode comprometer o prazer da leitura (e a eficácia da per-suasão, embora Gladwell garanta que nunca tem esse objectivo). O texto de “O Erro de John Rock” está dividido em cinco partes. A primeira é sobre as convicções católicas de Rock, um cientista nascido em 1890 que foi o inventor da pílula contraceptiva. A segunda começa assim: “Em 1986, uma jovem cientista chamada Bever-ly Strassmann viajou para África para viver com a tribo dogon do Mali”. O início da terceira: “Em 1980 e 1981, Malcolm Pike, um especialista em es-tatística médica da Universidade do Sul da Califórnia, passou seis meses no Japão a estudar na Comissão de Vítimas da Bomba Atómica”. As par-tes 4 e 5 contêm as conclusões da te-se de Gladwell, e também o final da história de John Rock. Que são, em suma, o seguinte: o cientista, para agradar à Igreja Católica, inventou uma pílula que reproduzisse os ciclos menstruais “naturais” da mulher. Sendo “natural”, poderia contar com a aprovação do papa, à semelhança

do que já tinha acontecido com outros métodos contraceptivos “naturais”, como o do calendário. Só que o que Rock pensava ser “natural” afinal não o era. Foi esse o seu erro.

“O ponto de partida para esse texto foi uma informação que me chegou de que as mulheres nas sociedades tradicionais tinham, durante a vida, quatro vezes menos períodos mens-truais do que as mulheres modernas”, diz-nos Gladwell. “A partir daí, come-cei a explorar todas as implicações disso, e cheguei a John Rock”. Que se tornaria o protagonista da história.

Gladwell foi investigar a história do médico, que já era uma sumidade na sua área quando inventou a pílula. O novo medicamento foi aprovado nos EUA em 1960, mas em 1968, na encí-clica “Humanae Vitae”, o papa Paulo VI proibiu os contraceptivos orais e todos os outros métodos “artificiais” de controlo da natalidade.

A partir daí, a luta de Rock foi de-monstrar que o seu método era “na-tural”. “Na mulher saudável, é a pro-gesterona que impede a ovulação e estabelece o período seguro pré e pós-menstrual”, escreveu na época o cien-tista. Ora a pílula não é mais do que progesterona, a hormona produzida pelo organismo da mulher depois da ovulação, para impedir os ovários de libertarem novos óvulos e, assim, fa-vorecer a gestação.

A verdade é que, tomando a pílula, as mulheres não precisariam de mens-truar todos os meses, mas apenas três ou quatro vezes por ano. Para simular os ciclos “naturais”, porém, Rock prescreveu a administração do com-primido com interrupções mensais, que provocam a menstruação.

Acontece que investigações ulterio-res mostraram que os ciclos mensais estão longe de ser naturais. É aí que entra o trabalho de Beverly Strass-mann, a cientista que viajou para o Mali. Numa entrevista a Gladwell, ex-plicou como as mulheres da tribo do-gon menstruam, durante toda a vida, apenas 100 vezes, em média, enquan-to nas mulheres ocidentais isso acon-tece entre 350 a 400 vezes. As dogon menstruam menos porque passam a maior parte do tempo grávidas ou a amamentar. E era isso que acontecia com todas as mulheres do mundo até

à “transição demográfica” de há 100 anos atrás. Ou seja: o que é “natural” é ter o período 100 vezes durante a vida. Ter 400 multiplica, como Gla-dwell confirmou e explicou em entre-vistas com outros cientistas, as pro-babilidades de contrair cancro do útero, do endométrio e da mama, além de outras doenças. Ou seja, mi-lhões de mortes por cancro poderiam ter sido evitadas se John Rock não ti-vesse, para agradar ao Papa, obrigado as mulheres a menstruarem desne-cessariamente todos os meses, por se pensar que isso era “natural”.

Malcolm Gladwell nunca chega a expor a conclusão desta forma explí-cita. Deixa que o leitor a formule ape-nas na sua cabeça. “Eu não tenho nenhum propósito de persuasão. Não exijo que o leitor concorde comigo. Levo-o até um certo lugar, porque acho interessante ir até lá. Depois ele que decida. Fico satisfeito apenas por ele me acompanhar na viagem. Não preciso de mais. O que pretendo é levar as pessoas a explorar assuntos que de outra forma não lhes interes-sariam. Sabe, algumas das ideias que acho mais estimulantes são ideias com que não concordo”, diz.

A favor do jornalismoOs temas de Gladwell, designada-

mente os dos artigos publicados na revista “New Yorker” durante mais de dez anos e agora reunidos nesta colectânea, são muito diversos. Vão desde o “ketchup” (por que razão nunca surgiu uma marca melhor do que a Heinz?) até à importância da cor dos cabelos na história da Améri-ca e às semelhanças entre uma ma-mografia e as fotografias aéreas dos militares. Mas têm em comum o facto de conterem revelações surpreenden-tes sobre a nossa vida quotidiana. E fazem-no, na maior parte das vezes, sem recorrer a investigação própria. Pelo menos segundo o conceito tra-dicional de investigação. Mas isso es-tá a mudar. Um dos textos do livro é precisamente sobre plágio. “Hoje, por causa da Internet, é muito fácil ter acesso às ideias das outras pessoas. É fácil copiá-las, e isso é hoje um pro-blema grave nas universidades. Mas o outro lado desta realidade é que permite brincar com as ideias dos ou-

tros, transformá-las. Por isso a manei-ra como entendemos o plágio e o di-reito de propriedade intelectual tem de mudar. Se construirmos uma cer-ca em torno das nossas ideias, isso inibe a criatividade e o progresso”, argumenta.

Ou seja, a originalidade de Gladwell é saber conjugar as ideias de outras pessoas. “Existe hoje um volume avas-salador de informação. E o que um jornalista deve fazer é descobrir as narrativas e as teorias que dêem sen-tido às coisas. Temos de cruzar várias disciplinas, para produzir um discurso que seja útil. É uma função que há 50 anos não era necessária, nem possível. Penso por isso que os jornalistas são mais importantes e úteis no mundo moderno do que alguma vez foram”.

Num dos artigos (“Segredos Conhe-cidos de Todos”), Gladwell questiona, aliás, a natureza da própria investiga-ção jornalística. Analisa o caso da fa-lência da empresa Enron e o facto de ninguém o ter previsto. Ou melhor, de ninguém com poder de decisão o ter previsto. Na realidade, um grupo de estudantes fez um trabalho em que, recorrendo a ferramentas esta-tísticas, percebeu tudo o que se ia passar. Colocaram as conclusões no site da universidade, mas ninguém as leu. Os analistas encartados, por seu lado, não previram nada.

A ordem no caosGladwell usa a distinção entre “que-

bra-cabeças” e “mistérios”. Os primei-ros são como puzzles a que faltam algumas peças. Os segundos são irre-solúveis porque há informação a mais. O caso Watergate era um quebra-ca-beças. Hoje, a maioria dos problemas são mistérios. A informação está toda disponível. Difícil é seleccioná-la e relacioná-la. “Woodward e Bernstein nunca teriam desvendado a história da Enron”, conclui Gladwell. O papel dos jornalistas hoje é outro. A infor-mação surge do relacionamento entre várias ideias ou factos já conheci-dos.

“Eu procuro histórias para dar vida às ideias”, explica o jornalista. “Sim, considero-me um jornalista”, acres-centa. “Penso num tópico, e trago-o para a discussão, que depois se desen-rola de formas que não tínhamos pre-

“Existe hoje um volume avassalador de informação. E um jornalista (...) tem de cruzar várias disciplinas, para produzir um discurso que seja útil. É uma função que há 50 anos não era necessária, nem possível. Os jornalistas são mais importantes e úteis no mundo moderno do que alguma vez foram”

As aventuras intelectuais de Malcom Gladwell

Malcom Gladwell não descobre nada que já não se saiba. Mas a maneira como relaciona ideias, teorias, personagens e histórias produz revelações surpreendentes sobre a vida quotidiana,

da pílula ao “ketchup”. Publicou-as na revista “New Yorker” e agora num livro, “O que o Cão Viu”, acabado de traduzir pela Dom Quixote. Paulo Moura

JER

RY

BA

UE

R

Page 13: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 13

Liv

ros

visto”. Os artigos incluem sempre histórias de pessoas, teorias científi-cas, “background” histórico, livros. “Sou um grande entusiasta do mundo académico”, explica Gladwell. “Tenho fascínio pelos professores, pelas pes-soas que investigam, que produzem ideias. Trato-os como personagens, como amigos. Parte do meu trabalho consiste em estar atento ao mundo académico e usá-lo para contar histó-rias. E talvez a sua especificidade es-teja aí: a combinação do ‘storytelling’ com o rigor académico”.

Mas nem todos, quer na comuni-dade jornalística quer na comunidade científica dos EUA, concordam com isto. Há quem critique Gladwell pela falta de rigor científico, ou até pelos seus intuitos manipuladores. “O que eu faço não é ciência”, sublinha ele ao Ípsilon. “Não me sinto parte do meio académico. Fazer ciência social requer níveis de rigor, treino e disci-plina que eu não tenho. Vejo-me antes como uma porta para a ciência. O meu cenário ideal é que alguém, por ler um artigo meu, vá depois ver os estudos originais”.

Alguns cientistas acham que é im-possível reduzir ideias complexas à simplicidade de um artigo de revista. Antes de escrever, Gladwell passa se-manas, ou meses, a ler sobre os assun-tos que vai tratar. Mas acredita que “para audiências mais vastas é preci-so fazer escolhas”: “A maior parte dos cientistas compreende isso. Eles sa-bem que o meu trabalho é diferente do deles. Eu posso brincar com as ideias, escolher o que me apetece es-crever, divertir-me. Não estou subme-tido à disciplina do mundo dos acadé-micos. O que eu peço aos cientistas é: dêem-nos teorias que possamos usar para dar sentido a isto ou àquilo”.

Há um novo pensamento interdis-ciplinar, que está a contagiar todo o mundo do conhecimento. “Econo-mistas usam ferramentas da psicolo-gia e da sociologia, e estão a escrever sobre isso. Todo esse cruzamento é muito positivo”. Mas os jornalistas, pensa Gladwell, podem ir ainda mais longe. “O seu papel é produzir um discurso com sentido. Trazer ordem ao caos”.

Ver crítica de livros págs. 42 e segs.

Gladwell não está propriamente interessado em tirarconclusões, o seu trabalho, diz, é levar os leitores a interessarem-se por ideias que à partida não lhes interessariam: “Sabe, algumas das ideias que achomais estimulantes são ideias com que não concordo”

Page 14: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

14 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Quanto mais não seja pelo valor pe-cuniário, 600 mil euros, a atribuição do prémio Planeta para romances originais é ano após ano, desde 1949, um acontecimento incontornável do meio editorial em Espanha.

À sua atribuição em meados de Ou-tubro segue-se uma “tournée” de promoção, quase a volta à Espanha, de meses. E é durante essas dezenas de apresentações e sessões de autó-grafos que os premiados medem a popularidade do que escreveram.

Ángeles Caso (Gijón, 1959), jorna-lista e escritora com quatro romances já publicados, foi quem levou para casa em 2009 esta taluda literária. A autora não estava nada convencida do interesse dos leitores por “Contra o vento”, a saga de uma família de mulheres de Cabo Verde que se fazem à vida na Europa e em particular em Espanha. Enganou-se. O romance vendeu 300 mil exemplares em nove meses.

Este ano a promoção do prémio Planeta estendeu-se a Portugal, onde Ángeles pode sentir mais de perto “a brisa dessa África que chega a Lis-boa.”

No início de “Contra o vento”, uma mulher deprimida vegeta no quarto do seu apartamento a contar os dias. Até que se fixa no movimento e nos ruídos da empregada nova, chegada há pouco de Cabo Verde, uma terra de que nunca ouvira falar: “Escutava-a a movimentar-se pela casa, esfre-gando os tachos e limpando energi-camente a casa de banho, sacudindo os almofadões do sofá e ocupando-se de alguma caçarola onde borbulha-vam os alimentos que, pouco a pou-co, comecei de novo a comer. Gosta-va de sentir que havia alguém em minha casa, uma mulher alegre que pisava o meu chão, que tocava nos móveis, que abria as torneiras e que acendia as luzes. Um corpo humano pulsando e cheio de vida no espaço da minha agonia” (p. 186).

Esta burguesa anónima de Madrid não é, não foi, a própria Ángeles Ca-so, garante-nos a escritora. Mas a cabo-verdiana São existe, trabalhou na sua casa com o vigor e a alegria que o romance descreve: “Quis dar, através da vida desta mulher, voz, visibilidade a este exército de formi-gas, mulheres anónimas que não co-nhecemos, e que muitas vezes nos recusamos a conhecer. Depositamos nas mãos destas mulheres as jóias da nossa família: os filhos e os pais ido-sos. Exigimos-lhes que sejam carinho-

Cabo Verde em Madrid

Apesar da globalização, África não desembarcou em Madrid com a intensidade com que o fez em Paris ou Lisboa. Por isso Ángeles Caso quis contar

as histórias por trás dos rostos das mulheres cabo-verdianas que trabalham em Espanha – é “Contra o vento”, Prémio Planeta 2009. Rui Lagartinho

MIG

UE

L M

AN

SO

Liv

ros

“Este romanceensinou-me a queixar-me menos.Cresci numa Europaque se foi fechando e deprimindo a olharpara o umbigo”

Ángeles Caso não teve de inventar uma protagonista: São é uma cabo-verdiana verdadeira, e trabalhou em casa da escritora com o vigor e a alegria que o romance descreve

sas com eles, que lhes dêem atenção a troco apenas de dinheiro. Não que-remos ver que estas pessoas também podem ter problemas. Só falamos delas quando há uma tragédia, quan-do são retratadas nos jornais, no seu dia-a-dia de humilhação. Tenho ami-gas que recusam qualquer proximi-dade, recusam saber da sua cultura, das suas vidas. Pura e simplesmente não se interessam.”

E a cor destas peles não ajuda. Ape-sar de a globalização tudo ter acele-rado, África não desembarcou em Madrid com a intensidade e a veloci-dade com que o fez nas ruas de Paris ou Lisboa. “Os negros no meu país, ainda hoje, quase não têm voz. Um negro em Espanha era uma coisa ra-ra há dez ou 15 anos. Um dia telefo-nou-me uma senhora que não quis alugar uma casa a uma negra porque não conhecia nenhuma e não sabia como lidar com ela. Tive de ser ava-lista dessa desgraçada.”

Janela escancaradaÁngeles Caso escreveu este romance não só pelo gosto da ficção, mas por-que quis deixar nas mãos dos largos milhares que compram um livro pre-miado, sobretudo mulheres, um ins-trumento que reflicta o incómodo e o paradoxo do mundo à nossa volta: “Este romance ensinou-me a ter mais consciência dos meus privilégios e a queixar-me menos. Sou privilegiada, porque vivi sempre numa sociedade que respeita, apesar de tudo, os di-reitos da mulher: cresci numa Europa que foi aprendendo a respeitar as vo-zes das mulheres. Mas que se foi fe-chando e deprimindo a olhar para o umbigo. Não quero ouvir mais histó-rias de mulheres cujo único drama na vida é terem de optar entre mudar de sofá ou pintar a casa porque o di-nheiro não chega para tudo. Quero que aprendam a escutar os outros. Em Espanha, para além do desinte-

resse pelas outras culturas, ainda há muito racismo latente. E temos de o combater.”

“Contra o vento” lê-se como quem escancara uma janela que depois já não quer fechar. Entra o sol, mas também brilha a lua. Há um vento que nos traz o arquipélago do Atlân-tico, de Carvoeiros em São Vicente, a ilha onde nasceu São: “O harma-tão, o vento que por vezes sopra vin-do de África, cairia furibundo e ar-dente sobre a aldeia e depositaria a sua carga letal de areia nas semen-

teiras e nas árvores de fruto, arra-sando tudo” (p. 56).

Daqui ainda se foge para a velha Europa. Como o fez São, carregando filhos e amores errantes até fazer es-cala em Madrid e viver hoje em Lis-boa, onde assistiu orgulhosa ao lan-çamento do livro onde a sua antiga patroa conta a sua história.

Ángeles Caso confessa-nos que não sentiu necessidade de viajar a Cabo Verde para melhor o descrever: “Es-tive lá através dos olhos e das palavras da São, a que se juntaram as histórias

das amigas delas. O Google ajudou-me a conhecer a paisagem sem sair de casa. O essencial nunca esteve no que eu pudesse descrever indo lá. Queria trabalhar Cabo Verde como matéria de sonhos, mas também de profunda tristeza que estas mulhe-res, árvores ambulantes de raízes profundas na busca de energia, transportam consigo para onde quer que vão.”

Energia que, pelo menos, curou a depressão de uma burguesa madri-lena.

Page 15: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Mais um grande motivo para visitar o Oceanário.

Anfíbios. Interessantes por natureza.Venha ao Oceanário de Lisboa e descubra estes fascinantes e frágeis animais, cada vez mais ameaçados.

AF_Anfibios Imp IPSILON 25.7x16.8.ai 1 7/15/10 2:41 PM

Page 16: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

16 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

O que separa Jack DeJohnette, que hoje abre o Jazz em Agosto em Lisboa num duo com John Surman, de dois dos super-bateristas da nova geração do jazz norte-americano, Nasheet Waits ou Eric Harland? Se pensarmos em termos de técnica instrumental, todos possuem um virtuosismo difícil de imaginar para o comum dos mor-tais. Em termos de versatilidade es-tilística, factor que é frequentemente apontado como um dos pontos fortes de DeJohnette, poder-se-á dizer, tan-to de Waits como de Harland, que estes já o ultrapassaram, em parte devido à necessidade que os músicos hoje têm de se desdobrar em múlti-plos projectos para conseguirem so-breviver. Criatividade e personalida-de? São músicos excepcionais, com um universo criativo totalmente pes-soal, e em permanente mutação.

O que faz, então, de DeJohnette uma lenda do jazz, cujo nome é re-conhecido por uma imensa minoria de pessoas em todo o mundo, en-quanto Waits e Harland, apesar de reconhecidos pela crítica e pelo pú-blico especializado como bateristas de topo, permanecem ilustres desco-nhecidos, mesmo junto daqueles que ouvem regularmente jazz? Haverá espaço, ainda, para assistirmos ao aparecimento de músicos com o pe-so e o impacto de um Duke Ellington ou de um John Coltrane, ou terão es-ses tempos de disponibilidade para a lenda acabado definitivamente?

Tempos difíceis“Os tempos eram outros”, explica

DeJohnette em entrevista ao Ípsilon. “Tempos mais lentos, tudo acontecia com outra intensidade. Agora tudo é mais rápido e difícil. Mas ainda exis-tem ícones no jazz. Se lhes dermos tempo, eles acabarão por aparecer. Tenho um saxofonista novo na minha banda, o Rudresh Mahanthappa, que poderá vir a ser um deles. Mas há muitos mais: Christian McBride,

Joshua Re-dman... músicos que já não têm

20 anos e tenderão a tornar-se nomes incontornáveis da história do jazz”.

Tempos diferentes, continua: era uma época específica, em termos sócio-económicos, e de relação entre a oferta e a procura. “O principal pro-blema é que existem mais músicos do que lugares para tocar. Isso faz com que haja milhares de músicos tecnicamente bem treinados, mas que não têm a experiência de palco necessária. Tocar com público, apren-der como enfrentá-lo, como trabalhá-lo, esse é um passo fundamental.”

É uma análise consensual, que tan-to encontramos em DeJohnette como num movimentado “chat” sobre jazz: “Esta música é hoje ensinada em uni-versidades, até ao nível do mestrado, produzindo centenas de músicos tec-nicamente competentes, prontos a gravar para uma das dezenas de edi-toras jazz que se multiplicam por to-do o mundo. O que não existe agora é uma ‘universidade’ que os leve pa-ra a rua, para tocarem ao vivo em bandas de outros músicos, ao longo de meses, ou mesmo anos, com es-tadias prolongadas em clubes como eram o Five Spot ou o Village Van-

guard, por forma a definirem a sua personalidade musi-cal. E trata-se apenas disso – perso-nalidade é o que falta no processo actual. O que não quer dizer que, com o tempo e com novas evoluções, esta realidade não venha a produzir resultados e músicos igualmente in-teressantes. Apenas diferentes, tal-vez.”

Enfrentando dificuldades comple-xas que não passam apenas pelo nú-mero de locais para tocar, o jazz ac-tual atravessa, paradoxalmente, um momento de particular dinâmica, dando origem a música de uma cria-tividade e diversidade extremas que, observada de perto, constitui um pa-norama bem mais rico do que o dos anos 60 e 70. Mas porquê, então, tan-tas dificuldades e a sensação de que se perdeu alguma da “magia”?

“O clima musical é agora muito complicado, é muito duro para os músicos. Mesmo músicos conhecidos têm de fazer muitas coisas diferentes, não apenas tocar. Hoje tem de se ser de alguma forma empresário, pro-mover a música, colocá-la na Inter-net, ter MySpace, Facebook, utilizar ferramentas de marketing, fazer ‘multi-tasking’ para conseguir ven-cer”, argumenta DeJohnette. “As di-

“O clima musical é muito duro para os músicos. Hoje tem de se ser de alguma forma empresário, promover a música, colocá-la na Internet, ter MySpace, Facebook. As dificuldades das editoras e os ‘downloads’ grátis tornaram mais difícil a um músico sobreviver. Grande parte das vezes os músicos têm de pagar para editar. Isto era impensável no meu tempo”

Um gigante da baterJack DeJohnette é um dos últimos grandes ícones da bateria jazz,

com um percurso que se confunde com a história do género (esteve no Standards Trio de Keith Jarrett, gravou “Bitches Brew” com Miles Davis). Antes do concerto desta noite

em Lisboa, com John Surman, falou ao Ípsilon sobre este tempo e o outro, fulminante, em que o jazz era o futuro, agora. Rodrigo Amado

sica

16 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Page 17: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 17

Miles Davis, Keith Jarrett, Charles Lloyd, Herbie Hancock, Ornette Coleman, Wadada Leo Smith: ele, Jack DeJohnette, gravou com todos

ficuldades das editoras, os ‘downloads’ grátis e o fácil acesso a todo o tipo de músi-

ca tornaram hoje mais difícil a um músico sobreviver. Grande parte das vezes os músicos têm de pagar para editar. Isto era im-pensável no meu tempo”, conti-

nua.

Do piano à bateriaJack DeJohnette é claramente um músico que soube adaptar-se aos ventos de mudança. E a primei-ra grande mudança que enfren-tou, ainda jovem, foi quando decidiu trocar o estudo do pia-no pela bateria: “Foi uma mu-dança natural. Eu tocava piano num trio que ensaiava na cave de minha casa. Como o bateris-ta deixava frequentemente a bateria na sala de ensaios, co-mecei a experimentar e a tocar com discos. Algum tempo de-pois já tocava os dois instru-mentos. Foi o Eddie Harris [saxofonista] que me aconse-lhou a tocar apenas bateria. A experiência com o piano acabou por me dar uma pers-pectiva diferente da bateria, mais orquestral.”

DeJohnette iniciou aí, nessa sala de ensaios, um percurso que iria afirmá-lo como um baterista com um estilo único, baseado no detalhe e num ex-cepcional rigor com o som de

cada peça da bateria, algo raro na altura, pelo menos para um

músico de jazz. Com a bateria afi-nada como se de um outro instru-mento se tratasse, em intervalos bem definidos, DeJohnette come-çou a ouvir acordes em cada pra-to ou tambor, e a desenvolver uma sonoridade própria, diferen-te dos outros bateristas. Após um período de participações ocasio-

nais em grupos como os de John Col-trane ou Jackie McLean, e ainda sob forte influência do pianista Ahmad Jamal e do seu baterista, Vernell Four-nier, surgiu a oportunidade que iria mudar a sua vida ao integrar o quar-teto do saxofonista Charles Lloyd nu-ma formação que iria ficar para a história do jazz e que integrava o ain-da jovem pianista Keith Jarrett e o contrabaixista Cecil McBee. O grupo, que actuaria em 1966 em dois con-certos históricos no Clube Luisiana, em Cascais, ficou conhecido por to-car para grandes audiências rock, ao lado de nomes como Jefferson Air-plane, Cream ou Janis Joplin.

Quando lhe perguntamos qual das suas vindas a Portugal recorda me-lhor ( já foram algumas, com diversos grupos), DeJohnette regressa de ime-diato ao Luisiana: “Lembro-me bem de uma noite, há muitos anos, com o quarteto de Charles Lloyd. Foi um concerto incrível.” Numa crítica, pa-ra o “Diário Popular”, Luiz Villas-Boas escreveria então: “O público, céptico durante os primeiros trechos e surpreendido pelas suas incursões no free jazz e nos happenings musi-cais, acabou conquistado por Charles Lloyd e pelos seus três músicos.” Con-tinua DeJohnette: “Lembro-me tam-bém de um concerto especial com o Golden Quartet do Wadada Leo Smi-th e de alguns concertos com os meus próprios grupos, claro.”

O fulminante MilesA estadia no quarteto de Charles

Lloyd, embora de grande rendimento, acabaria por durar apenas dois anos e, por esta altura, já um outro músico andava atento aos novos sons da ba-teria de DeJohnette – Miles Davis. “Du-rante todo esse tempo toquei com muitos músicos, para além de Lloyd. O Miles ouviu-me tocar com o Jackie McLean e começou a aparecer nos concertos. Um dia, o Tony Williams não podia tocar e o Miles chamou-

ria no Jazz em Agosto

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 17

Page 18: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

18 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

me. Era uma banda em que esta-vam o Wayne Shorter, o Herbie Han-cock e o Ron Carter, ainda antes do ‘Bitches Brew’. A estadia com o Miles foi incrível: a forma como ele pensava sobre música, o rigor e intensidade, a dedicação absoluta à música e aos músicos que tocavam com ele, a for-ma como nos respeitava.”

A América, recordou ele à revista “Modern Drummer”, estava prepa-rada para o incrível Miles. “Tive mui-ta sorte em estar presente no período de transição do ‘In a Silent Way’ para o som funk/acid jazz da banda de Mi-les. As influências que recebíamos eram imensas, dos Beatles ao Jimi Hendrix ou aos Cream. Fizemos al-guns espectáculos conjuntos com os Sly & Family Stone, o que foi bom para o Miles pois ele queria alcançar esse tipo de público. O público do jazz continuava a pedir-lhe o ‘My funny Valentine’ e os ‘standards’ an-tigos. Parecia-me na altura que a América estava pronta para algo mais livre e criativo. As editoras tomavam conta dos seus artistas e não lhes exi-giam ‘hits’ ao fim de seis semanas. Percebiam que um músico pode pre-cisar de fazer três ou quatro discos antes de conseguir transmitir aquilo que quer dizer.”

Perguntamos-lhe, a propósito de uma belíssima gravação em duo com Bill Frisell, “The Elephant Sleeps But Still Remembers” (2006), com um som contemporâneo próximo de uma sensibilidade rock alternativo, se esse álbum ainda foi influenciado por esse período ou por coisas novas que ande agora a ouvir. DeJohnette:

“Ultimamente ouço principalmente a minha própria música, por neces-sidade. Estou a produzir o meu pró-ximo álbum e a tarefa de escolher as músicas consome muito tempo. Exis-te tanta música nova a ser editada! Tenho a casa cheia de discos, discos que me dão ou que pedem para eu ouvir. O meu dia não tem tempo su-ficiente para que consiga fazer tudo isso e ainda tocar e praticar”. Esse, sublinha, é outro dos problemas de hoje: “As pessoas estão sempre a ou-vir música, em todo o lado, todo o tipo de música, 24 horas por dia. Isso tira muito do impacto dos concertos. Antigamente, num concerto, havia toda aquela excitação do desconhe-cido, do que iria acontecer. Mesmo que o grupo já tivesse discos grava-dos, ao vivo era provável já estarem noutra fase”. Os concertos de Miles Davis eram assim, fulminantes: “As pessoas eram literalmente fulmina-das pela música, por aquele som que nunca tinham ouvido na vida. A ve-locidade com que as coisas eram da-das a conhecer era outra. Permitia entrar mais fundo na música de um determinado disco, ouvi-lo vezes sem conta. Hoje, já não interessam os ál-buns e alguns dos miúdos não ouvem o mesmo disco duas vezes.”

Depois de Miles, seguiu-se um pe-ríodo em que DeJohnette actou sobre-tudo como líder dos seus próprios grupos, encetando uma colaboração duradora com a editora germânica ECM. São dessa altura os obrigatórios “Gateway”, “New Directions” (injus-tamente subavaliado), “Special Edi-tion” ou “Album, Album”, este último

já a anunciar uma nova mudança no som do baterista. Segue-se então uma fase de maturidade absoluta para De-Johnette no conceituado Standards Trio de Keith Jarrett, com o contrabai-xista Gary Peacock, projecto que con-tinua a gravar até hoje, mais de 20 anos depois, constituindo uma refe-rência absoluta para o trio de piano jazz. Da sua discografia, avassaladora, ficam para a história, além dos já ci-tados, clássicos como “Forest Flower” (Lloyd), “Jack Johnson” e “Live Evil” (Miles), “Demon’s Dance” (McLean), “Blow Up” (Hancock), “Power To The People” ( Joe Henderson), “Infinite Search” (Miroslav Vitous), “Timeless” ( John Abercrombie), “Gnu High” e “Double-Double You” (Kenny Whee-ler), “In Pas(s)ing” (Mick Goodrick), “Song X” (Pat Metheny / Ornette Co-leman), “Michael Brecker” (Brecker), “Triplicate” (Dave Holland), “Ameri-ca” (Wadada Leo Smith), e ainda “Bye, Bye Blackbird” e “Tribute”, entre mui-tos dos álbuns gravados com o Stan-dards Trio de Jarrett.

Laços de famíliaA lista de grandes músicos com que DeJohnette tocou ao longo da carrei-ra nunca parou de crescer, propor-cionando ainda o encontro com uma figura maior do jazz europeu, John Surman, músico com quem irá par-tilhar o palco hoje, naquele que é um dos concertos mais aguardados do festival Jazz em Agosto. Conheceram-se no final dos anos 60, tendo poste-riormente gravado em duo “The Amazing Adventures of Simon, Si-mon” (1981), álbum inclassificável

que dividiu opiniões entre os fãs de Surman. Foram depois necessários mais 20 anos para que editassem de novo juntos “Invisible Nature” (2002), registo atmosférico, gravado ao vivo, com um equilibrio notável entre elementos acústicos e electró-nicos. Quando lhe perguntamos por-quê 20 anos sem gravar, uma vez que têm colaborado frequentemente nes-ta última década, a resposta de De-Johnette surpreende: “O John é casa-do com a minha filha mais nova, daí esta frequência das colaborações re-centes. Antes, estávamos ambos mui-to ocupados e nunca surgiu a oca-sião.” O concerto desta noite, ante-cipa, será o equilíbrio habitual entre o material dos discos e a improvisa-ção: “Vamos fazer o que habitual-mente fazemos, improvisar. Alguns dos sons serão próximos dos discos anteriores, outros serão novos, sem-pre totalmente improvisados.

Dividindo-se entre o trio que par-tilha com Danilo Perez e John Pati-tucci, as gravações a solo com músi-ca para meditação e relaxamento com as quais conquistou um Grammy (“Peace Time”), e a produção do seu próximo álbum com digressão euro-peia marcada para Maio do próximo ano, num projecto que integra os mú-sicos Rudresh Mahanthappa, Dave Fiuczinski, George Colligan e Jerome Harris, Jack DeJohnette procura tran-quilamente contrariar a velocidade vertiginosa a que vive hoje a música no nosso planeta.

Ver agenda de concertos pág. 37 e se-gs.

“Um dia, o Miles chamou-me (...). A estadia com ele foi incrível: a forma como ele pensava sobre música, o rigor e a intensidade, a dedicação absoluta aos músicos que tocavam com ele (...). As pessoas eram literalmente fulminadas pela música [dele], por aquele som que nunca tinham ouvido na vida”

Jack DeJohnette

começou no piano: isso

tornou a maneira como

toca bateria mais

orquestral, reconhece

18 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Page 19: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

�������������

�� �������

������������������

sérieípsilon IIA pedido de vários amantes da sétima arte,apresentamos mais 8 fi lmes premiados.Agora sim, a melhor colecção de fi lmes premiadosestá completa.

TODAS AS SEXTAS CINEMA PREMIADOPOR APENAS MAIS €1,95

COM O PÚBLICO.

2 JulhoCaramel

de NadineLabaki

9 JulhoFeliz Natal

de Christian Carion

16 JulhoShattered Glass

Verdade ou Mentira

de Billy Ray

30 JulhoA Outra Margem

de Luís Filipe Rocha

6 AgostoOs Sonhadores

de BernardoBertolucci

13 AgostoZatoichi

de Takeshi Kitano

20 AgostoUma Pequena

Vingançade Jacob Aaron

Estes

23 JulhoL.I.E. Sem Saída

de MichaelCuesta

Col

ecçã

o 8

DV

D. I

níc

io: 2

/07/

2010

• F

im: 2

0/0

8/20

10 •

Pre

ço p

or D

VD

€1,9

5 •

Pre

ço T

otal

: €7,

80. P

rom

oção

lim

itad

a ao

sto

ck e

xist

ente

.

DIRECTED BY FRANCO DRAGONE

13 A 24 DE OUTUBROPAVILHÃO ATLÂNTICO

UM ESPECTÁCULO INTIMISTA

MEDIA PARTNERSOFFICIAL SPONSORS

cirquedusoleil.com

Phot

o:A

lSei

b C

ostu

me:

Dom

iniq

ueLe

mie

ux ©

2007

Cirq

uedu

Sole

ilSaltimbanco

andCirque

duSoleil

are

trad

emar

ksow

ned

byCi

rque

duSo

leil

and

used

unde

rlic

ense

.

18 NOVEMBRO PAV. ATLÂNTICO

LEONARDCOHEN10 SET | PAV. ATLÂNTICOWORLD TOUR 2010

UM MUNDO DE ESPECTÁCULOS A PENSAR EM SI!UM MUNDO DE ESPECTÁCULOS A PENSAR EM SI!

BILHETES: FNAC, WORTEN, CTT, EL CORTE INGLÉS, MEDIA MARKT, AGÊNCIA ABEP,SALAS DE ESPECTÁCULOS, TICKETLINE 707 234 234 | WWW.TICKETLINE.PT | M/6

12 SET PAV. ATLÂNTICO14 SET PAV. ROSA MOTA12 SET PAV. ATLÂNTICO

14 SET PAV. ROSA MOTA

6 OUTUBROPAV. ATLÂNTICO

Page 20: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

20 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

A world music explicaUm novo livro de iniciação à world music está prestes a sair. O Ípsilon foi ao Festival de Músicas

é só uma etiqueta comercial: tem “mistérios e maravilhas” e mudou a música toda, rock incluído. U

MIG

UE

L M

AD

EIR

A

N’diale O surpreendente encontro de um quarteto bretão com um trio do Mali: músicas que nada têm a ver cruzadas de forma orgânica, natural

FMM de Sines Há aqui um “público honesto”, que vem mesmo para ouvir música

Page 21: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 21

cada ao mundo, desde Siness do Mundo de Sines conversar com o autor. Para ele, a world music não . Um mundo em visita guiada, com António Pires à frente. Pedro Boléo

David Byrne escreveu em 1999 um artigo no “New York Times” que ficou famoso: “I hate world music” [“detes-to a world music”]. O ex-Talking He-ads acusava o termo de ser “uma eti-queta para tudo que não é cantado em inglês ou não encaixa no universo pop anglo-ocidental este ano”. Mas será a designação “música do mundo” apenas uma maneira de encaixar mú-sicas no caixote do “exótico, engraça-dinho, seguro”, como Byrne então apontava?

António Pires, jornalista de música com larga experiência e DJ que põe o “mundo” nos pratos, reconhece que a etiqueta world music foi inventada para fins comerciais em meados dos anos 80, mas não pensa que o termo seja tão pernicioso: “É verdade que o termo foi inventado para responder a uma dificuldade de encaixar os dis-cos nas lojas, mas acho que cumpre a sua função”. Prefere não se deter muito na discussão da “etiqueta” e ver antes a world como uma forma de viajar por muitas músicas diferen-tes.

Pires trabalhou 20 anos para o “Blitz”, e escreveu também para o “Se7e”, o “Expresso”, “A Capital”, e revistas com a “Face”, entre outras. Actualmente, colabora com a “Time Out”, a “HD” e o “i”. “Andei 20 anos a escrever sobre pop-rock e alguns desvios”, conta. A certa altura, um grupo que misturava punk e música tradicional irlandesa levou-o para ou-tros caminhos: “Os Pogues ‘bateram’

de forma especial, e levaram-me a ir à procura do resto”. E “o resto” levou-o à procura de “raízes” musicais vá-rias. O Festival Intercéltico do Porto foi das suas primeiras paragens. E, depois disso, começou a acompanhar outros festivais com outras músicas: o Festival Músicas do Mundo em Si-nes, pois claro, praticamente desde o seu início, em 1999, mas também o Sons em Trânsito, o Andanças, o Et-nias ou o MED de Loulé.

“Estar imerso na world music não impede que goste de rock. Mas no ro-ck sinto que estou a ouvir coisas do passado, mesmo em grupos de que gosto, como os Arcade Fire”, sublinha António Pires. Saturou-se do rock, coisa que não acontece com o univer-so “infindável” da “música do mun-do”. “Mesmo a renovação do rock está a ser feita à custa da world mu-sic”, diz o autor de “Raízes e Ante-nas”, a quem interessam as contami-nações que se fazem na world music. Também é disso que fala no livro que lançou em Sines.

Uma porta de entradaO livro “Raízes e Antenas (mistérios e maravilhas da world music)” tenta mostrar os cruzamentos que foram acontecendo entre músicas aparen-temente longínquas. António Pires explica-nos como surgiu a ideia, há quatro anos, depois de ficar desem-pregado: “Decidi criar um blogue so-bre world music. Além de falar da actualidade, fui recuperar uma série

de nomes mais antigos e chamei-lhe Cromos, Raízes e Antenas. Em 2 anos já eram 200 nomes, incluindo ban-das, editoras, filmes, instrumentos, etc.” Entretanto surgiu a ideia de “transformar a coisa em livro”, graças a Vasco Sacramento, da Sons em Trânsito (responsável pelo festival de Aveiro com esse nome), à disponibi-lidade mostrada pela editora Media XXI, de Manuel Fernandes Vicente, e ao apoio de Carlos Seixas, director de produção do Festival Músicas do Mun-do de Sines, que apoia a edição. Esta-vam lançados os dados.

O livro fazia sentido, porque as “en-tradas” compunham um “corpus só-lido” e porque, argumenta Pires, fazia sentido haver um livro assim, uma espécie de “introdução à world mu-sic”. O critério para a escolha de no-mes foi sobretudo o gosto do autor, embora o livro inclua algumas bandas que Pires actualmente não considera interessantes, mas que tiveram um papel importante há alguns anos, co-mo os Clannad, por exemplo. António Pires diz que “Raízes e Antenas” pode “ser lido de várias maneiras”. A orga-nização por ordem alfabética permi-te descobrir o que se quer, mas tam-bém saltar. Não é necessariamente um livro para se ler de uma ponta à outra, mas pode-se fazer através dele um percurso, uma viagem, passando por nomes tão diferentes como o mu-sicólogo Alan Lomax, o projecto Aduf ou Ali Farka Touré, se quisermos ficar só pela letra A. Mas encontramos tam-

bém Giacometti, Woody Guthrie, os Pogues, os Ojos de Brujo, Peter Ga-briel ou as Zap Mamma. De Amália a Zúlia, da “Antology of American Folk Music” aos Zydepunks. “O livro inclui bandas de sucesso e outros incontor-náveis, mas eu contrabalanço com coisas praticamente desconhecidas como os Zydepunks. E, no eclectismo, a escolha acaba por ser coerente”, diz o autor.

Apesar do volumoso número de nomes incluídos (e que darão para pelo menos mais um volume), “Raízes e Antenas” “não é enciclopédico”: “Gostava que servisse de introdução para muita gente que não conhece [o género] e que fosse uma boa base de trabalho e de pesquisa.” Pires quer que o livro desperte curiosidades, ainda que se destine também a co-nhecedores: “Quem já domina a world music também tem nomes pa-ra descobrir, menos conhecidos”.

Esta introdução à world music tem um lado “muito visual”, pois acom-panham cada entrada fotografias que António Pires considera “muito im-portantes”. O trabalho gráfico é do seu colega DJ Rodrigo Madeira. Os dois formam, nas horas vagas, o Clu-be Conguito, que anima festas preci-samente com cruzamentos entre mú-sicas tradicionais (das “Raízes” locais) e influências exteriores, aquilo que se apanha pelas “Antenas”. O DJ An-tónio Pires apresenta-se assim no seu MySpace: “António Pires, DJ de World Music - Músicas de raiz tradicional embora ‘contaminadas’ por novas linguagens musicais (o rock, a elec-trónica, o ska, o funk...) e nelas ha-vendo também lugar para músicas ‘das margens’ como o kuduro ango-lano, o reggaeton, o baile funk brasi-leiro ou o kwaito sul-africano, numa longa viagem musical com... raízes e antenas.”

Sines, um amor absolutoEm Sines, António Pires segue o Fes-tival Músicas do Mundo com atenção. Na apresentação do livro no Centro de Artes, fechou a sessão apelando ao público presente: “Vão ver os con-certos!” É um entusiasta, não um es-pecialista, da música; anda sempre à procura de coisas novas. E, mais uma vez, quando voltámos a falar em Si-nes, ele estava na expectativa de “coi-sas fantásticas”. “Uma coisa lindíssi-ma que tem o festival é que sempre me surpreendeu”, diz.

Dos concertos dos primeiros dias, elogiou especialmente a “voz fabulo-sa” de Yasmin Levy, enquanto nos falava dos contágios que especialmen-te o interessam - neste caso uma can-tora israelita que procurou a tradição

sefardita do canto em ladino e o cruzou com o flamen-

Barbez Estão na lista dos melhores de sempre em Sines para António Pires, juntamente com os Moriarty (2008) e os Enfance Rouge (2009)

“No rock sinto que estou a ouvir coisas do passado, mesmo em grupos de que gosto, como os Arcade Fire. Mesmo a renovação do rock está a ser feita à custa da world music”António Pires

os ficaros tam-

sefardita de o cruzou

sica

Os Pogues levaram António Pires do rock ao Intercéltico do Porto, e daí às músicas do mundo

Page 22: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

22 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

co, “que associamos aos ciganos, mas que na verdade surge de um cru-zamento das culturas muçulmana, judaica e cigana”. Outro encontro surpreendente do festival de Sines foi, para António Pires, o concerto dos N’Diale, que juntou um quarteto bre-tão com um trio do Mali. É curioso que “músicas que aparentemente não têm nada a ver consigam cruzar-se de uma forma orgânica, verdadeira, na-tural”, nota. Neste caso não se fun-dindo, “mas mantendo espaço para as duas.”

Dá-nos muitos exemplos dos cru-zamentos inesperados que fazem o Festival de Sines, que fazem o seu li-vro. Passamos pelos Chieftains a tocar com orquestra de música clássica chi-nesa. Mais tarde, falamos do fadista Ricardo Ribeiro fundindo-se com o alaudista libanês Rabih Abou-Khalil, um exemplo que António Pires con-sidera feliz.

O autor de Raízes e Antenas diz ter uma paixão e um amor absoluto pelo festival.

Gosta de Sines também por causa dos amigos que lá tem. E considera que há no Festival Músicas do Mundo “um público honesto” que vem para ouvir música.

O melhor de Sines, insiste, é a pro-gramação. “São dezenas e dezenas as bandas que já cá vieram. É uma micro enciclopédia mas ao vivo.” E refere alguns nomes que mais o marcaram, nos últimos anos: “Os Moriarty [2008] Os Enfance Rouge [2009], os Barbez deste ano”.

António Pires diz que o festival é também um exemplo de vigor da mú-sica ao vivo: “E mostra que a crise da indústria discográfica pode ser con-trabalançada pelo vigor da música ao vivo.” A crise do disco sente-se tam-bém na world: “Está a alastrar para o circuito editorial da world. Vê-se nes-te fazer de colectâneas. Agora vão remasterizar discos de vinil arranja-dos em lojas de Kinshasa, Nairobi ou Joanesburgo.”

Gato por lebreDe qualquer maneira, para ele a world continua, apesar de tudo, a refrescar a música popular. Mas também se vende “gato por lebre”, que é para este jornalista “freelancer” o pior da “música do mundo”. O que ele mais detesta na world é “fingir que se é genuíno não sendo”. E reconhece que é preciso separar o trigo do joio. Há quem vem buscar pessoas sem ver-dadeiro talento para os usar como objectos e depois os deixar de novo

na pobreza. “Isso é usar artistas como coisas descartáveis. E faz-se tanto com portugueses como com africanos ou sul-americanos”.

António Pires tem razões para não gostar da palavra especialista. Ele pró-prio cruza várias actividades: fez rá-dio, teatro, cinema, é jornalista, “blo-gger”, DJ, professor em escolas de artes, etc. E agora tem este livro pron-to a sair, que é ele mesmo um guia simples de iniciação à world music ou uma forma prática de fazer novas descobertas. Numa perspectiva aber-ta e divulgadora, “Raízes e Antenas” mostra, à sua maneira, a vitalidade das chamadas “músicas do mun-do”.

Nem tudo será colonialismo e en-gavetamento comercial na “world”, como denunciava em 1999 David Byr-ne. A discussão continuará. Mas, en-tretanto, o termo banalizou-se. A po-lémica sobre a etiqueta “world” di-luiu-se. Os festivais multiplicaram-se, e os discos também, apesar das crises discográficas. Houve outros achamen-tos e cruzamentos, novas fusões, no-vas identidades, e muitas trocas mu-sicais. E há novas gavetas comerciais, mas também novas barreiras a que-brar, suspeitamos que por aí fora. Das raízes locais às antenas globais.

MIG

UE

L M

AD

EIR

A

Descoberta António Pires tem um amor absoluto pelo espírito de Sines: “Uma coisa lindíssima que o festival tem é que sempre me surpreendeu”

Yasmin Levy Uma israelita entre a tradição sefardita do canto em ladino e o flamenco

“[Sines] é uma micro enciclopédia mas ao vivo. E mostra que a crise da indústria discográfica pode ser contrabalançada pelo vigor da música ao vivo”António Pires

Page 23: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

����������� ������������������ ������������������������������������� ��������������!�!����"����#�$%���!�&��'��(���"����)�*�����&��+��*

,����"���&���*�����-�����./��������*���&����%0��1��������2�3���������,4�)���-����.�555���������//��%*

����������� �� ���� ������������������� �� �� ���������������� ����!

6�*�������/��&�7��������//��������.(��8��&��9�"��)���%.9������%(���*����:,��%���*��%��%�;��*<��&$����"������.��%*��*��&��<��������*������<��(����<����������%��������&��,��&��&���(�&��*��&���

-����*�*��*�/�=�����&���/�=���/�%������<�����(��<��%���,��������(�&��

�������������� ������ ��������

Page 24: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

24 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Em 1987 a Orchestra Baobab desapareceu, em 1989 começou a ressuscitar: “Era importante para nós fazer música que sobrevivesse à passagem do tempo. É por isso que ainda estamos aqui, hoje”

É Junho e estamos em Loulé, nos bas-tidores do palco principal do Festival Med, montado sob o olhar da Igreja Matriz. Os músicos fazem tempo en-quanto não chega a hora do concerto. Um baterista faz o aquecimento batu-cando as baquetas nas pernas. Um saxofonista entrega-se a um último ensaio, assegurando que tudo está em condições. Perante o olhar dos jorna-listas que esperam uma entrevista, dos promotores de imprensa e pesso-al da organização do festival, um outro apertará os braços sobre o corpo e, no calor de uma noite de Verão algar-via, lançará em inglês, com um sorri-so: “Tanto frio, demasiado frio”. Aponta para o céu, como se a lua tão alva fosse prova do clima “gélido”: “No meu país, nunca sinto este frio”. O homem que aponta para o céu chama-se Rudy Gomis e é um dos vocalistas

da Orchestra Baobab, banda histórica do Senegal que foi nos anos 70 a mais importante e popular do país (e, pro-vavelmente, da África Ocidental). Go-mis nasceu na província de Casaman-sa, no sul do Senegal, mas a sua ascen-dência é guineense. Guiné-Bissau: pouco depois, ouvimo-lo cantar no concerto em crioulo português. Ve-mos também o saxofonista Issa Cis-sokho, descendente de famílias griot do Mali (os griot são os portadores da tradição poética e musical, e também os comentadores musicais da actuali-dade). E seguimos os movimentos de Barthélemy Attiso, chefe de orquestra e guitarrista extraordinário, togolês que na década de 60 viajou até Dacar, a capital senegalesa, para frequentar o curso de Direito. Próximo dele, o homem que lhe serve de contraponto, o guitarrista ritmo Lafti Benjeloum.

“Eu próprio não sou de Dacar, sou de Saint-Louis, no norte do Senegal. E se investigarmos mais fundo, posso até dizer que não originário do Sene-gal, porque os meus pais são marro-quinos”. É Lafti que fala ao Ípsilon, pouco antes de a Orchestra Baobab dar um magnífico concerto, o melhor de todo o festival Med. É ele que nos guia pela história de uma banda que nasceu como reunião dos melhores músicos que Dacar tinha para ofere-cer, representando uma identidade pan-africana nascida sob a influência da Negritude de Léopold Senghor. Hoje, 40 anos depois da fundação, a Orchestra Baobab mantém a sua for-mação praticamente inalterada (“um bom músico é sempre difícil de en-contrar e não temos tempo para lutas e discussões”, dir-nos-á Lefti) e a sua música é ainda fiel à descoberta cris-

talizada na década de 70. Lafti Benje-loum: “Adorava Jimi Hendrix, os Cre-am ou os Beatles. Adorava Ray Char-les e Umm Kulthoum, uma cantora árebe [egípcia] fantástica. Mas ne-nhum deles era realmente eu. Tinha a sensação de que, se alguma vez con-seguíssemos conjugar todas as nossas influências, as nossas raízes, teríamos a nossa música, não a música deles feita por nós.”

A questão da identidade é impor-tantíssima em todo o discurso de Ben-jeloum. Num determinado momento, explodirá: “Ouça, a África nunca foi respeitada. A forma como as pessoas pensam África é completamente in-fluenciada pelas imagens que vêem na televisão. Tentem vir a África. O que é uma pessoa pobre? Um pobre é alguém a tentar viver exactamente da forma que os detentores do dinhei-

Nasceu quando os melhores músicos de Dacar se reuniram para tocar num clube selecto, mcolonialismo europeu. Hoje, 40 anos depois, ainda é um tesouro africano.O Ípsilon falou com o g

A Orchestra BaoÁfrica em

YO

UR

I L

EN

QU

ET

TE

Page 25: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 25

ro querem que viva. Se te mantiveres fiel ao que és, com consciência das tuas raízes, não serás pobre. Serás rico”.

A Orchestra Baobab escavou até encontrar a sua riqueza. O resultado foi tão brilhante que, até hoje, não houve necessidade de mudar o que quer que fosse.

O mundo que é Dacar O baobab (baobá ou embondeiro, em português), árvore de grande porte que pode atingir 25 metros de altura e dez de diâmetro e cuja longevidade chega a ultrapassar um milénio, é o símbolo do Senegal. Em 1970, quan-do um conjunto de jovens políticos e empresários do Senegal, independen-te da França há dez anos, decidiu abrir um clube moderno e sofisticado que reflectisse o novo rumo do país, chamou-lhe Baobab. Clube Baobab.

No primeiro andar, a sala de refei-ções. Abaixo, o clube propriamente dito, com música tocada ao vivo todas as noites, um bar de dimensões con-sideráveis construído, precisamente, em forma de embondeiro. O seu pro-prietário principal era Adrien Sen-ghor, ministro da Agricultura e irmão mais novo do primeiro Presidente do Senegal independente, Léopold Sédar Senghor, intelectual africano e teóri-co da Negritude. Adrien, que fundara um clube onde receberia políticos, artistas e homens de negócios dos países africanos circundantes e do Ocidente, ambicionava a excelência. Por isso, os músicos que ali tocariam

teriam de ser os melhores. Mais do que isso, teriam de representar o me-lhor de África na sua diversidade. “Dacar é um grande porto, o ponto mais ocidental de África, e tem gente vinda de todo o mundo. De certa for-ma, é o mundo num pequeno espa-ço”, descreve Lafty Benjeloum. A Orchestra Baobab foi a banda que en-controu a forma perfeita de represen-tar esse caldo cultural. As suas origens remontam a outra banda histórica, a Star Band – era a mais importante da cidade e dela saíram vários músicos para formar a Baobab.

Lafty fala-nos de uma banda forma-da por jovens músicos que encontra-ram o cenário perfeito para que as suas ideias frutificassem. Um grupo procurando afirmar uma identidade. Contextualiza, recorrendo à sua pró-pria experiência: “Vens de Marrocos e os teus pais falam árabe, mas os teus amigos são senegaleses e falam wolof [a língua franca do país]. Depois, vais para a escola, onde falas francês e aprendes inglês”.

Na banda, que reunia malianos, senegaleses, togoleses, filhos de mar-roquinos ou guineenses, o resultado foi música que cruzava várias línguas e que fundia harmoniosamente o hi-ghlife ganês e nigeriano, as melodias wolof e as baladas da Guiné, os ritmos luxuriantes, incessantes, da região de Casamansa, e, ingrediente funda-mental, o “son” cubano que era à época a grande sensação em Dacar. Na banda, que homenageou em can-ção o herói revolucionário Amílcar

Cabral (“Cabral”) ou o músico Ibrahim Ferrer (“Hommage à Tonton Ferrer”), mesmo a decisiva influência cubana era uma busca identitária: “Levaram os nossos ritmos [para as Caraíbas] e puseram-lhe harmonias clássicas espanholas por cima. Nós decidimos recuperar esses ritmos e enquadrá-lo nas nossas linguagens clássicas”.

Ouvindo Lefty tocar nos Baobab, onde o requebro caribenho ganha, pela repetição, pela dinâmica ondu-lante, traços de hipnose magrebina, percebemos perfeitamente o que am-bicionava.

Queda e renascimentoTocando quase diariamente no Clube Baobab para um público selecto, tor-naram-se primeiro a banda mais fala-da da capital. Depois, extravasaram. “Todos os três meses saíamos em di-gressão durante 15 dias, parte de um plano de cooperação entre o Senegal e vários países africanos que tinha por objectivo levar a música moderna se-negalesa a outras nações”. No final da década de 70, esgotavam estádios em todo o continente e mantinham uma edição regular de álbuns – editaram cerca de 20 entre 1970 e 1985. Em 1979, o Clube Baobab encerrou, mas a banda já continuara sem ele. Deixa-ra de ser a banda residente dois anos antes porque ambicionava um melhor “cachet” e porque, diziam os seus membros, frustrava-os que os seus amigos tivessem entrada barrada no selecto estabelecimento.

Em 1987, porém, separaram-se. Ti-nham sido ultrapassados pelos acon-tecimentos. A Star Band, que estivera na génese da sua formação, fora re-generada e os seus membros mais jovens, incluindo a futura estrela Youssou N’Dour, saíram para fundar um novo grupo, os Etoile de Dakar, e um novo estilo, o mbalax, mais agres-sivamente ritmado e que rapidamen-te se transformou no preferido da juventude senegalesa. De repente, a Orchestra Baobab parecia velha e ana-crónica. Os seus músicos, porém, re-cusaram forçar uma modernização. “Decidimos não seguir a moda”, ex-plicou Barthélemy Attisso ao “Guar-dian”, em 2007. “Isso significou o nosso declínio gradual, mas aceitámo-lo para proteger a nossa originalida-de, a nossa identidade”.

Attiso regressou ao Togo e à advo-cacia, actividade que mantém até ho-je – metade do tempo é advogado no seu país de nascença, no restante é um inesperado “guitar-hero” de ócu-los e fato formal percorrendo o mun-

do com a Orchestra Baobab. Rudy Gomis iniciou uma carreira a solo, partilhada com a fundação de uma escola de línguas africanas para resi-dentes estrangeiros – é formado em Línguas. Os restantes mantiveram-se ligados à música. Lafty, o licenciado em Filosofia que era suposto ter-se tornado professor – “Tentei dois anos, mas não era a minha vocação estar numa sala em frente aos alunos” -, foi tocando em hotéis com o vocalista Balla Sidibe e o baixista Charlie N’Diaye.

Até que, em 1989, a editora World Circuit reeditou “Pirates Choice”, ál-bum de 1982, e a Orchestra Baobab começou a ser conhecida no Ociden-te. Em 1996, a World Circuit, tendo em conta a influência do “son” cuba-no na música da Orchestra Baobab, promoveu um encontro em Havana entre africanos e caribenhos que, frustrada essa primeira intenção, re-sultaria no célebre Buena Vista Social Club.

Em 2001, “Pirates Choice” foi ree-ditado novamente, com canções ex-tra, e o sucesso foi tal que a banda, separada há década e meia, recebeu um convite para actuar no Barbican, em Londres. Daí para cá, correram o mundo em digressão e editaram dois álbuns, “Specialist In All Styles” (de 2002 e produzido, curiosamente, por Youssou N’Dour), e “Made In Dakar” (2007). O mbalax é género que passou e a Orchestra Baobab mantém-se fir-me, tão ricamente lúdica, fascinante e elegante como sempre.

Rudy Gomis, recordando os primei-ros tempos da Orchestra Baobab, dis-se certa vez: “Tocávamos para ter alguns francos nos nossos bolsos. Não éramos casados. Não tínhamos res-ponsabilidades. A vida era bonita”. Lafty Benjeloum sorri quando cita-mos o companheiro de banda. “Não queríamos tocar música só por tocar, ou só para ganhar dinheiro. Era im-portante para nós fazer música que durasse, que sobrevivesse à passagem do tempo. É por isso que ainda esta-mos aqui, hoje”.

Vendo o concerto da Orchestra, aquelas duas horas de concerto, aque-las canções que se prolongam admi-ravelmente, aqueles ritmos cubanos que já não o são, aquele fluxo contí-nuo de línguas e expressões musicais fundidas com mestria, não duvida-mos.

Os cavalheiros sábios, os músicos de talento ímpar da Orchestra Bao-bab, são uma lição de história e de vida. São exactamente a música que nos oferecem.

sica

“Ouça, a África nunca foi respeitada. A forma como as pessoas pensam África é completamente influenciada pelas imagens que vêem na televisão. Tentem vir a África. O que é uma pessoa pobre? Um pobre é alguém a tentar viver exactamente da forma que os detentores do dinheiro querem que viva”Lafty Benjeloum

, mas transformou-se numa banda pan-africana, símbolo de um continente a libertar-se do o guitarrista Lafti Benjeloum quando da sua passagem pelo Festival Med. Mário Lopes

aobab inventouem Dacar

Page 26: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

26 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

The Books

Há quem coleccione selos, mapas ou relógios. A dupla americana The Books colecciona cassetes com sessões de meditação ou de terapia por hipnose e faz disso

folk electrónica no novo “The Way Out”. Vítor Belanciano

sica

Ouvir mesmo sem p

Os The books são Nick Zammuto, ex-artista plástico radicado no Vermont, e Paul de Jong,

violoncelista residente em Nova Iorque

Page 27: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 27

Livros para encontrar a felicidade. De auto-motivação. Para combater a an-siedade. Para aprender a andar de bicicleta. Ou para não ter aversão a queijo. Não existe quase nenhum pro-blema no mundo para o qual não exis-ta hoje um livro de auto-ajuda. Todos querem prescrições. Formas simples de aceder ao complexo. Discos é mais difícil. Mas também os há. “The Way Out” é um deles.

Nele existem canções com gurus de auto-ajuda que nos pedem para dor-mirmos em cima de um líquido cor-de-laranja, incitando ao relaxamento, ou crianças que reflectem sobre ame-aças de morte. Às vezes é divertido, mas também bizarro. Há alturas em que gera um ambiente meditativo, mas também consegue ser festivo.

É assim o novo, e quarto, álbum da dupla americana The Books, uma co-lagem incessante de diálogos insólitos e sons invulgares, por entre camadas de ruído digital e harmonias clássicas conduzidas pelo violoncelo, numa espécie de folk electrónica.

Nas mãos de outros, os “samples” de meditação ou de terapia por hip-nose seriam apenas engraçados. Ma-nipulados pela dupla americana, ad-quirem integridade. Descobrimos por trás deles qualquer coisa de estranho, mas ao mesmo tempo familiar. Ou seja, as excentricidades da cultura americana acabam por ser instru-mentos de prazer e de descoberta da realidade.

Um dos Books, Nick Zammuto, ex-artista plástico, canta e toca guitarra. Na actualidade, habita com a família no campo, no Vermont. “Há quatro estações no Vermont – quase Inverno, Inverno, ainda Inverno e a chamada fase de construção. Agora estamos nesse período. É a etapa em que faço trabalhos no campo e de carpintaria e em que armazenamos para o resto do ano”, explicava ele recentemente à revista “Artinfo”.

O outro, Paul de Jong, teve forma-ção em música clássica e toca violon-celo, residindo presentemente em Nova Iorque. Raramente se vêem, a não ser quando andam em digressão. Nos períodos de maior intensidade criativa, trocam ideias pela Internet durante horas. Juntamente com Mat-mos, Herbert ou Akufen, são um dos projectos mais estimulantes da era moderna, quando se pensa em músi-ca feita a partir de colagens insólitas de sons.

Um novo começoOs Books tinham lançado até agora três álbuns, “Thought For Food” (2002), “The Lemon Of Pink” (2003) e “Lost And Safe” (2005). Neste último pareciam uma mini-orquestra de câ-mara, difundido microrganismos di-gitais que integram o erro e o aleatório. São obras herdeiras da música concre-ta, dos processamentos digitais e das técnicas de utilização do “sampler”. Propõem quase sempre um dialogo improvável entre épocas, técnicas e tipologias, assimilando o digital e o analógico e indo das electrónicas mais abstractas à folk ou aos blues.

Já não lançavam um disco há cinco anos, daí que o novo registo tenha qualquer coisa de recomeço. Começa aliás com uma frase significativa: “Hello, greetings, and welcome. We-lcome to a new beginning, for this tape will serve you as a new begin-ning. That’s right, a new beginning, as we’re about ready to begin.”

Os dois trabalham juntos há cerca de dez anos. Mas nos últimos quatro algo mudou. Constituíram família. Mudaram-se para domicílios diferen-tes, onde construíram estúdios casei-ros. Mas a ideia de recomeço não tem apenas a ver com essas alterações. No seu intimo está sempre presente a ideia de metamorfose quando iniciam o projecto de composição de um no-vo álbum.

No caso dos Books, é quase inevi-tável que assim aconteça. Ambos são coleccionadores de sons. É através deles que percebem qual a direcção a seguir. Possuem uma biblioteca com sons das mais diversas origens, resga-tados de discos, cassetes, gravações caseiras de origem desconhecida. Uma babilónia classificada das mais diversas formas – consoante a origem, o tipo de sonoridade, o ambiente a que induz e outras configurações.

Nos discos anteriores, os pequenos excertos de diálogos haviam sido re-tirados essencialmente de discos de vinil. Desta feita, recuaram até à épo-ca das cassetes – de auto-ajuda, de meditação ou de filosofia amadorís-tica – entretanto substituídas pela In-ternet.

Há quem coleccione selos, mapas, relógios ou cromos de futebol. Eles coleccionam sons e imagens. Foi essa paixão que os juntou, em 1999, quan-do De Jong convidou Zammuto a jan-tar em sua casa e acabaram a falar de sons – de casamentos, de avalanches, de piqueniques, de crianças a brincar, de portas a bater ou do vento. Deci-diram criar um projecto em conjun-to.

As suas influências incluem Nirva-na, David Bowie, Roxy Music, Aphex Twin, pós-punk ou música clássica, mas procurá-las na sua música é pra-ticamente impossível. Na maior parte dos casos, partem de excertos de di-álogos retirados de cassetes adquiri-das em lojas obscuras de todo o mun-do. De vez em quando também se fazem ouvir as vocalizações de Zam-muto, às quais é adicionada instru-mentação, que tanto pode ser à base de melodias folk, de guitarra e violon-celo, ou das electrónicas.

Os restosOs vídeos da dupla fazem pensar

no trabalho de artistas contemporâ-neos para quem a apropriação e a colagem é importante, de Martha Ros-ler a Mike Kelley, ou em realizadores de cinema como Harmony Korine. Mas os próprios preferem dizer que a inspiração provém do material que coleccionam. “São as margens da cul-tura e da sociedade, os restos, aquilo a que já damos pouca atenção, que nos interessam e motivam. Gostamos de coisas que exponham um olhar intimo ou então que transmitam a imagem que um colectivo de pessoas possui sobre um aspecto qualquer do viver em sociedade.”

Não é fácil definir a música dos Books. Como os Matmos, por exem-plo, movem-se com à vontade tanto no campo da cultura pop como da erudita. “Qualquer fenómeno cultural que tem realmente impacto no pre-sente deve ser invariavelmente uma mistura de qualquer coisa de emer-gente com qualquer coisa de tradicio-nal e residual. É aí que nos movemos”, dizem eles.

“São as margens da cultura e dasociedade, os restos,aquilo a que já damos poucaatenção, que nos interessam e motivam”

Em geral, a música totalmente de vanguarda subsiste no isolamento académico, dependendo de subsídios e de apoios institucionais. Habita o mundo das galerias de arte, dos mu-seus, dos seminários ou dos simpó-sios para especialistas. Os Books tam-bém se movem nesses meandros, mas a sua ambição é outra. “O que nos excita verdadeiramente é poder apli-car ideias arrojadas em contextos po-pulares” afirmam. A sua música é tanto mais desfrutável quanto mais impura e inclassificável.

Ritmos e texturas embatendo em ideias clássicas de composição. Ma-nipulação digital, supostamente im-pessoal, lutando contra padrões ca-nónicos de beleza. Impulsos de expe-rimentalismo sónico diluídos pela procura do prazer imediato. “Alimen-tamo-nos desse tipo de tensões que nunca se resolvem”, concluem.

Ao vivo são apenas os dois. Como não existe um líder, o vídeo acaba por funcionar como o elemento mais des-tacado, costumam ironizar: “Pode-mos sentar-nos em palco e tocar os nossos instrumentos enquanto o ví-deo faz o seu trabalho. O resultado

não é um filme com música, mas tam-bém não é propriamente um concer-to. É uma espécie de experiência si-nestésica, em que som e imagem co-existem no mesmo plano.”

No fim de contas, são contadores de histórias. E isso ao vivo é ainda mais perceptível. “Limitamo-nos a tentar ordenar o que está desordena-do, como a música actual. Nunca exis-tiu tanta e tantas formas de ela se fazer ouvir, mas ao mesmo tempo passamos cada vez mais ao lado do seu significado”, afirmam.

É verdade. Os últimos anos signifi-caram para a pop um tempo tão tu-multuoso quanto brilhante. A frag-mentação de géneros e de formas de fazer, consumir e distribuir música põe cada vez mais à prova a capaci-dade dos melómanos para estarem atentos a tanta informação em curtos períodos de tempo. Mas depois exis-tem projectos como os Books, que funcionam como arqueólogos, selec-cionando, condensando, criando no-vas narrativas, devolvendo-nos um pouco da sua e da nossa história.

Ver crítica de discos págs. 34 e segs.

prescrição médica

Page 28: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

28 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Se uma história de vida se confunde com a história de uma revolução – ou de um país –, então a história do Chi-le pode ser a de Carmen Castillo. Não é caso único e, também por isso, o seu filme “Calle Santa Fé” (2007), que é apresentado hoje no Centro Cultural de Belém (CCB), Lisboa, no segundo de quatro fins-de-semana dedicados ao documentário da América Latina pelo Festival Fora de Si, “é para toda a gente”.

O que verdadeiramente quer dizer a cineasta chilena ao Ípsilon, a partir do Sul de França, país que a acolheu como exilada política há mais de 30 anos, é que o filme encerra uma ques-tão de vida ou morte. Ou antes de sentido da vida, de uma luta. A histó-ria dela “pode acontecer em qualquer país”, diz, “quando se sofre uma di-tadura”. “Calle Santa Fé”, que conta essa história, coloca “uma questão universal”: “Valeu a pena lutar, ape-sar de termos sido vencidos?”

Entre os vencidos (esmagados pela ditadura de Pinochet) de que fala Cas-tillo estão grupos revolucionários co-mo o marxista-leninista MIR (Movi-miento de Izquierda Revolucionaria) de que era líder o seu companheiro de vida e de luta, Miguel Enríquez, executado na noite de 5 de Outubro de 1974. O filme é um regresso de Cas-tillo à casa onde vivia uma vida feliz antes do ataque dos elementos da DI-NA, a polícia secreta pinochetista, nessa noite em que também ela, então grávida, ficou ferida, vindo a perder o bebé mais tarde.

Como outros filmes da Argentina, do México e do Brasil – e entre eles os que serão também mostrados, até ao fim do mês, neste CCB Fora de Si, ven-cedores de vários prémios em festi-

vais de documentário –, “Calle Santa Fé” desenterra a palavra “revolução”, devolve-lhe um significado real, con-creto. E confirma uma notória ten-dência do documentário latino-ame-ricano, ao assumir-se como um filme contra o esquecimento.

Há esse lado universal nos docu-mentários que integram este ciclo. Universal no sentido que Carmen Cas-tillo dá à palavra: “Uma história é uni-versal quando trata a fundo proble-mas de vida, de morte, de amor e de combate. Quando vamos para ela com o máximo de verdade possível, somos capazes de atingir uma história uni-versal.”

Os argentinos “Corazón de Fábrica” (2008), de Ernesto Ardito e Virna Mo-lina, e “Las Mujeres de Brukman” (2007) de Isaac Isitan, já apresentados no passado fim-de-semana, retratam como os trabalhadores, em risco de despedimento perante o fecho imi-nente de uma fábrica, no pico da cri-se económica e dos protestos sociais na Argentina dos anos 90, tomam o rumo dos acontecimentos. Ambos foram premiados – o primeiro foi o Melhor Documentário (2009) em fes-tivais no México, o segundo recebeu o Prémio Investigações DocLisboa 2008.

Tanto “Corazón de Fábrica” como “Las Mujeres de Brukman” são “cine piquetero”, explica Charlotte Gle-ghorn, doutorada em Cinema Latino-Americano e investigadora na Royal Holloway, da Universidade de Lon-dres. “É um cinema de raízes políti-cas, muito directo, com filmagens nas ruas”, diz ao Ípsilon.

Ambos confirmam uma das tendên-cias do cinema argentino da última década, que desvenda as novas lutas

operárias de classes nascidas da crise económica.

Filhos das ditaduras A outra tendência visível no novo ci-nema argentino, continua Charlotte Gleghorn, é o olhar de uma nova ge-ração – os filhos de desaparecidos da ditadura – que tenta pensar diferentes “formas de representar” as experiên-cias traumáticas do passado. É um gesto que também vemos nos filmes do Chile: a recusa de apagar o passado atravessa, além de “Calle Santa Fé”, também “La Quemadura”, o filme em que René Ballesteros tenta traçar, com a irmã, o percurso da mãe desapare-cida (“La Quemadura” passa domin-go, dia 8).

Cada um desses filmes parece res-ponder a uma necessidade de recu-perar o tempo, exorcizar a perda, verbalizar o exílio. Em “Calle Santa Fé”, cada história pessoal de exílio é única e, ao mesmo tempo, colectiva, diz a protagonista e realizadora. Em “La Quemadura”, o exílio é tratado como o desaparecimento de uma par-te do corpo.

Em contraste com Carmen Castillo, que viveu como adulta a ditadura e a revolução, Ballesteros faz parte de uma nova geração que viveu essas ex-periências em segundo grau, e que, através do cinema, questiona as ra-zões (das perdas dos pais e das suas próprias perdas). “No caso argentino, esse conceito de geração é muito for-te porque há muitos desaparecidos da ditadura e a nova geração tem o sen-timento colectivo de ser uma geração de órfãos”, frisa Charlotte Gleghorn.

Fuga e detenção Os documentários que o CCB selec-

cionou retratam histórias de vida e de pessoas excepcionais ou em situação-limite. Por quase todos eles passa esse espírito revolucionário. Em “La Fron-tera Infinita” (15 de Agosto), o mexi-cano Juan Manuel Sepúlveda acom-panha a perigosa viagem dos jovens que partem da América Central em busca de uma vida melhor, para serem apanhados no México e expulsos, an-tes de chegarem ao muro que os se-para dos EUA.

Por ano, será meio milhão de pes-soas a tentar esse salto, de comboio ou a pé para escapar à repressão das autoridades. Muitos são rapazes com menos de 18 anos, quase crianças, que querem voltar para casa – “mas como?” – e, ao mesmo tempo, seguir em frente. Nunca se dão por vencidos. Também há mulheres e homens mais velhos. Se mais uma vez forem presos pelos serviços da imigração, dizem de olho focado na câmara, mais uma vez tentarão essa “viagem que nunca termina”. O mais velho ganhou expe-riência e uma convicção, que usa co-mo uma arma: “Nunca ninguém con-seguirá parar totalmente a imigração ilegal”. “Por que não se preocupam

“Uma história é universal quando trata a fundoproblemas de vida, de morte, de amor e de combate. Quando vamos para ela com o máximo de verdade possível”Carmen Castillo

América Latina

Revoluçõesque ainda pulsam

Armas e fl ores. Ditaduras e recordações. Duas casas, uma encantada, outra assombrada por Pinochet. A memória dos desaparecidos, a repressão do passado e a do presente

– crise, imigração, prisões. A América Latina em oito documentários no Centro Cultural de Belém, até ao fi m do mês. Ana Dias Cordeiro

Cin

ema

hi ó i

México“La Frontera Infi nita”, de Juan Manuel Sepúlveda, e “Presunto Culpable”, de Roberto Hernández

e Geoff rey Smith, retratam as catástrofes da emigração ilegal e do sistema prisional mexicano

Page 29: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 29

os Estados Unidos em prender os verdadeiros ter-roristas, como Bin Laden, e deixar os inocentes em paz?”, questiona indignado.

Todos os anos, também no México, jovens inocentes que podiam ser “o futuro do México” são atirados para a prisão. É o que mostra “Presunto Culpable” (2009) (“Presumível Cul-pado”), de Roberto Hernández e Ge-offrey Smith. O filme, que passa dia 13, é um retrato impiedoso de um sis-tema judicial mais do que imperfeito, com recorrentes enganos judiciários, tema recorrente também na cinema-tografia recente do Brasil e de que é exemplo “Entre a Luz e a Sombra”, de Luciana Burlamaqui (27 de Agos-to). São documentários que trazem à luz “a ilegitimidade de certos aspectos da justiça”, sintetiza a especialista Charlotte Gleghorn.

Dedicação e rap No filme de Burlamaqui, Dexter e Afro-X vêm do mesmo bairro da pe-riferia de São Paulo e acabam por ir parar à mesma prisão, Carandirú. Nessa cadeia, que simboliza o contro-

verso sistema prisional bra-sileiro, formam a dupla de

rap 509-E (o nome da cela que partilham) e conhecem a actriz So-

phia Bisilliat, que renunciou a uma carreira para levar o teatro aos presos, com o projecto “Talentos Aprisiona-dos”. Desse encontro nasce uma his-tória de amor e a luta da actriz para que o primeiro disco de Dexter e Afro-X seja editado e para que a dupla pos-sa dar o seu primeiro concerto fora da prisão.

O filme recebeu o Prémio Ibero-Americano de Guadalajara (no Méxi-co), em 2010, e foi o Melhor Documen-tário eleito pelo público e Menção Especial do Júri no 17º Festival de Ci-nemas e Culturas da América Latina de Biarritz, em 2008, além de ter me-recido um acolhimento entusiástico da crítica. O Doc Blogue do jornal “O Globo” comentou que o olhar da rea-lizadora “vai além de quase tudo o que já se fez em matéria de crise social brasileira”. “Sete anos a fazer um filme e a sensação de séculos de violência finalmente compreendidos”, escreveu o “Jornal da Tarde”.

“Santiago” (2007), também do Bra-

sil mas noutro registo, é uma das obras do economista de formação João Moreira Salles, tardiamente che-gado ao documentário mas já confir-mado como uma referência do géne-ro no Brasil. O filme (29 de Agosto) conta a história do mordomo argen-tino da casa de Gávea, onde cresceu o realizador, nascido na ilustre família de banqueiros Moreira Salles. Santia-go era “o senhor dos salões”, a pessoa que lhes dava vida nos dias de grandes jantares na luxuosa mansão. O pai, banqueiro e depois embaixador, re-cebia distintíssimas figuras como os Rockefellers e Cristina Onassis, e vá-rios chefes de Estado da América La-tina. No filme com o seu nome, San-tiago descreve “os arranjos de flores” e “a alegria” dos dias de festa, nesses tempos em que “a vida era outra coi-sa”.

Aos vivos, aos mortos“Calle Santa Fé” (que teve o apoio fi-nanceiro do escritor José Saramago e da mulher, Pilar del Rio) estreou em 2007 “na maior sala de Santiago, a mais central e mais bela” da capital, recorda Carmen Castillo. O pormenor

é importante porque, conta a realiza-dora, pouco existe no Chile que recor-de e homenageie desaparecidos, re-volucionários e todos os anónimos que, nos bairros populares ou nas al-deias indígenas, contribuíram para a luta. E para o filme. Todos eles, e tam-bém muitas mulheres, mães e irmãs de desaparecidos, foram convidados para a estreia. E essa noite transfor-mou-se num “enorme reconhecimen-to dos mortos e dos vivos”.

Já no fim do seu mandato, a Presi-dente Michelle Bachelet (2006-2010) inaugurou o Museu da Memória, onde são lembrados os crimes cometidos durante a ditadura, reconhece Car-men Castillo. Antes disso, já alguns torcionários tinham sido presos, em-bora estejam em prisões douradas. Porém, os corpos dos mortos conti-nuam desaparecidos e não há nomes nem praças com o nome de Salvador Allende, como em Paris. “O reconhe-cimento da resistência, dos que se opuseram com armas à ditadura, não existe”, nota.

A questão repete-se. Valeu a pena? Quando regressa à casa onde sofreu o ataque dos agentes da DINA, Car-men parece pronta a responder “não”. O seu olhar é de quem perdeu tudo. “A felicidade” das coisas simples da vida, como o amor por um homem, o filho (deste) que transportava ainda no ventre e que viria a perder mais tarde, a esperança e o riso, uma ideia de família (a filha dela, Camila, e a filha dele, da mesma idade, sob o mesmo tecto, como duas verdadeiras irmãs), os ideais de uma revolução, da luta pela justiça social.

Nessa noite, quando a casa foi as-saltada com granadas, Carmen ficou gravemente ferida, perdeu os senti-

dos, e sobreviveu porque um vizinho chamou uma ambulância. Mas isso só fica a saber quando regressa à sua rua, a calle Santa Fé, e reencontra Manuel, para ela “o verdadeiro herói no filme”, por ter tido a coragem de a fazer che-gar ao hospital.

Manuel reconstitui cada minuto dessa noite e Carmen fica a saber que, num primeiro momento, Miguel En-ríquez volta para trás. Se tivesse fugi-do, talvez tivesse sobrevivido – é o que parece dizer Carmen em silêncio. “Ele não a abandonou”, insiste Manuel. Mas depois foi apanhado e executa-do.

“A heróica viúva”Graças a uma campanha popular pa-ra a libertação da “heróica viúva”, como ficou conhecida, o regime de Pinochet não a prendeu, forçou-a ao exílio. França. Nas ruas de Paris, Car-men leva tempo a reencontrar-se. De-pois demora a reconciliar-se com o seu país. Chega a pensar que isso nun-ca acontecerá. Acontece por via deste filme, graças a ele, e a pessoas como Manuel e outros vizinhos, os médicos e enfermeiros que a salvaram. Pesso-as que despertaram nela a vontade de fazer este documentário.

Na procura de um sentido, apesar do luto, Carmen manda a filha ainda pequena para Cuba, onde esta cresce em segurança, e dedica-se à luta. Só isso lhe traz paz de espírito. “Não po-dia deixar que Miguel e os outros ti-vessem morrido para nada”, confessa no filme. Além disso, a luta fazia todo o sentido, mesmo se “o inimigo era mais forte”, diz ao Ípsilon. Por isso, à pergunta “valeu a pena?”, diz Carmen Castillo, a resposta só pode ser “sim”.

m er-en, em paz?”

versilei

rap 50partilham)

Brasil

Chile“Calle Santa Fé” (na foto), de Carmen Castillo, passa

hoje, “La Quemadura”, de René Ballesteros, passa domingo, dia 8

“Santiago”, de João Moreira Salles, olha para o Brasil através de um mordomo reformado, “Entre

a Luz e a Sombra”, de Luciana Burlamaqui, vê-o através de dois “rappers” detidos em Carandiru

Page 30: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

30 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

O nova-iorquino Roman Paska é uma autoridade no que respeita às mario-netas. Foi director do Instituto Inter-nacional da Marioneta, em Charlevil-le-Mézières, França, e tem percorrido os mais prestigiados festivais de teatro do mundo. Em Portugal esteve por cinco vezes: em 1990, na Bienal de Marionetas de Évora (“Ucelli, as Dro-gas do Amor”), em 1993, 1994 e 1998 no Festival Internacional de Marione-tas do Porto (“O Fim do Mundo”, “Mo-by Dick in Porto” e “Dieu! God Mother Radio”, respectivamente), e já este ano no Festival Internacional de Ma-rionetas e Formas Animadas, em Lis-boa (“Schoolboy Play”). As suas peças – nos últimos anos divididas nos ciclos “Theatre for Birds” e “Dead Puppet” – caracterizam-se por uma forte di-mensão visual, com a convergência de diferentes meios a resultar em es-pectáculos que resgatam a marioneta do servilismo e da ritualização que são contrarios ao seu potencial dra-matúrgico. Amplamente devedor dos ensinamentos recolhidos nos anos passados no Oriente, Paska foi cons-truindo uma reflexão em torno da marioneta que, não rejeitando embo-ra a sua dimensão sagrada, a ultrapas-sa para comunicar. Em conversa com o Ípsilon, fala-nos do universo parti-cular onde a marioneta reside, onde residimos todos.O discurso comum sobre marionetas tende a enfatizar um lado ritualista que, no seu entender, é contraproducente para uma reflexão mais séria sobre a importância desta disciplina... A utilização do termo ritual não é in-correcta, mas não deve servir para caricaturar o que se faz. É verdade que eu prefiro pensar nas marionetas como objectos sagrados, e nós tende-mos a tratá-las como objectos sagra-dos, uma vez que são construídas com muito cuidado e são extremamente frágeis. Elas impõem as suas próprias regras. É como se estivéssemos a tra-balhar com cascas de ovo. É preciso um treino particular para se lidar com elas. A analogia mais comum é que elas são como os instrumentos musi-cais.Porque cada uma produz um som diferente?Também por isso, mas porque é pre-ciso, por exemplo, ter um cuidado extremo quando se toca uma passa-gem muito dramática num violino, de modo a que não se rompa uma corda. Esse cuidado com que se manipulam as marionetas, essa precisão, obriga a que seja tudo muito coreografado. Isto não varia muito de país para país, independentemente da técnica usa-da. Há países com tradições particu-lares, como é o caso da Indonésia, onde as marionetas são, de facto, tra-tadas como objectos sagrados e, ale-gadamente, encarnam deuses. Há imensa superstição no que respeita à relação entre a marioneta e o mani-pulador. Preocupamo-nos com o lu-

gar onde ficam,, como são levadas da sua casa para os palcos...Ao longo dos anos tem insistido que a técnica, as “habilidades” dos marionetistas, não são o mais importante...Sim, é verdade. Há muitas peças que se sustentam na técnica ou na tecno-logia da própria marioneta. E há uma tradição secular de cabaré de mario-netas, ou de feira, que coloca o foco no virtuosismo do marionetista, que eu acho um embuste. Sim, é verdade que há uma primazia da técnica, mas eu não acredito numa marioneta ao serviço da técnica, nem numa mario-neta ultrapassada pelos seus meca-nismos artificiais. Não uso marionetas por estar interessado no seu potencial técnico. Acredito, realmente, que se-ja uma forma de arte, tal como a pin-tura, ou a dança ou qualquer outra disciplina. Uso as marionetas porque me permitem, através do seu poten-cial expressivo, falar de um tema que me interesse, e para o qual não con-sigo encontrar nenhum outro meio paralelo.É assim que interpreta o seu papel enquanto artista?Eu acho que, mais do que se nascer marionetista, se é atraído para este universo porque se encontra aqui uma forma natural de expressão. Mes-mo que eu quisesse fazer uma outra coisa com as marionetas, por exem-plo uma instalação, acho que seria sempre trazido de volta a esta lingua-gem que, para mim, é como a poesia. Gosto de pensar nas peças como uma forma de teatro poético que tem o seu próprio vocabulário, e parte disso é, de certa forma, intrínseco às mario-netas. Cada linguagem tem as suas regras, e até mesmo as suas limita-ções... Enfim, no caso das marionetas, elas não andam sozinhas... [risos]Quando diz que utiliza as marionetas porque com elas pode dizer o que não consegue através de outros meios, nomeadamente com actores, está a referir-se ao poder metafórico subjacente à marioneta?Sou menos ambicioso quanto à ideia de metáfora, porque gosto de acredi-tar que a marioneta não está a repre-sentar outra coisa que não ela mesma. Nós sabemos que um actor, no fim da representação, vai para casa, sob o seu próprio nome. A personagem, nessa altura, torna-se completamen-te abstracta e é activada, por exem-plo, somente quando veste as roupas que lhe pertencem. A marioneta, por sua vez, pode representar uma per-sonagem, mas é também um objecto com um universo próprio. Ela não existe se não para aquela persona-gem, não tem uma outra vida. Ou, se a tiver, talvez seja a misteriosa vida de um objecto.As marionetas são complementares dos actores na pesquisa teatral?Sim, é bem verdade. E esse é um prin-

cípio importante. Primeiro porque não há acção sem a presença de in-térprete. E é isso que me perturba quando vejo espectáculos que apli-cam mal a técnica. Nunca me consigo esquecer que as marionetas não exis-tem sozinhas. Não são autómatos. Não se pode dizer “a marioneta faz isto, o actor faz aquilo”, porque a marione-ta não existe sem o marionetista e este tem de ser um actor, um bailari-no, um performer. É através do que ele faz com a marioneta que ela surge em todo o seu esplendor. No teatro de marionetas de tradição asiática, por exemplo, o actor está muito mais visível e perto da marioneta, seja na ópera, nas máscaras do Bali, ou no teatro kabuki. Isso reforça a ideia de que as marionetas não expressam na-da, nem sequer estados psicológicos, sozinhas. Embora haja peças que eu preferiria que fossem feitas por ma-rionetas do que por actores em regis-to naturalista...Isso muda quando as marionetas passam a representar figuras concretas? Em “Schoolboy Play”, o espectáculo que trouxe a Lisboa, em Maio, as marionetas representavam Hitler e Wittgenstein, figuras com uma biografia.Belíssima pergunta. O ponto de par-tida de “Schoolboy Play” é um even-tual encontro histórico entre duas figuras icónicas do século XX. Quan-do estávamos a criar as marionetas, tivemos o cuidado de lhes dar outros nomes, como “Hitch” e “Witch”, por-que era desconfortável estarmos a dizer que essas duas figuras históricas eram marionetas. Criámos, por isso, uma distancia em relação à História, da qual a peça parte, sem que se feche – e com ela o poder simbólico das ma-rionetas – nela.Porque o impacto dramatúrgico podia ser distorcido se a identificação fosse feita sem

“Um actor, no fim da representação, vai para casa, sob o seu próprio nome. A marioneta, por sua vez, não existe se não para aquela personagem, não tem uma outra vida. Ou, se a tiver, talvez seja a misteriosa vida de um objecto”

Roman Paska e a vida interior das marionetas

É uma das fi guras mais carismáticas do teatro de marionetas, que conhece em todos os seus estados, da rigorosa tradição oriental ao cabaré. Não andam sozinhas, admite, mas são

criaturas prodigiosas, talvez até sobre-humanas. Tiago Bartolomeu Costa

Roman Paska não nasceu marionetista: foi atraído para esse universo, onde encontrou a sua forma natural de expressão

Page 31: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 31

Tea

tro

São várias as propostas de teatro de marionetas que, nas próximas semanas, vão chegar a diferentes locais do país, não apenas alargando a própria defi nição de marioneta como provando a transversalidade dramatúrgica e a inventividade expressiva dos mais importantes criadores nacionais da área. Agosto e Setembro são, por isso, dois excelentes meses para radiografar o estado actual da disciplina no nosso país.

Em Lisboa, continua aberta no Museu da Marioneta, até 10 de Outubro, uma exposição comemorativa dos 17 anos da companhia A Tarumba, responsável pelo Festival Internacional de Marionetas de Lisboa. Oportunidade para revisitar as marionetas de peças criadas entre 1994 e 2010 (“Dr. Faustus”, de Marlowe, “Amor de Don Perlimpimpim com Belisa em seu Jardim”, de García Lorca, “A Tempestade”, de Shakespeare, “Ascensão e queda da Cidade de Mahagonny”, de Brecht) e ainda os objectos que fi zeram “Mironescópio” e as sombras de “O Guarda da Noite”, ambas criações originais do grupo.

Já este fi m-de-semana, também em Lisboa, chega ao Centro Cultural de Belém (CCB) “King Pai” (dias 7 e 8), espectáculo para crianças e adultos da Companhia Caótica dirigida por Caroline Bergeron e João Calixto. Um “monstro de ternura” incompreendido que espera por espectadores que queiram ser abraçados.

Dia 15 é a vez de o Teatro de Marionetas do Porto, uma das mais respeitadas companhias nacionais, levar ao Festival Altitudes, em Campo Benfeito, concelho de Castro Daire, a sua “reescrita anacrónica” de “Cinderela”, em que os sete anões são chamados a salvá-la de uma bruxa-má que não gosta de fi nais felizes e de um lobo mau que patrulha as estradas.

A 20, a Circolando mostra na Guarda “Paisagens em

Trânsito”, criação de Patrick Murys que junta marionetas, objectos e teatro físico para uma refl exão sobre o exílio, a solidão e a viagem.

E dia 27, de novo no CCB, o Teatro de Ferro apresenta a sua “Ópera dos 5€” que, a partir de um libreto de Regina Guimarães, combina a intervenção social com festa e bandas de garagem, num manifesto sobre a imigração e o nomadismo na Europa.

O Verão não termina sem que se abram, a partir de 17 de Setembro e até 26, as portas ao Festival Internacional de Marionetas do Porto, que, depois do desaparecimento há um ano de Isabel Alves Costa, impulsionadora desde a primeira hora das marionetas em Portugal, é agora dirigido por Igor Gandra, do Teatro de Ferro. T.B.C

Elas andam aí O Verão é das marionetas: nas próximas

semanas, elas vão andar por todo o país, de Castro Daire a Lisboa, e em Setembro

há festival no Porto.

filtragem? Bom, as peças devem sempre ser auto-suficientes. Passa-se o mesmo quando vemos Shakespeare represen-tado hoje. Aquelas personagens exis-tem autonomamente e esperamos que o mundo que constroem seja ba-seado em premissas estimulantes e até mesmo provocadoras. No caso de “Schoolboy Play”, o único aspecto histórico que utilizamos é absoluta-mente académico: a hipótese de um encontro entre Hitler e Wittgenstein num colégio austríaco quando teriam 14 anos. Claro que, pelo que sabemos das suas vidas, esse encontro, a ter acontecido, terá sido explosivo. Mas nenhuma das personagens é a prota-gonista da história. A protagonista é uma marioneta à qual damos o nome de Everyboy e a peça é, de facto, so-bre a interacção dessa terceira perso-nagem com as outras duas figuras. O convite que fazemos é para uma iden-tificação no sentido clássico do termo, através do drama dessa terceira per-sonagem. Será por isso que, nos seus espectáculos, as marionetas não são o elemento principal?Sim, mesmo que as marionetas este-jam no centro do palco. Elas são a paisagem da peça. O propósito é criar um diálogo, ou uma interacção, entre as marionetas e o seu subconsciente. Quando elas estão em cena, estão vi-síveis, mas aquilo de que falam é in-visível. E é nesse sentido, para regres-sarmos à ideia de religioso e sagrado, que é importante que percebamos que o que elas fazem é verbalizar es-se invisível. Há algo de ritualista nisso, admito.

Quando vemos um manipulador a trabalhar com um objecto, há algo nesse acto que gera um fascínio. E is-so passa para o público. Acredito que a marioneta desperta, ou estimula, no espectador um conjunto de emoções que não são nem transmissíveis nem definíveis. É algo que existe num pla-no psicológico, como quando vemos Hamlet a segurar na caveira, ou a falar para o espelho. Vêem-se outros aspec-tos da natureza humana.

A Cinderela do Teatro de Marionetas do Porto encontra os anões da Branca de Neve e o lobo do Capuchinho Vermelho

Os 17 anos da Tarumba numa exposição em Lisboa

“Schoolboy Play”, que Paska trouxe em Maio a Lisboa, é o encontro imaginário

de Hitler com Wittgenstein

DA

NIE

L R

OC

HA

Agosto e Setembro são dois excelentes meses para radiografar o estado actual do teatro de marionetas em Portugal

Page 32: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

32 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Há duas semanas, quando o Ípsilon visitou Francisco Camacho, o coreó-grafo ainda não tinha nome para a nova criação que vai antestrear, do-mingo, no Citemor, em Montemor-o-Velho (anteontem, a quatro dias da antestreia, também não), mas já tinha o que dizer acerca dela. “No meu tra-balho, procurei sempre perceber que imagens é que poderiam ter um im-pacto fora do palco, e como é que a recepção dessas imagens podia alte-rar a nossa percepção do mundo e as nossas relações”, começa. O nome tem tempo: a versão final da peça se-rá vista apenas a 3 e 4 de Novembro no Centro Cultural de Belém, no âm-bito do Festival Temps d’Images.

O corpo proposto pelo coreógrafo, nascido em Lisboa em 1967, nunca operou numa plataforma de distan-ciação em relação ao simbólico. Re-conhecendo o potencial metafórico, e também retórico, da imagem expos-ta em palco, os seus espectáculos, se não trabalham no sentido de uma mensagem, também nunca se escu-saram a uma reflexão sobre o destino daquelas imagens. Foram – mesmo quando trabalhado por outros, como no caso de “Blessed” (2006), de Meg Stuart –, corpos visceralmente cons-cientes da sua condição de objectos de ficção, e portanto na dependência do espectador.

Ao longo do tempo, as peças de Francisco Camacho foram reflectindo sobre o impacto das imagens produ-zidas quer por um corpo presente em cena, quer por um corpo virtual. Os quatro corpos desta nova viagem – Camacho, Rafael Alvarez, Tiago Ca-dete e Mariana Tengner Barros –, que as imagens do cineasta Bruno Almei-da prolongam, vivem numa zona ári-da e limpa, sem pontos de identifica-ção. “Exploro esse impacto não ape-nas através da configuração do gesto ou do corpo, mas também através de imagens projectadas”, diz-nos Cama-cho, explicando que começaram por fixar-se nos olhos de cada um, para depois abrirem para outras ideias, menos próximas daqueles corpos, e mais cúmplices de um “espaço men-

tal onde as personagens se ampliam e não tanto de uma paisagem onde elas possam andar”.

As personagens de Camacho mar-caram sempre territórios, criando espaços, mesmo que artificiais, onde tanto se protegiam como se expu-nham. Ainda assim, chamarmos-lhe personagens é uma distorção. O co-reógrafo diz que “personagens” nun-ca o foram por completo. Foram sem-pre sombras, ideias ou até mesmo fios de histórias. Chama-lhes “figuras on-de se podem projectar ideias, mas não figuras fechadas no sentido em que se lhes pode atribuir um perfil psicológico ou uma biografia”. Não sendo figuras que recusem, ignorem ou se escusem ao corpo que as está a apresentar, Camacho trabalhou sem-pre a partir do que os corpos propu-nham. Foi assim com Leonor Keil em “Primeiro nome: Le” (1994), e Carlo-ta Lagido, sua musa, dupla ou, tam-bém ela, sombra, em várias criações, ou até nas peças de grupo como “Gust” (1997) e “Evil Live/Live Evil” (2005), onde o corpo estava já dor-mente e desaparecia numa massa que, consciente do perigo do anoni-mato, tentava, ainda assim, perceber como podia deixar uma marca.

Contra o que é perfeitoA ideia de um corpo que se constrói em cena, nessa exposição, é um as-pecto que reporta à própria história pessoal de Camacho, ele que foi re-cusado no agora extinto Ballet Gul-benkian por não ter o perfil estereo-tipado de bailarino que a companhia procurava.

É a partir desse corpo humano re-al, verdadeiro e, de certa forma, im-perfeito que o coreógrafo vai cons-truir um percurso feito de peças que, numa primeira fase, se inscrevem nu-ma necessidade de territorialização do próprio corpo numa geografia na-cional e disciplinar, como “O rei no Exílio” (1991), “Nossa Senhora das Flores” (1992), “Primeiro Nome: Le” ou “Dom São Sebastião” (1996), con-temporâneas da afirmação da própria dança contemporânea portuguesa. Camacho romperá com o corpo mar-tirizado da História nacional, mesmo se, tal como Prometeu, as vísceras o voltem a tolher e, a cada dia, uma ave as coma dolentemente.

Numa segunda fase, de maior po-tencial mediático e tardiamente pop, Camacho procurará ampliar essas figuras quase para a caricatura. As personagens criadas em “Superman” (2002), “My name is Wilde... Oscar Wilde” (2001) ou “Hitch” (2003) per-seguem já um outro objectivo, com o humor a ganhar vantagem sobre uma reflexão pessimista.

Contudo, o humor que o coreógra-fo imprimiu a estas peças – entretan-to deixado de lado –, nunca pôde ser entendido se não como um comen-tário ao próprio assunto tratado. Era um humor derrisório, distante, e mui-to pouco meigo. Um humor especu-lativo, diríamos. “Um humor que observa”, contrapõe. “O tempo faz toda a diferença”, diz agora. E o hu-mor regressa para olhar para corpos que partem das memórias reais dos corpos que os interpretam e que bus-cam na acumulação de sentidos uma ordem, um comando, uma “lógica de funcionamento”. Corpos que, no es-sencial, “obedecem apenas a si pró-prios”.

As hierarquias desaparecem, mas a ética e a moral são questões que continuam presentes, como desde sempre, porque, afinal, o corpo pro-posto por Francisco Camacho nunca quis ser outra coisa a não ser um cor-po em busca de uma definição.

Ver agenda de espectáculos pág. 43

Um corpoà procura

Francisco Camacho está de regresso com uma peça que ainda não tem nome mas já tem

um programa: voltar a olhar para o corpo, como se fosse a primeira vez. Antestreia este domingo,

no Citemor. Tiago Bartolomeu Costa

DA

NIE

L R

OC

HA

“No meu trabalho, procurei sempre perceber que imagens é que poderiam ter um impacto fora do palco, e como é que a recepção dessas imagens podia alterar a nossa percepção do mundo e as nossas relações”

A ideia de um corpo imperfeito, que se constrói em cena, reporta à história pessoal de Camacho, que foi recusado

pelo entretanto extinto Ballet Gulbenkian

Da

nça

Page 33: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Mike Leigh Leigholândia, anos 90, em DVD. Pág. 47

Evan Parker O incrível saxofone vem à Gulbenkian. Pág. 37

Michael Chabon Aventura no século X. Pág. 43

CL

AU

DIO

PA

PI/

RE

UT

ER

SEllen Allien Cabeça de cartaz em Viana do Castelo. Pág. 37anos 90, em DVD. Pág. 47 saxofone vem à Gulbenkian. Pág. 37Aventura no século X. Pág. 43 cartaz em Viana do Castelo. Pág. 37

R.E.M. Quando eles eram tremendos – reedição de “Murmur”, “Reckoning” e “Fables of the Reconstruction”. Pág. 34

m/18 DJ até às 03H00

Programa sujeito a alterações

www.casino-estoril.pt Reservas:

[email protected] | +351 919 938 114

Muxima

12-ago

Tiago Bettencourt

& Mantha

19-ago

Page 34: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

34 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

podiam ter duas ou três faixas a menos, mas o que vinha antes era quase sempre deslumbrante, em particular o início, quando este quarteto inventou o indie-rock americano (na altura chamavam-lhe college rock), ou, pelo menos, legitimou-o enquanto género autónomo do pós-punk. A primeira obra-prima chega ao primeiro disco, “Murmur”, reeditado em 2009 em edição dupla, com disco extra ao vivo, e agora distribuído em Portugal, tal como “Reckoning” (reeditado em 2009) e “Fables of the Reconstruction” (reeditado em 2010). “Murmur” (1983) era um disco cheio de ecos, percussões estranhas, e o assobio de um vento nocturno em fundo. Era um disco de guitarras, mas não um disco de demonstração de talento à guitarra. Impressionava a facilidade com que esta desenhava uma simples figura e, mais do que tudo, como o baixo interagia com ela, colocando notas erradas, criando ritmos cambaleantes. Impressionavam os saltos bruscos nas canções, não só no que toca ao tempo, mas também na estrutura, com se cada mudança correspondesse a uma brusca

perturbação de humor. Impressionavam os

refrões, que passavam das sombras para uma espécie de

exaltação com tremenda facilidade.

Impressionavam os truques, como o uso da polifonia no refrão de “Moral Kiosk” conjugada com os timbalões. E impressionava a voz de Michael Stipe, com um distanciamento sem ironias, um véu misterioso a encobrir a “gravitas” de cada nota, a camuflar emoções. Quer dizer, alguém se lembra de um disco da época que comece com uma sequência como “Radio Free Europe”, “Pilgrimage”, “Laughing” e “Talk about the passion” (ainda inebriante até ao mais retorcido nó nos intestinos)? No disco 2, ao vivo, nota-se uma banda ainda propensa a erros, mas a debitar energia como um moinho de água em dia de cheias. E há a habitual versão (coisa que eles apreciavam muito no início, ao ponto de haver por aí um belíssimo disco pirata que recolhe as “covers” que foram fazendo), neste caso de “There she goes again”, dos Velvet.

Com “Murmur” começava a surgir a brigada da “jangley” pop, pop de guitarras gingonas, como a dos Rain Parade ou dos Miracle Legion do grande Mike Mulcahy. “Reckoning” afina o ginganço: logo à primeira canção, “Harborcoat”, os R.E.M. arrancavam uma tremenda e orelhuda pérola. A típica guitarra ritmo saltitante de “Murmur” estava mais precisa, a típica figura melódica de guitarra

ainda mais viral. Usando “Harborcoat” como exemplo, nota-se de imediato que as mudanças são menos bruscas, o baixo menos proeminente – ou seja, aproximavam-se mais do formato canção tradicional, mas estavam com a pontaria mais afinada. O ludismo das guitarras do refrão de “7 chinese brothers” é inapelável, “Southern central rain (I’m Sorry)” tem um apelo clássico que ecoa o melhor dos Byrds (notória influência em todo o disco). E em “Pretty persuasion” fica clara a capacidade de Stipe de expandir a voz e encher uma canção. Segunda obra-prima, com uma diferença clara de som face à estreia, como é perceptível em “Time after time”, a canção de “Reckoning” (1984) que mais lembra “Murmur”.

Quando a “Fables of the Reconstruction” (1985), tem um simples problema: apesar da tentativa de voltar a soar tão “estranho” quanto “Murmur”, faltam ganchos e inocência, o que

não quer dizer que não haja grandes canções (basta ouvir

“Good advices”). E mais haveria, porque no ano seguinte, com “Life’s Rich

Pageant”, o quarteto de Athens, Geórgia, voltaria aos

discos perfeitos.

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Dis

cos

Pop

Era uma vez uma banda a sérioAntes de serem tremendamente aborrecidos, os R.E.M. foram tremendos. João Bonifácio

R.E.M.Murmur

mmmmm

Reckoning

mmmmm

Fables of theReconstruction

IRS; distri. EMI

Antes de 2001, ano em que se tornaram num perigoso soporífero burguês capaz de provocar impotência e frigidez, os R.E.M. tinham uma folha de serviço quase intacta. Certo, metade de “Monster” (1994) é uma falhada tentativa de mostrar que ainda sabiam rockar, “New Adventures In Hi-Fi” (1996) e o sub-valorizado “Up” (1998)

mmmmn

O quarteto que inventou o indie-rock americano(na altura chamavam-lhe college rock)

Page 35: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 35

actriz tornada cantora (o que só lhe fica bem), e Tom Smith, vocalista dos Editors, essa linha de montagem industrial de negrumes Joy Division (o que é sempre desnecessário).

O resultado são dez canções em que o banjo, o mandolin de Buck e o violino ocasional não passam de maquilhagem. A voz de Lightbody, com as quedas em falsete no final dos versos, com o seu sentimentalismo de trovador sem trova (ouvir versos como “girl you were beautiful before / but in the cyclone I love you more”, logo a abrir o álbum, não é particularmente inspirador), não serve a música que pretende homenagear. E as canções elas mesmas, saídas da pena de Gary Lightbody, não mostram nada de novo: sempre aquela melancolia que se prolonga, que prenuncia a cada momento a explosão de pirotecnia que há-de chegar, inevitavelmente. Não há country à vista, apenas os instrumentos que normalmente ouvimos no género, aplicados à fórmula estafada dos Snow Patrol.

“The Place We Ran From” é realmente um capricho e Gary Lightbody estará feliz da vida. Haja

alguém. M.L.

Coleccio-nismoOs Books mais esquizofrénicos do que nunca, num álbum que digere uma assinalável pilha de informação. Vítor Belanciano

The BooksThe Way OutTemporary Residence; distri. Popstock

mmmmn

Ao quarto álbum, os nova-iorquinos The Books continuam a fazer canções com desenvolvimentos

diferentes daqueles com que estamos familiarizados, movidas por instrumentação acústica, desenvolvimentos digitais e colagens de diálogos. Na aparência dir-se-ia que não mudaram muito desde o magnífico álbum “Lost And Found”, de 2005. Os elementos são os mesmos, mas estes acabam por ser apresentados de forma mais esquizofrénica. Apesar de grande parte das canções ter uma estrutura semelhante, com elementos vocais, orquestrações e microrganismos digitais, existem sempre elementos sónicos deslocados, garantindo momentos de surpresa. Na maior das vezes trata-se de reenquadrar monólogos de fontes desconhecidas e fazê-los coincidir num novo corpo sonoro, misto de “samples” excêntricos, violinos que impõem um espaço de calor, marcas de folk e electrónicas sem trajecto definido. Às vezes as canções ganham uma qualidade meditativa (“We bought the flood”, “Group autogenics I”), outras revelam-se mais imprevisíveis ritmicamente (“I am who i am”, “A cold freezin’ night”).

“The Way Out” é o disco de dois músicos que digerem e sintetizam uma pilha de informação, como quem leva a sua colecção de discos para uma ilha deserta e depois começa a tentar arquitectar canções a partir dos mil e um fragmentos dessas fontes sonoras.

Uma interessante geografi a musicalUma excelente porta de entrada no chamado kraut rock. Mário Lopes

VáriosBerlin 61/89 – Wall Of SoundLe Son Du Maquis; distri. Massala

mmmnn

O título indica um lugar e um arco temporal que a dupla compilação não abrange. Em “Berlin 61/89” não

se ouvem apenas bandas berlinenses (alguns, como os suíços Young Gods, nem alemães são), nem se ouve música gravada entre 1961 e 1989 – a canção mais antiga foi registada em 1972. Mas a compilação, de qualquer forma, não é convencional: pretende revelar um certo estado de espírito, uma predisposição criativa que tornou a música popular alemã absolutamente distinta das demais.

Aliando as inevitáveis referências anglo-saxónicas a um interesse pelas vanguardas, e manifestando óbvio desejo pela definição de uma personalidade, pela inscrição de um lugar (o seu) na música que criavam, os alemães da kozmische da década de 70 ou do pós-punk convulsivo da década seguinte constituíram um centro criativo fervilhante.

E, apesar da passagem do tempo,

apesar de todas as diferenças entre as planagens electrónicas dos Harmonia, na década de 70, e a dança robotizada, qual funk industrial, dos Die Krupps, já nos anos 80, toda esta música parece atravessada pelo mesmo espírito, por uma qualquer marca genética. O título da compilação pretende acentuar isso, apontando a Berlim do Muro e da Guerra Fria como presença incontornável, como causa desta música onde o Kurt Weill de “Salomon song” é transfigurado em pesadelo industrial (são os Young Gods), onde o psicadelismo se transforma em ritual negríssimo, qual blues assombrando esqueletos fabris (os Can de “Thief”).

“Berlin 61/89”, curiosamente organizado pelos franceses da Le Son Du Maquis, é um fluxo musical (as canções são sequenciadas sem pausas) onde os tempos se misturam. Não interessa aos autores a evolução cronológica, antes a revelação de uma personalidade musical. Dividido em “West Side” e “East Side” – há um certo pendor escapista, psicadélico no primeiro; algo de mais neurótico e virulento no segundo –, “Berlin 61/89” acaba por ser, acima de tudo, uma excelente porta de entrada no chamado kraut rock. Um “melting-pot” de arrojo musical e desejo de intervenção. Encontramos aqueles que, na década de 70, cruzaram rock psicadélico com electrónica futurista (os Can e os Neu!, os Harmonia e os Cluster), e encontramos verdadeiros terroristas sónicos usando o estúdio como plataforma para agitação (os inevitáveis Einstürzende Neubauten; o humor corrosivo e a música dilacerante dos Faust; os exercícios dadaístas dos Die Tödliche Doris). Sonhadores que transformavam ecos de Jimi Hendrix em poderosa

arma sensorial (os óptimos Electric Sandwich) surgem lado a lado com a crua sofisticação dos Palaus Schaumburg de “Telephon” (magnífica representação de neurose pós-punk). Aqui, a gélida e espectral Nico canta uma folk assombrada (“Reich der träume”) enquanto Nina Hagen faz da new wave jogo exibicionista.

Começamos com o passado transfigurado de “Salomon song”, terminamos a viagem olhando em frente (“Future days”, dos Can). Para os não iniciados à música alemã do período, estas 30 canções serão uma óptima revelação.

Sem country à vista

Tired PonyThe Place We Ran FromV2; distri. Nuevos Medios

mmnnn

Os Tired Pony são a super banda que Gary Lightbody, vocalista dos Snow Patrol, montou para saciar um

capricho. O líder da banda que segue na peugada dos Coldplay no capítulo pop épico-grandiloquente achava que tinha um disco country dentro dele e, para o concretizar, reuniu à sua volta um conjunto de músicos interessantes como M Ward, Peter Buck, dos R.E.M., ou Richard Colburn, baterista dos Belle & Sebastian. Também trouxe Zooey Deschanel, a

The Books: um disco de dois músicos que digerem uma pilha de informação, como quem leva a sua colecção de discos para uma ilha deserta

Encontramos aqui aqueles que, na década de 70, cruzaram rock psicadélico com electrónica futurista, como os Neu!

Tired Pony: Gary Lightbody com Peter Buck, entre outros

Prémios

O Vimeo - plataforma tipo YouTube, mas com menos lixo e mais “arte” - está a organizar o seu primeiro festival de sempre e já anunciou a composição do júri (e é bastante impressionante): M.I.A., uma rapariga

que sabe fazer vídeos polémicos (ou pelo menos contratar quem os faz) e os cineastas David Lynch, Roman Coppola, Doug Pray e Morgan Spurlock. O festival vai ter lugar a 8 e 9 de Outubro em Nova Iorque.

P

Page 36: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

36 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Roky EricksonTrue Love Cast Out All EvilChemichal Underground; distri. Popstock

mmnnn

Roky Erickson é o protótipo de mito do rock: chegou, criou um buraco negro, sugou a electricidade à sua volta e depois

implodiu. Em três simples discos com os 13th Floor Elevators, Erickson criou, entre 1967 e 1969, um corpo de rock psicadélico capaz de induzir delírios de freira encarcerada na mais profunda ateia. Depois, à conta de um simples charro, foi preso e para não ir de cana aceitou ser “tratado”. No caso, Erickson foi uma espécie de cobaia e de exemplo usado contra o deboche do rock’n’roll – quando saiu do instituto mental estava de tal modo perturbado e doente que acabou a viver nas ruas. Não quer dizer que não tenha gravado ou tocado ao vivo pontualmente, mas só agora se pode falar de um regresso “tout court” – e mesmo assim temos dúvidas. O disco começa com uma faixa gravada durante o tratamento psiquiátrico, uma faixa com mau som, espécie de folk disfuncional religiosa à qual foi adicionado posteriormente um arranjo de cordas – é uma canção extraordinária, muito frágil e delicada e próxima do universo de uns Sparklehorse. A mesma técnica é usada para fechar o disco e no meio estão as novas canções, que partem de uma base folk.

Erickson canta como um velho bardo sabido (ou um velho acabado

e bebido, é difícil distinguir) e há pianos e acordeões e

uma outra guitarra mais suja, da

mesma forma que há uma ou outra canção mais inspirada, mas grosso modo é tudo tão emocionante como uma canção média dos Overkill River, banda que acompanha Erickson neste regresso e cujo líder, Will Sheff, assina todos os arranjos – que têm a rebeldia de um fato de comunhão de um puto de dez anos. O que faz pensar que isto não é o regresso de Erickson à composição: é um empréstimo do que resta da sua voz a gente que certamente o admira e quer ajudar. Mas a um homem desta cepa, um dos poucos que de facto foi um pirómano com a guitarra, talvez fosse melhor darem-lhe dinheiro para cigarros e whisky em vez de canções bem feitinhas. J.B.

High PlacesHigh Places vs MankindThrill Jockey; distri. Popstock

mmnnn

Há dois anos, os High Places lançaram um disco de estreia prodigioso, um tratado de pop minimal, ao

mesmo tempo frágil, exótico e onírico. Fizeram o mais difícil, que é criar um som único e encantatório, capaz de marcar uma época. Agora o duo – que trocou Brooklyn por Los Angeles - enfrenta o problema mais difícil a seguir, que consiste em não repetir a fórmula durante os próximos 30 anos. O tema de abertura com Mary Pearson num registo de sereia ondulante sobre o funk aquático e as melodias-brinquedo de Rob Barber é avassalador, mas poderia estar no disco de estreia.

As novidades vêm depois com aproximações à pista de dança, flirtagens com o rock progressivo e o ambientalismo praticado como jogo de espelhos, à maneira de Harold Budd. Tudo isso está muito bem, mas pelo meio há um par de baladas que soam como pouco mais que

vulgarizações do

primeiro álbum, algo como os High Places a reciclarem-se para uma plateia mais convencional. Este segundo álbum tem, portanto, o mérito de arriscar, ou ser bem mais do que um duplo do precedente. Mas nem por isso deixa de ser uma manta de retalhos, parte dos quais melhor seria amadurecerem antes de verem a luz do dia. Não será uma completa desilusão, mas o sentido de propósito do álbum de estreia esfumou-se, sem que se perceba muito bem para onde caminham os High Places. Luís Maio

Jazz

Leveza e gravidadeUm surpreendente duo de saxofone barítono e piano, gravado ao vivo numa igreja da Pensilvânia. Rodrigo Amado

Charles Evans/Neil ShahLive at St StephensHot Cup

mmmmn

Lançado ainda no final do ano passado, este “Live at St Stephens” é um

dos registos que me tem

acompanhado nos últimos meses. Reunindo dois jovens músicos norte-americanos, Charles Evans no

saxofone barítono e Neil Shah no piano, possui uma rara qualidade de clareza e transparência que nos faz “observar” de perto todos os detalhes e subtilezas do sax barítono, instrumento cujas frequências graves

surgem habitualmente ocultadas por outros instrumentos ou gravações menos conseguidas.

Numa acústica perfeita, sem demasiado eco e com os instrumentos captados em proximidade, este registo coloca-nos no centro do universo bem pessoal de Evans e Shah, um mundo feito de um lirismo contido onde a exuberância melódica de Keith Jarrett encontra a orgânica dos graves de Gerry Mulligan, com subtis evocações de Don Cherry, Archie Shepp ou Thelonious Monk, tocados pela intensidade expressiva do que poderia ser a banda sonora de um film-noir. Interpretando composições de Evans, os dois músicos lançam-se numa sequência de diálogos improvisados, marcados pelo espaço e pela contenção, onde melodias e harmonias bem definidas são subtilmente “perturbadas” por pequenos micro-tonalismos ou passagens abstractas de grande expressividade. Uma boa referência para esta música pode encontrar-se na figura de Charles Ives, um dos grandes compositores norte-americanos do século XX e uma das principais influências de Evans - da sua música diz-se possuir “uma capacidade inigualável para invocar os sons e sensações da vida dos americanos.”

Dis

cos aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

“Observar” de perto todos os detalhes e subtilezas do sax barítono

Erickson canta como um velho bardo sabido (ou um velho acabado e bebido, é difícil distinguir)

High Places: o sentido de propósito do álbum de estreia esfumou-se

Page 37: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 37

proporcionando encontros históricos, o festival tem participado activamente no desenvolvimento da uma vertente criativa no jazz nacional, crescendo com ela e afirmando-se como um evento cultural único e obrigatório. Como grande destaque desta edição surge, logo a abrir, o encontro histórico entre duas figuras míticas do jazz, o saxofonista John Surman e o baterista Jack DeJohnette (dia 6, 21h30), duo que surgiu já documentado em dois registos obrigatórios, “The Amazing Adventures of Simon, Simon” e “Invisible Nature”. Deles se espera um diálogo iluminado, absolutamente universal, marcado pela utilização que ambos fazem da electrónica. Outro dos concertos aguardados com particular expectativa é o do Electro-Acoustic Ensemble do saxofonista Evan Parker (dia 8, 21h30), uma extraordinária formação alargada (18 músicos) que inclui notáveis como Peter Evans, Ned Rothenberg, Barry Guy, Paul Lytton ou Ikue Mori. Jazz impressionista, abstracto, que se constrói através de uma comunicação vital entre os músicos.

Para o segundo fim de semana, estão ainda reservadas duas ocasiões a não perder; o quinteto do clarinetista francês Louis Sclavis (dia 13, 21h30), formação que gravou o seu mais recente registo, “Lost on The Way”, e que integra quatro dos mais inspirados jovens músicos gauleses, e ainda o ensemble free Circulasione Totale Orchestra (dia 15, 21h30), projecto do saxofonista e clarinetista Frode Gjerstad dedicado à intensidade libertária (diria mais incendiária) do free jazz - uma formação multinacional que integra grandes improvisadores como o histórico baterista sul africano Louis

Moholo, o trompetista Bobby Bradford ou o baterista Paal Nilssen-Love.

Importante, ainda, o regresso de projectos nacionais, ausentes da edição do ano passado, e desta vez representados pelos Red Trio de Rodrigo Pinheiro, Hernâni Faustino e Gabriel Ferrandini (dia 14, 18h30), uma formação notável que pratica uma improvisação livre com múltiplas referências à estética do jazz, e o vibrante Open Speech Trio (dia 8, 15h30), projecto do flautista Carlos Bechegas, pioneiro da música improvisada no nosso país e adepto de uma livre improvisação não-idiomática, desta vez acompanhado por Ulrich Mitzlaff e Miguel Feraso Cabral.

Completam a programação, o trio Steamboat Switzerland, o projecto Sol 6, liderado pelo baixista Luc Ex e pelo pianista Veryan Weston, o duo do pianista Guus Janssen com o baterista Han Bennink, e o trio formado por Pat Thomas (piano), Raymond Strid (bateria) e Clayton Thomas (contrabaixo).

Esperanza!

Esperanza Spalding ELM TrioCom Esperanza Spalding (voz e contrabaixo), Leo Genovese (piano) e Francisco Mela (bateria).Porto. Jardins do Palácio de Cristal - Concha Acústica. R. D. Manuel II, às 22h. Entrada gratuita.

Esperanza Spalding, jovem contrabaixista e cantora com apenas 26 anos,

tornou-se rápidamente uma celebridade. Uma cara bonita, um talento instrumental fora do comum para a sua idade, uma energia que a todos contagia e o convite para participar em projectos de grandes nomes como Joe Lovano lançaram-na para a linha da frente do jazz internacional. No próximo domingo, dia 8, Esperanza estará no Porto, nos Jardins do Palácio de Cristal, para um concerto integrado no habitual ciclo de verão Porto Blue Jazz em que se apresentará em trio com dois excelentes instrumentistas, o pianista Leo Genovese e o baterista Francisco Mela, músicos que podem ser habitualmente ouvidos ao lado de gente como Lovano, George Garzone ou Chris Cheek. Apesar de algumas naturais limitações que se tornaram óbvias em actuações recentes de Spalding, o facto é que a sua música é sinónimo de um jazz aberto, ligado às raízes do soul e do rhythm & blues. Uma festa! R.A.

Pop

A electrónica toda em Viana do CasteloEllen Allien e Vitalic a abrir o Neo Pop Festival. Mário Lopes

Neo Pop FestivalDia 12

Vitalic + Ellen Allien + 2000 and One + Miguel Rendeiro + Stereo Addiction + Tiago Magalhães.Dia 13

John Digweed + Ben Klock + Cobblestone Jazz + Freshkitos + Rui Estevão + Magazino & José BeloDia 14

Adam Beyer + Anja Schneider + Pär Grindvik + Expander +

Nuno di RossoViana do Castelo. Castelo de Santiago da Barra. Campo

do Castelo, às 22h. Tel.: 935456805. 20€ (dia) a 40€ (passe).

Já se chamou AntiPop e agora é Neo Pop,

mas o espírito mantém-se. Ou seja, ser palco daquilo que de mais relevante se vai fazendo na música

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Con

cert

os

Jazz

Jazz em festaJack DeJohnette, John Surman, Evan Parker e Louis Sclavis brilham num programa apontado às franjas mais criativas do jazz. Rodrigo Amado

Jazz em Agosto 2010Dia 6John Surman + Jack DeJohnetteLisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre. Avenida de Berna, 45A, às 21h30. Tel.: 217823700. 20€.

Dia 7Steamboat SwitzerlandCom Dominik Blum (órgão), Marino Pliakas (baixo eléctrico), Lucas Niggli (bateria e percussão).Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre. Avenida de Berna, 45A, às 21h30. Tel.: 217823700. 17,5€.

Dia 8Open Speech TrioLisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Auditório 2. Avenida de Berna, 45A, às 15h30. Tel.: 217823700. 10€.

Guus Janssen + Han BenninkLisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Auditório 2. Avenida de Berna, 45A, às 18h30. Tel.: 217823700. 10€.

Evan Parker Electro-Acoustic EnsembleLisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Anfiteatro ao Ar Livre. Avenida de Berna, 45A, às 21h30. Tel.: 217823700. 20€.

Arranca hoje a 27ª edição do Jazz em Agosto, festival dedicado à divulgação do que de mais criativo se vai fazendo no universo do jazz actual. Assumindo riscos, provocando o debate e

Festival

Virgem Suta, Nouvelle Vague, Orelha Negra, UB40 e o projecto Amália Hoje são alguns dos nomes que constam do cartaz da 26ª edição do Festival do Crato, que se realiza

de 25 a 28 de Agosto naquela vila histórica do Alto Alentejo. Os preços dos bilhetes diários oscilam entre os cinco e os dez euros; o passe para os quatro dias custa 18 euros.

Aguardados com particular expectativa na Gulbenkian: Evan Parker e o Electro-Acoustic Ensemble

Esperanza Spalding no Porto: um talento fora do comum

Virgem Sut

Page 38: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

38 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

Jamiroquai, Colbie Caillat e Massive Attack a Sudoeste (e também em Loulé, no caso de Caillat)

electrónica contemporânea. No Forte de São Julião

da Barra, em Viana do Castelo, de 12 a 14 de Agosto, haverá techo e house e electro, minimal e maximal, ver-se-á gente dedicada a fazer bem ao corpo de quem dança (tudo lúdico) e gente a pedir audição atenta a todos os pormenores (tudo cerebral).

No Neo Pop Festival, Ellen Allien, figura de destaque da electrónica desta década, vem de Berlim para oferecer ao público o seu tecno com as doses recomendadas de experimentalismo, e Vitalic, francês que editou em 2009 “Flashmob” - álbum em que a euforia de “Ok Cowboy”, o disco anterior, surge cruzada com um renovado interesse por elementos disco - apresentará o seu novo formato concerto, o V-Mirror Live, que se anuncia como festim de cor e luz para entontecer os sentidos, o que casará bem com a música sempre em crescendo do produtor. No primeiro dia, actuam

ainda 2000 and One, projecto do veterano holandês Dylan Hermellin, os Stereo

Addiction, Miguel Rendeiro e Tiago

Magalhães.Sexta e sábado, o Neo-

Pop apresenta como destaques em cartaz o britânico John Digweed, o sueco Pär

Grindvik, Anja Schneider, outra representante do tecno berlinense, ou os Cobblestone Jazz, trio que se

entrega à descoberta, improvisando em tempo real.

Surf, cerveja e reggae

Super Bock Surf Fest 2010Dia 12

Anthony B + Alborosie + David Fonseca + SOJA + Mikkel Solnado + DJ Patife + Sierra Sam.Dia 13

Patrice + Vanessa da Matta + Freddy Locks + João Maria + Nuno di Rosso + Miguel NetoSagres. Praia do Tonel, às 19h. Tel.: 210105700. 25€ (dia) a 40€ (passe).

Os surfistas dedicam-se ao desporto durante todo o ano, mas é o Verão que melhor representa a iconografia da coisa. E no Verão, de há uns anos para cá, tudo se mistura. Os festivais “de música” tornam-se também “de surf” e, já que desde há décadas os surfistas não ouvem Beach Boys, a conjugação resulta assim: Super

Bock Surf Fest, surf, cerveja e reggae. O próximo começa na próxima quinta-feira, dia 12, na Praia do Tonel, em Sagres, e tem como destaques Anthony B, Patrice, Alborosie, Vanessa da Mata e David Fonseca.

Quinta, Anthony B, músico de longa carreira e presença habitual em Portugal, encerra a noite depois da actuação de Alborosie, o italiano devoto de Jah que decidiu trocar a Sicília pela Jamaica e é hoje considerado um dos grandes nomes do reggae contemporâneo - o autor de “Soul Pirate”, porta aberta para o sucesso em 2008, já colaborou com Manu Chao e já produziu Shakira. Antes dele, David Fonseca fará uma pausa no reggae com uma mão cheia de pop. O cantor de “Someone that cannot love” subirá a palco depois dos americanos SOJA, banda que largou o fascínio por rock e hip-hop quando ouviu o chamamento da lenda Marley e da semi-lenda Peter Tosh e, desde então, mantém-se fiel ao roots reggae, como se prova pelo título do álbum que apresenta em Sagres: “Born in Babylon”. A abrir o palco principal estará Mikkel Solnado e, noite fora, haverá festa tropicalista com DJ Patife.

O festival encerra no dia seguinte, com uma armada reggae global e uma feliz intrusa. Ou seja, um alemão, Patrice, uma banda de angolanos e portugueses, os Mercado Negro de Messias, ex-Kussondulola, e um lisboeta inspirado na tradição jamaicana,

Freddy Locks, que lançou há alguns meses “Seek Your Truth”. A intrusa, claro, é Vanessa de Mata – mas só em parte, que a cantora de “Boa sorte

Good Luck” conta no currículo com álbuns gravados na Jamaica e canções produzidas pela mítica dupla Sly & Robbie. Jah rules, portanto. M.L.

Con

cert

osaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Tel.: 919851927. 30€ (dia) a 50€ (passe).

Vagos Open Air 2010.

Mão MortaVila Nova de Gaia. Mosteiro da Serra do Pilar. Largo de Avis, às 22h. Entrada gratuita.

Festival Rock às Sextas.

Carminho + VivianeLagoa. Senhora da Rocha, às 22h. 6€.

Cristina BrancoEstoril. FIARTIL. Pç. José Teodoro dos Santos, às 21h30. Tel.: 214661743. 2,5€.

Sábado 7Mika + Sugababes + Brett Dennen + João Só e Abandonados + Diabo na Cruz Zambujeira do Mar. Herdade da Casa Branca, às 18h45. 40€ (dia) a 80€ (passe).

Festival Sudoeste.

Carmen SouzaCaldas da Rainha. Centro Cultural e Congressos - Grande Auditório. Rua Doutor Leonel Sotto Mayor, às 22h. Tel.: 262889650. 12,5€ a 15€.

Ivan LinsVila Real. Teatro de Vila Real - Auditório Exterior. Alameda de Grasse, às 22h30. Tel.: 259320000. Entrada gratuita.

Colbie CaillatLoulé. Lg. Duarte Pacheco, às 22h. Tel.: 289400600. 30€.

Sierra MaestraLisboa. Centro Cultural de Belém.

Praça do Império, às 22h. Tel.:

Agenda213612400. Entrada gratuita.

Orchestra Popolare ItalianaVila Real de Santo António. Praia da Manta Rota, às 22h. Tel.: 214408565. Entrada gratuita.

Festival Sete Sóis Sete Luas 2010.

Carcass + Kamelot + Amorphis + Ghost Brigade + Oblique Rain Vagos. Lagoa de Calvão, às 17h. Tel.: 919851927. 30€ (dia) a 50€ (passe).

Vagos Open Air 2010.

DeolindaPortimão. Zona Ribeirinha, às 22h. Tel.: 282470785. 3,5€.

Tito Paris + Kumpania AlgazarraLagoa. Senhora da Rocha, às 22h. 6€.

Ena Pá 2000Lisboa. Maxime. Praça da Alegria, 58, às 23h30. Tel.: 213467090. 10€.

MazganiSetúbal. Manteigadas, às 22h. Tel.: 265541500. Entrada gratuita.

Adufeiras e Bombas + Pé na Terra + Kazachok + Mosca ToscaCarvalhais, às 21h30. Tel.: 266732504. 25€ a 150€.

Andanças .

Adriano JordãoÓbidos. Casa da Música. R. Direita, às 21h. Tel.: 262955500. 15€ (concerto) a 100€ (passe).

XV Semana Internacional de Piano de Óbidos.

Mário Laginha, Pedro Burmester e Bernardo Sassetti

Vila Nova de Cerveira. Auditório Municipal. Praça do Município, às 22h. Tel.: 251708020. 7€.

Cerveira ao Piano.

Domingo 8Massive Attack + Air + Mike Patton’s Mondo Cane + Martina Topley-Bird + Carminho + Beirut Zambujeira do Mar. Herdade da Casa Branca, às 19h05. 40€ (dia) a 80€ (passe).

Festival Sudoeste.

Maria do CeoLisboa. Praça do Município, às 22h. Tel.: 210312700.

Entrada gratuita.

Roda de Choro de LisboaLisboa. Castelo de São Jorge. Castelo, às 11h30. Tel.: 218800620. Entrada gratuita.

DeolindaSetúbal. Manteigadas, às 22h. Tel.: 265541500. Entrada gratuita.

Segunda 9Hélder MoutinhoLisboa. Praça do Município, às 22h. Tel.: 210312700. Entrada gratuita.

Terça 10Maria Anadon + Orquestra de Jazz de LagosLagos. Centro Cultural de Lagos. R. Lançarote de Freitas, 7, às 22h. Tel.: 282770450. 8€.Lagos Jazz 2010.

Galandum Galundaina

Tavira. Praça da República, às 22h. Tel.: 281320500. Entrada gratuita.

Quarta 11Ronnie Scott Legacy BandLagos. Centro Cultural de Lagos. R. Lançarote de Freitas, 7, às 22h. Tel.: 282770450. 10€.

Lagos Jazz 2010.

Quinta 12Sei MiguelLisboa. Centro Cultural de Belém - Cafetaria Quadrante. Praça do Império, às 22h. Tel.:

213612400. Entrada gratuita.

MuximaEstoril. Casino Estoril. Pç. José Teodoro dos Santos, às 23h. Tel.: 214667700. Entrada gratuita.

JP SimõesLisboa. MNAC - Museu do Chiado. Rua Serpa Pinto, 4, às 19h30. Tel.: 213432148. Entrada gratuita.

Nouvelle VagueVilamoura. Oceânico Victoria Golf Course, às 22h. Tel.: 289818582. 25€.

Mundo SecretoEspinho. Alameda 8, às 22h. Tel.: 227335800. Entrada gratuita.

Special Quartet plus Perico SambeatLagos. Centro Cultural de Lagos. R. Lançarote de Freitas, 7, às 22h. Tel.: 282770450. 8€.

Lagos Jazz 2010.

Sexta 6Jamiroquai + Colbie Caillat + James Morrison + Expensive Soul + Orelha Negra + Lykke Ki + DJ Shadow + Zion TrainZambujeira do Mar. Herdade da Casa Branca, às 19h45. 40€ (dia) a 80€ (passe).

Festival Sudoeste.

Toques do Caramulo + Uxu Kalhus + Charanga + Moxi Wadi Tatu + Grupo Fuá + Pé na TerraCarvalhais, às 21h30. Tel.: 266732504. 25€ (dia) a 150€ (passe).

Andanças.

Orchestra Popolare ItalianaBarcarena. Fábrica da Pólvora. Estrada das Fontaínhas, às 22h. Tel.: 214387460. Entrada gratuita.

Festival Sete Sóis Sete Luas 2010.

OrangoTangoLisboa. Centro Cultural de Belém - Praça do Museu. Praça do Império, às 22h. Tel.: 213612400. Entrada gratuita.

Phil MendrixLisboa. Maxime. Praça da Alegria, 58, às 23h30. Tel.: 213467090. 8€.

Meshuggah + My Dying Bride + Ensiferum

Vagos. Lagoa de Calvão, às 17h.

Jamiroquae Massive (e((((( também

RazoávelmmmBommmmmaMaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmMeMMMeeeMeMMeMeeeMMMMMMMMMMMeMMMMMMeMeMeMMMMMMeMMMMMMMMMMMMMMeMMeMMMMMMMMMMMMMeMMMMMMMMMMMeMMMMMMMeMeMMMMMMMMeMeMMMeMMMMMMMMMMMMMMMMeMMMMMMMMMMMMMMMMMMMeMMeMeeMMeMeMMMMeMeMMMeMMMMMMMMMeMMeMMMMMMMMMMeMMMeMMeeeeeeeMeMMMMMMeeeeeeeeMeMMeMMMMMeMeeeeeeeeMMMMMMeMMMMMeMeeMeeeeeeeeMMeMMMMeeeeeeeeeeMeMMMMeeeeeeeeeeMMMMMMeeeeeeMMMeeeeeMeMMMMMMMeeeeeeeeeMMMeeeeeMMMMeeeeeeMMeeeMMMMMMeeeeeeeeMMMMMMMMeeeeMMMMMMeeeeeeeeeMMMMMMMeeeeeeMMMMMMMMMMeeeeeeeeMMMMMMMMMMeeeeedddddddddddddddddddddddddddddíííííííooooocoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo remmR

Ellen Alien, fi gura de destaque da electrónica desta década no Neo Pop Festival

Carmen Souza nas Caldas da Rainha

Anthony B encerra a noite de quinta-feira no

Super Bock Surf Fest

Page 39: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 39

aproveita para criar algo para a comunidade e para o Sou”, o espaço na Rua Maria, nos Anjos, em Lisboa, que acolhe de 9 a 14 de Agosto vários espectáculos. “C’est Mon fils Marcel Duchamp”, de Miguel Moreira com Sandra Rosado e Duarte Moreira; “Simulacro”, de Susana Vidal e com Carla Ribeiro e Maria João Garcia, já apresentado no 32º Citemor; a bossa nova de Ana Freitas e Miguel Mendes com “Anita no Brasil”; “Somos Luzysonido”, de Félix Lozano e Sérgio Martin; “Sócrates no sofá”, do bailarino Sócrates Napoleão Lima, e a lista continua. O Ao Gosto percorre toda uma agenda de nomes das artes performativas, de Marlon Fortes a Ricardo Santanna, passando por Romeu Runa, Gustavo Sumpta ou Nuno Zúniga.

São mais de 20 propostas, todas a partir das 20h30 no Sou, em espírito do mais comunitário que há – mais, só mesmo nas redes, não das que se penduram nas árvores nestes dias estivais de festivais, mas daquelas em que nos penduramos para criar movimento.

Aqui, em vez de uma figura de programador, há uma figura de “não programador”. Félix Lozano começou a falar com os amigos espontaneamente para juntar toda esta gente: “Não programo, convido”. “Propostas imediatas e não premeditadas”, fruto de encontros na rua, “desafios no momento, aceitas ou não”, conta-nos. O Festival Ao Gosto é isto, um reencontro de amigos artistas com propostas para uma semana de Agosto, alguns pessoalmente, outros via vídeo em diferido, mas todos com a ideia de que o mundo é uma rede que, nas próximas edições, se quer expandir. “Tipo Facebook: agora é um festival com os amigos, talvez cresça para chamar os amigos dos amigos e se crie um festival” com mais artistas e público ainda. Ou então “desactiva-se a conta”, ri-se.

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Tea

tro/

Da

nça

Dança

Pequenos crimes entre amigosUm festival “a custo zero” estreia-se em Lisboa: damça, performance, teatro, fotografia, vídeo e música numa sopa da pedra. Joana Amaral Cardoso

Festival Ao Gosto

Lisboa. Sou - Movimento e Arte. R. Maria, 73. De 9/08 a 14/08. 2ª a Sáb. às 20h30. Tel.: 211547790. Entrada gratuita.

Esteve para se chamar Ao Gosto do Freguês, mas encurtou-se para Ao Gosto, brincadeira com o mês em que se estreia nesta edição zero, já a partir de segunda-feira, e também com a ideia de que é o público que decide, afinal e no final, o que gosta no programa, o que quer ver. “Não é um festival temático, deixamos que as pessoas nos escolham”, explica ao Ípsilon Félix Lozano, bailarino, coreógrafo, actor e agitador em geral.

E é também um “festival a custo zero”, diz ainda Félix Lozano, porque é uma edição zero, em que a entrada é livre para o público (em tempo de crise...) e em que os artistas participam sem honorários. Ao Gosto é um festival ou uma sopa da pedra, como se lê no seu programa, porque junta os ingredientes que há à mão – os amigos. Que dançam, fazem performance, teatro, fotografia, vídeo ou música. “O festival nasce da vontade de agir, de criar um grupo de amigos que, mesmo sem meios,

Teatro

EstreiamEl Lugar y La Palabra. Conversation Interferida. Beirut + Impromptus + Tiempos Como EspaciosDe Fernando Renjifo. Com Ziad Chakaroun, Alberto Núñez Registos, Abbas Beydoun, Ziad Chakaroun, Chafa Ghaddar, Christian Ghazi, Ibrahim, Raif Karam, Siham Nasser, Walid Sadek, Renato Linhares, Marta Azparren. Montemor-o-Velho. Sala B. R. Cadeia Velha. De 06/08 a 07/08. 6ª e Sáb. às 22h30. 7,5€ a 10€.Citemor - 32º Festival de Montemor-o-Velho.

ContinuamO Sossego que ali Havia Assemelhava-se ao da EternidadeDe Jaime Salazar Sampaio. Encenação de São José Lapa, Inês Lapa Lopes, Rui Pedro Cardoso. Azóia. Espaço das Aguncheiras. Rua das Aguncheiras. Até 22/08. 6ª a Dom. às 18h30. Tel.: 212682430.

Porque na Noite Terrena Sou Mais Fiel que Um CãoDe Joana Craveiro. Encenação de Joana Craveiro. Com Inês Rosado, Rosinda Costa, Tânia Guerreiro. Sintra. Casa de Teatro. R. Veiga da Cunha, 20. Até 10/10. Sáb. às 21h30. Tel.: 219233719.

Festival Trans_Sintra.

Amor com Amor se PagaA partir de Tchékhov, Strindberg, Ibsen, Karl Valentin. Pela Companhia Teatral do Chiado. Encenação de Juvenal Garcês. Com Alexandra

AgendaSargento, Emanuel Arada, João Carracedo, Manuela Cassola. Lisboa. Teatro-Estúdio Mário Viegas/Companhia Teatral do Chiado. Lg. Picadeiro, 40. Até 07/08. 6ª às 22h. Tel.: 707302627. 25€.

Dança

EstreiamNova Criação 2010De Francisco Camacho, Bruno de Almeida (filme). Com Mariana Tengner Barros, Rafael Alvarez, Tiago Cadete, Francisco Camacho. Montemor-o-Velho. Teatro Esther de Carvalho. R. Dr. José Galvão, 101. Dia 08/08. Dom. às 22h30. Tel.: 239680836. 7,5€ a 10€. Citemor - 32º Festival de Montemor-o-Velho.Ver na pág. 32.

Todo lo que se mueve está vivo + Expulsadas del paraísoDe Elena Córdoba. Montemor-o-Velho. Espaço Mota-Engil/Real Estate. De 12/08 a 13/08. 5ª e 6ª às 22h30. 7,5€ a 10€.

Citemor - 32º Festival de Montemor-o-Velho.

Danças no Cubo - Danças Tradicionais da América LatinaLisboa. Centro Cultural de Belém. Praça do Império. Dia 07/08. Sáb. às 16h. Tel.: 213612400. Entrada gratuita.

CCB Fora de Si.

ContinuamLa mujer de la lágrimaDe Elena Córdoba. Com Sylvia Calle, Elena Córdoba. Montemor-o-Velho. Teatro Esther de Carvalho. R. Dr. José Galvão, 101. Até 06/08. 5ª às 22h30. Tel.: 239680836. 7,5€ a 10€.

Citemor - 32º Festival de Montemor-o-Velho.

“Simulacro”, de Susana Vidal, é uma das peças a ver em Lisboa, gratuitamente, neste número zero

doFestival AoGosto

Nova tempo-

rada

“Sagrada Família”, de Jacinto Lucas Pires, é a peça que abre a nova temporada de teatro da Culturgest, a 16 de Setembro, numa coprodução com o Teatro Viriato, de

Viseu. Com encenação da Catarina Requeijo, “Sagrada Família” é a história de dois desempregados, Pedro e Maria, que fundam uma nova religião...

PE

DR

O C

UN

HA

Page 40: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

40 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

analogias, poderíamos chamar de “eléctrico”; vale a pena recordar que este é um desenho que nasce depois do vídeo e da performance, e de todo um conjunto de inovações artísticas que dissolveram fronteiras e abalaram categorias. Daí, também, a sua natureza transitória e fluente, a sua instabilidade, a sua capacidade para oferecer ao espectador um mundo “em movimento”.

Nem por isso o reconhecimento de estratégias temporalmente mais distantes deixa de estar presente. Atente-se nas falsas colagens que aparecem aqui e ali, nos recortes que não são recortes, nas áreas cobertas de pintura. Por vezes, o delírio (de quem vê) faz pensar em papel sobre papel (nos desenhos mais pequenos), em impressões ou até em imagens geradas por tecnologias mais modernas (o computador).

Certas referências ou heranças também se pressentem: a da pintura japonesa ou as evocativas dos caminhos que se seguiram ao surrealismo, na direcção da abstracção (Ashley Gorky, Roberto Matta). Mas o desenho de Jorge Queiroz é, sobretudo, devedor de outros métodos: a performatividade e o carácter processual do fazer. Repetem-se composições, formas, motivos, desenhos, e voltamos a ver órgãos, ecrãs, superfícies, buracos. Neste contexto, aflora a hipótese de uma narrativa, embora por pouco tempo. Acaba fragmentada num universo dominado por uma confusão e uma espontaneidade irresistíveis.

O uso dos materiais é imaginativo e, com excepção de uma série de 15 desenhos, nunca predetermina as situações pictóricas. Finalmente, há

trabalhos que, aparentemente, sossegam o espectador. Um representa o que parece ser o lugar de uma exposição, outro uma estranha e longínqua paisagem. Menos exuberantes do que os anteriores, aproximam-se, pela economia do traços e dos materiais (grafite, guache e pastel de óleo), do desenho homónimo que, num dos cantos da primeira sala, espera a 1 do espectador (e que também pode ser adquirido através da compra do caderno da exposição). Mas têm, como os anteriores, a mesma energia: uma energia com o poder de renovar e multiplicar o olhar sobre a prática do desenho.

Concluímos: Jorge Queiroz é um dos melhores artistas portugueses vivos, e “Donnerstag e Outros Desenhos”, que marca o seu regresso, a título individual, ao contexto expositivo português, uma das melhores exposições do ano. Podem vê-la até 17 de Setembro.

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Exp

osElectricidade sobre papelO desenho de Jorge Queiroz é um lugar fantástico a que a imaginação e o conhecimento, embora receosos, não resistem. José Marmeleira

Donnerstag e Outros DesenhosDe Jorge Queiroz.

Lisboa. Chiado 8 - Arte Contemporânea. Largo do Chiado, 8 - Edifício Sede da Mundial Confiança. Tel.: 213237335. Até 17/09. 2ª a 6ª das 12h às 20h.

Desenho. Outros.

mmmmm

Pode parecer um lugar-comum, mas, sempre que olhamos de novo para um desenho de Jorge Queiroz (Lisboa 1966), encontramos elementos, perspectivas e realidades que da primeira vez tinham passado despercebidas. É como se as cores, os contornos e as manchas mudassem a cada olhar, mais ou menos atento, num repetido jogo de enganos. Será um rosto? Ou será uma rocha? Um corpo? Onde acaba um e começa o outro?

Em “Donnerstag e outros desenhos”, na Chiado 8, a descrição é tarefa inútil. Os motivos erram sobre o papel, as escalas aumentam e diminuem, há figuras dentro de figuras, paisagens que engolem personagens, personagens que interrompem paisagens. Um frémito

visual que, levando longe certas

Inauguram25 Anos De Re-Inícios - Constrastes, Pontes e UniõesDe Carolina Quirino. Tavira. Casa das Artes. R. João Vaz Corte Real, 96. Tel.: 213463426. De 07/08 a 11/09. 2ª a Dom. das 21h30 às 00h30.

Pintura.

Desassossego

De Lorenzo Degl’ Innocenti. Porto. Casa da Animação. R. Júlio Dinis, Ed. Les Palaces - 208-210. Tel.: 225432770. De 07/08 a 16/10. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb. das 14h às 18h.

Animação, Outros.

ContinuamWARHOL TVDe Andy Warhol. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império - CCB. Tel.: 213612878. Até 17/10. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.

Fotografia, Pintura, Vídeo, Som, Outros.

Grazia ToderiPorto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 31/10. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.

Desenho, Fotografia, Vídeo.

Menina Limpa, Menina SujaDe Ana Vidigal.Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 26/09. 3ª a Dom. das 10h às 18h.

Pintura. Instalação. Outros.

Quando os Convidados se Tornam Anfi trião

De WochenKlausur, Supersudaca, Freee. Porto. Culturgest. Av. dos Aliados, 104 - Ed. da CGD. Tel.: 222098116. Até 15/10. 2ª a Sáb. das 10h às 18h.

Instalação, Outros.

POVOpeopleDe Paula Rego, Fernando Lemos, Vieira da Silva, José Malhoa, Paulo Catrica, entre outros. Lisboa. Museu da Electricidade. Av. Brasília - Ed. Central Tejo. Tel.: 210028120. Até 19/09. Sáb. das 10h às 20h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 18h.

Documental, Pintura, Fotografia, Vídeo, Outros.

Marlene Dumas: Contra o Muro Porto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 10/10. 2ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.

Pintura.

Sem Limites - Nadir AfonsoLisboa. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa Pinto, 4. Tel.: 213432148. Até 03/10. 3ª a Dom. das 10h às 18h.

Pintura.

Tudo O Que é Sólido Dissolve-Se no Ar: O Social na Colecção BerardoLisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império - CCB. Tel.: 213612878. Até 12/09. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.

Pintura, Outros.

Mais Que a VidaDe Vasco Araújo, Javier Téllez. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av. de Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 06/09. 3ª a Dom. das 10h às 18h.

Vídeo, Fotografia, Instalação, Outros.

Zao Wou-Ki

Lisboa. Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva. Pç. das Amoreiras, 56/58. Tel.: 213880044. De 24/06 a 26/09. 2ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das 10h às 18h.

Pintura.

A Secreta Vida das PalavrasDe Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Rui Chafes, Ilda David, entre outros. Sines. CC Emmerico Nunes. Lg. do Muro da Praia, 1. Tel.: 914827713. Até 25/09. 2ª a Sáb. das 14h30 às 18h30.

Pintura, Escultura, Fotografia, Vídeo, Instalação, Outros.

Summer @ My PlaceDe Nuno Gueifão, Rosário Rebello de Andrade, Sofia Aguiar, Teresa Gonçalves Lobo, entre outros. Lisboa. Alecrim 50. R. do Alecrim, 48-50. Tel.: 213465258. Até 22/09. 2ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb. das 11h às 18h.

Pintura, Desenho, Escultura.

Regresso a CasaDe Ana Jotta, Gordon Matta-Clark, Paulo Nozolino, Pedro Cabrita Reis, Richard Tuttle, entre outros. Porto. Museu de Serralves - Casa. R. Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 26/09. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.

Pintura, Fotografia, Escultura, Vídeo, Instalação.

Summer CallingDe Daniel Lipp, Deborah Engel, Filipa Burgo, entre outros. Lisboa. 3 + 1 Arte Contemporânea. R. António Maria Cardoso, 31. Tel.: 210170765. Até 18/09. 3ª a 6ª e Sáb. das 14h às 20h.

Pintura, Fotografia, Vídeo, Instalação, Escultura.

O Caçador de BorboletasDe Eduardo Matos. Lisboa. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59 - Bairro Alto. Tel.: 213430205. Até 18/09. 4ª a Sáb. das 18h às 23h.

Fotografia, Outros.

Agenda

Gravura

O artista catalão Antoni Tapiès

(Barcelona, 1923) é o homenageado da V Bienal Internacional de Gravura do Douro, que arranca na próxima terça-feira, dia 10. Tapiès preparou

para o Museu do Douro, na Régua, uma exposição com cerca de 30 obras, que terá inauguração no próximo dia 20, às 17h30, e fi cará aberta até 31 de Outubro. Além de Tapiès, estarão representados este ano na Bienal artistas como Daniel

Hompesch, Fernando Santiago, Rafael Trelles e Silvestre Pestana. Em anos anteriores, foram homenageados Vieira da Silva, Octave Landuyt, Gil Teixeira Lopes, Nadir Afonso e Paula Rego.

O uso dose, com excepdesenhos, nsituações pic

t

sUpexestpaiexuantepela dos me pasthomóncantos a 1 do etambématravés dexposiçãanterioreenergia comultiplicardo desenho

Concluímdos melhorevivos, e “DoDesenhos”, regresso, a tcontexto expdas melhorePodem vê-la

p g p g qinterrompem paisagens. Um frémito

visual que, levando longecertas

uuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiitttiiiiiiiitt

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

Em “Donnerstag...”, há fi guras dentro de fi guras, paisagens que engolem personagens, personagens que interrompem paisagens: um frémito visual eléctrico

Page 41: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

����������� ���������������������������������������� ���!!���"#$�������%�&%��������'����������������� ���

������������ �������� ����� ��� ��������������� ����������������

��� ��������������������������� �����������!�"�#$�����������%&�'����(�������� ���&�(�������������%&�'������

www.fch.ucp.pt

)���� ������(� ���� *����+ �(��,,+�-�.�������������"�������/��� ��

// MORADA Praça Marquês de Pombal nº3, 1250-161 Lisboa

// TELEFONE 21 359 73 58

// EMAIL [email protected]

// HORÁRIO Segunda a Sexta das 9h às 21h

/// DE 24 DE JUNHO A 9 DE SETEMBRO

ARQUITE(X)TURAS

OBRAS DA COLECÇÃO BESart

/// EXPOSIÇÃO #07

LEE FRIEDLANDER // PAULO NOZOLINO // JOSÉ MAÇÃS DE CARVALHO //

DOUG AITKEN // ABELARDO MORELL // DANIEL BLAUFUKS // NUNO CERA //

JOÃO PAULO FELICIANO // THOMAS RUFF // RICARDA ROGGAN // ANA VIEIRA //

BILL HENSON // CANDIDA HÖFER // VITO ACCONCI // HIROSHI SUGIMOTO //

THOMAS STRUTH // PAULO CATRICA // PEDRO TUDELA // LESLIE HEWITT //

SABINE HORNIG // ROLAND FISCHER // STAN DOUGLAS // DAN GRAHAM //

FRANÇOISE SCHEIN //

Page 42: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

42 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

o que é o jornalismo de Gladwell. E, em consequência, sobre no que o jornalismo se vai tornar no futuro. O artigo “Uma Coisa Emprestada”, por exemplo, é sobre plágio. Conta a história de uma dramaturga que, para a sua peça que fez êxito na Broadway, copiou a vida de uma cientista real e entrevistas publicadas pelo próprio Gladwell. Usou descaradamente frases inteiras, sem atribuir autoria.

“Sim, ela tinha copiado o meu trabalho”, escreve Gladwell. “Mas ninguém perguntava porque é que ela tinha copiado, nem o que tinha copiado, nem se a sua cópia servia um objectivo maior”. Para concluir que não existe propriedade

intelectual da mesma forma que existe propriedade material. As coisas do espírito não pertencem a ninguém, porque, ao contrário do que acontece com as coisas materiais, o facto de serem roubadas não expropria o seu dono. O roubo de ideias multiplica-as, e faz nascer novas e melhores ideias. Ou seja, elas pertencem a todos.

Outra pista: em dois artigos, um sobre a falência da empresa Enron, e outro sobre o fracasso dos serviços secretos em prever os actos terroristas, Gladwell fala da quantidade de informação que está disponível para todos e da incapacidade que temos para a processar. O colapso da Enron foi

previsto por dois estudantes que, num trabalho escolar, se limitaram a fazer as contas. Mas nenhum analista sério chegou lá. O atentado contra as Torres Gémeas não foi prevenido porque a CIA e o FBI andavam entretidos a rivalizarem um com o outro. A não partilha de informações entre os vários organismos foi também a razão de não se ter previsto Pearl Harbour ou o fiasco da Baía dos Porcos. O primeiro artigo intitula-se “Segredos Conhecidos de Todos” e o segundo “Unir os Pontos”.

É esse o campo de trabalho de Malcolm Gladwell: revelar os segredos conhecidos de todos e unir os pontos do que está disperso.

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Liv

ros

Jornalismo

O prazer de pensarOs artigos de Malcom Gladwell são o jornalismo do futuro: não dão informações, apenas relacionam as coisas de forma surpreendente. Paulo Moura

O que o Cão ViuMalcom Gladwell(Trad. Isabel Veríssimo)Dom Quixote

mmmmm

A “New Yorker” não é uma revista normal. Seria a melhor revista do mundo se não estivesse... um pouco fora do mundo. Em que outra publicação um jornalista poderia voltar-se

para o director e dizer: “Quero fazer um artigo de mais de dez páginas sobre o ‘ketchup’ e o facto de não haver nenhuma marca melhor do que a Heinz”? Ou: “Gostaria de escrever uma reportagem sobre a diferença entre as pessoas que bloqueiam e as que entram em pânico”. Ou ainda: “O tema da minha peça, que tem cerca de 40 mil caracteres, é a semelhança entre uma mamografia e uma fotografia de satélite militar”. E em que outra revista estas propostas seriam aceites?

Durante mais de uma década, Malcolm Gladwell escreveu sobre estes temas e outros ainda mais extravagantes na “New Yorker”. Agora reuniu uma selecção desses textos e publicou-os em livro, sob o título “O que o Cão Viu”, que é o nome de um dos artigos. A Dom Quixote traduziu e publicou a obra em Portugal.

Para quem não está familiarizado com a “New Yorker” e pensa que jornalismo são notícias, este livro é um objecto estranho. Não é fácil explicar qual é o seu género ou o seu tema. Uma coisa é certa: não é ficção. Também não é divulgação sociológica ou económica. Nem investigação, científica ou policial. Não é um livro de humor, nem de ensaio, crónica, futurologia ou auto-ajuda. Malcolm Gladwell não é cientista, ensaísta, polícia ou comediante. Ele é, e dizer isto não tem nada de inocente, jornalista.

Para quem souber ler nas entrelinhas, os textos publicados em “O que o Cão Vê” dizem muito sobre

Num artigo sobre a falência da Enron, Gladwell analisa a incapacidade actual para processar toda a informação disponível: o colapso da empresa foi previsto por dois estudantes que selimitaram a fazer as contas, mas não pelos analistas encartados

RE

UT

ER

S/R

ICH

AR

D C

AR

SO

N

Page 43: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 43

Saga

A Morte do OuvidorGermano AlmeidaCaminho

mmmmn

Ponto de partida: as desrazões da prisão de António de Barros Bezerra de Oliveira, acusado de autoria moral do assassinato de João Vieira de Andrade, ouvidor-

geral das ilhas de Cabo Verde. Bezerra de Oliveira e nove cúmplices foram presos em Santiago, trazidos para Lisboa, julgados e condenados à morte. Depois de enforcados, as suas cabeças foram cortadas e levadas para Santiago, espetadas em chuços erguidos e exibidas ao povo na vila da Praia, “para mostrar a todos o que tinha sobrado”. Estamos em 1764, sob o iluminismo do Marquês de Pombal.

História, portanto. Germano Almeida (n. 1945) prefere chamar-lhe narrativa histórica, assim se defendendo dos historiadores ortodoxos. Diz o autor, logo a abrir, que “A Morte do Ouvidor” não foi escrito para ser um romance,

Hoje, a informação está ao alcance das pessoas. O segredo é saber procurar e, acima de tudo, relacionar. Num mesmo artigo, Gladwell põe em relação histórias de pessoas, teorias científicas, factos históricos. E chega a conclusões surpreendentes.

Há quem diga que ele abusa. Que descura o rigor científico, que manipula. Que tem uma agenda pessoal conservadora, de direita, e que é um impostor. Outros dizem que ele é o pensador mais influente do mundo. Que descobriu uma nova forma de pensar e de escrever.

Todos os seus livros – “A Chave do Sucesso”, “Blink” e “Outliers” – foram “bestsellers”, e tudo indica que este vai seguir o mesmo caminho. Há portanto uma receita, algo que fascina os leitores e os leva a ler Gladwell não para serem informados, não para se cultivarem, não para estarem a par dos grandes problemas do nosso tempo, mas por puro prazer. O prazer de pensar.

Ficção

Judeus com espadasUma divertida e animada paródia dos romances de aventuras, escrita por um dos mais talentosos autores da “nova” literatura norte-americana. José Riço Direitinho

Cavalheiros da EstradaMichael Chabon(Trad. Fernando Villas-Boas)Casa das Letras

mmmmn

Enquanto se prepara a adaptação cinematográfica do anterior romance do americano de origem judaica Michael Chabon (n. 1963), o

magnífico “O Sindicato dos Polícias Iídiches” (Casa das Letras, 2009), pelos irmãos Joel e Ethan Coen, a editora portuguesa decidiu publicar o divertido “Cavalheiros da Estrada”, uma paródia com arremedos pós-modernos dos populares “romances de aventuras” do século XIX. Este é o quinto romance de Chabon – que em 2001 recebeu um Pulitzer por “The Amazing Adventures of Kavalier & Clay”, em português “A Liga da Chave Dourada” (Gradiva, 2010) –, autor ecléctico cujo trabalho se tem dividido entre guiões para

cinema, livros infantis, banda desenhada, contos, histórias em fascículos, e a edição de números avulsos da “McSweeney’s” (a revista de culto criada por outro talento das letras americanas, Dave Eggers) e da “Best American Short Stories”.

“Cavalheiros da Estrada” (que durante parte da fase de escrita, confessa Michael Chabon no posfácio, teve o título “Judeus com Espadas”, que o autor abandonou por algumas pessoas o acharem risível) começou por ser uma história publicada em capítulos (são 15), semanalmente, na “New York Times Magazine”. O romance é uma animada sucessão de aventuras “quixotescas” repletas de espadas, lâminas a cortarem o ar, cavalos, cargas de elefantes, prisões, fogueiras de bosta de camelo, bordéis e caravansarais, pilhagens, fugas inesperadas e raptos espectaculares, que por vezes nos trazem reminiscências de Alexandre Dumas, de Kipling e de muitos outros; tudo narrado com uma escrita exuberante que nos faz assomar à memória parágrafos de Lovecraft ou de Michael Moorcock (a quem, aliás, o livro é dedicado).

O corrupio de aventuras, que tem lugar no século X, num desvio da Rota da Seda, começa num caravansarai manhoso perdido algures no reino de Arran, nas faldas orientais do Cáucaso, nos limites do império bizantino. Os protagonistas são dois judeus, um louro pequeno e um gigante africano (uma espécie de David e Golias bíblicos), “soldados da fortuna”, matadores de homens por encomenda, vigaristas experimentados, ladrões que se deixam contratar quando a oportunidade se apresenta. O mais baixo, Zelikman, é um físico originário da cidade de Regensburgo (actualmente na Francónia alemã), de uma família de rabinos-cirurgiões, um “solitário de nascença” com gosto por chapéus de estranhas formas, “um tipo franzino, de pernis magros e aspecto sombrio, branco que nem uma vela de sebo, o cabelo caído

em duas cortinas douradas de cada lado da face alongada”; tem por uso fumar um charuto de barro cozido cujo fornilho ele enche com uma pasta de cânhamo e de mel e como arma usa apenas uma lanceta comprida e fina capaz de servir “para assar um par de aves numa fogueira”, pois as leis dos francos proibiam um judeu de usar armas, mesmo em sua própria defesa, ainda que “um bando armado de brutos lhe arrastasse a mãe e a irmã da cozinha e lhes fizessem as mais cruas violências na rua”; Zelikman, que tem o dom da ironia, diz: “Eu não salvo vidas. Limito-me a prolongar a sua futilidade”.

O outro protagonista é Amran, o gigante africano da Abissínia, que diz de si próprio ser judeu, “filho da linhagem da rainha do Sabá, do tempo em que ela se deitara, entre bandos de ibexes e leopardos, com Salomão, filho de David”; tem por uso ter sempre pendurado atrás das costas um enorme machado viquingue cujo nome, talhado em runas ao longo do cabo de freixo, se poderia “traduzir vagamente por O Violador da Tua Mãe”; durante muitos anos, servira o exército de Bizâncio.

No caravansarai, os dois conhecem o imberbe mancebo Filaq, pretenso descendente do senhor a quem foi usurpado o reino de Khazaria (mais ou menos na área geográfica onde se localiza hoje a Ucrânia) – “o reino fabuloso dos judeus arruivados e selvagens na margem oriental do mar Cáspio”, que se diziam descendentes de Noé. Numa tentativa de serem recompensados pela família do mancebo, decidem levá-lo até à sua cidade, a capital do império khasar, Atil, nas margens do delta do rio Volga. Mas para lá chegarem, por entre a poeira das montanhas e os olhares esperançosos dos pássaros limpadores de ossos, têm de se envolver em sucessivas batalhas com vários tipos de guerreiros, qual deles mais bruto e mais cínico.

Em mais uma tentativa de Chabon para aclarar ideias sobre a “identidade judaica”, mas agora de

uma perspectiva mais histórica e em jeito de brincadeira séria, ele não deixa de se (nos) interrogar sobre aspectos religiosos, como este: “Tinha sentido sempre um paradoxo no crime de blasfémia, pois parecia-lhe que um Deus que pudesse perturbar-se pelas palavras dos seres humanos era por definição indigno de reverência”.

Michael Chabon tem, de facto, um talento e um gosto especiais para parodiar e reinventar “géneros”, como aliás já o tinha provado em “A Liga da Chave Dourada” (com os heróis da banda desenhada) e em “O Sindicato dos Polícias Iídiches” (com o hard-boiled americano dos anos 30 e 40). O que mais se seguirá?

Ouvir além da contaEstórias do tempo iluminista, com o português e o crioulo bem calibrados. Passaram 250 anos, mas continuam actuais.Eduardo Pitta

Quando o conhecemos era um “nerd” (mas sem o QI)

com óculos e acne; agora, com décadas em cima do corpo e da próstata, até se

tornou “atraente”. Sim,

continuamos a falar de Adrian

Mole. Sue

Townsend, a escritora britânica que lhe deu vida e o alimentou ao longo de todos estes anos, numa saga felizmente interminável, admitiu numa entrevista ao “Guardian” que se apaixonou por ele e que só o matará quando ela própria morrer: “Adrian Mole, c’est moi”,

sublinhou. Ainda não há novo volume da saga (apenas uma edição de bolso de “The Prostrate Years”), mas Adrian Mole já tem uma opinião sobre o novo Governo britânico: “Ele estava desencantado com o New Labour. E meu deus, como este Governo está a conseguir fazer coisas depressa”.

O mais notável escritor cabo-verdiano compõeum fresco idiossincrático dos costumes do arquipélago no século XVIII, evitando as ortodoxias do romance histórico

Depois da banda-desenhada e do “hard-boiled”,Michael Chabon parodia o romance de aventuras

Page 44: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

44 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

“ainda que tenha esperança de que seja lido como se o fosse.”

Germano Almeida é o mais notável escritor cabo-verdiano, juízo consensual desde 1989, ano em que publicou “O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo”. Os que não ficaram logo convencidos renderam-se em 2001, com a trama desbocada daquele que continuo a considerar o mais conseguido dos seus romances, “As Memórias de um Espírito”. Isto para dizer aos neófitos que o autor não cabe na prateleira do romance histórico, por muito que “A Morte do Ouvidor” cumpra vários dos seus protocolos, a começar pelo crédito das fontes canónicas.

Facto é que, sob o pano de fundo da história social e política de Cabo Verde no século XVIII, Germano Almeida compõe um fresco idiossincrático dos costumes das ilhas. O “caso” Bezerra de Oliveira foi um pretexto, sob a forma de homenagem a alguém que “não merece ser humilhado pelo poder dos homens”. Tanto assim é que o autor não se inibe (e bem) de adulterar a realidade histórica, a benefício da arquitectura ficcional. Quem leu “Viagem pela História das Ilhas” (2003) sabe do que falo.

Como de regra, português e crioulo bem calibrados, no estilo pessoalíssimo de quem gosta de discretear sobre si e os outros, deitando mão de todos os recursos narrativos (mesmo o de convocar personagens de outros livros, casos de Eva e Luís Henriques), da desenvoltura coloquial à subtileza do “insert” para iniciados. Do fim do tempo, nítida como se fora hoje, surge a Cidade Velha, actual Ribeira Grande de Santiago. O narrador falando a partir do tempo presente: “Numa terra onde qualquer gato-pingado tem um Prado, um Touareg,

Toyota, ou pelo menos um carro de fazer inveja...”

O despotismo esclarecido de Pombal e o engodo da multiculturalidade de Vieira “explicam” a Companhia do Grão Pará e Maranhão, à qual é “concedido em exclusivo o privilégio de resgatar escravos nas costas de África, introduzi-los nas capitanias que dão nome à empresa, e vendê-los pelos preços que forem ajustados...” Nenhuma novidade em associar o padre António Vieira ao tráfico de escravos, mas é sempre bom lembrar.

Bezerra de Oliveira, executado aos 38 anos, coronel de Infantaria, cavaleiro da Ordem de Cristo, governador de armas, juiz da Câmara da Ribeira Grande, etc., era “apelidado Príncipe de Cabo Verde e também rei da ilha de Santiago.” Não custa admitir que tenha estado na origem da conjura que levou à morte de João Vieira de Andrade, o ouvidor-geral, ou seja, o auditor da Coroa. O que terá reportado de tão grave o desembargador? Traição à Coroa? Afronta à Igreja? Corrupção? Desvios aos costumes? Um pouco de tudo? Dependendo do ponto de vista, herói ou vilão. Seja como for, os poderes fácticos de Cabo Verde sentiram a extensão do braço de Pombal.

Germano Almeida não esconde a simpatia pela figura de António de Barros Bezerra de Oliveira. Assim, quando lhe chegou às mãos uma separata da sentença de condenação do homem que terá estado por trás da execução do ouvidor-geral (cargo que ele próprio ocupou até ser preso), fez o que era esperado que fizesse: pôs tudo em registo ficcional, de forma a alargar o âmbito da “estória” ao patamar da

História. Ainda bem.

Ensaio

Espatifar a línguaO drama da língua nas escolas portuguesas, num ensaio estóico mas com algumas limitações.Gustavo Rubim

O Ensino do PortuguêsMaria do Carmo VieiraFundação Francisco Manuel dos Santos

mmmnn

Primeiro da coleção “Ensaios da Fundação”, o livrinho da Profª Maria do Carmo Vieira sobre o ensino do português não é, propriamente falando, um

ensaio. O opúsculo obedece aos objetivos sociológicos da Fundação Francisco Manuel dos Santos (saiba-se mais em www.ffms.pt) e à preocupação de “conhecer Portugal” que norteia António Barreto como presidente do respetivo conselho de administração. Mas, talvez por isso, tem pouco espírito ensaístico. Nem assim, no entanto, se pode menosprezar o drama que nesta quase centena de páginas vem documentado.

É do conhecimento geral que o ensino da língua materna nas

escolas portuguesas, do 1º ciclo

até ao 12º ano, vive em estado crítico há vários anos. O retrato tem sido feito em diversas ocasiões e agravou-se desde 2002, quando estalou a polémica à volta dos novos programas em que a literatura perdeu peso. Em boa parte, o texto de Maria do Carmo Vieira é uma peça dessa polémica, e uma peça interessada na defesa de um dos modelos pedagógicos em combate – neste caso, o modelo que quer recuperar a centralidade perdida dos textos literários.

Um lugar-comum previsível dirá que a instituição escolar deveria estar ao abrigo destes conflitos, em nome da missão de ensinar. Não passa de facto de um lugar-comum, porque a escola foi e será sempre palco favorito de conflitos, dada a impossibilidade de fixar uma visão única quer dos fins, quer das metodologias do ensino. Em Portugal, o mito da neutralidade estável corporizou-se numa idealização da escola salazarista, que na verdade só funcionava oleadamente (com os seus medíocres resultados) por estar sujeita ao mesmo regime autoritário que a restante sociedade. “O Ensino do Português” sintetiza o discurso estóico sobre a natureza do ensino, um dos que têm ocupado a cena pública desde que o Estado Novo ruiu sem deixar herança viável para o seu modelo de escola.

A palavra-chave da pedagogia estóica é “exigência” e o seu inimigo é a “facilidade” e o “lúdico”. Há uma superioridade evidente no estoicismo pedagógico sobre o seu adversário: o poder crítico, praticamente nulo nos defensores da escola “fácil”. Com base nessa superioridade, Maria do Carmo Vieira consegue produzir uma imagem do que se faz (ou se espera que se faça) hoje em muitas aulas de português, que é verdadeiramente aterradora. O capítulo IV, dedicado ao 3º ciclo do ensino básico, basta, nas suas 15 páginas, para alarmar qualquer um a quem a língua materna não seja indiferente. Entre testemunhos da experiência da autora, exemplos do que se encontra nos manuais escolares, remissão para as directivas programáticas e a alusão a estatísticas conhecidas e práticas correntes, sai dali a ideia clara de que o Ministério da Educação é uma máquina guiada por um único fim: espatifar de vez a língua portuguesa.

Essa ideia, infelizmente, está certa. Estaria errada se fosse proibido adoptar aqueles manuais nas escolas – e não só não é como eles existem porque muitas escolas os adoptam. Se a ideia estivesse errada, os professores que escreveram esses manuais (e, portanto, põem em prática nas aulas os exercícios cretinos que

recomendam) teriam a sua carreira seriamente comprometida – e é óbvio que não têm. Só quem não conheça a história dos programas emanados do Ministério para o ensino do português no 3º ciclo poderá imaginar que a conjuntura actual é culpa das escolas ou dos professores a funcionar em roda livre. Pelo contrário, e precisamente aí é que os limites da retórica estóica de Maria do Carmo Vieira se tornam mais visíveis.

Com efeito, a imagem totalmente negativa que essa retórica constrói esquece-se de que há professores de português que praticamente não usam o manual escolar ou só o usam com extremas cautelas críticas. Deixa de fora os que se habituaram a contornar e superar, em muito, nas aulas, as instruções oficiais, em todos os planos do ensino da língua: da gramática à literatura. Tal esquecimento tem uma razão de ser: é que esses professores não reproduzem o discurso humanista preocupado, como Maria do Carmo Vieira, com a reverente transmissão do cânone literário nacional (Gil Vicente, Camões, Vieira, Garrett, Eça, Pessoa, etc.) segundo os moldes igualmente canónicos da sua interpretação, fora dos quais se diria que a queda no vício é, para a autora, uma sinistra fatalidade. O capítulo III, sobre o ensino secundário, é neste ponto emblemático: a lucidez com que desmonta a demagogia responsável pela “nova ordem pedagógica” vem acompanhada do impulso incontrolado para apontar a direção em que, por exemplo, a poesia de Cesário Verde deve ser ensinada – e a verdade é que para aprender aquela vulgata histórico-literária (p. 58) os alunos não precisam de professor, basta-lhes um manual.

Porque o estoicismo pedagógico começa a estalar na ideia de língua que o sustenta, ou seja, na ideia de que a língua ensinada com base na literatura “é uma forma insubstituível de valorizar (...) a nossa própria identidade cultural” (p. 60). Em rigor, isto implica que Madonna, Lou Reed, Jacques Brel, Dante, Leopardi, Kant ou Baudelaire fazem parte doutras identidades culturais que não “a nossa própria”.

Não será a exaustão desta retórica da “identidade cultural” igualmente responsável pelo êxito dos embustes pseudo-pedagógicos que infectam a escola portuguesa? Que resistência, na era da globalização, está essa retórica ainda capaz de constituir?

Pergunto se Séneca, o autor mais citado por Maria do Carmo Vieira, será a melhor inspiração para responder a tais perguntas. Até porque não é fácil tomar para modelo o educador de Nero.

Liv

ros aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Maria do Carmo Vieira defende uma transmissão reverentedo cânone literário tradicional, de Gil Vicente a Pessoa, que resulta anacrónica, e até autista, na era da globalização

Page 45: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 45

imagem de marca truculenta, numa prestação sóbria e surpreendentemente justa. Mas o que interessa a Christian Carion, ficcionando sobre um caso verídico ocorrido na Moscovo dos anos 80 em que o informador russo passava documentos através de um engenheiro francês apanhado na engrenagem, é encenar o teatro da espionagem não enquanto combate de ideologias mas como uma espécie de jogo lúdico à volta de coisas sérias, jogado por pais de família apanhados numa situação que os transcende e sem verdadeira noção do que estão a fazer, pretendendo apenas garantir uma vida melhor para os seus filhos. Carion não deixa de sublinhar a traço grosso a opção entre pequenas vítimas e poderosos imunes, num final simultaneamente previsível e desconcertante. Mas isso não afecta minimamente o prazer de ver um filme sólido, bem contado e interpretado, com um assinalável domínio do ritmo e da narrativa.

O Barão VermelhoDer Rote BaronDe Nikolai Müllerschön, com Matthias Schweighöfer, Lena Headey, Joseph Fiennes. M/12

Mnnnn

Lisboa: ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h10, 21h15, 00h15; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h20, 21h10, 00h05; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40, 18h35, 21h30, 00h25

Porto: ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h10, 00h15

Admitamos que há qualquer coisa de simpático, mesmo de quixotesco, em fazer hoje um filme sobre os ases da aviação da I Guerra Mundial e,

sobretudo, sobre o lendário “Barão Vermelho”, Manfred von Richthofen. O gesto é, ainda por cima, sustentado por uma primeira parte que apanha bem o espírito “blasé” dos jovens aristocratas que partiram para a I Guerra como quem parte para um safari africano, e pelo modo como “O Barão Vermelho” desenha a perda desse entusiasmo à medida que a Prússia imperial descobre a seriedade da guerra. Só o que o gesto não chega — nem o gesto, nem o profissionalismo da produção — para salvar “O Barão Vermelho” do europudim telefílmico, com um elenco maioritariamente alemão a representar personagens alemãs que falam todas em inglês, com uma progressão narrativa chapa-quatro quase pensada em função dos intervalos todos os 25 minutos. E, sobretudo, com batalhas aéreas competentes mas sem chama, quase inteiramente criadas em computador, que não conseguem transmitir a paixão de que Von Richthofen fala a certa altura. Quando um filme sobre aviadores não é capaz de fazer passar esse deslumbre primordial dos primeiros pilotos, estamos mal. J. M.

O Inimigo Sem RostoDe José Farinha, com José Wallenstein, São José Correia, Maria João Bastos. M/12

Mnnnn

Lisboa: CinemaCity Classic Alvalade: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h40 6ª 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h40, 00h05 Sábado 11h45, 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h40, 00h05 Domingo

11h45, 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h40;

No papel, a primeira longa de José Farinha, inspirada pelo livro homónimo de Maria José Morgado e José Vegar, tem ambições de “thriller” sobre os “crimes de colarinho branco”. Mas o que está no écrã é uma colecção de banalidades anonimamente apresentadas, toda rodada em planos médios de pequeno écrã e cheia de cabeças falantes como se o seu destino fosse a televisão. “O Inimigo sem Rosto” é prova cabal de que a ficção nacional para cinema está contaminada pela lógica criativa e formal da televisão, desde a música metida a martelo a toda e qualquer altura para carregar a traço grosso o que não necessita de ser sublinhado, até aos actores tão acima do material que lhes coube em sorte que o seu empenho nestas personagens esquemáticas é completamente desperdiçado (São José Correia, Maria João Bastos ou Suzana Borges vêm à cabeça). Um filme absolutamente anónimo que não justifica uma estreia em sala com três anos de atraso. J. M.

Continuam

Toy Story 3 + Dia e NoiteDe Lee Unkrich, com Tom Hanks (Voz), Tim Allen (Voz), Michael Keaton (Voz). M/6

MMMMn

Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h45, 21h45 (V.Port.) Sábado Domingo 15h45, 18h30, 21h45 (V.Port.); Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h, 21h10 (V.Port.) 6ª 15h40, 18h, 21h10, 23h40 (V.Port.) Sábado 12h50, 15h40, 18h, 21h10, 23h40 (V.Port.) Domingo 12h50, 15h40, 18h, 21h10 (V.Port.); Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h45 (V.Port./3D) 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h45, 24h (V.Port./3D); Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 18h50, 21h25, 23h50 (V.Port./3D); CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h35, 17h50 (V.Port./3D); CinemaCity Alegro Alfragide: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h15, 18h30, 21h30, 23h45 (V.Port./3D) Sábado Domingo 11h35, 13h55, 16h15, 18h30, 21h30, 23h45 (V.Port./3D); CinemaCity Beloura Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h10, 18h30, 21h30 Sábado Domingo 11h30, 13h55, 16h10, 18h30, 21h30; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h, 18h15, 21h30, 23h55 (V.Port./3D) Domingo 11h30, 13h45, 16h, 18h15, 21h30, 23h55 (V.Port./3D); Medeia Fonte Nova: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h30, 19h, 21h30 (V.Port.); Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h40, 19h, 21h30, 24h (3D); UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h35, 19h (V.Orig./3D), 21h15, 23h40 (V.Port./3D) Domingo 11h30, 14h15, 16h35, 19h (V.Orig./3D), 21h15, 23h40 (V.Port./3D); UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h35, 19h, 21h40, 00h05 (3D) Domingo 11h30, 14h15, 16h35, 19h, 21h40, 00h05 (3D); UCI Dolce Vita Tejo: Sala 8: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h10, 18h35, 21h15 (V.Port./3D) 6ª Sábado 13h45, 16h10, 18h35, 21h15, 23h40 (V.Port./3D) Domingo 11h30, 13h45, 16h10, 18h35, 21h15 (V.Port./3D); ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª 2ª 4ª 13h30, 16h, 18h30, 21h20, 23h45 (V.Port./3D) Sábado Domingo 11h, 13h30, 16h, 18h30, 21h20, 23h45 (V.Port./3D) 3ª 13h30, 16h, 18h30, 23h45 (V.Port./3D); ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h10, 18h50, 21h40,

Cin

ema

Estreiam

Regresso à Guerra FriaO teatro da espionagem como jogo à volta de coisas sérias, num fi lme sólido e bem interpretado (Kusturica incluído). Jorge Mourinha

O Caso FarewellL’Affaire FarewellDe Christian Carion, com Emir Kusturica, Guillaume Canet, Alexandra Maria Lara. M/12

MMMnn

Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h45, 19h20, 22h, 00h30 Domingo 11h30, 14h10, 16h45, 19h20, 22h, 00h30

Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h30, 19h05, 21h45, 00h30

A primeira singularidade de “O Caso Farewell” é a aparência de filme de espionagem tradicional, documentos trocados para a frente e para trás em plena Guerra Fria, conflito de super-potências por procuração. É algo de tão radicalmente “fora de moda” que chega a ser radicalmente novo voltar atrás numa paisagem cinematográfica que determinou unilateralmente que já ninguém quer saber destas coisas. A segunda é encontrar como actor, no papel principal de um oficial dos serviços secretos soviéticos que decide começar a passar informações para o Ocidente, Emir Kusturica. O grande sacerdote do caos balcânico surge nos exactos antípodas da sua

As estrelas do públicoJorge Mourinha

Luís M. Oliveira

Mário J. Torres

Vasco Câmara

O Barão Vermelho mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn

O Caso Farewell mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn

Escritor-Fantasma mmmmn mmmnn mmmmm nnnnn

Canino mmmnn mmmnn mnnnn nnnnn

Contraluz nnnnn A mnnnn nnnnn

É Muito Rock, Meu! mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn

O Inimigo sem Rosto mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn

Origem mmmmn mnnnn mmmnn nnnnn

Toy Story 3 mmmmm nnnnn mmmmn nnnnn

Vão me buscar alecrim mnnnn mmmmn mmnnn mmmmm

Kusturica como actor nos exactos antípodas da sua imagem de marca truculenta, compondo

um ofi cial dos serviços secretos soviéticos surpreendentemente sóbrio

série ípsilon II

Todas as sextas,

por + €1,95. 20anos

+8 DVD

Sexta-feira,dia 13 de Agosto,o DVD “Zatoichi”,de Takeshi Kitano

t

to,hi”,ano

Page 46: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

46 • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • Ípsilon

00h10 (V.Port./3D) Domingo 11h, 13h40, 16h10, 18h50, 21h40, 00h10 (V.Port./3D); ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h45, 21h30, 00h15 (V.Port./3D) Domingo 11h, 13h10, 16h, 18h45, 21h30, 00h15 (V.Port./3D);

Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h20, 18h50, 21h20, 24h (V.Port./3D); Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h40, 19h10, 21h35, 00h10 (V.Port./3D); Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 16h30, 19h, 21h30 (V.Port./3D);

Só mesmo a Pixar para provar que é perfeitamente possível chegar ao terceiro filme de uma série sem dar cabo do capital adquirido. Não que o terceiro episódio das aventuras dos brinquedos de Andy seja a obra-prima do estúdio – não precisaria de o ser (bastaria manter o nível médio do estúdio de animação para já valer mais do que 90 por cento da concorrência), mas fica lá tão perto que damos por nós a perguntar como é que a Pixar continua a ser capaz de fazer filmes mais inteligentes, mais adultos e mais extraordinários do que 99 por cento da produção mundial contemporânea em imagem real. Por trás de uma comédia de aventuras que cita todos os grandes sub-géneros da Hollywood clássica esconde-se uma meditação comovente sobre a mortalidade, o fim da inocência, a passagem à idade adulta, o poder da imaginação – em suma, tudo aquilo que faz de nós humanos, transposto para brinquedos que só são inanimados para quem nunca brincou. Não é o melhor Pixar de sempre, mas isso é só botar defeito num dos melhores filmes do ano – bastaria a última meia hora para “Toy Story 3” entrar de peito feito no cânone. J. M.

A Origem

InceptionDe Christopher

Nolan, com

Leonardo DiCaprio, Marion Cotillard, Ellen Page, Tom Berenger. M/12

MMMnn

Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h15, 21h30; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª 15h20, 18h20, 21h20, 00h20 Sábado 12h20, 15h20, 18h20, 21h20, 00h20 Domingo 12h20, 15h20, 18h20, 21h20; Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h45, 21h30 6ª Sábado 13h15, 16h, 18h45, 21h30, 00h15; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h25, 18h20, 21h15, 00h15; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h30, 19h25, 23h; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 17h55, 21h30, 00h20; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 23h55; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h35; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h35, 00h25; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 00h10; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 22h05; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 17h10, 21h35; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 14h20, 17h10, 21h30 6ª 14h20, 17h10, 21h30, 00h20 Sábado 11h30, 14h20, 17h10, 21h30, 00h20 Domingo 11h30, 14h20, 17h10, 21h30; Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 19h10, 22h; Medeia Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h40, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 11: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 17h15, 21h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h30, 21h30, 00h25 Domingo 11h30, 15h15, 18h30, 21h30, 00h25; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 9: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h15, 21h20 6ª Sábado 15h, 18h15, 21h20, 00h25; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h50, 21h, 00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 16h30, 21h10, 00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 17h30, 21h, 00h10; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h30, 21h50; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 17h, 21h 6ª Sábado 13h20, 17h, 21h, 00h10;

Porto: Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h25, 21h05, 00h10; Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h20, 21h35, 00h40; Vivacine - Maia: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h20, 21h, 00h10; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h10, 21h, 00h10; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h45, 18h40, 21h40, 00h35; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h, 21h10 6ª Sábado 13h40, 17h, 21h10, 00h30; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h10, 20h45, 24h; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h20, 21h30, 00h25; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 4: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h20, 21h10 6ª Sábado 12h40,

15h30, 18h20, 21h10, 24h

Não se espere de “A Origem” nem a estrutura perfeita e artificiosa de “Memento” (2000), nem o lado sonâmbulo e prospectivo de “Insónia” (2002), embora se reconheça, sempre a Christopher Nolan um impecável profissionalismo e uma capacidade para organizar o plano e para dirigir actores. Um pouco como acontecia em “O Cavaleiro das Trevas” (2008), o realizador parece limitar-se (e não é pouco) a gerir um entretenimento bem construído. E, no entanto, reconhecemos o gosto pela narrativa labiríntica, pelo jogo de peripécias que resiste a qualquer sinopse

redutora, apostando sobretudo no modo como vai chegando aos seus objectivos: o prazer de contar em espiral, trazendo para a ficção infindáveis pormenores, como num gigantesco “puzzle”. Estamos perdidos no tempo e no espaço como o protagonista (excelente prestação de Leonardo Di Caprio) que pirateia ideias alheias. Nolan não inventa nada, mas compraz-se num cinema em que os efeitos estão ao serviço de um processo de recontar o reconhecível. Interessante e divertido. Mário Jorge Torres

É Muito Rock, Meu!Get Him to the GreekDe Nicholas Stoller, com Jonah Hill, Russell Brand. M/16

MMnnn

Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 21h45, 00h15 Domingo 11h30, 14h20, 16h50, 21h45, 00h15; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 2ª 3ª 4ª 14h, 16h40, 19h05, 21h45 6ª Sábado Domingo 14h, 16h40, 19h05, 21h45, 00h15; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h50, 21h20, 23h45; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 18h15, 00h20; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h30, 00h10

Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h30, 19h15, 22h, 00h45; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h50, 00h20; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h30 6ª Sábado 13h10, 15h50, 18h30, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 21h10, 00h05 4ª 00h05; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 22h30

Torna-se muito fácil odiar “Get Him to the Greek” (o título português é pateta), se nos limitarmos a lê-lo como uma comédia estúpida, histérica e previsível: o modo de contornar a escatologia primária passa por sublinhar o politicamente incorrecto, por ver nas entrelinhas (mesmo quando não identificamos todas as piscadelas de olho ao mundo do “pop-rock”) das desventuras de um agente de uma estrela decadente. Não estamos a afirmar que se trata de um grande filme, muito longe disso, mas até o lado de reportagem semi-televisiva,

que o filme adopta conscientemente, provoca uma adesão despretensiosa ao disparate e ao grotesco das situações. Existe, pelo menos, uma grande vantagem: o filme desconstrói o seu próprio esquema narrativo e procura o insólito. Como divertimento de Verão para consumir e esquecer, já vimos muito pior. M.J.T.

CaninoKynodontasDe Yorgos Lanthimos, com Christos Stergioglou, Michelle Valley, Aggeliki Papoulia, Christos Passalis, Mary Tsoni, Anna Kalaitzidou. M/18

Mnnnn

Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 00h15

“Canino” não deixa grandes hipóteses ao espectador desprevenido: ou se ama, entrando na pretensão de fazer artístico, ou se odeia, porque nada faz sentido, porque a alegoria da desestruturação familiar nos surge metida pelos olhos dentro com a subtileza de um elefante em loja de porcelanas, embora a querer parecer sofisticado. Procurámos desafiar o maniqueísmo que o filme propõe; procurámos, mas não conseguimos. Tudo é tão moralista, em última análise, tão a armar ao pingarelho do estranho e do original, que em vez de resultar na diferença descamba no programático, só que disfarçado de produto reciclado para consumidores inteligentes de festival. M.J.T.

Cin

ema aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Cineclubes para mais

informações consultar www.fpcc.pt

Parque S. LourençoAbrantes

Mostra de Cinema ao LivreVer www.espalhafitas.org

Parque Catarina EufémiaBarreiro

ImperdoávelDe Clint Eastwood, 1992, M/1606/08, 21h30

Praça do SertórioÉvora

Alice No País Das Maravilhas

De Tim Burton, 2010, M/1210/08, 22h

Fábrica da CervejaFaro

Mostra de Cinema ao Ar LivreDe 30/07 08/08, 22hVer www.cineclubefaro.blogspot.com/

Largo da OliveiraGuimarães

Maldito UnitedDe Tom Hooper, 2009, M/1210/08, 21h45 Tudo Pode Dar CertoDe Woody Allen, 2009, M/1211/08, 21h45

Claustros do Convento Do CarmoTavira

6ª MOSTRA CINEMA NÃO EUROPEU (Ar livre e cópias em 35mm)De 6 a 16 Agosto, 21h30Mais info.: www.cineclube-tavira.comReservas: 281 320 594 | 96 520 91 98 | 93 473 43 30 ou por e-mail: [email protected]

Cinema Verde VianaPraça 1º de Maio, Centro Comercial - Viana do Castelo

O Segredo Dos Seus OlhosDe Juan José Campanella, 2009, M/1612/08, 21h45

Não é o melhor Pixar de sempre, mas é um dos melhores fi lmes do ano:

mais adulto e mais extraordinário do que 99 por cento da fi cção em imagem real

Nada de novo em “A Origem”, mas ainda assim há aqui um cinema capaz de se servir dos efeitos, em vez de estar ao serviço deles

“Canino”, um elefante em loja de porcelanas

Como divertimento de Verão, já vimos muito pior do que “É Muito Rock, Meu!”

Page 47: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby

Ípsilon • Sexta-feira 6 Agosto 2010 • 47

ContraluzBacklightDe Fernando Fragata, com Joaquim de Almeida, Scott Bailey, Evelina Pereira. M/12

a

Lisboa: CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 4: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h30, 20h05, 22h10, 00h15 Sábado Domingo 11h30, 13h30, 20h05, 22h10, 00h15; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 23h45; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h20, 22h, 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h30, 24h; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h30, 21h, 23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 17h50, 21h05, 23h30; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h50; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20,16h, 18h40, 21h20, 23h55; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h10, 21h40, 00h05; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h20, 18h10, 21h20, 23h45

Porto: ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 17h30, 19h45, 22h, 00h20; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h30, 18h20, 21h10, 24h; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h50, 21h20, 23h50; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h10, 22h20, 00h35

Há uma fronteira entre o amadorismo e a indigência. “Contraluz” parte de um projecto (meio perverso, meio ingénuo) de relação com o público português. Visto que este público não se identifica com o que normalmente lhe mostram os filmes portugueses, pretende dar-lhe aquilo que ele realmente reconhece: a paisagem americana e a língua inglesa com pronúncia americana. Dá-lhe isso, de facto, mas depois não tem meios nem estaleca para o passo seguinte: emular os códigos do filme médio americano de factura industrial, nem os narrativos, nem as suas convenções de realismo, nem coisa nenhuma. Mas justificar a pobreza de “Contraluz” com um voluntarismo a que faltam apenas os meios é ignorar o fundo da questão: sim, com mais dinheiro Fragata teria actores melhores, se calhar um argumento decente, um envolvimento técnico (do som à montagem) mais convincente. Mudaria isso o essencial do que aqui se propõe como “mundo” e como “cinema”? Luís Miguel Oliveira

DV

DCinema

Leigholândia, anos 90Três fi lmes para começar a reconstruir o percurso de um dos grandes cineastas ingleses contemporâneos. Jorge Mourinha

A Vida é DoceLife Is Sweetde Mike Leigh, com Alison Steadman, Jim Broadbent, Timothy Spall

mmmnn

Sem Extras

NuNakedde Mike Leigh, com David Thewlis, Lesley Sharp, Katrin Cartlidge

mmmmn

Sem Extras

Raparigas de sucessoCareer Girls

mmnnn

Sem Extras

Todos Midas Filmes

Imagine o leitor que está a passar por uma rua de Londres quando dá por duas pessoas a gritarem uma com a outra com ar de quem vai desatar à porrada (ou coisa pior), e que a coisa cresce de tal modo que os vizinhos começam a meter-se ao barulho e chamam a polícia, até que surge um cinquentão de barba e cabelos brancos e acaba com tudo num instante com meia dúzia de palavras mágicas. Pode estar em Londres, mas está na verdade na Leigholândia, o universo que o realizador, encenador e dramaturgo inglês Mike Leigh construiu pacientemente ao longo dos anos.

A cena aconteceu realmente. Foi contada há meses num artigo do jornal inglês “The Guardian” e teve lugar numa rua de Londres em 1992.

Os desordeiros eram os actores David Thewlis e Ewen Bremner, o senhor cinquentão era Leigh, não havia câmara a filmar — tratava-se de uma improvisação preliminar das personagens que ambos os actores viriam a interpretar em “Nu”.

A cena surge realmente no filme e o episódio é exemplar do modo como Leigh constrói o seu trabalho. Começa por trabalhar individualmente com os actores na construção de personagens que em seguida coloca em situações improvisadas, a partir das quais estrutura o guião definitivo que é depois filmado o mais próximo possível das improvisações originais. São criações colectivas — como o confirma uma “companhia” regular de actores ao longo dos anos, alguns dos quais encontramos repetidos nestes três filmes — que vêm não apenas da intensa consciência de classe do cineasta de Manchester (forte activista político de esquerda), mas também da sua experiência como dramaturgo e encenador. O resultado são filmes que erguem o estandarte do realismo social britânico mas que não o fazem do modo habitual.

A começar pela sensação que um filme de Leigh não tem nunca uma progressão narrativa convencional – por muito que haja um princípio e um fim, nunca há uma resolução tradicional. Nada de finais felizes e muitas vezes nem um final preciso, porque a vida continua e nunca respeita as unidades de tempo aristotélicas nem a compressão necessária para hora e meia. É por isto que, no seu melhor, os filmes de Leigh sugerem um período de tempo passado a viver com as suas personagens, sem distanciamento nem olhar clínico: são filmes que observam sem julgar, que vêem pelos olhos daqueles que seguem.

Os três filmes agora distribuídos em DVD equivalem a três pontos precisos de uma carreira, e ao mesmo tempo que são exemplares do método Leigh, revelam a inteligência de um cineasta que, oriundo da televisão e do teatro, põe o seu estilo ao serviço da história.

“Nu” (1993) é um filme nocturno de interiores cinzentos e exteriores surreais. Contando a via sacra de um niilista de Manchester que vem a Londres fugir de si mesmo para perceber que não consegue, é escuro, negro, apocalíptico, brutal, confrontacional, desconfortável e,

pelo meio de todo o breu, um filme de um humor hilariante, negro e quase desesperado.

Desespero, aliás, é palavra-chave para perceber o olhar lúcido mas desencantado que Leigh lança repetidamente sobre as novas classes trabalhadoras; muito visível em “Nu”, ele surge mascarado em “A Vida É Doce” (1990) pela aparente alegria e boa disposição e optimismo que esconde a luta diária por uma vida melhor de uma família suburbana. Imediatamente anterior a “Nu”, é dos três o único que nunca viu estreia em Portugal e está mais próximo da imagem que temos do Leigh centrado na família, que filmes posteriores como “Segredos e Mentiras” e “Tudo ou Nada” cristalizaram. Aqui, ele começa por aplicar as regras formais da televisão para lentamente as forçar, em termos de ritmo e construção, para lá dos seus limites, construindo um filme que respira como cinema sem esquecer a dívida do cineasta ao pequeno écrã (a que os constrangimentos de financiamento o forçaram durante os anos 1980).

Já “Raparigas de Sucesso” (1997) é um Leigh menor, em parte porque veio a seguir a dois clássicos (“Nu” e a obra-prima “Segredos e Mentiras”), em parte pela modéstia das suas ambições. A história de duas antigas colegas de faculdade que se reencontram para um fim-de-semana após seis anos sem se verem oscila entre um presente rodado de modo sóbrio e um passado feito de flashbacks frenéticos rodados em câmara à mão, mas a inteligência do tratamento e das interpretações não evita a sensação de um esforço que ficou a meio caminho.

Equivalentes às edições inglesas do Channel 4 de 2008, nenhum dos DVDs traz extras e as transcrições e legendagens sao tecnicamente correctas, embora se sintam na tradução falhas pontuais que uma revisão atenta não teria deixado passar. São, de qualquer maneira, edições importantes para descobrir um dos universos mais coerentes do actual cinema europeu e um dos mais estimulantes realizadores britânicos contemporâneos, esperando que os restantes filmes desta fase do cineasta (entre os quais “Segredos e Mentiras” e o grande “Topsy-Turvy”) venham também a ser lançados.

Desespero, palavra-chave neste olhar lúcido mas desencantado: “A Vida é Doce”, “Nu”, “Raparigas de sucesso”

VIN

CE

NZ

O P

INT

O/

AF

P

Mike Leigh: um dos universos mais coerentes do actual cinema europeu

Page 48: Uma nova geração de escritores, uma nova geração de ...fonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100806... · Descubra mais de 60 receitas de doces para a Bimby