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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA TATIANA DOS SANTOS THOMAZ A fotografia como meio de análise das refuncionalizações espaciais: O caso do "Quadrilátero da Saúde" no Bairro Cerqueira César (SP). São Paulo 2012

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

TATIANA DOS SANTOS THOMAZ

A fotografia como meio de análise das refuncionalizações espaciais: O caso do "Quadrilátero da Saúde" no Bairro

Cerqueira César (SP).

São Paulo 2012

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TATIANA DOS SANTOS THOMAZ

A fotografia como meio de análise das refuncionalizações espaciais: O caso do "Quadrilátero da Saúde" no Bairro

Cerqueira César (SP).

Trabalho de Graduação Individual apresentado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Geógrafo.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Mendes Antas Júnior.

São Paulo 2012

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Aos meus pais, Ana e Nelson, e meu irmão, Rafael.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais, Ana e Nelson, e ao meu irmão

Rafael por sempre terem acreditado nos meus sonhos.

Ao Fernando, em especial, com quem divido alegrias, aflições e sonhos.

Obrigada pelo carinho e apoio nos momentos difíceis durante o processo de escrita

deste trabalho. E sim, estamos só começando...

Aos amigos Bruno, Cássio, Natália, Patrícia e Raquel pelos inúmeros

momentos de diversão e reflexão acerca da vida e da Geografia.

Ao David pela fundamental ajuda com a montagem do álbum e com a

diagramação das páginas em A3.

Ao Prof. Ricardo pela paciência nos dois anos de orientação da Iniciação

Científica e por proporcionar muitos momentos de aprendizagem.

Ao pessoal do Grupo de Estudos “O espaço geográfico na teoria social crítica”

pelos momentos de leitura, reflexão e discussão sobre a Geografia.

Aos Laboratórios: LABUR (Flor) e LABOPLAN (Ana) por proporcionar um

espaço de estudo e convívio durante esses cinco anos.

Agradeço, também, a atenção e a ajuda do pessoal dos dois acervos

visitados: o Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina

da Universidade de São Paulo e o Museu Paulista/USP.

E ao CNPq por ter fomentado esses dois anos de Iniciação Científica.

A todos, muito obrigada!

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A geografia não pode contentar-se em descrever a paisagem concreta; ela procura compreender e reconstituir o mecanismo que conduz à formação da paisagem e provoca a sua evolução. Nem todos os elementos desse mecanismo são visíveis aos nossos olhos, mas se acham à disposição da nossa curiosidade crítica. Já se disse que o geógrafo é um “olho” e a geografia uma maneira de ver. Jamais se pretendeu fazer do geógrafo uma Kodak insensível.

Pierre Monbeig, 1957.

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RESUMO

Este trabalho é resultado de dois anos de Iniciação Científica (CNPq) sob a

orientação do Prof. Dr. Ricardo Mendes Antas Jr., visando compreender as

possibilidades e limitações da utilização de imagens fotográficas para apreender as

refuncionalizações espaciais ocorridas no Bairro Cerqueira César, mais

especificamente, no “Quadrilátero da Saúde” – formado pela Faculdade de Medicina,

Faculdade de Saúde Pública, Faculdade de Enfermagem e pelo Complexo

Hospitalar das Clínicas – utilizando para isso os conceitos de paisagem, espaço

geográfico, refuncionalizações espaciais e circuito espacial produtivo da saúde.

Palavras-chave: paisagem; espaço geográfico; refuncionalização espacial;

fotografia.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – Localização dos objetos técnicos e suas respectivas imagens . . . 68

LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Quadro Descritivo das Imagens Fotográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

Tabela 2 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Hospital dos

Variolosos (1880) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55

Tabela 3 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade

de Medicina (1929) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

Tabela 4 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade

de Medicina, Instituto de Higiene, Instituto de Medicina Legal, Hospital

Emílio Ribas e as obras do Hospital das Clínicas (1939) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

Tabela 5 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Obras do

Hospital das Clínicas (1938) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

Tabela 6 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade

de Medicina, Hospital Emílio Ribas e o Instituto Central do Hospital

das Clínicas (1945) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

Tabela 7 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade

de Medicina, Escola de Enfermagem, Associação Atlética Oswaldo Cruz,

Instituto de Ortopedia e Traumatologia e Instituto Central do Hospital

das Clínicas (1940 – 1960?) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

Tabela 8 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: “Quadrilátero

da Saúde” em construção (1940 – 1960?) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .66

Tabela 9 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade

de Medicina e Hospital das Clínicas (1970 – 1980?) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67

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SUMÁRIO Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

Capítulo I

Paisagem: da arte ao conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

Capítulo II

O desenvolvimento da fotografia e dos registros iconográficos . . . . . . . . . . . . . . . 16

1. O início da Fotografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2. A fotografia em São Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2.1. Seus primeiros passos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2.2. A fotografia de São Paulo no século XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22

Capítulo III

Paisagem, Espaço Geográfico e Fotografia: uma busca por suas relações . . . . . .27

Capítulo IV

O “Quadrilátero da Saúde” e suas refuncionalizações espaciais ao longo

de sua história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47

1. Uma metodologia para a análise das imagens fotográficas . . . . . . . . . . . . .47

2. A história dos objetos técnicos do “Quadrilátero da Saúde”

por suas imagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

3. Análises . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71

3.1. As imagens fotográficas da arquitetura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

3.2. O espaço geográfico e a paisagem na fotografia . . . . . . . . . . . . . . . . . .73

3.3. Os hospitais como sistemas técnico-científicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .86

Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .89

Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

LISTA DE ANEXOS

ANEXO A – História da Fotografia.

ANEXO B – Álbum.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado de dois anos de Iniciação Científica (com bolsa

fomentada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico/CNPq 2010/2012) inserida na pesquisa do Prof. Dr. Ricardo Mendes

Antas Jr., intitulada: “Reestruturação urbana e refuncionalizações do espaço: o

complexo industrial da saúde no Estado de São Paulo e suas relações com a

urbanização contemporânea” (processo N. 2010/18750-8 - FAPESP), da qual

também participam Mait Bertollo (mestrado) e Rafael da Silva Almeida (mestrado).

Tendo em vista que as transformações urbanas ocorridas na cidade de São

Paulo foram registradas pelas lentes de vários fotógrafos profissionais e amadores,

consideramos essas imagens como importante fonte de análise para verificar as

mudanças espaciais. O objetivo desse trabalho é, portanto, identificar os aspectos

visíveis das refuncionalizações espaciais, por meio da seleção de material

iconográfico – fotografias – ocorridas na região conhecida por “Quadrilátero da

Saúde” formado pelos objetos técnicos ligados à saúde alocados a partir da

construção do Hospital dos Variolosos (futuro Hospital de Isolamento e Instituto de

Infectologia Emílio Ribas), seguido pela Faculdade de Medicina, Faculdade de

Saúde Pública, Faculdade de Enfermagem e pelo Complexo Hospitalar das Clínicas.

Para isso, fizemos uma reflexão acerca dos conceitos paisagem, espaço geográfico,

refuncionalização do espaço, circuito espacial produtivo da saúde e, sobre a

fotografia no que diz respeito a sua história e as suas ambiguidades, apontando a

necessidade de desenvolver uma abordagem geográfica para a interpretação da

imagem fotográfica de modo a explorar eficientemente as possibilidades desse

recurso.

No primeiro capítulo enseja uma reflexão sobre o surgimento do conceito

paisagem, desde a aparição do termo na arte até tornar-se um conceito. A partir daí,

analisamos como este conceito foi definido por Milton Santos.

No segundo capítulo desenvolveremos uma pequena periodização sobre o

surgimento da fotografia, atentando para os motivos pelos quais fizeram nascer essa

técnica e o porquê de sua enorme disseminação pelo mundo. Discutiremos como a

fotografia chegou e se disseminou no Brasil, e mais especificamente, na cidade de

São Paulo.

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No terceiro capítulo traremos para a análise os problemas e as possibilidades

que as fotografias proporcionam quando analisadas como fontes históricas,

buscando a interligação com os conceitos paisagem e espaço geográfico definidos

por Milton Santos.

Por fim, no quarto capítulo partimos da exposição de uma metodologia de

investigação das imagens fotográficas desenvolvida por Boris Kossoy para a

utilização da fotografia como fonte histórica e, em nosso caso, também geográfica

para analisarmos o histórico da área onde está alocado o “Quadrilátero da Saúde”

por meio de suas imagens, seguida por uma reflexão acerca das fotografias de

arquitetura, do desenvolvimento da medicina e suas influências nas

refuncionalizações do espaço inseridas no circuito espacial produtivo da saúde.

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CAPÍTULO I

PAISAGEM: DA ARTE AO CONCEITO

Com o objetivo de confirmarmos nossa tese de que é possível aliarmos os

conhecimentos geográficos à interpretação de imagens fotográficas para

compreendermos as transformações urbanas, partiremos de um dos conceitos

centrais da ciência geográfica: a paisagem. Pretendemos neste primeiro capítulo

fazer uma introdução acerca do surgimento da paisagem na arte até tornar-se um

conceito.

Segundo Berger (1999, p. 107), a necessidade de representar a paisagem

inicia-se com as dificuldades de transformar em linhas algo não tangível, como o

céu. Com o desenvolvimento da perspectiva, do enquadramento, da simetria, dos

matizes, foi possível ordenar o “caos” que os componentes da natureza eram para o

olhar humano, além de permitir seu desligamento do religioso, do mitológico

(ROUILLÉ, 2009, p. 111). No século XVI, nos Países Baixos, Pieter Brueghel pinta A

volta dos Caçadores, integrante de um conjunto de quadros que retratavam os

meses do ano, inspirados nos desenhos dos calendários medievais (JANSON, H.W.

& JANSON, A.F., 1996, p. 248). A partir desse momento, a natureza torna-se tema

central de quadros, deixando de ser apenas um “cenário para o desenrolar das

atividades humanas” (JANSON, H.W. & JANSON, A.F., 1996, p. 248). No século

XVII,

A Holanda era uma nação de mercadores, agricultores e marinheiros, e a fé instituída pela Reforma sua religião oficial; assim os artistas holandeses não podiam contar com encomendas públicas em grande escala, patrocinadas pelo Estado e pela Igreja, que eram comuns em todo o mundo católico. Em conseqüência, o colecionador particular tornou-se a principal fonte de sustento para os pintores. (JANSON, H.W. & JANSON, A.F., 1996, p. 264)

Ao invés de diminuir, a produção de quadros na Holanda tornou-se, ao

contrário do que se podia imaginar, um bem de consumo, itens colecionáveis. A

maioria desses compradores escolhiam quadros que “estivessem ligados à sua

própria experiência – paisagens, naturezas-mortas, cenas da vida cotidiana”

(JANSON, H.W. & JANSON, A.F., 1996, p. 270). Aos poucos a pintura paisagística

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foi ganhando adeptos, como Ruysdael, Rembrandt, Constable, Turner, Monet, Van

Gogh, Cézanne, etc conduzindo as inovações técnicas na pintura paisagística

“progressivamente a um afastamento do substancial e tangível, na direção do

indeterminado e intangível” (BERGER, 1999, p. 107), e com maior carga de

subjetivação.

Segundo Marcio Santos (2006, p, 134-135) a paisagem foi considerada arte

por ser uma “representação de formas, de conteúdos, de espaços, de lugar, sempre

como mediadora da relação do homem com o meio em que vive e observa”, isso

porque desde a filosofia grega socrática a arte era tida como representação da

forma, do conteúdo, do espaço, ou seja, “uma reprodução gráfica” do mundo. Assim,

como a arte também deveria representar a natureza, as pinturas paisagísticas foram

consideradas arte.

Segundo Luchiari (2001, p. 11), a tradução pelo imaginário coletivo da

concepção social de natureza de uma determinada época tem sua expressão mais

completa com o desenvolvimento do conceito de paisagem,

[...] que, longe de ser apenas um modelo abstrato de compreensão do meio, é também a materialidade por meio da qual a racionalidade humana organiza os homens e a natureza em territórios. Ao ser objeto dessa lógica estruturante da sociedade, a paisagem é portadora de sentido. Assim, veremos que o domínio ideológico que estrutura o espaço total está representado também na organização social das paisagens. (LUCHIARI, 2001, p. 11)

A paisagem tornou-se conceito com o desenvolvimento da ciência,

aparecendo na transição do século XVIII para o século XIX, com a crescente

separação do homem e da natureza (SANTOS, Marcio, 2006).

Nesse sentido, a expansão da cidade, a urbanização, a transformação do homem do campo em cidadão, veio a contribuir para o surgimento da noção moderna da paisagem. [...] A paisagem só poderia nascer com a urbanização da sociedade e com a autonomia cada vez crescente do homem frente à natureza, à servidão, e aos rigores da vida camponesa ou da sua sobrevivência em geral. (SANTOS, Marcio, 2006, p. 136)

Por ser muito utilizada tanto pelo senso comum, como pelas diversas

ciências, a palavra paisagem agrega muitos significados. Quanto à paisagem

geográfica, Luchiari (2001) afirma que a polissemia da palavra paisagem se

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estabeleceu “a partir da geografia alemã e das influências do racionalismo

positivista, de um lado, e do idealismo e do romantismo, de outro” (p. 15). O conceito

de landschaft permitia uma dupla interpretação, objetiva e subjetiva, ou seja,

científica e artística, respectivamente.

Desde o início, a apreensão da paisagem como fenômeno visível se colocou como o centro de um conflito entre objetividade (descrição de elementos concretos da fisiologia da paisagem que poderiam ser analisados por qualquer geógrafo) e subjetividade (descrição seletiva dos elementos da paisagem, conforme o interesse explicativo). (LUCHIARI, 2001, p. 15)

Ao longo do desenvolvimento geográfico, o conceito de paisagem foi

trabalhado por diversos autores, sendo Alexandre Von Humboldt o primeiro, seguido

por Ritter, Ratzel, Vidal de La Blache, R. Hartshorne, J. Tricart, C. Sauer, dentre

outros. No entanto, não temos a intenção de remontarmos, neste trabalho, o

percurso que o conceito paisagem fez ao longo da história do pensamento

geográfico. Vamos nos aprofundar na análise do conceito de paisagem proposta por

Milton Santos em duas de suas obras: Metamorfoses do Espaço Habitado,

fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia (1988a) e Natureza do Espaço:

Técnica e Tempo, Razão e Emoção (2006).

Para Milton Santos (1988a), a paisagem é tudo aquilo que a visão abrange,

ou seja, o “domínio do visível” (p. 21). Assim, dependendo de nossa posição na

superfície terrestre podemos alcançar diferentes escalas de observação da

paisagem.

A paisagem toma escalas diferentes e assoma diversamente aos nossos olhos, segundo onde estejamos, ampliando-se quanto mais se sobe em altura, porque desse modo desaparecem ou se atenuam os obstáculos à visão, e o horizonte vislumbrado não se rompe. (SANTOS, 1988a, p. 22)

A compreensão da dimensão da paisagem depende da percepção que é um

“processo seletivo de apreensão” (SANTOS, 1988a, p. 22) do que nos cerca. No

entanto, apesar da realidade ser apenas uma, cada pessoa a absorve de forma

diferente. Assim, a percepção ainda não é conhecimento, com ela não alcançamos o

significado da paisagem, temos apenas a sua aparência.

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Carl Sauer (apud SANTOS, 1988a, p. 22) nos diz que a partir do momento

que o homem interage com a natureza passa a existir uma “relação cultural, que é

também política, técnica”. Para ele, então, existem dois tipos de paisagem, a natural

e a artificial. Assim, a produção do espaço:

[...] é resultado da ação dos homens agindo sobre o próprio espaço, através dos objetos, naturais e artificiais. Cada tipo de paisagem é a reprodução de níveis diferentes de forças produtivas, materiais e imateriais, pois o conhecimento também faz parte do rol das forças produtivas. (SANTOS, 1988a, p. 22)

A paisagem é, também, um conjunto de formas artificiais, aquelas que foram

transformadas pelo trabalho humano, e naturais, aquelas que ainda não sofreram

interferência humana. Cabe ressaltar, no entanto, que as paisagens naturais são

cada vez mais escassas, na medida em que a natureza ainda intocada “é objeto de

preocupações e de intenções econômicas ou políticas [...] sendo, desse modo,

social.” (SANTOS, 1988a, p. 23)

A paisagem é um “conjunto de objetos reais-concretos” (SANTOS, Milton,

2006, p. 103), reunião de objetos do passado e do presente criados e organizados

de acordo com o conteúdo técnico da época e que coexistem atualmente.

Milton Santos (1988a, p. 23) afirma a existência de uma relação entre a

configuração da paisagem e a produção, já que para cada tipo de forma há um

instrumento de trabalho específico capaz de produzi-la. Aliam-se à produção formas

específicas de circulação, distribuição e consumo. Santos ressalta, ainda, além da

técnica, a importância das condições econômicas, políticas e culturais ao

estudarmos a paisagem, já que ela “não tem existência histórica fora das relações

sociais” (1988a, p. 24).

Assim, as paisagens vão sendo criadas aos poucos, através de substituições,

acréscimos, subtrações seguindo a lógica de produção do momento, fazendo com

que as funções das formas já existentes sejam modificadas, aliadas à construção de

novas formas de acordo com as novas necessidades.

Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos. Daí vem a anarquia das cidades capitalistas. Se juntos se mantêm elementos de idades diferentes, eles vão responder diferentemente às demandas sociais. A cidade é essa

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heterogeneidade de formas, mas subordinada a um movimento global. [...] Somente uma parte dos objetos geográficos não mais atende aos fins de quando foi construída. (SANTOS, 1988a, p. 23)

Temos, então, na paisagem uma espécie de “museu” da história do trabalho e

das técnicas, incompleto já que apenas vemos alguns objetos materiais e sistemas

técnicos de diversas idades, ou seja, fragmentos do espaço geográfico. Desta forma,

para estudá-la necessitamos,

[...] interpretar cada etapa da evolução social, cumpre-nos retomar a história que esses fragmentos de diferentes idades representam juntamente com a história tal como a sociedade a escreveu de momento em momento. Assim, reconstituímos a história pretérita da paisagem, mas a função da paisagem atual nos será dada por sua confrontação com a sociedade atual. (SANTOS, Milton, 2006, p. 107)

As mudanças na paisagem também podem ser funcionais ou estruturais. Ao

longo do dia podemos observar mudanças funcionais nas cidades, ou seja, em uma

rua comercial as lojas estão abertas de dia gerando um tipo de movimento,

enquanto à noite, quando estão fechadas geram outra dinâmica, com isso temos

paisagens diferentes, como exemplifica Santos (1988a) “a rua, a praça, o logradouro

funcionam de modo diferente segundo as horas do dia, os dias da semana, as

épocas do ano” (p. 24). Isso pode ser evidenciado e comparado por meio da tomada

de fotografias de dia e de noite possibilitando a identificação de mudanças nas

funções dos objetos.

A sociedade urbana é uma, mas se dá segundo formas-lugares diferentes. É o princípio da diferenciação funcional dos subespaços. A sociedade não mudou, permaneceu a mesma, mas se dá de acordo com ritmos distintos, segundo os lugares, cada ritmo correspondendo a uma aparência, uma forma de parecer. É o princípio da variação funcional do mesmo subespaço. (SANTOS, 1988a, p. 24)

Já na mudança estrutural temos alterações na forma, na estrutura material,

por exemplo as construções de edifícios cada vez mais altos e modernos. Essa

mudança esta diretamente ligada às condições sociais, econômicas, políticas e

técnicas da época e do lugar. Outro exemplo de alteração estrutural da paisagem

são as adequações de antigas estruturas para receberem funções modernas. A

fotografia também se revela uma ótima ferramenta para a identificação de mudanças

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estruturais nas paisagens por meio de uma análise comparativa de imagens de

diferentes épocas.

Assim, segundo Milton Santos (1988a), a substituição das formas se dá por

dois tipos de envelhecimento: físico, ou seja, deterioração material; ou social, não

utilização ou desvalorização de acordo com as mudanças na política, na economia,

na cultura. Também podem ocorrer revalorizações de porções do espaço urbano

que tiveram objetos preservados tornando-se alvo de especulação imobiliária ou

preservação cultural, como tombamentos . Na paisagem, ainda temos formas viúvas,

aquelas que aguardam uma nova função, e virgens, novas formas para novas

funções (1988a, p. 25).

As funções que são mais suscetíveis de criar novas formas são: bancos, hipermercados, o Estado, shopping-centers etc., além de certas funções públicas. Fora estas, são poucas as funções capazes de criar novas formas, e é por isso mais comum o uso das preexistentes através de uma readaptação. E o caso de casas de saúde, escolas, serviços diversos, fábricas menores etc., que se instalam em antigos casarões ou prédios deixados por outras atividades com readaptação de formas velhas para novas funções.” (SANTOS, 1988a, p. 25)

A paisagem é, portanto, materialidade, como aquela que obtemos com a

retirada de uma fotografia. É onde as relações sociais do passado são fixadas

(SANTOS, 1988a, p. 25). É onde a sociedade se fixa.

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CAPÍTULO II

O DESENVOLVIMENTO DA FOTOGRAFIA E DOS REGISTROS ICONOGRÁFICOS

1. O início da fotografia

Uma forma de se observar e apreender a paisagem é por meio da fotografia.

Esta nasceu no período da Revolução Industrial despertando grande interesse nas

pessoas, porque as dava oportunidade de conhecer costumes, arquitetura,

momentos, religiões, etc, de várias partes do mundo sem sair de suas casas

(KOSSOY, 2001, p. 25-26).

Em meio à tamanha aceleração da vida com o modo de produção capitalista

possibilitando o aumento das trocas, a industrialização, o crescimento das cidades, o

desenvolvimento das tecnologias de comunicação, a sociedade industrial precisava

“de um sistema de representação adaptado ao seu nível de desenvolvimento, ao seu

grau de tecnicidade, aos seus ritmos, aos seus modos de organização sociais e

políticos, aos seus valores e, evidentemente, à sua economia” (ROUILLÉ, 2009, p.

31). Nesse contexto, a fotografia surge e legitima-se como ferramenta “que

documenta com o máximo de pertinência e de eficácia”, em grande parte devido ao

seu caráter mecânico (ROUILLÉ, 2009, p. 30).

A fotografia está ligada a dois fenômenos da modernidade: a urbanização e o

expansionismo, “de que ela é produto e instrumento” (ROUILLÉ, 2009, p. 43)

transformando o documental na medida em que representa a cidade moderna de

forma moderna, além de documentar o distante, “o nunca visto”, o que o homem não

conhecia. Assim, segundo Rouillé (2009), a fotografia é urbana por ser fruto dele e

por registrar seus conteúdos, além de ter sido devido às lógicas do urbano o

surgimento da possibilidade do desenvolvimento das técnicas capazes de

proporcionar às imagens fotográficas a nitidez, a precisão e a rapidez.

A primeira descoberta para o surgimento da fotografia foram os esquemas da

Câmara Escura, atribuídos, por alguns historiadores, ao chinês Mo Tzu no século V

a.C. e por outros a Aristóteles (384-322 a.C.). A primeira ilustração da Câmara

Escura remonta ao físico e matemático holandês Reiner Gemma Frisius, em 1545.

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Neste século, pintores já utilizavam a Câmara Escura para a produção de desenhos

e pinturas.

Esta câmara era um quarto estanque à luz, possuía um orifício de um lado e a parede à sua frente pintada de branco. Quando um objeto era posto diante do orifício, do lado de fora do compartimento, deixará passar para o interior alguns desses raios que irão se projetar na parede branca, cada ponto iluminado do objeto reflete assim os raios de luz, então a sua imagem era projetada invertida e com pouca nitidez sobre a parede branca. Essa falta de definição passou a ser um grande problema aos artistas que pretendiam usar a câmara escura na pintura. (Coleção de Negativos em Vidro do Museu da Cidade do Recife: Trabalhos de Recuperação, s.d., p. 12)

A partir daí vários experimentos e descobertas de física e química foram

realizadas até chegarmos à primeira fotografia. Descobriu-se que lentes biconvexas

aumentavam a nitidez da imagem, que esta também variava de acordo com o

estreitamento do orifício (primeiro diafragma), que era possível reinverter a imagem

utilizando um espelho côncavo, a possibilidade de gravar a imagem em papel e,

posteriormente, produzir cópias, a invenção de máquinas portáteis com revelações

simplificadas e coloridas (Anexo A).

Sobre esse processo de invenção da fotografia, JANSON nos coloca em seu

livro Iniciação à História da Arte (1996) uma dúvida interessante. Se a câmara

escura já era conhecida desde o século XVI, por que somente com a Revolução

Industrial todos os conhecimentos químicos e físicos foram combinados para a

produção da primeira fotografia? Até o século XVIII a fantasia, a criação de uma

realidade que favorecesse os modelos era mais importante que um retrato exato,

fidedigno, ou seja, somente a Revolução Industrial possibilitou ao homem uma nova

forma de vida. Junto com ela, alterou-se o jeito como ele passou a registrá-la, e para

isso “o fato de essa nova técnica ter um aspecto mecânico era particularmente

apropriado” (JANSON, H.W. & JANSON, A.F., 1996, p. 425).

Desta forma, o final do século XVIII e início do século XIX foram marcados

pelo crescente interesse da nascente classe média – substituta da aristocracia como

principal patrocinadora cultural – por imagens dos mais variados tipos. O retrato

(“cartão de visita”), por exemplo, foi o que primeiro despertou o interesse dessa

classe; depois veio o interesse pelas imagens do mundo acessíveis a todos sem que

precisassem sair de suas casas – a “paixão pelo exótico era fundamental ao

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escapismo romântico, e por volta de 1850 os fotógrafos haviam começado a

transportar seus equipamentos para lugares distantes” (JANSON, H.W. & JANSON,

A.F., 1996, p. 426-427).

A difusão da fotografia realiza-se, nessa época, por meio da sua possibilidade

de ser colecionável, além de ser utilizada como adereço em relógios, bengalas,

lunetas (FABRIS, 2008, p. 42). Segundo Annateresa Fabris, a fotografia “revela-se

um poderoso instrumento de coesão social” (2008, p. 44-45), já que possibilita a

construção de um “museu imaginário ideal”, com coleções de imagens comuns às

classes hegemônicas, possibilitando a estas “viajar no tempo e no espaço”,

tornando-se um produto industrial, capitalista. Logo, a fotografia adquire um valor

documental e passa a ser utilizada para mostrar a pobreza, as guerras, as obras,

identificação pessoal e criminal (FABRIS, 2008, p. 52).

Diante do exposto, podemos concordar com a autora:

Talvez não seja arriscado afirmar que a fotografia é a invenção ‘mais burguesa’ ideada pela burguesia em sua tentativa de construir o mundo à própria imagem e semelhança. E a imagem da burguesia do século XIX não podia deixar de ser mecânica, de obedecer às leis de uma difusão capilar, de moldar-se num tipo de desenvolvimento racional, inerente à lógica capitalista, pela qual homens e objetos se equivalem. (FABRIS, 2008, p. 56)

No Brasil a fotografia surge, em 1832, com Hercules Romuald Florence que

descobre, de forma isolada, na vila de São Carlos (Campinas), um processo de

gravação por meio da luz dando-lhe o nome de Photografie, antes de seus

contemporâneos europeus, o que o torna “pai” da fotografia. Em 1833, inventa uma

câmara escura com uma chapa de vidro que por contato sensibilizava um papel,

transferindo a imagem. No entanto, a expansão da fotografia não se deu com as

invenções de Florence, mas sim, com Louis Compte, em 1840, que a mostrou a

Dom Pedro II no Rio de Janeiro. A partir desse momento, a difusão da fotografia foi

iniciada, principalmente com os fotógrafos itinerantes. Os estúdios permanentes

surgiram primeiro no Rio de Janeiro, e mais tarde em São Paulo.

No início da história humana era possível criar em diferentes lugares soluções

técnicas próprias e convergentes sem que tivessem sua aparição em momentos

simultâneos, ou que o surgimento de determinada técnica obrigatoriamente tivesse

repercussões em outros lugares. Com o capitalismo, e principalmente hoje com a

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globalização podemos falar em uma idade universal das técnicas, idade contada a

partir do momento em que surge e que é disseminada por “todo” o mundo.

2. A fotografia em São Paulo

2.1. Seus primeiros passos...

Para tratarmos da história da fotografia em São Paulo, precisamos retomar

algumas obras paisagísticas importantes realizadas por dois desenhistas, Charles

Landseer e William John Burchell. Landseer (1799-1879), desenhista inglês, esteve

no Brasil nos anos 1825 e 1826 retratando as paisagens urbanas e os personagens

típicos da sociedade do Rio de Janeiro e de São Paulo. Burchell, botânico (1781-

1863), veio ao Brasil em 1825 em uma expedição inglesa que pretendia reconhecer

nossa independência. Neste período retratou a flora e os habitantes do interior

paulista e da Serra do Mar, além da cidade de São Paulo vista de longe a partir das

estradas que seguiam para Santos e para o Rio de Janeiro. Cabe lembrar que nessa

época, na cidade de São Paulo,

A pobreza da cidade era irrelevante diante do fato de que ela era cercada de áreas prósperas de fazendas de açúcar, como Jundiaí, Campinas e Itu, de onde provinham, periodicamente, os membros do Senado da Câmara, para a gestão provincial. Ela era também o entreposto das tropas de gado vindas do sul e a articuladora do mercado de abastecimento do Rio de Janeiro. Ela seria ademais a sede do novo presidente de província, estabelecido em 1824. Suas funções administrativas, militares, eclesiásticas e comerciais se ampliaram de modo geral com o advento do novo regime monárquico. (SEVCENKO, 2004, p. 321-323)

A partir de então a cidade passa a receber olhares dos artistas viajantes,

principalmente ingleses, como Edward Pink, Daniel Kidder, James Fletcher,

Richards, Elliot, Thomas Ender e os franceses Arnaud Julien Pallière e Jean-

Baptiste Debret, além dos já citados Landseer e Burchell, atraídos pelo “seu

exotismo, da sua localização pitoresca e da peculiaridade meio hispânica, meio

indígena e meio africana de seus habitantes naturais” (SEVCENKO, 2004, p. 323).

Data dessa época a febre por retratos, gênero fotográfico com maior

comercialização no século XIX (LIMA, 2008, p. 61). Isso foi registrado pelo escritor

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Álvares de Azevedo, em 1848: “Não há Estudante que não se tenha retratado ou

pretenda-se retratar-se” (apud MENDES, 2004, p. 389), referindo-se aos estudantes

da Faculdade São Francisco.

Segundo Mendes (2004, p. 389), até a década de 1850 não tínhamos

menções ao serviço de tomadas de fotografias da paisagem urbana de São Paulo,

tão pouco havia comercialização de tal gênero fotográfico.

Então, em novembro de 1859, o jornal Correio Paulistano traz o

“reclame”: “VISTAS PHOTOGRAPHICAS da Academia em São Paulo achão-se a venda no Bazar Paulistano n. 36. Aqueles srs.

Estudantes que dezejarem levar para seus lares uma lembrança do lugar de sua vida acadêmica acharão nestes lindos quadros mui próprios para tal fim”. (MENDES, 2004, p. 389)

Em 1867 temos a construção da estrada de ferro São Paulo Railway ligando o

porto de Santos a Jundiaí. A cidade de São Paulo começou a se transformar, reflexo

da expansão cafeeira pelo oeste paulista. Segundo Sevcenko “[...] a metamorfose da

cidade é total, rápida e espetacular. Até os anos 20 do século XX, a região de São

Paulo seria responsável pelo fornecimento de mais de 75% de todo o café que

circulava no mercado internacional.” (2004, p. 326).

As famosas vistas fotográficas da cidade feitas por Militão Augusto de

Azevedo e reunidas no Álbum comparativo da cidade de São Paulo – 1862-1887,

lançado em 1887 mostram a transformação ocorrida na cidade nessa época.

Essa coleção de fotos é um autêntico tesouro porque Militão se deu conta, com toda clareza, que a cidade existente estava destinada a desaparecer em intervalo curtíssimo, cabendo ao fotógrafo registrar uma memória que se apagava sob o ritmo frenético das ferrovias, dos transatlânticos e dos telégrafos. Ele fixou metodicamente todos os quadrantes, meandros, becos e ruínas, permitindo que contemplemos hoje, com prodigiosa riqueza de detalhes, o que foi a São Paulo histórica, a Piratininga épica dos descendentes dos guaianás. (SEVCENKO, 2004, p. 327)

Segundo Mendes (2004, p. 391), esse acervo organizado pelo Militão foi

recuperado, no início do século XX, no “primeiro boom historiográfico” sobre a

cidade de São Paulo, no qual aparecem as primeiras iniciativas de coleta e

organização de imagens fotográficas. Temos aqui o início da construção de uma

memória visual de São Paulo, mas tendo a fotografia, ainda, como um simples papel

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ilustrativo, sem preocupação com a autoria das imagens ou com sua origem (2004,

p. 428), ou seja, um simples acessório. As fotografias da década de 1860 tornam-se

relevantes por serem “o mais antigo registro da capital paulista [...] que chegou até

nós” (2004, p. 391).

A partir de 1870, surge outra forma de registrar as transformações da cidade,

de estabelecer uma memória visual de São Paulo, por meio da contratação de

fotógrafos para documentarem as obras que modificavam intensamente a paisagem

urbana.

Um crescimento explosivo da população implica a demanda por serviços públicos de infra-estrutura, que desde finais da década de 1870 começavam a ser implementados. No entanto, a taxa de expansão da capital paulista exigiria serviços progressivamente maiores em complexidade e extensão, superando continuamente as iniciativas tomadas. (MENDES, 2004, p. 408)

Nesse novo ramo de atuação dos fotógrafos temos alguns nomes

importantes, como P. Doumet que publicou em 1893 o álbum Cidade de São Paulo:

Serviços da Repartição de Agua e Esgotos, no qual retratou as obras de

implantação do sistema de captação de água da Cantareira levando-a para o centro

da cidade, Otto Rudolf Quaas que registrou obras de prédios públicos realizadas

pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo, principalmente entre 1890 e 1910, e

Guilherme Gaensly na última década do século XIX, que documentou as principais

obras de instituições públicas e particulares.

O registro de obras acentua-se nas primeiras décadas do século XX, período

que o poder público promove as primeiras intervenções urbanísticas de maior

significação, como o plano Bouvard do vale do Anhangabaú e o Plano de Avenidas

do Prestes Maia (MENDES, 2004, p. 414)1.

Ainda faz parte desse projeto de recuperação da paisagem perdida devido à

acelerada transformação pela qual a cidade passava a obra, publicada em 1905, S.

Paulo antigo e S. Paulo moderno: 1554-1904 organizado por Henrique Vanorden,

Nereu Rangel Pestana e Jules Martin, marcando um período importante na história

visual da cidade.

1 Cabe ressaltar, que essa documentação não era um objetivo oficial do poder público, mas sim, boa

parte executada pelo escritório de Ramos Azevedo.

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2.2. A fotografia de São Paulo no século XX

Segundo Lima (2008, p. 71), as vistas fotográficas tornam-se um importante

gênero de comercialização a partir das primeiras décadas do século XX com a febre

dos cartões-postais, isso devido a um conjunto de fatores, como o desenvolvimento

da cidade que proporcionou a ampliação do mercado interno, a redução dos custos

da produção fotográfica beneficiada pelo desenvolvimento da tecnologia, o aumento

do turismo e, mais especificamente, o surto de imigração para a cidade no início do

século XX. O mercado consumidor dessas fotografias era, portanto, os imigrantes e

turistas, os próprios paulistanos ávidos em colecionar cartões-postais, além do

Governo que encomendava trabalhos fotográficos destinados à divulgação das

capacidades, habilidades, de São Paulo em negociações com outros países (LIMA,

2008, p. 78). Temos, assim, “um período de educação do olhar e redefinição de

valores estéticos sob a óptica fotográfica” (LIMA, 2008, p. 71), ou seja, uma

educação do olhar para a comunicação em massa que dominará o século XX.

A imagem aérea aparece pela primeira vez, em 1919, na Revista do Brasil

com a publicação do artigo São Paulo vista do aeroplano, no qual foram divulgadas

duas imagens feitas pelo tenente observador Dorsand.

As imagens aéreas constituiriam ao longo de extenso período um motivo de fascínio, repetindo-se continuamente em revistas das décadas seguintes. O interesse por este novo olhar é apenas um dos vários desdobramentos de uma expansão tecnológica da imagem técnica, da imagem produzida por aparelhos. (MENDES, 2004, p. 416)

Com esses exemplos de álbuns fotográficos citados acima, e ainda muitos

outros que não mencionamos, podemos perceber um interesse crescente em

retratar a paisagem urbana de São Paulo em constante transformação. No entanto,

somente na década de 1940 foi constituído o primeiro arquivo de imagens

fotográficas da cidade, organizado por Benedito Junqueira Duarte, funcionário do

Departamento de Cultura na gestão do prefeito Fábio Prado, marcando “o início de

uma documentação da capital paulista, de forma sistemática, empreendida pela

municipalidade” (MENDES, 2004, p. 430), contudo ainda não havia a preocupação

com a memória dos fotógrafos, bem como com as utilidades e as funções que essas

imagens tiveram quando tomadas.

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[...] Duarte passa a ser requisitado para documentar as novas obras. Por um lado, Benedito Duarte responde por uma documentação oficial, embora em nenhum momento a municipalidade tenha estruturado uma política de propaganda clara e articulada, nem definido órgãos executores. Por outro, o fotógrafo organiza a documentação histórica que constituiria o principal repertório visual sobre a capital paulista [...] A produção de Benedito ao longo de mais de uma década é um registro único. Enfoca não só intervenções físicas mas também os serviços implantados pelo Departamento de Cultura, em especial as bibliotecas e parques infantis.” (MENDES, 2004, p. 439)

Cabe ressaltar que o desenvolvimento tecnológico permitiu o uso da técnica

fotografia por amadores que desde o final do século XIX passam a retratar a cidade

de São Paulo, seus movimentos diários, destinando suas imagens, na maioria das

vezes, a acervos pessoais (MENDES, 2004, p. 431).

Nas décadas de 1940 e 1950 devido às comemorações do IV Centenário da

cidade ocorre uma explosão de imagens, uma “banalização icônica” (MENDES,

2004, p. 440). Aparecem nas imagens de Ademar Manarini e Eduardo Salvatore os

primeiros registros focados às questões sociais, como a exclusão. Temos, também,

nessa época, a imigração de fotógrafos fugindo das guerras europeias, trazendo

novas abordagens para a documentação fotográfica, como Hildegard Rosenthal e

Alice Brill focadas no dia-a-dia da cidade (2004, p. 442). Ambas também retratam a

arquitetura, os novos edifícios utilizando fotomontagens. Surgem também as

fotografias industriais, retratando a rotina dentro das indústrias (2004, p. 443).

Esses olhares novos, de ângulos diferenciados, comprometidos com agendas e encomendas distintas, cristalizam lentamente as diferentes formas de produção visual em fotografia. Se o século XIX apresentava uma produção reduzida em função da demanda contida pelas condições econômicas, a primeira metade do século XX convive com expansão contínua dos campos de ação da fotografia, associada a uma renovação do conjunto de profissionais. (MENDES, 2004, p. 444)

A década de 1960 apresenta uma produção menor em comparação com a

década anterior – década do IV Centenário –, obedecendo às mesmas

características estéticas.

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A São Paulo da década de 1960 é uma cidade de transição. O centro “monumental” entraria lentamente em relativa decadência. Menos talvez pela dificuldade de expansão e mais pelo crescimento horizontal da metrópole, não acompanhado por um investimento adequado em transporte. Apenas ao final da década, ações urbanas, como um sistema metroviário, começaram a ser delineadas, com atraso e lentidão. Obras previstas havia décadas, como a retificação do rio Tietê, a construção das marginais ou vias como as avenidas 23 de Maio e Radial Leste ganhariam, então, forma mais efetiva. (MENDES, 2004, p. 444-445)

A efervescência da cultura brasileira na década de 1960 proporcionou o

surgimento de uma nova fotografia brasileira que pretendia definir a fotografia como

um meio de expressão e como registro documental. Na década de 1970, ela ganha

espaço no museu, na publicidade e na imprensa. Temos a primeira geração de

estudiosos voltados para a historiografia da fotografia brasileira, como Boris Kossoy,

Stefania Bril e Moracy de Oliveira, e o inicio de um debate sobre a utilização das

imagens fotográficas como fonte documental na pesquisa histórica.

Com a criação em 1975 do Departamento do Patrimônio Histórico Municipal,

inaugura-se o setor do Museu Histórico da Imagem Fotográfica da Cidade de São

Paulo – a partir do Arquivo de Negativos formado por Benedito Junqueira Duarte –

buscando estimular a pesquisa e a divulgação das imagens fotográficas como fontes

documentais.

A recuperação de uma diversidade de fontes visuais, em grande parte conjuntos documentais sobre serviços de infra-estrutura urbana, caracteriza-se por uma inversão de uso. Gerados como material documental para emprego restrito, esses registros ganham um novo público. O interesse pela documentação urbana passa a ser vetor de estruturação de acervos e projetos de pesquisa, em detrimento de outros segmentos de produção visual em fotografia como o retrato, por exemplo. (MENDES, 2004, p. 450)

Na pesquisa acadêmica temos na década de 1970 o primeiro programa de

pós-graduação em Artes na Universidade de São Paulo. Boris Kossoy é referência

na pesquisa acadêmica sobre a história da fotografia, e sobre as relações entre a

cidade e a fotografia.

É a partir daqui que se pode falar em relação entre fotografia e cidade enquanto constituição de um corpo visual histórico e de um olhar sobre o que nos cerca, inserido numa tradição. É a descoberta de uma geração de fotógrafos e agentes da fotografia como

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historiadores, críticos e especialistas em setores os mais diversos como conservação, edição de imagem, mercado editorial. É também parte de um processo maior de constituição de uma fotografia brasileira enquanto projeto de uma geração, enquanto programas institucionais específicos. Em meio a este boom, temas como a

antropologia visual, a história do cotidiano e a cultura material entremeiam-se. (MENDES, 2004, p. 458)

Quanto a uma teoria fotográfica, somente nessa década, algumas traduções

foram realizadas. Walter Benjamin escreve, em 1937, o ensaio A obra de arte na

época de suas técnicas de reprodução, que é traduzido para o português somente

1969. Em 1973, é editado pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), o

livro Antropologia visual: a fotografia como método de pesquisa, de John Collier Jr.

Só na década seguinte chegou até nós edições de Susan Sontag e Roland Barthes.

Na década de 1980, tivemos a publicação de imagens recuperadas de

arquivos de empresas ligadas às obras de infraestrutura urbana realizadas na

cidade de São Paulo. A Eletropaulo organizou um departamento de patrimônio

histórico com documentos textuais, fotográficos e cartográficos da Light & Power e

concessionárias de gás e telefone (MENDES, 2004, p. 453-454).

O estudo da fotografia como instrumento de pesquisa tornou-se um objetivo

com o Laboratório de Imagem e Som em Antropologia e com o Programa de Pós-

Graduação em Multimeios, ambos na Unicamp, a partir da década de 90. Tivemos,

também, nessa década, um importante projeto de catalogação e organização de

fotografias, desenvolvido pelo Instituto Itaú Cultural, formando um banco de dados

de fotos digitais da cidade de São Paulo.

É nessa década que os primeiros mestrados e doutorados são apresentados

com a discussão do papel da fotografia na formação simbólica da cidade, “como

registro e como instrumento de ação a serviço dos diferentes focos de poder, público

e privado” (MENDES, 2004, p. 461).

Também é importante a contribuição de Ulpiano Bezerra de Menezes na sua

gestão no Museu Paulista da Universidade de São Paulo, devido às novas

aquisições e às melhoras na infraestrutura de conservação, armazenamento e

tratamento das imagens, construindo ali o maior acervo público organizado e aberto

à pesquisa.

Em 1997, a Fundação do Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo é

estabelecida paralelamente à privatização das empresas desse setor, ficando

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responsável por seus acervos que revelam a implantação de infraestruturas urbanas

na primeira metade do século XX.

Dentre os acervos privados, damos destaque ao Instituto Moreira Salles,

inaugurado em 1995, sendo a maior coleção privada de imagens fotográficas do

Brasil. No que diz respeito a São Paulo, tem imagens de Gilberto Ferrez e Pedro

Corrêa do Lago do final do século XIX, a Coleção Brascan das primeiras décadas do

século XX e de Hildegard Rosenthal e Alice Brill no período de 1930 a 1950.

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CAPÍTULO III

PAISAGEM, ESPAÇO GEOGRÁFICO E FOTOGRAFIA: UMA BUSCA POR SUAS RELAÇÕES

Para entendermos as relações existentes entre a fotografia e a geografia,

mais especificamente, entre a fotografia e os conceitos de paisagem e de espaço

geográfico, definidos por Milton Santos, retomamos o contexto histórico a qual a

descoberta da fotografia está inserida, seguindo para uma análise do pensamento

fotográfico elaborado por quatro importantes pesquisadores – Phillipe Dubois,

Roland Barthes, André Rouillé e Boris Kossoy – para podermos alcançar as suas

relações com a geografia em busca de apoiar nosso objeto empírico de análise que

será tratado no capítulo 4.

A fotografia como técnica originada com a economia industrial2 é considerada

a mais apta a mostrar a intensa modernização do período: abandona os aspectos

locais para ater-se na fixação dos marcos que mostrassem a integração do mercado

internacional. Como todas as demais técnicas a fotografia, nesse período, também

se aperfeiçoa, sendo cada vez mais tratada como uma técnica neutra, capaz de

levar ao espectador a realidade “nua e crua”, divulgando uma “nova mentalidade

emergente na sociedade capitalista, seu instrumento ideológico por excelência”

(CARVALHO, 2008, p. 225).

A sua reprodutibilidade e mobilidade devido ao seu tamanho e baixo custo,

rapidez de produção, e fidedignidade são características da imagem fotográfica que

proporcionou a ampliação do mundo dos homens devido a sua qualidade de

“documento adaptado ao primeiro estágio da sociedade industrial” (ROUILLÉ, 2009,

p. 50).

Mas “o que é que sustenta essa crença na exatidão, verdade e realidade da

fotografia-documento?” (ROUILLÉ, 2009, p. 63). Primeiramente, temos a noção de

perspectiva3 elaborada no século XV, que a fotografia sistematiza pelos princípios da

óptica e da câmara escura. A perspectiva foi algo importante no desenvolvimento da

2 A imagem fotográfica é obtida por uma máquina, assim suas propriedades mecânicas lhe deram

condições para inserir-se na revolução industrial e na nova sociedade que estava se formando. Com a capacidade técnica do homem para atingir novos lugares, a fotografia possibilitou a execução de um inventário do mundo visível, de reduzir o mundo a um álbum “consultável no quadro restrito de um laboratório ou de um salão burguês“ (ROUILLÉ, 2009, p. 38). 3 “organização fictícia, imaginária, reputada por imitar a percepção” (ROUILLÉ, 2009, p. 63).

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história da ciência moderna. A possibilidade de comparar as observações para

torná-las legítimas só foi possível com a “descoberta” da terceira dimensão.

Primeiramente, a perspectiva possibilitou a invenção do telescópio e do microscópio,

mais tarde da fotografia, e em um terceiro período a imagem tornou-se o exposto e

não somente uma ilustração com as ciências da observação/descrição (p. 68). Os

naturalistas passaram a fazer suas descobertas através de imagens, ou seja, para

eles, as imagens eram a reprodução das coisas do mundo, “confundem-se

totalmente com elas, podem substituí-las sem nenhuma perda” (p. 69).

Além dos princípios físicos que proporcionam “essa mecanização da mimese”

(ROUILLÉ, 2009, p. 63), temos os princípios químicos que registram, que imprimem

a imagem adicionando mais verdade e exatidão à representação do referente, ou

seja, um “registro químico das aparências” (2009, p. 63).

as propriedades químicas da impressão reúnem-se às propriedades físicas da máquina para renovar a crença na imitação [...] Em face à crise da verdade, da perda de crédito que afeta tanto o desenho quanto a escrita, a arte e a imprensa, e em resposta à dúvida profunda de que foram objeto, a fotografia renova os procedimentos do verdadeiro. E o faz mecanizando a verdade óptica (a da câmara escura e da objetiva) e duplicando-a em uma verdade táctil (a da impressão). Aliando a física à química. (ROUILLÉ, 2009, p. 64)

A última característica para responder a questão de Rouillé (2009) é a

passagem do paradigma artesanal do desenho e da pintura para o paradigma

industrial da fotografia sendo possível captar as “aparências de uma coisa por uma

máquina” (p. 64), valorizando a crença moderna de verdade, já que diminui cada vez

mais a presença do homem e de sua subjetividade.

Uma analogia utilizada nessa época para se referir à suposta verdade da

fotografia-documento era compará-la a um espelho, “uma imagem perfeitamente

analógica, totalmente confiável, absolutamente infalsificável, porque automática,

sem homem” ((ROUILLÉ, 2009, p. 66). A fotografia é vista, portanto, como passiva,

neutra, retendo simplesmente as aparências em uma banal reprodução técnica

alheia às subjetividades humanas (2009, p. 66), adquirindo o papel de documento.

A metáfora do espelho e a da mecanização da imagem denunciam, além disso, uma concepção objetivista segundo a qual a realidade seria principalmente material, e a verdade inteiramente contida nos objetos, completamente acessível através da visão. Embora a

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verdade sempre tenha de ser produzida ou criada (e não algo a alcançar, nem a encontrar, reproduzir ou coletar) [...] (ROUILLÉ, 2009, p. 66-67)

Philippe Dubois (1994) trata no primeiro capítulo de seu livro – O ato

fotográfico e outros ensaios – sobre a questão desse realismo na fotografia, ou seja,

sobre o consenso de que a fotografia apresenta a verdade baseada no

procedimento técnico de produção dessas imagens fotográficas, tratadas, portanto,

como provas que confirmam que algo realmente existiu. O autor com o intuito de

mostrar o percurso histórico desse princípio de realidade nos propõe uma divisão em

três tempos, “três posições epistemológicas” acerca da realidade e do valor

documental das fotografias (p. 53): quando a fotografia era tratada como “espelho do

real”, como “transformação do real” e como “traço de um real”.

Na fotografia como espelho do real temos associado o discurso da mimese,

ou seja, a realidade da imagem estava associada à semelhança existente entre a

fotografia e o referente. Isso está posto desde a invenção da fotografia no início do

século XIX devido à sua “natureza técnica”, à sua mecanização, o que permitia

“fazer aparecer uma imagem de maneira ‘automática’, ‘objetiva’, quase ‘natural’

(segundo tão-somente as leis da ótica e da química), sem que a mão do artista

intervenha diretamente” (DUBOIS, 1994, p. 28), dando à fotografia a cátedra de

imitação perfeita da realidade.

Segundo Dubois (1994, p. 30), temos nesse período, junto com o

desenvolvimento da técnica fotográfica, o desenvolvimento das ciências que tomam

a fotografia como a técnica capaz de melhor auxiliar na compreensão do mundo.

Temos, com isso, a separação da arte e da fotografia, já que a primeira é uma

“criação imaginária”4, enquanto a segunda é “um instrumento fiel de reprodução do

real”. Dessa forma, a fotografia passa a ter uma função documental, já que é uma

representação objetiva, neutra obtida pela máquina comandada por leis da química

e da ótica, sem a presença de um sujeito, portanto “a foto não interpreta, não

seleciona, não hierarquiza”5 (1994, p. 32).

4 “[...] No mesmo espírito, veremos florescer ao longo de todo o século XIX uma argumentação que

pretende que, graças à fotografia, a prática pictural poderá doravante adequar-se àquilo que constitui sua própria essência: a criação imaginária isolada de qualquer contingência empírica. Eis a pintura de certa forma libertada do concreto, do real, do utilitário e do social.” (DUBOIS, 1994, p. 31) 5 “Estou convencido de que os progressos mal aplicados da fotografia contribuíram muito, como aliás

todos os progressos puramente materiais, para o empobrecimento do gênio artístico francês, já tão raro (...). Disso decorre que a indústria, ao irromper na arte, se torna sua inimiga mais mortal e que

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Na fotografia como transformação do real, temos uma reação a essa

realidade como uma impressão, negando a neutralidade que a fotografia como

espelho do real tinha, passando a entendê-la como uma análise, uma interpretação,

uma transformação do real imbuída de códigos. Isso se deve, segundo Dubois

(1994, p. 36), ao movimento estruturalista (século XX) que denuncia a mimese da

fotografia, a sua neutralidade, a sua objetividade, e argumenta sobre seus códigos

técnicos, culturais, ideológicos, estéticos, etc., Dubois desconstrói o realismo

fotográfico pela técnica e pelos seus efeitos:

[...] em primeiro lugar, a fotografia oferece ao mundo uma imagem determinada ao mesmo tempo pelo ângulo de visão escolhido, por sua distancia do objeto e pelo enquadramento; em seguida, reduz, por um lado, a tridimensionalidade do objeto a uma imagem bidimensional e, por outro, todo o campo das variações cromáticas a um contraste branco e preto; finalmente, isola um ponto preciso do espaço-tempo e é puramente visual (às vezes sonora no caso do cinema falado), excluindo qualquer outra sensação olfativa ou tátil. Como se vê, tal desconstrução do realismo fotográfico baseia-se por inteiro numa observação da técnica fotográfica e de seus efeitos perceptivos. (DUBOIS, 1994, p. 38).

Traz também como referência Pierre Bourdieu – Uma arte média (1965, p.

108-109 apud DUBOIS, 1994, p. 40) – que trata a realidade e a objetividade da

fotografia – linguagem sem códigos – como resultado de seus usos sociais desde

sua origem. Para mostrar que a fotografia é codificada culturalmente, Dubois cita em

seu texto um exemplo esclarecedor:

[...] eis os propósitos determinados pelos usos antropológicos da foto, que mostram que a significação das mensagens fotográficas é de fato determinada culturalmente, que ela não se impõe como uma

confusão das funções impede que cada uma delas seja bem realizada (...). Quando se permite que a fotografia substitua alguma das funções da arte, corre-se o risco de que ela logo a supere ou corrompa por inteiro graças à aliança natural que encontrará na idiotice da multidão. É portanto necessário que ela volte a seu verdadeiro dever, que é o de servir ciências e artes, mas de maneira bem humilde, como a tipografia e a estenografia, que não criaram nem substituíram a literatura. Que ela enriqueça rapidamente o álbum do viajante e devolva a seus olhos a precisão que falta à memória, que orne a biblioteca do naturalista, exagere os animais microscópicos, fortaleça até com algumas informações as hipóteses do astrônomo; que seja finalmente a secretária e o caderno de notas de alguém que tenha necessidade em sua profissão de uma exatidão material absoluta, até aqui não existe nada melhor. Que salve do esquecimento as ruínas oscilantes, os livros, as estampas e os manuscritos que o tempo devora, as coisas preciosas cuja forma desaparecerá e que necessitam de um lugar nos arquivos de nossa memória, seremos gratos a ela e iremos aplaudi-la. Mas se lhe for permitido invadir o domínio do impalpável e do imaginário, tudo o que só é válido porque o homem lhe acrescenta a alma, que desgraça para nós! (BAUDELAIRE, Charles, 2006, p. 12-13)

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evidência para qualquer receptor, que sua recepção necessita de um aprendizado dos códigos de leitura. Todos os homens não são iguais diante da fotografia, eis o que nos diz à sua maneira a seguinte anedota relatada por Alan Sekulla em seu artigo “On the invention of photographic meaning”: O antropólogo Melville Herskövits mostrou um dia a uma aborígene uma foto de seu filho. Ela foi incapaz de reconhecer a imagem até o antropólogo atrair sua atenção para os detalhes da foto (...). A fotografia não comunica qualquer mensagem para aquela mulher até que o antropólogo a descreva para ela. Uma proposta, como ‘isto é uma mensagem’ e ‘isto está no lugar de seu filho’, é necessária à leitura da foto. Uma transposição para a língua que torne explícitos os códigos que procedem à composição da foto é necessária para sua compreensão pelo aborígene. O dispositivo fotográfico é, portanto, de fato um dispositivo codificado culturalmente. (Photography in print, Nova York, 1981, p. 454 apud DUBOIS, 1994,

p. 41-42)

A fotografia passa a ser pensada como isenta de neutralidade e objetividade,

coloca-se em questão a mimese: a sua verdade é contestada. Esta fase é de grande

importância no desenvolvimento do pensamento crítico sobre a fotografia.

Já na fotografia como um traço do real há a proposição de uma ontologia da

fotografia, já que mesmo com a crítica do momento anterior, mesmo sabendo da

existência de códigos nas imagens, o “sentimento de realidade [é] incontrolável do

qual não conseguimos nos livrar” (DUBOIS, 1994, p. 27). Para desenvolver essa

ideia da fotografia como um traço do real, Dubois se apoia na teoria dos signos de

Ch. S. Peirce, que é composta por três ordens: a ordem do ícone, que é a

representação pela semelhança – Dubois associa essa ordem à fotografia como

espelho do real; a ordem do símbolo, que é a representação por uma convenção – a

fotografia “como operação de codificação das aparências” (1994, p. 45); e a ordem

do índice, que é a “representação por contigüidade física do signo com o seu

referente” (p. 45) – fotografia como traço de um real.

Peirce propõe, segundo Dubois (1994), tratar teoricamente o realismo inserido

na fotografia, mas pretende ultrapassar a questão epistemológica da mimese (p. 49)

por meio da utilização da noção de índice, a qual se baseia na relação de conexão

física entre o traço, a marca e o referente.

Em termos tipológicos, isso significa que a fotografia aparenta-se com a categoria de “signos”, em que encontramos igualmente a fumaça (indício de fogo), a sombra (indício de uma presença), a cicatriz (marca de um ferimento), a ruína (traço do que havia ali), o sintoma (de uma doença), a marca de passos etc. Todos esses

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sinais têm em comum o fato “de serem realmente afetados por seu objeto” (Peirce, 2.248), de manter com ele “uma relação de conexão física” (3.361). Nisso, diferenciam-se radicalmente dos ícones (que se definem apenas por uma relação de semelhança) e dos símbolos

(que, como as palavras da língua, definem seu objeto por uma convenção geral). (DUBOIS, 1994, p. 50)

Dubois (1994, p. 50) ressalta que o momento de fixação do traço no processo

fotográfico é apenas o pequeno momento em que a imagem é gravada no material

sensível, limitado antes e depois por escolhas culturais, codificadas que se referem

às decisões quanto ao enquadramento, ao tipo de aparelho, o filme, o tempo de

exposição, a revelação, a tiragem, os circuitos de difusão, etc. Nesse momento, de

fixação do traço, apoia-se na célebre “mensagem sem código” de Roland Barthes,

em A câmara clara (1984), ou seja, somente “no instante da exposição propriamente

dita, que a foto pode ser considerada como um puro ato-traço (uma ‘mensagem sem

código’). Aqui, mas somente aqui, o homem não intervém e não pode intervir sob

pena de mudar o caráter fundamental da fotografia” (p. 51). Com isso, temos uma

relativização da referência, que Roland Barthes, traz em A câmara clara,

Chamo de “referente fotográfico” não a coisa facultativamente real a que remete uma imagem ou um signo, mas a coisa necessariamente real que foi colocada diante da objetiva, sem a qual não haveria

fotografia. A pintura pode simular a realidade sem tê-la visto (...). Ao contrário dessas imitações, na Fotografia jamais posso negar que a coisa esteve lá. Há dupla posição conjunta: de realidade e de

passado. E já que essa coerção só parece existir para ela, devemos tê-la, por redução, como a própria essência, a noema da Fotografia (...). O nome da noema da Fotografia será então: “Isso-foi”.

(BARTHES, R., 1984, p. 114-115)

Ou seja, para Barthes, o realismo da fotografia está na afirmação de que algo

existiu, de que algo aconteceu, o famoso “isso foi”, está na referencialização, na

simples afirmação da existência. A noção de índice está pautada pela conexão

física, pela singularidade, pela designação e pela atestação. O princípio de conexão

física é o traço formado pela máquina, que se alude a um referente específico

(singularidade), a isso está relacionado o princípio da designação, já que segundo

Barthes, na fotografia “isso é [somente] isso, é aquilo!”, “ela aponta” (“Olhe”, “Aqui

está”), ou seja, designa, nomeia, “atesta a existência (mas não o sentido) de uma

realidade”.

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A fotografia analisada a partir da noção indicial apenas afirma, portanto, a

existência do que está representando sem trazer significados ou sentidos da

representação. Assim como Barthes, só nos diz “isso foi”.

Assim, Dubois (1994) parte do momento da constituição da imagem, do traço,

do registro, ou seja, da “impressão luminosa [...] fixado num suporte bidimensional

sensibilizado [por uma] variação de luz emitida ou refletida por fontes situadas à

distância num espaço de três dimensões” (p. 60), pertencendo, dessa forma, à

ordem dos índices na teoria de Ch. S. Peirce, já que está sob o princípio da conexão

física.

O ícone é um signo que está ligado ao objeto pelas características

semelhantes que apresenta, podendo esse referente existir ou não.

Compreenderemos igualmente, por meio desses primeiros elementos de definição, que a oposição entre ícone e índice não é de forma alguma exclusiva: o importante no ícone é a semelhança com o objeto – quer este existam quer não; o importante no índice é que o objeto exista realmente e que seja contíguo ao signo que dele emana – que este se pareça, quer não, com seu objeto. Em outras palavras, é possível haver perfeitamente ícones indiciais ou índices icônicos. Esse ponto é particularmente importante em nossa perspectiva, pois, como veremos, o estatuto do signo fotográfico depende disso. (DUBOIS, 1994, p. 64)

Da mesma forma que os ícones, os símbolos são “mentais”, estão

desvinculados dos objetos, enquanto os índices apresentam a conexão física. A

diferença entre índice e o ícone reside na semelhança que os signos icônicos

apresentam com seus referentes, enquanto os símbolos são estabelecidos por

convenções, estabelecidas por um consenso de ideias. No entanto, índice, ícone e

símbolo não existem em estado puro, são categorias que se relacionam.

Segundo Dubois (1994, p. 73), a fotografia sendo considerada uma impressão

física de um objeto/referente, ela remete (ontologicamente), portanto, à atestação, à

afirmação, à existência de tal objeto/referente; não há sentido, significância. Mais do

que isso, nomeia, mostra, aponta, designa (p. 75). Assim, quando olhamos uma

fotografia, atestamos que algo existiu em um determinado tempo e espaço, mas não

sabemos o significado dessa existência, o porquê existiu, ou o que quer dizer,

“mostra, simplesmente, puramente, brutalmente, signos que são semanticamente

vazios [...] permanece essencialmente enigmática” (p. 84).

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Também faz parte dos riscos de referencialização o princípio da “gênese

automática”, no qual a impressão do real no material sensível dar-se-ia de modo

“voluntário”, sem a interferência humana, produto, somente, da técnica.

Jamais se deverá esquecer na análise, sob a pena de ser enganado por essa epifania de referência absolutizante, que a jusante e a montante desse momento da inscrição ‘natural’ do mundo na superfície sensível (o momento da transferência automática de aparência), que, de ambos os lados, há gestos e processos, totalmente ‘culturais’, que dependem por inteiro de escolhas e decisões humanas, tanto individuais quanto sociais. [...] Em outras palavras, o princípio da impressão natural só funciona, em toda a sua ‘pureza’, entre esse antes e esse depois, entre essas duas séries de

códigos e de modelos, durante a única fração de segundo em que se opera a própria transferência luminosa. Aí está seu limite. É somente então, nesse momento infinitesimal, nesse recuo, nessa vacilação da duração que a foto é puro ato-traço, tem uma relação de imediato pleno, de co-presença real, de proximidade física com seu referente. (DUBOIS, 1994, p. 85-86)

Para Rouillé (2009, p. 135), a fotografia-documento derivada da sociedade

industrial não responde mais às questões que a sociedade da informação a coloca.

Na redução da fotografia a documento e este à representação designatória, há uma

desconsideração das “infinitas mediações que se inserem entre as coisas e as

imagens” (p. 136). A fotografia-documento ignora os “dados extrafotográficos” (p.

159) da fotografia, o virtual, enquanto a fotografia expressão os traz para a análise

das imagens. Então, a fotografia-documento, para Rouillé, cedeu lugar à fotografia-

expressão, ou seja, uma fotografia que não se detém apenas às coisas e a seus

estados, mas que inclui os acontecimentos envolvidos.

A equivalência sem brechas entre as imagens e as coisas apoiava-se em uma tripla negação: a da subjetividade do fotógrafo; a das relações sociais ou subjetivas com os modelos e as coisas; e a da escrita fotográfica. É o inverso desses elementos que caracteriza com exatidão a fotografia-expressão: o elogio da forma, a afirmação da individualidade do fotógrafo e o dialogismo com os modelos são seus traços principais. A escrita, o autor, o outro: para uma nova maneira de documento. A fotografia-expressão não recusa totalmente a finalidade documental e propõe outras vias, aparentemente indiretas, de acesso às coisas, aos fatos, aos acontecimentos. Tais vias são aquelas que a fotografia-documento rejeita: a escrita, logo, a imagem; o conteúdo, logo, o autor; o dialogismo, logo, o outro. (ROUILLÉ, 2009, p. 161)

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A fotografia é a construção de um novo real, o fotográfico. Ocorre uma

transformação, uma criação de algum objeto real no processo de registro. É

resultado de processos físicos, químicos, técnicos, estéticos e culturais que

modificam a coisa fotografada.

Ora, essa ação eminentemente transformadora, as posturas semiótica e ontológica a ocultaram ao acentuar em demasia as noções de índice, de sinal, de impressão, isto é, de contato direto e imediato, e mesmo as noções de memória e de vestígio, isto é, de registro. A imagem constrói-se no decorrer de uma sucessão estabelecida de etapas (o ponto de vista, o enquadramento, a tomada, o negativo, a tiragem, etc.), através de um conjunto de transcrição da realidade empírica: códigos ópticos (a perspectiva), códigos técnicos (inscritos nos produtos e nos aparelhos), códigos estéticos (o plano e os enquadramentos, o ponto de vista, a luz, etc.), códigos ideológicos, etc. muitas sinuosidades que vêm perturbar as premissas tão sumárias dos enunciados do verdadeiro fotográfico. (ROUILLÉ, 2009, p. 79)

Diante dessa nova abordagem proposta por Rouillé, ele critica a ontologia

fotográfica de Phillipe Dubois, Roland Barthes e Ch. S. Peirce baseadas na teoria do

índice. A crítica que faz à teoria do índice é que ao associar as imagens como um

vestígio da existência das coisas, como uma simples impressão, um índice, esquece

dos contextos, querendo extrair leis gerais do funcionamento do dispositivo óptico,

da sua técnica (ROUILLÉ, 2009, p. 190). Também depreciam o valor do ícone em

favor do índice, ou seja, para não cair novamente no reducionismo da fotografia

como espelho do real privilegiam o registro, a marca, ao invés da semelhança.

Privilegia-se a técnica em detrimento das questões sociais, econômicas, culturais,

estéticas.

Para Rouillé, a fotografia não é um jogo de “ou’s”, ciência ou arte, registro ou

enunciado, índice ou ícone, referência ou composição, aqui ou lá, atual ou virtual,

documento ou expressão, função ou sensação, é um jogo de “e’s”.

Em vez de, por exemplo, considerá-la enquanto ícone, decalque do real, esquecendo do índice; em vez de, ao contrário, tomar o partido do índice negligenciando o ícone, seria preciso pensar como as funções indiciária e icônica formam, nela, pela primeira vez na história, uma união original. Em outros termos: ultrapassar o ponto de vista ontológico acerca do ser da fotografia em proveito das alianças e das mesclas, passar do “ou” (que exclui) para o “e” (que inclui). Não mais considerar a fotografia como uma máquina abstrata, obedecendo somente a seus mecanismos internos, constantes e

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universais, mas abordá-la enquanto prática social, plural, perpetuamente variável. Não isolar, de um lado, o ponto de vista material e, de outro, as dimensões sociais, econômicas e naturalmente estéticas. (ROUILLÉ, 2009, p. 198)

Kossoy, a nosso ver, junta essas duas abordagens: a da fotografia-

documento de Peirce, Barthes e Dubois; e a da fotografia-expressão de Rouillé.

Segundo Kossoy (2001, p. 30), sempre existiu preconceito com a utilização da

fotografia como fonte histórica ou como instrumento de pesquisa, não a valorizando

como algo repleto de informação artística e técnica. Duas razões: “existe um

aprisionamento multissecular à tradição escrita como forma de transmissão do

saber”, e “resistência em aceitar, analisar e interpretar a informação quando esta

não é transmitida segundo um sistema codificado de signos em conformidade com

os cânones tradicionais da comunicação escrita”.

Segundo Roiullé (2009, p. 97), as funções da fotografia-documento ao longo

da disseminação da sociedade industrial, são: arquivar, ordenar, fragmentar,

unificar, ilustrar e informar. A fotografia possibilitou a construção de um “inventário

do real” (2009, p. 97) – de parcelas dele, revelado pelas paisagens – à medida que

reuniu as fotos em álbuns e arquivos. A reunião das imagens em álbuns e arquivos

exige uma classificação, uma ordem que represente o real, assim, enquanto “a

fotografia fragmenta, o álbum e o arquivo recompõem os conjuntos” (2009, p. 98),

mas ainda não atingem a totalidade6 concernente ao espaço geográfico. A

fragmentação está relacionada à capacidade do aparelho em recortar as aparências

para, assim, registrá-la. Com a fragmentação temos registros parciais da realidade,

recortes de uma paisagem, em busca de reconstituírem – em futura análise dessa

imagem – uma unidade a fim de alcançar a compreensão da totalidade, ou seja, do

espaço geográfico.

Desse modo, abarcamos a idéia de continuidade e descontinuidade e a idéia de unidade e multiplicidade. Assim abraçamos também a noção de passagem do presente ao futuro. O espaço humano, aliás, revela claramente, e ao mesmo tempo, o passado, o presente e o futuro. Passado e presente nele se dão as mãos, através de um

6 Para Milton Santos (1988b), a noção de totalidade é uma “noção filosófica de natureza como o

conjunto de todas as coisas, conjunto coerente, onde ordem e desordem se confundem nesse processo de totalização permanente pelo qual uma totalidade evolui para tornar-se outra. O princípio da totalidade é básico para a elaboração de uma filosofia do espaço do homem. Ele envolve a noção de tempo e isso nos permite reconhecer a unidade de movimento, responsável pela heterogeneidade com que as coisas se apresentam diante de nós” (p. 5-6).

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funcionamento sincrônico que elimina a pseudocontradição entre história e estrutura. O futuro, para que se possa realizar, aproveita as condições preexistentes. (SANTOS, 1988b, p. 6)

Diante da noção de totalidade, devemos tomar cuidado com uma análise

simplista das imagens fotográficas, somente pela apreensão de seu visível. No

artigo O espaço em questão (1988b), Milton Santos fala um pouco das relações

entre visível e invisível para o entendimento do espaço geográfico como categoria

filosófica. Para ele, a geografia não se limita à descrição da materialidade ou à

simples determinação do visível por meio da crença absoluta, sem questionamentos

sobre o que se vê. Muitos fatores do espaço não são apreendidos imediatamente,

somente com a observação da paisagem, exige-se para compreender a totalidade a

explicação do que não é visível alcançando, assim, o invisível.

As formas modernas de acumulação do capital, as relações sociais cada vez mais complexas e mundializadas e tantas outras realidades que não se podem perceber sem um esforço de abstração, tudo isso exige do pesquisador a necessidade de buscar decifrar, e para isso encontrar instrumentos novos de análise para aplicá-los a uma realidade que, à primeira vista, e de fato, encobre uma parte considerável de suas determinações. (SANTOS, 1988b, p. 7).

Assim, temos uma compreensão do parcial sem o esquecimento da

totalidade, isso através da análise da forma – o objeto geográfico em si –, de sua

função levando ao entendimento do processo que levou para determinada

configuração do espaço.

Pierre George, em Os métodos da Geografia (1972), também nos fala sobre o

visível e o invisível. Para ele a primeira tarefa dada ao geógrafo, em qualquer

situação, é a observação. A partir daí, deve-se propor problemas que serão

solucionados pela explicação. No entanto, alguns desses problemas não são

passiveis de solução a partir, somente, da observação,

quer por se tratar de dados pertencentes ao passado e dos quais só se podem observar os efeitos, quer pelo fato de ser necessário levar em conta certas impulsões e muitas vezes oriundas de centros de comando exteriores ao meio imediatamente considerado. (GEORGE, 1972, p.20)

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Segundo George (1972, p. 21), o visível é apreendido com a observação –

“instrumento de conhecimento geográfico por excelência” – enquanto, o invisível é

passível de alcance por meio de métodos – “repertório técnico de ciências e de

pesquisas variadas”. Temos, então:

a mobilização dos documentos de natureza geográfica acessíveis à observação, e a utilização de documentos não geográficos para fins geográficos, visando à construção de imagens geográficas. (GEORGE, 1972, p. 22)

Pierre George (1972, p. 23) trata a imagem como um documento de

observação. Para ele, a fotografia, assim como o mapa, são imagens construídas,

ou seja, é resultante de uma escolha, seleciona e ordena os elementos, distribuindo-

os em categorias.

A fotografia por reproduzir as aparências de forma mais rápida que o desenho

e a pintura, sem esconder nada, de forma mecânica tornou-se a ferramenta que a

ciência moderna precisava no final do século XIX. Seu principal papel nesse

processo de modernização das ciências é o de separar a arte da ciência suprimindo

qualquer tipo de subjetividade com o intuito de o documento tornar-se o próprio

objeto.

Mesmo com essa função científica, contribuindo na difusão, na demonstração

dos saberes, o papel da fotografia sempre esteve atrelado à mera ilustração.

Durante um século, a fotografia vai, assim, contribuir para produzir, arquivar ou difundir o saber. [...] em resumo, contribuir para criar novas visibilidades, para modernizar a ciência. Muitas vezes, será uma ferramenta preciosa para naturalistas, geógrafos, arqueólogos, astrônomos, dermatologistas, cirurgiões e, evidentemente, radiologistas. Embora seu lugar nas diferentes disciplinas sofra enormes variações, seu papel [...] nunca excederam verdadeiramente a simples ilustração, mesmo entre as duas guerras mundiais, ao desenvolver-se por toda parte, no comércio, na indústria, nos lazeres, na arquitetura, na decoração, na edição, na imprensa, na moda, e naturalmente na publicidade, onde chega aos espaços emblemáticos da modernidade em 1920: as paredes cobertas de cartazes, os catálogos de produtos, e a imprensa, que adquire, então, um impulso sem precedentes. (ROUILLÉ, 2009, p. 122-123)

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A sua utilização também fora do meio científico contribuiu para que essa

característica de ilustração se acentuasse associada à função de informar na mídia

impressa com os fotorrepórteres.

As imagens fotográficas não entendidas, por nós, como meras ilustrações de

texto, podem revelar, mediante a sistematização de suas informações, ao

estabelecimento de metodologias adequadas à interpretação de seus conteúdos,

fragmentos de um passado que associado a outras fontes podem esclarecer

importantes dinâmicas pretéritas (KOSSOY, 2001, p. 32). As imagens fotográficas

são instrumentos de apoio às pesquisas (KOSSOY, 2001, p. 55).

A tradição de utilizar as imagens fotográficas como meras ilustrações, sem

dar valor aos indícios que as suas aparências revelam, e que são passíveis de

revelação, perduram até hoje. Não se leva em consideração o seu papel cultural

capaz de informar e desinformar, “de denunciar e manipular” através das “intenções,

usos e finalidades que permeiam sua produção e trajetória” (KOSSOY, 2007, p. 32).

A fotografia desde sua invenção, e ainda hoje persiste, é tida como

“testemunho da verdade” (KOSSOY, 2009, p. 19) já que é capaz de registrar, por

sua natureza técnica, a realidade como ela aparece, dando-lhe credibilidade. No

entanto, as fotografias, como visto, não são espelhos do real, elas apresentam

ambiguidades, significados ocultos nas entrelinhas, implícitos. Mesmo assim, ainda

podem ser utilizadas como fontes históricas, como fontes de informação desde que

seu conteúdo seja inserido nos acontecimentos sociais, políticos, econômicos, etc.

ocorridos, no momento da tomada, em uma determinada época e lugar. Torna-se

necessário ultrapassar as aparências das imagens buscando alcançar uma

totalidade, “caso contrário, essas imagens permanecerão estagnadas em seu

silêncio: fragmentos desconectados da memória, meras ilustrações ‘artísticas’ do

passado” (KOSSOY, 2009, p. 22).

Diante de uma paisagem, ou nossa vontade de apreendê-la se exerce sobre conjuntos que nos falam à maneira de cartões postais ou, então, nosso olhar volta-se para objetos isolados. De um modo ou de outro, temos a tendência de negligenciar o todo; mesmo os conjuntos que se encontram em nosso campo de visão nada mais são do que frações de um todo. A paisagem, certo, não é muda, mas a percepção que temos dela está longe de abarcar o objeto em sua realidade profunda. Não temos direito senão a uma aparência. (SANTOS, 2009, p. 35)

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A fotografia é memória, na medida em que fragmenta o espaço, paralisa

tempo perpetuando a representação, é para Kossoy a relação entre o efêmero – a

primeira realidade – e o “perpétuo” – a segunda realidade. Eterniza, preserva, a

memória coletiva de uma nação por meio da representação de sua arquitetura, suas

paisagens, sua gente (KOSSOY, 2007, p. 132).

A evidência documental a qual a fotografia se liga com o real não é prova da

verdade do que está sendo representado na imagem. A “verdade” pode ser

inventada de acordo com os interesses de quem a utiliza. Nesse sentido, urge a

necessidade de estabelecer um método para a utilização da fotografia no

conhecimento geográfico, já que ela é fruto de ambiguidades.

Mesmo diante da aparente neutralidade do objeto técnico “máquina

fotográfica”, “a fotografia será sempre uma interpretação” (KOSSOY, 2001, p. 120),

do fotógrafo que escolheu determinado assunto – “fragmento do real, selecionado e

organizado estética e ideologicamente” (p. 121) –, técnica e manipulação pós-

produção da imagem.

Recorremos, também, aos conceitos de espaço geográfico e paisagem

desenvolvidos por Milton Santos como base para nossa análise das imagens.

Primeiramente, traremos uma questão importante desenvolvida por Phillipe Dubois

no livro aqui tratado – O ato fotográfico e outros ensaios (1994) – e que nos ajudará

a estabelecer uma ponte entre o fotográfico e o espaço geográfico.

Dubois (1994) descreve sobre a distância contida na noção de índice, tanto

no espaço, como no tempo. No espaço temos a distância entre o aqui do signo na

imagem fotográfica e o ali do referente, isso mediado pelo aparelho, pela máquina

fotográfica que possibilita estabelecer uma profundidade de campo, ou seja,

determina uma porção do espaço que será representada a certa distância (p. 88).

Nessa relação aqui/ali, temos concomitantemente outra distância, o

presente/passado. Imediatamente após o registro o signo captado não está mais

presente, já passou, “como diz John Berger, ‘entre o momento recolhido na película

e o momento presente do olhar que se leva à fotografia, sempre existe um abismo’”

(p. 90).

O princípio de distancia espaço-temporal próprio do ato fotográfico vem portanto em contraponto ao princípio indiciário da proximidade física. Ali onde o índice vinha marcar um efeito de certeza, de plenitude, de convergência, o princípio de distância vem marcar um

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efeito de abalo, de defasagem, de vazio. [...] Como se vê, o princípio de uma separação simultânea no tempo e no espaço, de uma falha irredutível entre signo e referente é realmente fundamental. Vem sublinhar radicalmente que a fotografia, como índice, por mais vinculada fisicamente que seja, por mais próxima que esteja do objeto que ela representa e do qual ela emana, ainda assim permanece absolutamente separada dele. (DUBOIS, 1994, p. 91 e 93)

No momento do registro de um referente temos, ainda, além da questão do

índice (da relação da imagem com o real), uma relação com o tempo e com o

espaço, ou seja, um duplo corte: um corte espacial e um corte temporal (DUBOIS,

1994, p. 161). Cabe ressaltar que ambos são indissociáveis, ocorrem ao mesmo

tempo, mas são de natureza diferente (1994, p. 177).

O corte temporal se dá com a materialização de um instante, tornando algo

que estava na escala do tempo contínuo, real, evolutivo em um “instante perpétuo”,

“fração de segundo, decerto, mas ‘eternizada’”, simbólica (DUBOIS, 1994, p. 168).

Na análise do corte espacial, Dubois (1994, p. 178) quer alcançar o espaço

fotográfico, aquele que vai ser registrado.

Em outras palavras, bem aquém de qualquer intenção ou de qualquer efeito de composição, em primeiro lugar o fotógrafo sempre recorta, separa, inicia o visível. Cada objetivo, cada tomada é inelutavelmente uma machadada (golpe de machado) que retém um plano do real e exclui, rejeita, renega a ambiência [...] Sem sombra de dúvida, toda a violência (e a predação) do ato fotográfico procede essencialmente desse gesto do cut. Ele é irremediável. (DUBOIS,

1994, p. 178)

Dubois (1994), estabelece três consequências desse corte em busca de uma

definição de um espaço fotográfico: “a relação do recorte com o fora-do-quadro”, a

relação do espaço da foto em si mesmo e a “relação com o espaço topológico do

sujeito que vê” (p. 178-179). O espaço fotográfico, aquele necessariamente derivado

de um corte, finito, parcial “com relação ao infinito do espaço referencial”, implica na

existência de um “fora-de-campo, ou espaço ‘off’”, ou seja, um espaço invisível na

imagem.

Em outras palavras, o que uma fotografia não mostra é tão importante quanto o que ela revela. Mais exatamente, existe uma relação – dada como inevitável, existencial, irresistível – do fora com

o dentro, que faz com que toda fotografia se leia como portadora de

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uma “presença virtual”, como ligada consubstancialmente a algo que não está ali, sob nossos olhos, que foi afastado, mas que se assinala ali como excluído. O espaço off, não retido pelo recorte, ao mesmo tempo que ausente do campo da representação, nem por isso deixa de estar sempre marcado originariamente por sua relação de contigüidade com o espaço inscrito no quadro: sabe-se que esse ausente está presente, mas fora-de-campo, sabe-se que esteve ali no momento da tomada [...] (DUBOIS, 1994, p. 179)

No processo de enquadramento do espaço referencial que será recortado,

temos a articulação entre o espaço representado – “o interior da imagem [...] que é o

plano de espaço referencial transferido para a foto” (p. 209) – e o espaço de

representação – “a imagem como suporte de inscrição, o espaço do continente, que

é construído arbitrariamente pelos bordos do quadro” (p. 209) – ambos, definem o

espaço fotográfico.

Por fim, Dubois (1994, p. 212) acrescenta o espaço topológico, ou seja, “o

espaço referencial do sujeito que olha no momento em que examina uma foto e na

relação que mantém com o espaço da mesma”:

[...] fundamenta toda a consciência que temos da presença no mundo de nosso próprio corpo. Globalmente, parece que nossa inscrição topológica no universo terrestre é definida por uma estruturação tão simples quanto constitutiva: somos seres eretos, verticais, erguidos na perpendicular com relação à horizontalidade do solo. Essa é nossa ortogonalidade fundamental. Esse tipo de definição espacial de nossa existência terrestre entre em jogo a cada vez que olhamos uma imagem, pois ela coloca em correspondência a ortogonalidade do espaço fotográfico e a ortogonalidade de nossa inscrição topológica. (DUBOIS, 1994, p. 212)

Temos, portanto, segundo Dubois (1994, p. 212-213), quatro categorias de

espaços: o referencial (o que vemos antes da decisão do que e de como retiraremos

a foto), o representado e o de representação (o primeiro é o espaço representado na

imagem, enquanto o segundo é aquele espaço determinado a compreender a

imagem, ambos constituem o espaço fotográfico), e o espaço topológico (o espaço

de quem vê a imagem).

Já o espaço geográfico, para Milton Santos, é “formado por um conjunto

indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de

ações, não considerados isoladamente”, ou seja, “os sistemas de objetos

condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações

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leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes” (2006, p.

63). O sistema de objetos está relacionado com as potencialidades técnicas e

sociais em determinado período. Este espaço, portanto, compreende a totalidade,

podemos estabelecer um paralelo com o espaço referencial de Dubois (1994),

enquanto, o espaço representado e o de representação englobam o nosso conceito

de paisagem.

Milton Santos (2006, p. 71) nos chama a atenção para a noção de sistema,

baseando-se em Jean Baudrillard e Roland Barthes, na qual os objetos não estão

isolados, todos são elementos de uma cadeia com função específica e com “data e

hora” para serem substituídos por novos objetos.

A partir do reconhecimento dos objetos na paisagem, e no espaço, somos alertados para as relações que existem entre os lugares. Essas relações são respostas ao processo produtivo no sentido largo, incluindo desde a produção de mercadorias à produção simbólica. (SANTOS, Milton, 2006, p. 72)

O sistema de objetos é, portanto, um contínuo, no qual cada objeto está

relacionado com outros, de forma simbólica e/ou funcional, ou seja, “sua utilidade

atual, passada, ou futura vem, exatamente, do seu uso combinado pelos grupos

humanos que os criaram ou que os herdaram das gerações anteriores” (SANTOS,

Milton, 2006, p. 73).

As ações são comportamentos planejados que alteram o meio (SANTOS,

Milton, 2006, p. 80). Muitas vezes, são ações planejadas em um lugar e executadas

em outro, por pessoas diferentes, de acordo com as necessidades dos planejadores.

Estão entre os idealizadores das ações empresas multinacionais, governos,

organizações internacionais, etc.

Objetos e ações influenciam-se mutuamente, na medida em que os “objetos

não agem”, são as ações que lhes dão significados, e as técnicas embutidas nos

objetos direcionam as ações que vão agir sobre eles (SANTOS, Milton, 2006, p. 86).

As duas categorias, objeto e ação, materialidade e evento, devem ser tratadas unitariamente. Os eventos, as ações não se geografizam indiferentemente. Há, em cada momento, uma relação entre valor da ação e o valor do lugar onde ela se realiza; sem isso, todos os lugares teriam o mesmo valor de uso e o mesmo valor de troca, valores que não seriam afetados pelo movimento da história. (SANTOS, Milton, 2006, p. 86)

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A cada período histórico temos um conjunto de objetos, que correspondem às

técnicas da época, associados a determinadas ações modificando o espaço

geográfico, “tanto morfologicamente, quanto do ponto de vista das funções e dos

processos” (SANTOS, Milton, 2006, p. 96). Assim, não, necessariamente, é preciso

uma modificação morfológica para que sejam atendidas novas funções; velhos

objetos podem abrigar funções novas. Cabe lembrar, que novos objetos associados

a novas ações “tendem a ser mais produtivos e constituem, num dado lugar,

situações hegemônicas” (SANTOS, Milton, 2006, p. 97).

Uma geografia apenas interessada num determinado tipo de objetos (por exemplo, os tecnopolos) ou numa determinada idade dos objetos (por exemplo, os objetos tecnológicos atuais) não seria capaz de dar conta da realidade, que é total e jamais é homogênea. (SANTOS, Milton, 2006, p. 97)

O espaço geográfico se dá, então, na relação do conjunto de objetos com o

conjunto das ações, em suas constantes mudanças de formas e significados.

A forma e o conteúdo somente existem separadamente como ‘verdades parciais’, abstrações que somente reencontram seu valor quando vistos em conjunto (R. Ledrut, 1984, p. 32). A relação entre o continente e o conteúdo, entre a forma e o fundo, é muito mais do que uma simples relação funcional. Como nos lembra G. Simondon, “ela difunde uma influência do futuro sobre o presente, do virtual sobre o atual. Pois o fundo é o sistema das virtualidades, do potencial, das forças em movimento, enquanto as formas são o sistema da atualidade”. Nós sabemos que, se as formas constituem o sistema da atualidade, é somente porque as ações nelas existentes são sempre atuais, e desse modo as renovam. O enfoque do espaço geográfico, como o resultado da conjugação entre sistemas de objetos e sistemas de ações, permite transitar do passado ao futuro, mediante a consideração do presente. (SANTOS, Milton, 2006, p. 100)

Nesse entendimento do espaço geográfico como um “conjunto inseparável de

sistemas de objetos e sistemas de ações” (SANTOS, Milton, 2006, p. 103), temos na

relação entre a forma e o conteúdo a união entre o “processo e o resultado, a função

e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social”, o ponto de

partida para alcançarmos a totalidade.

É nessa união dos objetos e das ações que reside a distinção do espaço e da

paisagem. Assim, o espaço é a forma e o conteúdo, a forma e “a vida que as anima”

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(SANTOS, Milton, 2006, p. 103), enquanto a paisagem é constituída somente pelas

formas. Podemos dizer, então, que momentos antes de tirarmos uma fotografia,

aquele momento que nos interessamos por determinado fato, temos diante de nós o

espaço geográfico, a partir do momento que materializamos esse breve instante o

transformamos em paisagem.

Como destacamos no primeiro capítulo, a paisagem é um conjunto de

“objetos reais-concretos” de diferentes momentos técnicos – inclusive os atuais,

sendo, portanto, também retratados nas fotografias –, enquanto o espaço geográfico

é o presente, são os objetos e a sociedade, objetos e ações atuais, são os objetos

imbuídos de funções,

O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em um dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, cada fração da paisagem. (SANTOS, Milton, 2006, p. 104)

As formas da paisagem correspondentes a diversos momentos preenchem o

espaço com suas novas funções de acordo com as novas necessidades da

sociedade. “Só por sua presença, os objetos técnicos não têm outro significado

senão o paisagístico” (SANTOS, Milton, 2006, p. 105), a medida em que a

sociedade age sobre ele, dando-lhe valor, temos o espaço geográfico.

A paisagem nos revela, assim como a fotografia, uma imagem com

“fragmentos materiais de um passado”7 – montamos a partir dela suposições. Para o

interpretarmos, é necessário

7 “[...] elaboro aqui uma crônica (e não uma historia) do olhar, uma crônica da paisagem. Recuperar a

paisagem como gênero talvez seja uma necessidade premente desta aproximação do tema. A ruptura reivindicada pelas vanguardas nos diversos segmentos da arte no início do século XX e a posterior incorporação dessas atitudes pela sociedade contemporânea pôs em questão alguns procedimentos como a noção de gêneros visuais. Entre eles, a paisagem. [...] Reivindicar um debate mínimo sobre o conceito de paisagem é decorrência natural do abandono do gênero como “molde” e, o que importa, da conseqüente perda dos critérios de produção e interpretação das imagens da cidade ao longo de tão extenso intervalo de tempo. No contexto paulistano dos últimos 30 anos do século XX, período de revitalização crucial da fotografia como mídia, a quase totalidade do repertório visual local tem sido mais observada como documentação urbana, expressão de cunho puramente burocrático, do que como paisagem, elemento simbólico por excelência, em que se enquadra com centralidade. [...] A paisagem só existe como recorte, como construção imagética, em acordo com parâmetros visuais do período. Antes, ela é mera geomorfologia. A cidade, por sua vez, como fenômeno urbano, realiza-se como totalidade. Suas representações podem ser entendidas como a fusão e o diálogo de conjuntos simbólicos gerados por diferentes segmentos dominantes, seus habitantes. Fusão e fricção entre visões diferenciadas, em aspectos estéticos, que traduzem dados sensoriais, emotivos e sociais. [...] A cidade de São Paulo na fotografia, ao longo século XX em

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retomar a história que esses fragmentos de diferentes idades representam juntamente com a história tal como a sociedade a escreveu de momento em momento. Assim, reconstituímos a história pretérita da paisagem, mas a função da paisagem atual nos será dada por sua confrontação com a sociedade atual. (SANTOS, Milton, 2006, p. 107)

“O espaço é o resultado da soma e da síntese, sempre refeita, da paisagem

com a sociedade através da espacialidade” (SANTOS, 1988a, p. 26), ou seja, a

espacialidade é o meio pelo qual a sociedade age na paisagem, é “o momento da

incidência da sociedade sobre um determinado arranjo espacial” (SANTOS, 1988a,

p. 26), alterando as funções e/ou as estruturas das formas da paisagem para

atender as novas necessidades. O resultado da espacialização da sociedade sobre

a paisagem é, portanto, o espaço.

No seu movimento permanente, em sua busca incessante de geografização, a sociedade está subordinada à lei do espaço preexistente. Sua subordinação não é à paisagem, que, tomada isoladamente, é um vetor passivo. É o valor atribuído à cada fração da paisagem pela vida – que metamorfoseia a paisagem em espaço – que permite a seletividade da espacialização. Esta não é um processo autônomo, porque, na origem, depende das relações sociais e na chegada não é independente do espaço, nem o seu conceito substitui o conceito de espaço. (SANTOS, 1988a, p. 26)

Temos, assim, a paisagem, formas/objetos referentes a um passado, distante

ou recente; a paisagem síntese do espaço e da sociedade; e a espacialidade, meio

pelo qual a sociedade age na paisagem para constituir o espaço, o presente.

Pretendemos com a exposição acima relacionar a fotografia com a geografia,

já que nas imagens fotográficas temos um recorte espacial, a paisagem, nos

fornecendo indícios sobre um período que quando associado a outras fontes, a

outros documentos, apresenta-se a possibilidade de conhecermos o espaço

geográfico.

É por meio desse aporte teórico que nos propusemos a analisar, no próximo

capítulo, as mudanças espaciais – refuncionalizações espaciais – ocorridas na

região do Hospital das Clínicas.

especial, percorre um extenso percurso de construção de imagem, de perda e de reelaboração. Esse processo tem como fundo, ao inicio e ao fim desse período, sociedades distintas enquanto dinâmica social, mas em especial enquanto circulação e compreensão do universo visual.” (MENDES, 2004, p. 382-383)

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Capítulo IV

O “QUADRILÁTERO DA SAÚDE” E SUAS REFUNCIONALIZAÇÕES ESPACIAIS AO LONGO DE SUA HISTÓRIA

1. Uma metodologia para a análise das imagens fotográficas

Com o intuito de superar a suposta objetividade das imagens, tratada no

capítulo anterior, Kossoy (2001) elabora um método de interpretação das fotografias

destinado a qualquer disciplina que pretenda utilizá-las como documentos, para que

sejam compreendidas de forma eficaz, aproveitando todas as suas potencialidades,

já que a partir do momento que as informações das fontes fotográficas são

sistematizadas e analisadas por metodologias adequadas as fotografias tornam-se

um potencial de investigação e descoberta das paisagens.

Kossoy (2009) propõe analisar a imagem fotográfica buscando seus

componentes estruturais, compostos pelos elementos constitutivos e pelas

coordenadas de situação. Os elementos constitutivos são três: o assunto escolhido a

ser retratado; a tecnologia que engloba os materiais fotossensíveis, máquinas e as

técnicas de registro viabilizando tal ato; e o fotógrafo agente do ato segundo

motivações pessoais e/ou profissionais “através de um complexo processo

cultural/estético/técnico, processo este que configura a expressão fotográfica” (p.

26). Isso se realiza em um determinado espaço e tempo – coordenadas de situação

– ou seja, em um contexto histórico, político, social etc. específico.

Temos na composição de uma imagem fotográfica, portanto, elementos de

ordem material, aqueles relacionados à técnica, e os de ordem imaterial, aqueles

oriundos das intenções e objetivos do autor, permeados pela sua individualidade,

que o motivaram a escolher um assunto “em função de uma determinada

finalidade/intencionalidade” (KOSSOY, 2009, p. 27), seguido de outras escolhas, tais

como, equipamentos que serão utilizados, enquadramento, foco, o próprio ato

fotográfico, o registro, o instante de apertar o “gatilho”, até seu processamento no

laboratório, em um processo de construção da imagem.

O processo de criação do fotógrafo engloba a aventura estética, cultural e técnica que irá originar a representação fotográfica, tornar material a imagem fugaz das coisas do mundo, torná-la, enfim, um

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documento. Seja durante o processo em que é criada, seja após a sua materialização, conforme o destino ou uso que a aguarda, a representação está envolvida por uma verdadeira trama. (KOSSOY, 2009, p. 26)

As fotografias são resultado das intenções de um individuo em eternizar

determinado aspecto do real. O fotógrafo por meio de um objeto técnico – a máquina

fotográfica com seu material sensível capaz de fixar feixes luminosos – transforma a

realidade tridimensional em um artefato bidimensional fragmentando o espaço e

paralisando o tempo de um momento específico da história apresentando, portanto,

um contexto econômico, social, político, técnico, etc.

Nesse processo de criação temos outro par indissociável – ordem

material/imaterial, finalidade/intencionalidade – fragmentação/congelamento que

corresponde à decisão de selecionar um fragmento da realidade, ou seja, fazer um

recorte espacial de um assunto, associado ao momento desse recorte que se quer

paralisar, tornando a imagem “a própria cristalização da cena representada na

bidimensão da superfície em que se forma” (KOSSOY, 2009, p. 29).

A interpretação final, entretanto, ainda sofrerá interferências ao longo do processamento e elaboração final da imagem, seja no laboratório químico convencional, seja no eletrônico nas suas diversificadas formas. A imagem fotográfica é, enfim, uma representação resultante do processo de criação/construção do fotógrafo. As possibilidades de

o fotógrafo interferir na imagem – e portanto na configuração própria do assunto no contexto da realidade – existem desde a invenção da fotografia. (KOSSOY, 2009, p. 30)

Mesmo sendo uma construção do fotógrafo de acordo com seu modo de

enxergar o mundo, a fotografia é “uma representação a partir do real” (p. 30), possui

em sua materialidade um recorte espaço/temporal de algo que aconteceu, sendo,

por isso, possível tratá-la como uma fonte histórica, como um documento.

Devemos perceber a ambigüidade dessa relação: o documento fotográfico não pode ser compreendido independentemente do processo de construção da representação em que se originou. A

materialização da imagem ocorre enquanto etapa final e produto de um complexo processo de criação técnico, estético, cultural

elaborado pelo fotógrafo. Temos na imagem fotográfica um documento criado, construído, razão por que a relação documento/representação é indissociável. (KOSSOY, 2009, p. 31)

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A imagem fotográfica é um testemunho criado, construído, sendo assim, ela

pode nos revelar indícios, sinais de um fato, e não o fato tal como ocorreu. A partir

daí, temos dois conceitos que nos auxiliam na desconstrução das fotografias: índice

e ícone. O índice é a constatação de que um determinado objeto existiu, de que um

determinado fato ocorreu, é “o rastro indicial (marca luminosa deixada pelo referente

no dispositivo fotossensível) mesmo que esse referente tenha sido artificialmente

produzido”8 (KOSSOY, 2009, p. 33); enquanto o ícone revela, devido à técnica

fotográfica, tamanha semelhança da imagem com seu referente. Assim, Kossoy

trabalha como Rouillé (2009) sugere, ou seja, com a união do índice e do ícone na

análise das imagens fotográficas, o que também achamos mais pertinente.

Assim como os documentos escritos, os objetos sobreviventes de outras

épocas, os documentos iconográficos também nos revelam indícios, sinais que

possibilitam a descoberta de datas, técnicas, fatos, etc. Nas fotografias os indícios

estão na sua produção estética nos revelando as técnicas utilizadas e no conteúdo

das imagens pelos elementos icônicos.

Uma dupla arqueologia, como já colocamos em outros trabalhos, faz-se necessária para determinarmos precisamente a gênese e história do documento em si (reconstituição do processo que gerou o artefato), e o conteúdo da representação (recuperação em detalhe dos elementos icônicos que compõem o registro visual, de forma a situarmos precisamente a cena gravada no espaço e no tempo). (KOSSOY, 2007, p. 40)

Tais índices – pistas – existentes nas fotografias quando examinados

juntamente com estudos históricos, geográficos, sociológicos, etc. trazem

significado, “nos permitem datar, localizar geograficamente, identificar, recuperar

enfim, micro-histórias de diferentes naturezas implícitas no documento” (KOSSOY,

2007, p. 41).

Tendo em vista a objetividade fotográfica alicerçada nos princípios

positivistas, como poderíamos utilizá-las como documentos, como evidências?

8 O paradigma indiciário, “derivaria de um antigo saber caracterizado pela ‘capacidade de, a partir de

dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente’. E o grande exemplo dessa capacidade remonta aos primitivos caçadores, que durante milênios aprenderam a farejar, rastrear, decifrar enfim, pistas deixadas pela presa, pistas que permitiam reconstituir ‘uma série coerente de eventos’. (KOSSOY, 2007, p. 38)

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as fotografias tomadas pelo autor por puro prazer documental ou estético, por sua vontade própria, desvinculada, em princípio, de alguma aplicação imediata;

as fotografias encomendadas aos profissionais do ofício por terceiros: os clientes/contratantes. (KOSSOY, 2001, p. 110)

Estas podem ser tratadas como documentos fidedignos quando comparadas

com outras imagens sobre o mesmo assunto, aproximadamente em um mesmo

período histórico, possibilitando a comparação icônica, ou seja, objetos

semelhantes, e a outros documentos iconográficos ou escritos “se estará diante do

desconcertante verismo da informação visual fotográfica”9 (KOSSOY, 2001, p. 158).

A imagem fotográfica pode e deve ser utilizada como fonte histórica. Deve-se,

entretanto, ter em mente que o assunto registrado mostra apenas um fragmento da

realidade, um e só um enfoque da realidade passada: um aspecto determinado. Não

é demais enfatizar que este conteúdo é o resultado final de uma seleção de

possibilidades de ver, optar e fixar certo aspecto da realidade primeira, cuja decisão

cabe exclusivamente ao fotógrafo, quer esteja ele registrando o mundo para si

mesmo, quer a serviço de seu contratante. (KOSSOY, 2001, p. 113)

Segundo Kossoy (2009, p. 36-37), temos, portanto, duas realidades na

imagem fotográfica, a primeira realidade, “o próprio passado”, o antes da tomada da

fotografia, carregada de uma história “invisível fotograficamente”, uma realidade

interior, e a segunda realidade, a “do assunto representado”, do assunto na sua

materialidade fotográfica, o visível, a realidade exterior. Portanto,

a fotografia implica uma transposição de realidades: é a transposição da realidade visual do assunto selecionado, no contexto da vida (primeira realidade), para a realidade da representação (imagem fotográfica: segunda realidade); trata-se pois, também, de uma transposição de dimensões. A representação fotográfica não corresponde necessariamente à verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência [...] (KOSSOY, 2009, p. 37-38) Porém, apesar de ser a fotografia a própria ‘memória cristalizada’, sua subjetividade reside apenas nas aparências. Ocorre que essas

imagens pouco ou nada sabem do contexto histórico particular em que tais documentos se originaram. (KOSSOY, 2001, p. 158)

9 No entanto, quando as técnicas e métodos científicos de identificação foram incorporados pela

polícia, já nas primeiras décadas do século XX, a fotografia reforçou o conceito tradicional de ela ser um ‘testemunho fidedigno’, funcionando como prova do crime nas perícias policiais. Sempre teve papel decisivo – particularmente nos tempos de repressão e autoritarismo –, no sentido de identificar e condenar cidadãos que, por suas idéias políticas, foram estigmatizados como elementos perigosos, ‘subversivos’, desestabilizadores da ordem social. (KOSSOY, 2007, p. 136-137)

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Além do processo de construção da representação, temos o processo de

construção da interpretação pelos receptores da imagem fotográfica em um

processo de construção de realidades de acordo com o repertório de cada indivíduo

(KOSSOY, 2009, p. 41-42). Cria-se aí, segundo Kossoy (2009, p. 47), um conflito

entre a realidade visível – a segunda realidade, a representação – e a realidade

imaginada a partir da representação – a primeira realidade, a do passado,

fragmentada e invisível.

Aí reside, possivelmente, o ponto nodal da expressão fotográfica. Seria esta, enfim, a realidade da fotografia: uma realidade moldável

em sua produção, fluida em sua recepção, plena de verdades explícitas (análogas, iconográficas, sua realidade exterior) e de segredos implícitos (sua história particular, sua realidade interior), documental porém imaginária. Tratamos, pois, de uma expressão

peculiar que, por possibilitar inúmeras representações/interpretações, realimenta o imaginário num processo sucessivo e interminável de construção e criação de novas realidades. (KOSSOY, 2009, p. 48)

A fotografia é uma criação/construção do fotógrafo, no qual há a

transformação do assunto – fragmentação espacial e interrupção temporal – em uma

imagem codificada (KOSSOY, 2007, p. 42).

Para interpretarmos uma imagem partiremos sempre da segunda realidade,

da representação, ou seja, da aparência, “um mundo que preserva as formas de um

objeto ou cenário ou as feições de um indivíduo recortadas no espaço, paralisadas

no tempo, um mundo imaterial, logo intangível” (KOSSOY, 2007, p. 43), a base da

evidência, da verdade fotográfica.

Tem-se, assim, um documento especular da aparência, produto de um processo de criação/construção, (p. 44) ambíguo por excelência. Presta-se como evidência documental de algo que ocorreu na realidade concreta; tal, porém, não significa tratar-se de um registro fidedigno da realidade ou uma verdade absoluta. Trata-se apenas de uma verdade iconográfica [...]. (KOSSOY, 2007, p. 44-45)

Kossoy (2001, 2007, 2009) propõe-nos, didaticamente, algumas análises a

serem feitas para o estudo de fotografias: análise técnico-iconográfica e análise

iconológica. A análise técnico-iconográfica visa reunir o maior número de

informações capazes de nos revelar os elementos constitutivos (assunto, fotógrafo e

tecnologia), as coordenadas de situação (tempo e espaço) e os dados visuais da

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imagem, sua concretude. Pretende-se com essa descrição alcançarmos a segunda

realidade da imagem, ou seja, sua realidade imediata, exterior. Já a análise

iconológica busca alcançar a primeira realidade, ou seja, aquela que mobilizou a

tomada da fotografia buscando reconstituir a história do assunto, do lugar, as

condições econômicas, sociais da época. Assim, teremos uma análise completa da

fotografia.

Tendo como aporte teórico os conceitos de paisagem e espaço, as reflexões

acerca das possibilidades e limitações das imagens fotográficas e o método

estabelecido por Kossoy para a interpretação dos documentos iconográficos

buscamos compreender as mudanças sócio-espaciais ocorridas no bairro Cerqueira

César, mais especificamente no “Quadrilátero da Saúde”10 composto por um

complexo hospitalar, de ensino e de pesquisa, atentando para os aspectos visíveis e

estéticos das refuncionalizações ocorridas desde a construção do primeiro objeto

técnico na área até hoje por meio da sistematização dos registros iconográficos

levantados ao longo da pesquisa.

Assim, selecionamos aquelas fotografias que mostram as mudanças na

configuração do bairro à medida que as instituições relacionadas à saúde foram

sendo implantadas na região, conferindo gradualmente ao bairro feições de maior

urbanidade, acompanhando as tendências de crescimento da cidade em direção à

sua vocação metropolitana. Pretendemos, portanto, evidenciar as mudanças da

paisagem urbana concernentes à refuncionalização do espaço, que são as

transformações mais localizadas proporcionadas pela economia da saúde que vem

se implantando no bairro de Cerqueira César já há algumas décadas.

Para isso levantamos imagens em dois acervos: o Museu Histórico “Prof.

Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no

qual selecionamos 44 imagens; e o Museu Paulista da Universidade de São Paulo,

com a seleção de 10 fotografias da Coleção Werner Haberkorn. Com o intuito de

analisá-las produzimos um quadro descritivo (Tabela 1) baseado na metodologia

produzida por Kossoy (2001, 2007, 2009) e por Possamai (2008)11 que contemple os

objetivos do trabalho:

10

Entendemos por “Quadrilátero da Saúde” a área que envolve a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Saúde Pública, a Faculdade de Enfermagem e o Complexo Hospitalar das Clínicas. 11

Possamai desenvolveu uma grade interpretativa para a análise de imagens fotográficas. POSSAMAI, Zita Rosane. Fotografia, História e Vistas Urbanas. In: HISTÓRIA, São Paulo, 27 (2): 2008.

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QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Identificação do

documento

Acervo

Localização no Acervo

Legenda Original

Fotógrafo

Elementos icônicos

Local

Data/Época

Tipologia urbana

Abrangência espacial

Temporalidade

Infraestrutura em construção

Infraestrutura urbana construída

Edificações

Elementos móveis

Função urbana Descrição técnica Enquadramento

Tabela 1: Quadro Descritivo das Imagens Fotográficas.

Dividimos o quadro descritivo em três partes. A identificação do documento,

no qual especificamos o acervo em que esta imagem está alocada, a sua

localização na organização do acervo, a legenda original e o fotógrafo. Os

elementos icônicos foram subdivididos em: a nova legenda que produzimos, local e

data/época da tomada da fotografia, tipologia urbana (ruas, avenidas, praças,

esquina, etc.), abrangência espacial (vistas parciais, ou seja, tomadas mais

abrangentes retratando mais elementos – térreas ou aéreas; e vistas pontuais,

aquelas que isolam o motivo principal, como as imagens de edifícios), temporalidade

(dia/noite), infra-estrutura em construção (obras), infra-estrutura urbana construída

(serviços urbanos como iluminação, pavimentação, etc.), edificações (as

construções retratadas), elementos móveis (pessoas, carros, bonde, charretes, etc.),

função urbana (função dos edifícios retratados). E na descrição técnica escolhemos

um aspecto da configuração da imagem fotográfica, o enquadramento (ponto de

vista do olhar do fotógrafo – central, diagonal, ascensional, descensional, frontal –

ou câmera mais alta/aérea normalmente em diagonal/perspectiva).

A determinação da data de algumas imagens – das sem data e daquelas que

achamos que a data não estava correta – foi auferida mediante pesquisa realizada

sobre a história da área e pela comparação com as outras imagens.

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2. A história dos objetos técnicos do “Quadrilátero da Saúde” por suas

imagens

A história da saúde pública em São Paulo remete à primeira metade do

século XIX com a construção dos primeiros equipamentos hospitalares da cidade de

São Paulo por irmandades religiosas ou sociedades beneficentes, como a Santa

Casa de Misericórdia (1824) e o Hospital da Beneficência Portuguesa (1876).

Segundo Yunes e Campos (1984), em 1835 o orçamento provincial

mencionava o envio de verba para vacina, e em 1854 o Presidente José Antonio

Saraiva nomeou uma comissão para o desenvolvimento de “bases para um

regulamento de higiene preventiva” (YUNES; CAMPOS, 1984, p. 61).

Em 1879, a Câmara Municipal de São Paulo a pedido do comendador

Joaquim Egídio de Souza Aranha (Marquês de Três Rios) deliberou a construção do

Hospital dos Variolosos, inaugurado em 1880 (Tabela 2), após um surto epidêmico

de varíola, seguido pelo Cemitério do Araçá construído em 1887. Este hospital foi

construído próximo à Estrada do Araçá, hoje a Doutor Arnaldo. Mais tarde, em 1894,

sob a tutela do governo do Estado transformou-se no Hospital de Isolamento de São

Paulo, dedicado ao tratamento de doenças infectocontagiosas como febre amarela,

varíola, raiva, difteria e febre tifóide, construído por Teodoro Sampaio. Em 1932,

este hospital passou a chamar-se Hospital Emílio Ribas e, a partir de 1991, Instituto

de Infectologia Emílio Ribas, considerado referência nacional no diagnóstico e

tratamento de doenças infectocontagiosas.

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55

Tabela 2: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Hospital dos Variolosos (1880).

QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Identificação do

documento

Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da

Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da USP

Localização no Acervo -

Legenda Original Hospital de Isolamento - 1880

Fotógrafo desconhecido

Elementos icônicos

Local Atual Instituto de Infectologia

“Emílio Ribas”

Data/Época 1880

Tipologia urbana Avenida Municipal (Atual Av. Dr.

Arnaldo)

Abrangência espacial Vista pontual

Temporalidade Dia

Infraestrutura em construção

-

Infraestrutura urbana construída

-

Edificações Hospital dos Variolosos

Elementos móveis -

Função urbana Saúde Pública

Descrição técnica

Enquadramento Frontal

Fachada do Hospital dos Variolosos (futuro Hospital de Isolamento e, mais tarde, Instituto de Infectologia “Emílio Ribas”)

(1880).

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Em 1884, Dr. Marcos de Oliveira Arruda foi nomeado Inspetor de Higiene da

Província de São Paulo. Em 1886, este passou a chefiar a sede da Inspetoria de

Higiene alocada em São Paulo devido a uma “reforma dos serviços centrais de

saúde pública” (YUNES; CAMPOS, 1984, p. 61), esta, porém, foi extinta em 1891.

Nesse período São Paulo passou por grandes transformações promovidas pela

rentabilidade das lavouras de café, abolição da escravidão e intensa imigração,

ocorrendo um surto de urbanização e vultosos capitais decorrente da política de

sustentação dos preços do café (1984, p. 62). Com esse crescimento problemas

antigos de saúde permaneciam e novas doenças surgiam ameaçando a saúde dos

cidadãos.

Havia, pois, que modificá-la. Como fazê-lo, porém, em uma região carente de recursos humanos, dado que os médicos que praticavam seu ofício na Província de São Paulo eram formados alhures na Bahia, no Rio de Janeiro ou no exterior? Ademais, a maior parte dos agravos à saúde era de etiologia desconhecida e tratamento absolutamente empírico. A revolução pasteuriana na etiologia das doenças e nos métodos diagnósticos bem como os avanços na química orgânica [...] foram básicos para a primeira tentativa de equacionar e solucionar os problemas acima. (YUNES; CAMPOS, 1984, p. 61)

As consequentes reorganizações do Serviço Sanitário associada à criação de

institutos de pesquisa iniciaram, assim, a formação de profissionais na área de

saúde. Algumas medidas foram adotadas, como a criação, em 1890, da Farmácia do

Estado, a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola em 1891, a instalação do

Instituto Vacinogênico (futuro Instituto Bacteriológico em 1902 e Instituto Adolfo Lutz

em 1940), e a organização do Serviço Sanitário do Estado em 1892, formação de

profissionais em saneamento em 1893 com a criação da Escola Politécnica, criação

do primeiro código sanitário do Estado em 1894, e a constituição do Instituto

Serumterápico (futuro Butantan) em 1901.

No entanto, somente em 1912 o presidente do estado de São Paulo ratificou a

lei que estabelecia a Escola de Medicina e Cirurgia de São Paulo em substituição à

Academia de Medicina, Cirurgia e Farmácia criada em 1891 pelo o governador

Américo Brasiliense em virtude de seu intenso crescimento urbano e demográfico12,

12

Atentamos para os Censos de 1890 e de 1900, quando no primeiro a cidade de São Paulo apresentava 65.000 habitantes e, no segundo, 240.000 habitantes, ou seja, observa-se destacado

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porém não foi instalada. Só a partir desse momento é que São Paulo passou a

formar profissionais capacitados na área da saúde em busca do controle das

epidemias (YUNES; CAMPOS, 1984).

O surgimento das principais instituições científicas de São Paulo, até o fim da Primeira República, concentrou-se entre as décadas de 1880 e 1910, período também de enriquecimento, crescimento e urbanização intensos da capital. Nesse período de quase quarenta anos, São Paulo montou seu aparelho científico para atender aos imperativos comerciais, às pressões dos problemas urbanos e de saúde pública e também para manifestar sua ascensão econômica e política — conquistada paulatinamente no mesmo processo que a levou à condição de capital do Estado maior produtor mundial de café. (SILVA, 2001, p. 201)

Somente em 1912, por meio da Lei n. 1357, sancionada por Francisco de

Paula Rodrigues Alves, então governador do Estado, foi criada a Faculdade de

Medicina e Cirurgia, fundada pelo Profº Drº Arnaldo Vieira de Carvalho – primeiro

centro de ensino médico e cirúrgico de São Paulo alocado na Rua Brigadeiro Tobias,

nº 42.

A princípio sem sede, a faculdade abrigou-se em outros edifícios. No entanto,

o diretor Arnaldo Vieira de Carvalho propôs a construção de um edifício que

abrigasse todas as cátedras da faculdade adquirindo uma área de 360.000 m²

próxima ao Cemitério do Araçá onde seria sua sede.

Seu primeiro projeto foi produzido pelo escritório de Ramos de Azevedo, mas

foi considerado inapropriado por sugerir edificações fisicamente desconexas. No

entanto, a pedido de Oscar Freire de Carvalho, uma parte desse projeto foi

executada dando origem ao prédio de Medicina Legal, inaugurado em 1921. Foi

com a ajuda da Fundação Rockefeller – instituição filantrópica norte-americana –

que o diretor Arnaldo Vieira de Carvalho conseguiu investimentos e consultorias

técnicas para a construção da faculdade. As obras tiveram início em 1928 e

finalizadas em 1931 (Tabela 3).

crescimento em apenas dez anos (Histórico Demográfico do Município de São Paulo. In: http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1900.php).

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Tabela 3: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade de Medicina (1929).

QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Identificação do

documento

Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da

Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da USP

Localização no Acervo Faculdade de Medicina – Vista

aérea

Legenda Original Faculdade de Medicina 1929

Fotógrafo desconhecido

Elementos icônicos

Local Atual Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo

Data/Época 1929

Tipologia urbana Avenida Municipal (Atual Av. Dr.

Arnaldo)

Abrangência espacial Vista parcial aérea

Temporalidade Dia

Infraestrutura em construção

Construção da Faculdade de Medicina

Infraestrutura urbana construída

Cemitério; Avenida Municipal;

Edificações Faculdade de Medicina;

Cemitério do Araçá;

Elementos móveis -

Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde Pública Descrição

técnica Enquadramento Perspectiva

Em primeiro plano temos a lateral da Faculdade de Medicina; um pouco mais para cima o Hospital de Isolamento; em segundo plano vemos a região da

Avenida Paulista; e na ponta inferior esquerda temos o Instituto Médico-Legal (1929).

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Na faculdade tinha a Cadeira de Higiene que em 1924 mediante decreto do

Governo Estadual criou o Instituto de Higiene de São Paulo vinculado à faculdade de

medicina. Iniciou suas atividades em 1925 sob a direção do Prof. Geraldo H. de

Paulo Souza com

cursos para o aperfeiçoamento técnico para funcionários do Serviço Sanitário, de habilitação profissional para enfermeiras e visitadoras de saúde pública e outros, de promover pesquisas de caráter geral ou local, verificar os soros e vacinas expostos à venda, padronizando-os assim como orientar o ensino popular de higiene e a propaganda sanitária em geral foi fundamental na "produção" de

vários novos profissionais que passaram a compor e ampliar a equipe de saúde, desempenhando suas funções dentro de um novo conceito de saúde pública ou de saúde coletiva, qualquer que fosse a

conotação assumida pelo termo "coletivo". (YUNES; CAMPOS, 1984, p. 63-64)

Ainda no ano de 1925, Paula Souza apresentou à Fundação Rockefeller um

plano de ampliação do Instituto no qual solicitava a construção de um novo prédio.

Desde 1918 essa Fundação colaborava técnica e financeiramente à Faculdade de

Medicina, dessa forma concedeu a verba para a construção do Instituto. Com isso,

o governo estadual cedeu um amplo terreno na esquina da Rua Teodoro Sampaio e

a Avenida Dr. Arnaldo, “porque nessa vasta região seriam localizados os diversos

blocos do centro médico de São Paulo, num conjunto destinado à especialização

médica e hospitalar” (SANTOS, 1975, p. 96). Com a sua instalação no novo prédio

desvinculou-se de forma parcial da Faculdade de Medicina, continuando a ministrar

as aulas da Cadeira de Higiene (Tabela 4).

A partir de 1930 tornaram-se prioritários os planos de investimentos estatais para construção e operação de hospitais, visando atendimento público gratuito. (REIS, 2010, p. 45)

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Tabela 4: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Faculdade de Medicina, Instituto de Higiene, Instituto de Medicina Legal, Hospital Emílio Ribas e as obras do Hospital das Clínicas (1939).

QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Identificação do

documento

Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade

de Medicina da USP

Localização no Acervo -

Legenda Original 1939

Fotógrafo desconhecido

Elementos icônicos

Local Atual Hospital das Clínicas

Data/Época 1939

Tipologia urbana

Avenida Dr. Arnaldo; Rua Teodoro Sampaio; Rua

Cardeal Arcoverde; Cemitério do Araçá;

Abrangência espacial Vista parcial aérea

Temporalidade Dia

Infraestrutura em construção

Hospital das Clínicas (Instituto Central)

Infraestrutura urbana construída

Pavimentação; iluminação;

Edificações

Faculdade de Medicina; Instituto de Medicina Legal

(atual Instituto Oscar Freire); Instituto de Higiene;

Elementos móveis Pessoas;

Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde

Pública

Descrição técnica

Enquadramento Perspectiva/Descensional

Na parte inferior esquerda vemos as obras do Hospital das Clínicas; um pouco mais para cima e à direita vemos a Faculdade

de Medicina; à sua direita o Hospital Emílio Ribas; e a sua esquerda o Instituto de Medicina Legal (atual Instituto Oscar

Freire) e o Instituto de Higiene (1939).

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Em 1934, o governador Dr. Armando de Salles Oliveira criou a Universidade

de São Paulo, a qual passaram a integrar a Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras, a Faculdade de Direito, a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a

Faculdade de Medicina Veterinária, a Faculdade de Farmácia e Odontologia, a

Escola “Luiz de Queiroz” de Piracicaba, além de institutos complementares, dentre

eles o Instituto Médico-Legal e o Instituto de Higiene. Ainda nesse ano o Instituto de

Higiene transformou-se em Escola de Saúde Pública que em 1945 foi incorporada à

Universidade de São Paulo por um decreto do Interventor Federal em São Paulo, o

Dr. Fernando Costa, passando a chamar Faculdade de Higiene e Saúde Pública

(SANTOS, 1975).

Outras criações se deram a partir de 1931, como a Secretaria de Educação e

Saúde Pública neste ano, a Secretaria de Saúde Pública e Assistência Social em

1947, e Secretaria de Estado da Saúde em 1968 (YUNES; CAMPOS, 1984).

Segundo Cid Guimarães (1976), de acordo com os censos de 1934 e 1974

houve importante êxodo rural para a cidade de São Paulo devido à industrialização.

Em 1934, 61,2% da população do Estado de São Paulo moravam no campo e

38,8% em cidades, enquanto em 1974, tínhamos 12,1% da população morando em

área rural e 87,9% em área urbana. Quanto à população da Grande São Paulo,

tínhamos, em 1934, 19,3% da população do Estado, e em 1974, 49,8%. Isso

contribuiu para o aumento da demanda de leitos hospitalares, associado os maiores

acidentes de trabalho aumentando as demandas por pronto-socorro, por tratamento

médico, bem como a previdência social que teve início com a criação das Caixas de

Aposentadoria e Pensões (CAPs), pela Lei Eloi Chaves de 1923, para os

empregados de empresas ferroviárias garantindo-lhes o acesso a serviços médico-

hospitalares e farmacêuticos, mais tarde a previdência social passou a se ligar à

categoria profissional e não mais a empresas (GUIMARÃES, 1976, p. 2).

Em 1938 iniciaram-se as obras do prédio principal do Hospital das Clínicas

(Tabelas 5), construção do governo do Estado finalizada em 1944 (Tabela 6). A essa

época a Avenida Dr. Enéas de Aguiar não existia, havendo entre a Faculdade de

Medicina e o Hospital um grande jardim.

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62

Tabela 5: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Obras do Hospital das Clínicas (1938).

QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Identificação do

documento

Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade

de Medicina da USP

Localização no Acervo -

Legenda Original HC 1938

Fotógrafo desconhecido

Elementos icônicos

Local Atual Hospital das Clínicas

Data/Época 1938

Tipologia urbana -

Abrangência espacial Vista parcial

Temporalidade Dia

Infraestrutura em construção

Hospital das Clínicas

Infraestrutura urbana construída

-

Edificações

Faculdade de Medicina; Instituto de Medicina Legal

(atual Instituto Oscar Freire); Instituto de Higiene;

Elementos móveis Pessoas;

Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde

Pública Descrição

técnica Enquadramento Prespectiva

Obras do Hospital das Clínicas; no canto superior direito vemos a Faculdade de Medicina; ao seu lado esquerdo vemos o Instituto de Medicina Legal (atual Instituto Oscar Freire) e o Instituto de

Higiene (1938).

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Tabele 6: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Faculdade de Medicina, Hospital Emílio Ribas e o Instituto Central do Hospital das Clínicas (1945).

QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Identificação do

documento

Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade

de Medicina da USP

Localização no Acervo Faculdade de Medicina – Vista

Aérea

Legenda Original Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Fotógrafo desconhecido

Elementos icônicos

Local Atual “Quadrilátero da Saúde”

Data/Época 1945

Tipologia urbana Avenida Dr. Arnaldo; Avenida

Rebouças

Abrangência espacial Vista parcial aérea

Temporalidade Dia

Infraestrutura em construção

Hospital das Clínicas (Instituto Central)

Infraestrutura urbana construída

Pavimentação; iluminação;

Edificações Faculdade de Medicina;

Hospital Emílio Ribas

Elementos móveis -

Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde

Pública Descrição

técnica Enquadramento Perspectiva/Descensional

Vemos a Faculdade de Medicina e o Hospital Emílio Ribas no canto superior esquerdo; atrás temos o Instituto Central do

Hospital das Clínicas (1945).

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Após sua inauguração muitos outros institutos e escolas foram criados,

colocando em prática o plano inicial da Faculdade de construir um grande centro

hospitalar, de ensino e de pesquisa: Prédio de Medicina Legal (1921), Associação

Atlética Oswaldo Cruz (1930), Escola de Enfermagem (1942), Instituto de Psiquiatria

(1948), Instituto de Ortopedia e Traumatologia (1953), Instituto de Medicina Tropical

(1960), Instituto da Criança (1970), Instituto do Coração (1975), Prédio dos

Ambulatórios (1979), Centro de Convenções Rebouças (1982), Instituto de

Radiologia (1984) e Instituto do Câncer (2008) (Tabelas 7,8 e 9)13.

Segue a localização dos objetos técnicos e suas respectivas imagens

(Ilustração 1 – produzida por Tatiana dos Santos Thomaz; imagens retiradas em

trabalho de campo realizado no dia 09/06/2012 por Tatiana dos Santos Thomaz).

13 Ver álbum anexado no CD (ANEXO B). Nele trazemos todas as imagens coletadas nos museus e

em trabalho de campo.

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Tabela 7: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Faculdade de Medicina, Escola de Enfermagem, Associação Atlética Oswaldo Cruz, Instituto de Ortopedia e Traumatologia e Instituto Central do Hospital das Clínicas (1940 – 1960?).

QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Identificação do

documento

Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade

de Medicina da USP

Localização no Acervo -

Legenda Original 1946

Fotógrafo desconhecido

Elementos icônicos

Local Atual “Quadrilátero da Saúde”

Data/Época 1940 – 1960 (?)

Tipologia urbana Avenida Dr. Arnaldo; Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar;

Abrangência espacial Vista parcial aérea

Temporalidade Dia

Infraestrutura em construção

Hospital das Clínicas (Instituto Central, Instituto de Ortopedia

e Traumatologia, Escola de Enfermagem, Associação

Atlética Oswaldo Cruz)

Infraestrutura urbana construída

Pavimentação; iluminação;

Edificações Faculdade de Medicina;

Hospital Emílio Ribas

Elementos móveis -

Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde

Pública

Descrição técnica

Enquadramento Perspectiva/Descensional

Na parte superior esquerda temos a Faculdade de Medicina; abaixo a Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar; ao centro a Escola de Enfermagem; no canto inferior esquerdo o campo da Associação

Atlética Oswaldo Cruz; no canto inferior direito o Instituto de Ortopedia e Traumatologia; e acima o Instituto Central do HC

(1940 – 1960?).

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66

Tabela 8: “Quadrilátero da Saúde” em construção (1940 – 1960?).

QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Identificação do

documento

Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da

Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da USP

Localização no Acervo -

Legenda Original Complexo hc 1948

Fotógrafo desconhecido

Elementos icônicos

Local Atual “Quadrilátero da Saúde”

Data/Época 1940 – 1960 (?)

Tipologia urbana Avenida Dr. Arnaldo; Av. Dr.

Enéas de Carvalho Aguiar; Rua Teodoro Sampaio;

Abrangência espacial Vista parcial aérea

Temporalidade Dia

Infraestrutura em construção

Hospital das Clínicas (Instituto Central, Instituto de Ortopedia e

Traumatologia, Escola de Enfermagem, Associação

Atlética Oswaldo Cruz, Instituto de Psiquiatria);

Infraestrutura urbana construída

Pavimentação;

Edificações

Faculdade de Medicina; Hospital Emílio Ribas; Instituto de Medicina Legal, Faculdade de Higiene e Saúde Pública;

Elementos móveis -

Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde Pública Descrição

técnica Enquadramento Perspectiva/Descensional

De cima para baixo vemos: o Cemitério do Araçá, a Faculdade de Higiene e Saúde Pública, o atual Instituto Oscar Freire, a

Faculdade de Medicina, a Av. Dr Enéas de Carvalho Aguiar, o campo da Associação Atlética Oswaldo Cruz, a Escola de

Enfermagem, o Instituto Central do HC, o Instituto de Ortopedia e Traumatologia e a construção do Instituto de Psiquiatria (1940 –

1960?).

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Tabela 9: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Faculdade de Medicina e Hospital das Clínicas (1970 – 1980?).

QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Identificação do

documento

Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da

Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da USP

Localização no Acervo Faculdade de Medicina – Vista

Aérea

Legenda Original Faculdade de Medicina e o

Complexo Hospitalar do H.C. 1960

Fotógrafo desconhecido

Elementos icônicos

Local Atual “Quadrilátero da Saúde”

Data/Época 1970 – 1980 (?)

Tipologia urbana Avenida Dr. Arnaldo;

Abrangência espacial Vista parcial aérea

Temporalidade Dia

Infraestrutura em construção

-

Infraestrutura urbana construída

Pavimentação; arborização; transporte público;

Edificações Faculdade de Medicina;

Hospital Emílio Ribas; Hospital das Clínicas; prédios

Elementos móveis Ônibus; carros;

Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde Pública Descrição

técnica Enquadramento Perspectiva; Descensional

Vista aérea. Vemos a Faculdade de Medicina e o Hospital das Clínicas. Podemos observar a intensa verticalização do lado que

acompanha o início da Avenida Rebouças (1970 – 1980?).

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3. Análises

3.1. As imagens fotográficas da arquitetura

A arquitetura é um tema recorrente nas fotografias, principalmente no período

inicial dessa técnica em que o registro da imagem exigia longo tempo de exposição

necessitando, assim, que os objetos retratados permanecessem estáticos. Outro

fator que motivava os fotógrafos a registrarem as estruturas arquitetônicas é a

diversidade de culturas cristalizadas simbolicamente nesses objetos revelando

processos sociais e artísticos de uma época e sociedade (CARVALHO; WOLFF,

2008, p. 131-132).

As fotografias de arquitetura baseavam-se em parâmetros estabelecidos

pelos desenhos, ou seja, buscavam “captar as estruturas com ‘objetividade’ e em

todas as suas dimensões” fazendo “composições cujo enquadramento, distância do

objeto e ponto de vista do observador, remontem a desenhos de fachadas e

perspectivas” (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 138).

Carvalho e Wolff, em artigo intitulado Arquitetura e fotografia no século XIX

(2008), reflete sobre como a arquitetura foi retrada pela fotografia no século XIX, nos

alertando que as características dessas tomadas permaneceram pelo menos até as

três primeiras décadas do século XX (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 171). Diante

das imagens levantadas em nosso trabalho sugerimos que essas características

podem ser reconhecidas em todas as imagens selecionadas.

As intenções desses fotógrafos eram reproduzir os edifícios, suas estruturas,

seu entorno, sua construção acentuando o sentido de realidade da fotografia já que

não continha a mediação, a subjetividade de um desenhista (CARVALHO; WOLFF,

2008, p. 143).

Para a seleção das nossas imagens preferimos aquelas que retratassem uma

superfície grande da área de estudo, como as tomadas aéreas e tomadas do plano

da rua com uma distância focal baixa, sendo possível, então, levantar as mudanças

espaciais que acompanharam as implantações dessas instituições de saúde

revelando feições das refuncionalizações espaciais do bairro de Cerqueira César e

imediações com a incorporação mais ampla de firmas e outras instituições

relacionadas à saúde.

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Segundo Carvalho e Wolff (2008, p. 144-145), são características algumas

composições nessa época, como: vistas frontais, vistas em perspectiva, vistas

aéreas da paisagem, paisagem urbana, onde determinada construção estava

localizada, além de imagens de construções/obras.

Nas vistas frontais o edifício aparece com extrema objetividade conforme os

desenhos de fachada, com um enquadramento centralizado e sem distorções

destacando “mais que a espacialidade tridimensional dos edifícios, os planos de

uma única fase, da fachada ao detalhe arquitetônico” (CARVALHO; WOLFF, 2008,

p. 144), proporcionando a ideia de fidedignidade da reprodução. Já as imagens em

perspectiva buscavam apresentar os volumes, a tridimensionalidade em uma

representação bidimensional, as grandiosidades dos edifícios, enquadrando de

forma abrangente o seu volume. As imagens da paisagem urbana revelam, quando

tiradas no nível dos olhos do pedestre, cenas urbanas que criam a sensação para o

observador da fotografia o sentimento de pertencer ao lugar, de estar presente na

cena retratada. As vistas aéreas mostram-se extremamente úteis para uma

observação mais abrangente da paisagem, uma visão afastada capaz de

compreender melhor a disposição dos objetos e suas relações mostrando a

monumentalidade dos edifícios, das vias, etc..

Também tiveram destaque nos registros do século XIX e XX as tomadas de

obras em diferentes fases de execução. Segundo Carvalho e Wolff (2008), as

administrações públicas encomendavam imagens do andamento das obras servindo

como,

comprovação, mais concreta do que relatórios escritos, das fases de evolução de obras, de outra maneira objeto de longas e minuciosas descrições. Esses registros, além de seu uso essencialmente técnico, permitiam uma comprovação justa do emprego do dinheiro público e, ainda, serviam como potencial elemento de promoção da ação oficial. (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 154)

Essas imagens buscavam mostrar as obras como um todo, mas também os

seus detalhes das estruturas, das vigas, sendo, portanto, mais abstratas. Na

população essas imagens revelavam a ideia de progresso, de modernidade

passando a consumir álbuns, cartões postais (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 165).

Elas também eram encomendadas pelos próprios arquitetos, utilizadas como

propaganda de suas obras.

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Cabe ressaltar novamente que a escolha das posições das imagens, do que

será retrado, focado, respondem às intenções do fotógrafo,

que pretendia guiar a percepção de quem visse a imagem. Junto com a arquitetura, a presença de pessoas, objetos, carros, animais, anúncios e, principalmente, o recorte da cena enfocada na fotografia, escondem e trazem consigo, simultaneamente, a postura do fotógrafo diante do quadro, sua ideação do que comunicar, do que fazer ver. O recorte que a imagem fotográfica pressupõe é, portanto, uma opção do fotógrafo, demonstrativa de sua capacidade de síntese e de criação. Sua fotografia é um juízo, um apelo, uma declaração a respeito da arquitetura. (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 151)

Dessa forma, as fotografias da arquitetura revelam por meio das estruturas

dos objetos retrados as funções que adquiriram na vida humana, permitindo uma

reconstituição da paisagem passada.

3.2. O espaço geográfico e a paisagem na fotografia

As estruturas arquitetônicas são objetos técnicos visíveis que apresentam

funções e estética de acordo com as necessidades e aspirações da sociedade de

determinada época. No entanto, isso não quer dizer que a cada momento da história

haja uma demolição dos objetos passados e a construção de novos que contemplem

as novas necessidades. Pelo contrário, muitas estruturas permanecem na paisagem

por muitos períodos com alguns ajustes técnicos que permitam a realização de

novas funções.

Segundo Milton Santos (2006, p. 29), as técnicas são “um conjunto de meios

instrumentais e sociais” que possibilitam o homem criar espaço, tendo em vista que

sua relação com o meio é dada por técnicas. Sua espacialização é seletiva e

desigual, além de termos em um mesmo lugar sistemas técnicos de diversas idades,

ou seja, a difusão e a aplicação dos avanços tecnológicos nunca se dão de forma

homogênea (p. 42-43). Cabe perguntar se as técnicas passadas são um empecilho

para a técnica dominante? Será que as técnicas aplicadas na época das

construções da Faculdade de Medicina e do Hospital das Clínicas são ou foram um

limitador para as técnicas atuais? A nosso ver, não. Foi justamente por já existir um

centro de conhecimento e pesquisa associado a um centro de aplicação dessa

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ciência que permitiu e concentrou maiores investimentos para a sua adequação

parcial de novos avanços tecnológicos.

É o lugar que atribui às técnicas o princípio de realidade histórica, relativizando o seu uso, integrando-as num conjunto de vida, retirando-as de sua abstração empírica e lhes atribuindo efetividade histórica. E, num determinado lugar, não há técnicas isoladas, de tal modo que o efeito de idade de uma delas é sempre condicionado pelo das outras, O que há num determinado lugar é a operação simultânea de várias técnicas, por exemplo, técnicas agrícolas, industriais, de transporte, comércio ou marketing, técnicas que são

diferentes segundo os produtos e qualitativamente diferentes para um mesmo produto, segundo as respectivas formas de produção.” (SANTOS, Milton, 2006, p. 58)

A técnica é, portanto, resultado de um conhecimento desenvolvido em

determinada época, ou seja, é um fenômeno histórico, sendo possível a

determinação de sua data (Santos, Milton, 2006, p. 57). Logo, o conhecimento da

data da técnica de determinada materialidade pode nos revelar, ao menos

aproximadamente, a data de uma fotografia.

O espaço geográfico é um conjunto indissociável de sistemas de objetos e

sistemas de ações, como desenvolvido por Milton Santos (2006), constituído,

portanto, por objetos técnicos – visíveis na imagem fotográfica, ou seja, visíveis na

paisagem – e por ações que determinam, selecionam, influenciam a espacialização

desses objetos. Temos aí uma relação de complementaridade:

Os objetos não têm realidade filosófica, isto é, não nos permitem o conhecimento, se os vemos separados dos sistemas de ações. Os sistemas de ações também não se dão sem os sistemas de objetos. (SANTOS, Milton, 2006, p. 63)

Sendo assim, a análise da imagem fotográfica em si mesma, ou seja, só por

meio de uma descrição da materialidade nela revelada não tem sentido algum. É

preciso superar o visível, a paisagem, para alcançarmos o entendimento do espaço

geográfico na sua configuração de materialidade e imaterialidade.

Por mais que a técnica fotográfica inicial não permitisse a exposição de

objetos móveis com qualidade, cabe ressaltar que ambos os objetos, móveis e

imóveis, são objetos geográficos, sejam eles naturais ou humanizados (SANTOS,

Milton, 2006, p. 72). O autor ressalta ainda que a existência dos objetos geográficos

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não deve ser vista como “coleções”, mas como “sistemas” (p. 73) por serem capazes

de agregar a lógica passada “sua datação, sua realidade material, sua causação

original”, e a lógica atual “seu funcionamento e sua significação presentes” (p. 77) de

forma contígua no espaço.

A existência desses objetos humanizados é resultado de ações. Essas são

próprias do homem, já que são objetivadas, ou seja, tem uma finalidade. Elas podem

ser individuais ou coletivas – empresariais, institucionais – motivadas por

necessidades “naturais ou criadas” (SANTOS, Milton, 2006, p. 82).

Essas necessidades: materiais, imateriais, econômicas, sociais, culturais, morais, afetivas, é que conduzem os homens a agir e levam a funções. Essas funções, de uma forma ou de outra, vão desembocar nos objetos. Realizadas através de formas sociais, elas próprias conduzem à criação e ao uso de objetos, formas geográficas. (SANTOS, Milton, 2006, p. 82-83)

Milton Santos (2006) trata da noção de intencionalidade na relação objeto-

ação, ou seja, não há ação sem intenção, sem objetivo. Dessa forma, a relação do

homem com o meio, dada pela ação, é carregada de intenção, assim se dá a

produção dos objetos (p. 89-90). Essa relação também é vista no processo de

tomada de uma imagem fotográfica, o fotógrafo sempre tem um objetivo, seja

consciente ou inconsciente, ao registrar uma cena. Então, a ação se dá como

satisfatória a medida que o palco da ação – objetos – é mais apropriado, “então, à

intencionalidade da ação se conjuga a intencionalidade dos objetos e ambas são,

hoje, dependentes da respectiva carga de ciência e de técnica presente no território”

(SANTOS, Milton, 2006, p. 94). Dessa forma, à medida que as relações sociais se

modificam ao longo do tempo, torna-se necessária uma mudança no sistema de

objetos, seja na sua morfologia, seja nas suas funções, transformando o espaço,

distinguindo as épocas (p. 96). No entanto, não necessariamente é preciso destruir

as estruturas para construir novas formas adequadas às novas técnicas.

Ao longo do tempo, um novo sistema de objetos responde ao surgimento de cada novo sistema de técnicas. Em cada período, há, também, um novo arranjo de objetos. Em realidade, não há apenas novos objetos, novos padrões, mas, igualmente, novas formas de ação. Como um lugar se define como um ponto onde se reúnem feixes de relações, o novo padrão espacial pode dar-se sem que as

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coisas sejam outras ou mudem de lugar. (SANTOS, Milton, 2006, p. 96)

É o que observamos no “Quadrilátero da Saúde”, mesmo com a implantação

de novas técnicas, novos padrões, a estrutura da maioria dos edifícios continua a

mesma, apenas sofrendo adaptações para as novas funções derivadas de melhorias

tecnológicas na área da saúde. A relação entre o objeto e a ação é dada pela função

exercida no objeto, portanto, o espaço geográfico é um meio relacional entre

sistemas de objetos e sistemas de ações de temporalidades diferentes com

finalidades da atualidade. Temos, portanto, formas e conteúdos dependentes de

relações técnicas e sociais configurando sua existência geográfica, sempre

entendida conjuntamente.

Nessa paisagem aconteceram mudanças parciais, e em algumas partes

aparentemente não aconteceram modificações. Observamos nessa região diferentes

tempos alocados. Os movimentos da sociedade promovem novas ações, novas

necessidade, novas técnicas modificando as funções dos objetos antigos ou ocorre

a construção de novos objetos, transformando o espaço e a paisagem14. Ambos,

portanto, se modificam para atender os movimentos da sociedade:

a paisagem, assim como o espaço, altera-se continuamente para poder acompanhar as transformações da sociedade. A forma é alterada, renovada, suprimida para dar lugar a uma outra forma que atenda às necessidades novas da estrutura social (SANTOS, 2009, p. 54).

A fotografia sendo um presente eternizado, uma fixação da materialidade

torna-se indispensável, então, para nossa discussão delimitarmos o que é paisagem

e o que é espaço geográfico. Diante do que já foi exposto neste trabalho podemos

sintetizar essa diferenciação como o espaço geográfico sendo um híbrido de forma e

conteúdo e a paisagem somente as formas. Logo, o que vemos antes da tomada de

uma imagem fotográfica é o espaço geográfico; a partir do momento que fixamos um

pedaço desse espaço transformando-o em imagem temos ali representado a

14

“Digamos que a sociedade produz a paisagem, mas que isso jamais ocorre sem mediação. É por isso que, ao lado das formas geográficas e da estrutura social, devemos também considerar as funções e os processos que, através das funções, levam a energia social a transmudar-se em formas.” (SANTOS, 2009, p. 61)

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paisagem; em seguida com a tentativa de analisarmos tal tomada buscamos

reconstituir o espaço geográfico15.

3.3. Os hospitais como sistemas técnico-científicos

A medicina, segundo David (2010), com o desenvolvimento de técnicas e do

conhecimento científico nessa área proporcionou um “novo status social da

medicina” (p. 22), tornando possível “ver” o paciente. Foi esse novo meio médico,

cada vez mais artificializado, que proporcionou novas possibilidades de intervenção

sobre o doente, através da criação de novos objetos revelando “a técnica como valor

em si para os cuidados à saúde” (p. 23).

Ainda segundo a autora (2010, p. 25), os hospitais até o final do século XIX

eram um “local de caridade” voltado para idosos e carentes, a partir do

desenvolvimento da medicina moderna houve um aperfeiçoamento da clínica e na

aplicação de técnicas tornando os hospitais modernos lugar do “saber empírico”,

lugar da prática médica.

Dessa maneira, o hospital torna‐se o local onde a medicina aprimora

sua capacidade aplicada aos doentes, daí ser este o ambiente em que os equipamentos médico‐hospitalares encontram seu primado.

Daí, também, poder justificá‐lo como ambiente de alta complexidade

tecnológica e médica. (DAVID, 2010, p. 25)

Esse desenvolvimento da clínica médica pautada em exames e no tratamento

de doenças fez com que a medicina se tornasse uma atividade econômica inserindo

os hospitais na lógica urbana, lugar de consumo de serviços de saúde (DAVID,

2010, p. 25-26). Nessa nova proposta hospitalar estão inclusos diversos setores

industriais – mecânica, óptica, eletrônica, química –, constituindo uma grande cadeia

de relações. Nesse sentido, a autora refere-se a uma medicalização da saúde, ou

seja, “processo histórico no qual a introdução crescente de inovações tecnológicas

nas atividades em saúde tende a confundir o consumo de serviços médicos com a

preservação da saúde, transformando os primeiros em demanda crescente para os

15

“o espaço, do qual um dos componentes, a paisagem, é como um palimpsesto, isto é, o resultado de uma acumulação na qual algumas construções permanecem, intactas ou modificadas, enquanto outras desaparecem para ceder lugar a novas edificações. Através desse processo, o que está diante de nós é sempre uma paisagem e um espaço.” (SANTOS, 2008, p. 62)

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serviços” (DAVID, 2010, p. 27), além de associar a eficiência médica a um maior

coeficiente tecnológico (p. 36).

Assim, a medicina moderna está pautada em uma crescente mediação

técnica no trato da saúde. Isso pode ser visto nas mudanças dos objetos técnicos

vinculados a cada período de mudança tecnológica, que estão ligadas a inovações

industriais de grandes agentes hegemônicos definindo, dessa forma, novas

condições de saúde pela regulação do “processo produtivo e [redefinição dos] usos

do território” (DAVID, 2010, p. 36), em acordo com o Estado.

Isso porque, como veremos, é a partir de uma lógica da ciência médica – isto é, a crescente especialização dos cuidados à saúde e a divisão do trabalho por parte da indústria – que há a criação permanente de subsistemas técnicos hegemônicos, que se instalam sobre subsistemas preexistentes e definem, direta ou indiretamente, a dinâmica global e dos lugares. (DAVID, 2010, p. 38)

Temos nesse contexto médico a associação de indústrias, médicos, hospitais

e o Estado, que promovem em conjunto o desenvolvimento de novas tecnologias e a

sua implantação em hospitais públicos (DAVID, 2010, p. 43). Dessa forma, o hospital

tem papel central nas economias urbanas e no sistema de saúde brasileiro,

configurando um sistema de “relações complementares, e hierárquicas, em virtude

das demandas por saúde, bem como das demandas do próprio serviço de saúde”

(2010, p. 118), gerando fluxos de pacientes que migram de suas cidades para terem

acesso aos serviços de saúde, bem como fluxos produtivos atraídos pelos hospitais.

Vemos a operação hierárquica do sistema único de saúde, que conduz algumas cidades à referência em serviços de saúde de uma abrangência regional e até nacional, como é o caso de algumas especialidades médicas. Entretanto, quanto mais modernos se tornam os estabelecimentos e, com efeito, os serviços, maior é a intensidade das trocas, isto é, a circulação não apenas de pessoas, mas de objetos e mensagens. Portadores de uma força na rede urbana, os hospitais são expressão de uma diferenciação geográfica da oferta de serviços de saúde na formação socioespacial brasileira, oferta que devemos observar tanto pela esfera pública como pela esfera privada. (DAVID, 2010, p. 118-119)

“Os hospitais motivam a coexistência de diferentes divisões territoriais do

trabalho, autorizadas por uma variedade de demandas a serem satisfeitas” (DAVID,

2010, p. 119), formando circuitos espaciais produtivos da saúde com a intensificação

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das trocas de equipamentos, materiais, informações, normas produzidos em

diferentes lugares refletindo o processo de modernização dos hospitais e serviços de

saúde inseridos em um processo de mercantilização da saúde aumentando, assim,

as necessidades de trocas regionais (DAVID, 2010, p. 120).

A partir da década de 1970 temos a constituição da globalização baseada na

expansão e na modernização das telecomunicações e do transporte. Associada a

essa base material, desenvolveu-se uma base normativa estabelecida por um

conjunto de regras de regulação dos mercados internacionais (CASTILLO;

FREDERICO, 2010, p. 462). Houve, portanto, um “aprofundamento da divisão

territorial do trabalho expressado na especialização regional produtiva e na

racionalidade que preside o movimento das mercadorias” (CASTILLO; FREDERICO,

2010, p. 462). Castillo e Frederico (2010), propõem, então, a utilização dos conceitos

circuito espacial produtivo e círculos de cooperação no espaço para entender essa

nova dinâmica.

Os circuitos espaciais produtivos apresentam um complexo ordenamento de

fluxos materiais e de informação tendo como agentes desses fluxos grandes

corporações aliadas sem dúvida, com uma política estatal, que articulam as

“diversas etapas, geograficamente segmentadas, da produção” (CASTILLO;

FREDERICO, 2010, p. 462), e do consumo.

As formas geográficas são alocadas de tal forma no espaço que seja

“funcional à difusão do capital”, possibilitando a instalação de diversos circuitos

espaciais produtivos em um mesmo lugar, formando “um mosaico, no qual convivem

formas com racionalidades e conteúdos diversos, concebidas e implantadas em

momentos distintos” (CASTILLO; FREDERICO, 2010, p. 463).

O desenvolvimento técnico e informacional permite essa articulação entre

áreas cada vez mais dispersas, daí a compreensão do conceito de círculos de

cooperação apreendido como os fluxos informacionais que colocam em “contato”

etapas da produção alocadas em diferentes lugares (CASTILLO; FREDERICO,

2010, p. 464).

Com base nas discussões encaminhadas até aqui, podemos dizer que os circuitos espaciais de produção pressupõem a circulação de

matéria (fluxos materiais) no encadeamento das instâncias geograficamente separadas da produção, distribuição, troca e consumo, de um determinado produto, num movimento permanente;

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os círculos de cooperação no espaço, por sua vez, tratam da

comunicação, consubstanciada na transferência de capitais, ordens, informação (fluxos imateriais), garantindo os níveis de organização necessários para articular lugares e agentes dispersos geograficamente, isto é, unificando, através de comandos centralizados, as diversas etapas, espacialmente segmentadas, da produção (CASTILLO; FREDERICO, 2010, p. 464-465)

Temos, portanto, como já foi dito, um espaço geográfico híbrido, ou seja,

constituído por uma base material – “naturais e construídas social e historicamente”

– e por uma base normativa formada por “normas sociais, políticas, jurídicas,

econômicas, culturais que regulam o uso, o acesso e a propriedade dessas coisas”

(CASTILLO; FREDERICO, 2010, p. 468).

Gadelha (2006) apresenta o conceito de complexo industrial da saúde a fim

de unir duas lógicas em movimento na área da saúde: a sanitária e o

desenvolvimento econômico (p. 12), devido à grande absorção desta área de

atividades de desenvolvimento científico e tecnológico, gerando emprego e renda (p.

14). Este conceito engloba, portanto, um conjunto de atividades produtivas –

circuitos espaciais produtivos e círculos de cooperação – que se relacionam pela

compra e venda de bens, serviços, e conhecimento científico e tecnológico inseridas

num contexto político e institucional bastante particular, envolvendo a prestação de serviços como o espaço econômico para o qual flui toda a produção em saúde. Assim, esta atividade está completamente inserida no complexo, tanto por crescentemente se organizar em bases empresariais quanto por configurar o mercado em saúde, como construção política e institucional. Isso confere organicidade ao complexo, permitindo articular, num mesmo contexto, a produção de serviços e bens tão diferentes como medicamentos, equipamentos, materiais diversos ou produtos para diagnóstico. (GADELHA, 2006, p. 15-16).

Segundo Gadelha (2003), está ocorrendo, a pelo menos 20 anos, um

empresariamento da área da saúde com a transformação “no modelo de gestão e

organização da produção de bens e serviços em saúde” (p. 523), a partir da

formação de um complexo médico-industrial com a participação de indústrias, das

prestadoras de serviços médicos e a formação profissional constituindo um

complexo econômico “movido pela lógica de mercado” (p. 522).

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Nessa direção, o setor saúde constitui, simultaneamente, um espaço importante de inovação e de acumulação de capital, gerando oportunidades de investimento, renda e emprego – ou seja, constitui um locus essencial de desenvolvimento econômico – quanto uma

área que requer uma forte presença do Estado e da sociedade para compensar as forças de geração de assimetrias e de desigualdade associadas à operação de estratégias empresariais e de mercado. (GADELHA, 2003, p. 523)

O autor (2003) estabelece três grupos de atividades que formam o complexo

industrial da saúde. De modo geral, o primeiro grupo é formado por indústrias

químicas e biotecnológicas (indústrias farmacêuticas, de reagentes para

diagnósticos, vacinas, etc.), o segundo contem indústrias mecânicas, eletrônicas e

de materiais (equipamentos eletrônicos, órteses e próteses, etc.), e o terceiro

apresenta as prestadoras de serviços16 (hospitais, ambulatórios, clínicas de

diagnóstico e de tratamento). Para que isso ocorra é necessária uma interação entre

centros de pesquisas com o setor empresarial promovendo desenvolvimentos

científicos e tecnológicos essenciais para as inovações nesses três setores (p. 524-

525). Nesse complexo a presença do Estado é essencial,

mediante a compra de bens e serviços, os repasses de recursos para os prestadores de serviços, os investimentos na indústria e na rede assistencial e um conjunto amplo de atividades regulatórias que delimitam as estratégias dos agentes econômicos. (GADELHA, 2003, p. 525)

A partir de meados da década de 1980 com a concepção e aplicação do

Sistema Único de Saúde houve um “processo de inovação organizacional sem

precedentes” (GADELHA, 2003, p. 527), consolidando o Estado brasileiro como

“agente central e com presença penetrante em todo o território nacional na área da

saúde, possuindo um alto poder de regulação e de promoção das ações em saúde”

(GADELHA, 2003, p. 528).

O território brasileiro apresenta uma modernização seletiva configurando,

portanto, uma concentração de infraestruturas e empresas em São Paulo. Segundo

Almeida e Antas Jr. (2011, p. 3), o complexo médico-hospitalar reflete tal

16

Guimarães (2001, p. 157) fala da existência de um “corredor sanitário” ao redor dos serviços de saúde com a formação de diversas atividades, como restaurantes, terminais de ônibus, metrô, pontos de táxi, hotéis, etc. para atender os pacientes, configurando uma rede de serviços urbanos articulados aos serviços especificamente da saúde, como os consultórios, laboratórios de diagnósticos, hospitais, ambulatórios, faculdades, etc.

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concentração, devido ao desenvolvimento do complexo industrial da saúde que

segundo Gadelha (2006) articula as indústrias de equipamentos, materiais,

medicamentos aos serviços médico-hospitalares.

Desse modo, tanto o Estado – e o papel das universidades públicas aí é crucial – quanto as corporações acabam produzindo uma expansão urbana corporativa, condicionadora e também condicionada pela expansão do SUS, que investe fortemente em instalações públicas no interior do estado (complexos hospitalares, centros de pesquisa, universidades em cooperação com Estado e corporações). (ALMEIDA; ANTAS Jr., 2011, p. 3)

O hospital é um sistema técnico-científico e cada vez mais informatizado,

objeto técnico central para a produção industrial e científica dos circuitos espaciais

produtivos da saúde capaz de gerar transformações nas cidades (ANTAS Jr., 2011a,

p. 1).

Há hoje no território brasileiro a formação cada vez mais consolidada de um complexo inseparável entre a oferta dos serviços de saúde e uma produção industrial especializada em diferentes tipos de insumos para clínicas e hospitais. Essa produção industrial, de nível bastante específico, requer tanto a produção de conhecimento aplicado quanto a pesquisa stricto sensu; requer instituições públicas

e privadas no estabelecimento dos elos entre os agentes produtivos, assim como para as regulações setoriais; e requer uma logística flexível, ágil e sofisticada que transporte com qualidade os produtos [...] Essa variedade de agentes econômicos em cooperação, que produz uma complexa divisão territorial do trabalho, é um dado que nos permite afirmar a existência de determinados circuitos espaciais produtivos da saúde. (ANTAS Jr., 2011a, p. 2)

A cada nova mudança no padrão técnico e tecnológico no âmbito da medicina

ocorrem alterações nas instituições hospitalares, a fim de incorporá-los, aumentando

os fluxos com as empresas especializadas associadas a programas do governo,

formando o que o Gadelha (2003, 2006) chamou de complexo industrial da saúde.

Determinados sistemas hospitalares também podem se configurar numa unidade produtiva. Para citar um exemplo, o Hospital das Clínicas em São Paulo, segundo seu relatório anual, produziu 16 milhões de medicamentos em 2008 (HOSPITAL DAS CLÍNICAS, 2009). (ANTAS Jr., 2011a, p. 3)

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Segundo Antas Jr. (2011a), os complexos hospitalares funcionam como

pontos de convergência de interesses corporativos, consolidando-os como centrais

para os circuitos espaciais produtivos da saúde. Dentre eles temos o “consumo de

produtos industriais especializados”, mão-de-obra altamente especializada e

qualificada, além da associação muitas vezes de universidades com o

desenvolvimento de pesquisas aplicadas e stricto sensu (p. 4).

e com esses serviços de saúde, geralmente capitaneados pela presença de hospitais, dá-se uma enorme estratificação da divisão social do trabalho, que passa pela produção industrial, pelo comércio, pelos serviços de saúde propriamente dito, mas também por uma outra grande gama de especializações, atingindo por fim o setor terciário (ANTAS Jr., 2011a, p. 4)

A cidade apresenta uma dinâmica pautada na contínua transformação das

formas geográficas, ou seja, ocorrem refuncionalizações do espaço, que, em um

prazo maior, podem levar, se associadas a refuncionalizações em outros setores, a

transformações sócio-espaciais mais amplas – reestruturação da cidade. Desse

modo, as refuncionalizações dos objetos e sistemas técnicos levam a mudanças nas

estruturas constituindo as longas reestruturações urbanas (ANTAS Jr., 2011b).

Assim,

para que o sistema urbano passe a ter uma nova estrutura, se reestruture, é imperativo que a cidade incorpore as funções ditadas pela nova divisão do trabalho nas escalas superiores à formação socioespacial, preparando regiões funcionais para o acolhimento de uma nova lógica. A criação de regiões com alto grau de conteúdo técnico e informacional, sintonizadas com as lógicas hegemônicas, se daria, segundo essa proposição, por meio de refuncionalizações no espaço urbano, que acabam por interferir na totalidade da cidade, reestruturando-a (SPOSITO, 2004) e, em seu movimento conjunto, transformam a própria realidade urbana regional e mesmo do território nacional. (ANTAS Jr., 2011b, p. 2)

Nessa incessante transformação da cidade ocorre a incorporação de novos

objetos e sistemas técnicos que refletem as lógicas hegemônicas contemporâneas,

com isso os velhos objetos e sistemas técnicos são submetidos a refuncionalizações

com o objetivo de se adequarem a essa nova lógica do sistema produtivo (ANTAS

Jr., 2011b).

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Os objetos ligados à saúde são em grande parte construídos e fornecidos por

grandes corporações desde as indústrias às prestadoras de serviços formando o

complexo industrial da saúde que exerce grande poder nas refuncionalizações dos

espaços da cidade adaptando ou implementando novos objetos e novos sistemas de

fornecimento e produção de insumos ao lado de transformações em outros ramos da

economia urbana como transporte, habitação, educação levando à uma

reestruturação da cidade e uma posterior reestruturação urbana (ANTAS Jr., 2011b,

p. 5).

Essas refuncionalizações decorrentes do complexo industrial da saúde

refletem o novo paradigma da medicina baseada na grande dependência de novas

tecnologias e conhecimentos científicos promovendo constantes mudanças nos

padrões tecnológicos que levam a grandes impactos na transformação da cidade

(ANTAS Jr., 2011b).

No estudo dirigido às refuncionalizações ocorridas numa cidade, é fundamental que se conheçam os períodos de modernização definidos pela implementação de objetos que, em conjunto, têm seus níveis técnicos identificáveis como pertencentes a uma mesma geração (RAYMOND, 1984). Cada geração técnica permite o delineamento de um período ou subperíodo da história da cidade. Portanto, a refuncionalização do espaço é intrinsecamente ligada à história das formas: as que desapareceram, aquelas das quais restam apenas resíduos e as que assumiram novos papéis em função de outras recém-criadas (SANTOS, 1994, p.69). É desse modo que a cidade, em seu funcionamento sistêmico, permanece sempre apta a acolher o nexo da divisão social e territorial do trabalho [...] (ANTAS Jr., 2011b, p. 9)

A implantação do SUS teve grande influência para a mudança de padrão

tecnológico proporcionando inovações tecnológicas tendo, portanto, importante

papel nas transformações de cidades (ANTAS Jr., 2011b).

Os complexos hospitalares com as mudanças tecnológicas associadas a

investimentos de conhecimento científico aplicado e de capitais de corporações e

instituições públicas e privadas contribuem para transformações no espaço urbano,

ou seja,

mudanças no espaço construído (chegando a atingir a circulação, o perfil de ocupação das classes de renda média e alta, a renda do solo urbano etc.) e também trazem consigo novas especialidades, movimentação de pequenos e médios capitais ofertando novos

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serviços – que não se desligam dos complexos hospitalares e suas ofertas especializadas. E assim, sucessivamente, vamos observando mudanças nas funções locais dos objetos e sistemas técnicos: prédios de moradia vão cedendo lugar aos serviços; comércios gerais se transformam em especializados nos serviços de saúde e afins; instituições públicas e privadas dependentes de proximidade dos complexos hospitalares e dos locais de trabalho da corporação médica entre alguns exemplos, até o momento em que essas mudanças atingem uma escala regional, isto é, uma grande área da

metrópole e até mesmo um conjunto significativo da rede de cidades. (ANTAS Jr., 2011b, p. 12)

A área apresenta objetos técnicos de diferentes idades que refletiam, que

eram funcionais a uma lógica pretérita, no entanto todos estão, hoje, inseridos na

atual lógica. Mesmo com suas “cascas” antigas a Faculdade de Medicina e a maioria

das construções do Complexo Hospitalar do Hospital das Clínicas são referências no

ensino/pesquisa/atendimento médico brasileiro.

Conseguimos perceber, portanto, que as imagens fotográficas podem nos

revelar as refuncionalizações do espaço na medida em que nos mostram as

paisagens em diferentes tempos, que quando analisadas considerando as

ambiguidades que possuem e as associando a outras fontes (livros, artigos, notícias,

etc.) podemos alcançar a compreensão do espaço geográfico.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A paisagem desenvolvida a princípio na arte foi se aprofundando conforme o

homem foi dominando a natureza e, com a crescente urbanização configurou-se

uma noção moderna de paisagem utilizada pelas ciências. Desde essa época tal

conceito abriga duas interpretações que se estendem até hoje na Geografia e na

fotografia: uma objetiva ligada à descrição dos objetos concretos, portanto científica;

e uma subjetiva referindo-se a uma descrição seletiva de acordo com os interesses

explicativos, ou seja, artística.

Debruçamo-nos, neste trabalho, com o intento de compreender a definição de

paisagem elaborada por Milton Santos. Para ele, este conceito abrange o domínio

do visível abarcando a realidade de forma superficial segundo a percepção de cada

um, não obtendo o conhecimento de fato, mas apenas uma aparência. Esta

paisagem é formada por objetos técnicos, formas naturais e também as formas

naturais humanizadas. Sendo os primeiros referentes a vários momentos das forças

produtivas refletindo por consequência várias técnicas, configurando uma

coexistência de objetos de diferentes épocas. Assim, a paisagem está intimamente

ligada à produção, já que a cada novo modo de produzir há a repercussão de formas

específicas de produção com a aplicação de novas técnicas, de circulação, de

distribuição, de consumo dando à paisagem uma existência histórica movida de

acordo com os movimentos culturais, políticos e econômicos. Temos uma somatória

de objetos de diferentes idades, os quais muitas vezes não apresentam a função

original, ou seja, aquela que motivou sua construção tornando as cidades

capitalistas uma “colcha de retalhos” já que a cada nova demanda elas vão se

adaptando sem a destruição completa do que já existia.

Em resumo, e para trazer uma comparação, a paisagem é aquilo que vemos

e por isso as fotografias se afiguram como um excelente recurso para conhecê-las

mais a fundo. Retomemos uma reflexão importante que deixa claro esta ligação.

A fotografia nasceu no momento em que o modo de produção capitalista

estava despontando, possibilitando o aumento das trocas, a urbanização, a

industrialização. Esse novo modo de se viver exigia uma nova forma de

comunicação e de informação adaptada às novas velocidades de desenvolvimento

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das sociedades. É nesse contexto que a fotografia legitima-se como uma forma

rápida, mecânica e eficaz de representar esse novo mundo. Torna-se a possibilidade

de conhecimento do distante, do não visto, bem como a forma de representação da

nova lógica urbana e de uma coesão social construída por um imaginário coletivo do

que se retratava nas imagens.

As cidades foram fotografadas de forma exaustiva e o consumo dessas

imagens também foi igualmente grande. Isso pode ser verificado na cidade de São

Paulo o que nos possibilita conhecer as diferentes paisagens que se seguiram ao

longo do tempo.

A fotografia foi tida, e ainda é pela maioria das pessoas, como uma técnica

isenta, neutra, capaz de retratar a realidade da forma exata como aparece aos

nossos olhos. Está aí a questão que não queremos compartilhar. Assim como Milton

Santos, concordamos que a análise da paisagem só pode ser apreendida de forma

parcial, apenas sua aparência, o visível. O entendimento da paisagem só é possível

quando compreendemos o espaço geográfico o qual determinada paisagem está

inserida, ou seja, é somente pela totalidade que podemos compreender a

parcialidade. Isso só é possível através de pesquisa em variadas fontes que

culminaram em uma explicação do espaço, este entendido, para Milton Santos como

“um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações” de

diferentes idades, mas refletindo uma lógica atual, seja de forma totalmente inserida

no modo de produção capitalista, seja de forma marginal. Nesse sentido a fotografia

com determinada paisagem expressa é somente um primeiro passo para o

entendimento de uma realidade, um meio, e não um fim em si mesmo.

Aí reside a problemática das imagens fotográficas, tidas a princípio como

representantes da verdade, da exatidão trazida pela falsa crença na sua objetividade

já que são reproduções mecânicas, técnica em contrapartida aos desenhos que

eram carregados de subjetividade. Diante disso, alertamos para o cuidado que se

deve ter ao utilizar imagens fotográficas em trabalhos acadêmicos para não cairmos

da tendência geral do “ver para crer”, da falsa sensação de realidade.

Não somos a favor, no entanto, de abandonar a utilização das imagens

fotográficas em pesquisas científicas, apenas alertamos para como deve ser essa

utilização. Para isso, usamos uma metodologia de investigação de imagens

fotográficas organizada por Boris Kossoy, que segundo este autor deve ser utilizada

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em pesquisas de qualquer ciência. A utilizamos, então, aliada a outras referências

que refletiam sobre as possibilidades e ambiguidades das fotografias e,

naturalmente, bibliografias geográficas que trouxessem uma reflexão conceitual que

possibilitasse a compreensão do que é retratado nas fotografias.

Dessa forma pudemos trabalhar as refuncionalizações espaciais ocorridas na

área do Complexo Hospitalar das Clínicas partindo das representações das

paisagens retratadas nas imagens fotográficas auferidas nos acervos do Museu

Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina/USP e do Museu

Paulista/USP. Foi possível verificar as transformações ocorridas na área do

Quadrilátero da Saúde em diferentes épocas refletindo as novas exigências da

técnica, do capital, da sociedade, da economia, transformando-se, hoje, em um

importante polo do Complexo Industrial da Saúde no Brasil, onde estão inseridas

partes importantes de diferentes circuitos espaciais produtivos da saúde em atuação

no território brasileiro, em especial no concernente à produção de conhecimento

aplicado e gestão organizacional. Alcançamos, assim, por meio da pesquisa o

espaço geográfico, uma compreensão da totalidade a partir das paisagens.

Diante das possibilidades, limitações e ambiguidades das imagens

fotográficas apontamos a necessidade do desenvolvimento de uma metodologia

geográfica para a utilização dessas imagens como fonte de pesquisa capaz de

revelar o que realmente é possível extrair de modo instantâneo ao observá-las,

possibilitando ir além do visível para alcançarmos a compreensão da totalidade.

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ANEXOS

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ANEXO A

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História da Fotografia

História da fotografia

1550 Girolano Cardano (físico – Milão): descobriu que com o auxílio de uma lente biconvexa no orifício da câmara a imagem aumentava ficando mais clara e nítida.

1568 Danielo Barbano (veneziano) descobriu que era possível variar a nitidez da imagem aumentando ou diminuindo o orifício, surgiu, assim, o primeiro diafragma.

1573 Egnatio Danti (astrônomo e matemático – Florência) propõe utilizar um espelho côncavo para reinverter a imagem.

1604 Ângelo Sala notou que certo composto de prata escurecia se exposto ao sol.

1636 Daniel Schwenter (matemático) elaborou um sistema com três lentes combinando três distâncias focais diferentes. Até então a imagem era gerada na câmara escura, mas ainda era necessário um desenhista para gravar a imagem no papel.

1727 Johann Heirich Schulze provou que cristais de prata halógena quando exposta à luz transforma-se em prata metálica negra.

1777 Karl Wilhelm Scheele (químico) descobre que amoníaco funciona como fixador.

1793 Joseph Nicéphore Niépce gravou quimicamente imagens em negativo com a câmara escura.

1807 William Hyde Wollaston (químico e físico – Inglaterra) inventou uma máquina fotográfica capaz de projetar uma imagem sobre a tela.

1816 Niépce registrou imagens em um material coberto de cloreto de prata.

1819 John Frederick William Herschel descobre que o hiposulfato de sódio funciona como fixador fotográfico.

1826 Niépce produz a primeira fotografia permanente.

1934 William Henry Fox Talbot elabora os primeiros negativos em papel.

1935 Talbot obtém a primeira fotografia por meio do processo negativo/positivo.

1836 Daguerre descobriu que uma imagem podia revelar-se com vapor de mercúrio, diminuindo o tempo de exposição de horas para minutos.

1837 Data a foto mais antiga feita em um daguerreótipo.

1839 Herschel produziu a primeira fotografia em vidro; Daguerre anuncia o processo da tomada de foto com o daguerreótipo.

1840 Herschel em um pronunciamento cria os termos positivo e negativo; Talbot fez o primeiro retrato em papel pelo processo chamado Calótipo (desenvolvimento de uma imagem em pouco tempo de exposição);

1844 Talbot publica o primeiro livro ilustrado com fotografias.

1851 Frederick Scott Archer inventou o processo do colódio úmido que consistia em um algodão de pólvora com álcool e éter para juntar os sai de prata às placas de vidro.

1855 Archer e Peter Fry inventam o Ambrotipo, ou seja, processo no qual se obtinha o positivo diretamente sobre o vidro. Os retratos pequenos do tipo carte-de-visite.

1860 Herschel consegue a primeira cópia de imagens.

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1880 Wratten & Wainwrigth e The Liverpool Dry Plate Co. fabricavam placas secas de gelatina substituindo o colódio, no entanto eram pesadas, frágeis levando muito tempo para substituí-las na câmera.

1888 John Carbutt inicia a fabricação de folhas finas capazes de receber a emulsão de gelatina; Eastman produz a primeira câmera Kodak, uma caixa leve e pequena que comportava um rolo de papel com 100 exposições. A medida que tirava-se uma foto o filme era enrolado em um carretel. Quando se chegava ao fim do rolo mandava-se para a fábrica em Rochester, onde era cortado, revelado e copiado.

1898 A Kodak lança uma câmera dobrável e de bolso.

1902 Eastman detinha 85% da produção mundial. E lança o slogan “Você aperta o botão e nós fazemos o resto”.

1907 Auguste e Louis Lumiére simplificaram o processo possibilitando a fotografia colorida.

1925 A Leica começa a ser produzida. É rápida, portátil, com troca de lentes e acessórios. É um impulso ao fotojornalismo.

1929 Frank & Heidecke lançam a Rolleiflex.

História da fotografia no Brasil

1832 Hercules Romuald Florence descobre um processo de gravação por meio da luz dando-lhe o nome de Photografie, antes de Daguerre e Herschel, deve-se a seu atributo de pai da fotografia.

1833 Inventou uma câmera fotográfica com uma chapa de vidro em uma câmara escura que por contato transmitia a imagem para um papel sensibilizado. Utilizava urina como fixador. Foi o primeiro a utilizar a técnica negativo/positivo.

1840 Louis Compte trouxe ao Brasil a fotografia; Dom Pedro II encomenda ao Compte um Daguerreótipo. D. Pedro II compõe um diversificado acervo com imagens de paisagens e de pessoas.

1860 A técnica do colódio chega ao Brasil.

1910 As primeiras máquinas da Kodak chegam ao nosso país.

1928 Conrado Wessel inaugura, em São Paulo, a primeira fábrica de papel fotográfico da América Latina.

1954 A Kodak compra a fábrica de Wessel.

1965 A Kodak lança a primeira máquina feita no Brasil, Rio 400.

1970 Fábrica de câmeras, papéis fotográficos (coloridos e preto e branco) e fotoquímicos é instalada em São José dos Campos.

Baseado na Coleção de negativos em vidro do Museu da Cidade do Recife: Trabalhos de Recuperação.

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ANEXO B

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ÁLBUM (CD)