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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O SOFT LAW, AS COALIZÕES INTERNACIONAIS E O BRASIL Por: Guilherme Lopes da Cunha Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O SOFT LAW, AS COALIZÕES INTERNACIONAIS E O BRASIL

Por: Guilherme Lopes da Cunha

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O SOFT LAW, AS COALIZÕES INTERNACIONAIS E O BRASIL

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em DIREITO

INTERNACIONAL E DIREITOS HUMANOS.

Por:. Guilherme Lopes da Cunha

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3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus e aos anjos terrenos

enviados por Ele, a quem dedico este

trabalho, porque acompanham minha

jornada com carinho esmerado, porque

me fortalecem nos momentos difíceis,

porque justificam os meus planos

ousados, fazendo valer os esforços de

toda uma existência.

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DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado, de maneira

muito afetuosa, a minha família,

especialmente, meus avós Hamilton (In

Memoriam) e Áurea, e minha Mãe, que

me ensinaram que a verdadeira

sagacidade e sabedoria da vida é o amor,

elixir propício a todas as ocasiões. A

estes tais anjos, a quem dediquei,

também, meus agradecimentos, renovo a

promessa de dedicar meu passado, meu

presente e meu futuro.

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RESUMO

A intensidade das mudanças na sociedade contemporânea demonstra

existência de modelo normativo distinto no Direito Internacional. Relações

políticas, cada vez mais fluidas, evocam a aparição de novos mecanismos

capazes de satisfazer demandas sociopolíticas e jurídicas. O Soft Law,

entendido como produto da evolução normativa do Direito Internacional,

mostra-se instrumento jurídico adequado para os tipos de compromissos

acertados nas articulações internacionais entre os países.

A evolução das fontes normativas, nos últimos tempos, dimensiona o

intenso trabalho que a ciência jurídica empreende para acompanhar a ciência

sociológica. O artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça não

condiz com a realidade. A primeira evidencia disso foi o reconhecimento

pacífico, por parte da comunidade internacional, de que os atos unilaterais e as

decisões internacionais deveriam ser considerados fontes normativas. A

posteriori, na segunda metade do século XX, o Jus Cogens e o Soft Law

apontam para revolução normativa no Direito Internacional. No entanto, para

as discussões das análises abordadas, utiliza-se o Soft Law como parâmetro

de discussão jurídica para as coalizões internacionais.

O interessante é observar a ênfase, dada pelo Brasil a esse modelo de

articulação política, no âmbito internacional. Variados formatos de coalizões

internacionais, que têm o Brasil como ator protagonista, têm como

fundamentação jurídica o Soft Law. Portanto, analisar a transformação

normativa por que passa o Direito Internacional, é conferir parte dos

pressupostos de inserção internacional brasileira. Conceber reflexão acerca do

Soft Law significa aprofundar conhecimento sobre um dos instrumentos

utilizados pelo Brasil para a consecução de seus objetivos.

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METODOLOGIA

Os métodos utilizados para a composição deste trabalho foram

consultas à bibliografia especializada e à rede mundial de computadores.

Pareceu ser a maneira mais eficiente para a produção da pesquisa, pois

muitas informações são tão recentes que não encontram material publicado,

ou, por ser específica, os dados desejados não chegaram a atingir meio

informacional de acesso facilitado.

A utilização de sítios da rede mundial de computadores é uma valiosa

ferramenta. Consideraram-se os devidos cuidados de se definir fontes

confiáveis, o que pode ser constatado por meio das citações em rodapé,

mostrando que as principais referências foram retiradas de sítios oficiais.

As pesquisas foram realizadas nos primeiros meses do ano de 2010.

Embora parte importante da pesquisa tenha sido realizada anteriormente,

como as leituras que motivaram e instigaram a dedicação ao tema, a redação

e os detalhes do trabalho ocorreram nos meses de janeiro a março de 2010.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - A emergência do Soft Law, uma

fonte do Direito Internacional resultante da nova

engenharia normativa internacional.

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CAPÍTULO II - Os matizes conceituais pertinentes

ao Soft Law e às coalizões internacionais.

19

CAPÍTULO III - Análise das mais expressivas

coalizões internacionais compartilhadas pelo

Brasil e formadas por meio de Soft Law.

31

CONCLUSÃO 49

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 50

ÍNDICE 53

FOLHA DE AVALIAÇÃO 55

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INTRODUÇÃO

O Direito Internacional, como típico ramo da ciência jurídica, passa por

alterações continuamente. No último século, essas mudanças fizeram-se de

forma intensificada. A novel perspectiva que se desdobrava no início do século

XX, quando se positivaram fontes normativas do Direito Internacional,

indicadas no Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional, indicava

paradigma normativo mais objetivo. A partir desse contexto, a evolução do

Direito Internacional mostrou-se meteórica.

O Estatuto daquela Corte serviu de base para a subseqüente Corte

Internacional de Justiça, vinculada ao sistema das Nações Unidas. A ordem

internacional passou por alterações substanciais em momento balizado por

entreveros, o que fez do momento posterior a Segunda Guerra Mundial época

frutífera para correção de rumos. Todavia, a matriz normativa do Direito

Internacional, ainda que parecesse inalterada, mudava substancialmente.

Assim, outras fontes normativas foram reconhecidas como imprescindíveis à

realidade jurídica internacional, caso dos atos unilaterais e das decisões das

organizações internacionais. Essa revolução na engenharia normativa se

intensificou com a constatação, na segunda metade do século XX, do Jus

Cogens, norma de indisponibilidade quase plena, e do Soft Law, norma de

conteúdo flexível, que delimita a conduta dos Estados.

A articulação política internacional contemporânea mostra que o Soft

Law assume importância capital nos últimos anos, o que se pode observar por

intermédio de coalizões políticas entre Estados, sendo o Brasil um dos países

que se vale desse mecanismo. A necessidade sociopolítica de definir condutas

comuns, por meio de acordos multilaterais, e de lidar com problemas hodiernos

com a celeridade demanda torna o Soft Law uma norma jurídica de destaque.

Este trabalho monográfico tenciona demonstrar o Soft Law no topo da

evolução das fontes de Direito Internacional e a respectiva relação mantida

com o fenômeno das coalizões internacionais. O Brasil articula-se por meio de

coalizões nesse formato, que passa a ser um vetor de inserção política,

justificando a compreensão adequada do contexto jurídico e político.

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CAPÍTULO I

A EMERGÊNCIA DO SOFT LAW, UMA FONTE DO

DIREITO INTERNACIONAL RESULTANTE DA NOVA

ENGENHARIA NORMATIVA INTERNACIONAL.

“Nada é permanente, exceto a mudança.”

(Heráclito de Éfeso)

A fontes normativas do Direito Internacional Público passaram por

profunda transformação no decurso do século XX. Por intermédio da lavratura

do Estatuto da Corte Permanente Internacional de Justiça em 1920,

consagrou-se a concepção de fontes do Direito Internacional Público. Nos

anos subseqüentes, foi-se observando que os dispositivos daquela Carta não

atendiam às necessidades sociais, políticas e jurídicas da comunidade

internacional quanto às fontes. De maneira reveladora, nos últimos decênios

do século, constatam-se mecanismos ora enrijecendo normas, por meio do

chamado Jus Cogens, ou direito de núcleo duro, ora ocasionando norma

flexível, denominadas normas não convencionais ou Soft Law. Essa última

concepção é a que se propõe analisar no decurso desta reflexão. Para tanto,

convém entender em que condições ocorreram as alterações normativas até

que se constatasse a presença da norma flexível, o Soft Law.

Torna-se interessante observar de que maneira os autores lidam com a

temática acerca das fontes. Um dos que evidencia bem a noção é Salem

Hikmat Nasser, quando afirma:

”Conceituamos as fontes como os processos ou os

mecanismos pelos quais surgem ou são produzidas as

normas jurídicas...” (NASSER, 2006, p. 45).

As fontes, segundo esse entendimento, constituem o elemento que

propicia a ocorrência e produção de normas jurídicas. Isso confere linearidade

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com a noção de que todo o sistema jurídico somente se justificará, caso se

identifique esse elemento basilar, a fonte, mostrando que as instituições

normativas dependem da sustentação que as citadas fontes lhes conferem.

Nasser, ademais, a fim de corroborar seu raciocínio, complementa-o,

valendo-se dos ensinamentos de Norberto Bobbio. O autor, nesse sentido,

reproduz as seguintes palavras do doutrinador italiano no que tange às fontes:

“... são aqueles fatos ou atos dos quais o ordenamento

jurídico faz depender a produção de normas jurídicas”.1

Desejou-se demonstrar, portanto, que a importância da identificação das

fontes normativas auxilia a noção acurada acerca das raízes que fundamentam

arcabouço delas proveniente. O mais acertado a se reconhecer, nesse

contexto, é que as fontes normativas constituem os alicerces do sistema, e,

portanto, devem ser estudadas com atenção à realidade sociopolítica, que

pode imprimir alterações conceituais e práticas por sua evolução própria.

Entendimentos manifestos no mesmo sentido transparecem por meio do

posicionamento de outros autores. Para Celso Melo as fontes do Direito

Internacional são as maneiras pelas quais o Direito se manifesta, dando ensejo

à norma jurídica, esclarecendo, ainda, em um plano hermenêutico, que a

utilização da palavra fonte deriva-se da idéia de que, caso se averigue a

proveniência das águas de um riacho, encontrar-se-á sua fonte. A alegoria

confirma que o que se chama de fonte normativa fundamenta todo o restante a

ela subseqüente.

Em termos pragmáticos, no Direito internacional, a referência primária é

o Estatuto da Corte Internacional de Justiça - CIJ. Nesse contexto, a referência

inicial para se avaliar as fontes do Direito Internacional vincula-se ao Estatuto

da CIJ, que logo após sua existência no mundo jurídico, demonstrou-se

incompleto.

1 Apud Fontes e normas do direito internacional. Um estudo sobre Soft Law: Norberto Bobbio.2003

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1.1 - As fontes clássicas e a suas primeiras reavaliações

O Estatuto da Corte internacional de Justiça, em seu artigo 38, desde a

sua constituição, revela-se o principal documento acerca do esclarecimento

das fontes do Direito Internacional Público. Dispõe, portanto:

“Artigo 38

1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito

internacional as controvérsias que sejam submetidas,

deverá aplicar;

2. as convenções internacionais, sejam gerais ou

particulares, que estabeleçam regras expressamente

reconhecidas pelos Estados litigantes;

3. o costume internacional como prova de uma prática

geralmente aceita como direito;

4. os princípios gerais do direito reconhecidos pelas

nações civilizadas;

...“2

As fontes enumeradas nessa Carta constituem o cerne da estrutura

normativa na concepção clássica. Hodiernamente, é o que se considera como

espinha dorsal normativa do Direito Internacional Público, parâmetro central

deste instituto. Cabe destacar que, desde o ano da lavratura do Estatuto, em

1920, época em que se tratava do organismo antecessor à Corte Internacional

de Justiça - CIJ, a então Corte Permanente Internacional de Justiça - CPIJ,

prevalecia a concepção de que as fontes normativas do Direito Internacional,

previstas no artigo 38, ou seja, as convenções internacionais, o costume

internacional e os princípios gerais do direito, seriam as mais autenticas bases

jurídicas no âmbito internacional. No entanto, logo se percebeu que as

2 Disponível em http://www.trf4.jus.br/trf4/upload/arquivos/ji_cortes_internacionais/cij-estat._corte_intern._just.pdf em 20 de janeiro de 2010.

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transformações societárias demandam evoluções jurídicas. Um dos autores

que advoga, claramente. ser o Estatuto da Corte Internacional de Justiça um

documento incompleto é Antônio Augusto Cançado Trindade, conforme a

seguinte explanação:

“Assim, outra não poderia ser a conclusão senão a

considerarmos incompleto, nos dias de hoje, o artigo 38

do Estatuto da Corte Internacional de Justiça...”

(TRINDADE, 2002, p.71).

Observa-se, desse modo, que se pretende reforçar o entendimento,

segundo o qual não se poderia conceber perfeição normativa em instrumento

que não acompanhe, de maneira razoável, os fenômenos sóciopolíticos e

jurídicos da contemporaneidade. Nesse sentido progressista, pode-se perceber

que, de maneira paulatina, a comunidade internacional per se foi promovendo

um aggiornamento, correção de rumos, aceitando a existência de outras fontes

normativas no escopo internacional.

Assim sendo, as primeiras reavaliações normativas recaem sobre os

atos unilaterais e as decisões das organizações internacionais. Essa

constatação ocorre frente às necessidades do convívio entre os povos e as

relações delas provenientes, quando a estrutura normativa internacional

demonstrava-se incapaz de atender às demandas oriundas das mudanças por

que passava a sociedade. Cabe analisar a evolução de cada um dos conceitos

e o entendimento doutrinário que se tem a respeito deles.

O ato unilateral, fonte do Direito Internacional Público, foi refletido desde

os anos subseqüentes à criação do Estatuto da Conte Permanente de Justiça

Internacional – CPJI. A comunidade internacional, desde então, acredita que o

compromisso forjado por meio de ato unilateral passa a ser reconhecido como

meio de se criar direitos e obrigações, O voluntarismo estatal torna-se,

portanto, juridicamente exigível por parte dos outros entes afetados por aquela

conduta, sendo cabível cobrar a observância do compromisso assumido.

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A reserva com que se tem posicionado expressiva parcela doutrinária

demonstra a falta de percepção uníssona acerca da matéria. Francisco Rezek

esclarece que são poucos os autores a reconhecer a existência dos atos

unilaterais como norma. A maioria dos doutrinadores, segundo Rezek, acredita

que são meros atos jurídicos, mas não deixa de admitir que se criam

obrigações por intermédio desses atos. O autor menciona, para tanto, o caso

da Declaração Ihlen, proferida em 1919, em que o Ministro das Relações

Exteriores do Reino da Noruega declara, oralmente, ao Embaixador da

Dinamarca as diretrizes que seriam adotadas, a fim de pacificar entrevero

diplomático acerca da Groenlândia, objeto de disputa internacional entre os

dois países. Em demanda junto a então Corte Permanente de Justiça

Internacional – CPJI, no ano de 1933, reconheceu-se o ato unilateral como

uma promessa efetiva, o que demonstra a plausibilidade na concepção de que

os atos unilaterais encontram reconhecimento há razoável lapso.

As decisões das organizações internacionais, enquanto fontes

normativas, também carecem de entendimento uniforme por parte da doutrina,

embora autores modernos não hesitem em reconhecer como indubitável seu

status de norma jurídica. A emergência e a efetividade dos organismos

internacionais viabilizam, desse modo, outra fonte normativa: as deliberações

emanadas por essas instituições. A participação desses atores, idéia recente

em tempos históricos, - cabendo, aqui, menção aos conceitos de Fernand

Braudel sobre o tempo curto, que consiste no lapso de uma geração, por

exemplo, e, em oposição, o tempo longo, o da História3 - dimensiona nova

perspectiva para o Direito Internacional, sobretudo, após a criação das Nações

Unidas - ONU, em 1945. A Carta de São Francisco, que institui a ONU, marca

um período de intensificação das organizações internacionais nas Relações

Internacionais. A noção de que haveria um concerto de Estados que

promovesse a administração da ordem internacional condicionou,

positivamente, o incentivo à ampliação do escopo das organizações

internacionais. Hodiernamente, a existência dessas instituições é de suma

importância para o sistema internacional.

3 ROJAS, Carlos Antônio Aguirre. Braudel, o mundo e o Brasil. Editora Cortez. 2003.

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Trazendo à baila mais uma vez ensinamentos de Rezek, as decisões

das organizações internacionais, enquanto fontes, são, conforme análise do

autor, admitidas como entendimento controvertido na doutrina:

“Ainda aqui – como nos demais setores do direito das

gentes -, tudo repousa sobre o entendimento. Só que já

não se trata de um consentimento ad hoc, voltado para a

assunção de compromisso tópico, mas daquele outro,

maior e prévio, externado à hora de se dotarem em

comum, pela voz do Estados fundadores, as regras do

jogo organizacional.” (REZEK, 2008, p.140).

O que o autor pretende ensinar é que parcela dos doutrinadores

dedicados ao pensamento jurídico internacional não considera essas decisões

como fontes normativas, pois seriam derivadas dos atos constitutivos das

organizações. No entanto, na contemporaneidade, prevalece lógica, segundo a

qual, não se pode questionar que as decisões das organizações internacionais

são fontes normativas.

Outra referência literária sobre o tema é Cançado Trindade. Ao lecionar

acerca da reavaliação das fontes do Direito Internacional Público da década de

1980, assevera que a ausência de órgão legislativo supranacional torna

premente a necessidade de identificar o surgimento de mecanismos

normativos próprios para lidar com a realidade contemporânea, o que se

observa na seguinte descrição:

“Já nos referimos a resoluções contendo declarações ou

pronunciamentos de ordem geral. Esse tipo de resolução

vem suprir uma insuficiência básica da sociedade

internacional, em que, não raro, incertezas, instabilidades

e mesmo contradições acerca das regras que regem ou

devem reger a conduta das relações internacionais

decorrem da própria ausência de órgãos legislativos

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permanentes e da natureza não institucionalizada do

processo pelo qual o direito internacional é criado”.

(TRINDADE, 2002, p.68).

Portanto, como conseqüência lógica, as resoluções de organizações

internacionais, sobretudo a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança das

Nações Unidas, passam a preencher o vácuo jurídico existente e tornam-se

referências, porque se apresentam como fontes bastante diferentes das que já

haviam sido refletidas e porque constituem duas modalidades distintas de

resoluções adotadas por organismos internacionais. A mais flagrante das

diferenças, nesse sentido, seria o contraste entre a efetividade coercitiva das

recomendações da Assembléia Geral e das decisões do Conselho de

Segurança, sendo estas dotadas de efeito mandamental. Nesse sentido

Cançado Trindade complementa o raciocínio ao defender que:

“É significativo observar que, nos últimos anos, a questão

da natureza jurídica e efeitos das resoluções das

organizações internacionais tem gerado considerável

literatura especializada, não raro vinculando a questão

ao problema das “fontes” do direito internacional.”

(TRINDADE, 2002, p.69)

Essas recomendações são, portanto, consideradas como referências

paradigmáticas de resoluções adotadas por organismos internacionais4,

encontrando, em literatura especializada, os maiores críticos a favor do

entendimento alinhado com a compreensão de que a falta de consenso sobre

a matéria é um dos problemas das fontes de direito internacional.

64. Apud Antônio Augusto Cançado Trindade. O direito internacional em um mundo em transformação (Ensaios, 1976-2001). Renovar. Rio de Janeiro. 2002: F.A. Vallat. Recueil de Cours de l’Académie de Droit International (1959). P68

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1.2 – Os mais novos instrumentos normativos internacionais: o

Jus Cogens e o Soft Law.

No decurso da segunda metade do século XX, além da existência das

normas tradicionais do Direito Internacional, outros dois tipos de normas são

acrescidos no arcabouço jurídico internacional, consensualmente: o Jus

Cogens e o Soft Law. Demonstra-se que a mutabilidade por que passou a

órbita societária impeliu o surgimento de novos mecanismos jurídicos. As

normas tradicionais, portanto, foram reconhecidas como fazendo parte de rol

insuficiente para lidar com a realidade sociopolítica e jurídica do meio social

hodierno.

Convém refletir sobre o Jus Cogens, a fim de compreender com

densidade as modificações jurídicas ocorridas na sociedade global, nos últimos

decênios. As normas Jus Cogens, também chamadas de normas imperativas,

são normas supranacionais e de indisponibilidade plena. Essas normas têm

fulcro em princípios inquestionáveis, pois refletem o teor axiológico que

caracteriza o status quo. É notório que a sociedade contemporânea partilha

valores que estão acima de qualquer disposição hierárquica. Como exemplo,

pode-se mencionar, entre outros dispositivos, aquelas normas referentes à

impossibilidade de se dispor sobre proibição à pirataria, à escravidão, entre

outros princípios. A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969, -

promulgada pelo Brasil em dezembro de 2009 por intermédio do decreto

7030/09 - no artigo 53 confirma essa característica das normas Jus Cogens,

como convém colacionar ipsis literis:

“Artigo 53. Tratado em Conflito com uma Norma

Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens)

É nulo um tratado que, no momento de sua

conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito

Internacional geral. Para os fins da presente Convenção,

uma norma imperativa de Direito Internacional geral é

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uma norma aceita e reconhecida pela comunidade

internacional dos Estados como um todo, como norma da

qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser

modificada por norma ulterior de Direito Internacional

geral da mesma natureza.” 5

Essas são, portanto, as normas detentoras de núcleo duro. A

imponência desse conceito é flagrante, sobretudo, quando não resta dúvida

acerca do potencial de obrigatoriedade dessa norma, graduada de maneira

inédita no Direito, como idealizara Hans Kelsen, quando pressupunha a

supranacionalidade do Direito Internacional. Mostra-se que a mitigação do

voluntarismo estatal é reconhecida sem maiores transtornos. Outro fenômeno

jurídico que confirma a dissolução de um Direito Internacional baseado em

pressupostos voluntaristas é o Soft Law, convindo tratar do entendimento que

é estabelecido sobre ele.

Há que se falar sobre o que se compreende por Hard Law e Soft Law.

Quanto a isso, uma divisão conceitual é tema pacífico na doutrina

especializada. As relações jurídicas, no ramo do Direito Internacional, têm

apontado para a existência de dois vieses que fundamentam a realidade

jurídica sistêmica. Se de um lado é indubitável a importância latente das

tradicionais fontes do Direito Internacional para a sociedade global, o que

convencionalmente se atribui como sendo Hard Law, por outro lado é flagrante

o surgimento de mecanismos mais aptos para lidar com as demandas dos

atores internacionais, como as declarações, os acordos políticos e os

compromissos de ordens diversas, o que se tem chamado de Soft Law. A

doutrina mostra-se bastante divergente em relação à abordagem do tema, no

que tange ao lugar ocupado pelos dois conceitos. Identifica-se que uma

característica peculiar dessa categorização conceitual é a posição contrastante

entre uma percepção de tratar-se de binômio complementar ou excludente.

5 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm em 15 de fevereiro de 2010.

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Entre os pensadores que acreditam tratar-se de binômio excludente,

encontra-se Guido Soares6. Posiciona-se manifestamente favorável à idéia de

que são dois pólos distintos. Em um extremo, encontra-se o Hard Law,

ocupando seu espaço tradicional, como principal fonte normativa, e, no outro, o

Soft Law, fenômeno recém detectado na ordem jurídica, ferramenta pertinente

à dinamização das relações contemporâneas.

A crença oposta, crítica ácida à noção dicotômica, é encontrada nos

ensinamentos de Marcos Aurélio Pereira Valadão. Acredita que são

conceituações complementares. Advogando essa tese, afirma que:

“Parece-nos um equívoco sustentar que é da essência

da soft law se contrapor a hard law pelo aspecto

temporal, entendendo o soft law como uma espécie de

protonorma (“que aspira tornar-se norma”). Não é.

Embora o soft law faça muitas vezes esse papel, não é

sua característica intrínseca, não é de sua essência. Soft

law é norma escrita, fonte do Direito Internacional.”

(VALADÃO, 2010, p.8)

Essa parece ser a noção mais acertada. Não se pode compreender o

Hard Law e o Soft Law como normas que ocupam pólos distintos. Como

restará demonstrado, o Soft Law detém peculiaridade complementar e

adequada, de maneira que, cada paradigma constitui seu respectivo nicho.

Não se questiona, portanto, que a ordem jurídica internacional passou

por uma correção de rumos. A adaptabilidade do direito à sociedade, que

evolui de maneira mais célere, propicia novos instrumentos jurídicos e,

portanto, ocasiona normas que atendem de maneira mais satisfatória às

demandas hodiernas. Cabe, nesse contexto, analisar, de maneira mais

acurada, o Soft Law.

6 Soares, Guido Fernando da Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo. Editora Atlas, 2002. p. 127-140.

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CAPÍTULO II

OS MATIZES CONCEITUAIS PERTINENTES AO SOFT

LAW E ÀS COALIZÕES INTERNACIONAIS.

A Jornada

Meu barco voa por onde anda o meu pensamento:

No céu, no mar e em mim mesmo, neste momento.

Sei que o mar-caminho é o meu céu,

Pois vejo o céu no mar e não caminho ao léu.

As nuvens, que a espuma do sal cria,

São indicações da rota que é guia.

Até que na linha do horizonte, de repente,

Por um instante, um instante somente,

Onde nada vêem os realistas,

Como uma tela viva de um artista,

Levanta-se a imagem do sonho, encantada,

Levanta-se do mar como o Sol em plena madrugada:

Terras, montes, rios,

As civilizações e os gentios,

Que irão formar como previsto

O novo reino lusíada

Aos pés da cruz de Cristo.

(José Hamilton Lopes)

No século XX, há reconhecimento de normas muito flexíveis, que

constituem um conjunto de regras jurídicas que delimita a conduta dos

Estados, cuja inadimplência seria governada por um sistema de sanções

distintas daquelas previstas nas normas tradicionais, possivelmente

assimiláveis às obrigações morais versadas nos sistemas obrigacionais

internos dos Estados. Trata-se da discussão sobre a existência do que se tem

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denominado Soft Law, por oposição às normas tradicionais, então qualificadas

como Hard Law.

Nesse sentido, devemos partir da assunção de que a problemática é

atual, pois emergiu em meados do Séc. XX, quando o Direito Internacional

ganhou novo conteúdo, embora somente em tempos recentes esse conteúdo

seja analisado. Constata-se nova tendência de se reconhecer o Direito

Internacional como um conjunto de normas que delimita as ações estatais,

impondo-lhes comportamentos e não definindo, simplesmente, meras

proibições. Abandonado o primado de serem as normas do Direito

Internacional um conjunto de normas de autocontenção, em que os Estados as

impõem a si próprios, não só ganham importância outros valores que

impulsionam o que pode ser reconhecido como nova força motriz, força

geradora do Direito Internacional, mas também se reconhece a existência de

limites à vontade dos Estados, não mais delimitada, de maneira exclusiva, aos

tradicionais conceitos de soberania.

2.1 – O Soft Law

A emergência do instituto ocorreu nos anos de 1960. Naquele momento

a humanidade priorizava a norma internacional como dever de cooperação, o

qual se sobrepunha à tradicional manutenção de “status quo”, predominante

anteriormente. Nesse sentido, por iniciativa, sobretudo por parte de

doutrinadores norte-americanos, concluiu-se que havia o surgimento de

normas internacionais com graus de normatividade menores do que as

tradicionais. Para distinguir essas normas das tradicionais, essas normas

foram denominadas Soft Law, que, por ser conceito recente, enfrenta

dificuldade de obtenção de consenso na academia.

A nomenclatura, fundamentada na cultura anglo-saxã, denota as

constatações iniciais acerca do surgimento da nova estrutura jurídica. A

reconhecida normatividade, distinta das demais, no âmbito internacional,

depurando o conceito de Soft Law, foi, primeiramente, objeto de análise de

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acadêmicos estadunidenses. Autor de um dos livros mais importantes para a

doutrina brasileira sobre o Soft Law, Nasser torna mais nítidos alguns

contornos acerca do conceito. Quanto à nomenclatura, afirma que:

“Soft, em inglês, pode ter qualquer dos seguintes

significados: mole, maleável, plástico, flexível, tenro,

macio, suave, doce, leve. Pode também significar,

quando usado na expressão soft law, verde (não

maduro). Percebe-se que, substituindo soft por alguns

desses termos, e combinando-o com o termo direito,

obter-se-ão resultados variáveis no que diz respeito ao

sentido da expressão (...). Não havendo uma tradução

natural para o português, (...) rendamo-nos, por

necessidade ao anglicanismo” (NASSER, 2006, p.24 e

25).

Por meio do esclarecimento de Nasser, pode-se compreender melhor a

referência lingüística do instituto. A abstração contida na taxonomia adotada

para denominar o conceito ocasiona bastante confusão na missão acadêmica

de se balizar o assunto. Divergências tornam-se mais complexas, devido a não

objetividade lingüística na delimitação conceitual. Isso fará com que o

entendimento existencial da norma - ser ou não ser fonte de Direito – seja de

mais complexa detecção.

Ao se dissecar o conceito, observa-se o entendimento plural que

permeia o tema. O Soft Law é compreendido como um mosaico de

interpretações, sendo as mais comuns relativas: ao conteúdo variável ou

aberto, aos mecanismos de conciliação, aos atos concertados que não se

pretende dotá-los de obrigatoriedade, as resoluções e as decisões dos órgãos

internacionais não passíveis de obrigatoriedade, os instrumentos preparados

por grupos não estatais. Essa multiplicidade de interpretações impossibilita

simplicidade na definição, o que permitiria precisão e objetividade para o

entendimento do conceito.

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Guido Fernando Soares da Silva esclarece o contexto de surgimento do

Soft Law. Esse novo conceito normativo, o Soft Law, surge quando passa a

convir aos Estados uma atuação inclinada para uma diplomacia em que

predomina o multilateralismo, progressivamente, cada ver mais intensa,

conferindo mais coerência à ordem jurídica internacional contemporânea. O

autor identifica que a diplomacia multilateral perfaz subtipos de relações

multilaterais que agem complementarmente: as mantidas em Congressos e

Conferências, as construídas no seio das Organizações internacionais e as

conduzidas por meio de uma espécie de diplomacia presidencial.

As relações mais tradicionais são as decorrentes de Congressos e

Conferências. Essa maneira consagrou-se, sobretudo, nos últimos dois

séculos, de maneira paulatina, como o principal meio de relacionamento entre

os Estados, e o Congresso de Viena de 1815, que finda o período napoleônico,

pode ser considerado um marco nesse contexto. Desse momento em diante, a

intensidade de contato entre os Estados, pelos mais variados motivos, exigiu

essa modalidade de relacionamento. A positivação do direito consuetudinário,

principalmente após a criação das Nações Unidas, por intermédio da

Comissão de Direito Internacional, contribuiu para a intensificação desse viés

multilateral. Dessa maneira, contextualizam-se os primeiro passos à noção

multilateral, à diplomacia por congressos e por conferências.

Complementarmente, há o multilateralismo ocasionado por meio das

organizações internacionais. Guido Soares refere-se a uma diplomacia

parlamentar, que estaria adstrita ao período posterior ao início do século XX.

Quanto à situação temporal, pode-se observar que há consenso. Porém essa

nomenclatura, diplomacia parlamentar, pode incidir em equívocos. Não

obstante a relação em organizações constituir espécie de parlamento, essa

compreensão pode eclipsar a tendência de atuação dos parlamentos nacionais

na averiguação da política externa empreendida pelos Chefes de Estado. Para

exemplificar, é mais coerente usar essa terminologia, diplomacia parlamentar,

para casos de atuação do parlamento nacional, como ocorre no âmbito do

Mercosul, em que os parlamentos dos Estados mercosulinos participam de

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deliberações, tornando célere a aprovação congressual para validade interna

dos tratados no âmbito do bloco.

Outra manifestação do multilateralismo ocorre por intermédio de

convenções dotadas de maior informalidade. Podem ser as reuniões previstas

em tratados, as acordadas ad hoc, chamada por Guido Soares de diplomacia

por comissão mista, as reuniões de cúpula, entre outras. Trata-se de

modalidade mais dinâmica em que chefes de Estado, Ministros de Estado ou

delegados específicos atuam por intermédio de comunicados conjuntos que

ensejam Soft Law. Esta modalidade será a mais atinente ao propósito de

analisar o Soft Law e sua inter-relação com as coalizões internacionais.

Mencionou-se, anteriormente, o posicionamento dos que creem na

equivocada oposição entre Soft Law e Hard Law,. No entanto, nesse contexto

da análise, concerne observar o motivo daquela fundamentação. Os que

acreditam na dicotomia, e não complementaridade, entre Hard Law e Soft Law,

ponderam circunstâncias interessantes. Entre os argumentos mais apreciáveis

nessas observações, constata-se a concepção acerca das normas, sobretudo

sob o aspecto temporal. Para os defensores desses argumentos, o Hard Law

tem origem determinada, pois o nascimento é reconhecido com precisão,

enquanto o Soft Law representa mera potencialidade, mera aspiração,

provável existência de normatividade futura. No mesmo sentido, diferem

quanto à finalidade. Esse contraste também é observado por essa parcela da

doutrina, como maneira de se diferenciar as normas de obrigação contundente,

Hard Law, das normas de caráter de recomendação, Soft Law, em que

Estados podem, inclusive, não cumpri-las. Essas análises demonstram a

existência de uma clivagem entre teóricos.

No entanto, não se pode ter dúvidas de que há complementaridade

dessas espécies normativas. Embora os argumentos mencionados pelos

defensores da existência de um divisor de águas entre as fontes, o que é

positivo por mostrar razoável consenso sobre o surgimento de novos

instrumentos normativos, a negação dos atributos que conferem ao Soft Law o

status de fonte de Direito Internacional evidencia-se inadequada à realidade. O

dinamismo da contemporaneidade, em temas de grande importância à

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comunidade internacional, não é compatível com a noção de fronteira entre os

dois conjuntos de normas.

O mundo contemporâneo demanda soluções eficazes, formadas por

vontade plural. São decisões cada vez mais complexas. As relações entre os

Estados demandam atuações democráticas, ou, talvez, mais adequado

denominar como sendo um multilateralismo mais participativo ao invés de se

falar em democracia, porque a divisão de poder entre os Estados manifesta-se

de maneira desigual, incompatível com pressupostos democráticos. A exclusão

participativa de Estados dotados de menos recurso de poder é flagrante, mas

nenhum outro modelo supõe alteração. Portanto, uma realidade diferente da

contextualizada no passado, demanda ferramentas jurídicas modernas.

Nesse Direito Internacional em transformação, conforme sugere

Cançado Trindade, por meio de título de livro, não convém traumas e divisões.

O que se defende é a noção complementar dos dois grupos de normas Hard

Law e Soft Law. Não se sabe se no futuro prevalecerá uma exclusão em

formato darwinista, em que a espécie mais adaptada terá subsistido, e o corpo

normativo defasado sucumbido. O que se pode afirmar com segurança é a

exigibilidade de ferramentas jurídicas novas para problemas enfrentados pela

sociedade de hoje. Há temas que demandam respostas e medidas imediatas,

os quais carecem de meio multilateral eficiente para propiciar solução a

contento.

Um dos primeiros doutrinadores brasileiros a mencionar a existência do

Soft Law foi Guido Soares. Em seu manual, Curso de Direito Internacional,

assevera que esse instituto se situa no "domínio entre a política internacional e

o Direito Internacional" (SILVA, 2000, p. 146). Isso possibilita a consideração

de que as alianças políticas contemporâneas possuem, juridicamente,

formatação maleável. Dessa maneira, não se impõe coerção própria do

formalismo, mas não se pode afirmar que não há juridicidade na atual

composição de articulações políticas.

Há um debate acadêmico que não pode ser afastado da discussão ora

empreendida. Divergências científicas se fazem presentes quando se debate a

caracterização do Soft Law como fonte no Direito Internacional. Por um lado,

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uma linha conservadora, mas esclarecida, conduzida por Nasser, entende não

ser possível reconhecer ao Soft Law o status de fonte normativa, conforme se

afirma categoricamente, que “os instrumentos de Soft Law não são fontes de

direito internacional” (NASSER, 2006, p.42). Entende-se que o papel do Soft

Law é determinante no auxilio na formação desse Direito, de maneira mais

evidente na formação da opinio juris, o elemento psicológico, requisito da

norma costumeira. Somente dessa forma passaria a ser direito, efetivamente.

Por outro lado, de maneira diametralmente oposta, Valadão defende

tratar-se de um quartum genus, uma quarta fonte, conforme expõe:

“Assim, pode-se entender o soft law como sendo um

quartum genus no que diz respeito às fontes do Direito

Internacional, pois, é dotado de cogência tanto quanto os

costumes e os tratados, embora essa comporte gradação,

porém, sua formação sendo diferente dessas outras duas

fontes” (VALADÂO, 2003, p.16).

Trata-se de uma percepção mais progressista e audaciosa do que se

observa nesse trecho. No paper produzido por Valadão, em que se encontram

estas ideias, o autor chega ao ápice ao redigir uma proposta de ampliação do

artigo 38 da CIJ. Nota-se que o afã do autor leva-o a essa propositura por crer

que a importância do Soft Law na atualidade não encontra o reconhecimento

que merece. Essa proposta, pelo que se infere, é determinante para aferir o

grau de responsabilidade dos Estados na formação de coalizões

internacionais.

A posição que se crê prevalecer seria a resultante de ponderação das

duas correntes, tendendo-se para o viés progressista. Embora a defesa

conservadora seja bastante coerente, ousa-se discordar de que seja, verídica

por completo. Portanto, o Soft Law é fonte de Direito. No entanto, não se pode

concordar com Valadão integralmente, quando afirma que o Soft Law tem o

mesmo grau de cogência dos tratados, dos costumes e dos princípios gerais

do Direito. O próprio elenco de instrumentos jurídicos mencionados por Nasser

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como formadores de Soft Law, o qual denomina como sendo: instrumentos

concertados não obrigatórios criados por estados, - gentlemen’s agreements,

memorandos de entendimento, declarações, atas finais, agendas e programas

de ação e recomendações – instrumentos produzidos nas ou pelas

organizações internacionais – resoluções e decisões, recomendações, códigos

de conduta e declarações – e instrumentos produzidos por entes não estatais

demonstram a riqueza de ferramentas jurídica próprias do Direito Internacional,

que não podem constituir mero direito em potencial e que não se derivam do

Direito Internacional tradicional.

Pretende-se que, ao fim desse trabalho, reste evidente que a

manifestação da vontade dos Estados, quando estes se articulam por meio

dessas ferramentas jurídicas, seja capaz de estabelecer noção obrigacional.

Mesmo que não se chegue à conclusão ousada de se considerar Soft Law

como quartum genus, esses instrumentos jurídicos mencionados por Nasser

merecem ser considerados como cerne da nova engenharia normativa

internacional, o que impõe ao Estados vinculo obrigacional e respectiva

responsabilidade por eventual descumprimento.

2.2 – As Coalizões Internacionais

As coalizões internacionais devem ser analisadas, atualmente, como

instrumento de expressiva importância nas perspectivas de reequilíbrio de

forças no sistema internacional que Emmanuel Wallerstein, no livro World-

Systems Analysis: An Introduction, interpreta como uma decorrência do

sistema mundial moderno, implantado na América e na Europa desde o século

XVI por meio da acumulação de capital no período feudal. A evolução desse

processo, em uma análise bastante sintética, desencadeou o que,

hodiernamente, compreende-se como uma divisão do mundo em eixos

vinculados às lógicas de: centro, periferia e semiperiferia. Essa conceituação

define a capacidade dos estados de interferir no sistema político global.

Corriqueiramente, utilizam-se os conceitos de centro e periferia, para indicar a

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dicotomia existente entre subordinantes e subordinados na política

internacional.

As desigualdades que permeiam as questões políticas internacionais, no

mundo contemporâneo e nas relações interestatais, justificariam as coalizões

internacionais do presente. As profundas disparidades existentes na esfera de

influência política e decisória entre as nações demonstram a necessidade

sentida pelos Estados de forjar uniões capazes de potencializar os seus

interesses. Isso pode ser observado em vários formatos, pois o que prevalece

é a confluência de interesses dos Estados, como se verá adiante: a articulação

que justifica a aglutinação de Estados está relacionada ao encontro de

vontades, que podem ser de ordem política, econômica, cultural. É flagrante,

portanto, que alguns países se valham com mais intensidade desse fenômeno,

a coalizão, por não dispor de muitos meios viáveis à interferência nas relações

internacionais. Por esse motivo, o Estado desprovido de meios capazes de

realizar, de maneira sustentável, o seu próprio desenvolvimento utiliza essa

estratégia política, a fim de se posicionar de maneira mais adequada a seus

interesses.

A doutrina de Ciência Política Internacional forjou o conceito de system

effecting countries, auxiliando a compreensão acerca do surgimento das

coalizões. Trata-se da noção de que certos países, ao se depararem com

limitações, buscariam o foro multilateral e a ação coletiva, esta, geralmente,

relacionada a países de proporções similares, com a finalidade de alterar,

positivamente, as expectativas de seus interesses.

Dessa maneira surgem esforços no sentido de ampliar a participação,

para que seja ocasionada de maneira mais assertiva, no que tange à nova

trajetória que se impõe à política internacional. A situação do Brasil, demasiado

grande em território, população e Produto Interno Bruto para aceitar

passivamente uma ordem mundial injusta e antidemocrática, mas não forte o

bastante para nela influir direta e significativamente, tem como alternativa se

articular com países que estejam nas mesmas condições no sistema, assim

como criar, com estes países, frentes de atuação conjuntas em organismos

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multilaterais, bem como nas próprias estruturas multilaterais. Cabe, no entanto,

compreender a gênese desse processo.

As primeiras ocorrências de coalizões políticas foram constatadas, sob o

ponto de vista acadêmico, no âmbito interno dos Estados. O estudo do

surgimento desse fenômeno político, na perspectiva internacional, deriva-se da

percepção acerca dos efeitos positivos gerados, anteriormente, na

convergência de interesses políticos domésticos nos Estados democráticos.

Isso não quer dizer que a coalizão internacional é fenômeno recente. Na

história da humanidade, há incontáveis registros de articulação política entre

povos, o que permite constatar a existência desse fenômeno antes mesmo da

noção de Estado, oriunda dos Tratados de Westphália, em 1648. As uniões

políticas entre os povos, somando forças para lograr objetivo comum, podem

ser consideradas como um grau evolutivo inferior das atuais coalizões. No

entanto, concerne refletir acerca dos estudos que objetivaram entender esse

fenômeno político, estes bem recentes em tempos históricos.

O primeiro teórico a perceber a importância do tema foi William Riker.

Por intermédio das pesquisas constantes no livro Theory of Political Coalitions,

escrito em 1962, Riker tornou-se referência sobre o campo de estudos da

formação de coalizões políticas na senda doméstica. No decurso dos anos,

variadas pesquisas foram realizadas sobre o tema, mas se podia observar

reorientação das coalizões para o âmbito internacionalista.

Essas pesquisas, voltadas para o âmbito interno, ocorreram,

concomitantemente, a um progressivo surgimento de grupos políticos formados

por estados. Na década de 1960, a coalizão internacional começa a ser

bastante utilizada no sentido contemporâneo. Um estímulo expressivo pôde ser

analisado por ocasião da independência dos povos afro-asiáticos e da

mobilização política que se contrapunha ao eixo bipolar das superpotências.

Desse período em diante, intensificaram-se, as coalizões internacionais,

trazendo evolução política e suscitando o estudo das conseqüências jurídicas.

2.3 – Conclusões acerca do mundo em transformação

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Rodolf Von Jhering, em A luta pelo Direito, viabiliza, entre outros

ensinamentos, a noção de que lei existente pode ser denegada por interesses

societários. Nesse contexto, quando menciona Shylock, personagem de

Shakespeare, em O mercador de Veneza, o qual invoca a lei de Veneza para o

cumprimento do direito que lhe é assistido, o juízo não tenciona conceder a

solução desejada pelo demandante. Em essência contra legem, a decisão do

árbitro viola os princípios jurídicos, mas o que resulta, de fato, é a derrocada do

pleito de Shylock. Embora a história encoberte tramas que corrompem a

função jurisdicional, a história mostra que a libra de carne exigida por Shylock

a ser retirada do corpo de seu devedor, devido ao descumprimento contratual,

seria lícita, mas não acatada, porque de encontro aos interesses da sociedade

veneziana. Isso poderia ser visto com certa analogia nas idéias ilustradas no

livro de Nasser, que afirma:

“... pode-se dizer que é tolerada essa possibilidade de

distanciamento entre o direito e alguns valores sociais

em nome da proteção de valores maiores” (NASSER,

2006, p.37).

Não se deseja, exatamente, propor o distanciamento do direito, quando

se identifica a emergência do Soft Law. O que se pretende evidenciar é a

ênfase existente na alteração do sistema jurídico, ao reconhecer-se nova

ponderação axiológica na sociedade.

A menção ao texto shakespeariano encontra propósito comparativo com

a engenharia normativa do Direito Internacional. A analogia que se pode fazer

com a discussão presente relaciona a necessidade de se reconhecer que a lei,

ou o sistema, podem ser inadequados à realidade societária, cabendo ao

intérprete a melhor noção dos anseios da sociedade. Os interpretes juristas da

contemporaneidade devem estar aptos para lidar com presteza perante

situações novas. O sistema normativo atual deve reconhecer quais as

necessidades da sociedade sob a qual se assenta. A norma mais adaptada ao

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status quo deve ser recepcionada ou alijada do arcabouço normativo? Cabe ao

intérprete encontrar a resposta mais coerente.

O Brasil, como artífice de coalizões de diversas naturezas, deve estar

apto às conseqüências que advierem dessas relações jurídicas. O estudo da

fundamentação das coalizões de que o Brasil faz parte proporcionará uma

percepção mais acurada da participação do país na comunidade internacional

e auxiliará a compreensão da importância da análise contextual do caráter

jurídico das coalizões.

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CAPÍTULO III

ANÁLISE DAS MAIS EXPRESSIVAS COALIZÕES

INTERNACIONAIS COMPARTILHADAS PELO BRASIL

E FORMADAS POR MEIO DE SOFT LAW

“Prognóstico: o golpe de uma asa de borboleta, no Brasil,

pode iniciar um tornado no Texas?”.

(Edward N. Lorenz)

O arcabouço jurídico internacional tem evoluído de maneira expressiva

nos últimos decênios. O contexto histórico internacional vivenciado pela

humanidade nos últimos anos tem proporcionado modificações em aspectos

importantes para a normatividade internacional. A sociologia delimita a raison

d’etre da ciência jurídica ao justificar que Ubi societatis, ibi jus, máxima

conhecida no Direito Romano que significa: onde há sociedade, há o Direito.

Pode-se, dessa maneira, inferir que a evolução do Direito ocorre de maneira

indissociável às mudanças da sociedade.

As fontes formais do Direito, portanto, são os elementos basilares da

elaboração jurídica, a própria matéria-prima a partir da qual se produzem as

normas. Correspondem ao fato social e ao valor, os quais conjugam-se com a

finalidade de proporcionar a construção de uma lei. O fato social é o elemento

que equivale a toda ocorrência de extrema importância para a vida coletiva, a

ponto de comprometer as relações sociais, se não for disciplinado pelo direito.

Quando menos importante, o fato permanece apenas social e eventualmente,

tratado por outras esferas reguladoras da conduta humana (moral, religião,

moda). O valor é considerado a maneira pela qual a sociedade interpreta e

reage ao fato, condenando-o, tolerando-o ou exigindo-o; logo, o valor define o

tratamento que a lei deve dar ao fato social, segundo parâmetros éticos da

sociedade.

No Direito Internacional, a doutrina tem-se demonstrado atenta às

mutações por que passa a realidade jurídica internacional. Identificam-se

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mecanismos normativos que se distinguem das fontes jurídicas do

internacionalismo tradicional. A atual relação entre Estados demanda nova

ordem de compromissos que se singularizam por deter grau de normatividade

reduzido. Surge, sob estas circunstâncias, a concepção de Soft Law. Trata-se

da reconhecida flexibilização das normas internacionais, resultado de

compromissos assumidos entre as nações em contexto de nova sistemática

obrigacional, geralmente, por intermédio de declarações.

Para a surpresa de muitos, Nasser situa a densidade conceitual do

instituto da Soft Law na sociologia do Direito:

“A preocupação com o funcionamento da sociedade (...)

é típica da sociologia do direito (...). É nesse campo que

se pode localizar a maior parte dos estudos sobre soft

law (...)”. (NASSER, 2006, p.27).

Observa-se a inexistência de exclusividade jurídica quanto ao Soft Law.

Embasado no artigo Commitment and compliance: The role of non-binding

norms in the international legal system, da American Society of International

Law (n° 95, 1995, p. 709-714), o autor afirma uma possibilidade de existência

jurídica dessas normas. Isso contribui para o pacífico entendimento de que o

Direito surge por demanda das relações da sociedade. Portanto, pensadores

juristas vão além, embora as transformações normativas surjam com certo

retardo. Somente após a percepção de que se fazem necessárias é que

ocorrem as iniciativas legislativas.

O conceito de Soft Law emergiu a partir da relevância e da atuação

crescente da diplomacia multilateral. A idéia subjacente a sua adoção e a sua

aceitação generalizada parece repousar no fato de que as normas jurídicas

deveriam estar mais perto das necessidades humanas, as quais nem sempre

encontrariam respaldo nas ações governamentais, o que se torna contumaz na

sociedade como um todo, e a formulação da política internacional encontra

guarida em uma participação mais eficaz dos grupos sociais.

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A isso se soma, ainda, a tendência de as normas internacionais

invadirem praticamente todos os setores da vida societária, sendo influenciada

por especializações e tecnicismos próprios de cada nicho de conhecimento.

Em Por uma outra globalização, Milton Santos discorre, entre outros assuntos,

sobre a uniformização, a estandardização, proveniente do mundo globalizado.

As relações internacionais, nesse contexto, ganharam ímpeto, de maneira que

os negociadores tradicionais dos Estados, em especial na sua tarefa de

elaborar a norma internacional, não teriam conhecimento adequado dos

fenômenos que estariam regulados pela norma internacional clássica. A norma

que se tem implantado atualmente tem a flexibilidade como virtude,

acompanhando os interesses estatais com suporte de corpo técnico.

Enfim, o relativo imobilismo das normas jurídicas pareceria inadequado.

Para responder a necessidades de criar padrões que acompanhassem o

universo das relações internacionais, dominado por tecnologia e ciência, seria

válido o desenvolvimento de modelos jurídicos que se adaptassem à maneira

acelerada do mundo moderno e aos resultados cada vez mais revolucionários

no relacionamento entre Estados.

Portanto, as coalizões enquadram-se de maneira mais coerente aos

propósitos societários que fundamentam o Soft Law. As ações coletivas,

voltadas à intenção de constituir realidade eqüitativa, por meio de parceria

política entre as nações, encontram suas raízes no multilateralismo, e a baixa

densidade normativa é conseqüência das relações jurídicas internacionais

forjadas na contemporaneidade.

Muitos analistas conjeturam que os instrumentos de Soft Law facilitam a

inter-relação entre os estados por acentuar a autonomia do chefe de estado.

Nesse contexto, as articulações políticas internacionais, incluindo as coalizões,

independem do crivo do parlamento interno dos Estados. A alegação parece

bem pertinente quando se infere que o que é decidido, em termos de parcerias

política internacionais, não é submetido ao parlamento, não se democratiza no

âmbito doméstico.

Poder-se-ia abrir espaço para a discussão de validade desses acordos,

ou ainda, caracterizá-los segundo o monismo sob o primado do direito

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internacional. Considerando que se crê que o Soft Law é fonte normativa e que

não se submete ao aval parlamentar, poderia ser considerado norma

autoaplicável. Nesse silogismo, haveria os que alegassem a ilegitimidade

dessa norma, pois compromissos seriam assumidos sem a participação

congressual.

No entanto, há que se ponderar. Não se podem criar parcerias

dinâmicas e eficientes, em sintonia com o jogo político internacional, caso

imprescindível fosse a participação do parlamento. Da mesma maneira,

entender que o combinado entre os países internacionalmente não detenha

nenhum peso jurídico seria ignorar o equilíbrio de forças da sociedade. Seria

crer, ingenuamente, que se pode tratar e destratar a seu talante com outros

povos, de maneira irresponsável. Esquece-se que a honra e a moral fazem

parte da personalidade jurídica. Assim sendo, desrespeito a acordos, ainda

que informais, geram conseqüências jurídicas na personalidade do prejudicado

e na personalidade do que promoveu o desrespeito. Neste caso, simboliza a

falta de seriedade do povo com quem se tratou.

Outra observação interessante de analistas é que o meio de solução de

possível controvérsia é político, não judicial. Guido Soares afirma que as

declarações de princípios são endereçadas ao executivo e ao legislativo.

Esses são os órgãos que se valerão das orientações manifestas por meio de

um consenso com fulcro em princípios. Contudo, note-se, a inobservância não

encontra amparo judicial. Os meios políticos, nesse caso, são a única medida

aplicável para essa falta de respeito ao que fora acordado.

Como já foi trabalhado, o marco inicial é a década de 1960, e o Soft Law

surge como norma concernente à ideia de dever de cooperação. Em 1964, por

exemplo, ocorreu a primeira Conferência das Nações Unidas para Comércio e

Desenvolvimento – UNCTAD, que tencionava regras mais equânimes nas

negociações realizadas no Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT. Essa

é vista como uma coalizão importante para a ordem política contemporânea.

Outras coalizões importantes para a correlação de forças no sistema

internacional serão vistas mais atentamente.

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3.1 – Contextualização das coalizões internacionais entre

Estados

O contexto histórico que sucede ao pós Guerra Fria contribui para a

crescente importância dos mecanismos multilaterais de negociação

internacional. A proliferação de tratados multilaterais nos anos de 1990,

confirmaram a abissal importância da multiplicação de vértices de poder no

âmbito internacional.

A academia constata o surgimento dessa nova circunstância. Celso

Lafer, em Identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira,

descreve a realidade global que se descortina após a diluição da bipolaridade

sistêmica por intermédio do conceito de multipolaridades indefinidas. Não

obstante o incontestável predomínio norte-americano em, praticamente, todas

as problemáticas nesse período, países em desenvolvimento (PED) e países

de menor desenvolvimento relativo (PMDR) posicionam-se como detentores de

meios políticos mais eficazes, a fim de manifestarem-se acerca do que lhes

convêm.

Torna-se, portanto, digna de reflexão a análise sobre os aspectos

jurídicos que fundamentam as ações coletivas e as coalizões no contexto

internacional. O dinamismo das relações internacionais, nas últimas décadas,

viabilizou o entendimento de que é possível construir alianças a fim de

modificar as estruturas políticas, para que se adéqüem, de maneira isonômica,

aos interesses de mais expressivo contingente de países.

Essa realidade fática evidencia a carência de instrumentos jurídicos

diferentes das tradicionais fontes de Direito Internacional Público, pois os

dispositivos enumerados no artigo 38 do Estatuto da CIJ não esgotam as

demandas instrumentais do mundo hodierno. Nesse contexto, teóricos

identificam a teoria da Tigela de Espaghetti – spaghetti Bowl theory - em que

acordos diversos, envolvendo uma complexa rede de tratados bilaterais fazem

parte das relações mantidas entre países e geram sistema de tratados

desinteressante. A teoria geralmente é invocada para demonstrar a

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necessidade de fortalecimento do foro multilateral, como mecanismo

alternativo, que viabiliza maior clareza às relações internacionais. Contudo,

pode-se observar que, involuntariamente, o preceito indica outro fenômeno: a

proliferação ou multiplicidade de acordos de menor densidade jurídica, sob a

insígnia de soft Law.

O direito é ciência que se manifesta com defasagem temporal. Como as

análises sociológicas indicam, somente após a identificação de circunstância

que justifique o surgimento de norma jurídica, a denominada fonte material,

poder-se-á satisfazer a intenção societária, provendo a comunidade com

aquela delimitação da conduta humana. Pode-se adequar essa reflexão com o

surgimento do instituto jurídico internacional da Soft Law, pois, atualmente, as

soberanias desejam constituir compromissos sem a formalidade peculiar do

Direito Internacional tradicional, ou seja, a proposta é ir além do elenco de

fontes estatuídas pelo artigo 38 do Estatuto da CIJ.

Assim, o relacionamento interestatal deu vida à norma em formato Soft

Law. Expressiva parcela das relações jurídicas interestatais que se

desenvolvem na contemporaneidade são desprovidas de maiores formalidades

e, portanto, carecem de força normativa substancial. Os memorandos de

entendimento, os acordos de cavalheiros (gentlement’s agreements) e as

declarações diversas, manifestando, simplesmente, os interesses dos Chefes

de Estado, são exemplos de instrumentos que não detém caráter jurídico

pautado nos pressupostos do tradicionalismo internacionalista. Entre diversos

tipos de instrumentos em que se manifesta o Soft Law, a declaração, de

maneira geral, tem sido utilizada para dotar de juridicidade as coalizões

políticas internacionais.

3.2 – As coalizões internacionais e o Brasil

Estados têm-se valido desses tipos de atos unilaterais com a finalidade

de ampliar o potencial político no âmbito internacional. Entre as relações

jurídicas que se pode criar por meio dessas declarações, Estados as têm

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utilizado a fim de constituir articulações políticas que potencializem os seus

interesses. Aos grupos de países que se aglutinam politicamente com essa

finalidade, analistas políticos internacionais dão o nome de coalizões

internacionais. A manifestação de vontade derivada da convergência de

interesses, visando à formação dessas coletividades, ocorre por meio de

declarações conjuntas, que são atos unilaterais coletivos, contribuindo para a

constituição de vínculo obrigacional dotado de normatividade inferior às

tradicionais fontes de Direito Internacional Público.

O Brasil é um dos países que tem prestigiado esse viés jurídico. A

historiografia acerca da política externa brasileira analisa que, desde meados

do século XX, as diretrizes diplomáticas do país definem o interesse por

coalizões internacionais que ampliam, sobretudo, a margem de poder dos

países periféricos, que, de acordo com a nomenclatura da Organização

Mundial de Comércio, encontram taxonomia mais adequada por meio das

denominações relacionadas a países em desenvolvimento e países de menor

desenvolvimento relativo.

No limiar do século XXI, o Brasil demonstra ser um dos países

protagonistas na utilização de coalizões internacionais, pois está entre os

promotores de articulações que constam entre as mais importantes da história

contemporânea, por exemplo, o G-77, o Grupo de Cairns, o acrônimo BRIC, o

G-20 comercial e o G-20 financeiro, bem como o Fórum IBAS, entre outras

iniciativas de suma importância para as relações internacionais do Brasil.

Pode-se afirmar, desta feita, que o Brasil tem utilizado o Soft Law para a

consecução de sua agenda diplomática, o que justificaria reflexões de maior

escopo sobre esse instituto.

3.3 – As principais coalizões formadas pelo Brasil

O aggiornamento paradigmático da política externa brasileira contribuiu

para a tendência recente à ação coletiva. A migração do paradigma

americanista, quando o Brasil privilegiava o relacionamento com os Estados

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Unidos em suas diretrizes diplomáticas, para o paradigma globalista tornou

possível análise de mais abrangente escopo acerca das potencialidades

ofertadas por meio de coalizões. A Operação Panamericana – OPA articulada

no governo Juscelino Kubitscheck, e a subseqüente Política Externa

Independente - PEI, plano de política externa empreendido pelo governo Jânio

Quadros, imprimiram pujança aos ideais autonomistas das relações

internacionais do Brasil. Isso criou atmosfera necessária para o surgimento de

iniciativas coletivas no âmbito internacional. A formação do G-77, no qual o

Brasil atuou como protagonista, em defesa de ideal desenvolvimentista,

corroborou a influência doutrinária imbuída de autonomia no novo viés de

inserção.

Nos anos 60, uma das primeiras manifestações de coalizão

internacional é o G-77. Formou-se por intermédio das reuniões na UNCTAD,

em 1964, quando países menores vislumbravam a possibilidade de obtenção

de melhores resultados no comércio internacional. O profícuo tratamento do

tema significaria incentivo às futuras ações coletivas desenvolvidas daquele

momento em diante, entre as quais, o Grupo de Cairns, defensor do fim dos

subsídios a produtos agrícolas, o que foi fundamental para a resolução das

contendas que ameaçavam emperrar negociações na Rodada do Uruguai, do

General Agreement on Trade and Tariffs - GATT, sendo esta a rodada em que

se determinou a criação da OMC. Outras coalizões foram igualmente

importantes. Porém, foi no interstício entre os séculos XX e XXI que se

originam coalizões de maior escopo.

As relações do Brasil com o mundo proporcionam a conclusão de que

as mais importantes articulações políticas com os países em desenvolvimento

são ocasionadas por meio de coalizões informais, como se vê por meio do

fórum IBAS, do G-20 Comercial, do BRIC, das parcerias africanas, do Foro de

cooperação América Latina – Ásia do Leste e da Cúpula América do Sul –

Países Árabes, entre outras coalizões, o que estaria inserto no que Cristina

Soreanu Pecequilo chama de eixo horizontal: relações Sul-Sul. Em

complementaridade a essa perspectiva, mas com certo viés oposicionista, há o

eixo vertical: a cooperação Norte-Sul, que conforme a mesma autora identifica,

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inclui o G-4 e o G-20 Financeiro. Eis as principais coalizões das quais o Brasil

participa.

Essa ênfase no multilateralismo, nesse período recente, torna viável a

ocorrência de coalizões mais ambiciosas. Cabe a breve menção às principais

coalizões de que o Brasil, hoje, participa. Expressiva parcela de coalizões faz

parte do que analistas conceituam como aliança de geometria variável, em que

acordos são dedicados a propósitos econômicos, sociais, estratégicos e

diplomáticos. Inicialmente, cabe refletir acerca das conceituadas como

provenientes do eixo horizontal, as relações Sul-Sul. Em seguida, analisar-se-

ão as componentes do eixo vertical: Norte-Sul. Enquadram-se no conceito de

soft balancing, que significa a intenção de equilibrar relações interestatais por

intermédio de flexibilidade.

3.3. 1 – Fórum IBAS

O Fórum IBAS é formado por Índia, Brasil e África do Sul. Também

conhecido como G-3, tem por objetivo melhor desempenho estratégico

internacional e articulação de ações voltadas ao desenvolvimento. Os três

países demonstram, ao longo de suas histórias, a vontade de promoverem-se

autonomamente. São considerados países do Terceiro Mundo, com

sociedades complexas, multiétnicas e que enfrentam desigualdades. O

contexto político do século XXI propiciou aproximação em movimento inédito

de coordenação. Foi estabelecido em 2003, por meio da Declaração de

Brasília. É explícita a defesa da democratização das relações internacionais,

que pode ser lograda por aumento da representatividade das Organizações

Internacionais e por nova estruturação do processo decisório. A incorporação

da temática social também é modelar, fundamentando-se na ausência de

atenção dos países ricos. O projeto decorre, sobretudo, da dinâmica

econômica vivenciada pelos membros.

3.3. 2 – G-20 Comercial

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O surgimento desse grupo está adstrito às negociações comerciais na

Organização Mundial de Comércio, especificamente, na Rodada Doha. Porque

as relações comerciais nessa instituição, desde a Rodada do Uruguai,

demonstravam assimetrias quando se tratava de concessões entre países do

Sul e Norte, essa coalizão se justificou como sendo o caminho mais adequado

a se posicionar perante as desigualdades. Cabe colacionar trecho de

comunicado do grupo, para se entender melhor sua importância.

“...63% de todos os agricultores e 51% da população

mundial vivem nos membros do Grupo. Os países do

Grupo também são responsáveis por cerca de 20% da

produção agrícola mundial, 26% da exportação agrícola

total e 17% de todas as importações mundiais de

produtos agrícolas. Existe uma inegável relação entre

agricultura e desenvolvimento.” (Comunicado Ministerial

do Grupo do 20)7

Observa-se que a coalizão tem expressiva importância geoestratégica. A

participação que se demanda, no ditame das condições, não pode ser

afastada. Sendo precedida pelo Grupo de Cairns, que abordava preceitos

bastante parecidos, o grupo é monotemático, priorizando os debates negociais

relativos à agricultura. O G-20 comercial, portanto, descortina um novo

momento em que concessões não podem são feitas sem reciprocidade. Os

resultados foram sentidos em curto espaço de tempo, pois, logo em seguida às

primeiras manifestações, recuperaram-se as reuniões até então suspensas,

quando se articulou uma outra coalizão derivada do G-20 comercial, chamada

de G-4, formada por Índia, Brasil, Estados Unidos e União Européia, a fim de

dirimir os impasses.

O G-20 possui aspectos pluralistas e desenvolvimentistas. A coesão de

países de continentes diversos conferiu matiz mais incisivo às demandas

oriundas dessa senda. Africanos e asiáticos intervieram, conjuntamente, com

7 Apud em Pecequilo, Cristina Soreanu. Manual do candidato. Política Internacional. Funag. 2010.

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outros países. Isso foi postura cujo ineditismo legitimou o pleito desses povos.

Digno de destaque é que o Brasil foi o idealizador e articulador do projeto. Isso

justifica uma análise eficiente acerca das coalizões internacionais.

3.3. 3 – BRIC

BRIC era simples acrônimo, criado pelo economista Jim O’Neill do

banco Goldman Sachs em 2001. Em artigo, este economista mencionou quatro

economias, que estão entre as sete maiores economias do mundo projetado

para 2050: Brasil, Rússia, Índia e China. Estes países seriam analisados como

os pilares, sustentáculos, associando à idéia contida no vocábulo da língua

inglesa “brick”, que significa tijolo. O BRIC passou a ser visto como o grupo

composto pelas potências médias em desenvolvimento. No ano de 2009,

ocorrem as primeiras iniciativas para a sua institucionalização.

A coordenação entre os países pressagia resultados profícuos. Mostra

disso foi a Primeira Reunião de Cúpula realizada em julho de 2009, em

Ecaterimburgo, na Rússia, consolidando-se a noção de revisionismo da

estrutura das Organizações Internacionais. Há idéia de que se compõe

estratégia em eixo multilateral e em eixo bilateral, neste caso, por parcerias

adicionais entre os membros.

3.3. 4 – Parcerias africanas

Com o intuito de desenvolver a diretriz da política externa que prestigia

as nações africanas, o Brasil vem, há algumas décadas, promovendo

articulações políticas com os países da região. O multilateralismo tem sido

entendido pelo Brasil como um formato de negociações apropriado para

potencializar esforços e para ampliar o escopo de sua capacidade política.

O víeis de inserção internacional brasileiro mostra-se pragmático.

Pecequilo, mais uma vez pode ser mencionada. Sua análise, acerca da

reaproximação brasileira do continente africano, evidencia-se com lucidez na

assertiva que segue:

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“Em termos práticos, esta reaproximação possui

dimensões múltiplas: no campo político e diplomático

traduz-se na parceria estratégica no âmbito multilateral

(...); em termos sócio-culturais aprofunda laços históricos

entre os continentes e suas populações (...); no

comércio, consolida novas zonas de oportunidade

econômica para as exportações brasileiras do

agronegócio, bens de valor agregado, infra-estrutura e

tecnologia”. (PECEQUILO, 2010, p. 284).

Por intermédio dessa reflexão pode-se ter dimensão realista da

aproximação brasileira desse continente. A importância de consolidar a

construção de laços políticos, culturais e comerciais é concebida como

prioritária ao multilateralismo empreendido pelo Brasil. No entanto, seguindo a

delimitação deste trabalho, as coalizões, devem abordar as principais

iniciativas. Sobressaem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa -

CPLP e a articulação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul -

ZOPACAS.

A CPLP, instituída por meio de declaração feita em 1996, constitui

valioso vínculo cultural e político entre os componentes. Iniciativa brasileira, por

ocasião do governo José Sarney, em 1989, em São Luiz do Maranhão,

organizou-se o primeiro encontro de chefes de Estado e de Governo de países

de língua portuguesa – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau,

Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. O objetivo foi criar comunidade

que, reunindo países de língua portuguesa, enaltecesse a herança histórica, o

idioma comum e a visão compartilhada de desenvolvimento e de democracia.8

É oportuno registrar a inclusão de oitavo membro, Timor Leste, que, após a

independência deste país em 2002, veio enriquecer o grupo por pertencer à

realidade asiática, o que contribui para a legitimidade e para a ampliação do

escopo do grupo. Trata-se, portanto, de veículo de comunicação privilegiado, a

8 Disponível em http://cplp.dynamicweb.pt/Default.aspx?ID=45 em 27/04/2010.

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fim de estabelecer parcerias em áreas diversas, contudo, valendo-se de das

afinidades culturais entre os diferentes povos.

A ZOPACAS é criada em conseqüência da articulação entre países da

costa ocidental da África e da América do Sul, banhados pelo Oceano

Atlântico. O grupo foi instituído em 1986, a fim de consolidar esforços para a

promoção de uma área desmilitarizada, e, atualmente, conta com 24

integrantes9. Recentemente, fala-se de processo de revitalização dessa

coalizão, sobretudo quando, em 2007, manifesta-se um documento chamado

Plano de Ação de Luanda, que aponta em que áreas de cooperação podem

ser empreendidos esforços, a fim de ampliar perfil cooperativista da Zona da

Paz. A intenção é abranger grupos de trabalho para debates acerca de

cooperação econômica, manutenção de paz, meio ambiente, ilícitos

internacionais e procedimentos marítimos, entre outros temas.

3.3. 5 – FOCALAL

O foro de cooperação América Latina – Ásia do Leste - FOCALAL é

formado por 34 países que tencionam ampliar intercâmbios econômicos e

culturais, expandindo diálogo político para atuação conjunta em diversos

campos. Trata-se do único mecanismo de comunicação contínua, em

pressupostos multilaterais, entre as duas áreas geográficas.

Um bloco de objetivos comuns os une nessa empreitada. Destacam-se

os atinentes à promoção de aproximação que intensifique cooperação política,

ao desenvolvimento do cooperativismo multidisciplinar, abarcando áreas

diversas, como cultura, economia, ciência e tecnologia, meio ambiente, entre

outros, e ao posicionamento uníssono acerca de temas de relevância global, a

fim de capitalizar interesses mútuos.10

9 Disponível em http://www.mre.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=46&Itemid=322 em 27/04/2010. Ademais, menciona-se que os atuais membros são África do Sul, Angola, Argentina, Benin, Brasil, Cabo Verde, Cameroun, Congo, Côte d’Ivoire, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e Uruguai. 10 Disponível em http://www.focalal.mre.gov.br/focalal-pt-br em 27/ 04/2010.

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Por meio desse outro eixo de coalizão, o Brasil tenciona maior

efetividade e intensificação de fluxos com os países do Leste asiático. Esse

desígnio, todavia, é idealizado por meio de lógica coletiva, pois o interesse,

nesse contexto, é o fortalecimento inter-regional. O somatório de forças desse

grupo de países sopesa a ampliação de articulações por meio de coalizão e a

sua importância.

3.3. 6 – Cúpula Aspa

A Cúpula América do Sul – Países Árabes simboliza a intenção

brasileira de promover aproximação e formar consenso entre os países dessas

áreas. O Brasil, na vanguarda dessa articulação política entre os povos, foi o

artífice dessa coalizão. Analistas criam na possibilidade de que essa iniciativa

poderia ser uma cúpula isolada. Porém, a ampla aceitação do resultado

desdobrou-se em uma série de atividades conjuntas, que vêm permeando as

relações entre os países dessas regiões. A intenção inicial, como propunha a

administração Lula, em 2003, ao lançar oficialmente a idéia, era instigar a

aproximação entre países dessas áreas geográficas, Subseqüentemente, em

romaria diplomática empreendida pelo Chanceler Celso Amorim, manifestou-se

apreço, por intermédio de convite formal, insistindo para que os países

participassem do evento.11

A Cúpula foi recebida como feito de êxito. As propostas, que

objetivavam autoconhecimento e desenvolvimento de interesses

compartilhados, foram acolhidas de maneira geral, o que pode ser comprovado

pela gama de reuniões realizadas, de maneira contínua, até o presente, em

temáticas variadas. A importância do evento pode ser vista em texto divulgado

no sitio da Cúpula:

“A Cúpula América do Sul - Países Árabes constituiu o

primeiro encontro internacional de porte na história

11 Disponível em http://www2.mre.gov.br/aspa/br_home.htm, em 27/04/2010.

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recente, que, fora da programação regular de trabalho

das Nações Unidas, buscou aproximar dois grandes e

importantes blocos de países em desenvolvimento”. 12

O ineditismo surtiu efeitos benéficos, como se comprova pelo que se

desenvolve na atualidade. Assim sendo, essa coalizão demonstra a

expectativa de maior inserção brasileira no Oriente Médio. Atuando de maneira

consoante aos pressuposto globalistas e multilaterais, o Brasil demonstra seu

interesse nessa articulação valiosa.

3.3. 7 – G-4

O G-4 é o grupo formado por Brasil, Índia, Japão e Alemanha, tendo por

escopo a defesa de uma ampliação do Conselho de Segurança das Nações

Unidas que justifique legitimidade perante a realidade internacional

contemporânea. Esses países se unem para promover proposta de reforma do

Conselho de Segurança que confira participação de, além deles e mais dois

países africanos como membros permanentes, mais 4 membros não

permanentes.

A melhoria na distribuição geográfica do conselho contribuiria para maior

legitimidade dessa instituição. Os países do G-4 defendem que a participação

pluralista, em pressupostos imbuídos de democracia mais consistente,

promoveria a legitimidade que se necessita, pois se trata de conselho dotado

de concentração de poder. Isso deve ser considerado, quando se pensa que

medidas adotadas carecem de posicionamento de países que, na realidade,

encontram-se sub-representados. Uma coalizão internacional dessa magnitude

demonstra o grau de assertividade do Brasil por meio desse formato de

inserção política.

3.3. 8 – G-20 Financeiro.

12 Disponível em http://www2.mre.gov.br/aspa/br_home.htm, em 27/04/2010.

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Embora seja uma coalizão bastante mencionada hodiernamente, devido

à crise financeira e aos mecanismos políticos de contensão de catástrofes

econômicas, o grupo não foi criado pós-crise 2008. O G-20 financeiro foi criado

em 1999, sem muito glamour. A verdade, no entanto, é que se trata do

principal gestor da crise de 2008.

O G-20 financeiro é coalizão bastante avançada e representativa. Foi

criado para refletir medidas apropriadas à crise financeira do fim dos anos de

1990. A composição geográfica do grupo confere legitimidade, e a participação

de países emergentes os inclui, de maneira adequada, na governança global.

Participam países de todos os continentes, com proporção demográfica de 2/3

da população e 90% do Produto Interno Bruto mundial. De fato, é observado

como instituição mais coerente e mais capaz na produção de consenso do que

o G-8, importante foro de debate econômico, que são as sete nações mais

industrializadas mais a Rússia.

Uma série de reuniões e conseqüentes declarações estão deliberando

sobre os rumos da economia global. A composição do grupo, formado por

ministros das finanças e por presidentes dos bancos centrais dos países

membros, demonstra a intensidade trabalhada e a efetividade do que se

delibera. O Brasil exerceu a presidência do grupo em 2008, manifestando sua

vocação de articulador de coalizões e formador de consensos.

3.4 – A ordem internacional contemporânea e as coalizões

Esses são exemplos de novo perfil de coalizões que se pode identificar

no século XXI. O embasamento jurídico dessas formações é feito de maneira

flexível, importando em normas de cunho obrigacional diferenciado das

tradicionais fontes de Direito Internacional Público.

A nova dinâmica oriunda da ordem internacional instaurada em 1945,

por intermédio da realidade pós Segunda Guerra, se materializa na

Organização das Nações Unidas, concebida como divisor de águas na história

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da humanidade. Essa instituição fundamenta a ordem jurídica internacional

presente. No entanto, deve-se atentar para as idéias que lhe conferem suporte.

A Liga das Nações, baseada nos pressupostos de Woodrow Wilson,

presidente americano que idealizou o perfil institucional nesses moldes, foi a

referência mais importante para a construção do sistema ONU. No que

concerne à análise sobre os aspectos jurídicos das coalizões internacionais,

um dos principais conceitos trazidos por meio desse organismo internacional é

a segurança coletiva. Caracterizá-la é útil à compreensão do fenômeno das

coalizões que configura a realidade política das últimas décadas. Convém,

para tento, transcrever o seguinte trecho de Oliveiros Litrento:

“É verdade que a política das alianças sempre

prevaleceu no curso da História. Mas eram alianças

passageiras, sedimentadas em ambições imperialistas

constantes. Daí somente ter crescido a possibilidade de

permanência da segurança coletiva com a criação da

Liga das Nações originada do sonho de Wilson”

(LITRENTO, 1975, p.155).

Ao fundamentar-se nessa lógica, a assertiva permite que se conclua

acerca do verdadeiro turning point das ações políticas conjuntas, sem o intuito

imperialista. Poder-se afirmar, portanto, que, o somatório de esforços

conjuntos para se lograr coesão política dissuasória, sem a finalidade de

potencializar poder de império, foi dado, genuinamente, na consagração da

Liga das Nações, que serviria de modelo para a ONU, que é o maior centro de

composição política da história da humanidade. As coalizões que se

desenvolverão no decurso do tempo terão como palco principal o púlpito das

Nações Unidas, lugar apropriado para definir as relações interestatais.

Assim sendo, resta pousar atenção sobre a importância da

intensificação de estudos jurídicos direcionados a novos fenômenos políticos

próprios da realidade internacional contemporânea. Como um dos atores

internacionais que mais se esmera na construção de coalizões, seria razoável

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empreender pesquisas para que o Brasil também estivesse na vanguarda das

análises jurídicas que permeiam as coalizões internacionais.

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CONCLUSÃO

A notabilidade das transformações do Direito Internacional guarda

intimidade com a reflexão sobre as novas fontes atuantes sobre o sistema

jurídico internacional. Nesse contexto, o Soft Law pode ser compreendido

como mecanismo proveniente de relações jurídicas pertinentes a alianças

políticas internacionais, em que se faz ausente a normatividade coercitiva. Isso

é o que se pode observar em uma série de instrumentos jurídicos utilizados

hodiernamente, como ocorre em uma série de instrumentos pouco formais

destinados a regular futuro comportamento dos Estados e seus ordenamentos

jurídicos nacionais. Muitos autores negam, erroneamente, caráter jurídico ao

Soft Law e consideram-no obrigações naturais ou morais.

Observa-se que se origina uma complementaridade, não dicotomia,

entre uma Soft Law e uma Hard Law. Aquela norma, relativa a baixo grau de

juridicidade, diferencia-se por não conter feição tradicionalista. A outra, Hard

Law, refere-se às peculiares normas de Direito Internacional. Essa última

noção mostra-se conservadora e representa a manutenção de posição de

importância no cenário internacional. No entanto, o Direito Soft, inegavelmente,

ganha importante espaço no sistema jurídico internacional.

Compreende-se, dessa maneira, que a nova estrutura política

demonstra a abissal transformação no sistema jurídico internacional. Qual

seria a densidade dos compromissos assumidos naquelas circunstâncias?

Qual a exigibilidade prevista para o cumprimento daquelas obrigações

políticas? Seria possível alguma medida jurídica, caso algum dos membros

tivesse comportamento incompatível com o pactuado no intercurso

político? Essas são problemáticas que somente serão vislumbradas, de

maneira mais eficiente, no futuro, momento em que a doutrina internacionalista

disporá de acervo conceitual mais vasto acerca dos fenômenos que se

manifestam no presente.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

A emergência do Soft Law, uma fonte do Direito

Internacional resultante da nova engenharia

normativa internacional.

9

1.1 - As fontes clássicas e a suas primeiras

reavaliações,

11

1.2 – Os mais novos instrumentos normativos

internacionais: o Jus Cogens e o Soft Law.

16

CAPÍTULO II

Os matizes conceituais pertinentes ao Soft Law e

às coalizões internacionais.

19

2.1 – O Soft Law 20

2.2 – As Coalizões Internacionais 26

2.3 – Conclusões acerca do mundo em transformação 28

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CAPÍTULO III

Análise das mais expressivas coalizões

internacionais compartilhadas pelo Brasil e

formadas por meio de Soft Law.

31

3.1 – Contextualização das coalizões

internacionais entre Estados.

35

3.2 – As coalizões internacionais e o Brasil 36

3.3 – As principais coalizões formadas pelo Brasil 37

3.3. 1 – Fórum IBAS 39

3.3. 2 – G-20 Comercial 39

3.3. 3 – BRIC 41

3.3. 4 – Parcerias africanas 41

3.3. 5 – FOCALAL 43

3.3. 6 – Cúpula Aspa 44

3.3. 7 – G-4 45

3.3. 8 – G-20 Financeiro. 45

3.4 – A ordem internacional contemporânea e as

coalizões

46

CONCLUSÃO 49

ANEXOS 49

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 50

ÍNDICE 53

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

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