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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE REABILITAÇÃO ATRAVÉS DA ARTE: UMA NOVA PERSPECTIVA NO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS NEUROPSICOLÓGICOS Por: Hilcilene Santiago de Souza Orientador Prof. Mary Sue Pereira Rio de Janeiro 2009

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … · pacientes com lesões cerebrais, de processar e aplicar informação de modo a ter uma vida mais autônoma e satisfatória

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

REABILITAÇÃO ATRAVÉS DA ARTE: UMA NOVA

PERSPECTIVA NO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS

NEUROPSICOLÓGICOS

Por: Hilcilene Santiago de Souza

Orientador

Prof. Mary Sue Pereira

Rio de Janeiro

2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

REABILITAÇÃO ATRAVÉS DA ARTE: UMA NOVA

PERSPECTIVA NO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS

NEUROPSICOLÓGICOS

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como requisito

parcial para obtenção do grau de especialista em

Arteterapia em Educação e Saúde.

Por: Hilcilene Santiago de Souza

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais e minhas irmãs

pelo apoio que me deram na realização

desse curso, e em especial ao meu marido

Dr. Henrique Goulart, que esteve junto a

mim nesta nova trajetória da minha vida,

me apoiando e incentivando. Agradeço

também às minhas amigas Luzinete,

Carmen e Evelin, pelo apoio e incentivo, e

a minha orientadora pela paciência e

compreensão das minhas dificuldades que

atravessaram esse percurso.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha família e ao

meu marido Dr. Henrique Goulart, que muito

contribuiu na elaboração e aperfeiçoamento

dos estudos e pesquisas enriquecendo-o,

com sua experiência e prática profissional na

área da neurologia.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo mostrar a importância da arteterapia como

uma das técnicas reabilitadoras de transtornos neuropsicológicos, à luz dos

conhecimentos da neurociência. Os transtornos neuropsicológicos são patologias

que acometem áreas e funções cerebrais devido à lesões no cérebro, das mais

diversas causas, desde acidentes ou traumas, anóxia ou hipóxia, a alterações

congênitas. A reabilitação através da arte é uma técnica inovadora, fugindo de

preceitos tradicionais dentro da reabilitação cognitiva, rompendo conceitos e

desafiando limites. Poucas pesquisas existem nessa área de atuação, havendo

necessidade de novas pesquisas com cunho científico para consolidar a

comprovação da eficácia da reabilitação cognitiva através da arte. Há poucas

publicações no Brasil, realizadas por profissionais que trabalham na área da

neuropsicologia que relatam suas práticas, comprovando a possibilidade de

recuperação de funções cerebrais e reintegração do indivíduo à vida social, e

melhora da auto-estima, promovidas pelas atividades artísticas.

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METODOLOGIA

A realização do trabalho se deu por pesquisa bibliográfica, com leitura de artigos

que abordam o tema. Foi realizado um apanhado de informações de duas áreas

distintas, neuropsicologia e arteterapia, fundindo os conhecimentos em um único

tema, perpassando-os pelos conceitos da neurociência. O tema, reabilitação

através da arte, é inédito no Brasil, não havendo publicações referentes ao

mesmo. Existem poucos artigos publicados dentro da arte-reabilitação. A

pesquisa bibliográfica foi aliada aos conhecimentos embasados por práticas

realizadas com pacientes portadores de necessidades especiais, e informações

adquiridas em relatos de experiências de profissionais da neuropsicologia.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I - Neuropsicologia e Arteterapia: Um Novo Olhar Através da Neurociência 12 CAPÍTULO II - Anatomia e Fisiologia do Sistema Nervoso 19 CAPÍTULO III – A Arte em Processos Terapêuticos 28 CONCLUSÃO 40 BIBLIOGRAFIA 42 ÍNDICE 44 FOLHA DE AVALIAÇÃO 46

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INTRODUÇÃO

A reabilitação implica na recuperação dos

pacientes ao maior nível físico, psicológico e de

adaptação social possível. Isso inclui todas as

medidas que pretendem reduzir o impacto da

inabilidade e condições de desvantagem e

permitir que as pessoas deficientes atinjam uma

integração ótima (OMS, 1980).

A reabilitação é um processo biopsicossocial com objetivo de recuperar

indivíduos incapacitados por diversas causas, sejam acidentes ou doenças como

AVC, Alzheimer e outras, reconduzindo-as a uma vida independente.

A neuropsicologia é a ciência que estuda as funções cerebrais e suas

áreas de localização, onde se processam, em todos os planos do sistema

nervoso, do funcionamento básico ao mais complexo, nas áreas da motricidade,

afetividade e raciocínio, bem como suas disfunções e transtornos

neuropsicológicos. Tem o objetivo de estudar modificações comportamentais

resultantes de lesões cerebrais.

Nas últimas décadas, com o avanço da neurociência, novas descobertas

sobre as potencialidades do cérebro foram surgindo. Como se dá o

funcionamento e a dinâmica cerebral através da plasticidade neuronal e as

possibilidades de reabilitação após uma lesão, trouxe novas esperanças aos

pacientes acometidos por tais transtornos. A neuropsicologia surge com estudos nas áreas da cognição,

comportamento, emoção, linguagem e outras funções cerebrais, como estas se

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processam em condições normais de funcionamento, nos transtornos e no

momento da reabilitação.

Ainda há muito a pesquisar, e o desafio é conhecer melhor o

funcionamento do cérebro, que ainda é um mistério. É certo afirmar que, com os

tratamentos multidisciplinares atuais como: a neurologia, neuropsicologia,

fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia, estão alcançando bons resultados nos

prognósticos dos pacientes.

As pesquisas científicas descobriram a plasticidade cerebral, que é a

capacidade do cérebro de sofrer modificações para recuperação ou adaptação, e

compensação de uma área lesionada fazendo novas conexões neurais, criando

novos caminhos, novas vias de conexão, renovando e até gerando células novas,

abrindo possibilidades de desenvolvimento e transporte de determinadas funções

para novas áreas do cérebro.

Os processos cognitivos tais como: percepção, associação e elaboração

de raciocínio fazem parte da singularidade do cérebro, pois cada indivíduo reage

aos estímulos de maneira diferenciada e única. Os trajetos por onde esses

estímulos irão passar são únicos, que serão formados por suas experiências

pessoais e singulares. Por isso, temos dificuldade em traçar programas e

prognósticos de tratamento nas diversas técnicas reabilitadoras de maneira

padronizada, devido a complexidade do sistema neuropsicológico.

As novas técnicas de neuroimagem, como a ressonância magnética

funcional, vem tentando desvendar e esclarecer o funcionamento do cérebro nos

diversos momentos, desde a sua funcionalidade normal aos transtornos e a

reabilitação. Porém, vários fatores como por exemplo custo financeiro, trazem

dificuldades para a realização das pesquisas.

A Arteterapia é uma nova perspectiva de tratamento na reabilitação

neuropsicológica dos diversos transtornos cognitivos como: transtornos de

aprendizagem, neurológicos, psiquiátricos, comportamentais, e nas lesões

cerebrais das diversas causas. Por ter uma visão holística do indivíduo, trabalha

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todas as questões deste de maneira única, global, envolvendo além da doença, os

aspectos subjetivos que possam implicar no processo de recuperação.

A arte é uma forma de expressão e comunicação dos seres humanos

desde os tempos primitivos, pinturas rupestres eram uma forma de linguagem,

onde transmitia-se comunicação e emoção. A arte é o canal de conexão do

homem com o mundo e o seu interior. E é neste “espaço, nesta brecha”, que a

arteterapia se insere na reabilitação das pessoas portadoras de transtornos

neuropsicológicos.

A arteterapia vem conquistando espaço na área de reabilitação cognitiva

de uma maneira tímida no Brasil, com trabalhos pioneiros em São Paulo, de Ana

Alice Francisquetti (Coordenadora do Setor de Arte-reabilitação da AACD), e

Maria Cristina Anauate, Terapeuta Ocupacional e Membro da Sbnp (Sociedade

Brasileira de Neuropsicologia). Sendo conhecida em São Paulo, como Arte-

reabilitação, ou seja, reabilitação neuropsicológica através da arte, essa nova

proposta de tratamento vem colaborando com as estratégias atuais de

reabilitação, pegando gancho na neurociência.

A arte, por ser uma atividade agradável e expressiva, proporciona o

desenvolvimento da cognição, pensamento e raciocínio através da contemplação

de obras e do fazer artístico, tornando-se veículo para o alcance da melhora física,

psíquica e social do indivíduo. As atividades criativas como a pintura, escultura,

música, dança, alcança valor terapêutico de acordo com a ação que exercem

sobre a personalidade do indivíduo, transformando-o.

A anatomia e fisiologia do sistema nervoso, será abordada no trabalho

para facilitar a compreensão das funções cerebrais, quanto a localização, a

fisiopatologia e o processamento das atividades artísticas durante a reabilitação.

O conhecimento neurofisiológico das funções psíquicas e cognitivas é de suma

importância para elaborar um programa de reabilitação de acordo com os déficts

apresentados.

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O capítulo seguinte mencionará o trabalho da Dra. Nise da Silveira, como

pioneira da arteterapia em processos terapêuticos no Brasil. A Dra. Nise utilizava

a técnica como instrumento de reabilitação, organização e integração do Self de

pacientes psiquiátricos, como forma de inclusão social. Criadora do “Museu do

Inconsciente”, onde estão expostas obras dos pacientes tratados no Hospital

Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro – Rio de Janeiro. Seu trabalho foi

importante para aproximar a sociedade desses indivíduos excluídos.

No tratamento neuropsicológico através da arte-reabilitação serão

abordadas as várias atividades dentre as artes plásticas, como: desenho, pintura,

música, dança, escultura, colagens, construção de artesanato em geral,

destacando-se as mandalas e o mosaico. Estas atividades artísticas possibilitam

a realização de programas para a reabilitação funcional conforme os déficts

apresentados por cada paciente.

A pintura e desenho são atividades importantes para a recuperação dos

pacientes, as atividades de colagem e confecção de mandalas e mosaicos são

elementos organizadores e estruturadores, que propiciam o desenvolvimento de

habilidades manuais, de planejamento, sequenciação, disciplina, paciência, e

redução da ansiedade.

A arteterapia trabalha a percepção visuo-espacial, atenção, memória e

concentração, propiciando ao indivíduo a sensação da realização do trabalho

artístico como produto de sua atividade, SER PRODUTIVO. Esta é a “mola

mestra” da reabilitação, é o que impulsiona e motiva este trabalho, pois é a partir

desse FAZER, CONSTRUIR, CRIAR, que o paciente estará motivado para mudar

e melhorar o estado de sua doença ou condição, tornando-se apto para transpô-la,

alcançando a independência e reintegração social.

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CAPÍTULO I

NEUROPSICOLOGIA E ARTETERAPIA: UM NOVO OLHAR

ATRAVÉS DA NEUROCIÊNCIA

A neuropsicologia se define como “a ciência

aplicada que se ocupa da expressão

comportamental das disfunções cerebrais de

causa orgânica, investigando as desordens de

percepção, memória, linguagem, pensamento,

emoções e ações em pacientes com disfunções

neurológicas” (Bueno, 1991 e P. Mattos, 1992),

apud M.C. Anauate.

Estuda as funções cognitivas, seu funcionamento e plasticidade de

recuperação nas áreas de sensação, percepção, atenção, consciência, linguagem,

pensamento, emoções, comportamento e outras. A neuropsicologia é

interdisciplinar, integrando profissionais das diversas áreas de saúde, contribuindo

para a reabilitação funcional do paciente.

A reabilitação cognitiva inicialmente surgiu, na década de 1940, para

recuperar funções cognitivas perdidas numa lesão cerebral durante o período da

segunda Guerra Mundial. De acordo com Capovilla, a reabilitação cognitiva é uma

área de pesquisa e atuação clínica multidisciplinar, englobando profissionais das

áreas de neuropsicologia, fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional. Tem

como objeto desenvolver e aplicar recursos que melhorem a capacidade de

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pacientes com lesões cerebrais, de processar e aplicar informação de modo a ter

uma vida mais autônoma e satisfatória.

Consiste na administração de exercícios repetitivos dirigidos à processos

cognitivos específicos, construída a partir do modelo de organização cerebral de Luria. Possui conhecimento científico baseado nas relações cérebro-

comportamento, fazendo, como Capovilla, afirma:

“(...) retreino direto de processos cognitivos para

diminuir distúrbios de atenção, linguagem, processamento

visual, memória, raciocínio e resolução de problemas, além

das funções executivas. No procedimento terapêutico, os

exercícios objetivam primeiramente a restauração clínica das

funções, e secundariamente a compensação de funções que

não reagem bem aos procedimentos de restauração.

Administra exercícios tanto durante o período de recuperação

espontânea como depois dele, e tanto na clínica como fora,

em contextos naturalísticos do dia-a-dia.” (Capovilla, 1998).

A reabilitação neuropsicológica é citada em algumas literaturas como sinônimo de reabilitação cognitiva. Para alguns pesquisadores, a RC é um dos

componentes da reabilitação neuropsicológica, pois esta tem uma visão mais

global do indivíduo, considerando os aspectos emocionais, comportamentais e da

motricidade, além da disfunção cognitiva. Por meio desse processo, profissionais

de saúde trabalham juntos para recuperar déficts cognitivos e comportamentais

causados por comprometimento neurológico das diversas ordens, utilizando

intervenções que visam além da melhora das funções cerebrais, a integração

familiar e social.

A localização da lesão é fundamental para o diagnóstico neuropsicológico,

podendo ser rastreada através de métodos de neuroimagem funcional. É

importante salientar que o profissional responsável pela avaliação e diagnóstico

neuropsicológico, tenha um profundo conhecimento anátomo-funcional do cérebro,

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pois em alguns casos não há como realizar o exame de neuroimagem,

necessitando de avaliação da localização lesional por outros métodos como

tomografia, ressonância e radiografia.

Para elaborar um diagnóstico funcional, é utilizado modelos cognitivos de

processamento de informação, que permitem uma operacionalização mais

precisa e quantitativa dos sinais e sintomas decorrentes das lesões cerebrais,

constituindo o elo entre as queixas subjetivas do paciente e da família, os

transtornos comportamentais observáveis e o conhecimento anátomo-funcional da

área perturbada pelos processos patológicos.

Na maioria das vezes o défict é localizado em um modelo cognitivo e após

correlaciona-se o défict funcional com uma localização lesional estabelecida na

literatura, elaborando-se um fluxograma. Por esse motivo, é muito importante que

o neuropsicólogo disponha de um modelo de estrutura anátomo-funcional do

cérebro-mente que lhe permita formular o diagnóstico de localização. É lógico que

em algumas situações, não há como localizar com precisão a área deficitária de

maneira fácil, pois o cérebro possui mecanismos complexos de funcionamento,

podendo ocorrer lesão numa determinada área e, as alterações funcionais

surgirem em áreas do lado oposto.

O modelo cognitivo de processamento de informação, é uma abordagem

de longa tradição na neuropsicologia, citado por vários autores. É um modelo do

cérebro-mente de transformação da informação – do início ao término, passando

por vários estágios. Ele descreve os processos perceptuais, cognitivos e motores,

ocorrendo em estágios de entrada (percepção), codificação, armazenamento,

recuperação, decodificação e saída (ação), ou seja, são processos

desencadeados pelo ambiente (estímulo) levando a ação (interação – cognição).

Para entender na prática como tudo isso funciona, pois é bastante

complexo, exemplos de casos de pacientes ilustram melhor esse processo.

Paciente que apresenta alterações cognitivas e comportamentais em diversos

domínios do funcionamento, e se essas alterações repercutem sobre sua vida

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social (família, trabalho, lazer), pode caracterizar uma síndrome demencial. No

entanto, como existem várias causas diferentes para síndrome demencial, faz-se

necessária informação adicional que melhor direcione o processo de busca por

uma causa. Se o paciente com síndrome demencial apresenta um

comprometimento maior das funções comportamentais relacionadas à adaptação

psicossocial, uma hipótese provável é a de que possa se tratar de uma

demência fronto-temporal. Quando predominam dificuldades relacionadas ao

esquecimento, à desorientação temporal e geográfica, às habilidades percepto-

motoras nas atividades da vida diária, há grande possibilidade de se tratar de

doença de Alzheimer.

Essas informações são úteis para precisar se os transtornos são

predominantemente corticais, como na doença de Alzheimer; ou subcorticais,

como na doença de Parkinson; de localização hemisférica anterior, como na

demência fronto-temporal; ou posterior, como na demência semântica. Em

Anatomia e Fisiologia do Sistema Nervoso, serão correlacionadas as localizações

das funções cerebrais e seus respectivos transtornos.

1.1 – Contribuições da Neurociência à Neuropsicologia e

Arteterapia

A neurociência é a ciência que estuda e pesquisa o funcionamento do

sistema nervoso à nível estrutural, químico, fisiológico e patológico, surgindo a

partir daí a neurociência molecular, celular, de sistemas, comportamental e a

cognitiva. As pesquisas foram avançando do início do século XX até os dias de

hoje, e já se sabe que o cérebro apresenta o fenômeno da plasticidade neuronal

com capacidade de desenvolver e potencializar áreas pouco desenvolvidas,

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obscuras e recuperar funções perdidas no local da lesão cerebral. Flávia H.

Santos (apud, in Abrisqueta-Gomes, 2006), enfatiza:

“Os fenômenos plásticos são dependentes de idade,

localização neural e função de comportamento envolvida.

Envolvem tanto plasticidade neural – habilidade de o encéfalo

recuperar uma função através de proliferação neural, migração

e interações sinápticas quanto à plasticidade funcional –

quanto o grau de recuperação possível de uma função

através de estratégias de comportamento alteradas

(McCoy el al, 1997). A plasticidade funcional é o objeto da

Reabilitação Neuropsicológica.”

Além da descoberta da plasticidade neural, houve descobertas com ajuda

dos procedimentos de neuroimagem funcional (tomografia computadorizada axial

e com emissão de pósitrons, ressonância magnética), do funcionamento do

encéfalo e da medula espinhal no indivíduo vivo, ajudando a esclarecer

informações de áreas mapeadas do cérebro e suas funções cerebrais.

Howard Gardner, responsável pela Teoria das Inteligências Múltiplas,

colaborou para uma nova concepção e visão das pessoas portadoras de

necessidades especiais. Em sua teoria, admite haver sete dimensões de

inteligência: visuo-espacial, musical, verbal, lógico-matemática, interpessoal,

intrapessoal, corporal-cinestésica, acreditando que todos nós temos tendências

individuais de áreas que gostamos e em que somos competentes.

Essa visão da inteligência múltipla explica porque algumas pessoas ditas

com QI mediano ou abaixo da média, conseguem ser gênios em algumas

habilidades em que não há como medir, por exemplo: música, escrita, arte. Os

testes de inteligência não se encaixam mais nos padrões atuais, requerendo

novas formas de aquisições, e mostrando o quanto o ser humano é complexo, a

ponto de não conseguir-se medir suas habilidades por completo.

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Com o avanço de pesquisas na neurociência, os horizontes da

neuropsicologia e da arteterapia se ampliaram, com perspectivas de novas

intervenções com fundamento científico para auxiliar os pacientes na recuperação

dos transtornos neurológicos. Há muito ainda à pesquisar e descobrir, mas

avanços são reconhecidos, embora de forma tímida.

Em relação à arteterapia, por ser um processo expressivo que utiliza a

arte com finalidade terapêutica, há o desenvolvimento da cognição ordenando

estímulos perceptivos, criando novas composições, ou seja, associações,

adaptações, estimulando o processo de aquisição de aprendizagem.

Através dos materiais plásticos, o fazer artístico através do desenho,

pintura ou escultura, promovem a sensibilidade, a percepção das formas nas

imagens criadas, incentivando novas ações, provocando a revisão de posturas

físicas através da estimulação da coordenação motora, desenvolvendo atenção, a

memória, a linguagem, trabalhando a afetividade e as emoções.

Por meio da arte desenvolve-se a possibilidade de expressão consciente

do indivíduo no mundo externo, mobilizando conteúdos internos (afetivos) não

integrados à consciência, contudo presente no comportamento, ajudando-o no

confrontamento e integração destes conteúdos em sua vida, tornando o processo

artístico terapêutico e reabilitador.

Seu uso, oferece a oportunidade de exploração de dificuldades e

potencialidades pessoais por meio da expressão criativa, e do desenvolvimento

dos recursos físicos, cognitivos e emocionais. Estimula a aprendizagem de

habilidades, usando as diferentes linguagens artísticas para as experiências

terapêuticas.

As dificuldades apresentadas pelas deficiências decorrentes dos

transtornos neuropsicológicos, não impedem de trabalhar gradativamente a

criatividade de cada paciente através do desenhar, pintar, colar, construir, esculpir,

dramatizar, cortar, rasgar, inventar, num contínuo e eterno ciclo. O contato com

diferentes materiais plásticos possibilita manuseá-los de forma que se adaptem,

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aprendendo a lidar com a deficiência, deixando novas energias fluirem para uma

melhor qualidade de vida.

A reabilitação através da arte na visão neuropsicológica, é uma nova

perspectiva no tratamento desses transtornos, por um meio de atividade

estimulante, interessante, curiosa, mobilizadora e transformadora. É uma nova

abordagem em que há necessidade de pesquisas e estudos mais profundos que

comprovem cientificamente, o que alguns profissionais que trabalham na área já

puderam comprovar por práticas e experiências: que a arte é um meio reabilitador!

Há necessidade de publicações de literaturas especificamente sobre o

assunto, que no momento, não existe no Brasil. Esse trabalho tem como

proposta unir essas duas áreas terapêuticas (arteterapia e reabilitação

neuropsicológica), e instigar novas pesquisas pelo interesse de profissionais da

área de reabilitação para futuras publicações.

É importante considerar que não há como elaborar programas de

reabilitação padronizados, pois cada indivíduo é único, seu cérebro é singular, não

há como utilizar o mesmo programa para duas pessoas. Deve-se respeitar a

individualidade e as especificidades de cada um, pois cada indivíduo elabora e

processa informações de maneira diferenciada, considerando-se as múltiplas

inteligências e habilidades.

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CAPÍTULO II

ANATOMIA E FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO

O estudo da anatomia e fisiologia do sistema nervoso auxilia para a

compreensão das dimensões cognitivas, motoras, afetivas e sociais que

interferem no redimencionamento do indivíduo portador de transtornos. É

necessário saber como funciona o cérebro e suas funções para compreender

como os transtornos se processam.

O sistema nervoso é composto por células chamadas de neurônios, que

transmitem impulsos nervosos através de estímulos do ambiente para o corpo e

cérebro, e vise-versa. Pode ser dividido em periférico e central. O sistema

nervoso periférico consiste nos nervos periféricos, que na sua maioria são

formados por axônios aferentes e eferentes, neuroreceptores e

mototransmissores. O sistema nervoso central é bastante complexo onde sua

divisão é mais didática que funcional, dividido em medula, tronco, cerebelo e

cérebro.

A medula é constituída de vias aferentes, onde estímulos chegam à

medula, e vias eferentes por onde estímulos saem da medula para os nervos, e

neurônios para respostas rápidas. O tronco é dividido em mesencéfalo, ponte e

bulbo. O cérebro é constituído de dois hemisférios unidos pelo corpo caloso.

Cada hemisfério é dividido em lóbulos: frontal, parietal, temporal e occiptal.

O funcionamento do sistema nervoso ocorre por sinapses, ou seja, os

impulsos ou estímulos nervosos são transmitidos de uma célula à outra por

conexões mediadas por neurotransmissores, que são substâncias neuroquímicas.

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Os nervos periféricos recebem as informações do meio ambiente e do

próprio corpo, levando-as para a medula espinhal, e estes recebem as instruções

vindas da medula, resposta. A medula recebe estímulos dos nervos, transmitindo-

os para o cérebro e em alguns casos, responde através dos neurônios de resposta

rápida quando necessário, transmitindo estímulos para os músculos.

O tronco tem como função a manutenção da vida vegetativa, transmissão

de estímulos do cérebro, cerebelo, medula e nervos cranianos. O cerebelo tem a

função de controle de tônus muscular e realização de movimentos automatizados.

O cérebro é uma ferramenta muito complexa, pois processa as

informações recebidas e elabora as respostas, como por exemplo na apreciação

de uma obra de arte: os olhos recebem a imagem, que é transmitida pelo nervo

óptico e é processada no lobo occiptal, sendo interpretada no lobo temporal.

Esta situação foi colocada para compreensão do funcionamento de um

estímulo recebido pelo cérebro apenas de forma simplificada, mas

fisiologicamente é mais complexo, não cabendo neste trabalho a explanação

detalhada do sistema nervoso.

2.1-As Funções Cerebrais e os Transtornos Neuropsicológicos

O córtex cerebral consiste em múltiplas camadas de neurônios

complexamente interconectados. Possui funções nervosas superiores, as

chamadas funções cerebrais, que fazem associações entre diversas áreas

corticais, assegurando a coordenação entre a chegada de impulsos nervosos, sua

decodificação e associação, e a atividade motora de resposta. Essas associações

são recíprocas, fazendo conexões entre hemisférios cerebrais

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através do corpo caloso, bem como conexões com áreas próximas, dentro do

mesmo hemisfério.

É certo afirmar, que a ativação de uma determinada área cortical não é

isolada, provocando alterações em outras áreas, ocorrendo associações. Essas

conexões neurais podem ser intra-hemisféricas e inter-hemisféricas.

O córtex pré-frontal está localizado no lobo frontal e relaciona-se com as

funções superiores representadas por diversos aspectos comportamentais.

Lesões bilaterais nesta área ocasionam perda da concentração, diminuição da

habilidade intelectual e dificuldades relacionadas à memória e julgamento.

No lobo temporal a parte anterior está relacionada com a atividade motora

visceral (olfação e gustação) e com alguns aspectos de comportamentos

instintivos. Na parte posterior localiza-se as funções de recepção e decodificação

de estímulos auditivos que se coordenam com impulsos visuais, situados no lobo

occiptal ( Figura 1).

O lobo parietal está relacionado a interpretação e integração das

informações visuais e somatossensitivas primárias, principalmente o tato. Lesões

nesta área resulta em perda do conhecimento geral, inadequação do

reconhecimento dos impulsos sensoriais e ausência de interpretação das relações

espaciais, pois nessa área estão localizadas as funções visual espacial e motora.

Figura 1. Áreas funcionais do cérebro de acordo com suas localizações.

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No lobo occiptal há realização da integração visual a partir da recepção

dos estímulos que ocorre nas áreas primárias localizadas, no lobo parietal e

temporal, levando as informações para decodificação nas áreas secundárias e de

associação visual.

Relvas, faz uma relação das funções desempenhadas por diferentes

regiões corticais:

ÁREA CORTICAL FUNÇÕES

Córtex motor primário

(giro pré-central)

Inicia o comportamento

motor voluntário.

Córtex sensitivo primário

(giro pós-central)

Recebe informações

sensitivas do corpo.

Córtex visual primário Detecta estímulos visuais.

Córtex auditivo primário Detecta estímulos auditivos.

Córtex de associação motora

(área pré-motora)

Coordena movimentos

complexos.

Centro da fala

(área de Broca)

Produção de fala articulada.

Córtex de associação

Somestésica

Base do esquema corporal.

Área de associação visual Processa a visão complexa.

Área de associação auditiva Processa a audição complexa.

Área de Wernicke Compreensão da fala.

Área pré-frontal Planejamento, emoção,

Área temporal e parietal Percepção espacial.

Fonte: Marta P. Relvas, Neurociência e Transtornos de Aprendizagem, 2008

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Por ser um tema bastante amplo e complexo, não há como aprofundá-lo

neste trabalho, pois o objetivo é oferecer uma noção do funcionamento do sistema

nervoso e, principalmente do cérebro para compreensão da proposta do presente

trabalho. Caso o leitor tenha necessidade de aprofundar-se nesse assunto,

consultar referências bibliográficas.

Ainda sobre funções cerebrais, a afetividade é regida pelo sistema límbico,

onde localiza-se as emoções. No sistema motor ocorre a função de conação ou

disponibilidade para a ação. A intelectualidade é controlada pelo sistema

neocortical. Na área visuo-espacial ocorre a função de observação, e quanto aos

movimentos e equilíbrio, são controladas pelo sistema piramidal e extrapiramidal

e, sistema cerebelar respectivamente.

Os hemisférios cerebrais tem diferenciações funcionais, existindo

atividades nervosas superiores que são desenvolvidas unicamente por um dos

lados. O hemisfério esquerdo é responsável pelo domínio da linguagem falada e

escrita. O hemisfério direito desenvolve funções visuo-espaciais e

comunicacionais não-verbais.

Em algumas lesões, pode ocorrer alterações funcionais em áreas

distantes ou em lado, hemisfério, oposto à lesão. Evidências em vários estudos

realizados, indicam que estimulação seletiva e repetitiva podem induzir

importantes modificações nas configurações das sinapses cerebrais. A

reabilitação cognitiva baseia-se neste fato para realizar o tratamento com

exercícios de repetição através do treinamento cognitivo.

O prognóstico quanto a recuperação funcional após lesões cerebrais, vai

depender de recursos disponíveis ao indivíduo tanto antes quanto depois da lesão.

Fatores correlacionados com idade, sexo, nível sócio-econômico, nível

educacional, grau da lesão e localização, e outros, influenciam na recuperação

funcional e seu prognóstico.

A experiência individual, sob a forma de processos de aprendizagem

regulam a recuperação funcional através dos mecanismos de neuroplasticidade.

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Fatores ligados à organização temporal do processamento de informação é

importante nestes mecanismos. Outro fator importante que colabora com a

reabilitação funcional, é o apoio familiar e social, somados a motivação e

capacidade de recuperação, a compreensão e aceitação da situação patológica,

seus sintomas e limitações.

2.2 - Como Funciona o Cérebro nas Atividades Artísticas

(Hemisfério Direito e Esquerdo)

As artes plásticas estimulam diferentes áreas do cérebro, despertando

emoções, estimulando as sinapses, auxiliando nas conexões entre neurônios,

podendo ser utilizada, portanto, na reabilitação dos pacientes. Apreciar obras de

arte, fazendo relações com episódios da vida, ajuda a fixar detalhes das obras na

memória de portadores de Alzheimer. Após, pede-se ao paciente que faça um

desenho ou colagem interpretando o que viu. Esta é uma das técnicas utilizadas

pela arte-reabilitação, a arte como meio terapêutico.

O hemisfério direito é responsável pelas funções de imaginação criativa,

serenidade, visão global, capacidade de síntese e habilidades visuo-espaciais,

funções estas que podem ser aplicadas em atividades expressivas. O hemisfério

esquerdo é responsável por organizar todas estas funções em um sentido lógico,

pragmático, organizado e com significado.

O desenho é uma atividade complexa utilizando os dois hemisférios,

exigindo a participação funcional do cérebro como um todo. Francisquetti, afirma

que (apud in Ciornai, 2005):

“A neuropsicologia tem mostrado que ambos os hemisférios

podem contribuir simultaneamente de modo distintos para o

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processo de desenhar (Arigoni e De Renzi, 1964). O

hemisfério direito é responsável pela percepção, e o esquerdo,

pela execução”.

O hemisfério esquerdo é responsável pelas funções de linguagem,

raciocínio lógico, determinados tipos de memória, cálculo e análise. O hemisfério

direito é intuitivo, não usa palavras, e sim a imaginação, sentimento, sendo

responsável pela síntese.

Aprender a desenhar é aprender a ver e a criar. Aprendendo a ver e

perceber traços e formas, consegue-se desenhar bem. Casos de pintores

portadores de necessidades especiais, desenvolvem a habilidade de desenhar

com as duas mãos, pés ou a boca, substituindo as mãos na forma tradicional de

desenhar, aprendendo novos mecanismos.

Relvas, afirma que no processo neuropsicológico da aprendizagem, para

aprender é necessário atenção, memória e as funções executivas, funções

corticais de percepção, planejamento, organização e inibição comportamental. O

aprendizado é um processo complexo e dinâmico que resulta em modificações

estruturais e funcionais do cérebro, decorrendo de um ato motor e perceptivo, que

elaborado no córtex cerebral, dá origem à cognição. O ato de aprender é um ato

de plasticidade cerebral por alterações neuroquímicas e funcionais, modificando

as conexões cerebrais (Relvas, 2008).

Nas funções de aprendizagem e linguagem, o lado esquerdo do cérebro

reconhece letras e palavras, enquanto o direito reconhece faces e padrões

geométricos. O nosso alfabeto, por ser silábico, estimula o hemisfério esquerdo;

os ideagramas dos orientais, utilizando símbolos, desenvolve o lado direito. No

idioma japonês, por exemplo, que são usados símbolos e sílabas, os dois

hemisférios são estimulados no ato da leitura.

O exercício do desenho, a música, pintura, meditação e outras atividades,

que auxiliam a mente tornar-se mais livre, desenvolvem as características próprias

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do hemisfério direito, que está mais ligado a criatividade e a arte. Para auxiliar o

desenvolvimento das habilidades do cérebro direito, utiliza-se música apropriada

para diminuir o ritmo cerebral permitindo seu acesso.

Por meio da arte utilizando as técnicas mais variadas, pode-se estimular o

lado direito do cérebro e buscar integração entre os dois hemisférios, equilibrando

o uso de potencialidades e ativando a flexibilização do pensar e a capacidade de

associação e abstração. O ideal é que seja utilizado todo o potencial do cérebro,

pois a utilização desequilibrada durante a vida dos hemisférios cerebrais pode

contribuir para as doenças degenerativas.

Os benefícios são maiores quando se estimulam as diversas áreas do

cérebro, ajudando os neurônios a fazerem novas conexões, ampliando as

interconexões de diversas redes cognitivas quanto à transmodalidade e

diversificando, assim, novos campos de interesse e novos potenciais.

A atividade musical envolve áreas extremamente amplas do cérebro,

complementares às relacionadas a linguagem, leitura e escrita. As funções

musicais são um conjunto de atividades motoras e cognitivas envolvidas no

processamento da música, são complexas, sendo que, geralmente, a altura, o

timbre e a discriminação melódica ligados ao hemisfério direito; e a identificação

semântica das melodias, o senso de familiaridade, o processamento temporal e

sequencial de sons estão relacionados ao hemisfério esquerdo.

A música pode contribuir de forma especial para a reorganização das

próprias funções cerebrais, tanto no campo da plasticidade cerebral, em que se

pode pensar na maneira como a música pode facilitar as conexões entre os

neurônios, ou mesmo, em como a música pode facilitar o processamento de áreas

que estão silenciosas no cérebro de indivíduos que tiveram lesões cerebrais.

As áreas relacionadas à expressão musical envolvem áreas motoras do

cérebro e também áreas relacionadas à emissão da fala, da linguagem. Pode-se

dizer que quando a música é produzida através da execução ou do canto, ativa-se

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regiões motoras primárias e as áreas associativas, principalmente as pré-frontais

que são responsáveis pela organização, planejamento e flexibilidade.

A música pode facilitar outras funções cognitivas, ajudando a pensar em

termos de proporção e de imagem, ou estabelecer comparações, abrindo espaço

para o papel da música no aprendizado e no contexto da educação.

Nos últimos anos, estudos revelaram que o engajamento rítmico da função

motora pode facilitar o restabelecimento dos movimentos em pacientes que

sofreram AVC, na Doença de Parkinson, paralisia cerebral e em pacientes que

tiveram traumatismo craniano.

A música ainda se mostrou eficaz na recuperação da fala, onde os

mecanismos de regulação temporal agem nos circuitos oscilatórios nas áreas

responsáveis pela fala. A organização temporal nas funções cognitivas dá indícios

do efeito da música e ritmo na regulação da aprendizagem, funções de execução

e memória. A memória está muito ligada às emoções, e a música, mexe com a

emoção.

Estudos com portadores do mal de Alzheimer, mostram que a retenção de

informação musical está preservada, apesar da perda de memória efetiva nos

demais aspectos, o que pode sugerir que os traços neuronais envolvidos com a

memória, construídos a partir da música, estariam enraizados mais profundamente

e seriam mais resilientes às influências neurodegenerativas.

A dança aliada a musica, também auxilia na memória, trabalhando ritmo,

sequenciamento, coordenação motora, lateralidade, equilíbrio, podendo ser

trabalhada somente com movimentos corporais, evocando emoções através da

memória musical.

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CAPÍTULO III – A ARTE EM PROCESSOS

TERAPÊUTICOS

Na atividade artística as representações

interiores, os sentimentos e as experiências

ganham concretude. Isto pode ser útil às

pessoas que apresentam dificuldades de

abstração, pois a concretude ajuda a tocar o que

por vezes parece intocável, o limitar o que é

sentido como ilimitado, o destruir o que é

percebido como indestrutível ou eventualmente,

a curar e reconstruir o que se experiencia como

incurável ou perdido (Ciornai, 1994).

A arte pode ser utilizada como técnica terapêutica com intenção de

alcançar a cura, ou reabilitação de qualquer tipo de doença. A arteterapia como

reabilitação de transtornos neuropsicológicos, sejam eles advindos de lesões

cerebrais por acidentes, causas orgânicas, genéticas ou congênitas, ela irá auxiliar

na recuperação deste indivíduo, trazendo-lhe bem estar. A Associação Americana

de Arteterapia ( ATTA, 2003), define:

“A arteterapia baseia-se na crença de que o processo criativo

envolvido na atividade artística é terapêutico e enriquecedor

da qualidade de vida das pessoas que experienciam doenças,

traumas ou dificuldades na vida. Por meio do criar em arte e

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do refletir sobre os processos e trabalhos artísticos

resultantes, pessoas podem ampliar o conhecimento de si e

dos outros, aumentar sua auto-estima, lidar melhor com

sintomas, estresse, e experiências traumáticas, desenvolver

recursos físicos, cognitivos e emocionais e desfrutar do prazer

vitalizador do fazer artístico...”

Nas últimas décadas, a arteterapia vem surgindo como técnica nos

tratamentos psicológicos, e na neuropsicologia é ainda novidade. Algumas

pesquisas estão sendo realizadas com intenção de comprovar cientificamente os

benefícios da arteterapia na recuperação de funções cerebrais alteradas.

3.1-Nise da Silveira: A Pioneira na Arteterapia no Brasil

A Dra. Nise da Silveira, trabalhou como psiquiatra e terapeuta utilizando a

arte como tratamento para recuperação de pacientes psiquiátricos, e forma de

inclusão social. Em 1946, foi fundadora da Secção de Terapia Ocupacional no

antigo Centro Psiquiátrico Nacional (Pedro II), no Rio de Janeiro. Dez anos

depois, fundou a Casa das Palmeiras, clínica de reabilitação para pacientes

egressos de instituições psiquiátricas.

Foi uma das primeiras a acreditar, como profissional de saúde, e a investir

na inclusão social do paciente psiquiátrico. Na Casa das Palmeiras, atividades

expressivas como pintura e modelagem em argila passaram a ser utilizadas como principal método terapêutico.

Nise, foi revolucionária quanto aos tratamentos utilizados na época pela

psiquiatria (eletrochoque, lobotomia, coma insulínico), acreditava que esses

métodos provocavam seqüelas, por isso procurava evitá-los. Por volta de 1950,

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seus trabalhos começavam a obter bons resultados e reconhecimento, servindo

de incentivo para o aprofundamento de pesquisas sobre as doenças mentais.

Consolidava-se, nesta época, uma espécie de terapia através da arte.

A produção nos ateliês terapêuticos da especialista avolumava-se, até

surgir, em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente. O Museu passou a

integrar as obras produzidas nos ateliês, por trabalhos cujo objetivo era estimular

a expressividade dos frequentadores de suas oficinas, dando vazão à criatividade

e promover a integração social de doentes mentais. Os ateliês de Nise, tinham

como principal objetivo oferecer ao pesquisador, condições para o estudo de

imagens e símbolos e o acompanhamento da evolução de casos clínicos por meio

da produção plástica espontânea.

Para Nise, o seu interesse não era a estética da arte, tinha o cuidado de

não usar a palavra arte. O importante é a criatividade ultrapassar o limite da

linguagem, permitindo que o desenho, a pintura, a modelagem , falem muito mais

que palavras. É importante usar a expressão artística como forma de contato com

o inconsciente.

3.2-A Neuropsicologia e a Arte: O Uso das Atividades Artísticas

na Reabilitação

As atividades artísticas no contexto terapêutico permite várias

possibilidades, sendo uma delas, a expressão de instintos e manifestações do

ser. Essas manifestações podem ser superficiais ou até muito profundas,

permitindo a expressão, a liberação e a comunicação consigo mesmo e com o

outro. Tal comunicação torna-se possível porque a arte torna-se linguagem.

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Outra possibilidade de expressão artística no contexto terapêutico é o

desenvolvimento da criatividade, permitindo ao indivíduo viver de forma mais

criativa e equilibrada com suas emoções.

A arte é um instrumental terapêutico que facilita a inclusão social de

pessoas portadoras de deficiências físicas ou mentais, diminuindo as diferenças e

permitindo a inclusão, saindo da obscuridade e da negatividade. A expressão

artística proporciona autoconhecimento e um equilíbrio na auto-estima de maneira

positiva, promovendo a independência e favorecendo a busca da harmonia

consigo mesmo.

O programa de reabilitação, como foi dito anteriormente, é individualizado,

personalizado para cada paciente conforme os déficts apresentados. É

necessário identificar se as áreas que apresentam alterações podem influenciar

nos processos expressivos de acordo com as funções necessárias para a

captação, compreensão e realização da tarefa proposta. Num exemplo, pacientes

com comprometimento na capacidade de atenção, percepção visual; auditiva;

quanto ao armazenamento e evocação das informações armazenadas na

memória, pode influenciar nos processos expressivos.

A arte-reabilitação pode ajudar a recuperar algumas das funções

prejudicadas e adequar um programa de estimulação cognitiva, usando vários

recursos como: música, arte, dança, estímulos pedagógicos, jogos, computadores,

etc. O trabalho é direcionado e desenvolvido em função das orientações

fornecidas pelos exames iniciais e dos testes neuropsicológicos realizados com o

paciente.

As disfunções cognitivas oriundas de transtornos neuropsicológicos, sejam

quais for, devem ser entendidas como um quadro inteiramente vasto e complexo,

e ainda desconhecido pela ciência. A presença de uma disfunção cognitiva pode

mostrar a existência de múltiplas alterações cognitivas concomitantes e inter-

relacionadas, englobando distúrbios motivacionais, alterações afetivo-emocionais,

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transtornos de personalidade, do pensamento, e dificuldades de adaptação ao

meio social.

Em artes plásticas as possibilidades de atividades que estimulam a

expressividade são várias, entre elas estão: o desenho, a pintura, colagem,

escultura, construção de mandala e mosaico, artesanato em geral.

Desenvolvendo as potencialidades sensório-motoras, perceptivas,

cognitivas e simbólicas através do trabalho com formas, linhas, volumes, cores,

sons e movimentos, alcança-se o alívio e até a cura do sofrimento dos pacientes.

Por meio da elaboração do desenho, da pintura, da modelagem através da

escultura, da música ou da dança, a arteterapia pode ajudar a pessoa a ter maior

consciência da sua realidade ajudando a processá-la, analisando os medos, as

angústias, elaborando o luto da perda de algumas funções.

O desenho é importante como treino cognitivo em atividades de traçados,

práxis construtiva, conteúdos e significações, ocupação do espaço no papel. A

presença de rotações, deformações, tamanho das formas e proporções, relações

espaciais, são dados que devem ser observados nos desenhos dos pacientes

portadores de lesões cerebrais, com o intuito de auxiliá-los no desenvolvimento do

grafismo.

Na pintura, há possibilidades de conhecimento de diversos materiais e

técnicas, como a utilização do pincel, análise e mistura de cores, a realização de

pintura abstrata, pintura livre e com limites. A textura e a tridimensionalidade

também pode ser trabalhada na pintura, despertando as funções perceptuais e

sensoriais.

Na escultura, trabalha-se o contato táctil direto com os materiais em

diversas técnicas e manuseio, trabalhando a textura e a tridimensionalidade. Em

colagem, na utilização da cola é trabalhado recortes com movimentos finos e

construção da figura e fundo na colagem.

Na construção de mandala, mosaico e artesanatos em geral utiliza-se

diversos materiais, desenvolvendo as funções de planejamento e organização,

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sequenciamento, disciplina , capacidade de espera, habilidades manuais,

percepção visuo-espacial, automonitoramento, criatividade, atenção sustentada, e

memória visual, procedimental e operacional. São atividades que envolvem uma

construção resultando num produto final.

É necessário adequar o tipo de trabalho artístico às capacidades de cada

paciente. Anauate, afirma (apud, in Capovilla, 1998):

“Alguns podem dizer que o trabalho da arteterapia é

recreacional, mas acredita-se, a partir de diversos trabalhos

vivenciados e alguns publicados (Wald, 1986; Osler, 1988;

Randgarten, 1983), que seu efeito é substancial no que se

refere à conquista de um estado mental de calma, sendo que

por meio do interesse real do paciente atingimos a satisfação

e isso indiretamente favorece a maior retenção dos estímulos

e portanto, respostas no nível cognitivo/comportamental”.

As atividades artísticas possuem diversos recursos para intervenção

terapêutica, mas o direcionamento do tratamento pode esbarrar em barreiras

como: personalidade, ambiente, família e a própria doença, dependendo do grau

de acometimento de algumas doenças, que são altamente incapacitantes,

limitando o processo de reabilitação .

Mas, não se pode esquecer que existem regras básicas, que valem para

qualquer tipo de transtorno e que auxiliam no tratamento e no relacionamento com

o paciente:

• respeitar o paciente em todos os seus momentos, tratando-o

adequadamente de acordo com sua faixa etária, seja adulto ou criança;

• ser positivo, por mais que a situação seja desesperadora, ajudando-o a

encarar o processo terapêutico com otimismo;

• não dê falsas esperanças quanto ao prognóstico, esclarecendo-o sobre o

processo patológico e suas reais condições de recuperação;

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• ofereça segurança e tranquilidade em relação a doença e seus efeitos,

incentivando-o a superar as dificuldades que surgirem;

• crie uma atmosfera afetiva, fazendo-o sorrir e correspondendo-o;

• capacite-o ao máximo possível na realização das tarefas propostas,

evitando de fazê-las por ele;

• assegure o máximo possível seu sucesso, dando a ele atividades que

seja capaz de realizar;

• estimulá-lo com reforços positivos, parabenizando quanto a realização da

tarefa;

• deixá-lo seguir seu próprio tempo e ritmo, sem o apressar;

• conhecer sua individualidade (competências, habilidades e dificuldades),

sem generalizar e criticar, respeitando-o;

• deixá-lo seguir sua própria rotina, direcionando-o levemente, sem impor

esquemas rígidos;

• criar chances de escolha;

• esperar o inesperado.

Estas regras são apenas para orientar o profissional que irá trabalhar com

pacientes portadores de transtornos neuropsicológicos, que são vários, como:

transtornos de aprendizagem (dislexia, discalculia, DDA, TDAH e outros),

neurológicos (paralisia cerebral e as encefalopatias, Parkinson, Alzheimer, AVC e

outros), psiquiátricos, nas deficiências perceptivas (auditivas, visuais, táteis,

cinestésicas e olfativas), etc.

O arteterapeuta precisa estar atento ao impacto do comprometimento

físico e mental no estado emocional e na auto-estima dos pacientes, buscando

estabelecer com eles um vínculo afetivo e acolhedor, estimulando-os a perceber,

expressar e elaborar suas emoções. Esta é uma das etapas do processo de

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reabilitação, onde se estabelece a confiança e o bem estar do paciente com sua

vida, ajudando-o a perceber que apesar de seus comprometimentos e limitações,

ainda pode produzir e criar, melhorando a depressão e ansiedade características

da doença.

Adaptações deverão ser realizadas para garantir o máximo

aproveitamento do paciente, adotando estratégias alternativas para ajudá-lo nas

atividades expressivas. Por isso, é necessário que o arte-reabilitador tenha

compreensão da localização da lesão, como as estruturas neurais são

processadas pela cognição, e como é possível reabilitar o paciente portador de

transtornos.

Para facilitar o processo artístico, estímulos e motivações devem ser

proporcionados, reproduzindo as mesmas condições de evolução de

aprendizagem seguidas durante o desenvolvimento normal do indivíduo. É

necessário mantê-lo interessado, curioso e feliz perante os resultados, adaptando

o trabalho artístico às suas possibilidades, respeitando e enfrentando seus limites.

Se for necessário, de acordo com a limitação do paciente, procure auxiliá-

lo com a sua mão (arteterapeuta), se ele não tiver condições de realizar a

atividade com a própria mão. Nesse caso, essa técnica utilizada é chamada de

ativo-assistida, será apenas um apoio para a expressão, mas a condução da

atividade será do paciente.

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3.2.1- O Desenho e a Pintura na Arte-Reabilitação

Os recursos expressivos do desenho podem auxiliar na obtenção de

informações importantes sobre os aspectos gráficos de pessoas com dificuldade

de comunicação. Além do importância de retratar os aspectos da motricidade, o

desenho traz consigo as camadas mais profundas e primitivas da consciência.

As representações gráficas e pictóricas dos pacientes portadores de

necessidades especiais, apresentam algumas alterações dependendo da

patologia. Em transtornos específicos de aprendizagem em crianças com

dificuldades, o tamanho, apreensão da Gestalt (fechamento da figura), rotação,

perseveração e outras características são percebidas nos desenhos. Em

pacientes com hemiplegia e hemiparesia, observa-se a negligenciação do espaço

do suporte (papel) no lado afetado.

A presença de uma deficiência não implica que o indivíduo seja inferior

perante outros, mas sim, que seu desempenho ocorre por outros caminhos. A

arte-reabilitação pode trabalhar alterações apresentadas através das várias

formas de expressão artística, favorecendo as funções motoras, organização das

funções visuais e auditivas, da fala receptiva e expressiva, dos processos

mnésicos e intelectuais, e simbólicos.

Francisquetti, afirma que de acordo com estudos clínicos realizados em

indivíduos que sofreram lesão cerebral no hemisfério esquerdo, os desenhos tem

tendências a tornar-se mais simplificados e coerentes com o modelo. Já os

indivíduos com lesão no hemisfério direito, os desenhos mostram contornos

rompidos, espalhados e fragmentados (apud, in Ciornai, 2005).

É necessário encorajar o paciente a se expressar espontaneamente,

utilizando diversos tipos de intervenção. Quando há lesão cerebral, os desenhos

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apresentam alterações revelando informações sobre as condições cognitivas do

paciente, seus sentimentos, idéias e pensamentos. Por isso, é importante

perceber essas mudanças, procurando valorizar o terapêutico com a intenção de

dinamizar os conteúdos de sua vida psíquica, cognitiva e organização dos

estímulos perceptivos, não priorizando a estética da obra.

Os elementos formais do desenho estão em duas partes, que formam uma

expressão semiótica elementar: figura e fundo. As partes constitutivas de uma

imagem são a figura e fundo, formando uma linguagem visual.

Os componentes da linguagem visual são o ponto e a linha. O ponto é a

origem de qualquer linha. É uma forma espacial que atrai o olhar do

contemplador, diferenciando o espaço visual. O ponto é estático. A linha organiza

o espaço, é dinâmica, definindo o objeto, fazendo contornos. A linguagem visual é

importante para analisar e compreender os desenhos e pinturas dos portadores de

disfunção neuropsicológica.

O desenho e a pintura podem ser utilizados como recursos de avaliação

através da observação, permitindo investigar mudanças nos níveis de cognição.

Nos casos de pacientes que apresentam hemiparesia ou hemiplegia,

incentiva-se a conscientização do membro lesado propondo tarefas adequadas,

das mais simples as mais complexas, utilizando combinações de formas,

orientação de linhas com marcadores visuais coloridos, materiais para forçar a

análise do espaço, tarefas de preenchimento visual e contorno de formas e

objetos, com lápis coloridos. Todas as tarefas acompanham estímulo verbal.

Os distúrbios de linguagem podem afetar a linguagem falada, a linguagem

escrita e a capacidade de escrever, interferindo no processo de arte-reabilitação,

mas nem por isso, deixando de realizar um trabalho, utilizando outros meios de

linguagem. A dança é um tipo de linguagem corporal, onde há comunicação e

expressão através do movimento.

Nas afasias de Broca, de Wernicke e na afasia global os pacientes ficam

frustrados pelas dificuldades apresentadas na linguagem, mas a capacidade de

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ouvir se mantem normal. É necessário utilizar a conduta da fala de maneira

simplificada, pausadamente, repetindo a pergunta quantas vezes for necessário,

estimulando-os a produzir e a se interessarem por alguma atividade expressiva,

estabelecendo uma comunicação por meio da arte. Pode-se trabalhar a imagem

corporal através do desenho de contornos de membros e até do próprio corpo.

Nos casos de negligência, o paciente tem tendência a não usar um lado

do corpo ou do espaço do lado afetado como se não existissem. É uma síndrome

que acomete indivíduos portadores de hemiparesia ou hemiplegia, deixando de

responder aos estímulos atuantes sobre o lado contralesional. Esses pacientes

desenham figuras incompletas, pois tendem a negligenciar o lado do espaço do

papel e do membro que não possui movimento. A negligência resulta da falha do

direcionamento da atenção.

O trabalho de arte-reabilitação consiste em estimular a propriocepção ,

sensações táteis, visuais, auditivas e motoras. Solicita-se que o paciente

complete os desenhos realizados que apresentam negligência, usando

marcadores visuais como estímulo para conscientização do distúrbio, auxiliando

na correção do problema.

Figura 2. Montagem de alguns dos trabalhos do paciente portador de hemiparesia direita por

sequela de meningite. Estudo realizado na Faculdade de Ciências da Saúde da UNIVAP.

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Estudo realizado com arte-reabilitação na Universidade Vale do Paraíba,

por Adriana Borja, e Hellen Campos, mostram os resultados obtidos com

adolescente portador de hemiparesia direita devido à sequelas de meningite

(figura 2). De acordo com autores, o paciente negligenciava o lado direito, sendo

estimulado a pintar com o objetivo de funcionalidade do corpo de forma integral.

Tais resultados, mostram os benefícios das atividades artísticas como superação

de deficiências e inabilidades, e recuperação da auto-estima.

Nas apraxias, que são distúrbios da função executiva, o indivíduo tem

incapacidade de reproduzir ou de desenhar formas, podendo mostrar-se

prejudicada em diferentes graus. Há resultados relatados com apraxia construtiva,

onde orienta-se o paciente verbalmente durante a execução gráfica ou utilizando

gestos para o paciente imitar durante a atividade de desenho ou pintura.

Nas agnosias, incapacidade de reconhecer um estímulo por meio da

visão, o aparelho ocular funciona adequadamente, mas lesões nas áreas de

associação do córtex parieto-têmporo-occiptal podem causar agnosias visuais. O

procedimento utilizado na arte-reabilitação é desenvolver imagens mentais com

base em materiais apresentados, objetivando as associações mentais por meio de

relatos vividos pelos pacientes na percepção dos objetos e a forma de sua

criação. O toque e o som podem ser usados para auxiliar o processo, trabalhando

a percepção espacial com desenhos de esquema corporal, estimulando a

consciência corporal e a relação com o espaço que o corpo ocupa, o ambiente e a

lateralidade.

Francisquetti, relata suas experiências em arte-reabilitação na AACD

(Associação de Assistência à Criança Deficiente) com pacientes portadores de

lesões cerebrais. Seu trabalho mostra as dificuldades e a capacidade de

recuperação dos pacientes, quando estimulados e orientados pelo processo de

arte-reabilitação. Em suas vivências percebe-se que através da arte é possível

dar uma qualidade de vida melhor, independência para realização das tarefas

diárias, integração social, e melhora da auto-estima.

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CONCLUSÃO

O processo de reabilitação através da arte exige do profissional,

habilidade e sensibilidade para lidar com indivíduos portadores de transtornos

neuropsicológicos, ou seja, portadores de necessidades especiais. É necessário

criatividade, instinto e feeling, além dos conhecimentos do funcionamento do

cérebro e a localização das funções, para empreender um programa de

reabilitação e obter resultados.

A arteterapia cuida do indivíduo em sua totalidade e em sua essência mais

profunda, integrando áreas neurológica, cognitiva, afetiva e emocional,

promovendo o aprimoramento das funções de percepção, atenção, memória,

pensamento,capacidade de exploração, execução e controle da ação nas

atividades artísticas realizadas.

Os resultados dos processos de reabilitação dependem, como foi dito

anteriormente, de fatores como: idade, nível sócio-educacional, grau de agilidade

em determinada atividade mental, lateralidade manual, extensão e localização da

lesão, participação da família e dos amigos, interação social e profissional.

Há necessidade de alertar o paciente quanto a realidade da situação

patológica, pois algumas doenças não tem cura, e que ele não será o mesmo

após a lesão, portando limitações, mas que com a motivação e vontade é possível

realizar algo produtivo por meio da arte, que é uma atividade estimuladora,

trazendo superações e transpondo limites.

O arteterapeuta se defronta com a dor do paciente em relação a perda de

suas funções, consciente da tarefa de promover a vida, apesar das limitações. Os

processos criativos podem continuar existindo apesar da lesão. As diferentes

intervenções artísticas como o desenho, a pintura, a escultura e a colagem entre

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outras, são importantes para o desenvolvimento cognitivo e a expressão de

sentimentos, pois cada tipo de intervenção tem qualidades próprias, atingindo o

sujeito na sua totalidade, colaborando com seu crescimento interior e a

relação consigo mesmo. As atividades artísticas são organizadoras e

estruturadoras da personalidade do indivíduo, promovendo a integração do Self,

recuperando a auto-estima.

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BIBLIOGRAFIA

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ANAUATE, Maria C. Intervenção Terapêutica em Memória e Demência, In

CAPOVILLA, F.C. (orgs) Tecnologia em (Re)Habilitação cognitiva; SP: EDUNISC,

1998.

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Ocupacional, In VALLE, Luiza E. (orgs) Mente e Corpo: Integração Multidisciplinar

em Neuropsicologia; RJ: Wak, 2007.

FRANCISQUETTI, Ana Alice; Arte-reabilitação com Portadores de Paralisia

Cerebral; e Arte-reabilitação com Pacientes Vítima de Lesão Cerebral, In

CIORNAI, Selma (org.) Percursos em Arteterapia; SP: Summus, 2005.

BORJA, Adriana M.; CAMPOS, Hellen R.; Assumindo a Diferença: Saúde Através

das Telas;Anais de Trabalhos da INIC – X Encontro Latino Americano de Iniciação

Científica, 2006.

CAPOVILLA, F.C.; GONÇALVES, M.J.; MACEDO, E.C. Tecnologia em

(Re)Habilitação Cognitiva; SP: EDUNISC, 1998.

CIORNAI, Selma (org.) Percursos em Arteterapia; SP: Summus, 2005.

LENT, Roberto. Cem Bilhões de Neurônios; SP: Atheneu, 2002.

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MACHADO, Angelo. Neuranatomia Funcional; SP: Atheneu, 1992.

RELVAS, Marta P. Neurociência e Transtornos da Aprendizagem; Rio de Janeiro:

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VALLE, Luiza E.; PINTO, Kátia Osternack (orgs). Mente e Corpo: Integração

Multidisciplinar em Neuropsicologia; RJ: Wak, 2007.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

(NEUROPSICOLOGIA E ARTETERAPIA) 12

1.1 – Contribuições da Neurociência à Neuropsicologia

e Arteterapia 15

CAPÍTULO II

(ANATOMIA E FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO) 19

2.1 – As Funções Cerebrais e os Transtornos

Neuropsicológicos 20

2.2 – Como Funciona o Cérebro nas Atividades Artísticas

(Hemisfério Direito e Esquerdo) 24

CAPÍTULO III

(A ARTE EM PROCESSOS TERAPÊUTICOS) 28

3.1 – Nise da Silveira: A Pioneira da Arteterapia

no Brasil 29

3.2 – A Neuropsicologia e a Arte: O Uso das

Atividades Artísticas na Reabilitação 30

3.2.1 – O Desenho e a Pintura na Arte-reabilitação 36

CONCLUSÃO 40

BIBLIOGRAFIA 42

ÍNDICE 44

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

Título da Monografia: Reabilitação Através da Arte: Uma Nova Perspectiva

no Tratamento dos Transtornos Neuropsicológicos

Autor: Hilcilene Santiago de Souza

Data da entrega: 21 de julho de 2009

Avaliado por: Conceito: