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Universidade de Braslia
Instituto de Cincias Humanas
Departamento de Geografia
Programa de Ps-Graduao em Geografia
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
O USO CORPORATIVO DO TERRITRIO PELO AGRONEGCIO E A QUESTO
DA LOGSTICA DE TRANSPORTES EM MATO GROSSO
Ronei Coelho de Lima
Tese de Doutorado
Braslia-DF: Outubro/2015
Universidade de Braslia
Instituto de Cincias Humanas
Departamento de Geografia
Programa de Ps-Graduao em Geografia
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
O USO CORPORATIVO DO TERRITRIO PELO AGRONEGCIO E A QUESTO
DA LOGSTICA DE TRANSPORTES EM MATO GROSSO
Ronei Coelho de Lima
Orientadora: Prof. Dr. Nelba Azevedo Penna
Tese de Doutorado
Braslia-DF: Outubro/2015
Universidade de Braslia
Instituto de Cincias Humanas
Departamento de Geografia
Programa de Ps-Graduao em Geografia
O USO CORPORATIVO DO TERRITRIO PELO AGRONEGCIO E A QUESTO
DA LOGSTICA DE TRANSPORTES EM MATO GROSSO
Ronei Coelho de Lima
Tese de Doutorado submetida ao Departamento de Geografia da Universidade de Braslia,
como parte dos requisitos necessrios para a obteno do Grau de Doutor em Geografia, rea
de concentrao Gesto Ambiental e Territorial.
Aprovado por:
Prof. Dr. Nelba Azevedo Penna, (UnB)
Orientador
Prof. Dr. Fernando Luiz Arajo Sobrinho, (UnB)
Examinador Interno
Prof. Dr. Juscelino Eudmidas Bezerra, (UnB)
Examinador Interno
Prof. Dr. Jorge Luiz Gomes Monteiro, (UFMT)
Examinador Externo
Prof. Dr. Marcelo Cervo Chelotti (UFU)
Examinador Externo
Prof. Dr. Gloria Maria Vargas Lopes de Mesa, (UnB)
Suplente
Braslia-DF: 15 de Outubro de 2015
Dedico essa tese:
minha amada esposa, Ana Lcia, companheira em todos os momentos...
Aos meus pais, Adelmar e Maria, pela vida, pelo amor e pelos estudos a mim
proporcionados...
Aos meus irmos, Beto e Delma, pela fora e carinho...
AGRADECIMENTOS
Muitos foram os envolvidos na realizao dessa etapa da minha vida, agradeo a todos que de
alguma forma contriburam para que o Doutorado em Geografia se tornasse uma realidade.
Agradeo, principalmente:
A Deus pela fora nos momentos difceis;
A minha orientadora, Prof. Dr. Nelba Azevedo Penna, por acreditar na minha capacidade e
me aceitar como orientando, pelas aulas, crticas, sugestes, enfim, pela orientao precisa,
sem a qual essa tese no se realizaria;
A UFMT por me conceder a licena para capacitao, em especial aos servidores da PROPG
que sempre foram atenciosos comigo;
Aos professores e amigos da UFMT, Jorge, Antnia Marlia e Mirian que estiveram mais
prximos e me fortaleceram para a realizao da tese;
Aos colegas do Departamento de Geografia do Campus de Rondonpolis por cobrirem meus
encargos e por apoiarem minha sada para capacitao;
Aos professores Fernando Luiz, Lcia Cony, Marlia Peluso, Jlio Suzuki e Gloria Maria que
ministraram as disciplinas do programa, cujos ensinamentos muito contriburam para a
realizao da tese;
Ao amigo Roberto Pizarro, pelo companheirismo e pelas discusses intelectuais nos anos
vividos em Braslia;
Aos colegas do doutorado, com destaque para: Rafael, Gessilda, Michel, Mrcio, Demerson,
Lara, Marizngela e Violeta, pelos debates nas aulas que muito contriburam para a minha
caminhada intelectual e para o Francisco, do IBGE, pelos recursos cartogrficos
disponibilizados;
Ao amigo Jos Beda, companheiro na pesquisa de campo em Mato Grosso;
Aos servidores da UnB, Jorge, Jorginho, Simoni e Agnelo, que sempre colaboraram comigo
na realizao dos trmites burocrticos;
Aos funcionrios da ATC e ALL que forneceram informaes importantes para a pesquisa;
Aos annimos que de uma forma ou de outra contriburam na construo da tese.
RESUMO
A reestruturao territorial decorrente dos ajustes espaciais do capitalismo favoreceu a
consolidao do agronegcio em Mato Grosso, criando um quadro de uso corporativo do
territrio. A modernizao do setor agropecurio implicou na ampliao da produo e na
necessidade de uma maior fluidez corporativa, exigindo investimentos no setor de transportes.
Porm, como o Estado teve pouca capacidade de dotar o territrio da logstica de transportes
adequada aos interesses corporativos, criou-se um quadro que prejudica a competitividade do
agronegcio mato-grossense, levando-o a buscar novas alternativas para superar os obstculos
existentes. Nesse contexto, objetivamos compreender os processos advindos dos ajustes
espaciais do capitalismo sobre o territrio para o seu uso corporativo pelo agronegcio, cuja
dinmica produz uma diferenciao territorial quanto s infraestruturas instaladas, gerando
um quadro de desenvolvimento pontual em lugares escolhidos pelos agentes hegemnicos.
Palavras-Chave: Territrio, reestruturao, agronegcio, logstica de transportes
ABSTRACT
The territorial restructuring resulting from capitalist spatial adjustments favored the
agribusiness consolidation in Mato Grosso, creating a corporate use of the territory. The
modernization of the agricultural sector resulted in the expansion of production and the need
for greater corporate fluidity, requiring investments in the transportation sector. However, as
the state had limited capacity to provide the territory with the appropriate transport logistics to
corporate interests, a framework that undermines the competitiveness of Mato Grosso
agribusiness was created, leading it to seek new alternatives to overcome the hurdles. In this
context, we aim to understand the processes arising from spatial adjustments of capitalism
over the territory for its corporate use by the agribusiness sector, whose dynamics produces a
territorial differentiation regarding the infrastructure installed, generating a timely
development framework in places chosen by hegemonic agents.
Keywords: Territory, restructuring, agribusiness, transportation logistics
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 reas de abrangncia de programas federais selecionados....................................76
Figura 2 Vetores logsticos da organizao espacial brasileira.............................................95
Figura 3 Circuito espacial da produo de carne bovina em Mato Grosso..........................119
Figura 4 Instalaes do Porto Seco em Cuiab-MT............................................................130
Figura 5 Instalaes da Redex (Brado Logstica) em Rondonpolis...................................131
Figura 6 Rodovia BR-163/BR-364 no municpio de Diamantino-MT................................135
Figura 7 Protesto de sitiantes em Rondonpolis contra a cobrana na
praa de pedgio de Rondonpolis-MT................................................................143
Figura 8 Fluxos materiais e imateriais entre as tradings e a ALLMN................................172
Figura 9 Escopo da logstica empresarial............................................................................174
Figura 10 Localizao de reas industriais em Rondonpolis em 2014..............................186
Figura 11 Instalaes no terminal da ALLMN em Rondonpolis
em junho de 2015.................................................................................................188
Figura 12 Sistema de funcionamento da agroindstria nos eixos........................................195
Figura 13 Terminais de gros de Cceres............................................................................213
Figura 14 Cartograma da evoluo da produo de soja em
Mato Grosso de 2004 a 2014..............................................................................228
Figura 15 Vista area de cidades voltadas ao agronegcio..................................................243
Figura 16 Cartograma da evoluo do IDHM dos municpios de Mato Grosso..................253
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Mato Grosso: Evoluo da Exportao de Produtos
Selecionados de 2009 a 2014...............................................................................122
Grfico 2 Evoluo das exportaes de municpios selecionados
de Mato Grosso de 1997 a 2014...........................................................................123
Grfico 3 Saldo comercial de Mato Grosso no perodo de 1998-2014................................126
Grfico 4 Evoluo do PIB de Alto Taquari de 1999 a 2012..............................................175
Grfico 5 Evoluo do PIB de Alto Araguaia de 1999 a 2012............................................176
Grfico 6 Evoluo dos principais segmentos do PRODEIC de 2007 a 2013....................182
Grfico 7 Evoluo do PIB industrial do Eixo da rea Concentrada
da Indstria de 1999 a 2012.................................................................................185
Grfico 8 Evoluo do PIB industrial do Eixo da BR-163
Mdio-Norte de 1999 a 2012...............................................................................191
Grfico 9 Evoluo do PIB industrial dos Eixos da BR-070 Leste,
da BR-364 Oeste e BR-364/ALLMN de 1999 a 2012.........................................192
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Rodovias de penetrao e de apoio que atravessam a regio
Centro-Oeste.............................................................................................................69
Mapa 2 Hidrovias prioritrias para a regio Centro-Oeste....................................................99
Mapa 3 Mato Grosso: rebanho bovino em 2013 e frigorficos em 2014.............................117
Mapa 4 Capacidade de Armazenagem Esttica de Mato Grosso em 2014..........................139
Mapa 5 Estrutura do modal rodovirio em Mato Grosso em 2015......................................141
Mapa 6 MT-322/BR-080.....................................................................................................147
Mapa 7 BR-242 e Ferrovia de Integrao do Centro-Oeste (FICO):
novas rotas da produo..........................................................................................148
Mapa 8 Trecho da BR-163 concedido iniciativa privada..................................................150
Mapa 9 Concentrao espacial da produo industrial de 2012 em municpios
selecionados de Mato Grosso e a produo de soja no estado em 2014.................196
Mapa 10 Gargalos do setor rodovirio em Mato Grosso em 2011......................................203
Mapa 11 Ferrovia ALLMN/ALLMP e o gargalo ferrovirio..............................................206
Mapa 12 Hidrovia do Paraguai em Mato Grosso e as rotas projetadas
pelo agronegcio...................................................................................................214
Mapa 13 Novas dinmicas territoriais do agronegcio em Mato Grosso...........................217
Mapa 14 A logstica de transportes do agronegcio mato-grossense.................................219
Mapa 15 Evoluo do processo de municipalizao de Mato Grosso.................................227
Mapa 16 Taxa de domiclios alugados em Mato Grosso em 2010......................................246
Mapa 17 Os vinte maiores produtores de soja de Mato Grosso em 2014............................251
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Sistemas do transporte rodovirio do Centro-Oeste em 1970................................68
Quadro 2 PLADESCO compatibilizado com as metas nacionais..........................................71
Quadro 3 Projetos do modal rodovirio para a regio Centro-Oeste.....................................97
Quadro 4 Projetos do modal hidrovirio para a regio Centro-Oeste....................................98
Quadro 5 Projetos do modal ferrovirio para a regio Centro-Oeste....................................98
Quadro 6 Frigorficos de carne bovina em Mato Grosso com registro
no SIF em 2014....................................................................................................116
Quadro 7 Capacidade Instalada de Processamento de Oleaginosas
em Mato Grosso em 2013....................................................................................124
Quadro 8 Concesses do Sistema Ferrovirio Nacional em 2013.......................................160
Quadro 9 Aditivos do contrato de concesso da Ferrovia ALLMN....................................167
Quadro 10 Caractersticas dos terminais da ALLMN em Mato Grosso..............................170
Quadro 11 Usinas Hidreltricas selecionadas nas bacias dos rios Teles
Pires e Tapajs...................................................................................................210
Quadro 12 Intervenes e custos da hidrovia do rio Paraguai em Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul............................................................................212
Quadro 13 Dados gerais dos 20 maiores produtores de soja de Mato
Grosso em 2014.................................................................................................233
Quadro 14 IDHM de municpios selecionados de Mato Grosso.........................................254
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 rea dos estabelecimentos agropecurios recenseados
na regio Centro-Oeste de 1970 a 2006..................................................................67
Tabela 2 Produo e vendas dos maiores produtos e servios industriais
com participao de Mato Grosso em 2011..........................................................111
Tabela 3 Exportaes do estado de Mato Grosso de 1998 a 2014.......................................121
Tabela 4 Importaes do estado de Mato Grosso de 1998 a 2014.......................................126
Tabela 5 Capacidade esttica de armazenagem de municpios
selecionados de Mato Grosso em 2014.................................................................137
Tabela 6 Renncia fiscal no Estado de Mato Grosso de 2007 a 2013.................................181
Tabela 7 Condio do domiclio de municpios selecionados de
Mato Grosso em 2010...........................................................................................247
Tabela 8 Evoluo da populao de municpios selecionados de
Mato Grosso de 1991 a 2010.................................................................................249
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABIOVE - Associao Brasileira das Indstrias de leos Vegetais
ANTT - Agncia Nacional de Transportes Terrestres
ALL - Amrica Latina Logstica
ALLMN - Amrica Latina Logstica Malha Norte
ALLMO - Amrica Latina logstica Malha Oeste S.A.
ALLMP - Amrica Latina Logstica Malha Paulista S.A.
ALLMS - Amrica Latina Logstica Malha Sul S.A.
ADM - Archer Daniels Midland
ABIEC - Associao Brasileira das Indstrias Exportadoras de Carne
ANTF - Associao Nacional dos Transportadores Ferrovirios
ANUT - Associao Nacional dos Usurios do Transporte de Carga
AEP - Aumento da Eficincia Produtiva em reas Consolidadas
ATC - Associao dos Transportadores de Cargas
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
BR - Rodovia federal
CPAC - Centro de Pesquisa Agropecuria do Cerrado
CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento
CNA - Confederao Nacional da Agropecuria
CNI - Confederao Nacional da Indstria
CLT - Consolidao das Leis Trabalhistas
DNIT - Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte
EADI - Estaes Aduaneiras do Interior
ENID - Eixos Nacionais de Integrao e Desenvolvimento
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
EFC - Estrada de Ferro Carajs
EFVM - Estrada de Ferro Vitria a Minas
ETC - Estao de Transbordo de Cargas
EUA - Estados Unidos da Amrica
FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations
FAMATO - Federao da Agricultura e Pecuria do Estado de Mato Grosso
FEMA - Fundao Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso
FERROPASA - Ferronorte Participaes S.A.
FERROESTE - Estrada de Ferro Paran - Oeste S.A.
FCA - Ferrovia Centro-Atlntica S.A.
FICO - Ferrovia de Integrao Centro-Oeste
FNSTN - Ferrovia Norte Sul Tramo Norte
FEPASA - Ferrovia Paulista S.A.
FTC - Ferrovia Tereza Cristina S.A.
FERROBAN - Ferrovias Bandeirantes S.A.
http://www.fao.org/
FERRONORTE - Ferrovias Norte Brasil S.A.
FUNAI - Fundao Nacional do ndio
FCO - Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste
FINAM - Fundo de Investimento da Amaznia
GEIPOT - Grupo Executivo de Integrao da Poltica de Transportes
HPP - Hidrovia do Paraguai-Paran
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMS - Imposto sobre Operaes relativas Circulao de Mercadorias e sobre Prestaes de
Servios de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicao
IDHM - ndice de Desenvolvimento Humano Municipal
IPM - ndice de Participao dos Municpios
IDF - Induo ao Desenvolvimento de reas de Expanso de Fronteira Agrcola e Mineral
IMEA - Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuria
INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IRS - Integrao Regional Sul-Americana
JK - Juscelino Kubitschek
LDC - Louis Dreyfus Commodities
MDIC - Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior
MAPA - Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento
NPK - Nitrognio, Fsforo e Potssio
PPP - Parceria Pblico-Privada
PLADESCO - Plano de Desenvolvimento Econmico-Social do Centro-Oeste
PIN - Plano de Integrao Nacional
PHE - Plano Hidrovirio Estratgico
PNLT - Plano Nacional de Logstica de Transportes
PPA - Plano Plurianual
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
POF - Pesquisa de Oramentos Familiares
PIB - Produto Interno Bruto
PAC - Programa de Acelerao do Crescimento
PADAP - Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaba
PRODECER - Programa de Cooperao Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos
Cerrados
PCI - Programa de Crdito Integrado
PRODEGRAN - Programa de Desenvolvimento da Regio da Grande Dourados
PRODOESTE - Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste
PRODEPAN - Programa de Desenvolvimento do Pantanal
POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados
PRODEIC - Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso
PIL - Programa de Investimentos em Logstica
POLAMAZNIA - Programa de Polos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia
PROTERRA - Programa de Redistribuio de Terras e de Estmulo Agroindstria do Norte
e do Nordeste
PPI - Projeto-Piloto de Investimentos
REDEX - Recinto Especial para Despacho Aduaneiro de Exportao
RFFSA - Rede Ferroviria Federal S.A.
RDR - Reduo de Desigualdades Regionais em reas Deprimidas
Secex - Secretaria de Comrcio Exterior
SEPLAN-MT - Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenao Geral
SESCOOP-MT - Servio Nacional de Aprendizagem em Cooperativismo no Estado de Mato
Grosso
SENAR-MT - Servio Nacional de Aprendizagem Rural no Estado de Mato Grosso
SIF - Sistema de Inspeo Federal
SIG - Sistema de Informaes Geogrficas
SUDAM - Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia
SUDECO - Superintendncia de Desenvolvimento do Centro-Oeste
TIRE - Taxa Interna de Retorno Econmico
TKU -Toneladas por quilmetro til
TLSA - Transnordestina Logstica S.A.
TCE - Tribunal de Contas do Estado
TGG - Terminal de Granis do Guaruj
TEG - Terminal Exportador do Guaruj
TU - Taxa de Urbanizao
UHE - Usina Hidreltrica
UHT - Ultra High Temperature
SUMRIO
INTRODUO ......................................................................................................................19
1 A REORGANIZAO DO SISTEMA CAPITALISTA E SEUS
IMPACTOS ESPACIAIS.......................................................................................................26
1.1 A REESTRUTURAO E O USO CORPORATIVO DO TERRITRIO......................36
1.2 UM QUADRO NACIONAL DA REORGANIZAO DO
SISTEMA CAPITALISTA.......................................................................................................43
2 O ESTADO BRASILEIRO E A REESTRUTURAO DO TERRITRIO...............50
2.1 A DINMICA DOS PROCESSOS DE INTEGRAO E OCUPAO.......................52
2.2 AS POLTICAS TERRITORIAIS COM IMPACTOS NO CENTRO-OESTE
BRASILEIRO..........................................................................................................................56
2.2.1 A CONSTRUO DE BRASLIA................................................................................56
2.2.2 OS PLANOS NACIONAIS DE DESENVOLVIMENTO E OS IMPACTOS
TERRITORIAIS.......................................................................................................................60
2.2.3 OS PROGRAMAS ESPECIAIS COM REPERCUSSES DIRETAS
NO CENTRO-OESTE..............................................................................................................70
2.2.4 OS EIXOS NACIONAIS DE INTEGRAO E DESENVOLVIMENTO
(ENID)......................................................................................................................................83
2.2.5 O PAC E O PLANO NACIONAL DE LOGSTICA DE TRANSPORTES
(PNLT)......................................................................................................................................89
3 LOGSTICA E INDSTRIA: O USO CORPORATIVO DO
TERRITRIO EM MATO GROSSO................................................................................103
3.1 OS CIRCUITOS ESPACIAIS DA PRODUO E OS CRCULOS DE
COOPERAO.....................................................................................................................104
3.2 A LOGSTICA DE TRANSPORTES INSTALADA: O MODAL
RODOVIRIO.......................................................................................................................132
3.2.1 PROJETOS PRIORITRIOS DO MODAL RODOVIRIO E
AS CONCESSES EM MATO GROSSO............................................................................145
3.3 O NOVO ELEMENTO DA LOGSTICA DE TRANSPORTE EM
MATO GROSSO: A FERROVIA.........................................................................................156
3.3.1 A FERROVIA AMRICA LATINA LOGSTICA MALHA
NORTE (ALLMN).................................................................................................................165
3.4 A RELAO DA LOGSTICA COM A AGROINDSTRIA EM MATO
GROSSO E A LGICA DA CONCENTRAO AGROINDUSTRIAL............................177
3.4.1 A QUESTO FISCAL COMO ESTRATGIA DE ATRAO................................179
3.4.2 A INFRESTRUTURA DE TRANSPORTES COMO ESTRATGIA
DE ATRAO.......................................................................................................................183
3.5 A LOGSTICA DE TRANSPORTES INCOMPLETA: OS
GARGALOS LOGSTICOS..................................................................................................197
3.5.1 MODAL RODOVIRIO..............................................................................................200
3.5.2 MODAL FERROVIRIO.............................................................................................204
3.5.3 MODAL HIDROVIRIO.............................................................................................207
4 A BASE URBANA DA PRODUO DO AGRONEGCIO
MATO-GROSSENSE...........................................................................................................222
4.1 A RELAO ENTRE O URBANO E A PRODUO DO
AGRONEGCIO...................................................................................................................224
4.2 LUGARES ESCOLHIDOS: CIDADES REFUNCIONALIZADAS E
CIDADES CRIADAS...........................................................................................................236
4.3 IMPACTOS NO URBANO MATO-GROSSENSE........................................................242
CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................257
REFERNCIAS.....................................................................................................................263
APNDICE............................................................................................................................278
19
INTRODUO
Como o capitalismo na busca por uma reproduo ampliada procura novos lugares
para realiz-la e nesse processo provoca ajustes espaciais em diversas escalas, o estado de
Mato Grosso passa a ser integrado de forma mais incisiva a partir do conjunto de eventos que
culminam aps 1970, com uma reestruturao do seu territrio.
Essa reestruturao efetivada pelo Estado busca dois objetivos principais, uma
ocupao territorial em consonncia com uma integrao dos mercados. Os dois objetivos
foram alcanados, pois o estabelecimento de um novo modelo produtivo, associado a uma
infraestrutura mnima com a qual o territrio foi equipado, resultou na integrao da produo
s escalas nacional e internacional, com nfase para essa ltima.
Tambm dinamizou a ocupao do territrio sob os imperativos capitalistas, gerando
conflitos com as populaes pr-existentes que se organizavam de maneira diferente
(indgenas, posseiros, meeiros), cuja lgica no era compatvel com a nova racionalidade
baseada na modernizao. O arcaico deveria ser superado pelo novo, pelo moderno, pelo
racional, em um processo de transio que se dava de acordo com a movimentao da
fronteira agrcola, agora tecnificada.
Quanto infraestrutura disponibilizada ao processo de modernizao, necessria para
dotar o territrio das condies favorveis aos interesses corporativos e sociais, observa-se
uma interrupo brusca dos investimentos estatais em virtude da crise fiscal que passou a
impor limites na continuidade dos projetos estruturais.
E essa a gnese da incompletude do processo de reestruturao territorial, cujos
rebatimentos sero ampliados posteriormente com o aumento da demanda pelos equipamentos
infraestruturais, favorecendo o surgimento dos gargalos que dificultam a fluidez corporativa.
Assim, temos como objetivo geral compreender os processos advindos dos ajustes
espaciais do capitalismo sobre o territrio para o seu uso corporativo pelo agronegcio, por
entender que a realidade do estado de Mato Grosso est diretamente relacionada com esses
ajustes espaciais.
O trabalho se apoia na seguinte hiptese:
20
A reestruturao do territrio para o seu uso corporativo, efetivada pelo Estado, pode
estar relacionada aos ajustes espaciais consoantes com a nova racionalidade globalizada. Por
ser desigual, em virtude dos limites impostos ao Estado e em decorrncia da dinmica interna
do capitalismo, essa reestruturao resultou na diferenciao interna do territrio e na gnese
dos gargalos logsticos que impedem uma maior fluidez ao setor produtivo em Mato Grosso.
A compreenso do fenmeno, devido a sua complexidade e movimento, se deu com
base em trs objetivos especficos que guiaram a anlise, so eles:
- Identificar o alcance das polticas pblicas voltadas reestruturao do territrio mato-
grossense para o seu uso corporativo.
- Caracterizar os impactos gerados em Mato Grosso pela implantao da agricultura
tecnificada, indicando as reas que foram reestruturadas espacialmente para responder s
necessidades do agronegcio.
- Analisar a dinmica da logstica de transportes a partir da integrao dos modais rodovirio
e ferrovirio indicando as reas mais representativas deste processo.
Tendo estabelecido a hiptese e definidos os objetivos, se fez necessrio
operacionalizar a pesquisa, trazer tona os procedimentos adotados no projeto de
investigao. Como mtodo, foi feito um esforo de anlise e sntese, de acordo com as
premissas de Lefebvre (1991), dos fenmenos relacionados com o objeto da pesquisa.
Optamos por adotar o territrio mato-grossense em seu movimento dialtico como
recorte espacial da pesquisa, com destaque para os municpios de Rondonpolis, Sinop,
Sorriso, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Primavera do Leste e Alto Araguaia. Outros
municpios tambm foram acessados para fortalecer os elementos da anlise.
O recorte temporal representado pelos eventos ocorridos principalmente a partir do
final da dcada de 1970, por ser este o momento em que conjunturas e intencionalidades mais
amplas passam a convergir com vistas operacionalizao de novas estratgias do
capitalismo e so fundamentais para a consecuo do processo de reestruturao territorial.
21
Os instrumentos e tcnicas utilizadas para a operacionalizao da pesquisa foram:
- Levantamento bibliogrfico, cujos aportes tericos e metodolgicos guiaram a pesquisa na
busca pela apreenso da realidade baseada na relao entre a reestruturao territorial e as
repercusses logsticas. Partindo da anlise como princpio metodolgico, foi feita a
decomposio do todo em partes interdependentes, com nfase para as seguintes questes
relacionadas ao objeto de pesquisa:
1 Integrao de Mato Grosso com os mercados nacional e internacional;
2 Polticas pblicas que reestruturaram o territrio;
3 Articulao entre a logstica associada produo e a dinmica de industrializao;
4 Repercusses urbanas oriunda desta dinmica, principalmente relacionada
refuncionalizao e criao de cidades.
- Pesquisa de campo exploratria, efetivada em algumas reas mais representativas para a
pesquisa (redes de circulao: rodoviria e ferroviria; redes de armazenamento e instalaes
agroindustriais) localizadas no Sul e no Mdio-Norte de Mato Grosso.
- Trabalho de campo, realizado ao longo dos principais eixos de escoamento, principalmente
as rodovias federais BR-163 e BR-364, e tambm na BR-070 e nas rodovias estaduais
concedidas. Foi feito o registro fotogrfico e o levantamento dos trechos rodovirios nodais
para o agronegcio com o uso de aparelho de GPS Garmin e-Trex 10, cujos dados foram
transcritos para planilhas de campo, contendo coordenadas geogrficas, altitude e descrio
das condies da via e posteriormente lanadas em planilhas do Excel. O mesmo
procedimento foi efetuado em relao ferrovia Amrica Latina Logstica Malha Norte
(ALLMN), com nfase no conjunto de infraestruturas vinculadas ao transporte (terminais) e
ao armazenamento que integram o sistema logstico mato-grossense. A produo cartogrfica
do sistema logstico, industrial e de armazenagem se baseou nesses dados e foram somados s
bases cartogrficas (a seguir descritas).
- Armazenamento e sistematizao das informaes (coletadas nas duas fases das atividades
de campo a exploratria e a definitiva), com anlise qualitativa da documentao existente
(para a elaborao de tabelas, figuras, grficos, cartogramas, mapas). A utilizao de Sistemas
de Informaes Geogrficas (SIGs) foi efetuada com o uso dos programas Envi, GPS
TrackMaker e Google Earth que serviram de ferramentas para o tratamento de informaes
22
referentes a imagens de satlites, bases cartogrficas do IBGE e do DNIT, base de dados
geomorfomtricos do Brasil do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e, para a
produo cartogrfica referente produo agrcola, localizao de rodovias, ferrovias,
armazns e delimitao de cidades, permetros urbanos e reas industriais. Por fim partimos
para a anlise do conjunto de informaes apuradas.
Foram adotados os seguintes passos metodolgicos: ajuste do levantamento
bibliogrfico terico, metodolgico e histrico, com seleo e anlise da bibliografia;
realizao do trabalho de campo (exploratrio e definitivo) com observaes de reas
selecionadas; produo e tratamento de dados primrios a partir das atividades exploratrias e
levantamento e crtica dos dados secundrios obtidos em rgos pblicos e entidades
representativas dos setores investigados; ajuste do projeto a partir dos dados preliminares
produzidos, tendo em vista o amadurecimento terico e prtico da proposta de pesquisa;
aplicao de entrevistas qualitativas semiestruturadas (junto ao gerente da ALLMN e ao
diretor da Associao dos Transportadores de Cargas ATC); redao dos captulos
resultantes da anlise do objeto. Os passos seguiram o cronograma estabelecido perfazendo
um perodo que vai de abril de 2013 at outubro de 2015.
A pesquisa resultou na construo de quatro captulos que no seu conjunto procuram
explicar a questo do uso corporativo do territrio pelo agronegcio e a questo da logstica
de transportes em Mato Grosso.
No captulo 1, temos a fundamentao terica que discute a reorganizao do sistema
capitalista e seus impactos espaciais. Partimos da premissa de que a reestruturao do
territrio (SOJA, 1993) deriva de um movimento maior (SANTOS, 1993), que pode ser
considerado como movimento de fundo, representado pelos ajustes espaciais do capitalismo
(HARVEY, 2006). Resulta desse movimento o desenvolvimento desigual (SMITH, 1988) dos
territrios e de reas de um mesmo territrio. A relao entre o Estado e o Capital nesse
processo debatida em meio ao atual perodo de globalizao (HARVEY, 1996 e 2004;
MANDEL, 1982; SANTOS, 2004; SMITH, 1988; BECKER, 2007; IANNI, 1998).
O uso corporativo do territrio pelo agronegcio implicou na discusso do conceito de
territrio usado (SANTOS, 2000; SANTOS e SILVEIRA, 2004; SILVEIRA, 2011b) e nas
definies acerca do agronegcio (FERNANDES e WELCH, 2008; OLIVEIRA, 2007;
CALLADO e CALLADO, 2011). Finalizamos o captulo com o cenrio nacional em meio ao
processo de reorganizao do sistema capitalista.
23
Um maior detalhamento das aes do Estado sobre o territrio abordado no captulo
2, com o tema: O Estado brasileiro e a reestruturao do territrio. Inicialmente discutimos a
dinmica dos processos de integrao e ocupao territorial (BECKER e EGLER, 1993), pois
eram essas as bases ideolgicas do Estado para justificar as aes impetradas, muitas de
carter pouco justificvel (MARTINS, 2003).
Em seguida, a escala reduzida novamente, pois para tratarmos do nosso objeto
tivemos que dar mais nfase regio Centro-Oeste, porque as politicas no se restringiam s
unidades da federao, j que possuam um carter regional bastante expressivo.
Esse carter vai ser refletido nos eventos analisados, cujos destaques so: a construo
de Braslia; os Planos Nacionais de Desenvolvimento (I e II PNDs); os programas mais
representativos para o Centro-Oeste; a implantao dos Eixos Nacionais de Integrao e
Desenvolvimento (ENIDs); e finalmente a nova realidade das polticas territoriais,
representada pelo Plano Nacional de Logstica de Transportes (PNLT) e o Plano de
Acelerao do Crescimento (PAC).
Com o captulo 3, apresentado com o ttulo de: Logstica e indstria: o uso corporativo
do territrio em Mato Grosso, aprofundamos a anlise e nos posicionamos mais prximos do
objeto da pesquisa. Esse o captulo que discute a concretude de resultados importantes do
processo de reestruturao do territrio, pois a instalao de fixos diversos relacionados ao
setor produtivo e reproduo social (indstrias, armazns, novas cidades) est diretamente
relacionada com a existncia das infraestruturas (transportes, energia e comunicaes)
disponibilizadas pelo Estado, assim como com a expanso e consolidao da agricultura
tecnificada, tornada possvel com a interveno estatal.
Nesse contexto, discutiremos a criao dos circuitos espaciais de produo e dos
crculos de cooperao (SANTOS e SILVEIRA, 2004) resultante das novas dinmicas
produtivas, bem como analisaremos a logstica de transportes j consolidada, nesse caso
representada pelo modal rodovirio que o sistema de engenharia de transportes hegemnico
no Brasil e em Mato Grosso, cujas transformaes de base tcnica e operacional se efetivam
por meio das concesses ao setor privado. O elemento novo que complexifica o fenmeno da
logstica de transportes voltada ao agronegcio constitudo pela implantao da ferrovia
ALLMN no extremo Sul do estado, a partir do ano 2000, e que chega finalmente em
Rondonpolis em 2013, potencializando esse municpio como ponto nodal do agronegcio
nacional.
24
Aps debatermos a condio da logstica de transportes existente, buscou-se relacion-
la com a territorializao das agroindstrias no estado, representada por empresas como a
Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, Noble, Mosaic e Yara entre
outras, que so importantes agentes hegemnicos do capital, pois a espacializao dessas
determinada por algumas condies especiais, como a articulao com os principais eixos de
circulao (rodovias e ferrovias), a proximidade com a produo, e a obteno de vantagens
financeiras por meio da iseno de impostos em consonncia com programas estaduais de
incentivo industrializao atravs da renncia fiscal. Dados estatsticos e o mapeamento das
reas de concentrao industrial, afirmam esse pressuposto.
Na sequncia tratada a questo dos gargalos logsticos, apresentando-os como
impeditivos da fluidez corporativa pretendida pelos agentes hegemnicos. A anlise desse
fenmeno primordial, pois o mesmo reflete a incompletude da reestruturao territorial de
base corporativa que entendemos ter havido em Mato Grosso, cuja busca por soluo depende
de um esforo que se divide em duas frentes. Uma representada pelos novos investimentos
nos sistemas de engenharia de transportes que se constitui como parcela tcnica e, a outra, na
regulamentao de concesses e de novas normatizaes para o setor de transportes, como no
caso dos portos e das ferrovias, que a parcela poltica.
No captulo 4, partimos para uma discusso acerca das cidades e o seu papel no
processo produtivo, cuja densidade tcnica passa a exigir um tipo especfico de cidade
(SANTOS, 2008b). Com o ttulo de: A base urbana da produo do agronegcio mato-
grossense, discutimos a questo da produo do espao com nfase nas relaes cidade-
campo e a criao e refuncionalizao de cidades, destacando a base urbana (DINIZ, 2013) da
produo agrcola como sntese do processo.
Como o fenmeno da produo seletivo em relao aos lugares, trabalhamos os
lugares escolhidos que se divide em dois conjuntos, o primeiro mais restrito em nmeros
absolutos e representado pelas cidades refuncionalizadas caso de Rondonpolis com a
produo (agropecuria e industrial) e com maior densidade quanto logstica de transporte; e
de Alto Araguaia com os desdobramentos do terminal da Amrica Latina Logstica (ALL),
esses desdobramentos nos levou tambm a incluir informaes sobre Alto Taquari e Itiquira.
O segundo conjunto de lugares mais amplo, e foi denominado como cidades criadas, mas
aqui tambm h uma seleo. Pois 107 novos municpios foram criados aps 1970, mas os
escolhidos, ou criados com estreita relao com o agronegcio e cumprindo funo relevante
25
de suporte so poucos. Destacamos os mais representativos no texto, caso de Sinop, Sorriso,
Lucas do Rio Verde e Primavera do Leste.
A discusso dos impactos no urbano mato-grossense se baseia em dados acerca de
algumas condies de reproduo social que ocorre nas cidades, com destaque para aquelas
mais representativas. A questo do maior controle do solo urbano, principalmente nas cidades
onde o agronegcio mais estruturado, preliminarmente discutida.
Esse controle reflete diretamente no acesso moradia, implicando em maiores
entraves para a permanncia das populaes mais pobres que, mesmo no sendo acolhidas,
so fundamentais para a reproduo capitalista como parte da mo de obra menos qualificada
que ainda se impe na diviso do trabalho.
Finalizamos discutindo os dados do ndice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM), sua evoluo e os municpios de maior destaque no ranking, tendo claro que o
aspecto generalizador do ndice promove distores, mas como o mesmo utilizado na
ideologia do agronegcio, fizemos um exerccio comparativo com outras variveis que foram
trabalhadas no decorrer da pesquisa para verificarmos possveis convergncias. E as
convergncias de fato foram constatadas.
Nas consideraes finais discutimos os resultados das anlises efetuadas em sua
transitoriedade, visto a continuidade do movimento de reestruturao do territrio que ainda
se encontra em curso. A realidade revelada por meio dos processos investigativos nos
aproxima do fenmeno de corporatizao do territrio, que fora efetivado para atender, no seu
conjunto, os interesses dos agentes hegemnicos do agronegcio, cuja necessidade de
articulao com os diversos mercados, notadamente externos, eleva a importncia da logstica
de transportes existente e projetada como elemento fundamental para a fluidez corporativa.
26
1 A REORGANIZAO DO SISTEMA CAPITALISTA E SEUS
IMPACTOS ESPACIAIS
A reestruturao territorial surge dos ajustes espaciais do capitalismo em seu
movimento constante de reproduo, que demanda mudanas frente s novas racionalidades
que se impem. Essas mudanas so normalmente gestadas para atender os interesses de um
conjunto de agentes hegemnicos que buscam dotar o territrio das condies ideais para a
consecuo dos seus projetos.
Tendo em vista a ampliao constante do movimento do capital financeiro e
produtivo, possibilitado pelos avanos dos sistemas tcnicos e informacionais atualmente
disponveis, os territrios so acessados para usos especficos. E, para atender a tais usos, so
reestruturados para se adequarem a certas lgicas por vezes estranhas aos lugares onde se do,
pois muitas aes so extrovertidas e pouco preocupadas com o seu entorno imediato. Mas, a
consecuo dos projetos do capitalismo em sua dinmica prescinde dos territrios.
Para Santos (2008a, p. 338) a realizao, dos projetos, s se d nos territrios, pois
[...] o territrio termina por ser a grande mediao entre o Mundo e a sociedade nacional e
local, j que, em sua funcionalizao, o Mundo necessita da mediao dos lugares, segundo
as virtualidades destes usos especficos.. Nesse processo h uma modificao do conjunto
dos lugares, logo do espao como um todo, visto que nem todos os lugares so escolhidos.
Enquanto mediador do local com o mundo, o territrio em seu processo de
reestruturao sofre diversas alteraes em suas dinmicas internas, que tambm so externas,
visto comporem um todo, possibilitando a criao do novo, que parte do velho em uma ao
dialtica constante.
Dessa forma, a produo do espao, enquanto produo social, forjada pela frico
dos opostos, cuja convivncia e constante superao se tornam os dnamos desse processo de
produo. No entanto, algumas aes que so impostas ao territrio terminam por provocar
modificaes mais amplas e profundas, causando alteraes que podem ser consideradas
estruturais.
Para Soja (1993, p.193):
27
A reestruturao, em seu sentido mais amplo, transmite a noo de uma
freada, seno de uma ruptura nas tendncias seculares, e de uma mudana
em direo a uma ordem e uma configurao significativamente diferentes
da vida social, econmica e poltica. Evoca, pois, uma combinao
sequencial de desmoronamento e reconstruo, de desconstruo e tentativa
de reconstituio, proveniente de algumas deficincias ou perturbaes nos
sistemas de pensamento e ao aceitos.
Esse movimento gerado pelas tenses entre o que est estabelecido e o que busca
estabelecer-se resulta da dinmica interna das relaes sociais, e assim, a compreenso dessas
relaes demanda compreender os movimentos mais amplos, cujas dinmicas produzem o
espao ininterruptamente.
Dessa forma, devemos buscar os elementos constituintes das transies dos modos de
produes, visto que esses promovem no seu processo evolutivo alteraes profundas na
sociedade e na sua forma de organizao espacial.
Santos (1993, p. 113) ao discutir o espao como sendo o maior conjunto de objetos,
aponta que estes possuem idades diversas, mas que so movidos e vivificados por uma lei
maior e nica. Esta lei submete as relaes sociais, pois Trata-se de uma grande lei dos
movimentos de fundo, dada pelos modos de produo e seus momentos, responsvel pelas
mudanas grandes [...]..
A reestruturao territorial est diretamente relacionada com as dinmicas do modo de
produo capitalista, pois o movimento de ajuste espacial empreendido no territrio decorre
das necessidades do capital em seu processo de expanso. Segundo Harvey (2006, p. 117) no
processo de expanso pode haver a exportao de capital para produo para resolver o
excesso de capital excedente, pois o emprego desse capital em condies de alto retorno
permite arrefecer, temporariamente, as crises surgidas no interior do capitalismo, mas essas
crises [...] so fases de intensa racionalizao na transformao e expanso geogrfica. A
dialtica interna da sociedade civil perpetuamente mitigada e reproduzida mediante o
recurso constante ao ajuste espacial..
Assim, esse processo de expanso resulta das contradies internas do capitalismo
gerador das prprias crises do sistema na busca por uma reproduo contnua e ampliada do
capital e que gera um desenvolvimento desigual, que segundo Poulantzas (2000, p. 93) uma
[...] caracterstica do capitalismo desde seus incios..
28
Em meio discusso sobre a lgica do desenvolvimento desigual, Smith (1988, p. 19)
faz a seguinte considerao:
A lgica do desenvolvimento desigual deriva especificamente das tendncias
opostas, inerentes ao capital, para diferenciao, mas com a simultnea
igualizao dos nveis e condies da produo. O capital continuamente
investido no ambiente construdo com o fito de se produzir mais-valia e
expanso da base do prprio capital. Mas, da mesma forma, o capital
continuamente retirado do ambiente construdo de forma que ele possa se
deslocar para outra parte e se beneficiar com taxas de lucro mais altas. A
imobilizao espacial do capital produtivo em sua forma material no nem
menos necessria do que a perptua circulao do capital como valor. Assim,
possvel ver o desenvolvimento desigual do capitalismo como a expresso
geogrfica da contradio mais fundamental entre o valor de uso e valor de
troca. O padro que resulta na paisagem bem conhecido: desenvolvimento
de um lado e subdesenvolvimento de outro.
Como processo geral, esse movimento internalizado nas diferentes formaes
econmicas, friccionando com a realidade interna, mas mantendo sua essncia de busca por
uma reproduo ampliada. Nesse contexto, a expanso do capitalismo no Brasil reproduz a
tendncia do capital de expanso geogrfica que produz as desigualdades espaciais. Ao
discutir a expanso do capitalismo no Brasil, Rossini (1986, p. 108) argumenta que a
produo do espao brasileiro realizada a partir do foco de acumulao situado
espacialmente no Sudeste e tendo So Paulo no comando do processo. Em sua dinmica
observa-se o movimento dialtico de criao e destruio que consoante com um processo
produtivo global de carter espacial e produtivo. Temos ento que,
[...] a destruio das economias regionais nada mais do que a forma de
reproduo e desenvolvimento do sistema em escala nacional. Assim, se
articula um processo de produo geral do espao que se realiza de maneira
desigual, pelo movimento diferencial do processo de acumulao.
(ROSSINI, op. cit., p. 108).
A reestruturao inerente aos processos de ajustes do capital pode ocorrer com
intensidades diferentes, podendo ser mais profunda e estrutural, bem como ser localizada e
conjuntural, mas apresenta os elementos de mudanas implcitos na sua dinmica e, por ser
uma produo social, est imersa na incerteza dos seus resultados.
29
Nesse sentido, Soja (1993, p. 194) deixa claro que na reestruturao no h uma
predeterminao das possibilidades e resultados potenciais, visto no ser um processo
mecnico ou automtico, pois:
Em sua hierarquia de manifestaes, a reestruturao deve ser considerada
originria de e reativa a graves choques nas situaes e prticas sociais
preexistentes, e desencadeadora de uma intensificao de lutas competitivas
pelo controle das foras que configuram a vida material. Assim, ela implica
fluxo e transio, posturas ofensivas e defensivas, e uma mescla complexa e
irresoluta de continuidade e mudana.
Pouco previsvel em sua essncia, a reestruturao demanda acordos entre os agentes
hegemnicos que representam o local, o territrio envolvido nas aes, e os agentes
hegemnicos detentores do capital podendo ser esses agentes nacionais ou estrangeiros e
que buscam nos lugares satisfazer suas necessidades de acumulao. As grandes corporaes
adotam aes expansionistas com vistas manuteno da competitividade, visto que o capital
ao se mundializar amplia a escala da concorrncia com outros capitais. Logo, resulta dessa
condio as estratgias que levam a um novo quadro.
Ao tratar da mundializao do capital, Chesnais (1996, p. 17) a considera como:
[...] a capacidade estratgica de todo grande grupo oligopolista, voltado para
a produo manufatureira ou para as principais atividades de servios, de
adotar, por conta prpria, um enfoque e conduta globais.
O autor entende que em virtude da intensificao da competio capitalista foi
desencadeado um processo de oligopolizao, em que temos uma ampliao das aes das
grandes corporaes industriais, comerciais e financeiras, implicando na mundializao mais
efetiva do capital.
Os capitais disponveis para investimentos deixam as tradicionais reas que recebiam
esses recursos, principalmente os pases da trade Estados Unidos, Japo e Europa
(CHESNAIS, 1996) e se deslocam para outras reas. So capitais de diversas naturezas,
desde as grandes corporaes at capitais individuais.
30
Nesse sentido, Harvey (2004, p. 83) argumenta que os capitalistas individuais
procuravam investimentos vantajosos, pois assim, O capital excedente de um lugar pode
encontrar emprego noutro lugar em que as oportunidades de lucro ainda no foram
exauridas..
Os capitais dos pases da trade, que buscavam aplicaes vantajosas, encontraram em
pases como o Brasil uma demanda por crdito para consolidar o processo de criao de
infraestruturas diversas (nos setores de transporte, energia e comunicaes) e para expandir
um modelo produtivo j existente nas regies Sul e Sudeste. O processo de reestruturao
efetuado no Brasil buscou dotar a regio Centro-Oeste das condies para que essa se tornasse
o celeiro do pas e grande produtor mundial de commodities.
A movimentao de capitais busca novas reas de investimentos exatamente porque
suas tradicionais reas de investimentos apresentavam limites para a reproduo do capital
nos nveis esperados. As mudanas produtivas e de organizao no interior do capitalismo, em
meio s crises que se formaram a partir da dcada de 1970, (STORPER, 1991), (HARVEY,
1996), (BENKO, 2002) levaram um conjunto considervel de capitais a buscar novas reas
que pudessem receber os capitais e remuner-los em nveis satisfatrios.
Em relao ao setor produtivo, Storper (1991) argumenta que emergia a exigncia por
uma reestruturao e uma reorganizao espacial, que ainda est em curso, para superar os
limites apresentados pelo sistema produtivo. Benko (2002) explica que em meio crise o
capitalismo passa a demandar toda uma reestruturao necessria para superar uma crise de
eficcia e legitimao e uma nova racionalidade imposta na busca por uma reproduo
ampliada do capital. Para isso, novos espaos de produo so criados.
Dessa forma, partimos da premissa de que a reestruturao efetuada no territrio, que
possibilitou a instalao de um novo modelo de produo em reas at ento pouco
articuladas do interior do Brasil com os mercados interno e externo, desencadeada
principalmente a partir da dcada de 1970, resultou da ao de dois agentes hegemnicos
cujos interesses se mostraram convergentes, pois se de um lado tnhamos um conjunto de
capitais vidos por investimentos rentveis, do outro tnhamos um governo brasileiro disposto
a se endividar para prosseguir com seus projetos de integrao e ocupao.
A associao entre o Estado e o Capital sendo este personificado pelas corporaes
capitalistas se deu entre outras razes porque as intencionalidades apresentavam
31
convergncias, redundando em aes cujos rebatimentos territoriais se propagaram em
desdobramentos sociais, econmicos e ambientais de grande monta. Possibilitou-se, no
decorrer desse processo, um uso corporativo do territrio.
O processo se estabelece porque a fora do capital em seu movimento de expanso
geogrfica, empreendido atualmente principalmente pelas grandes corporaes, exige do
territrio as condies ideais para que: o processo produtivo se realize plenamente; que o
capital financeiro no encontre barreiras; e que o mercado consumidor e o mercado de
trabalho possam ser controlados minimamente.
Para isso contam com um mediador importante, representado pelo Estado, que se
equilibra para atender as exigncias corporativistas e criar um bom clima de negcios
(HARVEY, 1996, p. 160) e ao mesmo tempo responder a demandas sociais mais amplas.
Como os interesses corporativos so atomizados, cabe ao Estado disponibilizar as condies
ideais para a manuteno do modo de produo capitalista.
Nesse sentido, partindo do pensamento de Kautsky, que prope ser a classe capitalista
aquela que reina, mas no governa, e que a seu turno se resigna a apenas dar ordens ao
Governo, Mandel (1982, p. 336) conclui:
A concorrncia capitalista determina assim, inevitavelmente, uma tendncia
autonomizao do aparato estatal, de maneira que possa funcionar como
um capitalista total ideal, servindo aos interesses de proteo,
consolidao e expanso do modo de produo capitalista como um todo,
acima e ao contrrio dos interesses conflitantes do capitalista total real
constitudo pelos muitos capitais do mundo real.
De fato, o Estado essencial para o capitalismo, e Harvey (2004, p. 107) assim o
comprova: importante reconhecer o papel mediador fundamental das estruturas e dos
poderes financeiros e institucionais (particularmente o Estado) nos processos de acumulao
do capital..
J Santos (2004, p. 19) desconstri a premissa de morte do Estado, pois acredita que
estejamos diante do seu fortalecimento [...] para atender aos reclamos da finana e de outros
grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populaes cuja vida se
torna mais difcil..
32
Concordando com a manuteno do Estado enquanto mediador importante e
discutindo a relao entre esse e o capital global, Benko (2002, p. 47) conclui que:
Assim as polticas do Estado nacional, da fiscalidade gesto monetria [...]
sofrem e injetam ao mesmo tempo o ponto de vista internacional nos
processos domsticos de deciso. [...] inexato falar de enfraquecimento
do Estado no momento em que a mundializao conota implicao mais
direta e carter de classe mais decisivo do Estado Nacional.
A criao de normas, efetuadas no interior de cada Estado, imprescindvel para a
manuteno dos fluxos gerados pelas aes empreendidas pelo capital global, sejam por meio
de investimentos externos diretos (CHESNAIS, 1996) ou pelos capitais especulativos.
Em relao aos investimentos voltados produo, Smith (1988, p. 205) argumenta
que o capital que se imobiliza na paisagem necessita de proteo contra outros capitais, e isto
implica a ao do Estado na regulao da reproduo das foras de trabalho, na criao de
infraestrutura e leis comerciais, portanto, O Estado se desenvolve para realizar essas tarefas,
assim como para defender o capital militarmente, onde seja necessrio.. J os capitais
especulativos demandam maior liberdade para aes, porm, contraditoriamente, a falta de
controle deflagra crises diversas no setor financeiro, como aponta Harvey (2011).
Tratando do papel do Estado no processo de globalizao da produo agrcola
brasileira, Elias (2003, p. 65) argumenta que Coube ao Estado brasileiro adequar a produo
e o territrio reproduo ampliada do capital na agricultura do pas. Enfatiza que a
modernizao empreendida por esse agente permitiu a ascenso de circuitos espaciais de
produo e crculos de cooperao globalizados. Nesse nterim, fixos e fluxos foram
expandidos e/ou acrescentados no campo e as condies de articulao foram intensificadas.
Becker (2007, p. 267-268), chama a ateno para a logstica das corporaes que,
inserida no contexto da globalizao, impacta diretamente o territrio e consolida sua
reestruturao, afirmando que:
A globalizao e a abertura dos mercados impem novos padres de
competitividade baseada na exportao e na privatizao do capital social,
numa reestruturao da economia que resulta em maior poder para as
33
corporaes. A logstica permite s corporaes gerar em tempo rpido e em
ampla escala grandes territrios corporativados que tendem a incorporar,
submeter ou excluir os territrios de grupos sociais menos poderosos, e a
revigorar a expanso da fronteira agropecuria.
A complexificao dos processos desencadeados no territrio decorre do atual perodo
em que vivemos caracterizado entre outros aspectos pela maior articulao, principalmente
dos agentes corporativos , que se soma s benesses disponibilizadas seletivamente pelo
desenvolvimento tecnolgico e informacional. Esse quadro, por sua vez, favorece o
surgimento e o agravamento de crises diversas (econmicas, polticas, ambientais) cujos
rebatimentos promovem descontroles nos lugares, implicando negativamente na produo
social.
As condies gerais apresentadas compem um quadro complexo, resultante de um
conjunto de eventos que pode ser denominado de globalizao, cuja compreenso, mesmo que
mais centrada nas condies econmicas, pode nos levar a um entendimento mais profundo
dos fenmenos que a cercam, notadamente daqueles com rebatimentos territoriais.
Porto-Gonalves (2011) mesmo criando uma periodizao da globalizao, nesse caso
da globalizao da natureza, argumenta que o processo de globalizao pode ter o seu incio
marcado, apesar das divergncias, a partir de 1970, tendo como uma das principais
caractersticas o aumento do protagonismo do capital financeiro, aps a quebra do contrato de
Bretton Woods.
Haesbaert e Limonad (2007, p. 40) chamam a ateno para a ideia de a globalizao
remeter, equivocadamente, a um processo de homogeneizao econmica, espacial e social.
Na verdade a globalizao [...] se processa em pontos seletivamente escolhidos do globo
terrestre como, em muitos casos, obrigada a adaptar-se e/ou a reelaborar processos poltico-
econmicos e culturais ao nvel local., assim, a referida homogeneizao se daria por nveis,
um nvel referente ao capital das elites planetrias e outro relacionado misria e a pobreza
que so acirradas no decurso da globalizao.
De acordo com Santos (2004) a globalizao pode ser entendida, no de forma
exclusiva, como o auge da internacionalizao do mundo capitalista que se pauta em dois
estados, aquele das tcnicas e aquele da poltica, cujo funcionamento em conjunto no
autoriza uma separao para um entendimento unitrio. Chama a ateno para o fato de que
34
apesar de existir um reconhecido avano das tcnicas, cujo sistema se faz sentir no nvel
planetrio, necessrio considerar as aes que favoreceram a ascenso de um mercado
considerado como global que protagoniza os processos polticos mais plenos de realizao.
Prope ento uma arquitetura da globalizao cujos fatores que permitem a sua explicao
seriam: [...] a unicidade da tcnica, a convergncia dos momentos, a cognoscibilidade do
planeta e a existncia de um motor nico na histria, representado pela mais-valia
globalizada. (SANTOS, op. cit., p. 24).
Entendida enquanto internacionalizao do mundo capitalista, a globalizao
pressiona as unidades soberanas, representadas pelo Estado-Nao, a colaborar com os
projetos de expanso capitalista em todos os nveis e em todos os locais. Na tentativa de se
adequarem aos projetos corporativos, o Estado passa a coordenar aes que se afastam das
necessidades mais efetivas da sociedade local. O quadro se torna mais dramtico com a
escassez dos recursos, ou com a elevao dos custos referentes s tomadas de emprstimos.
Os projetos nacionais so corrompidos, pois passam a atender interesses exgenos.
Para Ianni (1998, p. 78), A globalizao da economia capitalista, compreendendo a
formao dos centros decisrios extra e supranacionais, debilita ou mesmo anula
possibilidades de estratgias nacionais.. Com isso temos uma acelerao dos vnculos
externos em condies desiguais, pois os interesses do capital demandam vantagens para as
corporaes em detrimento das reas exploradas, enfraquecendo, de certa forma, as relaes
no interior dos pases tendo em vista a emergncia das relaes externas.
Para Giddens (2006, p. 21) a extrema facilidade de movimento dos fluxos financeiros,
pautados na evoluo das tcnicas informacionais, possibilitou uma predominncia do capital
financeiro, ainda que o comrcio externo composto de bens e servios tambm tenha
apresentado elevado crescimento assim, no atual perodo de globalizao, investidores
podem movimentar quantias imensas no toque de um boto e dessa forma, [...] podem
desestabilizar economias que pareciam slidas como granito [...].
Se o setor financeiro encontra na globalizao as condies de alavancar lucros por
meio da liberdade de investimentos, apesar das crises sucessivas desencadeadas no mbito do
capitalismo, o setor produtivo tradicional, mais rgido, pois necessita imobilizar capital por
meio de capital fixo, deve adotar estratgias voltadas a uma flexibilidade de aes e de
planejamento.
35
Buscando corrigir os problemas decorrentes das crises, houve entre outras estratgias,
uma redistribuio corporativa pelo espao, levando os lugares a disputarem os investimentos,
pois a concorrncia tornou-se global. Essas disputas esto na gnese do que chamamos de
guerra dos lugares, como aponta Santos (2008a), que decorrem da evoluo do capitalismo
que produz um desenvolvimento desigual, pois como assinala Smith (1988, p. 16) [...] o
desenvolvimento desigual a expresso geogrfica sistemtica das contradies inerentes
prpria construo e estrutura do capital..
Temos ento uma reestruturao do setor produtivo para superar uma crise de eficcia
e legitimao e uma nova racionalidade imposta na busca por uma reproduo ampliada do
capital. Como as relaes de produo se tornam mais complexas, inclusive pela expanso
geogrfica que toma vulto no processo de desconcentrao produtiva, h a necessidade de
uma maior sincronia entre as diversas etapas envolvidas.
Dessa forma, a sincronizao das etapas de produo, distribuio, circulao
(entendida enquanto troca) e consumo permite uma maior agilidade nas diversas etapas do
processo em seu conjunto e favorece a reproduo do capital de forma mais efetiva, pois
como assevera Marx (2008) essas etapas so interdependentes, e no caso da produo e
consumo, so consubstanciadas como seus contrrios (produo consumo e consumo
produo) e mediadas entre si. Da mesma forma, na distribuio e produo, todas as
categorias so estabelecidas de dupla maneira, caso do lucro e do juro que figuram enquanto
fatores determinantes e formas determinadas da distribuio e tambm como produo, j que
proporciona o aumento de capital. Finalmente temos a circulao (a troca na sua totalidade)
mediadora da produo, distribuio e consumo.
Devemos entender, no entanto, que as consideraes de Marx se deram em um
contexto diferente, pois hoje a maior complexidade dos processos inerentes produo exige
uma anlise mais apurada da sua dinmica. Ao mesmo tempo, observa-se que a lgica de
reproduo ampliada do capital, por meio de lucros crescentes, continua sendo a essncia do
capitalismo.
A expanso geogrfica do capitalismo, considerando os interesses das corporaes dos
pases mais desenvolvidos nesse modo de produo, se torna uma alternativa s crises geradas
no interior do capitalismo, pois a existncia de mercados potenciais nos pases perifricos se
tornou o fator determinante para a instalao de empresas multinacionais nesses pases. Seria
ento o mercado, cujos arranjos internos permitiriam uma reserva para essas empresas, o
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grande trunfo das novas reas que se industrializavam no contexto da nova ordem produtiva
(LIPIETZ, 1988).
Temos nesse contexto uma frico do movimento maior, desencadeado nos pases
centrais por conta das sucessivas crises do capitalismo, com a realidade interna dos pases que
so atingidos pelas ondas de expanso desse movimento.
Assim, cada nao passa a se estruturar em consonncia com os interesses dos agentes
hegemnicos, com vistas a buscar alternativas de crescimento econmico e legitimidade
poltica dos regimes instalados, no caso do Brasil, baseado no autoritarismo. Consolida-se um
processo de reestruturao territorial com vistas a atender as demandas empresariais, gerando
um uso corporativo do territrio.
nesse contexto que a regio Centro-Oeste tem o seu modelo produtivo reestruturado
para atender aos desgnios do Estado no seu projeto maior de ocupao e integrao, cujas
aes foram articuladas visando o acesso, pelo capitalismo monopolista, ao mercado interno.
Da mesma forma, internamente buscava-se o mercado exterior, cujas exportaes passaram a
representar a redeno para um pas que se endividava sistematicamente. Das aes
empreendidas, temos a ascenso da agricultura tecnificada, tornada dependente de
articulaes em escalas que ultrapassam as fronteiras brasileiras. Dos insumos para a
produo at a formao de preos dos produtos, o processo produtivo passava a atender um
novo mando, externo, cujas aes eram geridas e pensadas pelo mercado internacional. o
ponto de partida para a consolidao do agronegcio na regio e especialmente em Mato
Grosso.
1.1 A REESTRUTURAO E O USO CORPORATIVO DO TERRITRIO
A racionalidade que passa a imperar sob os ajustes espaciais do capitalismo interfere
diretamente nas atividades produtivas e exigem uma nova adaptao ou reestruturao do
territrio para atender as novas necessidades impostas. O movimento transcende os limites
territoriais, implicando em alteraes significativas da base produtiva em setores diversos,
como a agricultura, cuja base torna-se mais tcnica e dependente da cincia e da informao,
gerando, no entanto, um modelo excludente, na medida em que exige uma maior capitalizao
dos agentes envolvidos no processo produtivo.
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Cria-se o vnculo entre o territrio, no enquanto territrio em si, mas como
territrio usado (SANTOS e SILVEIRA, 2004) que exploramos como conceito para analisar
o processo de corporatizao do territrio favorecido pelas polticas pblicas empreendidas
pelo Estado, cuja dinmica favoreceu um estreitamento de relaes entre as diversas regies
brasileiras com vistas ao atendimento dos interesses hegemnicos nacionais e internacionais
quanto ao processo produtivo.
O uso corporativo do territrio passa a ser uma realidade que possui, entre outros
problemas, a criao de estratgias que visam satisfazer somente o processo produtivo, sem
uma preocupao mais ampla com a sociedade que ocupa este territrio, pois a sua
organizao e sua dinmica so voltadas para fora, em detrimento de arranjos locais.
De acordo com Silveira (2011b, p. 5) o territrio usado, enquanto espao concreto do
homem, deve ser reconhecido pela sua densidade histrica e pela operao de foras sobre
formas que so dinmicas, produtora de densidades, sendo essas densidades de carter
normativo, informacional e tcnico. Considera ainda que:
[...] se as formas so importantes, tambm o so as aes humanas, isto , o
comportamento no territrio das pessoas, das instituies, das empresas,
determinando um dinamismo que varia segundo sua origem, sua fora, sua
intencionalidade, seus conflitos. O territrio usado assim uma arena onde
fatores de todas as ordens, independentemente da sua fora, apesar de sua
fora desigual, contribuem gerao de situaes.
As situaes geradas decorrem da frico dos interesses diversos, pois os diversos
agentes envolvidos buscam satisfazer as suas necessidades, desejos e interesses, colidindo
com os interesses de outros agentes. Cria-se um conjunto complexo de situaes cuja
mediao estabelecida por um agente hegemnico, nesse caso o Estado, que como vimos o
mediador entre o local e o global. Como estamos discutindo a produo social em tempos de
globalizao, essa relao entre as escalas local, nacional e global torna-se mais relevante
medida que exista uma maior articulao entre as escalas.
A concepo de totalidade do conceito de territrio usado bastante explcita, na
medida em que comporta todos os elementos da sociedade em sua interao dialtica com os
objetos e com as aes. Para Milton Santos o territrio usado seria o espao de todos os
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homens, instituies e empresas. Com essa viso totalizante, a anlise pode ser enfrentada de
forma mais coerente. O autor assevera ainda que:
Para os atores hegemnicos o territrio usado um recurso, garantia da
realizao de seus interesses particulares. Desse modo, o rebatimento de suas
aes conduz a uma constante adaptao de seu uso, com adio de uma
materialidade funcional ao exerccio das atividades exgenas ao lugar,
aprofundando a diviso social e territorial do trabalho, mediante a
seletividade dos investimentos econmicos que gera um uso corporativo do
territrio. (SANTOS, 2000, p. 108).
Os desdobramentos da reestruturao efetivada no campo, com a modernizao da
base produtiva da agricultura, propiciaram um conjunto de processos cujas dinmicas
oportunizaram aos grandes grupos envolvidos nesse setor econmico as condies ideais para
a sua consolidao. Mas como o capitalismo no seu movimento gera as suas prprias crises,
os fatos que eclodiram principalmente a partir da dcada de 1970, no exterior, e cujos
rebatimentos mais intensos se fizeram sentir internamente nos anos de 1980, inibiram os
investimentos estatais no projeto de reestruturao.
Criou-se, ento, no transcurso do processo de reestruturao, uma desacelerao que
gerou a imobilizao da dinmica de reestruturao. Assim, as aes pblicas sobre o
territrio no puderam acompanhar a evoluo do processo produtivo. Da surge um
descompasso que contrariaria o setor produtivo at os dias atuais, incorrendo em presso
constante dos agentes hegemnicos do setor corporativo e o Estado, tambm agente
hegemnico.
As relaes entre os agentes hegemnicos so refletidas nos processos produtivos
empreendidos no territrio e se coadunam com o que Elias (2003) entende como sendo os
imperativos da ordem global hegemnica cuja dinmica fortalecida com a ascenso dos
circuitos espaciais produtivos e dos crculos de cooperao, apontados por Santos e Silveira
(2004) dentro da diviso territorial do trabalho.
Assim, as verticalidades [...] pontos no espao que, separados uns dos outros,
asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia. se impem s
horizontalidades [...] extenses formadas de pontos que se agregam sem descontinuidade,
[...] (SANTOS, 2008a, p. 284). Isso ocorre porque enquanto as horizontalidades promovem a
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produo propriamente dita, as verticalidades coordenam os demais momentos da produo
(circulao, distribuio, consumo), incorporando uma cooperao ampliada de aes. Com
isso as grandes corporaes passam a dominar os processos produtivos, impondo uma
dinmica de concentrao e centralizao que se reflete no territrio.
Mas, como assevera Santos (2000), no devemos nos esquecer dos agentes
hegemonizados, que tem no territrio o seu abrigo e que lutam pela sobrevivncia em meio s
aes hegemnicas. Alm disso, compem o mercado de trabalho, elemento que juntamente
com os meios de produo promovem o processo produtivo.
Todavia, na dinmica das aes hegemnicas, criam-se nos territrios pontos
modernizados conectados em uma grande rede, como as redes agroindustriais (ELIAS, 2011)
organizadas em escala global e que operam por meio das tcnicas informacionais disponveis,
criando um arranjo em que os lugares so escolhidos de acordo com a disponibilidade das
condies de produo e circulao, j que o consumo d-se em ampla escala.
A agricultura tecnificada, que o cerne do agronegcio, baseada na cincia e na
informao e funciona em forma de sistema, pois deixa de representar uma ao isolada, uma
produo isolada, para tornar-se parte de um conjunto maior que implica diversas cadeias
produtivas a montante e a jusante do processo produtivo em si. Esse conjunto passa a exigir
daquele que se integra uma maior densidade de capital para investir na produo tornando o
processo excludente.
Mas o que o agronegcio? Como se estrutura? Quais as suas estratgias?
De acordo com Fernandes e Welch (2008, p. 48) atribui-se a Davis e Goldberg a
primeira conceituao do agronegcio, nesse caso do agribusiness, em 1957, quando esses
autores afirmavam ser o agronegcio:
[...] um complexo de sistemas que compreende a agricultura, indstria,
mercado e finanas. O movimento desse complexo e suas polticas formam
um modelo de desenvolvimento econmico controlado por corporaes
transnacionais, que trabalham com um ou mais commodities e atuam em
diversos outros setores da economia.
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A ideia do agronegcio como um sistema acompanhada por Callado e Callado
(2011, p. 1) ao argumentarem que a atual complexidade e diversificao do ambiente
econmico e social exige entender a insero do agronegcio no enquanto um conjunto de
atividades isoladas, mas como um amplo espectro de inter-relaes e interdependncias
produtivas, tecnolgicas e mercadolgicas..
As relaes mais amplas se do tanto a montante quanto a jusante do processo
produtivo, levando a um aumento da densidade das tcnicas empregadas, da necessidade de
inovaes, oriundas das cincias voltadas para o desenvolvimento de novos produtos e
dependentes da informao, que faz a intermediao do processo. A forma de produzir muda,
partimos para as especializaes produtivas de culturas especficas denominadas de
commodities.
Oliveira (2007, p. 147) argumenta que:
O monocultivo de exportao at ento chamado de agribusiness, ganhou
sua expresso na lngua portuguesa: o agronegcio. [...] tratava-se de
distinguir entre a atividade econmica milenar de produo dos alimentos
necessrios e fundamentais existncia da humanidade, e, a atividade
econmica da produo de commodities (mercadorias) para o mercado
mundial. Definia-se assim, na prtica da produo econmica, uma distino
importante entre a agricultura tipicamente capitalista e a agricultura
camponesa.
Ao adotar a monocultura como a base da agricultura moderna, passa-se de uma
agricultura orgnica para uma agricultura mecnica e qumica, o que implica em uma
dependncia direta da indstria e do financiamento bancrio, pois se constitui como
subsistema desses setores (PORTO-GONALVES, 2011).
Amplamente difundido no Brasil, o termo agronegcio faz parte dos discursos oficiais
e da mdia que o apontam como alternativa para o crescimento e a integrao com os
mercados mundiais. Nesse sentido, est em consonncia com os preceitos da globalizao,
pois estabelece uma conexo direta do local, onde se d a produo, com o global, constitudo
pelo mercado que se vincula com os agentes hegemnicos.
Alinha-se ao que Santos (2004, p. 88-89) denomina de agricultura de base cientfica e
globalizada, cujas caractersticas principais so a simetria direta com os mecanismos da
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produo econmica e suas leis gerais, cujas referncias so planetrias, e ser [...] exigente
de cincia, tcnica e informao, levando ao aumento exponencial das quantidades produzidas
em relao s superfcies plantadas. Por sua natureza global, conduz a uma demanda extrema
de comrcio.. Sendo que essa necessidade mercantil transforma o dinheiro em uma
informao fundamental.
Ao vincular-se ao capital de forma umbilical, a produo de commodities agrcolas
passa a sofrer a interferncia direta dos humores do mercado de capitais, pois a formao dos
preos definida por um conjunto de fatores, como a escala da prpria produo em si, mas
tambm pela presso dos mercados compradores, cujas relaes com a produo agrcola a
de um investimento de capitais.
Nesse sentido confirma-se a assertiva de Chesnais (1996, p. 308) quando declara que
A mundializao do capital contribuiu consideravelmente para restabelecer a rentabilidade
dos investimentos, exercendo forte presso para o rebaixamento, tanto dos salrios, como dos
preos de muitas matrias-primas..
A questo deixa de ser puramente de produo e de comrcio, e passa a ser
especulativa, pois o fim maior do processo a busca pela reproduo do capital. Como as
empresas do agronegcio, chamadas de tradings, operam no nvel mundial, a competitividade
passa a ser o objetivo maior, pois existe uma concorrncia extrema. Ao mesmo tempo, h uma
formao de oligoplios, que concentra as maiores empresas cuja origem encontra-se nos
pases da chamada trade (Estados Unidos, Europa e Japo) como aponta Chesnais (op. cit.).
Ao discutir o agronegcio brasileiro no possvel dissocia-lo de empresas como
Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, Noble, Basf, Monsanto,
Mosaic, Yara, New Holland, Massey Ferguson, Case entre outras que dominam setores
estratgicos como a produo de sementes, agrotxicos, adubos, maquinrio, processamento
e, tambm, o financiamento, pois as tradings operam junto aos produtores de forma a torn-
los obedientes s suas demandas, visto que os crditos concedidos por essas empresas
obrigam uma relao de dependncia, tornando cativos os produtores que no dispem de
capital prprio para produzir nos nveis exigidos pelo agronegcio.
O poder de ao das tradings tambm alcana o setor de transporte rodovirio de
cargas que sustenta a maior parte da circulao do agronegcio, pois como aponta Huertas
(2014, p. 48) so denominadas de frotistas as maiores empresas transportadoras, cujas
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caractersticas principais so: possuir mais de uma centena de caminhes e [...] cujo
crescimento foi estimulado pelas tradings ao longo de anos com o financiamento da frota..
Logo, o crescimento em escala dessas transportadoras est em consonncia com as demandas
ascendentes apresentadas, tendo em vista a matriz rodoviria ainda ser hegemnica no
movimento de cargas na regio.
Portanto, o conjunto representado pelo agronegcio e o adensamento das relaes que
sustentam esse conjunto, demandam condies especficas que passam a exigir dos territrios
certas caractersticas. Como h uma elevao da formao de fluxos, materiais e imateriais, a
crescente articulao com as escalas que vo do local ao global terminam por pressionar o
Estado, principal agente da reestruturao territorial, a lanar mo de aes voltadas dotao
do territrio de fixos diversos, bem como de uma regulao especfica. Constitui-se, assim,
um uso especfico do territrio, o uso corporativo.
Podemos associar essa dinmica ao estabelecimento do macro-circuito, apontado por
Castillo (2004) como o momento em que as grandes empresas acionam os pontos de
modernizao do territrio na escala nacional e mundial, na busca por competitividade no
mundo globalizado.
O acionamento pode se dar de duas formas, uma remota, por meio dos sistemas
informacionais que permitem o controle por parte das corporaes das atividades produtivas;
e o acionamento direto no territrio, por meio da produo, originao e processamento, no
caso das agroindstrias. Nesse ltimo caso, o sistema de engenharia de transportes chamado
a contribuir com a movimentao de mercadorias, visto que os principais mercados da
produo so externos.
Com isso temos a intensificao das demandas pela logstica de transportes e de
armazenamento, que podemos chamar de logstica da produo, que se torna cada vez mais
um elemento nodal tendo em vista a intensificao das relaes de produo, principalmente
dos circuitos espaciais de produo associados aos crculos de cooperao do capital.
Mas, a consolidao do agronegcio em meio ao processo de reestruturao efetivado
no territrio demandou a convergncia de interesses das elites nacionais, do Estado brasileiro
e das corporaes nacionais e internacionais. O processo se efetiva em meio ao perodo em
que uma crise importante deflagrada no interior do capitalismo, aps 1970, exatamente no
perodo em que diversas aes estavam sendo realizadas no interior do territrio nacional com
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vistas integrao e ocupao. Assim, um quadro nacional desenhado no curso do processo
de ajustes espaciais do capitalismo.
1.2 UM QUADRO NACIONAL DA REORGANIZAO DO SISTEMA
CAPITALISTA
importante frisar que os processos de ajustes espaciais no se do de forma
homognea e simultnea, ou seja, a transio ocorre de forma diferenciada, pois sua
assimilao e disseminao variam de acordo com a realidade social sobre a qual incide. No
entanto, se considerarmos o capitalismo enquanto motor movente (SANTOS, 1993) da
produo social e como sistema hegemnico, sua evoluo termina por afetar o mundo
inteiro.
Assim, a estruturao do regime de acumulao capitalista realizada mediante as
interaes que se do em escalas diversas, resultando na correspondncia com as
transformaes [...] das condies da reproduo do trabalho assalariado., conforme aponta
Lipietz (1988, p. 30). Para o autor, o regime de acumulao fruto da articulao entre o
interior e o exterior de uma formao econmica e social nacional, no bojo da interao entre
o capitalismo e outros modos de produo. Sua existncia material est vinculada a um modo
de regulao, constitudo pelos elementos necessrios (leis, normas, costumes, mecanismos de
regulao) para que haja uma unidade no processo.
A complexidade desse processo explica porque sua disseminao demora a ser
efetivada e consolidada, mesmo em reas em que o capitalismo j possui um estgio
avanado. Isso ocorre porque seu avano pelo mundo implicou em adaptaes geradoras de
nuances oriundas das sociedades locais onde se instalava.
Para Storper (1991) a crise do sistema capitalista, que se inicia em 1970, e acentuada
na dcada de 1980, demandou uma reestruturao e uma reorganizao espacial, que ainda
est em curso, para superar os limites apresentados por este sistema produtivo. Nesse
processo, argumenta o autor, ao alcanar a maturidade tecnolgica, o setor produtivo passa a
criar filiais nas reas perifricas dos prprios pases centrais e depois nos pases perifricos.
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Observa-se que na busca por uma manuteno da reproduo do capital, o setor
produtivo alarga sua atuao geogrfica para alm dos pases mais ricos e industrializados em
um movimento de desconcentrao espacial das atividades produtivas, mas mantendo a
centralidade no comando das aes produtivas, principalmente no que concerne a concepo e
nas estratgias das empresas.
Neste caso, as transformaes que ocorrem no interior do modo de produo
capitalista, com vistas superao da crise estabelecida, levam ao estabelecimento de um
perodo de transio, em que temos a ascenso de novos parmetros internos exigidos ao
regime de acumulao capitalista.
Assim, para entendermos os rebatimentos ocorridos no Brasil necessrio analisar as
aes e os desdobramentos territoriais, vinculados aos processos mais gerais e sintonizados
com os movimentos de reorganizao do capitalismo. Observando a singularidade de alguns
aspectos, fruto da frico com a realidade nacional.
Nesse sentido, importante destacar que a crise mundial estabelecida nos anos de
1970, tem repercusso no Brasil e gera a necessidade de alteraes na consecuo de projetos,
tendo em vista a crise fiscal do Estado e sua incapacidade de gerir e fomentar as propostas
implantadas ou em fase de implantao.
Essa crise aprofunda-se na dcada de 1980, e seus desdobramentos apresentam-se em
todas as esferas do pas e, segundo Becker e Egler (1993, p. 227):
Os efeitos da crise dos anos 80 atingem diretamente o aparelho do Estado
centralizador que lev