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Sem Opção Veículo: ISTOÉ Dinheiro - Caderno: Entrevista - Seção: Não Especificado - Assunto: Previdência - Página: 14 a 16 - Publicação: 25/01/20 URL Original: Uma nova reforma da Previdência será necessária em dez anos Entrevista LUÍS RICARDO MARTINS Uma nova reforma da Previdência será necessária em dez anos Gabriel Reis À frente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, cujos associados somam US$ 1 trilhão em recursos financeiros, Luís Ricardo Martins defende a capitalização no sistem previdenciário brasileiro — mas sem abandonar o “Estado provedor”. Marcelo de Paula Edição 24/01/2020 - nº 1155 “O assunto não está esgotado porque fizemos uma reforma paramétrica, ou seja, com foco no tempo de contribuição e idade. Nada estrutural foi alterado. E logo precisaremos aprofundar o que foi feito”, afirma o advogado que há uma década está envolvido com questões ligadas à Previdência. Luís Ricardo Martins entende que a solução só seria duradoura se fosse aprovada uma reforma que mantivesse o “Estado provedor” para aposentadorias mais baixas (como forma de evitar a pobreza extrema), e que incluísse o setor privado por meio do sistema de capitalização das contribuições feitas pelos trabalhadores, parte delas obrigatórias e parte facultativas. Segundo ele, a Abrapp trabalha na criação de uma lei para proteger os direitos de contribuintes dos fundos de pensão, nos moldes do Código de Defesa do Consumidor. DINHEIRO — Em quanto tempo a reforma da Previdência aprovada em 2019 terá de ser revista? LUÍS RICARDO MARTINS — Em dez anos será necessária uma nova reforma da Previdência. É preciso haver mudanças estruturais para que ela seja duradoura.

Uma nova reforma da Previdência será necessária em dez anos · Uma nova reforma da Previdência será necessária em dez anos Entrevista ... espécie de Código de Defesa do Consumidor,

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SemOpção

Veículo: ISTOÉ Dinheiro - Caderno: Entrevista - Seção: Não Especificado -Assunto: Previdência - Página: 14 a 16 - Publicação: 25/01/20URL Original:

Uma nova reforma da Previdência será necessária emdez anos

EntrevistaLUÍS RICARDO MARTINS

Uma nova reforma da Previdência será necessária emdez anos Gabriel Reis

À frente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de PrevidênciaComplementar, cujos associados somam US$ 1 trilhão em recursosfinanceiros, Luís Ricardo Martins defende a capitalização no sistemaprevidenciário brasileiro — mas sem abandonar o “Estado provedor”.Marcelo de PaulaEdição 24/01/2020 - nº 1155 “O assunto não está esgotado porque fizemos uma reforma paramétrica, ou seja, com foco no tempo de contribuição e idade.Nada estrutural foi alterado. E logo precisaremos aprofundar o que foi feito”, afirma o advogado que há uma década estáenvolvido com questões ligadas à Previdência. Luís Ricardo Martins entende que a solução só seria duradoura se fosse aprovadauma reforma que mantivesse o “Estado provedor” para aposentadorias mais baixas (como forma de evitar a pobreza extrema),e que incluísse o setor privado por meio do sistema de capitalização das contribuições feitas pelos trabalhadores, parte delasobrigatórias e parte facultativas. Segundo ele, a Abrapp trabalha na criação de uma lei para proteger os direitos de contribuintesdos fundos de pensão, nos moldes do Código de Defesa do Consumidor.DINHEIRO — Em quanto tempo a reforma da Previdência aprovada em 2019 terá de ser revista?LUÍS RICARDO MARTINS — Em dez anos será necessária uma nova reforma da Previdência. É preciso haver mudançasestruturais para que ela seja duradoura.

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Então a reforma aprovada não trará os resultados desejados?Afirmo que fizemos história com a reforma da Previdência. Ela era necessária porque o desequilíbrio havia se tornado muitogrande. O Estado provedor já não conseguia funcionar e essa reforma paramétrica era urgente porque as pessoas, nos dias dehoje, vivem mais tempo e se aposentam precocemente. Há uma questão demográfica. A população está envelhecendo. A idadeno Brasil para aposentadoria era de 54 anos e tínhamos de trazer isso para o padrão internacional. Fora do Brasil, ninguém seaposenta com menos de 65 anos. Estamos acompanhando uma tendência mundial.Então, o que fizemos de errado?O regime de repartição simples, que é um pacto de gerações, em que o jovem trabalhador paga o aposentado, continua. Só quehá cada vez mais informalidade, desemprego, “pejotização”, nova relação trabalhista, modernização dos meios de produção. Ouseja, menos empregados formais em atividade e mais aposentados. Então, o Brasil acertou muito na reforma da Previdência. Sóque não é suficiente. Porque mesmo ampliando tempo de contribuição e idade, há todas essas variáveis que citei e que vãoimpactar lá na frente. E qual a proposta da Abrapp?Nossa proposta é substituir esse regime. Estamos tentando implementar a estrutura da capitalização no regime oficial, que noBrasil não existe. Essa é a reforma estrutural. É isso que a equipe econômica vem discutindo e que demonizaram lá noCongresso Nacional antes de aprovar a reforma da Previdência. Mas nós vamos continuar discutindo a capitalização do regimeoficial com base em uma proposta elaborada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo(Fipe/USP).

“O Brasil tem cada vez mais aposentados e menos empregados formais. Mesmo ampliando tempo de contribuiçãoe idade, outras variáveis vão impactar lá na frente” (Crédito: Willian Moreira)Como funcionaria esse sistema de capitalização na prática?Seria baseado em três pilares. O primeiro seria a manutenção do regime de repartição simples, porém com teto mais baixo, deR$ 2,2 mil por mês. Esse teto permite tirar as pessoas do estado de pobreza porque vai compor a renda e o Estado continuadando proteção social. É mantido o modelo em que o empregado contribui e o empregador também. O segundo pilar envolvequem ganha de R$ 2,2 mil a aproximadamente R$ 8 mil. Esse grupo participaria de um sistema de capitalização obrigatório e sóvaleria para novos entrantes no sistema. Nesse caso haverá duas contribuições, uma referente ao teto de R$ 2,2 mil e umaoutra, capitalizada, que envolve a contribuição dele, do patrão, parte do FGTS e parte do PIS. Segundo a Fipe, isso permitiriacapitalizar recursos durante 20 anos, entre R$ 2,2 mil e R$ 8 mil. O terceiro pilar seria a previdência privada facultativa. Quemganha mais de R$ 8 mil e deseja valores de aposentadoria mais próximos do salário que recebe na ativa teria essa opção.Uma pessoa que ganha R$ 20 mil e não quer se limitar ao teto do regime geral também pode fazer um plano deprevidência privada para complementar a renda…O teto hoje é de R$ 6.105 por mês. Qual o grande arranjo aí? No sistema atual se depende de transferência de encargos entregerações. No novo modelo, vai-se reduzir os encargos entre gerações para um patamar mais modesto. E a nova geração vaifazer sua própria capitalização. É uma solução para onerar menos as contas públicas. O modelo transfere para o trabalhador adecisão e a iniciativa da poupança previdenciária dele, a partir de um determinado valor. É uma questão de sustentabilidade.Lembre-se, há muita gente indo para a informalidade. Menos jovens trabalhando, taxa de natalidade caindo e mais idosos se

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aposentando. A conta não vai fechar. Ao reduzir o teto, ajustamos as contas para essa nova situação. E na capitalização cadaum é responsável por si próprio. O dinheiro é seu, você está contribuindo para si mesmo.Os brasileiros já viram escândalos envolvendo Fundos de Pensão. Quem garante que as pessoas não vão ficar namão quando mais precisarem?Os fundos de pensão surgiram no Brasil em 1977. De lá para cá só fez crescer. Hoje o setor é formado por 270 entidades, todasassociadas à Abrapp, e acumula recursos da ordem de R$ 1 trilhão. Pagamos por ano R$ 60 bilhões de benefícios, em média R$6 mil ao mês por beneficiário. São 860 mil aposentados e outros 2,7 milhões de pessoas contribuindo e aguardando o momentode se aposentar. O setor é sólido. É claro que já houve problemas, mas o sistema se aperfeiçoa o tempo todo e fica cada vezmais difícil cometer erros ou fraudes. Os problemas a que você se refere aconteceram em três fundos de pensão, lá pelos anosde 2014 ou 2015. Mas já foram resolvidos e a Lava Jato já recuperou e devolveu parte do dinheiro desviado. Veja bem, temos270 entidades e apenas três sofreram fraudes, que foram descobertas. Além do aperfeiçoamento no sistema de governança,trabalhamos em um projeto que será apresentado ao Congresso sobre a Lei de Proteção ao Poupador Previdenciário, umaespécie de Código de Defesa do Consumidor, mas específico para a previdência, para dar mais garantias a quem contribui com oregime privado.Esse projeto já está pronto?Ainda não foi levado ao Congresso. Temos uma consultoria trabalhando em cima dele. Daqui a uns 30 dias talvez esteja pronto.Já conversamos com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e com o deputado Kim Kataguire e eles estão aguardando paracolocar em discussão no parlamento. Estamos bastante otimistas.A reforma da Previdência demorou muito tempo para ser aprovada. Foram décadas de debates até que umgoverno assumisse o risco de fazer grandes mudanças. Como convencer o Congresso a passar uma nova reformamais abrangente ainda?É difícil, nós sabemos. Mas será necessário. Vale lembrar que para aprovar essa reforma o governo teve de tirar a proposta decapitalização para que as mudanças paramétricas passassem. Mas há também interesses pessoais e um grau dedesconhecimento sobre o tema que atrapalha muito.A Abrapp conta com apoio de deputados ou de alguma bancada no Congresso?Não, não temos bancada. O nosso trabalho em Brasília é estar junto às assessorias desses parlamentares compartilhandoconhecimento, levando informação, detalhes. Mesmo assim é complicado. Se falamos em capitalização, há quem saia dizendoque queremos entregar o dinheiro nas mãos dos bancos. Não tem nada a ver. Fundo de pensão não é banco. Na verdade odinheiro ficará mais próximo do participante. A capitalização, por exemplo. Fizeram uma analogia com o Chile e por isso ela nãopode ser implantada aqui.

“Qual é o projeto liberal? Você desonera a economia, reduz a presença do Estado, e diz o seguinte: o problemasocial, saúde, previdência é com você. Foi assim no Chile” (Crédito:Fernando Llano)Mas no Chile o sistema de capitalização deixou os aposentados em situação de pobreza.O Chile errou. O Pinochet, quando implantou o regime, em linhas gerais deu aumento de salário de 10% e disse: agora aPrevidência é com vocês. Só que ele tirou a contribuição da empresa, ou seja, era só o empregado que contribuía. O trabalhadornão tinha benefício algum. Tudo era capitalizado. Não considerou a informalidade, taxa de juros. Qual é o projeto liberal? Vocêdesonera a economia, reduz a presença do Estado, e diz o seguinte: o problema social, saúde, previdência é com você. Foi assim

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no Chile. Hoje um benefício médio chega a aproximadamente metade do salário mínimo chileno. Quer dizer, o cidadãocontribuiu com a expectativa de receber o teto e está com metade do mínimo. Mas em muitos lugares, como na Suíça, naDinamarca e na Suécia, a capitalização deu certo.Por que nesses países e não no Chile?Porque nesses países houve ajustes. Na Suíça, por exemplo, não houve substituição do Estado provedor, o primeiro pilar que é oque queremos manter aqui. Onde deu certo, a previdência privada sempre foi complementar. No Chile foi uma reformasubstitutiva do Estado, aí não deu. É preciso aprender com aqueles exemplos que deram certo. O Estado provedor sempre vaiter de existir, mas há espaço para o setor privado. Para se ter ideia, a previdência privada propriamente dita na Holandarepresenta 200% do PIB. Nos Estados Unidos está em 100%, e aqui no Brasil, apenas 14%.Então o sistema previdenciário chileno também precisa passar por reformas. Elas estão a caminho?Eu li que agora o Chile está com um desenho previdenciário parecido com esse elaborado pela Fipe. Eles vão voltar ao primeiropilar, o Estado provedor, e fazer o segundo pilar capitalizado com contribuição da empresa e do participante. O país estáretomando um sistema tripé. Lá, havia ficado um sistema de uma perna só. Eles também estão ampliando o número degestoras. Hoje existem cinco fundos de pensão e apenas um é chileno. Entre 70% e 80% do PIB chileno pertence a esses fundos.

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