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Universidade de Brasília Instituto de Ciências Humanas Departamento de Geografia Programa de Pós-Graduação em Geografia UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA O USO CORPORATIVO DO TERRITÓRIO PELO AGRONEGÓCIO E A QUESTÃO DA LOGÍSTICA DE TRANSPORTES EM MATO GROSSO Ronei Coelho de Lima Tese de Doutorado Brasília-DF: Outubro/2015

Universidade de Brasília Instituto de Ciências Humanas ...repositorio.unb.br/bitstream/10482/19271/1/2015_RoneiCoelhodeLima.pdf · Mapa 10 – Gargalos do setor rodoviário em Mato

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Universidade de Braslia

Instituto de Cincias Humanas

Departamento de Geografia

Programa de Ps-Graduao em Geografia

UNIVERSIDADE DE BRASLIA

PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

O USO CORPORATIVO DO TERRITRIO PELO AGRONEGCIO E A QUESTO

DA LOGSTICA DE TRANSPORTES EM MATO GROSSO

Ronei Coelho de Lima

Tese de Doutorado

Braslia-DF: Outubro/2015

Universidade de Braslia

Instituto de Cincias Humanas

Departamento de Geografia

Programa de Ps-Graduao em Geografia

UNIVERSIDADE DE BRASLIA

PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

O USO CORPORATIVO DO TERRITRIO PELO AGRONEGCIO E A QUESTO

DA LOGSTICA DE TRANSPORTES EM MATO GROSSO

Ronei Coelho de Lima

Orientadora: Prof. Dr. Nelba Azevedo Penna

Tese de Doutorado

Braslia-DF: Outubro/2015

Universidade de Braslia

Instituto de Cincias Humanas

Departamento de Geografia

Programa de Ps-Graduao em Geografia

O USO CORPORATIVO DO TERRITRIO PELO AGRONEGCIO E A QUESTO

DA LOGSTICA DE TRANSPORTES EM MATO GROSSO

Ronei Coelho de Lima

Tese de Doutorado submetida ao Departamento de Geografia da Universidade de Braslia,

como parte dos requisitos necessrios para a obteno do Grau de Doutor em Geografia, rea

de concentrao Gesto Ambiental e Territorial.

Aprovado por:

Prof. Dr. Nelba Azevedo Penna, (UnB)

Orientador

Prof. Dr. Fernando Luiz Arajo Sobrinho, (UnB)

Examinador Interno

Prof. Dr. Juscelino Eudmidas Bezerra, (UnB)

Examinador Interno

Prof. Dr. Jorge Luiz Gomes Monteiro, (UFMT)

Examinador Externo

Prof. Dr. Marcelo Cervo Chelotti (UFU)

Examinador Externo

Prof. Dr. Gloria Maria Vargas Lopes de Mesa, (UnB)

Suplente

Braslia-DF: 15 de Outubro de 2015

Dedico essa tese:

minha amada esposa, Ana Lcia, companheira em todos os momentos...

Aos meus pais, Adelmar e Maria, pela vida, pelo amor e pelos estudos a mim

proporcionados...

Aos meus irmos, Beto e Delma, pela fora e carinho...

AGRADECIMENTOS

Muitos foram os envolvidos na realizao dessa etapa da minha vida, agradeo a todos que de

alguma forma contriburam para que o Doutorado em Geografia se tornasse uma realidade.

Agradeo, principalmente:

A Deus pela fora nos momentos difceis;

A minha orientadora, Prof. Dr. Nelba Azevedo Penna, por acreditar na minha capacidade e

me aceitar como orientando, pelas aulas, crticas, sugestes, enfim, pela orientao precisa,

sem a qual essa tese no se realizaria;

A UFMT por me conceder a licena para capacitao, em especial aos servidores da PROPG

que sempre foram atenciosos comigo;

Aos professores e amigos da UFMT, Jorge, Antnia Marlia e Mirian que estiveram mais

prximos e me fortaleceram para a realizao da tese;

Aos colegas do Departamento de Geografia do Campus de Rondonpolis por cobrirem meus

encargos e por apoiarem minha sada para capacitao;

Aos professores Fernando Luiz, Lcia Cony, Marlia Peluso, Jlio Suzuki e Gloria Maria que

ministraram as disciplinas do programa, cujos ensinamentos muito contriburam para a

realizao da tese;

Ao amigo Roberto Pizarro, pelo companheirismo e pelas discusses intelectuais nos anos

vividos em Braslia;

Aos colegas do doutorado, com destaque para: Rafael, Gessilda, Michel, Mrcio, Demerson,

Lara, Marizngela e Violeta, pelos debates nas aulas que muito contriburam para a minha

caminhada intelectual e para o Francisco, do IBGE, pelos recursos cartogrficos

disponibilizados;

Ao amigo Jos Beda, companheiro na pesquisa de campo em Mato Grosso;

Aos servidores da UnB, Jorge, Jorginho, Simoni e Agnelo, que sempre colaboraram comigo

na realizao dos trmites burocrticos;

Aos funcionrios da ATC e ALL que forneceram informaes importantes para a pesquisa;

Aos annimos que de uma forma ou de outra contriburam na construo da tese.

RESUMO

A reestruturao territorial decorrente dos ajustes espaciais do capitalismo favoreceu a

consolidao do agronegcio em Mato Grosso, criando um quadro de uso corporativo do

territrio. A modernizao do setor agropecurio implicou na ampliao da produo e na

necessidade de uma maior fluidez corporativa, exigindo investimentos no setor de transportes.

Porm, como o Estado teve pouca capacidade de dotar o territrio da logstica de transportes

adequada aos interesses corporativos, criou-se um quadro que prejudica a competitividade do

agronegcio mato-grossense, levando-o a buscar novas alternativas para superar os obstculos

existentes. Nesse contexto, objetivamos compreender os processos advindos dos ajustes

espaciais do capitalismo sobre o territrio para o seu uso corporativo pelo agronegcio, cuja

dinmica produz uma diferenciao territorial quanto s infraestruturas instaladas, gerando

um quadro de desenvolvimento pontual em lugares escolhidos pelos agentes hegemnicos.

Palavras-Chave: Territrio, reestruturao, agronegcio, logstica de transportes

ABSTRACT

The territorial restructuring resulting from capitalist spatial adjustments favored the

agribusiness consolidation in Mato Grosso, creating a corporate use of the territory. The

modernization of the agricultural sector resulted in the expansion of production and the need

for greater corporate fluidity, requiring investments in the transportation sector. However, as

the state had limited capacity to provide the territory with the appropriate transport logistics to

corporate interests, a framework that undermines the competitiveness of Mato Grosso

agribusiness was created, leading it to seek new alternatives to overcome the hurdles. In this

context, we aim to understand the processes arising from spatial adjustments of capitalism

over the territory for its corporate use by the agribusiness sector, whose dynamics produces a

territorial differentiation regarding the infrastructure installed, generating a timely

development framework in places chosen by hegemonic agents.

Keywords: Territory, restructuring, agribusiness, transportation logistics

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 reas de abrangncia de programas federais selecionados....................................76

Figura 2 Vetores logsticos da organizao espacial brasileira.............................................95

Figura 3 Circuito espacial da produo de carne bovina em Mato Grosso..........................119

Figura 4 Instalaes do Porto Seco em Cuiab-MT............................................................130

Figura 5 Instalaes da Redex (Brado Logstica) em Rondonpolis...................................131

Figura 6 Rodovia BR-163/BR-364 no municpio de Diamantino-MT................................135

Figura 7 Protesto de sitiantes em Rondonpolis contra a cobrana na

praa de pedgio de Rondonpolis-MT................................................................143

Figura 8 Fluxos materiais e imateriais entre as tradings e a ALLMN................................172

Figura 9 Escopo da logstica empresarial............................................................................174

Figura 10 Localizao de reas industriais em Rondonpolis em 2014..............................186

Figura 11 Instalaes no terminal da ALLMN em Rondonpolis

em junho de 2015.................................................................................................188

Figura 12 Sistema de funcionamento da agroindstria nos eixos........................................195

Figura 13 Terminais de gros de Cceres............................................................................213

Figura 14 Cartograma da evoluo da produo de soja em

Mato Grosso de 2004 a 2014..............................................................................228

Figura 15 Vista area de cidades voltadas ao agronegcio..................................................243

Figura 16 Cartograma da evoluo do IDHM dos municpios de Mato Grosso..................253

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1 Mato Grosso: Evoluo da Exportao de Produtos

Selecionados de 2009 a 2014...............................................................................122

Grfico 2 Evoluo das exportaes de municpios selecionados

de Mato Grosso de 1997 a 2014...........................................................................123

Grfico 3 Saldo comercial de Mato Grosso no perodo de 1998-2014................................126

Grfico 4 Evoluo do PIB de Alto Taquari de 1999 a 2012..............................................175

Grfico 5 Evoluo do PIB de Alto Araguaia de 1999 a 2012............................................176

Grfico 6 Evoluo dos principais segmentos do PRODEIC de 2007 a 2013....................182

Grfico 7 Evoluo do PIB industrial do Eixo da rea Concentrada

da Indstria de 1999 a 2012.................................................................................185

Grfico 8 Evoluo do PIB industrial do Eixo da BR-163

Mdio-Norte de 1999 a 2012...............................................................................191

Grfico 9 Evoluo do PIB industrial dos Eixos da BR-070 Leste,

da BR-364 Oeste e BR-364/ALLMN de 1999 a 2012.........................................192

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Rodovias de penetrao e de apoio que atravessam a regio

Centro-Oeste.............................................................................................................69

Mapa 2 Hidrovias prioritrias para a regio Centro-Oeste....................................................99

Mapa 3 Mato Grosso: rebanho bovino em 2013 e frigorficos em 2014.............................117

Mapa 4 Capacidade de Armazenagem Esttica de Mato Grosso em 2014..........................139

Mapa 5 Estrutura do modal rodovirio em Mato Grosso em 2015......................................141

Mapa 6 MT-322/BR-080.....................................................................................................147

Mapa 7 BR-242 e Ferrovia de Integrao do Centro-Oeste (FICO):

novas rotas da produo..........................................................................................148

Mapa 8 Trecho da BR-163 concedido iniciativa privada..................................................150

Mapa 9 Concentrao espacial da produo industrial de 2012 em municpios

selecionados de Mato Grosso e a produo de soja no estado em 2014.................196

Mapa 10 Gargalos do setor rodovirio em Mato Grosso em 2011......................................203

Mapa 11 Ferrovia ALLMN/ALLMP e o gargalo ferrovirio..............................................206

Mapa 12 Hidrovia do Paraguai em Mato Grosso e as rotas projetadas

pelo agronegcio...................................................................................................214

Mapa 13 Novas dinmicas territoriais do agronegcio em Mato Grosso...........................217

Mapa 14 A logstica de transportes do agronegcio mato-grossense.................................219

Mapa 15 Evoluo do processo de municipalizao de Mato Grosso.................................227

Mapa 16 Taxa de domiclios alugados em Mato Grosso em 2010......................................246

Mapa 17 Os vinte maiores produtores de soja de Mato Grosso em 2014............................251

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Sistemas do transporte rodovirio do Centro-Oeste em 1970................................68

Quadro 2 PLADESCO compatibilizado com as metas nacionais..........................................71

Quadro 3 Projetos do modal rodovirio para a regio Centro-Oeste.....................................97

Quadro 4 Projetos do modal hidrovirio para a regio Centro-Oeste....................................98

Quadro 5 Projetos do modal ferrovirio para a regio Centro-Oeste....................................98

Quadro 6 Frigorficos de carne bovina em Mato Grosso com registro

no SIF em 2014....................................................................................................116

Quadro 7 Capacidade Instalada de Processamento de Oleaginosas

em Mato Grosso em 2013....................................................................................124

Quadro 8 Concesses do Sistema Ferrovirio Nacional em 2013.......................................160

Quadro 9 Aditivos do contrato de concesso da Ferrovia ALLMN....................................167

Quadro 10 Caractersticas dos terminais da ALLMN em Mato Grosso..............................170

Quadro 11 Usinas Hidreltricas selecionadas nas bacias dos rios Teles

Pires e Tapajs...................................................................................................210

Quadro 12 Intervenes e custos da hidrovia do rio Paraguai em Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul............................................................................212

Quadro 13 Dados gerais dos 20 maiores produtores de soja de Mato

Grosso em 2014.................................................................................................233

Quadro 14 IDHM de municpios selecionados de Mato Grosso.........................................254

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 rea dos estabelecimentos agropecurios recenseados

na regio Centro-Oeste de 1970 a 2006..................................................................67

Tabela 2 Produo e vendas dos maiores produtos e servios industriais

com participao de Mato Grosso em 2011..........................................................111

Tabela 3 Exportaes do estado de Mato Grosso de 1998 a 2014.......................................121

Tabela 4 Importaes do estado de Mato Grosso de 1998 a 2014.......................................126

Tabela 5 Capacidade esttica de armazenagem de municpios

selecionados de Mato Grosso em 2014.................................................................137

Tabela 6 Renncia fiscal no Estado de Mato Grosso de 2007 a 2013.................................181

Tabela 7 Condio do domiclio de municpios selecionados de

Mato Grosso em 2010...........................................................................................247

Tabela 8 Evoluo da populao de municpios selecionados de

Mato Grosso de 1991 a 2010.................................................................................249

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIOVE - Associao Brasileira das Indstrias de leos Vegetais

ANTT - Agncia Nacional de Transportes Terrestres

ALL - Amrica Latina Logstica

ALLMN - Amrica Latina Logstica Malha Norte

ALLMO - Amrica Latina logstica Malha Oeste S.A.

ALLMP - Amrica Latina Logstica Malha Paulista S.A.

ALLMS - Amrica Latina Logstica Malha Sul S.A.

ADM - Archer Daniels Midland

ABIEC - Associao Brasileira das Indstrias Exportadoras de Carne

ANTF - Associao Nacional dos Transportadores Ferrovirios

ANUT - Associao Nacional dos Usurios do Transporte de Carga

AEP - Aumento da Eficincia Produtiva em reas Consolidadas

ATC - Associao dos Transportadores de Cargas

BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

BR - Rodovia federal

CPAC - Centro de Pesquisa Agropecuria do Cerrado

CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento

CNA - Confederao Nacional da Agropecuria

CNI - Confederao Nacional da Indstria

CLT - Consolidao das Leis Trabalhistas

DNIT - Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte

EADI - Estaes Aduaneiras do Interior

ENID - Eixos Nacionais de Integrao e Desenvolvimento

EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

EFC - Estrada de Ferro Carajs

EFVM - Estrada de Ferro Vitria a Minas

ETC - Estao de Transbordo de Cargas

EUA - Estados Unidos da Amrica

FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations

FAMATO - Federao da Agricultura e Pecuria do Estado de Mato Grosso

FEMA - Fundao Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso

FERROPASA - Ferronorte Participaes S.A.

FERROESTE - Estrada de Ferro Paran - Oeste S.A.

FCA - Ferrovia Centro-Atlntica S.A.

FICO - Ferrovia de Integrao Centro-Oeste

FNSTN - Ferrovia Norte Sul Tramo Norte

FEPASA - Ferrovia Paulista S.A.

FTC - Ferrovia Tereza Cristina S.A.

FERROBAN - Ferrovias Bandeirantes S.A.

http://www.fao.org/

FERRONORTE - Ferrovias Norte Brasil S.A.

FUNAI - Fundao Nacional do ndio

FCO - Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste

FINAM - Fundo de Investimento da Amaznia

GEIPOT - Grupo Executivo de Integrao da Poltica de Transportes

HPP - Hidrovia do Paraguai-Paran

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

ICMS - Imposto sobre Operaes relativas Circulao de Mercadorias e sobre Prestaes de

Servios de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicao

IDHM - ndice de Desenvolvimento Humano Municipal

IPM - ndice de Participao dos Municpios

IDF - Induo ao Desenvolvimento de reas de Expanso de Fronteira Agrcola e Mineral

IMEA - Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuria

INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

IRS - Integrao Regional Sul-Americana

JK - Juscelino Kubitschek

LDC - Louis Dreyfus Commodities

MDIC - Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior

MAPA - Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

NPK - Nitrognio, Fsforo e Potssio

PPP - Parceria Pblico-Privada

PLADESCO - Plano de Desenvolvimento Econmico-Social do Centro-Oeste

PIN - Plano de Integrao Nacional

PHE - Plano Hidrovirio Estratgico

PNLT - Plano Nacional de Logstica de Transportes

PPA - Plano Plurianual

PND - Plano Nacional de Desenvolvimento

POF - Pesquisa de Oramentos Familiares

PIB - Produto Interno Bruto

PAC - Programa de Acelerao do Crescimento

PADAP - Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaba

PRODECER - Programa de Cooperao Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos

Cerrados

PCI - Programa de Crdito Integrado

PRODEGRAN - Programa de Desenvolvimento da Regio da Grande Dourados

PRODOESTE - Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste

PRODEPAN - Programa de Desenvolvimento do Pantanal

POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados

PRODEIC - Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso

PIL - Programa de Investimentos em Logstica

POLAMAZNIA - Programa de Polos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia

PROTERRA - Programa de Redistribuio de Terras e de Estmulo Agroindstria do Norte

e do Nordeste

PPI - Projeto-Piloto de Investimentos

REDEX - Recinto Especial para Despacho Aduaneiro de Exportao

RFFSA - Rede Ferroviria Federal S.A.

RDR - Reduo de Desigualdades Regionais em reas Deprimidas

Secex - Secretaria de Comrcio Exterior

SEPLAN-MT - Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenao Geral

SESCOOP-MT - Servio Nacional de Aprendizagem em Cooperativismo no Estado de Mato

Grosso

SENAR-MT - Servio Nacional de Aprendizagem Rural no Estado de Mato Grosso

SIF - Sistema de Inspeo Federal

SIG - Sistema de Informaes Geogrficas

SUDAM - Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia

SUDECO - Superintendncia de Desenvolvimento do Centro-Oeste

TIRE - Taxa Interna de Retorno Econmico

TKU -Toneladas por quilmetro til

TLSA - Transnordestina Logstica S.A.

TCE - Tribunal de Contas do Estado

TGG - Terminal de Granis do Guaruj

TEG - Terminal Exportador do Guaruj

TU - Taxa de Urbanizao

UHE - Usina Hidreltrica

UHT - Ultra High Temperature

SUMRIO

INTRODUO ......................................................................................................................19

1 A REORGANIZAO DO SISTEMA CAPITALISTA E SEUS

IMPACTOS ESPACIAIS.......................................................................................................26

1.1 A REESTRUTURAO E O USO CORPORATIVO DO TERRITRIO......................36

1.2 UM QUADRO NACIONAL DA REORGANIZAO DO

SISTEMA CAPITALISTA.......................................................................................................43

2 O ESTADO BRASILEIRO E A REESTRUTURAO DO TERRITRIO...............50

2.1 A DINMICA DOS PROCESSOS DE INTEGRAO E OCUPAO.......................52

2.2 AS POLTICAS TERRITORIAIS COM IMPACTOS NO CENTRO-OESTE

BRASILEIRO..........................................................................................................................56

2.2.1 A CONSTRUO DE BRASLIA................................................................................56

2.2.2 OS PLANOS NACIONAIS DE DESENVOLVIMENTO E OS IMPACTOS

TERRITORIAIS.......................................................................................................................60

2.2.3 OS PROGRAMAS ESPECIAIS COM REPERCUSSES DIRETAS

NO CENTRO-OESTE..............................................................................................................70

2.2.4 OS EIXOS NACIONAIS DE INTEGRAO E DESENVOLVIMENTO

(ENID)......................................................................................................................................83

2.2.5 O PAC E O PLANO NACIONAL DE LOGSTICA DE TRANSPORTES

(PNLT)......................................................................................................................................89

3 LOGSTICA E INDSTRIA: O USO CORPORATIVO DO

TERRITRIO EM MATO GROSSO................................................................................103

3.1 OS CIRCUITOS ESPACIAIS DA PRODUO E OS CRCULOS DE

COOPERAO.....................................................................................................................104

3.2 A LOGSTICA DE TRANSPORTES INSTALADA: O MODAL

RODOVIRIO.......................................................................................................................132

3.2.1 PROJETOS PRIORITRIOS DO MODAL RODOVIRIO E

AS CONCESSES EM MATO GROSSO............................................................................145

3.3 O NOVO ELEMENTO DA LOGSTICA DE TRANSPORTE EM

MATO GROSSO: A FERROVIA.........................................................................................156

3.3.1 A FERROVIA AMRICA LATINA LOGSTICA MALHA

NORTE (ALLMN).................................................................................................................165

3.4 A RELAO DA LOGSTICA COM A AGROINDSTRIA EM MATO

GROSSO E A LGICA DA CONCENTRAO AGROINDUSTRIAL............................177

3.4.1 A QUESTO FISCAL COMO ESTRATGIA DE ATRAO................................179

3.4.2 A INFRESTRUTURA DE TRANSPORTES COMO ESTRATGIA

DE ATRAO.......................................................................................................................183

3.5 A LOGSTICA DE TRANSPORTES INCOMPLETA: OS

GARGALOS LOGSTICOS..................................................................................................197

3.5.1 MODAL RODOVIRIO..............................................................................................200

3.5.2 MODAL FERROVIRIO.............................................................................................204

3.5.3 MODAL HIDROVIRIO.............................................................................................207

4 A BASE URBANA DA PRODUO DO AGRONEGCIO

MATO-GROSSENSE...........................................................................................................222

4.1 A RELAO ENTRE O URBANO E A PRODUO DO

AGRONEGCIO...................................................................................................................224

4.2 LUGARES ESCOLHIDOS: CIDADES REFUNCIONALIZADAS E

CIDADES CRIADAS...........................................................................................................236

4.3 IMPACTOS NO URBANO MATO-GROSSENSE........................................................242

CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................257

REFERNCIAS.....................................................................................................................263

APNDICE............................................................................................................................278

19

INTRODUO

Como o capitalismo na busca por uma reproduo ampliada procura novos lugares

para realiz-la e nesse processo provoca ajustes espaciais em diversas escalas, o estado de

Mato Grosso passa a ser integrado de forma mais incisiva a partir do conjunto de eventos que

culminam aps 1970, com uma reestruturao do seu territrio.

Essa reestruturao efetivada pelo Estado busca dois objetivos principais, uma

ocupao territorial em consonncia com uma integrao dos mercados. Os dois objetivos

foram alcanados, pois o estabelecimento de um novo modelo produtivo, associado a uma

infraestrutura mnima com a qual o territrio foi equipado, resultou na integrao da produo

s escalas nacional e internacional, com nfase para essa ltima.

Tambm dinamizou a ocupao do territrio sob os imperativos capitalistas, gerando

conflitos com as populaes pr-existentes que se organizavam de maneira diferente

(indgenas, posseiros, meeiros), cuja lgica no era compatvel com a nova racionalidade

baseada na modernizao. O arcaico deveria ser superado pelo novo, pelo moderno, pelo

racional, em um processo de transio que se dava de acordo com a movimentao da

fronteira agrcola, agora tecnificada.

Quanto infraestrutura disponibilizada ao processo de modernizao, necessria para

dotar o territrio das condies favorveis aos interesses corporativos e sociais, observa-se

uma interrupo brusca dos investimentos estatais em virtude da crise fiscal que passou a

impor limites na continuidade dos projetos estruturais.

E essa a gnese da incompletude do processo de reestruturao territorial, cujos

rebatimentos sero ampliados posteriormente com o aumento da demanda pelos equipamentos

infraestruturais, favorecendo o surgimento dos gargalos que dificultam a fluidez corporativa.

Assim, temos como objetivo geral compreender os processos advindos dos ajustes

espaciais do capitalismo sobre o territrio para o seu uso corporativo pelo agronegcio, por

entender que a realidade do estado de Mato Grosso est diretamente relacionada com esses

ajustes espaciais.

O trabalho se apoia na seguinte hiptese:

20

A reestruturao do territrio para o seu uso corporativo, efetivada pelo Estado, pode

estar relacionada aos ajustes espaciais consoantes com a nova racionalidade globalizada. Por

ser desigual, em virtude dos limites impostos ao Estado e em decorrncia da dinmica interna

do capitalismo, essa reestruturao resultou na diferenciao interna do territrio e na gnese

dos gargalos logsticos que impedem uma maior fluidez ao setor produtivo em Mato Grosso.

A compreenso do fenmeno, devido a sua complexidade e movimento, se deu com

base em trs objetivos especficos que guiaram a anlise, so eles:

- Identificar o alcance das polticas pblicas voltadas reestruturao do territrio mato-

grossense para o seu uso corporativo.

- Caracterizar os impactos gerados em Mato Grosso pela implantao da agricultura

tecnificada, indicando as reas que foram reestruturadas espacialmente para responder s

necessidades do agronegcio.

- Analisar a dinmica da logstica de transportes a partir da integrao dos modais rodovirio

e ferrovirio indicando as reas mais representativas deste processo.

Tendo estabelecido a hiptese e definidos os objetivos, se fez necessrio

operacionalizar a pesquisa, trazer tona os procedimentos adotados no projeto de

investigao. Como mtodo, foi feito um esforo de anlise e sntese, de acordo com as

premissas de Lefebvre (1991), dos fenmenos relacionados com o objeto da pesquisa.

Optamos por adotar o territrio mato-grossense em seu movimento dialtico como

recorte espacial da pesquisa, com destaque para os municpios de Rondonpolis, Sinop,

Sorriso, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Primavera do Leste e Alto Araguaia. Outros

municpios tambm foram acessados para fortalecer os elementos da anlise.

O recorte temporal representado pelos eventos ocorridos principalmente a partir do

final da dcada de 1970, por ser este o momento em que conjunturas e intencionalidades mais

amplas passam a convergir com vistas operacionalizao de novas estratgias do

capitalismo e so fundamentais para a consecuo do processo de reestruturao territorial.

21

Os instrumentos e tcnicas utilizadas para a operacionalizao da pesquisa foram:

- Levantamento bibliogrfico, cujos aportes tericos e metodolgicos guiaram a pesquisa na

busca pela apreenso da realidade baseada na relao entre a reestruturao territorial e as

repercusses logsticas. Partindo da anlise como princpio metodolgico, foi feita a

decomposio do todo em partes interdependentes, com nfase para as seguintes questes

relacionadas ao objeto de pesquisa:

1 Integrao de Mato Grosso com os mercados nacional e internacional;

2 Polticas pblicas que reestruturaram o territrio;

3 Articulao entre a logstica associada produo e a dinmica de industrializao;

4 Repercusses urbanas oriunda desta dinmica, principalmente relacionada

refuncionalizao e criao de cidades.

- Pesquisa de campo exploratria, efetivada em algumas reas mais representativas para a

pesquisa (redes de circulao: rodoviria e ferroviria; redes de armazenamento e instalaes

agroindustriais) localizadas no Sul e no Mdio-Norte de Mato Grosso.

- Trabalho de campo, realizado ao longo dos principais eixos de escoamento, principalmente

as rodovias federais BR-163 e BR-364, e tambm na BR-070 e nas rodovias estaduais

concedidas. Foi feito o registro fotogrfico e o levantamento dos trechos rodovirios nodais

para o agronegcio com o uso de aparelho de GPS Garmin e-Trex 10, cujos dados foram

transcritos para planilhas de campo, contendo coordenadas geogrficas, altitude e descrio

das condies da via e posteriormente lanadas em planilhas do Excel. O mesmo

procedimento foi efetuado em relao ferrovia Amrica Latina Logstica Malha Norte

(ALLMN), com nfase no conjunto de infraestruturas vinculadas ao transporte (terminais) e

ao armazenamento que integram o sistema logstico mato-grossense. A produo cartogrfica

do sistema logstico, industrial e de armazenagem se baseou nesses dados e foram somados s

bases cartogrficas (a seguir descritas).

- Armazenamento e sistematizao das informaes (coletadas nas duas fases das atividades

de campo a exploratria e a definitiva), com anlise qualitativa da documentao existente

(para a elaborao de tabelas, figuras, grficos, cartogramas, mapas). A utilizao de Sistemas

de Informaes Geogrficas (SIGs) foi efetuada com o uso dos programas Envi, GPS

TrackMaker e Google Earth que serviram de ferramentas para o tratamento de informaes

22

referentes a imagens de satlites, bases cartogrficas do IBGE e do DNIT, base de dados

geomorfomtricos do Brasil do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e, para a

produo cartogrfica referente produo agrcola, localizao de rodovias, ferrovias,

armazns e delimitao de cidades, permetros urbanos e reas industriais. Por fim partimos

para a anlise do conjunto de informaes apuradas.

Foram adotados os seguintes passos metodolgicos: ajuste do levantamento

bibliogrfico terico, metodolgico e histrico, com seleo e anlise da bibliografia;

realizao do trabalho de campo (exploratrio e definitivo) com observaes de reas

selecionadas; produo e tratamento de dados primrios a partir das atividades exploratrias e

levantamento e crtica dos dados secundrios obtidos em rgos pblicos e entidades

representativas dos setores investigados; ajuste do projeto a partir dos dados preliminares

produzidos, tendo em vista o amadurecimento terico e prtico da proposta de pesquisa;

aplicao de entrevistas qualitativas semiestruturadas (junto ao gerente da ALLMN e ao

diretor da Associao dos Transportadores de Cargas ATC); redao dos captulos

resultantes da anlise do objeto. Os passos seguiram o cronograma estabelecido perfazendo

um perodo que vai de abril de 2013 at outubro de 2015.

A pesquisa resultou na construo de quatro captulos que no seu conjunto procuram

explicar a questo do uso corporativo do territrio pelo agronegcio e a questo da logstica

de transportes em Mato Grosso.

No captulo 1, temos a fundamentao terica que discute a reorganizao do sistema

capitalista e seus impactos espaciais. Partimos da premissa de que a reestruturao do

territrio (SOJA, 1993) deriva de um movimento maior (SANTOS, 1993), que pode ser

considerado como movimento de fundo, representado pelos ajustes espaciais do capitalismo

(HARVEY, 2006). Resulta desse movimento o desenvolvimento desigual (SMITH, 1988) dos

territrios e de reas de um mesmo territrio. A relao entre o Estado e o Capital nesse

processo debatida em meio ao atual perodo de globalizao (HARVEY, 1996 e 2004;

MANDEL, 1982; SANTOS, 2004; SMITH, 1988; BECKER, 2007; IANNI, 1998).

O uso corporativo do territrio pelo agronegcio implicou na discusso do conceito de

territrio usado (SANTOS, 2000; SANTOS e SILVEIRA, 2004; SILVEIRA, 2011b) e nas

definies acerca do agronegcio (FERNANDES e WELCH, 2008; OLIVEIRA, 2007;

CALLADO e CALLADO, 2011). Finalizamos o captulo com o cenrio nacional em meio ao

processo de reorganizao do sistema capitalista.

23

Um maior detalhamento das aes do Estado sobre o territrio abordado no captulo

2, com o tema: O Estado brasileiro e a reestruturao do territrio. Inicialmente discutimos a

dinmica dos processos de integrao e ocupao territorial (BECKER e EGLER, 1993), pois

eram essas as bases ideolgicas do Estado para justificar as aes impetradas, muitas de

carter pouco justificvel (MARTINS, 2003).

Em seguida, a escala reduzida novamente, pois para tratarmos do nosso objeto

tivemos que dar mais nfase regio Centro-Oeste, porque as politicas no se restringiam s

unidades da federao, j que possuam um carter regional bastante expressivo.

Esse carter vai ser refletido nos eventos analisados, cujos destaques so: a construo

de Braslia; os Planos Nacionais de Desenvolvimento (I e II PNDs); os programas mais

representativos para o Centro-Oeste; a implantao dos Eixos Nacionais de Integrao e

Desenvolvimento (ENIDs); e finalmente a nova realidade das polticas territoriais,

representada pelo Plano Nacional de Logstica de Transportes (PNLT) e o Plano de

Acelerao do Crescimento (PAC).

Com o captulo 3, apresentado com o ttulo de: Logstica e indstria: o uso corporativo

do territrio em Mato Grosso, aprofundamos a anlise e nos posicionamos mais prximos do

objeto da pesquisa. Esse o captulo que discute a concretude de resultados importantes do

processo de reestruturao do territrio, pois a instalao de fixos diversos relacionados ao

setor produtivo e reproduo social (indstrias, armazns, novas cidades) est diretamente

relacionada com a existncia das infraestruturas (transportes, energia e comunicaes)

disponibilizadas pelo Estado, assim como com a expanso e consolidao da agricultura

tecnificada, tornada possvel com a interveno estatal.

Nesse contexto, discutiremos a criao dos circuitos espaciais de produo e dos

crculos de cooperao (SANTOS e SILVEIRA, 2004) resultante das novas dinmicas

produtivas, bem como analisaremos a logstica de transportes j consolidada, nesse caso

representada pelo modal rodovirio que o sistema de engenharia de transportes hegemnico

no Brasil e em Mato Grosso, cujas transformaes de base tcnica e operacional se efetivam

por meio das concesses ao setor privado. O elemento novo que complexifica o fenmeno da

logstica de transportes voltada ao agronegcio constitudo pela implantao da ferrovia

ALLMN no extremo Sul do estado, a partir do ano 2000, e que chega finalmente em

Rondonpolis em 2013, potencializando esse municpio como ponto nodal do agronegcio

nacional.

24

Aps debatermos a condio da logstica de transportes existente, buscou-se relacion-

la com a territorializao das agroindstrias no estado, representada por empresas como a

Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, Noble, Mosaic e Yara entre

outras, que so importantes agentes hegemnicos do capital, pois a espacializao dessas

determinada por algumas condies especiais, como a articulao com os principais eixos de

circulao (rodovias e ferrovias), a proximidade com a produo, e a obteno de vantagens

financeiras por meio da iseno de impostos em consonncia com programas estaduais de

incentivo industrializao atravs da renncia fiscal. Dados estatsticos e o mapeamento das

reas de concentrao industrial, afirmam esse pressuposto.

Na sequncia tratada a questo dos gargalos logsticos, apresentando-os como

impeditivos da fluidez corporativa pretendida pelos agentes hegemnicos. A anlise desse

fenmeno primordial, pois o mesmo reflete a incompletude da reestruturao territorial de

base corporativa que entendemos ter havido em Mato Grosso, cuja busca por soluo depende

de um esforo que se divide em duas frentes. Uma representada pelos novos investimentos

nos sistemas de engenharia de transportes que se constitui como parcela tcnica e, a outra, na

regulamentao de concesses e de novas normatizaes para o setor de transportes, como no

caso dos portos e das ferrovias, que a parcela poltica.

No captulo 4, partimos para uma discusso acerca das cidades e o seu papel no

processo produtivo, cuja densidade tcnica passa a exigir um tipo especfico de cidade

(SANTOS, 2008b). Com o ttulo de: A base urbana da produo do agronegcio mato-

grossense, discutimos a questo da produo do espao com nfase nas relaes cidade-

campo e a criao e refuncionalizao de cidades, destacando a base urbana (DINIZ, 2013) da

produo agrcola como sntese do processo.

Como o fenmeno da produo seletivo em relao aos lugares, trabalhamos os

lugares escolhidos que se divide em dois conjuntos, o primeiro mais restrito em nmeros

absolutos e representado pelas cidades refuncionalizadas caso de Rondonpolis com a

produo (agropecuria e industrial) e com maior densidade quanto logstica de transporte; e

de Alto Araguaia com os desdobramentos do terminal da Amrica Latina Logstica (ALL),

esses desdobramentos nos levou tambm a incluir informaes sobre Alto Taquari e Itiquira.

O segundo conjunto de lugares mais amplo, e foi denominado como cidades criadas, mas

aqui tambm h uma seleo. Pois 107 novos municpios foram criados aps 1970, mas os

escolhidos, ou criados com estreita relao com o agronegcio e cumprindo funo relevante

25

de suporte so poucos. Destacamos os mais representativos no texto, caso de Sinop, Sorriso,

Lucas do Rio Verde e Primavera do Leste.

A discusso dos impactos no urbano mato-grossense se baseia em dados acerca de

algumas condies de reproduo social que ocorre nas cidades, com destaque para aquelas

mais representativas. A questo do maior controle do solo urbano, principalmente nas cidades

onde o agronegcio mais estruturado, preliminarmente discutida.

Esse controle reflete diretamente no acesso moradia, implicando em maiores

entraves para a permanncia das populaes mais pobres que, mesmo no sendo acolhidas,

so fundamentais para a reproduo capitalista como parte da mo de obra menos qualificada

que ainda se impe na diviso do trabalho.

Finalizamos discutindo os dados do ndice de Desenvolvimento Humano Municipal

(IDHM), sua evoluo e os municpios de maior destaque no ranking, tendo claro que o

aspecto generalizador do ndice promove distores, mas como o mesmo utilizado na

ideologia do agronegcio, fizemos um exerccio comparativo com outras variveis que foram

trabalhadas no decorrer da pesquisa para verificarmos possveis convergncias. E as

convergncias de fato foram constatadas.

Nas consideraes finais discutimos os resultados das anlises efetuadas em sua

transitoriedade, visto a continuidade do movimento de reestruturao do territrio que ainda

se encontra em curso. A realidade revelada por meio dos processos investigativos nos

aproxima do fenmeno de corporatizao do territrio, que fora efetivado para atender, no seu

conjunto, os interesses dos agentes hegemnicos do agronegcio, cuja necessidade de

articulao com os diversos mercados, notadamente externos, eleva a importncia da logstica

de transportes existente e projetada como elemento fundamental para a fluidez corporativa.

26

1 A REORGANIZAO DO SISTEMA CAPITALISTA E SEUS

IMPACTOS ESPACIAIS

A reestruturao territorial surge dos ajustes espaciais do capitalismo em seu

movimento constante de reproduo, que demanda mudanas frente s novas racionalidades

que se impem. Essas mudanas so normalmente gestadas para atender os interesses de um

conjunto de agentes hegemnicos que buscam dotar o territrio das condies ideais para a

consecuo dos seus projetos.

Tendo em vista a ampliao constante do movimento do capital financeiro e

produtivo, possibilitado pelos avanos dos sistemas tcnicos e informacionais atualmente

disponveis, os territrios so acessados para usos especficos. E, para atender a tais usos, so

reestruturados para se adequarem a certas lgicas por vezes estranhas aos lugares onde se do,

pois muitas aes so extrovertidas e pouco preocupadas com o seu entorno imediato. Mas, a

consecuo dos projetos do capitalismo em sua dinmica prescinde dos territrios.

Para Santos (2008a, p. 338) a realizao, dos projetos, s se d nos territrios, pois

[...] o territrio termina por ser a grande mediao entre o Mundo e a sociedade nacional e

local, j que, em sua funcionalizao, o Mundo necessita da mediao dos lugares, segundo

as virtualidades destes usos especficos.. Nesse processo h uma modificao do conjunto

dos lugares, logo do espao como um todo, visto que nem todos os lugares so escolhidos.

Enquanto mediador do local com o mundo, o territrio em seu processo de

reestruturao sofre diversas alteraes em suas dinmicas internas, que tambm so externas,

visto comporem um todo, possibilitando a criao do novo, que parte do velho em uma ao

dialtica constante.

Dessa forma, a produo do espao, enquanto produo social, forjada pela frico

dos opostos, cuja convivncia e constante superao se tornam os dnamos desse processo de

produo. No entanto, algumas aes que so impostas ao territrio terminam por provocar

modificaes mais amplas e profundas, causando alteraes que podem ser consideradas

estruturais.

Para Soja (1993, p.193):

27

A reestruturao, em seu sentido mais amplo, transmite a noo de uma

freada, seno de uma ruptura nas tendncias seculares, e de uma mudana

em direo a uma ordem e uma configurao significativamente diferentes

da vida social, econmica e poltica. Evoca, pois, uma combinao

sequencial de desmoronamento e reconstruo, de desconstruo e tentativa

de reconstituio, proveniente de algumas deficincias ou perturbaes nos

sistemas de pensamento e ao aceitos.

Esse movimento gerado pelas tenses entre o que est estabelecido e o que busca

estabelecer-se resulta da dinmica interna das relaes sociais, e assim, a compreenso dessas

relaes demanda compreender os movimentos mais amplos, cujas dinmicas produzem o

espao ininterruptamente.

Dessa forma, devemos buscar os elementos constituintes das transies dos modos de

produes, visto que esses promovem no seu processo evolutivo alteraes profundas na

sociedade e na sua forma de organizao espacial.

Santos (1993, p. 113) ao discutir o espao como sendo o maior conjunto de objetos,

aponta que estes possuem idades diversas, mas que so movidos e vivificados por uma lei

maior e nica. Esta lei submete as relaes sociais, pois Trata-se de uma grande lei dos

movimentos de fundo, dada pelos modos de produo e seus momentos, responsvel pelas

mudanas grandes [...]..

A reestruturao territorial est diretamente relacionada com as dinmicas do modo de

produo capitalista, pois o movimento de ajuste espacial empreendido no territrio decorre

das necessidades do capital em seu processo de expanso. Segundo Harvey (2006, p. 117) no

processo de expanso pode haver a exportao de capital para produo para resolver o

excesso de capital excedente, pois o emprego desse capital em condies de alto retorno

permite arrefecer, temporariamente, as crises surgidas no interior do capitalismo, mas essas

crises [...] so fases de intensa racionalizao na transformao e expanso geogrfica. A

dialtica interna da sociedade civil perpetuamente mitigada e reproduzida mediante o

recurso constante ao ajuste espacial..

Assim, esse processo de expanso resulta das contradies internas do capitalismo

gerador das prprias crises do sistema na busca por uma reproduo contnua e ampliada do

capital e que gera um desenvolvimento desigual, que segundo Poulantzas (2000, p. 93) uma

[...] caracterstica do capitalismo desde seus incios..

28

Em meio discusso sobre a lgica do desenvolvimento desigual, Smith (1988, p. 19)

faz a seguinte considerao:

A lgica do desenvolvimento desigual deriva especificamente das tendncias

opostas, inerentes ao capital, para diferenciao, mas com a simultnea

igualizao dos nveis e condies da produo. O capital continuamente

investido no ambiente construdo com o fito de se produzir mais-valia e

expanso da base do prprio capital. Mas, da mesma forma, o capital

continuamente retirado do ambiente construdo de forma que ele possa se

deslocar para outra parte e se beneficiar com taxas de lucro mais altas. A

imobilizao espacial do capital produtivo em sua forma material no nem

menos necessria do que a perptua circulao do capital como valor. Assim,

possvel ver o desenvolvimento desigual do capitalismo como a expresso

geogrfica da contradio mais fundamental entre o valor de uso e valor de

troca. O padro que resulta na paisagem bem conhecido: desenvolvimento

de um lado e subdesenvolvimento de outro.

Como processo geral, esse movimento internalizado nas diferentes formaes

econmicas, friccionando com a realidade interna, mas mantendo sua essncia de busca por

uma reproduo ampliada. Nesse contexto, a expanso do capitalismo no Brasil reproduz a

tendncia do capital de expanso geogrfica que produz as desigualdades espaciais. Ao

discutir a expanso do capitalismo no Brasil, Rossini (1986, p. 108) argumenta que a

produo do espao brasileiro realizada a partir do foco de acumulao situado

espacialmente no Sudeste e tendo So Paulo no comando do processo. Em sua dinmica

observa-se o movimento dialtico de criao e destruio que consoante com um processo

produtivo global de carter espacial e produtivo. Temos ento que,

[...] a destruio das economias regionais nada mais do que a forma de

reproduo e desenvolvimento do sistema em escala nacional. Assim, se

articula um processo de produo geral do espao que se realiza de maneira

desigual, pelo movimento diferencial do processo de acumulao.

(ROSSINI, op. cit., p. 108).

A reestruturao inerente aos processos de ajustes do capital pode ocorrer com

intensidades diferentes, podendo ser mais profunda e estrutural, bem como ser localizada e

conjuntural, mas apresenta os elementos de mudanas implcitos na sua dinmica e, por ser

uma produo social, est imersa na incerteza dos seus resultados.

29

Nesse sentido, Soja (1993, p. 194) deixa claro que na reestruturao no h uma

predeterminao das possibilidades e resultados potenciais, visto no ser um processo

mecnico ou automtico, pois:

Em sua hierarquia de manifestaes, a reestruturao deve ser considerada

originria de e reativa a graves choques nas situaes e prticas sociais

preexistentes, e desencadeadora de uma intensificao de lutas competitivas

pelo controle das foras que configuram a vida material. Assim, ela implica

fluxo e transio, posturas ofensivas e defensivas, e uma mescla complexa e

irresoluta de continuidade e mudana.

Pouco previsvel em sua essncia, a reestruturao demanda acordos entre os agentes

hegemnicos que representam o local, o territrio envolvido nas aes, e os agentes

hegemnicos detentores do capital podendo ser esses agentes nacionais ou estrangeiros e

que buscam nos lugares satisfazer suas necessidades de acumulao. As grandes corporaes

adotam aes expansionistas com vistas manuteno da competitividade, visto que o capital

ao se mundializar amplia a escala da concorrncia com outros capitais. Logo, resulta dessa

condio as estratgias que levam a um novo quadro.

Ao tratar da mundializao do capital, Chesnais (1996, p. 17) a considera como:

[...] a capacidade estratgica de todo grande grupo oligopolista, voltado para

a produo manufatureira ou para as principais atividades de servios, de

adotar, por conta prpria, um enfoque e conduta globais.

O autor entende que em virtude da intensificao da competio capitalista foi

desencadeado um processo de oligopolizao, em que temos uma ampliao das aes das

grandes corporaes industriais, comerciais e financeiras, implicando na mundializao mais

efetiva do capital.

Os capitais disponveis para investimentos deixam as tradicionais reas que recebiam

esses recursos, principalmente os pases da trade Estados Unidos, Japo e Europa

(CHESNAIS, 1996) e se deslocam para outras reas. So capitais de diversas naturezas,

desde as grandes corporaes at capitais individuais.

30

Nesse sentido, Harvey (2004, p. 83) argumenta que os capitalistas individuais

procuravam investimentos vantajosos, pois assim, O capital excedente de um lugar pode

encontrar emprego noutro lugar em que as oportunidades de lucro ainda no foram

exauridas..

Os capitais dos pases da trade, que buscavam aplicaes vantajosas, encontraram em

pases como o Brasil uma demanda por crdito para consolidar o processo de criao de

infraestruturas diversas (nos setores de transporte, energia e comunicaes) e para expandir

um modelo produtivo j existente nas regies Sul e Sudeste. O processo de reestruturao

efetuado no Brasil buscou dotar a regio Centro-Oeste das condies para que essa se tornasse

o celeiro do pas e grande produtor mundial de commodities.

A movimentao de capitais busca novas reas de investimentos exatamente porque

suas tradicionais reas de investimentos apresentavam limites para a reproduo do capital

nos nveis esperados. As mudanas produtivas e de organizao no interior do capitalismo, em

meio s crises que se formaram a partir da dcada de 1970, (STORPER, 1991), (HARVEY,

1996), (BENKO, 2002) levaram um conjunto considervel de capitais a buscar novas reas

que pudessem receber os capitais e remuner-los em nveis satisfatrios.

Em relao ao setor produtivo, Storper (1991) argumenta que emergia a exigncia por

uma reestruturao e uma reorganizao espacial, que ainda est em curso, para superar os

limites apresentados pelo sistema produtivo. Benko (2002) explica que em meio crise o

capitalismo passa a demandar toda uma reestruturao necessria para superar uma crise de

eficcia e legitimao e uma nova racionalidade imposta na busca por uma reproduo

ampliada do capital. Para isso, novos espaos de produo so criados.

Dessa forma, partimos da premissa de que a reestruturao efetuada no territrio, que

possibilitou a instalao de um novo modelo de produo em reas at ento pouco

articuladas do interior do Brasil com os mercados interno e externo, desencadeada

principalmente a partir da dcada de 1970, resultou da ao de dois agentes hegemnicos

cujos interesses se mostraram convergentes, pois se de um lado tnhamos um conjunto de

capitais vidos por investimentos rentveis, do outro tnhamos um governo brasileiro disposto

a se endividar para prosseguir com seus projetos de integrao e ocupao.

A associao entre o Estado e o Capital sendo este personificado pelas corporaes

capitalistas se deu entre outras razes porque as intencionalidades apresentavam

31

convergncias, redundando em aes cujos rebatimentos territoriais se propagaram em

desdobramentos sociais, econmicos e ambientais de grande monta. Possibilitou-se, no

decorrer desse processo, um uso corporativo do territrio.

O processo se estabelece porque a fora do capital em seu movimento de expanso

geogrfica, empreendido atualmente principalmente pelas grandes corporaes, exige do

territrio as condies ideais para que: o processo produtivo se realize plenamente; que o

capital financeiro no encontre barreiras; e que o mercado consumidor e o mercado de

trabalho possam ser controlados minimamente.

Para isso contam com um mediador importante, representado pelo Estado, que se

equilibra para atender as exigncias corporativistas e criar um bom clima de negcios

(HARVEY, 1996, p. 160) e ao mesmo tempo responder a demandas sociais mais amplas.

Como os interesses corporativos so atomizados, cabe ao Estado disponibilizar as condies

ideais para a manuteno do modo de produo capitalista.

Nesse sentido, partindo do pensamento de Kautsky, que prope ser a classe capitalista

aquela que reina, mas no governa, e que a seu turno se resigna a apenas dar ordens ao

Governo, Mandel (1982, p. 336) conclui:

A concorrncia capitalista determina assim, inevitavelmente, uma tendncia

autonomizao do aparato estatal, de maneira que possa funcionar como

um capitalista total ideal, servindo aos interesses de proteo,

consolidao e expanso do modo de produo capitalista como um todo,

acima e ao contrrio dos interesses conflitantes do capitalista total real

constitudo pelos muitos capitais do mundo real.

De fato, o Estado essencial para o capitalismo, e Harvey (2004, p. 107) assim o

comprova: importante reconhecer o papel mediador fundamental das estruturas e dos

poderes financeiros e institucionais (particularmente o Estado) nos processos de acumulao

do capital..

J Santos (2004, p. 19) desconstri a premissa de morte do Estado, pois acredita que

estejamos diante do seu fortalecimento [...] para atender aos reclamos da finana e de outros

grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populaes cuja vida se

torna mais difcil..

32

Concordando com a manuteno do Estado enquanto mediador importante e

discutindo a relao entre esse e o capital global, Benko (2002, p. 47) conclui que:

Assim as polticas do Estado nacional, da fiscalidade gesto monetria [...]

sofrem e injetam ao mesmo tempo o ponto de vista internacional nos

processos domsticos de deciso. [...] inexato falar de enfraquecimento

do Estado no momento em que a mundializao conota implicao mais

direta e carter de classe mais decisivo do Estado Nacional.

A criao de normas, efetuadas no interior de cada Estado, imprescindvel para a

manuteno dos fluxos gerados pelas aes empreendidas pelo capital global, sejam por meio

de investimentos externos diretos (CHESNAIS, 1996) ou pelos capitais especulativos.

Em relao aos investimentos voltados produo, Smith (1988, p. 205) argumenta

que o capital que se imobiliza na paisagem necessita de proteo contra outros capitais, e isto

implica a ao do Estado na regulao da reproduo das foras de trabalho, na criao de

infraestrutura e leis comerciais, portanto, O Estado se desenvolve para realizar essas tarefas,

assim como para defender o capital militarmente, onde seja necessrio.. J os capitais

especulativos demandam maior liberdade para aes, porm, contraditoriamente, a falta de

controle deflagra crises diversas no setor financeiro, como aponta Harvey (2011).

Tratando do papel do Estado no processo de globalizao da produo agrcola

brasileira, Elias (2003, p. 65) argumenta que Coube ao Estado brasileiro adequar a produo

e o territrio reproduo ampliada do capital na agricultura do pas. Enfatiza que a

modernizao empreendida por esse agente permitiu a ascenso de circuitos espaciais de

produo e crculos de cooperao globalizados. Nesse nterim, fixos e fluxos foram

expandidos e/ou acrescentados no campo e as condies de articulao foram intensificadas.

Becker (2007, p. 267-268), chama a ateno para a logstica das corporaes que,

inserida no contexto da globalizao, impacta diretamente o territrio e consolida sua

reestruturao, afirmando que:

A globalizao e a abertura dos mercados impem novos padres de

competitividade baseada na exportao e na privatizao do capital social,

numa reestruturao da economia que resulta em maior poder para as

33

corporaes. A logstica permite s corporaes gerar em tempo rpido e em

ampla escala grandes territrios corporativados que tendem a incorporar,

submeter ou excluir os territrios de grupos sociais menos poderosos, e a

revigorar a expanso da fronteira agropecuria.

A complexificao dos processos desencadeados no territrio decorre do atual perodo

em que vivemos caracterizado entre outros aspectos pela maior articulao, principalmente

dos agentes corporativos , que se soma s benesses disponibilizadas seletivamente pelo

desenvolvimento tecnolgico e informacional. Esse quadro, por sua vez, favorece o

surgimento e o agravamento de crises diversas (econmicas, polticas, ambientais) cujos

rebatimentos promovem descontroles nos lugares, implicando negativamente na produo

social.

As condies gerais apresentadas compem um quadro complexo, resultante de um

conjunto de eventos que pode ser denominado de globalizao, cuja compreenso, mesmo que

mais centrada nas condies econmicas, pode nos levar a um entendimento mais profundo

dos fenmenos que a cercam, notadamente daqueles com rebatimentos territoriais.

Porto-Gonalves (2011) mesmo criando uma periodizao da globalizao, nesse caso

da globalizao da natureza, argumenta que o processo de globalizao pode ter o seu incio

marcado, apesar das divergncias, a partir de 1970, tendo como uma das principais

caractersticas o aumento do protagonismo do capital financeiro, aps a quebra do contrato de

Bretton Woods.

Haesbaert e Limonad (2007, p. 40) chamam a ateno para a ideia de a globalizao

remeter, equivocadamente, a um processo de homogeneizao econmica, espacial e social.

Na verdade a globalizao [...] se processa em pontos seletivamente escolhidos do globo

terrestre como, em muitos casos, obrigada a adaptar-se e/ou a reelaborar processos poltico-

econmicos e culturais ao nvel local., assim, a referida homogeneizao se daria por nveis,

um nvel referente ao capital das elites planetrias e outro relacionado misria e a pobreza

que so acirradas no decurso da globalizao.

De acordo com Santos (2004) a globalizao pode ser entendida, no de forma

exclusiva, como o auge da internacionalizao do mundo capitalista que se pauta em dois

estados, aquele das tcnicas e aquele da poltica, cujo funcionamento em conjunto no

autoriza uma separao para um entendimento unitrio. Chama a ateno para o fato de que

34

apesar de existir um reconhecido avano das tcnicas, cujo sistema se faz sentir no nvel

planetrio, necessrio considerar as aes que favoreceram a ascenso de um mercado

considerado como global que protagoniza os processos polticos mais plenos de realizao.

Prope ento uma arquitetura da globalizao cujos fatores que permitem a sua explicao

seriam: [...] a unicidade da tcnica, a convergncia dos momentos, a cognoscibilidade do

planeta e a existncia de um motor nico na histria, representado pela mais-valia

globalizada. (SANTOS, op. cit., p. 24).

Entendida enquanto internacionalizao do mundo capitalista, a globalizao

pressiona as unidades soberanas, representadas pelo Estado-Nao, a colaborar com os

projetos de expanso capitalista em todos os nveis e em todos os locais. Na tentativa de se

adequarem aos projetos corporativos, o Estado passa a coordenar aes que se afastam das

necessidades mais efetivas da sociedade local. O quadro se torna mais dramtico com a

escassez dos recursos, ou com a elevao dos custos referentes s tomadas de emprstimos.

Os projetos nacionais so corrompidos, pois passam a atender interesses exgenos.

Para Ianni (1998, p. 78), A globalizao da economia capitalista, compreendendo a

formao dos centros decisrios extra e supranacionais, debilita ou mesmo anula

possibilidades de estratgias nacionais.. Com isso temos uma acelerao dos vnculos

externos em condies desiguais, pois os interesses do capital demandam vantagens para as

corporaes em detrimento das reas exploradas, enfraquecendo, de certa forma, as relaes

no interior dos pases tendo em vista a emergncia das relaes externas.

Para Giddens (2006, p. 21) a extrema facilidade de movimento dos fluxos financeiros,

pautados na evoluo das tcnicas informacionais, possibilitou uma predominncia do capital

financeiro, ainda que o comrcio externo composto de bens e servios tambm tenha

apresentado elevado crescimento assim, no atual perodo de globalizao, investidores

podem movimentar quantias imensas no toque de um boto e dessa forma, [...] podem

desestabilizar economias que pareciam slidas como granito [...].

Se o setor financeiro encontra na globalizao as condies de alavancar lucros por

meio da liberdade de investimentos, apesar das crises sucessivas desencadeadas no mbito do

capitalismo, o setor produtivo tradicional, mais rgido, pois necessita imobilizar capital por

meio de capital fixo, deve adotar estratgias voltadas a uma flexibilidade de aes e de

planejamento.

35

Buscando corrigir os problemas decorrentes das crises, houve entre outras estratgias,

uma redistribuio corporativa pelo espao, levando os lugares a disputarem os investimentos,

pois a concorrncia tornou-se global. Essas disputas esto na gnese do que chamamos de

guerra dos lugares, como aponta Santos (2008a), que decorrem da evoluo do capitalismo

que produz um desenvolvimento desigual, pois como assinala Smith (1988, p. 16) [...] o

desenvolvimento desigual a expresso geogrfica sistemtica das contradies inerentes

prpria construo e estrutura do capital..

Temos ento uma reestruturao do setor produtivo para superar uma crise de eficcia

e legitimao e uma nova racionalidade imposta na busca por uma reproduo ampliada do

capital. Como as relaes de produo se tornam mais complexas, inclusive pela expanso

geogrfica que toma vulto no processo de desconcentrao produtiva, h a necessidade de

uma maior sincronia entre as diversas etapas envolvidas.

Dessa forma, a sincronizao das etapas de produo, distribuio, circulao

(entendida enquanto troca) e consumo permite uma maior agilidade nas diversas etapas do

processo em seu conjunto e favorece a reproduo do capital de forma mais efetiva, pois

como assevera Marx (2008) essas etapas so interdependentes, e no caso da produo e

consumo, so consubstanciadas como seus contrrios (produo consumo e consumo

produo) e mediadas entre si. Da mesma forma, na distribuio e produo, todas as

categorias so estabelecidas de dupla maneira, caso do lucro e do juro que figuram enquanto

fatores determinantes e formas determinadas da distribuio e tambm como produo, j que

proporciona o aumento de capital. Finalmente temos a circulao (a troca na sua totalidade)

mediadora da produo, distribuio e consumo.

Devemos entender, no entanto, que as consideraes de Marx se deram em um

contexto diferente, pois hoje a maior complexidade dos processos inerentes produo exige

uma anlise mais apurada da sua dinmica. Ao mesmo tempo, observa-se que a lgica de

reproduo ampliada do capital, por meio de lucros crescentes, continua sendo a essncia do

capitalismo.

A expanso geogrfica do capitalismo, considerando os interesses das corporaes dos

pases mais desenvolvidos nesse modo de produo, se torna uma alternativa s crises geradas

no interior do capitalismo, pois a existncia de mercados potenciais nos pases perifricos se

tornou o fator determinante para a instalao de empresas multinacionais nesses pases. Seria

ento o mercado, cujos arranjos internos permitiriam uma reserva para essas empresas, o

36

grande trunfo das novas reas que se industrializavam no contexto da nova ordem produtiva

(LIPIETZ, 1988).

Temos nesse contexto uma frico do movimento maior, desencadeado nos pases

centrais por conta das sucessivas crises do capitalismo, com a realidade interna dos pases que

so atingidos pelas ondas de expanso desse movimento.

Assim, cada nao passa a se estruturar em consonncia com os interesses dos agentes

hegemnicos, com vistas a buscar alternativas de crescimento econmico e legitimidade

poltica dos regimes instalados, no caso do Brasil, baseado no autoritarismo. Consolida-se um

processo de reestruturao territorial com vistas a atender as demandas empresariais, gerando

um uso corporativo do territrio.

nesse contexto que a regio Centro-Oeste tem o seu modelo produtivo reestruturado

para atender aos desgnios do Estado no seu projeto maior de ocupao e integrao, cujas

aes foram articuladas visando o acesso, pelo capitalismo monopolista, ao mercado interno.

Da mesma forma, internamente buscava-se o mercado exterior, cujas exportaes passaram a

representar a redeno para um pas que se endividava sistematicamente. Das aes

empreendidas, temos a ascenso da agricultura tecnificada, tornada dependente de

articulaes em escalas que ultrapassam as fronteiras brasileiras. Dos insumos para a

produo at a formao de preos dos produtos, o processo produtivo passava a atender um

novo mando, externo, cujas aes eram geridas e pensadas pelo mercado internacional. o

ponto de partida para a consolidao do agronegcio na regio e especialmente em Mato

Grosso.

1.1 A REESTRUTURAO E O USO CORPORATIVO DO TERRITRIO

A racionalidade que passa a imperar sob os ajustes espaciais do capitalismo interfere

diretamente nas atividades produtivas e exigem uma nova adaptao ou reestruturao do

territrio para atender as novas necessidades impostas. O movimento transcende os limites

territoriais, implicando em alteraes significativas da base produtiva em setores diversos,

como a agricultura, cuja base torna-se mais tcnica e dependente da cincia e da informao,

gerando, no entanto, um modelo excludente, na medida em que exige uma maior capitalizao

dos agentes envolvidos no processo produtivo.

37

Cria-se o vnculo entre o territrio, no enquanto territrio em si, mas como

territrio usado (SANTOS e SILVEIRA, 2004) que exploramos como conceito para analisar

o processo de corporatizao do territrio favorecido pelas polticas pblicas empreendidas

pelo Estado, cuja dinmica favoreceu um estreitamento de relaes entre as diversas regies

brasileiras com vistas ao atendimento dos interesses hegemnicos nacionais e internacionais

quanto ao processo produtivo.

O uso corporativo do territrio passa a ser uma realidade que possui, entre outros

problemas, a criao de estratgias que visam satisfazer somente o processo produtivo, sem

uma preocupao mais ampla com a sociedade que ocupa este territrio, pois a sua

organizao e sua dinmica so voltadas para fora, em detrimento de arranjos locais.

De acordo com Silveira (2011b, p. 5) o territrio usado, enquanto espao concreto do

homem, deve ser reconhecido pela sua densidade histrica e pela operao de foras sobre

formas que so dinmicas, produtora de densidades, sendo essas densidades de carter

normativo, informacional e tcnico. Considera ainda que:

[...] se as formas so importantes, tambm o so as aes humanas, isto , o

comportamento no territrio das pessoas, das instituies, das empresas,

determinando um dinamismo que varia segundo sua origem, sua fora, sua

intencionalidade, seus conflitos. O territrio usado assim uma arena onde

fatores de todas as ordens, independentemente da sua fora, apesar de sua

fora desigual, contribuem gerao de situaes.

As situaes geradas decorrem da frico dos interesses diversos, pois os diversos

agentes envolvidos buscam satisfazer as suas necessidades, desejos e interesses, colidindo

com os interesses de outros agentes. Cria-se um conjunto complexo de situaes cuja

mediao estabelecida por um agente hegemnico, nesse caso o Estado, que como vimos o

mediador entre o local e o global. Como estamos discutindo a produo social em tempos de

globalizao, essa relao entre as escalas local, nacional e global torna-se mais relevante

medida que exista uma maior articulao entre as escalas.

A concepo de totalidade do conceito de territrio usado bastante explcita, na

medida em que comporta todos os elementos da sociedade em sua interao dialtica com os

objetos e com as aes. Para Milton Santos o territrio usado seria o espao de todos os

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homens, instituies e empresas. Com essa viso totalizante, a anlise pode ser enfrentada de

forma mais coerente. O autor assevera ainda que:

Para os atores hegemnicos o territrio usado um recurso, garantia da

realizao de seus interesses particulares. Desse modo, o rebatimento de suas

aes conduz a uma constante adaptao de seu uso, com adio de uma

materialidade funcional ao exerccio das atividades exgenas ao lugar,

aprofundando a diviso social e territorial do trabalho, mediante a

seletividade dos investimentos econmicos que gera um uso corporativo do

territrio. (SANTOS, 2000, p. 108).

Os desdobramentos da reestruturao efetivada no campo, com a modernizao da

base produtiva da agricultura, propiciaram um conjunto de processos cujas dinmicas

oportunizaram aos grandes grupos envolvidos nesse setor econmico as condies ideais para

a sua consolidao. Mas como o capitalismo no seu movimento gera as suas prprias crises,

os fatos que eclodiram principalmente a partir da dcada de 1970, no exterior, e cujos

rebatimentos mais intensos se fizeram sentir internamente nos anos de 1980, inibiram os

investimentos estatais no projeto de reestruturao.

Criou-se, ento, no transcurso do processo de reestruturao, uma desacelerao que

gerou a imobilizao da dinmica de reestruturao. Assim, as aes pblicas sobre o

territrio no puderam acompanhar a evoluo do processo produtivo. Da surge um

descompasso que contrariaria o setor produtivo at os dias atuais, incorrendo em presso

constante dos agentes hegemnicos do setor corporativo e o Estado, tambm agente

hegemnico.

As relaes entre os agentes hegemnicos so refletidas nos processos produtivos

empreendidos no territrio e se coadunam com o que Elias (2003) entende como sendo os

imperativos da ordem global hegemnica cuja dinmica fortalecida com a ascenso dos

circuitos espaciais produtivos e dos crculos de cooperao, apontados por Santos e Silveira

(2004) dentro da diviso territorial do trabalho.

Assim, as verticalidades [...] pontos no espao que, separados uns dos outros,

asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia. se impem s

horizontalidades [...] extenses formadas de pontos que se agregam sem descontinuidade,

[...] (SANTOS, 2008a, p. 284). Isso ocorre porque enquanto as horizontalidades promovem a

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produo propriamente dita, as verticalidades coordenam os demais momentos da produo

(circulao, distribuio, consumo), incorporando uma cooperao ampliada de aes. Com

isso as grandes corporaes passam a dominar os processos produtivos, impondo uma

dinmica de concentrao e centralizao que se reflete no territrio.

Mas, como assevera Santos (2000), no devemos nos esquecer dos agentes

hegemonizados, que tem no territrio o seu abrigo e que lutam pela sobrevivncia em meio s

aes hegemnicas. Alm disso, compem o mercado de trabalho, elemento que juntamente

com os meios de produo promovem o processo produtivo.

Todavia, na dinmica das aes hegemnicas, criam-se nos territrios pontos

modernizados conectados em uma grande rede, como as redes agroindustriais (ELIAS, 2011)

organizadas em escala global e que operam por meio das tcnicas informacionais disponveis,

criando um arranjo em que os lugares so escolhidos de acordo com a disponibilidade das

condies de produo e circulao, j que o consumo d-se em ampla escala.

A agricultura tecnificada, que o cerne do agronegcio, baseada na cincia e na

informao e funciona em forma de sistema, pois deixa de representar uma ao isolada, uma

produo isolada, para tornar-se parte de um conjunto maior que implica diversas cadeias

produtivas a montante e a jusante do processo produtivo em si. Esse conjunto passa a exigir

daquele que se integra uma maior densidade de capital para investir na produo tornando o

processo excludente.

Mas o que o agronegcio? Como se estrutura? Quais as suas estratgias?

De acordo com Fernandes e Welch (2008, p. 48) atribui-se a Davis e Goldberg a

primeira conceituao do agronegcio, nesse caso do agribusiness, em 1957, quando esses

autores afirmavam ser o agronegcio:

[...] um complexo de sistemas que compreende a agricultura, indstria,

mercado e finanas. O movimento desse complexo e suas polticas formam

um modelo de desenvolvimento econmico controlado por corporaes

transnacionais, que trabalham com um ou mais commodities e atuam em

diversos outros setores da economia.

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A ideia do agronegcio como um sistema acompanhada por Callado e Callado

(2011, p. 1) ao argumentarem que a atual complexidade e diversificao do ambiente

econmico e social exige entender a insero do agronegcio no enquanto um conjunto de

atividades isoladas, mas como um amplo espectro de inter-relaes e interdependncias

produtivas, tecnolgicas e mercadolgicas..

As relaes mais amplas se do tanto a montante quanto a jusante do processo

produtivo, levando a um aumento da densidade das tcnicas empregadas, da necessidade de

inovaes, oriundas das cincias voltadas para o desenvolvimento de novos produtos e

dependentes da informao, que faz a intermediao do processo. A forma de produzir muda,

partimos para as especializaes produtivas de culturas especficas denominadas de

commodities.

Oliveira (2007, p. 147) argumenta que:

O monocultivo de exportao at ento chamado de agribusiness, ganhou

sua expresso na lngua portuguesa: o agronegcio. [...] tratava-se de

distinguir entre a atividade econmica milenar de produo dos alimentos

necessrios e fundamentais existncia da humanidade, e, a atividade

econmica da produo de commodities (mercadorias) para o mercado

mundial. Definia-se assim, na prtica da produo econmica, uma distino

importante entre a agricultura tipicamente capitalista e a agricultura

camponesa.

Ao adotar a monocultura como a base da agricultura moderna, passa-se de uma

agricultura orgnica para uma agricultura mecnica e qumica, o que implica em uma

dependncia direta da indstria e do financiamento bancrio, pois se constitui como

subsistema desses setores (PORTO-GONALVES, 2011).

Amplamente difundido no Brasil, o termo agronegcio faz parte dos discursos oficiais

e da mdia que o apontam como alternativa para o crescimento e a integrao com os

mercados mundiais. Nesse sentido, est em consonncia com os preceitos da globalizao,

pois estabelece uma conexo direta do local, onde se d a produo, com o global, constitudo

pelo mercado que se vincula com os agentes hegemnicos.

Alinha-se ao que Santos (2004, p. 88-89) denomina de agricultura de base cientfica e

globalizada, cujas caractersticas principais so a simetria direta com os mecanismos da

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produo econmica e suas leis gerais, cujas referncias so planetrias, e ser [...] exigente

de cincia, tcnica e informao, levando ao aumento exponencial das quantidades produzidas

em relao s superfcies plantadas. Por sua natureza global, conduz a uma demanda extrema

de comrcio.. Sendo que essa necessidade mercantil transforma o dinheiro em uma

informao fundamental.

Ao vincular-se ao capital de forma umbilical, a produo de commodities agrcolas

passa a sofrer a interferncia direta dos humores do mercado de capitais, pois a formao dos

preos definida por um conjunto de fatores, como a escala da prpria produo em si, mas

tambm pela presso dos mercados compradores, cujas relaes com a produo agrcola a

de um investimento de capitais.

Nesse sentido confirma-se a assertiva de Chesnais (1996, p. 308) quando declara que

A mundializao do capital contribuiu consideravelmente para restabelecer a rentabilidade

dos investimentos, exercendo forte presso para o rebaixamento, tanto dos salrios, como dos

preos de muitas matrias-primas..

A questo deixa de ser puramente de produo e de comrcio, e passa a ser

especulativa, pois o fim maior do processo a busca pela reproduo do capital. Como as

empresas do agronegcio, chamadas de tradings, operam no nvel mundial, a competitividade

passa a ser o objetivo maior, pois existe uma concorrncia extrema. Ao mesmo tempo, h uma

formao de oligoplios, que concentra as maiores empresas cuja origem encontra-se nos

pases da chamada trade (Estados Unidos, Europa e Japo) como aponta Chesnais (op. cit.).

Ao discutir o agronegcio brasileiro no possvel dissocia-lo de empresas como

Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, Noble, Basf, Monsanto,

Mosaic, Yara, New Holland, Massey Ferguson, Case entre outras que dominam setores

estratgicos como a produo de sementes, agrotxicos, adubos, maquinrio, processamento

e, tambm, o financiamento, pois as tradings operam junto aos produtores de forma a torn-

los obedientes s suas demandas, visto que os crditos concedidos por essas empresas

obrigam uma relao de dependncia, tornando cativos os produtores que no dispem de

capital prprio para produzir nos nveis exigidos pelo agronegcio.

O poder de ao das tradings tambm alcana o setor de transporte rodovirio de

cargas que sustenta a maior parte da circulao do agronegcio, pois como aponta Huertas

(2014, p. 48) so denominadas de frotistas as maiores empresas transportadoras, cujas

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caractersticas principais so: possuir mais de uma centena de caminhes e [...] cujo

crescimento foi estimulado pelas tradings ao longo de anos com o financiamento da frota..

Logo, o crescimento em escala dessas transportadoras est em consonncia com as demandas

ascendentes apresentadas, tendo em vista a matriz rodoviria ainda ser hegemnica no

movimento de cargas na regio.

Portanto, o conjunto representado pelo agronegcio e o adensamento das relaes que

sustentam esse conjunto, demandam condies especficas que passam a exigir dos territrios

certas caractersticas. Como h uma elevao da formao de fluxos, materiais e imateriais, a

crescente articulao com as escalas que vo do local ao global terminam por pressionar o

Estado, principal agente da reestruturao territorial, a lanar mo de aes voltadas dotao

do territrio de fixos diversos, bem como de uma regulao especfica. Constitui-se, assim,

um uso especfico do territrio, o uso corporativo.

Podemos associar essa dinmica ao estabelecimento do macro-circuito, apontado por

Castillo (2004) como o momento em que as grandes empresas acionam os pontos de

modernizao do territrio na escala nacional e mundial, na busca por competitividade no

mundo globalizado.

O acionamento pode se dar de duas formas, uma remota, por meio dos sistemas

informacionais que permitem o controle por parte das corporaes das atividades produtivas;

e o acionamento direto no territrio, por meio da produo, originao e processamento, no

caso das agroindstrias. Nesse ltimo caso, o sistema de engenharia de transportes chamado

a contribuir com a movimentao de mercadorias, visto que os principais mercados da

produo so externos.

Com isso temos a intensificao das demandas pela logstica de transportes e de

armazenamento, que podemos chamar de logstica da produo, que se torna cada vez mais

um elemento nodal tendo em vista a intensificao das relaes de produo, principalmente

dos circuitos espaciais de produo associados aos crculos de cooperao do capital.

Mas, a consolidao do agronegcio em meio ao processo de reestruturao efetivado

no territrio demandou a convergncia de interesses das elites nacionais, do Estado brasileiro

e das corporaes nacionais e internacionais. O processo se efetiva em meio ao perodo em

que uma crise importante deflagrada no interior do capitalismo, aps 1970, exatamente no

perodo em que diversas aes estavam sendo realizadas no interior do territrio nacional com

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vistas integrao e ocupao. Assim, um quadro nacional desenhado no curso do processo

de ajustes espaciais do capitalismo.

1.2 UM QUADRO NACIONAL DA REORGANIZAO DO SISTEMA

CAPITALISTA

importante frisar que os processos de ajustes espaciais no se do de forma

homognea e simultnea, ou seja, a transio ocorre de forma diferenciada, pois sua

assimilao e disseminao variam de acordo com a realidade social sobre a qual incide. No

entanto, se considerarmos o capitalismo enquanto motor movente (SANTOS, 1993) da

produo social e como sistema hegemnico, sua evoluo termina por afetar o mundo

inteiro.

Assim, a estruturao do regime de acumulao capitalista realizada mediante as

interaes que se do em escalas diversas, resultando na correspondncia com as

transformaes [...] das condies da reproduo do trabalho assalariado., conforme aponta

Lipietz (1988, p. 30). Para o autor, o regime de acumulao fruto da articulao entre o

interior e o exterior de uma formao econmica e social nacional, no bojo da interao entre

o capitalismo e outros modos de produo. Sua existncia material est vinculada a um modo

de regulao, constitudo pelos elementos necessrios (leis, normas, costumes, mecanismos de

regulao) para que haja uma unidade no processo.

A complexidade desse processo explica porque sua disseminao demora a ser

efetivada e consolidada, mesmo em reas em que o capitalismo j possui um estgio

avanado. Isso ocorre porque seu avano pelo mundo implicou em adaptaes geradoras de

nuances oriundas das sociedades locais onde se instalava.

Para Storper (1991) a crise do sistema capitalista, que se inicia em 1970, e acentuada

na dcada de 1980, demandou uma reestruturao e uma reorganizao espacial, que ainda

est em curso, para superar os limites apresentados por este sistema produtivo. Nesse

processo, argumenta o autor, ao alcanar a maturidade tecnolgica, o setor produtivo passa a

criar filiais nas reas perifricas dos prprios pases centrais e depois nos pases perifricos.

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Observa-se que na busca por uma manuteno da reproduo do capital, o setor

produtivo alarga sua atuao geogrfica para alm dos pases mais ricos e industrializados em

um movimento de desconcentrao espacial das atividades produtivas, mas mantendo a

centralidade no comando das aes produtivas, principalmente no que concerne a concepo e

nas estratgias das empresas.

Neste caso, as transformaes que ocorrem no interior do modo de produo

capitalista, com vistas superao da crise estabelecida, levam ao estabelecimento de um

perodo de transio, em que temos a ascenso de novos parmetros internos exigidos ao

regime de acumulao capitalista.

Assim, para entendermos os rebatimentos ocorridos no Brasil necessrio analisar as

aes e os desdobramentos territoriais, vinculados aos processos mais gerais e sintonizados

com os movimentos de reorganizao do capitalismo. Observando a singularidade de alguns

aspectos, fruto da frico com a realidade nacional.

Nesse sentido, importante destacar que a crise mundial estabelecida nos anos de

1970, tem repercusso no Brasil e gera a necessidade de alteraes na consecuo de projetos,

tendo em vista a crise fiscal do Estado e sua incapacidade de gerir e fomentar as propostas

implantadas ou em fase de implantao.

Essa crise aprofunda-se na dcada de 1980, e seus desdobramentos apresentam-se em

todas as esferas do pas e, segundo Becker e Egler (1993, p. 227):

Os efeitos da crise dos anos 80 atingem diretamente o aparelho do Estado

centralizador que lev