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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
TATIANA DOS SANTOS THOMAZ
A fotografia como meio de análise das refuncionalizações espaciais: O caso do "Quadrilátero da Saúde" no Bairro
Cerqueira César (SP).
São Paulo 2012
TATIANA DOS SANTOS THOMAZ
A fotografia como meio de análise das refuncionalizações espaciais: O caso do "Quadrilátero da Saúde" no Bairro
Cerqueira César (SP).
Trabalho de Graduação Individual apresentado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Geógrafo.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Mendes Antas Júnior.
São Paulo 2012
Aos meus pais, Ana e Nelson, e meu irmão, Rafael.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos meus pais, Ana e Nelson, e ao meu irmão
Rafael por sempre terem acreditado nos meus sonhos.
Ao Fernando, em especial, com quem divido alegrias, aflições e sonhos.
Obrigada pelo carinho e apoio nos momentos difíceis durante o processo de escrita
deste trabalho. E sim, estamos só começando...
Aos amigos Bruno, Cássio, Natália, Patrícia e Raquel pelos inúmeros
momentos de diversão e reflexão acerca da vida e da Geografia.
Ao David pela fundamental ajuda com a montagem do álbum e com a
diagramação das páginas em A3.
Ao Prof. Ricardo pela paciência nos dois anos de orientação da Iniciação
Científica e por proporcionar muitos momentos de aprendizagem.
Ao pessoal do Grupo de Estudos “O espaço geográfico na teoria social crítica”
pelos momentos de leitura, reflexão e discussão sobre a Geografia.
Aos Laboratórios: LABUR (Flor) e LABOPLAN (Ana) por proporcionar um
espaço de estudo e convívio durante esses cinco anos.
Agradeço, também, a atenção e a ajuda do pessoal dos dois acervos
visitados: o Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo e o Museu Paulista/USP.
E ao CNPq por ter fomentado esses dois anos de Iniciação Científica.
A todos, muito obrigada!
A geografia não pode contentar-se em descrever a paisagem concreta; ela procura compreender e reconstituir o mecanismo que conduz à formação da paisagem e provoca a sua evolução. Nem todos os elementos desse mecanismo são visíveis aos nossos olhos, mas se acham à disposição da nossa curiosidade crítica. Já se disse que o geógrafo é um “olho” e a geografia uma maneira de ver. Jamais se pretendeu fazer do geógrafo uma Kodak insensível.
Pierre Monbeig, 1957.
RESUMO
Este trabalho é resultado de dois anos de Iniciação Científica (CNPq) sob a
orientação do Prof. Dr. Ricardo Mendes Antas Jr., visando compreender as
possibilidades e limitações da utilização de imagens fotográficas para apreender as
refuncionalizações espaciais ocorridas no Bairro Cerqueira César, mais
especificamente, no “Quadrilátero da Saúde” – formado pela Faculdade de Medicina,
Faculdade de Saúde Pública, Faculdade de Enfermagem e pelo Complexo
Hospitalar das Clínicas – utilizando para isso os conceitos de paisagem, espaço
geográfico, refuncionalizações espaciais e circuito espacial produtivo da saúde.
Palavras-chave: paisagem; espaço geográfico; refuncionalização espacial;
fotografia.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Localização dos objetos técnicos e suas respectivas imagens . . . 68
LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Quadro Descritivo das Imagens Fotográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Tabela 2 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Hospital dos
Variolosos (1880) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55
Tabela 3 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade
de Medicina (1929) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Tabela 4 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade
de Medicina, Instituto de Higiene, Instituto de Medicina Legal, Hospital
Emílio Ribas e as obras do Hospital das Clínicas (1939) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Tabela 5 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Obras do
Hospital das Clínicas (1938) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Tabela 6 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade
de Medicina, Hospital Emílio Ribas e o Instituto Central do Hospital
das Clínicas (1945) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Tabela 7 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade
de Medicina, Escola de Enfermagem, Associação Atlética Oswaldo Cruz,
Instituto de Ortopedia e Traumatologia e Instituto Central do Hospital
das Clínicas (1940 – 1960?) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Tabela 8 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: “Quadrilátero
da Saúde” em construção (1940 – 1960?) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .66
Tabela 9 – Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade
de Medicina e Hospital das Clínicas (1970 – 1980?) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67
SUMÁRIO Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Capítulo I
Paisagem: da arte ao conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
Capítulo II
O desenvolvimento da fotografia e dos registros iconográficos . . . . . . . . . . . . . . . 16
1. O início da Fotografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2. A fotografia em São Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.1. Seus primeiros passos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.2. A fotografia de São Paulo no século XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22
Capítulo III
Paisagem, Espaço Geográfico e Fotografia: uma busca por suas relações . . . . . .27
Capítulo IV
O “Quadrilátero da Saúde” e suas refuncionalizações espaciais ao longo
de sua história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47
1. Uma metodologia para a análise das imagens fotográficas . . . . . . . . . . . . .47
2. A história dos objetos técnicos do “Quadrilátero da Saúde”
por suas imagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
3. Análises . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71
3.1. As imagens fotográficas da arquitetura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
3.2. O espaço geográfico e a paisagem na fotografia . . . . . . . . . . . . . . . . . .73
3.3. Os hospitais como sistemas técnico-científicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .86
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .89
Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A – História da Fotografia.
ANEXO B – Álbum.
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho é resultado de dois anos de Iniciação Científica (com bolsa
fomentada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico/CNPq 2010/2012) inserida na pesquisa do Prof. Dr. Ricardo Mendes
Antas Jr., intitulada: “Reestruturação urbana e refuncionalizações do espaço: o
complexo industrial da saúde no Estado de São Paulo e suas relações com a
urbanização contemporânea” (processo N. 2010/18750-8 - FAPESP), da qual
também participam Mait Bertollo (mestrado) e Rafael da Silva Almeida (mestrado).
Tendo em vista que as transformações urbanas ocorridas na cidade de São
Paulo foram registradas pelas lentes de vários fotógrafos profissionais e amadores,
consideramos essas imagens como importante fonte de análise para verificar as
mudanças espaciais. O objetivo desse trabalho é, portanto, identificar os aspectos
visíveis das refuncionalizações espaciais, por meio da seleção de material
iconográfico – fotografias – ocorridas na região conhecida por “Quadrilátero da
Saúde” formado pelos objetos técnicos ligados à saúde alocados a partir da
construção do Hospital dos Variolosos (futuro Hospital de Isolamento e Instituto de
Infectologia Emílio Ribas), seguido pela Faculdade de Medicina, Faculdade de
Saúde Pública, Faculdade de Enfermagem e pelo Complexo Hospitalar das Clínicas.
Para isso, fizemos uma reflexão acerca dos conceitos paisagem, espaço geográfico,
refuncionalização do espaço, circuito espacial produtivo da saúde e, sobre a
fotografia no que diz respeito a sua história e as suas ambiguidades, apontando a
necessidade de desenvolver uma abordagem geográfica para a interpretação da
imagem fotográfica de modo a explorar eficientemente as possibilidades desse
recurso.
No primeiro capítulo enseja uma reflexão sobre o surgimento do conceito
paisagem, desde a aparição do termo na arte até tornar-se um conceito. A partir daí,
analisamos como este conceito foi definido por Milton Santos.
No segundo capítulo desenvolveremos uma pequena periodização sobre o
surgimento da fotografia, atentando para os motivos pelos quais fizeram nascer essa
técnica e o porquê de sua enorme disseminação pelo mundo. Discutiremos como a
fotografia chegou e se disseminou no Brasil, e mais especificamente, na cidade de
São Paulo.
9
No terceiro capítulo traremos para a análise os problemas e as possibilidades
que as fotografias proporcionam quando analisadas como fontes históricas,
buscando a interligação com os conceitos paisagem e espaço geográfico definidos
por Milton Santos.
Por fim, no quarto capítulo partimos da exposição de uma metodologia de
investigação das imagens fotográficas desenvolvida por Boris Kossoy para a
utilização da fotografia como fonte histórica e, em nosso caso, também geográfica
para analisarmos o histórico da área onde está alocado o “Quadrilátero da Saúde”
por meio de suas imagens, seguida por uma reflexão acerca das fotografias de
arquitetura, do desenvolvimento da medicina e suas influências nas
refuncionalizações do espaço inseridas no circuito espacial produtivo da saúde.
10
CAPÍTULO I
PAISAGEM: DA ARTE AO CONCEITO
Com o objetivo de confirmarmos nossa tese de que é possível aliarmos os
conhecimentos geográficos à interpretação de imagens fotográficas para
compreendermos as transformações urbanas, partiremos de um dos conceitos
centrais da ciência geográfica: a paisagem. Pretendemos neste primeiro capítulo
fazer uma introdução acerca do surgimento da paisagem na arte até tornar-se um
conceito.
Segundo Berger (1999, p. 107), a necessidade de representar a paisagem
inicia-se com as dificuldades de transformar em linhas algo não tangível, como o
céu. Com o desenvolvimento da perspectiva, do enquadramento, da simetria, dos
matizes, foi possível ordenar o “caos” que os componentes da natureza eram para o
olhar humano, além de permitir seu desligamento do religioso, do mitológico
(ROUILLÉ, 2009, p. 111). No século XVI, nos Países Baixos, Pieter Brueghel pinta A
volta dos Caçadores, integrante de um conjunto de quadros que retratavam os
meses do ano, inspirados nos desenhos dos calendários medievais (JANSON, H.W.
& JANSON, A.F., 1996, p. 248). A partir desse momento, a natureza torna-se tema
central de quadros, deixando de ser apenas um “cenário para o desenrolar das
atividades humanas” (JANSON, H.W. & JANSON, A.F., 1996, p. 248). No século
XVII,
A Holanda era uma nação de mercadores, agricultores e marinheiros, e a fé instituída pela Reforma sua religião oficial; assim os artistas holandeses não podiam contar com encomendas públicas em grande escala, patrocinadas pelo Estado e pela Igreja, que eram comuns em todo o mundo católico. Em conseqüência, o colecionador particular tornou-se a principal fonte de sustento para os pintores. (JANSON, H.W. & JANSON, A.F., 1996, p. 264)
Ao invés de diminuir, a produção de quadros na Holanda tornou-se, ao
contrário do que se podia imaginar, um bem de consumo, itens colecionáveis. A
maioria desses compradores escolhiam quadros que “estivessem ligados à sua
própria experiência – paisagens, naturezas-mortas, cenas da vida cotidiana”
(JANSON, H.W. & JANSON, A.F., 1996, p. 270). Aos poucos a pintura paisagística
11
foi ganhando adeptos, como Ruysdael, Rembrandt, Constable, Turner, Monet, Van
Gogh, Cézanne, etc conduzindo as inovações técnicas na pintura paisagística
“progressivamente a um afastamento do substancial e tangível, na direção do
indeterminado e intangível” (BERGER, 1999, p. 107), e com maior carga de
subjetivação.
Segundo Marcio Santos (2006, p, 134-135) a paisagem foi considerada arte
por ser uma “representação de formas, de conteúdos, de espaços, de lugar, sempre
como mediadora da relação do homem com o meio em que vive e observa”, isso
porque desde a filosofia grega socrática a arte era tida como representação da
forma, do conteúdo, do espaço, ou seja, “uma reprodução gráfica” do mundo. Assim,
como a arte também deveria representar a natureza, as pinturas paisagísticas foram
consideradas arte.
Segundo Luchiari (2001, p. 11), a tradução pelo imaginário coletivo da
concepção social de natureza de uma determinada época tem sua expressão mais
completa com o desenvolvimento do conceito de paisagem,
[...] que, longe de ser apenas um modelo abstrato de compreensão do meio, é também a materialidade por meio da qual a racionalidade humana organiza os homens e a natureza em territórios. Ao ser objeto dessa lógica estruturante da sociedade, a paisagem é portadora de sentido. Assim, veremos que o domínio ideológico que estrutura o espaço total está representado também na organização social das paisagens. (LUCHIARI, 2001, p. 11)
A paisagem tornou-se conceito com o desenvolvimento da ciência,
aparecendo na transição do século XVIII para o século XIX, com a crescente
separação do homem e da natureza (SANTOS, Marcio, 2006).
Nesse sentido, a expansão da cidade, a urbanização, a transformação do homem do campo em cidadão, veio a contribuir para o surgimento da noção moderna da paisagem. [...] A paisagem só poderia nascer com a urbanização da sociedade e com a autonomia cada vez crescente do homem frente à natureza, à servidão, e aos rigores da vida camponesa ou da sua sobrevivência em geral. (SANTOS, Marcio, 2006, p. 136)
Por ser muito utilizada tanto pelo senso comum, como pelas diversas
ciências, a palavra paisagem agrega muitos significados. Quanto à paisagem
geográfica, Luchiari (2001) afirma que a polissemia da palavra paisagem se
12
estabeleceu “a partir da geografia alemã e das influências do racionalismo
positivista, de um lado, e do idealismo e do romantismo, de outro” (p. 15). O conceito
de landschaft permitia uma dupla interpretação, objetiva e subjetiva, ou seja,
científica e artística, respectivamente.
Desde o início, a apreensão da paisagem como fenômeno visível se colocou como o centro de um conflito entre objetividade (descrição de elementos concretos da fisiologia da paisagem que poderiam ser analisados por qualquer geógrafo) e subjetividade (descrição seletiva dos elementos da paisagem, conforme o interesse explicativo). (LUCHIARI, 2001, p. 15)
Ao longo do desenvolvimento geográfico, o conceito de paisagem foi
trabalhado por diversos autores, sendo Alexandre Von Humboldt o primeiro, seguido
por Ritter, Ratzel, Vidal de La Blache, R. Hartshorne, J. Tricart, C. Sauer, dentre
outros. No entanto, não temos a intenção de remontarmos, neste trabalho, o
percurso que o conceito paisagem fez ao longo da história do pensamento
geográfico. Vamos nos aprofundar na análise do conceito de paisagem proposta por
Milton Santos em duas de suas obras: Metamorfoses do Espaço Habitado,
fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia (1988a) e Natureza do Espaço:
Técnica e Tempo, Razão e Emoção (2006).
Para Milton Santos (1988a), a paisagem é tudo aquilo que a visão abrange,
ou seja, o “domínio do visível” (p. 21). Assim, dependendo de nossa posição na
superfície terrestre podemos alcançar diferentes escalas de observação da
paisagem.
A paisagem toma escalas diferentes e assoma diversamente aos nossos olhos, segundo onde estejamos, ampliando-se quanto mais se sobe em altura, porque desse modo desaparecem ou se atenuam os obstáculos à visão, e o horizonte vislumbrado não se rompe. (SANTOS, 1988a, p. 22)
A compreensão da dimensão da paisagem depende da percepção que é um
“processo seletivo de apreensão” (SANTOS, 1988a, p. 22) do que nos cerca. No
entanto, apesar da realidade ser apenas uma, cada pessoa a absorve de forma
diferente. Assim, a percepção ainda não é conhecimento, com ela não alcançamos o
significado da paisagem, temos apenas a sua aparência.
13
Carl Sauer (apud SANTOS, 1988a, p. 22) nos diz que a partir do momento
que o homem interage com a natureza passa a existir uma “relação cultural, que é
também política, técnica”. Para ele, então, existem dois tipos de paisagem, a natural
e a artificial. Assim, a produção do espaço:
[...] é resultado da ação dos homens agindo sobre o próprio espaço, através dos objetos, naturais e artificiais. Cada tipo de paisagem é a reprodução de níveis diferentes de forças produtivas, materiais e imateriais, pois o conhecimento também faz parte do rol das forças produtivas. (SANTOS, 1988a, p. 22)
A paisagem é, também, um conjunto de formas artificiais, aquelas que foram
transformadas pelo trabalho humano, e naturais, aquelas que ainda não sofreram
interferência humana. Cabe ressaltar, no entanto, que as paisagens naturais são
cada vez mais escassas, na medida em que a natureza ainda intocada “é objeto de
preocupações e de intenções econômicas ou políticas [...] sendo, desse modo,
social.” (SANTOS, 1988a, p. 23)
A paisagem é um “conjunto de objetos reais-concretos” (SANTOS, Milton,
2006, p. 103), reunião de objetos do passado e do presente criados e organizados
de acordo com o conteúdo técnico da época e que coexistem atualmente.
Milton Santos (1988a, p. 23) afirma a existência de uma relação entre a
configuração da paisagem e a produção, já que para cada tipo de forma há um
instrumento de trabalho específico capaz de produzi-la. Aliam-se à produção formas
específicas de circulação, distribuição e consumo. Santos ressalta, ainda, além da
técnica, a importância das condições econômicas, políticas e culturais ao
estudarmos a paisagem, já que ela “não tem existência histórica fora das relações
sociais” (1988a, p. 24).
Assim, as paisagens vão sendo criadas aos poucos, através de substituições,
acréscimos, subtrações seguindo a lógica de produção do momento, fazendo com
que as funções das formas já existentes sejam modificadas, aliadas à construção de
novas formas de acordo com as novas necessidades.
Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos. Daí vem a anarquia das cidades capitalistas. Se juntos se mantêm elementos de idades diferentes, eles vão responder diferentemente às demandas sociais. A cidade é essa
14
heterogeneidade de formas, mas subordinada a um movimento global. [...] Somente uma parte dos objetos geográficos não mais atende aos fins de quando foi construída. (SANTOS, 1988a, p. 23)
Temos, então, na paisagem uma espécie de “museu” da história do trabalho e
das técnicas, incompleto já que apenas vemos alguns objetos materiais e sistemas
técnicos de diversas idades, ou seja, fragmentos do espaço geográfico. Desta forma,
para estudá-la necessitamos,
[...] interpretar cada etapa da evolução social, cumpre-nos retomar a história que esses fragmentos de diferentes idades representam juntamente com a história tal como a sociedade a escreveu de momento em momento. Assim, reconstituímos a história pretérita da paisagem, mas a função da paisagem atual nos será dada por sua confrontação com a sociedade atual. (SANTOS, Milton, 2006, p. 107)
As mudanças na paisagem também podem ser funcionais ou estruturais. Ao
longo do dia podemos observar mudanças funcionais nas cidades, ou seja, em uma
rua comercial as lojas estão abertas de dia gerando um tipo de movimento,
enquanto à noite, quando estão fechadas geram outra dinâmica, com isso temos
paisagens diferentes, como exemplifica Santos (1988a) “a rua, a praça, o logradouro
funcionam de modo diferente segundo as horas do dia, os dias da semana, as
épocas do ano” (p. 24). Isso pode ser evidenciado e comparado por meio da tomada
de fotografias de dia e de noite possibilitando a identificação de mudanças nas
funções dos objetos.
A sociedade urbana é uma, mas se dá segundo formas-lugares diferentes. É o princípio da diferenciação funcional dos subespaços. A sociedade não mudou, permaneceu a mesma, mas se dá de acordo com ritmos distintos, segundo os lugares, cada ritmo correspondendo a uma aparência, uma forma de parecer. É o princípio da variação funcional do mesmo subespaço. (SANTOS, 1988a, p. 24)
Já na mudança estrutural temos alterações na forma, na estrutura material,
por exemplo as construções de edifícios cada vez mais altos e modernos. Essa
mudança esta diretamente ligada às condições sociais, econômicas, políticas e
técnicas da época e do lugar. Outro exemplo de alteração estrutural da paisagem
são as adequações de antigas estruturas para receberem funções modernas. A
fotografia também se revela uma ótima ferramenta para a identificação de mudanças
15
estruturais nas paisagens por meio de uma análise comparativa de imagens de
diferentes épocas.
Assim, segundo Milton Santos (1988a), a substituição das formas se dá por
dois tipos de envelhecimento: físico, ou seja, deterioração material; ou social, não
utilização ou desvalorização de acordo com as mudanças na política, na economia,
na cultura. Também podem ocorrer revalorizações de porções do espaço urbano
que tiveram objetos preservados tornando-se alvo de especulação imobiliária ou
preservação cultural, como tombamentos . Na paisagem, ainda temos formas viúvas,
aquelas que aguardam uma nova função, e virgens, novas formas para novas
funções (1988a, p. 25).
As funções que são mais suscetíveis de criar novas formas são: bancos, hipermercados, o Estado, shopping-centers etc., além de certas funções públicas. Fora estas, são poucas as funções capazes de criar novas formas, e é por isso mais comum o uso das preexistentes através de uma readaptação. E o caso de casas de saúde, escolas, serviços diversos, fábricas menores etc., que se instalam em antigos casarões ou prédios deixados por outras atividades com readaptação de formas velhas para novas funções.” (SANTOS, 1988a, p. 25)
A paisagem é, portanto, materialidade, como aquela que obtemos com a
retirada de uma fotografia. É onde as relações sociais do passado são fixadas
(SANTOS, 1988a, p. 25). É onde a sociedade se fixa.
16
CAPÍTULO II
O DESENVOLVIMENTO DA FOTOGRAFIA E DOS REGISTROS ICONOGRÁFICOS
1. O início da fotografia
Uma forma de se observar e apreender a paisagem é por meio da fotografia.
Esta nasceu no período da Revolução Industrial despertando grande interesse nas
pessoas, porque as dava oportunidade de conhecer costumes, arquitetura,
momentos, religiões, etc, de várias partes do mundo sem sair de suas casas
(KOSSOY, 2001, p. 25-26).
Em meio à tamanha aceleração da vida com o modo de produção capitalista
possibilitando o aumento das trocas, a industrialização, o crescimento das cidades, o
desenvolvimento das tecnologias de comunicação, a sociedade industrial precisava
“de um sistema de representação adaptado ao seu nível de desenvolvimento, ao seu
grau de tecnicidade, aos seus ritmos, aos seus modos de organização sociais e
políticos, aos seus valores e, evidentemente, à sua economia” (ROUILLÉ, 2009, p.
31). Nesse contexto, a fotografia surge e legitima-se como ferramenta “que
documenta com o máximo de pertinência e de eficácia”, em grande parte devido ao
seu caráter mecânico (ROUILLÉ, 2009, p. 30).
A fotografia está ligada a dois fenômenos da modernidade: a urbanização e o
expansionismo, “de que ela é produto e instrumento” (ROUILLÉ, 2009, p. 43)
transformando o documental na medida em que representa a cidade moderna de
forma moderna, além de documentar o distante, “o nunca visto”, o que o homem não
conhecia. Assim, segundo Rouillé (2009), a fotografia é urbana por ser fruto dele e
por registrar seus conteúdos, além de ter sido devido às lógicas do urbano o
surgimento da possibilidade do desenvolvimento das técnicas capazes de
proporcionar às imagens fotográficas a nitidez, a precisão e a rapidez.
A primeira descoberta para o surgimento da fotografia foram os esquemas da
Câmara Escura, atribuídos, por alguns historiadores, ao chinês Mo Tzu no século V
a.C. e por outros a Aristóteles (384-322 a.C.). A primeira ilustração da Câmara
Escura remonta ao físico e matemático holandês Reiner Gemma Frisius, em 1545.
17
Neste século, pintores já utilizavam a Câmara Escura para a produção de desenhos
e pinturas.
Esta câmara era um quarto estanque à luz, possuía um orifício de um lado e a parede à sua frente pintada de branco. Quando um objeto era posto diante do orifício, do lado de fora do compartimento, deixará passar para o interior alguns desses raios que irão se projetar na parede branca, cada ponto iluminado do objeto reflete assim os raios de luz, então a sua imagem era projetada invertida e com pouca nitidez sobre a parede branca. Essa falta de definição passou a ser um grande problema aos artistas que pretendiam usar a câmara escura na pintura. (Coleção de Negativos em Vidro do Museu da Cidade do Recife: Trabalhos de Recuperação, s.d., p. 12)
A partir daí vários experimentos e descobertas de física e química foram
realizadas até chegarmos à primeira fotografia. Descobriu-se que lentes biconvexas
aumentavam a nitidez da imagem, que esta também variava de acordo com o
estreitamento do orifício (primeiro diafragma), que era possível reinverter a imagem
utilizando um espelho côncavo, a possibilidade de gravar a imagem em papel e,
posteriormente, produzir cópias, a invenção de máquinas portáteis com revelações
simplificadas e coloridas (Anexo A).
Sobre esse processo de invenção da fotografia, JANSON nos coloca em seu
livro Iniciação à História da Arte (1996) uma dúvida interessante. Se a câmara
escura já era conhecida desde o século XVI, por que somente com a Revolução
Industrial todos os conhecimentos químicos e físicos foram combinados para a
produção da primeira fotografia? Até o século XVIII a fantasia, a criação de uma
realidade que favorecesse os modelos era mais importante que um retrato exato,
fidedigno, ou seja, somente a Revolução Industrial possibilitou ao homem uma nova
forma de vida. Junto com ela, alterou-se o jeito como ele passou a registrá-la, e para
isso “o fato de essa nova técnica ter um aspecto mecânico era particularmente
apropriado” (JANSON, H.W. & JANSON, A.F., 1996, p. 425).
Desta forma, o final do século XVIII e início do século XIX foram marcados
pelo crescente interesse da nascente classe média – substituta da aristocracia como
principal patrocinadora cultural – por imagens dos mais variados tipos. O retrato
(“cartão de visita”), por exemplo, foi o que primeiro despertou o interesse dessa
classe; depois veio o interesse pelas imagens do mundo acessíveis a todos sem que
precisassem sair de suas casas – a “paixão pelo exótico era fundamental ao
18
escapismo romântico, e por volta de 1850 os fotógrafos haviam começado a
transportar seus equipamentos para lugares distantes” (JANSON, H.W. & JANSON,
A.F., 1996, p. 426-427).
A difusão da fotografia realiza-se, nessa época, por meio da sua possibilidade
de ser colecionável, além de ser utilizada como adereço em relógios, bengalas,
lunetas (FABRIS, 2008, p. 42). Segundo Annateresa Fabris, a fotografia “revela-se
um poderoso instrumento de coesão social” (2008, p. 44-45), já que possibilita a
construção de um “museu imaginário ideal”, com coleções de imagens comuns às
classes hegemônicas, possibilitando a estas “viajar no tempo e no espaço”,
tornando-se um produto industrial, capitalista. Logo, a fotografia adquire um valor
documental e passa a ser utilizada para mostrar a pobreza, as guerras, as obras,
identificação pessoal e criminal (FABRIS, 2008, p. 52).
Diante do exposto, podemos concordar com a autora:
Talvez não seja arriscado afirmar que a fotografia é a invenção ‘mais burguesa’ ideada pela burguesia em sua tentativa de construir o mundo à própria imagem e semelhança. E a imagem da burguesia do século XIX não podia deixar de ser mecânica, de obedecer às leis de uma difusão capilar, de moldar-se num tipo de desenvolvimento racional, inerente à lógica capitalista, pela qual homens e objetos se equivalem. (FABRIS, 2008, p. 56)
No Brasil a fotografia surge, em 1832, com Hercules Romuald Florence que
descobre, de forma isolada, na vila de São Carlos (Campinas), um processo de
gravação por meio da luz dando-lhe o nome de Photografie, antes de seus
contemporâneos europeus, o que o torna “pai” da fotografia. Em 1833, inventa uma
câmara escura com uma chapa de vidro que por contato sensibilizava um papel,
transferindo a imagem. No entanto, a expansão da fotografia não se deu com as
invenções de Florence, mas sim, com Louis Compte, em 1840, que a mostrou a
Dom Pedro II no Rio de Janeiro. A partir desse momento, a difusão da fotografia foi
iniciada, principalmente com os fotógrafos itinerantes. Os estúdios permanentes
surgiram primeiro no Rio de Janeiro, e mais tarde em São Paulo.
No início da história humana era possível criar em diferentes lugares soluções
técnicas próprias e convergentes sem que tivessem sua aparição em momentos
simultâneos, ou que o surgimento de determinada técnica obrigatoriamente tivesse
repercussões em outros lugares. Com o capitalismo, e principalmente hoje com a
19
globalização podemos falar em uma idade universal das técnicas, idade contada a
partir do momento em que surge e que é disseminada por “todo” o mundo.
2. A fotografia em São Paulo
2.1. Seus primeiros passos...
Para tratarmos da história da fotografia em São Paulo, precisamos retomar
algumas obras paisagísticas importantes realizadas por dois desenhistas, Charles
Landseer e William John Burchell. Landseer (1799-1879), desenhista inglês, esteve
no Brasil nos anos 1825 e 1826 retratando as paisagens urbanas e os personagens
típicos da sociedade do Rio de Janeiro e de São Paulo. Burchell, botânico (1781-
1863), veio ao Brasil em 1825 em uma expedição inglesa que pretendia reconhecer
nossa independência. Neste período retratou a flora e os habitantes do interior
paulista e da Serra do Mar, além da cidade de São Paulo vista de longe a partir das
estradas que seguiam para Santos e para o Rio de Janeiro. Cabe lembrar que nessa
época, na cidade de São Paulo,
A pobreza da cidade era irrelevante diante do fato de que ela era cercada de áreas prósperas de fazendas de açúcar, como Jundiaí, Campinas e Itu, de onde provinham, periodicamente, os membros do Senado da Câmara, para a gestão provincial. Ela era também o entreposto das tropas de gado vindas do sul e a articuladora do mercado de abastecimento do Rio de Janeiro. Ela seria ademais a sede do novo presidente de província, estabelecido em 1824. Suas funções administrativas, militares, eclesiásticas e comerciais se ampliaram de modo geral com o advento do novo regime monárquico. (SEVCENKO, 2004, p. 321-323)
A partir de então a cidade passa a receber olhares dos artistas viajantes,
principalmente ingleses, como Edward Pink, Daniel Kidder, James Fletcher,
Richards, Elliot, Thomas Ender e os franceses Arnaud Julien Pallière e Jean-
Baptiste Debret, além dos já citados Landseer e Burchell, atraídos pelo “seu
exotismo, da sua localização pitoresca e da peculiaridade meio hispânica, meio
indígena e meio africana de seus habitantes naturais” (SEVCENKO, 2004, p. 323).
Data dessa época a febre por retratos, gênero fotográfico com maior
comercialização no século XIX (LIMA, 2008, p. 61). Isso foi registrado pelo escritor
20
Álvares de Azevedo, em 1848: “Não há Estudante que não se tenha retratado ou
pretenda-se retratar-se” (apud MENDES, 2004, p. 389), referindo-se aos estudantes
da Faculdade São Francisco.
Segundo Mendes (2004, p. 389), até a década de 1850 não tínhamos
menções ao serviço de tomadas de fotografias da paisagem urbana de São Paulo,
tão pouco havia comercialização de tal gênero fotográfico.
Então, em novembro de 1859, o jornal Correio Paulistano traz o
“reclame”: “VISTAS PHOTOGRAPHICAS da Academia em São Paulo achão-se a venda no Bazar Paulistano n. 36. Aqueles srs.
Estudantes que dezejarem levar para seus lares uma lembrança do lugar de sua vida acadêmica acharão nestes lindos quadros mui próprios para tal fim”. (MENDES, 2004, p. 389)
Em 1867 temos a construção da estrada de ferro São Paulo Railway ligando o
porto de Santos a Jundiaí. A cidade de São Paulo começou a se transformar, reflexo
da expansão cafeeira pelo oeste paulista. Segundo Sevcenko “[...] a metamorfose da
cidade é total, rápida e espetacular. Até os anos 20 do século XX, a região de São
Paulo seria responsável pelo fornecimento de mais de 75% de todo o café que
circulava no mercado internacional.” (2004, p. 326).
As famosas vistas fotográficas da cidade feitas por Militão Augusto de
Azevedo e reunidas no Álbum comparativo da cidade de São Paulo – 1862-1887,
lançado em 1887 mostram a transformação ocorrida na cidade nessa época.
Essa coleção de fotos é um autêntico tesouro porque Militão se deu conta, com toda clareza, que a cidade existente estava destinada a desaparecer em intervalo curtíssimo, cabendo ao fotógrafo registrar uma memória que se apagava sob o ritmo frenético das ferrovias, dos transatlânticos e dos telégrafos. Ele fixou metodicamente todos os quadrantes, meandros, becos e ruínas, permitindo que contemplemos hoje, com prodigiosa riqueza de detalhes, o que foi a São Paulo histórica, a Piratininga épica dos descendentes dos guaianás. (SEVCENKO, 2004, p. 327)
Segundo Mendes (2004, p. 391), esse acervo organizado pelo Militão foi
recuperado, no início do século XX, no “primeiro boom historiográfico” sobre a
cidade de São Paulo, no qual aparecem as primeiras iniciativas de coleta e
organização de imagens fotográficas. Temos aqui o início da construção de uma
memória visual de São Paulo, mas tendo a fotografia, ainda, como um simples papel
21
ilustrativo, sem preocupação com a autoria das imagens ou com sua origem (2004,
p. 428), ou seja, um simples acessório. As fotografias da década de 1860 tornam-se
relevantes por serem “o mais antigo registro da capital paulista [...] que chegou até
nós” (2004, p. 391).
A partir de 1870, surge outra forma de registrar as transformações da cidade,
de estabelecer uma memória visual de São Paulo, por meio da contratação de
fotógrafos para documentarem as obras que modificavam intensamente a paisagem
urbana.
Um crescimento explosivo da população implica a demanda por serviços públicos de infra-estrutura, que desde finais da década de 1870 começavam a ser implementados. No entanto, a taxa de expansão da capital paulista exigiria serviços progressivamente maiores em complexidade e extensão, superando continuamente as iniciativas tomadas. (MENDES, 2004, p. 408)
Nesse novo ramo de atuação dos fotógrafos temos alguns nomes
importantes, como P. Doumet que publicou em 1893 o álbum Cidade de São Paulo:
Serviços da Repartição de Agua e Esgotos, no qual retratou as obras de
implantação do sistema de captação de água da Cantareira levando-a para o centro
da cidade, Otto Rudolf Quaas que registrou obras de prédios públicos realizadas
pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo, principalmente entre 1890 e 1910, e
Guilherme Gaensly na última década do século XIX, que documentou as principais
obras de instituições públicas e particulares.
O registro de obras acentua-se nas primeiras décadas do século XX, período
que o poder público promove as primeiras intervenções urbanísticas de maior
significação, como o plano Bouvard do vale do Anhangabaú e o Plano de Avenidas
do Prestes Maia (MENDES, 2004, p. 414)1.
Ainda faz parte desse projeto de recuperação da paisagem perdida devido à
acelerada transformação pela qual a cidade passava a obra, publicada em 1905, S.
Paulo antigo e S. Paulo moderno: 1554-1904 organizado por Henrique Vanorden,
Nereu Rangel Pestana e Jules Martin, marcando um período importante na história
visual da cidade.
1 Cabe ressaltar, que essa documentação não era um objetivo oficial do poder público, mas sim, boa
parte executada pelo escritório de Ramos Azevedo.
22
2.2. A fotografia de São Paulo no século XX
Segundo Lima (2008, p. 71), as vistas fotográficas tornam-se um importante
gênero de comercialização a partir das primeiras décadas do século XX com a febre
dos cartões-postais, isso devido a um conjunto de fatores, como o desenvolvimento
da cidade que proporcionou a ampliação do mercado interno, a redução dos custos
da produção fotográfica beneficiada pelo desenvolvimento da tecnologia, o aumento
do turismo e, mais especificamente, o surto de imigração para a cidade no início do
século XX. O mercado consumidor dessas fotografias era, portanto, os imigrantes e
turistas, os próprios paulistanos ávidos em colecionar cartões-postais, além do
Governo que encomendava trabalhos fotográficos destinados à divulgação das
capacidades, habilidades, de São Paulo em negociações com outros países (LIMA,
2008, p. 78). Temos, assim, “um período de educação do olhar e redefinição de
valores estéticos sob a óptica fotográfica” (LIMA, 2008, p. 71), ou seja, uma
educação do olhar para a comunicação em massa que dominará o século XX.
A imagem aérea aparece pela primeira vez, em 1919, na Revista do Brasil
com a publicação do artigo São Paulo vista do aeroplano, no qual foram divulgadas
duas imagens feitas pelo tenente observador Dorsand.
As imagens aéreas constituiriam ao longo de extenso período um motivo de fascínio, repetindo-se continuamente em revistas das décadas seguintes. O interesse por este novo olhar é apenas um dos vários desdobramentos de uma expansão tecnológica da imagem técnica, da imagem produzida por aparelhos. (MENDES, 2004, p. 416)
Com esses exemplos de álbuns fotográficos citados acima, e ainda muitos
outros que não mencionamos, podemos perceber um interesse crescente em
retratar a paisagem urbana de São Paulo em constante transformação. No entanto,
somente na década de 1940 foi constituído o primeiro arquivo de imagens
fotográficas da cidade, organizado por Benedito Junqueira Duarte, funcionário do
Departamento de Cultura na gestão do prefeito Fábio Prado, marcando “o início de
uma documentação da capital paulista, de forma sistemática, empreendida pela
municipalidade” (MENDES, 2004, p. 430), contudo ainda não havia a preocupação
com a memória dos fotógrafos, bem como com as utilidades e as funções que essas
imagens tiveram quando tomadas.
23
[...] Duarte passa a ser requisitado para documentar as novas obras. Por um lado, Benedito Duarte responde por uma documentação oficial, embora em nenhum momento a municipalidade tenha estruturado uma política de propaganda clara e articulada, nem definido órgãos executores. Por outro, o fotógrafo organiza a documentação histórica que constituiria o principal repertório visual sobre a capital paulista [...] A produção de Benedito ao longo de mais de uma década é um registro único. Enfoca não só intervenções físicas mas também os serviços implantados pelo Departamento de Cultura, em especial as bibliotecas e parques infantis.” (MENDES, 2004, p. 439)
Cabe ressaltar que o desenvolvimento tecnológico permitiu o uso da técnica
fotografia por amadores que desde o final do século XIX passam a retratar a cidade
de São Paulo, seus movimentos diários, destinando suas imagens, na maioria das
vezes, a acervos pessoais (MENDES, 2004, p. 431).
Nas décadas de 1940 e 1950 devido às comemorações do IV Centenário da
cidade ocorre uma explosão de imagens, uma “banalização icônica” (MENDES,
2004, p. 440). Aparecem nas imagens de Ademar Manarini e Eduardo Salvatore os
primeiros registros focados às questões sociais, como a exclusão. Temos, também,
nessa época, a imigração de fotógrafos fugindo das guerras europeias, trazendo
novas abordagens para a documentação fotográfica, como Hildegard Rosenthal e
Alice Brill focadas no dia-a-dia da cidade (2004, p. 442). Ambas também retratam a
arquitetura, os novos edifícios utilizando fotomontagens. Surgem também as
fotografias industriais, retratando a rotina dentro das indústrias (2004, p. 443).
Esses olhares novos, de ângulos diferenciados, comprometidos com agendas e encomendas distintas, cristalizam lentamente as diferentes formas de produção visual em fotografia. Se o século XIX apresentava uma produção reduzida em função da demanda contida pelas condições econômicas, a primeira metade do século XX convive com expansão contínua dos campos de ação da fotografia, associada a uma renovação do conjunto de profissionais. (MENDES, 2004, p. 444)
A década de 1960 apresenta uma produção menor em comparação com a
década anterior – década do IV Centenário –, obedecendo às mesmas
características estéticas.
24
A São Paulo da década de 1960 é uma cidade de transição. O centro “monumental” entraria lentamente em relativa decadência. Menos talvez pela dificuldade de expansão e mais pelo crescimento horizontal da metrópole, não acompanhado por um investimento adequado em transporte. Apenas ao final da década, ações urbanas, como um sistema metroviário, começaram a ser delineadas, com atraso e lentidão. Obras previstas havia décadas, como a retificação do rio Tietê, a construção das marginais ou vias como as avenidas 23 de Maio e Radial Leste ganhariam, então, forma mais efetiva. (MENDES, 2004, p. 444-445)
A efervescência da cultura brasileira na década de 1960 proporcionou o
surgimento de uma nova fotografia brasileira que pretendia definir a fotografia como
um meio de expressão e como registro documental. Na década de 1970, ela ganha
espaço no museu, na publicidade e na imprensa. Temos a primeira geração de
estudiosos voltados para a historiografia da fotografia brasileira, como Boris Kossoy,
Stefania Bril e Moracy de Oliveira, e o inicio de um debate sobre a utilização das
imagens fotográficas como fonte documental na pesquisa histórica.
Com a criação em 1975 do Departamento do Patrimônio Histórico Municipal,
inaugura-se o setor do Museu Histórico da Imagem Fotográfica da Cidade de São
Paulo – a partir do Arquivo de Negativos formado por Benedito Junqueira Duarte –
buscando estimular a pesquisa e a divulgação das imagens fotográficas como fontes
documentais.
A recuperação de uma diversidade de fontes visuais, em grande parte conjuntos documentais sobre serviços de infra-estrutura urbana, caracteriza-se por uma inversão de uso. Gerados como material documental para emprego restrito, esses registros ganham um novo público. O interesse pela documentação urbana passa a ser vetor de estruturação de acervos e projetos de pesquisa, em detrimento de outros segmentos de produção visual em fotografia como o retrato, por exemplo. (MENDES, 2004, p. 450)
Na pesquisa acadêmica temos na década de 1970 o primeiro programa de
pós-graduação em Artes na Universidade de São Paulo. Boris Kossoy é referência
na pesquisa acadêmica sobre a história da fotografia, e sobre as relações entre a
cidade e a fotografia.
É a partir daqui que se pode falar em relação entre fotografia e cidade enquanto constituição de um corpo visual histórico e de um olhar sobre o que nos cerca, inserido numa tradição. É a descoberta de uma geração de fotógrafos e agentes da fotografia como
25
historiadores, críticos e especialistas em setores os mais diversos como conservação, edição de imagem, mercado editorial. É também parte de um processo maior de constituição de uma fotografia brasileira enquanto projeto de uma geração, enquanto programas institucionais específicos. Em meio a este boom, temas como a
antropologia visual, a história do cotidiano e a cultura material entremeiam-se. (MENDES, 2004, p. 458)
Quanto a uma teoria fotográfica, somente nessa década, algumas traduções
foram realizadas. Walter Benjamin escreve, em 1937, o ensaio A obra de arte na
época de suas técnicas de reprodução, que é traduzido para o português somente
1969. Em 1973, é editado pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), o
livro Antropologia visual: a fotografia como método de pesquisa, de John Collier Jr.
Só na década seguinte chegou até nós edições de Susan Sontag e Roland Barthes.
Na década de 1980, tivemos a publicação de imagens recuperadas de
arquivos de empresas ligadas às obras de infraestrutura urbana realizadas na
cidade de São Paulo. A Eletropaulo organizou um departamento de patrimônio
histórico com documentos textuais, fotográficos e cartográficos da Light & Power e
concessionárias de gás e telefone (MENDES, 2004, p. 453-454).
O estudo da fotografia como instrumento de pesquisa tornou-se um objetivo
com o Laboratório de Imagem e Som em Antropologia e com o Programa de Pós-
Graduação em Multimeios, ambos na Unicamp, a partir da década de 90. Tivemos,
também, nessa década, um importante projeto de catalogação e organização de
fotografias, desenvolvido pelo Instituto Itaú Cultural, formando um banco de dados
de fotos digitais da cidade de São Paulo.
É nessa década que os primeiros mestrados e doutorados são apresentados
com a discussão do papel da fotografia na formação simbólica da cidade, “como
registro e como instrumento de ação a serviço dos diferentes focos de poder, público
e privado” (MENDES, 2004, p. 461).
Também é importante a contribuição de Ulpiano Bezerra de Menezes na sua
gestão no Museu Paulista da Universidade de São Paulo, devido às novas
aquisições e às melhoras na infraestrutura de conservação, armazenamento e
tratamento das imagens, construindo ali o maior acervo público organizado e aberto
à pesquisa.
Em 1997, a Fundação do Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo é
estabelecida paralelamente à privatização das empresas desse setor, ficando
26
responsável por seus acervos que revelam a implantação de infraestruturas urbanas
na primeira metade do século XX.
Dentre os acervos privados, damos destaque ao Instituto Moreira Salles,
inaugurado em 1995, sendo a maior coleção privada de imagens fotográficas do
Brasil. No que diz respeito a São Paulo, tem imagens de Gilberto Ferrez e Pedro
Corrêa do Lago do final do século XIX, a Coleção Brascan das primeiras décadas do
século XX e de Hildegard Rosenthal e Alice Brill no período de 1930 a 1950.
27
CAPÍTULO III
PAISAGEM, ESPAÇO GEOGRÁFICO E FOTOGRAFIA: UMA BUSCA POR SUAS RELAÇÕES
Para entendermos as relações existentes entre a fotografia e a geografia,
mais especificamente, entre a fotografia e os conceitos de paisagem e de espaço
geográfico, definidos por Milton Santos, retomamos o contexto histórico a qual a
descoberta da fotografia está inserida, seguindo para uma análise do pensamento
fotográfico elaborado por quatro importantes pesquisadores – Phillipe Dubois,
Roland Barthes, André Rouillé e Boris Kossoy – para podermos alcançar as suas
relações com a geografia em busca de apoiar nosso objeto empírico de análise que
será tratado no capítulo 4.
A fotografia como técnica originada com a economia industrial2 é considerada
a mais apta a mostrar a intensa modernização do período: abandona os aspectos
locais para ater-se na fixação dos marcos que mostrassem a integração do mercado
internacional. Como todas as demais técnicas a fotografia, nesse período, também
se aperfeiçoa, sendo cada vez mais tratada como uma técnica neutra, capaz de
levar ao espectador a realidade “nua e crua”, divulgando uma “nova mentalidade
emergente na sociedade capitalista, seu instrumento ideológico por excelência”
(CARVALHO, 2008, p. 225).
A sua reprodutibilidade e mobilidade devido ao seu tamanho e baixo custo,
rapidez de produção, e fidedignidade são características da imagem fotográfica que
proporcionou a ampliação do mundo dos homens devido a sua qualidade de
“documento adaptado ao primeiro estágio da sociedade industrial” (ROUILLÉ, 2009,
p. 50).
Mas “o que é que sustenta essa crença na exatidão, verdade e realidade da
fotografia-documento?” (ROUILLÉ, 2009, p. 63). Primeiramente, temos a noção de
perspectiva3 elaborada no século XV, que a fotografia sistematiza pelos princípios da
óptica e da câmara escura. A perspectiva foi algo importante no desenvolvimento da
2 A imagem fotográfica é obtida por uma máquina, assim suas propriedades mecânicas lhe deram
condições para inserir-se na revolução industrial e na nova sociedade que estava se formando. Com a capacidade técnica do homem para atingir novos lugares, a fotografia possibilitou a execução de um inventário do mundo visível, de reduzir o mundo a um álbum “consultável no quadro restrito de um laboratório ou de um salão burguês“ (ROUILLÉ, 2009, p. 38). 3 “organização fictícia, imaginária, reputada por imitar a percepção” (ROUILLÉ, 2009, p. 63).
28
história da ciência moderna. A possibilidade de comparar as observações para
torná-las legítimas só foi possível com a “descoberta” da terceira dimensão.
Primeiramente, a perspectiva possibilitou a invenção do telescópio e do microscópio,
mais tarde da fotografia, e em um terceiro período a imagem tornou-se o exposto e
não somente uma ilustração com as ciências da observação/descrição (p. 68). Os
naturalistas passaram a fazer suas descobertas através de imagens, ou seja, para
eles, as imagens eram a reprodução das coisas do mundo, “confundem-se
totalmente com elas, podem substituí-las sem nenhuma perda” (p. 69).
Além dos princípios físicos que proporcionam “essa mecanização da mimese”
(ROUILLÉ, 2009, p. 63), temos os princípios químicos que registram, que imprimem
a imagem adicionando mais verdade e exatidão à representação do referente, ou
seja, um “registro químico das aparências” (2009, p. 63).
as propriedades químicas da impressão reúnem-se às propriedades físicas da máquina para renovar a crença na imitação [...] Em face à crise da verdade, da perda de crédito que afeta tanto o desenho quanto a escrita, a arte e a imprensa, e em resposta à dúvida profunda de que foram objeto, a fotografia renova os procedimentos do verdadeiro. E o faz mecanizando a verdade óptica (a da câmara escura e da objetiva) e duplicando-a em uma verdade táctil (a da impressão). Aliando a física à química. (ROUILLÉ, 2009, p. 64)
A última característica para responder a questão de Rouillé (2009) é a
passagem do paradigma artesanal do desenho e da pintura para o paradigma
industrial da fotografia sendo possível captar as “aparências de uma coisa por uma
máquina” (p. 64), valorizando a crença moderna de verdade, já que diminui cada vez
mais a presença do homem e de sua subjetividade.
Uma analogia utilizada nessa época para se referir à suposta verdade da
fotografia-documento era compará-la a um espelho, “uma imagem perfeitamente
analógica, totalmente confiável, absolutamente infalsificável, porque automática,
sem homem” ((ROUILLÉ, 2009, p. 66). A fotografia é vista, portanto, como passiva,
neutra, retendo simplesmente as aparências em uma banal reprodução técnica
alheia às subjetividades humanas (2009, p. 66), adquirindo o papel de documento.
A metáfora do espelho e a da mecanização da imagem denunciam, além disso, uma concepção objetivista segundo a qual a realidade seria principalmente material, e a verdade inteiramente contida nos objetos, completamente acessível através da visão. Embora a
29
verdade sempre tenha de ser produzida ou criada (e não algo a alcançar, nem a encontrar, reproduzir ou coletar) [...] (ROUILLÉ, 2009, p. 66-67)
Philippe Dubois (1994) trata no primeiro capítulo de seu livro – O ato
fotográfico e outros ensaios – sobre a questão desse realismo na fotografia, ou seja,
sobre o consenso de que a fotografia apresenta a verdade baseada no
procedimento técnico de produção dessas imagens fotográficas, tratadas, portanto,
como provas que confirmam que algo realmente existiu. O autor com o intuito de
mostrar o percurso histórico desse princípio de realidade nos propõe uma divisão em
três tempos, “três posições epistemológicas” acerca da realidade e do valor
documental das fotografias (p. 53): quando a fotografia era tratada como “espelho do
real”, como “transformação do real” e como “traço de um real”.
Na fotografia como espelho do real temos associado o discurso da mimese,
ou seja, a realidade da imagem estava associada à semelhança existente entre a
fotografia e o referente. Isso está posto desde a invenção da fotografia no início do
século XIX devido à sua “natureza técnica”, à sua mecanização, o que permitia
“fazer aparecer uma imagem de maneira ‘automática’, ‘objetiva’, quase ‘natural’
(segundo tão-somente as leis da ótica e da química), sem que a mão do artista
intervenha diretamente” (DUBOIS, 1994, p. 28), dando à fotografia a cátedra de
imitação perfeita da realidade.
Segundo Dubois (1994, p. 30), temos nesse período, junto com o
desenvolvimento da técnica fotográfica, o desenvolvimento das ciências que tomam
a fotografia como a técnica capaz de melhor auxiliar na compreensão do mundo.
Temos, com isso, a separação da arte e da fotografia, já que a primeira é uma
“criação imaginária”4, enquanto a segunda é “um instrumento fiel de reprodução do
real”. Dessa forma, a fotografia passa a ter uma função documental, já que é uma
representação objetiva, neutra obtida pela máquina comandada por leis da química
e da ótica, sem a presença de um sujeito, portanto “a foto não interpreta, não
seleciona, não hierarquiza”5 (1994, p. 32).
4 “[...] No mesmo espírito, veremos florescer ao longo de todo o século XIX uma argumentação que
pretende que, graças à fotografia, a prática pictural poderá doravante adequar-se àquilo que constitui sua própria essência: a criação imaginária isolada de qualquer contingência empírica. Eis a pintura de certa forma libertada do concreto, do real, do utilitário e do social.” (DUBOIS, 1994, p. 31) 5 “Estou convencido de que os progressos mal aplicados da fotografia contribuíram muito, como aliás
todos os progressos puramente materiais, para o empobrecimento do gênio artístico francês, já tão raro (...). Disso decorre que a indústria, ao irromper na arte, se torna sua inimiga mais mortal e que
30
Na fotografia como transformação do real, temos uma reação a essa
realidade como uma impressão, negando a neutralidade que a fotografia como
espelho do real tinha, passando a entendê-la como uma análise, uma interpretação,
uma transformação do real imbuída de códigos. Isso se deve, segundo Dubois
(1994, p. 36), ao movimento estruturalista (século XX) que denuncia a mimese da
fotografia, a sua neutralidade, a sua objetividade, e argumenta sobre seus códigos
técnicos, culturais, ideológicos, estéticos, etc., Dubois desconstrói o realismo
fotográfico pela técnica e pelos seus efeitos:
[...] em primeiro lugar, a fotografia oferece ao mundo uma imagem determinada ao mesmo tempo pelo ângulo de visão escolhido, por sua distancia do objeto e pelo enquadramento; em seguida, reduz, por um lado, a tridimensionalidade do objeto a uma imagem bidimensional e, por outro, todo o campo das variações cromáticas a um contraste branco e preto; finalmente, isola um ponto preciso do espaço-tempo e é puramente visual (às vezes sonora no caso do cinema falado), excluindo qualquer outra sensação olfativa ou tátil. Como se vê, tal desconstrução do realismo fotográfico baseia-se por inteiro numa observação da técnica fotográfica e de seus efeitos perceptivos. (DUBOIS, 1994, p. 38).
Traz também como referência Pierre Bourdieu – Uma arte média (1965, p.
108-109 apud DUBOIS, 1994, p. 40) – que trata a realidade e a objetividade da
fotografia – linguagem sem códigos – como resultado de seus usos sociais desde
sua origem. Para mostrar que a fotografia é codificada culturalmente, Dubois cita em
seu texto um exemplo esclarecedor:
[...] eis os propósitos determinados pelos usos antropológicos da foto, que mostram que a significação das mensagens fotográficas é de fato determinada culturalmente, que ela não se impõe como uma
confusão das funções impede que cada uma delas seja bem realizada (...). Quando se permite que a fotografia substitua alguma das funções da arte, corre-se o risco de que ela logo a supere ou corrompa por inteiro graças à aliança natural que encontrará na idiotice da multidão. É portanto necessário que ela volte a seu verdadeiro dever, que é o de servir ciências e artes, mas de maneira bem humilde, como a tipografia e a estenografia, que não criaram nem substituíram a literatura. Que ela enriqueça rapidamente o álbum do viajante e devolva a seus olhos a precisão que falta à memória, que orne a biblioteca do naturalista, exagere os animais microscópicos, fortaleça até com algumas informações as hipóteses do astrônomo; que seja finalmente a secretária e o caderno de notas de alguém que tenha necessidade em sua profissão de uma exatidão material absoluta, até aqui não existe nada melhor. Que salve do esquecimento as ruínas oscilantes, os livros, as estampas e os manuscritos que o tempo devora, as coisas preciosas cuja forma desaparecerá e que necessitam de um lugar nos arquivos de nossa memória, seremos gratos a ela e iremos aplaudi-la. Mas se lhe for permitido invadir o domínio do impalpável e do imaginário, tudo o que só é válido porque o homem lhe acrescenta a alma, que desgraça para nós! (BAUDELAIRE, Charles, 2006, p. 12-13)
31
evidência para qualquer receptor, que sua recepção necessita de um aprendizado dos códigos de leitura. Todos os homens não são iguais diante da fotografia, eis o que nos diz à sua maneira a seguinte anedota relatada por Alan Sekulla em seu artigo “On the invention of photographic meaning”: O antropólogo Melville Herskövits mostrou um dia a uma aborígene uma foto de seu filho. Ela foi incapaz de reconhecer a imagem até o antropólogo atrair sua atenção para os detalhes da foto (...). A fotografia não comunica qualquer mensagem para aquela mulher até que o antropólogo a descreva para ela. Uma proposta, como ‘isto é uma mensagem’ e ‘isto está no lugar de seu filho’, é necessária à leitura da foto. Uma transposição para a língua que torne explícitos os códigos que procedem à composição da foto é necessária para sua compreensão pelo aborígene. O dispositivo fotográfico é, portanto, de fato um dispositivo codificado culturalmente. (Photography in print, Nova York, 1981, p. 454 apud DUBOIS, 1994,
p. 41-42)
A fotografia passa a ser pensada como isenta de neutralidade e objetividade,
coloca-se em questão a mimese: a sua verdade é contestada. Esta fase é de grande
importância no desenvolvimento do pensamento crítico sobre a fotografia.
Já na fotografia como um traço do real há a proposição de uma ontologia da
fotografia, já que mesmo com a crítica do momento anterior, mesmo sabendo da
existência de códigos nas imagens, o “sentimento de realidade [é] incontrolável do
qual não conseguimos nos livrar” (DUBOIS, 1994, p. 27). Para desenvolver essa
ideia da fotografia como um traço do real, Dubois se apoia na teoria dos signos de
Ch. S. Peirce, que é composta por três ordens: a ordem do ícone, que é a
representação pela semelhança – Dubois associa essa ordem à fotografia como
espelho do real; a ordem do símbolo, que é a representação por uma convenção – a
fotografia “como operação de codificação das aparências” (1994, p. 45); e a ordem
do índice, que é a “representação por contigüidade física do signo com o seu
referente” (p. 45) – fotografia como traço de um real.
Peirce propõe, segundo Dubois (1994), tratar teoricamente o realismo inserido
na fotografia, mas pretende ultrapassar a questão epistemológica da mimese (p. 49)
por meio da utilização da noção de índice, a qual se baseia na relação de conexão
física entre o traço, a marca e o referente.
Em termos tipológicos, isso significa que a fotografia aparenta-se com a categoria de “signos”, em que encontramos igualmente a fumaça (indício de fogo), a sombra (indício de uma presença), a cicatriz (marca de um ferimento), a ruína (traço do que havia ali), o sintoma (de uma doença), a marca de passos etc. Todos esses
32
sinais têm em comum o fato “de serem realmente afetados por seu objeto” (Peirce, 2.248), de manter com ele “uma relação de conexão física” (3.361). Nisso, diferenciam-se radicalmente dos ícones (que se definem apenas por uma relação de semelhança) e dos símbolos
(que, como as palavras da língua, definem seu objeto por uma convenção geral). (DUBOIS, 1994, p. 50)
Dubois (1994, p. 50) ressalta que o momento de fixação do traço no processo
fotográfico é apenas o pequeno momento em que a imagem é gravada no material
sensível, limitado antes e depois por escolhas culturais, codificadas que se referem
às decisões quanto ao enquadramento, ao tipo de aparelho, o filme, o tempo de
exposição, a revelação, a tiragem, os circuitos de difusão, etc. Nesse momento, de
fixação do traço, apoia-se na célebre “mensagem sem código” de Roland Barthes,
em A câmara clara (1984), ou seja, somente “no instante da exposição propriamente
dita, que a foto pode ser considerada como um puro ato-traço (uma ‘mensagem sem
código’). Aqui, mas somente aqui, o homem não intervém e não pode intervir sob
pena de mudar o caráter fundamental da fotografia” (p. 51). Com isso, temos uma
relativização da referência, que Roland Barthes, traz em A câmara clara,
Chamo de “referente fotográfico” não a coisa facultativamente real a que remete uma imagem ou um signo, mas a coisa necessariamente real que foi colocada diante da objetiva, sem a qual não haveria
fotografia. A pintura pode simular a realidade sem tê-la visto (...). Ao contrário dessas imitações, na Fotografia jamais posso negar que a coisa esteve lá. Há dupla posição conjunta: de realidade e de
passado. E já que essa coerção só parece existir para ela, devemos tê-la, por redução, como a própria essência, a noema da Fotografia (...). O nome da noema da Fotografia será então: “Isso-foi”.
(BARTHES, R., 1984, p. 114-115)
Ou seja, para Barthes, o realismo da fotografia está na afirmação de que algo
existiu, de que algo aconteceu, o famoso “isso foi”, está na referencialização, na
simples afirmação da existência. A noção de índice está pautada pela conexão
física, pela singularidade, pela designação e pela atestação. O princípio de conexão
física é o traço formado pela máquina, que se alude a um referente específico
(singularidade), a isso está relacionado o princípio da designação, já que segundo
Barthes, na fotografia “isso é [somente] isso, é aquilo!”, “ela aponta” (“Olhe”, “Aqui
está”), ou seja, designa, nomeia, “atesta a existência (mas não o sentido) de uma
realidade”.
33
A fotografia analisada a partir da noção indicial apenas afirma, portanto, a
existência do que está representando sem trazer significados ou sentidos da
representação. Assim como Barthes, só nos diz “isso foi”.
Assim, Dubois (1994) parte do momento da constituição da imagem, do traço,
do registro, ou seja, da “impressão luminosa [...] fixado num suporte bidimensional
sensibilizado [por uma] variação de luz emitida ou refletida por fontes situadas à
distância num espaço de três dimensões” (p. 60), pertencendo, dessa forma, à
ordem dos índices na teoria de Ch. S. Peirce, já que está sob o princípio da conexão
física.
O ícone é um signo que está ligado ao objeto pelas características
semelhantes que apresenta, podendo esse referente existir ou não.
Compreenderemos igualmente, por meio desses primeiros elementos de definição, que a oposição entre ícone e índice não é de forma alguma exclusiva: o importante no ícone é a semelhança com o objeto – quer este existam quer não; o importante no índice é que o objeto exista realmente e que seja contíguo ao signo que dele emana – que este se pareça, quer não, com seu objeto. Em outras palavras, é possível haver perfeitamente ícones indiciais ou índices icônicos. Esse ponto é particularmente importante em nossa perspectiva, pois, como veremos, o estatuto do signo fotográfico depende disso. (DUBOIS, 1994, p. 64)
Da mesma forma que os ícones, os símbolos são “mentais”, estão
desvinculados dos objetos, enquanto os índices apresentam a conexão física. A
diferença entre índice e o ícone reside na semelhança que os signos icônicos
apresentam com seus referentes, enquanto os símbolos são estabelecidos por
convenções, estabelecidas por um consenso de ideias. No entanto, índice, ícone e
símbolo não existem em estado puro, são categorias que se relacionam.
Segundo Dubois (1994, p. 73), a fotografia sendo considerada uma impressão
física de um objeto/referente, ela remete (ontologicamente), portanto, à atestação, à
afirmação, à existência de tal objeto/referente; não há sentido, significância. Mais do
que isso, nomeia, mostra, aponta, designa (p. 75). Assim, quando olhamos uma
fotografia, atestamos que algo existiu em um determinado tempo e espaço, mas não
sabemos o significado dessa existência, o porquê existiu, ou o que quer dizer,
“mostra, simplesmente, puramente, brutalmente, signos que são semanticamente
vazios [...] permanece essencialmente enigmática” (p. 84).
34
Também faz parte dos riscos de referencialização o princípio da “gênese
automática”, no qual a impressão do real no material sensível dar-se-ia de modo
“voluntário”, sem a interferência humana, produto, somente, da técnica.
Jamais se deverá esquecer na análise, sob a pena de ser enganado por essa epifania de referência absolutizante, que a jusante e a montante desse momento da inscrição ‘natural’ do mundo na superfície sensível (o momento da transferência automática de aparência), que, de ambos os lados, há gestos e processos, totalmente ‘culturais’, que dependem por inteiro de escolhas e decisões humanas, tanto individuais quanto sociais. [...] Em outras palavras, o princípio da impressão natural só funciona, em toda a sua ‘pureza’, entre esse antes e esse depois, entre essas duas séries de
códigos e de modelos, durante a única fração de segundo em que se opera a própria transferência luminosa. Aí está seu limite. É somente então, nesse momento infinitesimal, nesse recuo, nessa vacilação da duração que a foto é puro ato-traço, tem uma relação de imediato pleno, de co-presença real, de proximidade física com seu referente. (DUBOIS, 1994, p. 85-86)
Para Rouillé (2009, p. 135), a fotografia-documento derivada da sociedade
industrial não responde mais às questões que a sociedade da informação a coloca.
Na redução da fotografia a documento e este à representação designatória, há uma
desconsideração das “infinitas mediações que se inserem entre as coisas e as
imagens” (p. 136). A fotografia-documento ignora os “dados extrafotográficos” (p.
159) da fotografia, o virtual, enquanto a fotografia expressão os traz para a análise
das imagens. Então, a fotografia-documento, para Rouillé, cedeu lugar à fotografia-
expressão, ou seja, uma fotografia que não se detém apenas às coisas e a seus
estados, mas que inclui os acontecimentos envolvidos.
A equivalência sem brechas entre as imagens e as coisas apoiava-se em uma tripla negação: a da subjetividade do fotógrafo; a das relações sociais ou subjetivas com os modelos e as coisas; e a da escrita fotográfica. É o inverso desses elementos que caracteriza com exatidão a fotografia-expressão: o elogio da forma, a afirmação da individualidade do fotógrafo e o dialogismo com os modelos são seus traços principais. A escrita, o autor, o outro: para uma nova maneira de documento. A fotografia-expressão não recusa totalmente a finalidade documental e propõe outras vias, aparentemente indiretas, de acesso às coisas, aos fatos, aos acontecimentos. Tais vias são aquelas que a fotografia-documento rejeita: a escrita, logo, a imagem; o conteúdo, logo, o autor; o dialogismo, logo, o outro. (ROUILLÉ, 2009, p. 161)
35
A fotografia é a construção de um novo real, o fotográfico. Ocorre uma
transformação, uma criação de algum objeto real no processo de registro. É
resultado de processos físicos, químicos, técnicos, estéticos e culturais que
modificam a coisa fotografada.
Ora, essa ação eminentemente transformadora, as posturas semiótica e ontológica a ocultaram ao acentuar em demasia as noções de índice, de sinal, de impressão, isto é, de contato direto e imediato, e mesmo as noções de memória e de vestígio, isto é, de registro. A imagem constrói-se no decorrer de uma sucessão estabelecida de etapas (o ponto de vista, o enquadramento, a tomada, o negativo, a tiragem, etc.), através de um conjunto de transcrição da realidade empírica: códigos ópticos (a perspectiva), códigos técnicos (inscritos nos produtos e nos aparelhos), códigos estéticos (o plano e os enquadramentos, o ponto de vista, a luz, etc.), códigos ideológicos, etc. muitas sinuosidades que vêm perturbar as premissas tão sumárias dos enunciados do verdadeiro fotográfico. (ROUILLÉ, 2009, p. 79)
Diante dessa nova abordagem proposta por Rouillé, ele critica a ontologia
fotográfica de Phillipe Dubois, Roland Barthes e Ch. S. Peirce baseadas na teoria do
índice. A crítica que faz à teoria do índice é que ao associar as imagens como um
vestígio da existência das coisas, como uma simples impressão, um índice, esquece
dos contextos, querendo extrair leis gerais do funcionamento do dispositivo óptico,
da sua técnica (ROUILLÉ, 2009, p. 190). Também depreciam o valor do ícone em
favor do índice, ou seja, para não cair novamente no reducionismo da fotografia
como espelho do real privilegiam o registro, a marca, ao invés da semelhança.
Privilegia-se a técnica em detrimento das questões sociais, econômicas, culturais,
estéticas.
Para Rouillé, a fotografia não é um jogo de “ou’s”, ciência ou arte, registro ou
enunciado, índice ou ícone, referência ou composição, aqui ou lá, atual ou virtual,
documento ou expressão, função ou sensação, é um jogo de “e’s”.
Em vez de, por exemplo, considerá-la enquanto ícone, decalque do real, esquecendo do índice; em vez de, ao contrário, tomar o partido do índice negligenciando o ícone, seria preciso pensar como as funções indiciária e icônica formam, nela, pela primeira vez na história, uma união original. Em outros termos: ultrapassar o ponto de vista ontológico acerca do ser da fotografia em proveito das alianças e das mesclas, passar do “ou” (que exclui) para o “e” (que inclui). Não mais considerar a fotografia como uma máquina abstrata, obedecendo somente a seus mecanismos internos, constantes e
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universais, mas abordá-la enquanto prática social, plural, perpetuamente variável. Não isolar, de um lado, o ponto de vista material e, de outro, as dimensões sociais, econômicas e naturalmente estéticas. (ROUILLÉ, 2009, p. 198)
Kossoy, a nosso ver, junta essas duas abordagens: a da fotografia-
documento de Peirce, Barthes e Dubois; e a da fotografia-expressão de Rouillé.
Segundo Kossoy (2001, p. 30), sempre existiu preconceito com a utilização da
fotografia como fonte histórica ou como instrumento de pesquisa, não a valorizando
como algo repleto de informação artística e técnica. Duas razões: “existe um
aprisionamento multissecular à tradição escrita como forma de transmissão do
saber”, e “resistência em aceitar, analisar e interpretar a informação quando esta
não é transmitida segundo um sistema codificado de signos em conformidade com
os cânones tradicionais da comunicação escrita”.
Segundo Roiullé (2009, p. 97), as funções da fotografia-documento ao longo
da disseminação da sociedade industrial, são: arquivar, ordenar, fragmentar,
unificar, ilustrar e informar. A fotografia possibilitou a construção de um “inventário
do real” (2009, p. 97) – de parcelas dele, revelado pelas paisagens – à medida que
reuniu as fotos em álbuns e arquivos. A reunião das imagens em álbuns e arquivos
exige uma classificação, uma ordem que represente o real, assim, enquanto “a
fotografia fragmenta, o álbum e o arquivo recompõem os conjuntos” (2009, p. 98),
mas ainda não atingem a totalidade6 concernente ao espaço geográfico. A
fragmentação está relacionada à capacidade do aparelho em recortar as aparências
para, assim, registrá-la. Com a fragmentação temos registros parciais da realidade,
recortes de uma paisagem, em busca de reconstituírem – em futura análise dessa
imagem – uma unidade a fim de alcançar a compreensão da totalidade, ou seja, do
espaço geográfico.
Desse modo, abarcamos a idéia de continuidade e descontinuidade e a idéia de unidade e multiplicidade. Assim abraçamos também a noção de passagem do presente ao futuro. O espaço humano, aliás, revela claramente, e ao mesmo tempo, o passado, o presente e o futuro. Passado e presente nele se dão as mãos, através de um
6 Para Milton Santos (1988b), a noção de totalidade é uma “noção filosófica de natureza como o
conjunto de todas as coisas, conjunto coerente, onde ordem e desordem se confundem nesse processo de totalização permanente pelo qual uma totalidade evolui para tornar-se outra. O princípio da totalidade é básico para a elaboração de uma filosofia do espaço do homem. Ele envolve a noção de tempo e isso nos permite reconhecer a unidade de movimento, responsável pela heterogeneidade com que as coisas se apresentam diante de nós” (p. 5-6).
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funcionamento sincrônico que elimina a pseudocontradição entre história e estrutura. O futuro, para que se possa realizar, aproveita as condições preexistentes. (SANTOS, 1988b, p. 6)
Diante da noção de totalidade, devemos tomar cuidado com uma análise
simplista das imagens fotográficas, somente pela apreensão de seu visível. No
artigo O espaço em questão (1988b), Milton Santos fala um pouco das relações
entre visível e invisível para o entendimento do espaço geográfico como categoria
filosófica. Para ele, a geografia não se limita à descrição da materialidade ou à
simples determinação do visível por meio da crença absoluta, sem questionamentos
sobre o que se vê. Muitos fatores do espaço não são apreendidos imediatamente,
somente com a observação da paisagem, exige-se para compreender a totalidade a
explicação do que não é visível alcançando, assim, o invisível.
As formas modernas de acumulação do capital, as relações sociais cada vez mais complexas e mundializadas e tantas outras realidades que não se podem perceber sem um esforço de abstração, tudo isso exige do pesquisador a necessidade de buscar decifrar, e para isso encontrar instrumentos novos de análise para aplicá-los a uma realidade que, à primeira vista, e de fato, encobre uma parte considerável de suas determinações. (SANTOS, 1988b, p. 7).
Assim, temos uma compreensão do parcial sem o esquecimento da
totalidade, isso através da análise da forma – o objeto geográfico em si –, de sua
função levando ao entendimento do processo que levou para determinada
configuração do espaço.
Pierre George, em Os métodos da Geografia (1972), também nos fala sobre o
visível e o invisível. Para ele a primeira tarefa dada ao geógrafo, em qualquer
situação, é a observação. A partir daí, deve-se propor problemas que serão
solucionados pela explicação. No entanto, alguns desses problemas não são
passiveis de solução a partir, somente, da observação,
quer por se tratar de dados pertencentes ao passado e dos quais só se podem observar os efeitos, quer pelo fato de ser necessário levar em conta certas impulsões e muitas vezes oriundas de centros de comando exteriores ao meio imediatamente considerado. (GEORGE, 1972, p.20)
38
Segundo George (1972, p. 21), o visível é apreendido com a observação –
“instrumento de conhecimento geográfico por excelência” – enquanto, o invisível é
passível de alcance por meio de métodos – “repertório técnico de ciências e de
pesquisas variadas”. Temos, então:
a mobilização dos documentos de natureza geográfica acessíveis à observação, e a utilização de documentos não geográficos para fins geográficos, visando à construção de imagens geográficas. (GEORGE, 1972, p. 22)
Pierre George (1972, p. 23) trata a imagem como um documento de
observação. Para ele, a fotografia, assim como o mapa, são imagens construídas,
ou seja, é resultante de uma escolha, seleciona e ordena os elementos, distribuindo-
os em categorias.
A fotografia por reproduzir as aparências de forma mais rápida que o desenho
e a pintura, sem esconder nada, de forma mecânica tornou-se a ferramenta que a
ciência moderna precisava no final do século XIX. Seu principal papel nesse
processo de modernização das ciências é o de separar a arte da ciência suprimindo
qualquer tipo de subjetividade com o intuito de o documento tornar-se o próprio
objeto.
Mesmo com essa função científica, contribuindo na difusão, na demonstração
dos saberes, o papel da fotografia sempre esteve atrelado à mera ilustração.
Durante um século, a fotografia vai, assim, contribuir para produzir, arquivar ou difundir o saber. [...] em resumo, contribuir para criar novas visibilidades, para modernizar a ciência. Muitas vezes, será uma ferramenta preciosa para naturalistas, geógrafos, arqueólogos, astrônomos, dermatologistas, cirurgiões e, evidentemente, radiologistas. Embora seu lugar nas diferentes disciplinas sofra enormes variações, seu papel [...] nunca excederam verdadeiramente a simples ilustração, mesmo entre as duas guerras mundiais, ao desenvolver-se por toda parte, no comércio, na indústria, nos lazeres, na arquitetura, na decoração, na edição, na imprensa, na moda, e naturalmente na publicidade, onde chega aos espaços emblemáticos da modernidade em 1920: as paredes cobertas de cartazes, os catálogos de produtos, e a imprensa, que adquire, então, um impulso sem precedentes. (ROUILLÉ, 2009, p. 122-123)
39
A sua utilização também fora do meio científico contribuiu para que essa
característica de ilustração se acentuasse associada à função de informar na mídia
impressa com os fotorrepórteres.
As imagens fotográficas não entendidas, por nós, como meras ilustrações de
texto, podem revelar, mediante a sistematização de suas informações, ao
estabelecimento de metodologias adequadas à interpretação de seus conteúdos,
fragmentos de um passado que associado a outras fontes podem esclarecer
importantes dinâmicas pretéritas (KOSSOY, 2001, p. 32). As imagens fotográficas
são instrumentos de apoio às pesquisas (KOSSOY, 2001, p. 55).
A tradição de utilizar as imagens fotográficas como meras ilustrações, sem
dar valor aos indícios que as suas aparências revelam, e que são passíveis de
revelação, perduram até hoje. Não se leva em consideração o seu papel cultural
capaz de informar e desinformar, “de denunciar e manipular” através das “intenções,
usos e finalidades que permeiam sua produção e trajetória” (KOSSOY, 2007, p. 32).
A fotografia desde sua invenção, e ainda hoje persiste, é tida como
“testemunho da verdade” (KOSSOY, 2009, p. 19) já que é capaz de registrar, por
sua natureza técnica, a realidade como ela aparece, dando-lhe credibilidade. No
entanto, as fotografias, como visto, não são espelhos do real, elas apresentam
ambiguidades, significados ocultos nas entrelinhas, implícitos. Mesmo assim, ainda
podem ser utilizadas como fontes históricas, como fontes de informação desde que
seu conteúdo seja inserido nos acontecimentos sociais, políticos, econômicos, etc.
ocorridos, no momento da tomada, em uma determinada época e lugar. Torna-se
necessário ultrapassar as aparências das imagens buscando alcançar uma
totalidade, “caso contrário, essas imagens permanecerão estagnadas em seu
silêncio: fragmentos desconectados da memória, meras ilustrações ‘artísticas’ do
passado” (KOSSOY, 2009, p. 22).
Diante de uma paisagem, ou nossa vontade de apreendê-la se exerce sobre conjuntos que nos falam à maneira de cartões postais ou, então, nosso olhar volta-se para objetos isolados. De um modo ou de outro, temos a tendência de negligenciar o todo; mesmo os conjuntos que se encontram em nosso campo de visão nada mais são do que frações de um todo. A paisagem, certo, não é muda, mas a percepção que temos dela está longe de abarcar o objeto em sua realidade profunda. Não temos direito senão a uma aparência. (SANTOS, 2009, p. 35)
40
A fotografia é memória, na medida em que fragmenta o espaço, paralisa
tempo perpetuando a representação, é para Kossoy a relação entre o efêmero – a
primeira realidade – e o “perpétuo” – a segunda realidade. Eterniza, preserva, a
memória coletiva de uma nação por meio da representação de sua arquitetura, suas
paisagens, sua gente (KOSSOY, 2007, p. 132).
A evidência documental a qual a fotografia se liga com o real não é prova da
verdade do que está sendo representado na imagem. A “verdade” pode ser
inventada de acordo com os interesses de quem a utiliza. Nesse sentido, urge a
necessidade de estabelecer um método para a utilização da fotografia no
conhecimento geográfico, já que ela é fruto de ambiguidades.
Mesmo diante da aparente neutralidade do objeto técnico “máquina
fotográfica”, “a fotografia será sempre uma interpretação” (KOSSOY, 2001, p. 120),
do fotógrafo que escolheu determinado assunto – “fragmento do real, selecionado e
organizado estética e ideologicamente” (p. 121) –, técnica e manipulação pós-
produção da imagem.
Recorremos, também, aos conceitos de espaço geográfico e paisagem
desenvolvidos por Milton Santos como base para nossa análise das imagens.
Primeiramente, traremos uma questão importante desenvolvida por Phillipe Dubois
no livro aqui tratado – O ato fotográfico e outros ensaios (1994) – e que nos ajudará
a estabelecer uma ponte entre o fotográfico e o espaço geográfico.
Dubois (1994) descreve sobre a distância contida na noção de índice, tanto
no espaço, como no tempo. No espaço temos a distância entre o aqui do signo na
imagem fotográfica e o ali do referente, isso mediado pelo aparelho, pela máquina
fotográfica que possibilita estabelecer uma profundidade de campo, ou seja,
determina uma porção do espaço que será representada a certa distância (p. 88).
Nessa relação aqui/ali, temos concomitantemente outra distância, o
presente/passado. Imediatamente após o registro o signo captado não está mais
presente, já passou, “como diz John Berger, ‘entre o momento recolhido na película
e o momento presente do olhar que se leva à fotografia, sempre existe um abismo’”
(p. 90).
O princípio de distancia espaço-temporal próprio do ato fotográfico vem portanto em contraponto ao princípio indiciário da proximidade física. Ali onde o índice vinha marcar um efeito de certeza, de plenitude, de convergência, o princípio de distância vem marcar um
41
efeito de abalo, de defasagem, de vazio. [...] Como se vê, o princípio de uma separação simultânea no tempo e no espaço, de uma falha irredutível entre signo e referente é realmente fundamental. Vem sublinhar radicalmente que a fotografia, como índice, por mais vinculada fisicamente que seja, por mais próxima que esteja do objeto que ela representa e do qual ela emana, ainda assim permanece absolutamente separada dele. (DUBOIS, 1994, p. 91 e 93)
No momento do registro de um referente temos, ainda, além da questão do
índice (da relação da imagem com o real), uma relação com o tempo e com o
espaço, ou seja, um duplo corte: um corte espacial e um corte temporal (DUBOIS,
1994, p. 161). Cabe ressaltar que ambos são indissociáveis, ocorrem ao mesmo
tempo, mas são de natureza diferente (1994, p. 177).
O corte temporal se dá com a materialização de um instante, tornando algo
que estava na escala do tempo contínuo, real, evolutivo em um “instante perpétuo”,
“fração de segundo, decerto, mas ‘eternizada’”, simbólica (DUBOIS, 1994, p. 168).
Na análise do corte espacial, Dubois (1994, p. 178) quer alcançar o espaço
fotográfico, aquele que vai ser registrado.
Em outras palavras, bem aquém de qualquer intenção ou de qualquer efeito de composição, em primeiro lugar o fotógrafo sempre recorta, separa, inicia o visível. Cada objetivo, cada tomada é inelutavelmente uma machadada (golpe de machado) que retém um plano do real e exclui, rejeita, renega a ambiência [...] Sem sombra de dúvida, toda a violência (e a predação) do ato fotográfico procede essencialmente desse gesto do cut. Ele é irremediável. (DUBOIS,
1994, p. 178)
Dubois (1994), estabelece três consequências desse corte em busca de uma
definição de um espaço fotográfico: “a relação do recorte com o fora-do-quadro”, a
relação do espaço da foto em si mesmo e a “relação com o espaço topológico do
sujeito que vê” (p. 178-179). O espaço fotográfico, aquele necessariamente derivado
de um corte, finito, parcial “com relação ao infinito do espaço referencial”, implica na
existência de um “fora-de-campo, ou espaço ‘off’”, ou seja, um espaço invisível na
imagem.
Em outras palavras, o que uma fotografia não mostra é tão importante quanto o que ela revela. Mais exatamente, existe uma relação – dada como inevitável, existencial, irresistível – do fora com
o dentro, que faz com que toda fotografia se leia como portadora de
42
uma “presença virtual”, como ligada consubstancialmente a algo que não está ali, sob nossos olhos, que foi afastado, mas que se assinala ali como excluído. O espaço off, não retido pelo recorte, ao mesmo tempo que ausente do campo da representação, nem por isso deixa de estar sempre marcado originariamente por sua relação de contigüidade com o espaço inscrito no quadro: sabe-se que esse ausente está presente, mas fora-de-campo, sabe-se que esteve ali no momento da tomada [...] (DUBOIS, 1994, p. 179)
No processo de enquadramento do espaço referencial que será recortado,
temos a articulação entre o espaço representado – “o interior da imagem [...] que é o
plano de espaço referencial transferido para a foto” (p. 209) – e o espaço de
representação – “a imagem como suporte de inscrição, o espaço do continente, que
é construído arbitrariamente pelos bordos do quadro” (p. 209) – ambos, definem o
espaço fotográfico.
Por fim, Dubois (1994, p. 212) acrescenta o espaço topológico, ou seja, “o
espaço referencial do sujeito que olha no momento em que examina uma foto e na
relação que mantém com o espaço da mesma”:
[...] fundamenta toda a consciência que temos da presença no mundo de nosso próprio corpo. Globalmente, parece que nossa inscrição topológica no universo terrestre é definida por uma estruturação tão simples quanto constitutiva: somos seres eretos, verticais, erguidos na perpendicular com relação à horizontalidade do solo. Essa é nossa ortogonalidade fundamental. Esse tipo de definição espacial de nossa existência terrestre entre em jogo a cada vez que olhamos uma imagem, pois ela coloca em correspondência a ortogonalidade do espaço fotográfico e a ortogonalidade de nossa inscrição topológica. (DUBOIS, 1994, p. 212)
Temos, portanto, segundo Dubois (1994, p. 212-213), quatro categorias de
espaços: o referencial (o que vemos antes da decisão do que e de como retiraremos
a foto), o representado e o de representação (o primeiro é o espaço representado na
imagem, enquanto o segundo é aquele espaço determinado a compreender a
imagem, ambos constituem o espaço fotográfico), e o espaço topológico (o espaço
de quem vê a imagem).
Já o espaço geográfico, para Milton Santos, é “formado por um conjunto
indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de
ações, não considerados isoladamente”, ou seja, “os sistemas de objetos
condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações
43
leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes” (2006, p.
63). O sistema de objetos está relacionado com as potencialidades técnicas e
sociais em determinado período. Este espaço, portanto, compreende a totalidade,
podemos estabelecer um paralelo com o espaço referencial de Dubois (1994),
enquanto, o espaço representado e o de representação englobam o nosso conceito
de paisagem.
Milton Santos (2006, p. 71) nos chama a atenção para a noção de sistema,
baseando-se em Jean Baudrillard e Roland Barthes, na qual os objetos não estão
isolados, todos são elementos de uma cadeia com função específica e com “data e
hora” para serem substituídos por novos objetos.
A partir do reconhecimento dos objetos na paisagem, e no espaço, somos alertados para as relações que existem entre os lugares. Essas relações são respostas ao processo produtivo no sentido largo, incluindo desde a produção de mercadorias à produção simbólica. (SANTOS, Milton, 2006, p. 72)
O sistema de objetos é, portanto, um contínuo, no qual cada objeto está
relacionado com outros, de forma simbólica e/ou funcional, ou seja, “sua utilidade
atual, passada, ou futura vem, exatamente, do seu uso combinado pelos grupos
humanos que os criaram ou que os herdaram das gerações anteriores” (SANTOS,
Milton, 2006, p. 73).
As ações são comportamentos planejados que alteram o meio (SANTOS,
Milton, 2006, p. 80). Muitas vezes, são ações planejadas em um lugar e executadas
em outro, por pessoas diferentes, de acordo com as necessidades dos planejadores.
Estão entre os idealizadores das ações empresas multinacionais, governos,
organizações internacionais, etc.
Objetos e ações influenciam-se mutuamente, na medida em que os “objetos
não agem”, são as ações que lhes dão significados, e as técnicas embutidas nos
objetos direcionam as ações que vão agir sobre eles (SANTOS, Milton, 2006, p. 86).
As duas categorias, objeto e ação, materialidade e evento, devem ser tratadas unitariamente. Os eventos, as ações não se geografizam indiferentemente. Há, em cada momento, uma relação entre valor da ação e o valor do lugar onde ela se realiza; sem isso, todos os lugares teriam o mesmo valor de uso e o mesmo valor de troca, valores que não seriam afetados pelo movimento da história. (SANTOS, Milton, 2006, p. 86)
44
A cada período histórico temos um conjunto de objetos, que correspondem às
técnicas da época, associados a determinadas ações modificando o espaço
geográfico, “tanto morfologicamente, quanto do ponto de vista das funções e dos
processos” (SANTOS, Milton, 2006, p. 96). Assim, não, necessariamente, é preciso
uma modificação morfológica para que sejam atendidas novas funções; velhos
objetos podem abrigar funções novas. Cabe lembrar, que novos objetos associados
a novas ações “tendem a ser mais produtivos e constituem, num dado lugar,
situações hegemônicas” (SANTOS, Milton, 2006, p. 97).
Uma geografia apenas interessada num determinado tipo de objetos (por exemplo, os tecnopolos) ou numa determinada idade dos objetos (por exemplo, os objetos tecnológicos atuais) não seria capaz de dar conta da realidade, que é total e jamais é homogênea. (SANTOS, Milton, 2006, p. 97)
O espaço geográfico se dá, então, na relação do conjunto de objetos com o
conjunto das ações, em suas constantes mudanças de formas e significados.
A forma e o conteúdo somente existem separadamente como ‘verdades parciais’, abstrações que somente reencontram seu valor quando vistos em conjunto (R. Ledrut, 1984, p. 32). A relação entre o continente e o conteúdo, entre a forma e o fundo, é muito mais do que uma simples relação funcional. Como nos lembra G. Simondon, “ela difunde uma influência do futuro sobre o presente, do virtual sobre o atual. Pois o fundo é o sistema das virtualidades, do potencial, das forças em movimento, enquanto as formas são o sistema da atualidade”. Nós sabemos que, se as formas constituem o sistema da atualidade, é somente porque as ações nelas existentes são sempre atuais, e desse modo as renovam. O enfoque do espaço geográfico, como o resultado da conjugação entre sistemas de objetos e sistemas de ações, permite transitar do passado ao futuro, mediante a consideração do presente. (SANTOS, Milton, 2006, p. 100)
Nesse entendimento do espaço geográfico como um “conjunto inseparável de
sistemas de objetos e sistemas de ações” (SANTOS, Milton, 2006, p. 103), temos na
relação entre a forma e o conteúdo a união entre o “processo e o resultado, a função
e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social”, o ponto de
partida para alcançarmos a totalidade.
É nessa união dos objetos e das ações que reside a distinção do espaço e da
paisagem. Assim, o espaço é a forma e o conteúdo, a forma e “a vida que as anima”
45
(SANTOS, Milton, 2006, p. 103), enquanto a paisagem é constituída somente pelas
formas. Podemos dizer, então, que momentos antes de tirarmos uma fotografia,
aquele momento que nos interessamos por determinado fato, temos diante de nós o
espaço geográfico, a partir do momento que materializamos esse breve instante o
transformamos em paisagem.
Como destacamos no primeiro capítulo, a paisagem é um conjunto de
“objetos reais-concretos” de diferentes momentos técnicos – inclusive os atuais,
sendo, portanto, também retratados nas fotografias –, enquanto o espaço geográfico
é o presente, são os objetos e a sociedade, objetos e ações atuais, são os objetos
imbuídos de funções,
O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em um dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, cada fração da paisagem. (SANTOS, Milton, 2006, p. 104)
As formas da paisagem correspondentes a diversos momentos preenchem o
espaço com suas novas funções de acordo com as novas necessidades da
sociedade. “Só por sua presença, os objetos técnicos não têm outro significado
senão o paisagístico” (SANTOS, Milton, 2006, p. 105), a medida em que a
sociedade age sobre ele, dando-lhe valor, temos o espaço geográfico.
A paisagem nos revela, assim como a fotografia, uma imagem com
“fragmentos materiais de um passado”7 – montamos a partir dela suposições. Para o
interpretarmos, é necessário
7 “[...] elaboro aqui uma crônica (e não uma historia) do olhar, uma crônica da paisagem. Recuperar a
paisagem como gênero talvez seja uma necessidade premente desta aproximação do tema. A ruptura reivindicada pelas vanguardas nos diversos segmentos da arte no início do século XX e a posterior incorporação dessas atitudes pela sociedade contemporânea pôs em questão alguns procedimentos como a noção de gêneros visuais. Entre eles, a paisagem. [...] Reivindicar um debate mínimo sobre o conceito de paisagem é decorrência natural do abandono do gênero como “molde” e, o que importa, da conseqüente perda dos critérios de produção e interpretação das imagens da cidade ao longo de tão extenso intervalo de tempo. No contexto paulistano dos últimos 30 anos do século XX, período de revitalização crucial da fotografia como mídia, a quase totalidade do repertório visual local tem sido mais observada como documentação urbana, expressão de cunho puramente burocrático, do que como paisagem, elemento simbólico por excelência, em que se enquadra com centralidade. [...] A paisagem só existe como recorte, como construção imagética, em acordo com parâmetros visuais do período. Antes, ela é mera geomorfologia. A cidade, por sua vez, como fenômeno urbano, realiza-se como totalidade. Suas representações podem ser entendidas como a fusão e o diálogo de conjuntos simbólicos gerados por diferentes segmentos dominantes, seus habitantes. Fusão e fricção entre visões diferenciadas, em aspectos estéticos, que traduzem dados sensoriais, emotivos e sociais. [...] A cidade de São Paulo na fotografia, ao longo século XX em
46
retomar a história que esses fragmentos de diferentes idades representam juntamente com a história tal como a sociedade a escreveu de momento em momento. Assim, reconstituímos a história pretérita da paisagem, mas a função da paisagem atual nos será dada por sua confrontação com a sociedade atual. (SANTOS, Milton, 2006, p. 107)
“O espaço é o resultado da soma e da síntese, sempre refeita, da paisagem
com a sociedade através da espacialidade” (SANTOS, 1988a, p. 26), ou seja, a
espacialidade é o meio pelo qual a sociedade age na paisagem, é “o momento da
incidência da sociedade sobre um determinado arranjo espacial” (SANTOS, 1988a,
p. 26), alterando as funções e/ou as estruturas das formas da paisagem para
atender as novas necessidades. O resultado da espacialização da sociedade sobre
a paisagem é, portanto, o espaço.
No seu movimento permanente, em sua busca incessante de geografização, a sociedade está subordinada à lei do espaço preexistente. Sua subordinação não é à paisagem, que, tomada isoladamente, é um vetor passivo. É o valor atribuído à cada fração da paisagem pela vida – que metamorfoseia a paisagem em espaço – que permite a seletividade da espacialização. Esta não é um processo autônomo, porque, na origem, depende das relações sociais e na chegada não é independente do espaço, nem o seu conceito substitui o conceito de espaço. (SANTOS, 1988a, p. 26)
Temos, assim, a paisagem, formas/objetos referentes a um passado, distante
ou recente; a paisagem síntese do espaço e da sociedade; e a espacialidade, meio
pelo qual a sociedade age na paisagem para constituir o espaço, o presente.
Pretendemos com a exposição acima relacionar a fotografia com a geografia,
já que nas imagens fotográficas temos um recorte espacial, a paisagem, nos
fornecendo indícios sobre um período que quando associado a outras fontes, a
outros documentos, apresenta-se a possibilidade de conhecermos o espaço
geográfico.
É por meio desse aporte teórico que nos propusemos a analisar, no próximo
capítulo, as mudanças espaciais – refuncionalizações espaciais – ocorridas na
região do Hospital das Clínicas.
especial, percorre um extenso percurso de construção de imagem, de perda e de reelaboração. Esse processo tem como fundo, ao inicio e ao fim desse período, sociedades distintas enquanto dinâmica social, mas em especial enquanto circulação e compreensão do universo visual.” (MENDES, 2004, p. 382-383)
47
Capítulo IV
O “QUADRILÁTERO DA SAÚDE” E SUAS REFUNCIONALIZAÇÕES ESPACIAIS AO LONGO DE SUA HISTÓRIA
1. Uma metodologia para a análise das imagens fotográficas
Com o intuito de superar a suposta objetividade das imagens, tratada no
capítulo anterior, Kossoy (2001) elabora um método de interpretação das fotografias
destinado a qualquer disciplina que pretenda utilizá-las como documentos, para que
sejam compreendidas de forma eficaz, aproveitando todas as suas potencialidades,
já que a partir do momento que as informações das fontes fotográficas são
sistematizadas e analisadas por metodologias adequadas as fotografias tornam-se
um potencial de investigação e descoberta das paisagens.
Kossoy (2009) propõe analisar a imagem fotográfica buscando seus
componentes estruturais, compostos pelos elementos constitutivos e pelas
coordenadas de situação. Os elementos constitutivos são três: o assunto escolhido a
ser retratado; a tecnologia que engloba os materiais fotossensíveis, máquinas e as
técnicas de registro viabilizando tal ato; e o fotógrafo agente do ato segundo
motivações pessoais e/ou profissionais “através de um complexo processo
cultural/estético/técnico, processo este que configura a expressão fotográfica” (p.
26). Isso se realiza em um determinado espaço e tempo – coordenadas de situação
– ou seja, em um contexto histórico, político, social etc. específico.
Temos na composição de uma imagem fotográfica, portanto, elementos de
ordem material, aqueles relacionados à técnica, e os de ordem imaterial, aqueles
oriundos das intenções e objetivos do autor, permeados pela sua individualidade,
que o motivaram a escolher um assunto “em função de uma determinada
finalidade/intencionalidade” (KOSSOY, 2009, p. 27), seguido de outras escolhas, tais
como, equipamentos que serão utilizados, enquadramento, foco, o próprio ato
fotográfico, o registro, o instante de apertar o “gatilho”, até seu processamento no
laboratório, em um processo de construção da imagem.
O processo de criação do fotógrafo engloba a aventura estética, cultural e técnica que irá originar a representação fotográfica, tornar material a imagem fugaz das coisas do mundo, torná-la, enfim, um
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documento. Seja durante o processo em que é criada, seja após a sua materialização, conforme o destino ou uso que a aguarda, a representação está envolvida por uma verdadeira trama. (KOSSOY, 2009, p. 26)
As fotografias são resultado das intenções de um individuo em eternizar
determinado aspecto do real. O fotógrafo por meio de um objeto técnico – a máquina
fotográfica com seu material sensível capaz de fixar feixes luminosos – transforma a
realidade tridimensional em um artefato bidimensional fragmentando o espaço e
paralisando o tempo de um momento específico da história apresentando, portanto,
um contexto econômico, social, político, técnico, etc.
Nesse processo de criação temos outro par indissociável – ordem
material/imaterial, finalidade/intencionalidade – fragmentação/congelamento que
corresponde à decisão de selecionar um fragmento da realidade, ou seja, fazer um
recorte espacial de um assunto, associado ao momento desse recorte que se quer
paralisar, tornando a imagem “a própria cristalização da cena representada na
bidimensão da superfície em que se forma” (KOSSOY, 2009, p. 29).
A interpretação final, entretanto, ainda sofrerá interferências ao longo do processamento e elaboração final da imagem, seja no laboratório químico convencional, seja no eletrônico nas suas diversificadas formas. A imagem fotográfica é, enfim, uma representação resultante do processo de criação/construção do fotógrafo. As possibilidades de
o fotógrafo interferir na imagem – e portanto na configuração própria do assunto no contexto da realidade – existem desde a invenção da fotografia. (KOSSOY, 2009, p. 30)
Mesmo sendo uma construção do fotógrafo de acordo com seu modo de
enxergar o mundo, a fotografia é “uma representação a partir do real” (p. 30), possui
em sua materialidade um recorte espaço/temporal de algo que aconteceu, sendo,
por isso, possível tratá-la como uma fonte histórica, como um documento.
Devemos perceber a ambigüidade dessa relação: o documento fotográfico não pode ser compreendido independentemente do processo de construção da representação em que se originou. A
materialização da imagem ocorre enquanto etapa final e produto de um complexo processo de criação técnico, estético, cultural
elaborado pelo fotógrafo. Temos na imagem fotográfica um documento criado, construído, razão por que a relação documento/representação é indissociável. (KOSSOY, 2009, p. 31)
49
A imagem fotográfica é um testemunho criado, construído, sendo assim, ela
pode nos revelar indícios, sinais de um fato, e não o fato tal como ocorreu. A partir
daí, temos dois conceitos que nos auxiliam na desconstrução das fotografias: índice
e ícone. O índice é a constatação de que um determinado objeto existiu, de que um
determinado fato ocorreu, é “o rastro indicial (marca luminosa deixada pelo referente
no dispositivo fotossensível) mesmo que esse referente tenha sido artificialmente
produzido”8 (KOSSOY, 2009, p. 33); enquanto o ícone revela, devido à técnica
fotográfica, tamanha semelhança da imagem com seu referente. Assim, Kossoy
trabalha como Rouillé (2009) sugere, ou seja, com a união do índice e do ícone na
análise das imagens fotográficas, o que também achamos mais pertinente.
Assim como os documentos escritos, os objetos sobreviventes de outras
épocas, os documentos iconográficos também nos revelam indícios, sinais que
possibilitam a descoberta de datas, técnicas, fatos, etc. Nas fotografias os indícios
estão na sua produção estética nos revelando as técnicas utilizadas e no conteúdo
das imagens pelos elementos icônicos.
Uma dupla arqueologia, como já colocamos em outros trabalhos, faz-se necessária para determinarmos precisamente a gênese e história do documento em si (reconstituição do processo que gerou o artefato), e o conteúdo da representação (recuperação em detalhe dos elementos icônicos que compõem o registro visual, de forma a situarmos precisamente a cena gravada no espaço e no tempo). (KOSSOY, 2007, p. 40)
Tais índices – pistas – existentes nas fotografias quando examinados
juntamente com estudos históricos, geográficos, sociológicos, etc. trazem
significado, “nos permitem datar, localizar geograficamente, identificar, recuperar
enfim, micro-histórias de diferentes naturezas implícitas no documento” (KOSSOY,
2007, p. 41).
Tendo em vista a objetividade fotográfica alicerçada nos princípios
positivistas, como poderíamos utilizá-las como documentos, como evidências?
8 O paradigma indiciário, “derivaria de um antigo saber caracterizado pela ‘capacidade de, a partir de
dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente’. E o grande exemplo dessa capacidade remonta aos primitivos caçadores, que durante milênios aprenderam a farejar, rastrear, decifrar enfim, pistas deixadas pela presa, pistas que permitiam reconstituir ‘uma série coerente de eventos’. (KOSSOY, 2007, p. 38)
50
as fotografias tomadas pelo autor por puro prazer documental ou estético, por sua vontade própria, desvinculada, em princípio, de alguma aplicação imediata;
as fotografias encomendadas aos profissionais do ofício por terceiros: os clientes/contratantes. (KOSSOY, 2001, p. 110)
Estas podem ser tratadas como documentos fidedignos quando comparadas
com outras imagens sobre o mesmo assunto, aproximadamente em um mesmo
período histórico, possibilitando a comparação icônica, ou seja, objetos
semelhantes, e a outros documentos iconográficos ou escritos “se estará diante do
desconcertante verismo da informação visual fotográfica”9 (KOSSOY, 2001, p. 158).
A imagem fotográfica pode e deve ser utilizada como fonte histórica. Deve-se,
entretanto, ter em mente que o assunto registrado mostra apenas um fragmento da
realidade, um e só um enfoque da realidade passada: um aspecto determinado. Não
é demais enfatizar que este conteúdo é o resultado final de uma seleção de
possibilidades de ver, optar e fixar certo aspecto da realidade primeira, cuja decisão
cabe exclusivamente ao fotógrafo, quer esteja ele registrando o mundo para si
mesmo, quer a serviço de seu contratante. (KOSSOY, 2001, p. 113)
Segundo Kossoy (2009, p. 36-37), temos, portanto, duas realidades na
imagem fotográfica, a primeira realidade, “o próprio passado”, o antes da tomada da
fotografia, carregada de uma história “invisível fotograficamente”, uma realidade
interior, e a segunda realidade, a “do assunto representado”, do assunto na sua
materialidade fotográfica, o visível, a realidade exterior. Portanto,
a fotografia implica uma transposição de realidades: é a transposição da realidade visual do assunto selecionado, no contexto da vida (primeira realidade), para a realidade da representação (imagem fotográfica: segunda realidade); trata-se pois, também, de uma transposição de dimensões. A representação fotográfica não corresponde necessariamente à verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência [...] (KOSSOY, 2009, p. 37-38) Porém, apesar de ser a fotografia a própria ‘memória cristalizada’, sua subjetividade reside apenas nas aparências. Ocorre que essas
imagens pouco ou nada sabem do contexto histórico particular em que tais documentos se originaram. (KOSSOY, 2001, p. 158)
9 No entanto, quando as técnicas e métodos científicos de identificação foram incorporados pela
polícia, já nas primeiras décadas do século XX, a fotografia reforçou o conceito tradicional de ela ser um ‘testemunho fidedigno’, funcionando como prova do crime nas perícias policiais. Sempre teve papel decisivo – particularmente nos tempos de repressão e autoritarismo –, no sentido de identificar e condenar cidadãos que, por suas idéias políticas, foram estigmatizados como elementos perigosos, ‘subversivos’, desestabilizadores da ordem social. (KOSSOY, 2007, p. 136-137)
51
Além do processo de construção da representação, temos o processo de
construção da interpretação pelos receptores da imagem fotográfica em um
processo de construção de realidades de acordo com o repertório de cada indivíduo
(KOSSOY, 2009, p. 41-42). Cria-se aí, segundo Kossoy (2009, p. 47), um conflito
entre a realidade visível – a segunda realidade, a representação – e a realidade
imaginada a partir da representação – a primeira realidade, a do passado,
fragmentada e invisível.
Aí reside, possivelmente, o ponto nodal da expressão fotográfica. Seria esta, enfim, a realidade da fotografia: uma realidade moldável
em sua produção, fluida em sua recepção, plena de verdades explícitas (análogas, iconográficas, sua realidade exterior) e de segredos implícitos (sua história particular, sua realidade interior), documental porém imaginária. Tratamos, pois, de uma expressão
peculiar que, por possibilitar inúmeras representações/interpretações, realimenta o imaginário num processo sucessivo e interminável de construção e criação de novas realidades. (KOSSOY, 2009, p. 48)
A fotografia é uma criação/construção do fotógrafo, no qual há a
transformação do assunto – fragmentação espacial e interrupção temporal – em uma
imagem codificada (KOSSOY, 2007, p. 42).
Para interpretarmos uma imagem partiremos sempre da segunda realidade,
da representação, ou seja, da aparência, “um mundo que preserva as formas de um
objeto ou cenário ou as feições de um indivíduo recortadas no espaço, paralisadas
no tempo, um mundo imaterial, logo intangível” (KOSSOY, 2007, p. 43), a base da
evidência, da verdade fotográfica.
Tem-se, assim, um documento especular da aparência, produto de um processo de criação/construção, (p. 44) ambíguo por excelência. Presta-se como evidência documental de algo que ocorreu na realidade concreta; tal, porém, não significa tratar-se de um registro fidedigno da realidade ou uma verdade absoluta. Trata-se apenas de uma verdade iconográfica [...]. (KOSSOY, 2007, p. 44-45)
Kossoy (2001, 2007, 2009) propõe-nos, didaticamente, algumas análises a
serem feitas para o estudo de fotografias: análise técnico-iconográfica e análise
iconológica. A análise técnico-iconográfica visa reunir o maior número de
informações capazes de nos revelar os elementos constitutivos (assunto, fotógrafo e
tecnologia), as coordenadas de situação (tempo e espaço) e os dados visuais da
52
imagem, sua concretude. Pretende-se com essa descrição alcançarmos a segunda
realidade da imagem, ou seja, sua realidade imediata, exterior. Já a análise
iconológica busca alcançar a primeira realidade, ou seja, aquela que mobilizou a
tomada da fotografia buscando reconstituir a história do assunto, do lugar, as
condições econômicas, sociais da época. Assim, teremos uma análise completa da
fotografia.
Tendo como aporte teórico os conceitos de paisagem e espaço, as reflexões
acerca das possibilidades e limitações das imagens fotográficas e o método
estabelecido por Kossoy para a interpretação dos documentos iconográficos
buscamos compreender as mudanças sócio-espaciais ocorridas no bairro Cerqueira
César, mais especificamente no “Quadrilátero da Saúde”10 composto por um
complexo hospitalar, de ensino e de pesquisa, atentando para os aspectos visíveis e
estéticos das refuncionalizações ocorridas desde a construção do primeiro objeto
técnico na área até hoje por meio da sistematização dos registros iconográficos
levantados ao longo da pesquisa.
Assim, selecionamos aquelas fotografias que mostram as mudanças na
configuração do bairro à medida que as instituições relacionadas à saúde foram
sendo implantadas na região, conferindo gradualmente ao bairro feições de maior
urbanidade, acompanhando as tendências de crescimento da cidade em direção à
sua vocação metropolitana. Pretendemos, portanto, evidenciar as mudanças da
paisagem urbana concernentes à refuncionalização do espaço, que são as
transformações mais localizadas proporcionadas pela economia da saúde que vem
se implantando no bairro de Cerqueira César já há algumas décadas.
Para isso levantamos imagens em dois acervos: o Museu Histórico “Prof.
Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no
qual selecionamos 44 imagens; e o Museu Paulista da Universidade de São Paulo,
com a seleção de 10 fotografias da Coleção Werner Haberkorn. Com o intuito de
analisá-las produzimos um quadro descritivo (Tabela 1) baseado na metodologia
produzida por Kossoy (2001, 2007, 2009) e por Possamai (2008)11 que contemple os
objetivos do trabalho:
10
Entendemos por “Quadrilátero da Saúde” a área que envolve a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Saúde Pública, a Faculdade de Enfermagem e o Complexo Hospitalar das Clínicas. 11
Possamai desenvolveu uma grade interpretativa para a análise de imagens fotográficas. POSSAMAI, Zita Rosane. Fotografia, História e Vistas Urbanas. In: HISTÓRIA, São Paulo, 27 (2): 2008.
53
QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS
Identificação do
documento
Acervo
Localização no Acervo
Legenda Original
Fotógrafo
Elementos icônicos
Local
Data/Época
Tipologia urbana
Abrangência espacial
Temporalidade
Infraestrutura em construção
Infraestrutura urbana construída
Edificações
Elementos móveis
Função urbana Descrição técnica Enquadramento
Tabela 1: Quadro Descritivo das Imagens Fotográficas.
Dividimos o quadro descritivo em três partes. A identificação do documento,
no qual especificamos o acervo em que esta imagem está alocada, a sua
localização na organização do acervo, a legenda original e o fotógrafo. Os
elementos icônicos foram subdivididos em: a nova legenda que produzimos, local e
data/época da tomada da fotografia, tipologia urbana (ruas, avenidas, praças,
esquina, etc.), abrangência espacial (vistas parciais, ou seja, tomadas mais
abrangentes retratando mais elementos – térreas ou aéreas; e vistas pontuais,
aquelas que isolam o motivo principal, como as imagens de edifícios), temporalidade
(dia/noite), infra-estrutura em construção (obras), infra-estrutura urbana construída
(serviços urbanos como iluminação, pavimentação, etc.), edificações (as
construções retratadas), elementos móveis (pessoas, carros, bonde, charretes, etc.),
função urbana (função dos edifícios retratados). E na descrição técnica escolhemos
um aspecto da configuração da imagem fotográfica, o enquadramento (ponto de
vista do olhar do fotógrafo – central, diagonal, ascensional, descensional, frontal –
ou câmera mais alta/aérea normalmente em diagonal/perspectiva).
A determinação da data de algumas imagens – das sem data e daquelas que
achamos que a data não estava correta – foi auferida mediante pesquisa realizada
sobre a história da área e pela comparação com as outras imagens.
54
2. A história dos objetos técnicos do “Quadrilátero da Saúde” por suas
imagens
A história da saúde pública em São Paulo remete à primeira metade do
século XIX com a construção dos primeiros equipamentos hospitalares da cidade de
São Paulo por irmandades religiosas ou sociedades beneficentes, como a Santa
Casa de Misericórdia (1824) e o Hospital da Beneficência Portuguesa (1876).
Segundo Yunes e Campos (1984), em 1835 o orçamento provincial
mencionava o envio de verba para vacina, e em 1854 o Presidente José Antonio
Saraiva nomeou uma comissão para o desenvolvimento de “bases para um
regulamento de higiene preventiva” (YUNES; CAMPOS, 1984, p. 61).
Em 1879, a Câmara Municipal de São Paulo a pedido do comendador
Joaquim Egídio de Souza Aranha (Marquês de Três Rios) deliberou a construção do
Hospital dos Variolosos, inaugurado em 1880 (Tabela 2), após um surto epidêmico
de varíola, seguido pelo Cemitério do Araçá construído em 1887. Este hospital foi
construído próximo à Estrada do Araçá, hoje a Doutor Arnaldo. Mais tarde, em 1894,
sob a tutela do governo do Estado transformou-se no Hospital de Isolamento de São
Paulo, dedicado ao tratamento de doenças infectocontagiosas como febre amarela,
varíola, raiva, difteria e febre tifóide, construído por Teodoro Sampaio. Em 1932,
este hospital passou a chamar-se Hospital Emílio Ribas e, a partir de 1991, Instituto
de Infectologia Emílio Ribas, considerado referência nacional no diagnóstico e
tratamento de doenças infectocontagiosas.
55
Tabela 2: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Hospital dos Variolosos (1880).
QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS
Identificação do
documento
Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da
Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da USP
Localização no Acervo -
Legenda Original Hospital de Isolamento - 1880
Fotógrafo desconhecido
Elementos icônicos
Local Atual Instituto de Infectologia
“Emílio Ribas”
Data/Época 1880
Tipologia urbana Avenida Municipal (Atual Av. Dr.
Arnaldo)
Abrangência espacial Vista pontual
Temporalidade Dia
Infraestrutura em construção
-
Infraestrutura urbana construída
-
Edificações Hospital dos Variolosos
Elementos móveis -
Função urbana Saúde Pública
Descrição técnica
Enquadramento Frontal
Fachada do Hospital dos Variolosos (futuro Hospital de Isolamento e, mais tarde, Instituto de Infectologia “Emílio Ribas”)
(1880).
56
Em 1884, Dr. Marcos de Oliveira Arruda foi nomeado Inspetor de Higiene da
Província de São Paulo. Em 1886, este passou a chefiar a sede da Inspetoria de
Higiene alocada em São Paulo devido a uma “reforma dos serviços centrais de
saúde pública” (YUNES; CAMPOS, 1984, p. 61), esta, porém, foi extinta em 1891.
Nesse período São Paulo passou por grandes transformações promovidas pela
rentabilidade das lavouras de café, abolição da escravidão e intensa imigração,
ocorrendo um surto de urbanização e vultosos capitais decorrente da política de
sustentação dos preços do café (1984, p. 62). Com esse crescimento problemas
antigos de saúde permaneciam e novas doenças surgiam ameaçando a saúde dos
cidadãos.
Havia, pois, que modificá-la. Como fazê-lo, porém, em uma região carente de recursos humanos, dado que os médicos que praticavam seu ofício na Província de São Paulo eram formados alhures na Bahia, no Rio de Janeiro ou no exterior? Ademais, a maior parte dos agravos à saúde era de etiologia desconhecida e tratamento absolutamente empírico. A revolução pasteuriana na etiologia das doenças e nos métodos diagnósticos bem como os avanços na química orgânica [...] foram básicos para a primeira tentativa de equacionar e solucionar os problemas acima. (YUNES; CAMPOS, 1984, p. 61)
As consequentes reorganizações do Serviço Sanitário associada à criação de
institutos de pesquisa iniciaram, assim, a formação de profissionais na área de
saúde. Algumas medidas foram adotadas, como a criação, em 1890, da Farmácia do
Estado, a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola em 1891, a instalação do
Instituto Vacinogênico (futuro Instituto Bacteriológico em 1902 e Instituto Adolfo Lutz
em 1940), e a organização do Serviço Sanitário do Estado em 1892, formação de
profissionais em saneamento em 1893 com a criação da Escola Politécnica, criação
do primeiro código sanitário do Estado em 1894, e a constituição do Instituto
Serumterápico (futuro Butantan) em 1901.
No entanto, somente em 1912 o presidente do estado de São Paulo ratificou a
lei que estabelecia a Escola de Medicina e Cirurgia de São Paulo em substituição à
Academia de Medicina, Cirurgia e Farmácia criada em 1891 pelo o governador
Américo Brasiliense em virtude de seu intenso crescimento urbano e demográfico12,
12
Atentamos para os Censos de 1890 e de 1900, quando no primeiro a cidade de São Paulo apresentava 65.000 habitantes e, no segundo, 240.000 habitantes, ou seja, observa-se destacado
57
porém não foi instalada. Só a partir desse momento é que São Paulo passou a
formar profissionais capacitados na área da saúde em busca do controle das
epidemias (YUNES; CAMPOS, 1984).
O surgimento das principais instituições científicas de São Paulo, até o fim da Primeira República, concentrou-se entre as décadas de 1880 e 1910, período também de enriquecimento, crescimento e urbanização intensos da capital. Nesse período de quase quarenta anos, São Paulo montou seu aparelho científico para atender aos imperativos comerciais, às pressões dos problemas urbanos e de saúde pública e também para manifestar sua ascensão econômica e política — conquistada paulatinamente no mesmo processo que a levou à condição de capital do Estado maior produtor mundial de café. (SILVA, 2001, p. 201)
Somente em 1912, por meio da Lei n. 1357, sancionada por Francisco de
Paula Rodrigues Alves, então governador do Estado, foi criada a Faculdade de
Medicina e Cirurgia, fundada pelo Profº Drº Arnaldo Vieira de Carvalho – primeiro
centro de ensino médico e cirúrgico de São Paulo alocado na Rua Brigadeiro Tobias,
nº 42.
A princípio sem sede, a faculdade abrigou-se em outros edifícios. No entanto,
o diretor Arnaldo Vieira de Carvalho propôs a construção de um edifício que
abrigasse todas as cátedras da faculdade adquirindo uma área de 360.000 m²
próxima ao Cemitério do Araçá onde seria sua sede.
Seu primeiro projeto foi produzido pelo escritório de Ramos de Azevedo, mas
foi considerado inapropriado por sugerir edificações fisicamente desconexas. No
entanto, a pedido de Oscar Freire de Carvalho, uma parte desse projeto foi
executada dando origem ao prédio de Medicina Legal, inaugurado em 1921. Foi
com a ajuda da Fundação Rockefeller – instituição filantrópica norte-americana –
que o diretor Arnaldo Vieira de Carvalho conseguiu investimentos e consultorias
técnicas para a construção da faculdade. As obras tiveram início em 1928 e
finalizadas em 1931 (Tabela 3).
crescimento em apenas dez anos (Histórico Demográfico do Município de São Paulo. In: http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1900.php).
58
Tabela 3: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas: Faculdade de Medicina (1929).
QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS
Identificação do
documento
Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da
Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da USP
Localização no Acervo Faculdade de Medicina – Vista
aérea
Legenda Original Faculdade de Medicina 1929
Fotógrafo desconhecido
Elementos icônicos
Local Atual Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
Data/Época 1929
Tipologia urbana Avenida Municipal (Atual Av. Dr.
Arnaldo)
Abrangência espacial Vista parcial aérea
Temporalidade Dia
Infraestrutura em construção
Construção da Faculdade de Medicina
Infraestrutura urbana construída
Cemitério; Avenida Municipal;
Edificações Faculdade de Medicina;
Cemitério do Araçá;
Elementos móveis -
Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde Pública Descrição
técnica Enquadramento Perspectiva
Em primeiro plano temos a lateral da Faculdade de Medicina; um pouco mais para cima o Hospital de Isolamento; em segundo plano vemos a região da
Avenida Paulista; e na ponta inferior esquerda temos o Instituto Médico-Legal (1929).
59
Na faculdade tinha a Cadeira de Higiene que em 1924 mediante decreto do
Governo Estadual criou o Instituto de Higiene de São Paulo vinculado à faculdade de
medicina. Iniciou suas atividades em 1925 sob a direção do Prof. Geraldo H. de
Paulo Souza com
cursos para o aperfeiçoamento técnico para funcionários do Serviço Sanitário, de habilitação profissional para enfermeiras e visitadoras de saúde pública e outros, de promover pesquisas de caráter geral ou local, verificar os soros e vacinas expostos à venda, padronizando-os assim como orientar o ensino popular de higiene e a propaganda sanitária em geral foi fundamental na "produção" de
vários novos profissionais que passaram a compor e ampliar a equipe de saúde, desempenhando suas funções dentro de um novo conceito de saúde pública ou de saúde coletiva, qualquer que fosse a
conotação assumida pelo termo "coletivo". (YUNES; CAMPOS, 1984, p. 63-64)
Ainda no ano de 1925, Paula Souza apresentou à Fundação Rockefeller um
plano de ampliação do Instituto no qual solicitava a construção de um novo prédio.
Desde 1918 essa Fundação colaborava técnica e financeiramente à Faculdade de
Medicina, dessa forma concedeu a verba para a construção do Instituto. Com isso,
o governo estadual cedeu um amplo terreno na esquina da Rua Teodoro Sampaio e
a Avenida Dr. Arnaldo, “porque nessa vasta região seriam localizados os diversos
blocos do centro médico de São Paulo, num conjunto destinado à especialização
médica e hospitalar” (SANTOS, 1975, p. 96). Com a sua instalação no novo prédio
desvinculou-se de forma parcial da Faculdade de Medicina, continuando a ministrar
as aulas da Cadeira de Higiene (Tabela 4).
A partir de 1930 tornaram-se prioritários os planos de investimentos estatais para construção e operação de hospitais, visando atendimento público gratuito. (REIS, 2010, p. 45)
60
Tabela 4: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Faculdade de Medicina, Instituto de Higiene, Instituto de Medicina Legal, Hospital Emílio Ribas e as obras do Hospital das Clínicas (1939).
QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS
Identificação do
documento
Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade
de Medicina da USP
Localização no Acervo -
Legenda Original 1939
Fotógrafo desconhecido
Elementos icônicos
Local Atual Hospital das Clínicas
Data/Época 1939
Tipologia urbana
Avenida Dr. Arnaldo; Rua Teodoro Sampaio; Rua
Cardeal Arcoverde; Cemitério do Araçá;
Abrangência espacial Vista parcial aérea
Temporalidade Dia
Infraestrutura em construção
Hospital das Clínicas (Instituto Central)
Infraestrutura urbana construída
Pavimentação; iluminação;
Edificações
Faculdade de Medicina; Instituto de Medicina Legal
(atual Instituto Oscar Freire); Instituto de Higiene;
Elementos móveis Pessoas;
Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde
Pública
Descrição técnica
Enquadramento Perspectiva/Descensional
Na parte inferior esquerda vemos as obras do Hospital das Clínicas; um pouco mais para cima e à direita vemos a Faculdade
de Medicina; à sua direita o Hospital Emílio Ribas; e a sua esquerda o Instituto de Medicina Legal (atual Instituto Oscar
Freire) e o Instituto de Higiene (1939).
61
Em 1934, o governador Dr. Armando de Salles Oliveira criou a Universidade
de São Paulo, a qual passaram a integrar a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, a Faculdade de Direito, a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a
Faculdade de Medicina Veterinária, a Faculdade de Farmácia e Odontologia, a
Escola “Luiz de Queiroz” de Piracicaba, além de institutos complementares, dentre
eles o Instituto Médico-Legal e o Instituto de Higiene. Ainda nesse ano o Instituto de
Higiene transformou-se em Escola de Saúde Pública que em 1945 foi incorporada à
Universidade de São Paulo por um decreto do Interventor Federal em São Paulo, o
Dr. Fernando Costa, passando a chamar Faculdade de Higiene e Saúde Pública
(SANTOS, 1975).
Outras criações se deram a partir de 1931, como a Secretaria de Educação e
Saúde Pública neste ano, a Secretaria de Saúde Pública e Assistência Social em
1947, e Secretaria de Estado da Saúde em 1968 (YUNES; CAMPOS, 1984).
Segundo Cid Guimarães (1976), de acordo com os censos de 1934 e 1974
houve importante êxodo rural para a cidade de São Paulo devido à industrialização.
Em 1934, 61,2% da população do Estado de São Paulo moravam no campo e
38,8% em cidades, enquanto em 1974, tínhamos 12,1% da população morando em
área rural e 87,9% em área urbana. Quanto à população da Grande São Paulo,
tínhamos, em 1934, 19,3% da população do Estado, e em 1974, 49,8%. Isso
contribuiu para o aumento da demanda de leitos hospitalares, associado os maiores
acidentes de trabalho aumentando as demandas por pronto-socorro, por tratamento
médico, bem como a previdência social que teve início com a criação das Caixas de
Aposentadoria e Pensões (CAPs), pela Lei Eloi Chaves de 1923, para os
empregados de empresas ferroviárias garantindo-lhes o acesso a serviços médico-
hospitalares e farmacêuticos, mais tarde a previdência social passou a se ligar à
categoria profissional e não mais a empresas (GUIMARÃES, 1976, p. 2).
Em 1938 iniciaram-se as obras do prédio principal do Hospital das Clínicas
(Tabelas 5), construção do governo do Estado finalizada em 1944 (Tabela 6). A essa
época a Avenida Dr. Enéas de Aguiar não existia, havendo entre a Faculdade de
Medicina e o Hospital um grande jardim.
62
Tabela 5: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Obras do Hospital das Clínicas (1938).
QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS
Identificação do
documento
Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade
de Medicina da USP
Localização no Acervo -
Legenda Original HC 1938
Fotógrafo desconhecido
Elementos icônicos
Local Atual Hospital das Clínicas
Data/Época 1938
Tipologia urbana -
Abrangência espacial Vista parcial
Temporalidade Dia
Infraestrutura em construção
Hospital das Clínicas
Infraestrutura urbana construída
-
Edificações
Faculdade de Medicina; Instituto de Medicina Legal
(atual Instituto Oscar Freire); Instituto de Higiene;
Elementos móveis Pessoas;
Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde
Pública Descrição
técnica Enquadramento Prespectiva
Obras do Hospital das Clínicas; no canto superior direito vemos a Faculdade de Medicina; ao seu lado esquerdo vemos o Instituto de Medicina Legal (atual Instituto Oscar Freire) e o Instituto de
Higiene (1938).
63
Tabele 6: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Faculdade de Medicina, Hospital Emílio Ribas e o Instituto Central do Hospital das Clínicas (1945).
QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS
Identificação do
documento
Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade
de Medicina da USP
Localização no Acervo Faculdade de Medicina – Vista
Aérea
Legenda Original Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Fotógrafo desconhecido
Elementos icônicos
Local Atual “Quadrilátero da Saúde”
Data/Época 1945
Tipologia urbana Avenida Dr. Arnaldo; Avenida
Rebouças
Abrangência espacial Vista parcial aérea
Temporalidade Dia
Infraestrutura em construção
Hospital das Clínicas (Instituto Central)
Infraestrutura urbana construída
Pavimentação; iluminação;
Edificações Faculdade de Medicina;
Hospital Emílio Ribas
Elementos móveis -
Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde
Pública Descrição
técnica Enquadramento Perspectiva/Descensional
Vemos a Faculdade de Medicina e o Hospital Emílio Ribas no canto superior esquerdo; atrás temos o Instituto Central do
Hospital das Clínicas (1945).
64
Após sua inauguração muitos outros institutos e escolas foram criados,
colocando em prática o plano inicial da Faculdade de construir um grande centro
hospitalar, de ensino e de pesquisa: Prédio de Medicina Legal (1921), Associação
Atlética Oswaldo Cruz (1930), Escola de Enfermagem (1942), Instituto de Psiquiatria
(1948), Instituto de Ortopedia e Traumatologia (1953), Instituto de Medicina Tropical
(1960), Instituto da Criança (1970), Instituto do Coração (1975), Prédio dos
Ambulatórios (1979), Centro de Convenções Rebouças (1982), Instituto de
Radiologia (1984) e Instituto do Câncer (2008) (Tabelas 7,8 e 9)13.
Segue a localização dos objetos técnicos e suas respectivas imagens
(Ilustração 1 – produzida por Tatiana dos Santos Thomaz; imagens retiradas em
trabalho de campo realizado no dia 09/06/2012 por Tatiana dos Santos Thomaz).
13 Ver álbum anexado no CD (ANEXO B). Nele trazemos todas as imagens coletadas nos museus e
em trabalho de campo.
65
Tabela 7: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Faculdade de Medicina, Escola de Enfermagem, Associação Atlética Oswaldo Cruz, Instituto de Ortopedia e Traumatologia e Instituto Central do Hospital das Clínicas (1940 – 1960?).
QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS
Identificação do
documento
Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade
de Medicina da USP
Localização no Acervo -
Legenda Original 1946
Fotógrafo desconhecido
Elementos icônicos
Local Atual “Quadrilátero da Saúde”
Data/Época 1940 – 1960 (?)
Tipologia urbana Avenida Dr. Arnaldo; Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar;
Abrangência espacial Vista parcial aérea
Temporalidade Dia
Infraestrutura em construção
Hospital das Clínicas (Instituto Central, Instituto de Ortopedia
e Traumatologia, Escola de Enfermagem, Associação
Atlética Oswaldo Cruz)
Infraestrutura urbana construída
Pavimentação; iluminação;
Edificações Faculdade de Medicina;
Hospital Emílio Ribas
Elementos móveis -
Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde
Pública
Descrição técnica
Enquadramento Perspectiva/Descensional
Na parte superior esquerda temos a Faculdade de Medicina; abaixo a Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar; ao centro a Escola de Enfermagem; no canto inferior esquerdo o campo da Associação
Atlética Oswaldo Cruz; no canto inferior direito o Instituto de Ortopedia e Traumatologia; e acima o Instituto Central do HC
(1940 – 1960?).
66
Tabela 8: “Quadrilátero da Saúde” em construção (1940 – 1960?).
QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS
Identificação do
documento
Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da
Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da USP
Localização no Acervo -
Legenda Original Complexo hc 1948
Fotógrafo desconhecido
Elementos icônicos
Local Atual “Quadrilátero da Saúde”
Data/Época 1940 – 1960 (?)
Tipologia urbana Avenida Dr. Arnaldo; Av. Dr.
Enéas de Carvalho Aguiar; Rua Teodoro Sampaio;
Abrangência espacial Vista parcial aérea
Temporalidade Dia
Infraestrutura em construção
Hospital das Clínicas (Instituto Central, Instituto de Ortopedia e
Traumatologia, Escola de Enfermagem, Associação
Atlética Oswaldo Cruz, Instituto de Psiquiatria);
Infraestrutura urbana construída
Pavimentação;
Edificações
Faculdade de Medicina; Hospital Emílio Ribas; Instituto de Medicina Legal, Faculdade de Higiene e Saúde Pública;
Elementos móveis -
Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde Pública Descrição
técnica Enquadramento Perspectiva/Descensional
De cima para baixo vemos: o Cemitério do Araçá, a Faculdade de Higiene e Saúde Pública, o atual Instituto Oscar Freire, a
Faculdade de Medicina, a Av. Dr Enéas de Carvalho Aguiar, o campo da Associação Atlética Oswaldo Cruz, a Escola de
Enfermagem, o Instituto Central do HC, o Instituto de Ortopedia e Traumatologia e a construção do Instituto de Psiquiatria (1940 –
1960?).
67
Tabela 9: Quadro descritivo das Imagens Fotográficas – Faculdade de Medicina e Hospital das Clínicas (1970 – 1980?).
QUADRO DESCRITIVO DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS
Identificação do
documento
Acervo Museu Histórico “Prof. Carlos da
Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da USP
Localização no Acervo Faculdade de Medicina – Vista
Aérea
Legenda Original Faculdade de Medicina e o
Complexo Hospitalar do H.C. 1960
Fotógrafo desconhecido
Elementos icônicos
Local Atual “Quadrilátero da Saúde”
Data/Época 1970 – 1980 (?)
Tipologia urbana Avenida Dr. Arnaldo;
Abrangência espacial Vista parcial aérea
Temporalidade Dia
Infraestrutura em construção
-
Infraestrutura urbana construída
Pavimentação; arborização; transporte público;
Edificações Faculdade de Medicina;
Hospital Emílio Ribas; Hospital das Clínicas; prédios
Elementos móveis Ônibus; carros;
Função urbana Ensino/Pesquisa; Saúde Pública Descrição
técnica Enquadramento Perspectiva; Descensional
Vista aérea. Vemos a Faculdade de Medicina e o Hospital das Clínicas. Podemos observar a intensa verticalização do lado que
acompanha o início da Avenida Rebouças (1970 – 1980?).
68
69
70
71
3. Análises
3.1. As imagens fotográficas da arquitetura
A arquitetura é um tema recorrente nas fotografias, principalmente no período
inicial dessa técnica em que o registro da imagem exigia longo tempo de exposição
necessitando, assim, que os objetos retratados permanecessem estáticos. Outro
fator que motivava os fotógrafos a registrarem as estruturas arquitetônicas é a
diversidade de culturas cristalizadas simbolicamente nesses objetos revelando
processos sociais e artísticos de uma época e sociedade (CARVALHO; WOLFF,
2008, p. 131-132).
As fotografias de arquitetura baseavam-se em parâmetros estabelecidos
pelos desenhos, ou seja, buscavam “captar as estruturas com ‘objetividade’ e em
todas as suas dimensões” fazendo “composições cujo enquadramento, distância do
objeto e ponto de vista do observador, remontem a desenhos de fachadas e
perspectivas” (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 138).
Carvalho e Wolff, em artigo intitulado Arquitetura e fotografia no século XIX
(2008), reflete sobre como a arquitetura foi retrada pela fotografia no século XIX, nos
alertando que as características dessas tomadas permaneceram pelo menos até as
três primeiras décadas do século XX (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 171). Diante
das imagens levantadas em nosso trabalho sugerimos que essas características
podem ser reconhecidas em todas as imagens selecionadas.
As intenções desses fotógrafos eram reproduzir os edifícios, suas estruturas,
seu entorno, sua construção acentuando o sentido de realidade da fotografia já que
não continha a mediação, a subjetividade de um desenhista (CARVALHO; WOLFF,
2008, p. 143).
Para a seleção das nossas imagens preferimos aquelas que retratassem uma
superfície grande da área de estudo, como as tomadas aéreas e tomadas do plano
da rua com uma distância focal baixa, sendo possível, então, levantar as mudanças
espaciais que acompanharam as implantações dessas instituições de saúde
revelando feições das refuncionalizações espaciais do bairro de Cerqueira César e
imediações com a incorporação mais ampla de firmas e outras instituições
relacionadas à saúde.
72
Segundo Carvalho e Wolff (2008, p. 144-145), são características algumas
composições nessa época, como: vistas frontais, vistas em perspectiva, vistas
aéreas da paisagem, paisagem urbana, onde determinada construção estava
localizada, além de imagens de construções/obras.
Nas vistas frontais o edifício aparece com extrema objetividade conforme os
desenhos de fachada, com um enquadramento centralizado e sem distorções
destacando “mais que a espacialidade tridimensional dos edifícios, os planos de
uma única fase, da fachada ao detalhe arquitetônico” (CARVALHO; WOLFF, 2008,
p. 144), proporcionando a ideia de fidedignidade da reprodução. Já as imagens em
perspectiva buscavam apresentar os volumes, a tridimensionalidade em uma
representação bidimensional, as grandiosidades dos edifícios, enquadrando de
forma abrangente o seu volume. As imagens da paisagem urbana revelam, quando
tiradas no nível dos olhos do pedestre, cenas urbanas que criam a sensação para o
observador da fotografia o sentimento de pertencer ao lugar, de estar presente na
cena retratada. As vistas aéreas mostram-se extremamente úteis para uma
observação mais abrangente da paisagem, uma visão afastada capaz de
compreender melhor a disposição dos objetos e suas relações mostrando a
monumentalidade dos edifícios, das vias, etc..
Também tiveram destaque nos registros do século XIX e XX as tomadas de
obras em diferentes fases de execução. Segundo Carvalho e Wolff (2008), as
administrações públicas encomendavam imagens do andamento das obras servindo
como,
comprovação, mais concreta do que relatórios escritos, das fases de evolução de obras, de outra maneira objeto de longas e minuciosas descrições. Esses registros, além de seu uso essencialmente técnico, permitiam uma comprovação justa do emprego do dinheiro público e, ainda, serviam como potencial elemento de promoção da ação oficial. (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 154)
Essas imagens buscavam mostrar as obras como um todo, mas também os
seus detalhes das estruturas, das vigas, sendo, portanto, mais abstratas. Na
população essas imagens revelavam a ideia de progresso, de modernidade
passando a consumir álbuns, cartões postais (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 165).
Elas também eram encomendadas pelos próprios arquitetos, utilizadas como
propaganda de suas obras.
73
Cabe ressaltar novamente que a escolha das posições das imagens, do que
será retrado, focado, respondem às intenções do fotógrafo,
que pretendia guiar a percepção de quem visse a imagem. Junto com a arquitetura, a presença de pessoas, objetos, carros, animais, anúncios e, principalmente, o recorte da cena enfocada na fotografia, escondem e trazem consigo, simultaneamente, a postura do fotógrafo diante do quadro, sua ideação do que comunicar, do que fazer ver. O recorte que a imagem fotográfica pressupõe é, portanto, uma opção do fotógrafo, demonstrativa de sua capacidade de síntese e de criação. Sua fotografia é um juízo, um apelo, uma declaração a respeito da arquitetura. (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 151)
Dessa forma, as fotografias da arquitetura revelam por meio das estruturas
dos objetos retrados as funções que adquiriram na vida humana, permitindo uma
reconstituição da paisagem passada.
3.2. O espaço geográfico e a paisagem na fotografia
As estruturas arquitetônicas são objetos técnicos visíveis que apresentam
funções e estética de acordo com as necessidades e aspirações da sociedade de
determinada época. No entanto, isso não quer dizer que a cada momento da história
haja uma demolição dos objetos passados e a construção de novos que contemplem
as novas necessidades. Pelo contrário, muitas estruturas permanecem na paisagem
por muitos períodos com alguns ajustes técnicos que permitam a realização de
novas funções.
Segundo Milton Santos (2006, p. 29), as técnicas são “um conjunto de meios
instrumentais e sociais” que possibilitam o homem criar espaço, tendo em vista que
sua relação com o meio é dada por técnicas. Sua espacialização é seletiva e
desigual, além de termos em um mesmo lugar sistemas técnicos de diversas idades,
ou seja, a difusão e a aplicação dos avanços tecnológicos nunca se dão de forma
homogênea (p. 42-43). Cabe perguntar se as técnicas passadas são um empecilho
para a técnica dominante? Será que as técnicas aplicadas na época das
construções da Faculdade de Medicina e do Hospital das Clínicas são ou foram um
limitador para as técnicas atuais? A nosso ver, não. Foi justamente por já existir um
centro de conhecimento e pesquisa associado a um centro de aplicação dessa
74
ciência que permitiu e concentrou maiores investimentos para a sua adequação
parcial de novos avanços tecnológicos.
É o lugar que atribui às técnicas o princípio de realidade histórica, relativizando o seu uso, integrando-as num conjunto de vida, retirando-as de sua abstração empírica e lhes atribuindo efetividade histórica. E, num determinado lugar, não há técnicas isoladas, de tal modo que o efeito de idade de uma delas é sempre condicionado pelo das outras, O que há num determinado lugar é a operação simultânea de várias técnicas, por exemplo, técnicas agrícolas, industriais, de transporte, comércio ou marketing, técnicas que são
diferentes segundo os produtos e qualitativamente diferentes para um mesmo produto, segundo as respectivas formas de produção.” (SANTOS, Milton, 2006, p. 58)
A técnica é, portanto, resultado de um conhecimento desenvolvido em
determinada época, ou seja, é um fenômeno histórico, sendo possível a
determinação de sua data (Santos, Milton, 2006, p. 57). Logo, o conhecimento da
data da técnica de determinada materialidade pode nos revelar, ao menos
aproximadamente, a data de uma fotografia.
O espaço geográfico é um conjunto indissociável de sistemas de objetos e
sistemas de ações, como desenvolvido por Milton Santos (2006), constituído,
portanto, por objetos técnicos – visíveis na imagem fotográfica, ou seja, visíveis na
paisagem – e por ações que determinam, selecionam, influenciam a espacialização
desses objetos. Temos aí uma relação de complementaridade:
Os objetos não têm realidade filosófica, isto é, não nos permitem o conhecimento, se os vemos separados dos sistemas de ações. Os sistemas de ações também não se dão sem os sistemas de objetos. (SANTOS, Milton, 2006, p. 63)
Sendo assim, a análise da imagem fotográfica em si mesma, ou seja, só por
meio de uma descrição da materialidade nela revelada não tem sentido algum. É
preciso superar o visível, a paisagem, para alcançarmos o entendimento do espaço
geográfico na sua configuração de materialidade e imaterialidade.
Por mais que a técnica fotográfica inicial não permitisse a exposição de
objetos móveis com qualidade, cabe ressaltar que ambos os objetos, móveis e
imóveis, são objetos geográficos, sejam eles naturais ou humanizados (SANTOS,
Milton, 2006, p. 72). O autor ressalta ainda que a existência dos objetos geográficos
75
não deve ser vista como “coleções”, mas como “sistemas” (p. 73) por serem capazes
de agregar a lógica passada “sua datação, sua realidade material, sua causação
original”, e a lógica atual “seu funcionamento e sua significação presentes” (p. 77) de
forma contígua no espaço.
A existência desses objetos humanizados é resultado de ações. Essas são
próprias do homem, já que são objetivadas, ou seja, tem uma finalidade. Elas podem
ser individuais ou coletivas – empresariais, institucionais – motivadas por
necessidades “naturais ou criadas” (SANTOS, Milton, 2006, p. 82).
Essas necessidades: materiais, imateriais, econômicas, sociais, culturais, morais, afetivas, é que conduzem os homens a agir e levam a funções. Essas funções, de uma forma ou de outra, vão desembocar nos objetos. Realizadas através de formas sociais, elas próprias conduzem à criação e ao uso de objetos, formas geográficas. (SANTOS, Milton, 2006, p. 82-83)
Milton Santos (2006) trata da noção de intencionalidade na relação objeto-
ação, ou seja, não há ação sem intenção, sem objetivo. Dessa forma, a relação do
homem com o meio, dada pela ação, é carregada de intenção, assim se dá a
produção dos objetos (p. 89-90). Essa relação também é vista no processo de
tomada de uma imagem fotográfica, o fotógrafo sempre tem um objetivo, seja
consciente ou inconsciente, ao registrar uma cena. Então, a ação se dá como
satisfatória a medida que o palco da ação – objetos – é mais apropriado, “então, à
intencionalidade da ação se conjuga a intencionalidade dos objetos e ambas são,
hoje, dependentes da respectiva carga de ciência e de técnica presente no território”
(SANTOS, Milton, 2006, p. 94). Dessa forma, à medida que as relações sociais se
modificam ao longo do tempo, torna-se necessária uma mudança no sistema de
objetos, seja na sua morfologia, seja nas suas funções, transformando o espaço,
distinguindo as épocas (p. 96). No entanto, não necessariamente é preciso destruir
as estruturas para construir novas formas adequadas às novas técnicas.
Ao longo do tempo, um novo sistema de objetos responde ao surgimento de cada novo sistema de técnicas. Em cada período, há, também, um novo arranjo de objetos. Em realidade, não há apenas novos objetos, novos padrões, mas, igualmente, novas formas de ação. Como um lugar se define como um ponto onde se reúnem feixes de relações, o novo padrão espacial pode dar-se sem que as
76
coisas sejam outras ou mudem de lugar. (SANTOS, Milton, 2006, p. 96)
É o que observamos no “Quadrilátero da Saúde”, mesmo com a implantação
de novas técnicas, novos padrões, a estrutura da maioria dos edifícios continua a
mesma, apenas sofrendo adaptações para as novas funções derivadas de melhorias
tecnológicas na área da saúde. A relação entre o objeto e a ação é dada pela função
exercida no objeto, portanto, o espaço geográfico é um meio relacional entre
sistemas de objetos e sistemas de ações de temporalidades diferentes com
finalidades da atualidade. Temos, portanto, formas e conteúdos dependentes de
relações técnicas e sociais configurando sua existência geográfica, sempre
entendida conjuntamente.
Nessa paisagem aconteceram mudanças parciais, e em algumas partes
aparentemente não aconteceram modificações. Observamos nessa região diferentes
tempos alocados. Os movimentos da sociedade promovem novas ações, novas
necessidade, novas técnicas modificando as funções dos objetos antigos ou ocorre
a construção de novos objetos, transformando o espaço e a paisagem14. Ambos,
portanto, se modificam para atender os movimentos da sociedade:
a paisagem, assim como o espaço, altera-se continuamente para poder acompanhar as transformações da sociedade. A forma é alterada, renovada, suprimida para dar lugar a uma outra forma que atenda às necessidades novas da estrutura social (SANTOS, 2009, p. 54).
A fotografia sendo um presente eternizado, uma fixação da materialidade
torna-se indispensável, então, para nossa discussão delimitarmos o que é paisagem
e o que é espaço geográfico. Diante do que já foi exposto neste trabalho podemos
sintetizar essa diferenciação como o espaço geográfico sendo um híbrido de forma e
conteúdo e a paisagem somente as formas. Logo, o que vemos antes da tomada de
uma imagem fotográfica é o espaço geográfico; a partir do momento que fixamos um
pedaço desse espaço transformando-o em imagem temos ali representado a
14
“Digamos que a sociedade produz a paisagem, mas que isso jamais ocorre sem mediação. É por isso que, ao lado das formas geográficas e da estrutura social, devemos também considerar as funções e os processos que, através das funções, levam a energia social a transmudar-se em formas.” (SANTOS, 2009, p. 61)
77
paisagem; em seguida com a tentativa de analisarmos tal tomada buscamos
reconstituir o espaço geográfico15.
3.3. Os hospitais como sistemas técnico-científicos
A medicina, segundo David (2010), com o desenvolvimento de técnicas e do
conhecimento científico nessa área proporcionou um “novo status social da
medicina” (p. 22), tornando possível “ver” o paciente. Foi esse novo meio médico,
cada vez mais artificializado, que proporcionou novas possibilidades de intervenção
sobre o doente, através da criação de novos objetos revelando “a técnica como valor
em si para os cuidados à saúde” (p. 23).
Ainda segundo a autora (2010, p. 25), os hospitais até o final do século XIX
eram um “local de caridade” voltado para idosos e carentes, a partir do
desenvolvimento da medicina moderna houve um aperfeiçoamento da clínica e na
aplicação de técnicas tornando os hospitais modernos lugar do “saber empírico”,
lugar da prática médica.
Dessa maneira, o hospital torna‐se o local onde a medicina aprimora
sua capacidade aplicada aos doentes, daí ser este o ambiente em que os equipamentos médico‐hospitalares encontram seu primado.
Daí, também, poder justificá‐lo como ambiente de alta complexidade
tecnológica e médica. (DAVID, 2010, p. 25)
Esse desenvolvimento da clínica médica pautada em exames e no tratamento
de doenças fez com que a medicina se tornasse uma atividade econômica inserindo
os hospitais na lógica urbana, lugar de consumo de serviços de saúde (DAVID,
2010, p. 25-26). Nessa nova proposta hospitalar estão inclusos diversos setores
industriais – mecânica, óptica, eletrônica, química –, constituindo uma grande cadeia
de relações. Nesse sentido, a autora refere-se a uma medicalização da saúde, ou
seja, “processo histórico no qual a introdução crescente de inovações tecnológicas
nas atividades em saúde tende a confundir o consumo de serviços médicos com a
preservação da saúde, transformando os primeiros em demanda crescente para os
15
“o espaço, do qual um dos componentes, a paisagem, é como um palimpsesto, isto é, o resultado de uma acumulação na qual algumas construções permanecem, intactas ou modificadas, enquanto outras desaparecem para ceder lugar a novas edificações. Através desse processo, o que está diante de nós é sempre uma paisagem e um espaço.” (SANTOS, 2008, p. 62)
78
serviços” (DAVID, 2010, p. 27), além de associar a eficiência médica a um maior
coeficiente tecnológico (p. 36).
Assim, a medicina moderna está pautada em uma crescente mediação
técnica no trato da saúde. Isso pode ser visto nas mudanças dos objetos técnicos
vinculados a cada período de mudança tecnológica, que estão ligadas a inovações
industriais de grandes agentes hegemônicos definindo, dessa forma, novas
condições de saúde pela regulação do “processo produtivo e [redefinição dos] usos
do território” (DAVID, 2010, p. 36), em acordo com o Estado.
Isso porque, como veremos, é a partir de uma lógica da ciência médica – isto é, a crescente especialização dos cuidados à saúde e a divisão do trabalho por parte da indústria – que há a criação permanente de subsistemas técnicos hegemônicos, que se instalam sobre subsistemas preexistentes e definem, direta ou indiretamente, a dinâmica global e dos lugares. (DAVID, 2010, p. 38)
Temos nesse contexto médico a associação de indústrias, médicos, hospitais
e o Estado, que promovem em conjunto o desenvolvimento de novas tecnologias e a
sua implantação em hospitais públicos (DAVID, 2010, p. 43). Dessa forma, o hospital
tem papel central nas economias urbanas e no sistema de saúde brasileiro,
configurando um sistema de “relações complementares, e hierárquicas, em virtude
das demandas por saúde, bem como das demandas do próprio serviço de saúde”
(2010, p. 118), gerando fluxos de pacientes que migram de suas cidades para terem
acesso aos serviços de saúde, bem como fluxos produtivos atraídos pelos hospitais.
Vemos a operação hierárquica do sistema único de saúde, que conduz algumas cidades à referência em serviços de saúde de uma abrangência regional e até nacional, como é o caso de algumas especialidades médicas. Entretanto, quanto mais modernos se tornam os estabelecimentos e, com efeito, os serviços, maior é a intensidade das trocas, isto é, a circulação não apenas de pessoas, mas de objetos e mensagens. Portadores de uma força na rede urbana, os hospitais são expressão de uma diferenciação geográfica da oferta de serviços de saúde na formação socioespacial brasileira, oferta que devemos observar tanto pela esfera pública como pela esfera privada. (DAVID, 2010, p. 118-119)
“Os hospitais motivam a coexistência de diferentes divisões territoriais do
trabalho, autorizadas por uma variedade de demandas a serem satisfeitas” (DAVID,
2010, p. 119), formando circuitos espaciais produtivos da saúde com a intensificação
79
das trocas de equipamentos, materiais, informações, normas produzidos em
diferentes lugares refletindo o processo de modernização dos hospitais e serviços de
saúde inseridos em um processo de mercantilização da saúde aumentando, assim,
as necessidades de trocas regionais (DAVID, 2010, p. 120).
A partir da década de 1970 temos a constituição da globalização baseada na
expansão e na modernização das telecomunicações e do transporte. Associada a
essa base material, desenvolveu-se uma base normativa estabelecida por um
conjunto de regras de regulação dos mercados internacionais (CASTILLO;
FREDERICO, 2010, p. 462). Houve, portanto, um “aprofundamento da divisão
territorial do trabalho expressado na especialização regional produtiva e na
racionalidade que preside o movimento das mercadorias” (CASTILLO; FREDERICO,
2010, p. 462). Castillo e Frederico (2010), propõem, então, a utilização dos conceitos
circuito espacial produtivo e círculos de cooperação no espaço para entender essa
nova dinâmica.
Os circuitos espaciais produtivos apresentam um complexo ordenamento de
fluxos materiais e de informação tendo como agentes desses fluxos grandes
corporações aliadas sem dúvida, com uma política estatal, que articulam as
“diversas etapas, geograficamente segmentadas, da produção” (CASTILLO;
FREDERICO, 2010, p. 462), e do consumo.
As formas geográficas são alocadas de tal forma no espaço que seja
“funcional à difusão do capital”, possibilitando a instalação de diversos circuitos
espaciais produtivos em um mesmo lugar, formando “um mosaico, no qual convivem
formas com racionalidades e conteúdos diversos, concebidas e implantadas em
momentos distintos” (CASTILLO; FREDERICO, 2010, p. 463).
O desenvolvimento técnico e informacional permite essa articulação entre
áreas cada vez mais dispersas, daí a compreensão do conceito de círculos de
cooperação apreendido como os fluxos informacionais que colocam em “contato”
etapas da produção alocadas em diferentes lugares (CASTILLO; FREDERICO,
2010, p. 464).
Com base nas discussões encaminhadas até aqui, podemos dizer que os circuitos espaciais de produção pressupõem a circulação de
matéria (fluxos materiais) no encadeamento das instâncias geograficamente separadas da produção, distribuição, troca e consumo, de um determinado produto, num movimento permanente;
80
os círculos de cooperação no espaço, por sua vez, tratam da
comunicação, consubstanciada na transferência de capitais, ordens, informação (fluxos imateriais), garantindo os níveis de organização necessários para articular lugares e agentes dispersos geograficamente, isto é, unificando, através de comandos centralizados, as diversas etapas, espacialmente segmentadas, da produção (CASTILLO; FREDERICO, 2010, p. 464-465)
Temos, portanto, como já foi dito, um espaço geográfico híbrido, ou seja,
constituído por uma base material – “naturais e construídas social e historicamente”
– e por uma base normativa formada por “normas sociais, políticas, jurídicas,
econômicas, culturais que regulam o uso, o acesso e a propriedade dessas coisas”
(CASTILLO; FREDERICO, 2010, p. 468).
Gadelha (2006) apresenta o conceito de complexo industrial da saúde a fim
de unir duas lógicas em movimento na área da saúde: a sanitária e o
desenvolvimento econômico (p. 12), devido à grande absorção desta área de
atividades de desenvolvimento científico e tecnológico, gerando emprego e renda (p.
14). Este conceito engloba, portanto, um conjunto de atividades produtivas –
circuitos espaciais produtivos e círculos de cooperação – que se relacionam pela
compra e venda de bens, serviços, e conhecimento científico e tecnológico inseridas
num contexto político e institucional bastante particular, envolvendo a prestação de serviços como o espaço econômico para o qual flui toda a produção em saúde. Assim, esta atividade está completamente inserida no complexo, tanto por crescentemente se organizar em bases empresariais quanto por configurar o mercado em saúde, como construção política e institucional. Isso confere organicidade ao complexo, permitindo articular, num mesmo contexto, a produção de serviços e bens tão diferentes como medicamentos, equipamentos, materiais diversos ou produtos para diagnóstico. (GADELHA, 2006, p. 15-16).
Segundo Gadelha (2003), está ocorrendo, a pelo menos 20 anos, um
empresariamento da área da saúde com a transformação “no modelo de gestão e
organização da produção de bens e serviços em saúde” (p. 523), a partir da
formação de um complexo médico-industrial com a participação de indústrias, das
prestadoras de serviços médicos e a formação profissional constituindo um
complexo econômico “movido pela lógica de mercado” (p. 522).
81
Nessa direção, o setor saúde constitui, simultaneamente, um espaço importante de inovação e de acumulação de capital, gerando oportunidades de investimento, renda e emprego – ou seja, constitui um locus essencial de desenvolvimento econômico – quanto uma
área que requer uma forte presença do Estado e da sociedade para compensar as forças de geração de assimetrias e de desigualdade associadas à operação de estratégias empresariais e de mercado. (GADELHA, 2003, p. 523)
O autor (2003) estabelece três grupos de atividades que formam o complexo
industrial da saúde. De modo geral, o primeiro grupo é formado por indústrias
químicas e biotecnológicas (indústrias farmacêuticas, de reagentes para
diagnósticos, vacinas, etc.), o segundo contem indústrias mecânicas, eletrônicas e
de materiais (equipamentos eletrônicos, órteses e próteses, etc.), e o terceiro
apresenta as prestadoras de serviços16 (hospitais, ambulatórios, clínicas de
diagnóstico e de tratamento). Para que isso ocorra é necessária uma interação entre
centros de pesquisas com o setor empresarial promovendo desenvolvimentos
científicos e tecnológicos essenciais para as inovações nesses três setores (p. 524-
525). Nesse complexo a presença do Estado é essencial,
mediante a compra de bens e serviços, os repasses de recursos para os prestadores de serviços, os investimentos na indústria e na rede assistencial e um conjunto amplo de atividades regulatórias que delimitam as estratégias dos agentes econômicos. (GADELHA, 2003, p. 525)
A partir de meados da década de 1980 com a concepção e aplicação do
Sistema Único de Saúde houve um “processo de inovação organizacional sem
precedentes” (GADELHA, 2003, p. 527), consolidando o Estado brasileiro como
“agente central e com presença penetrante em todo o território nacional na área da
saúde, possuindo um alto poder de regulação e de promoção das ações em saúde”
(GADELHA, 2003, p. 528).
O território brasileiro apresenta uma modernização seletiva configurando,
portanto, uma concentração de infraestruturas e empresas em São Paulo. Segundo
Almeida e Antas Jr. (2011, p. 3), o complexo médico-hospitalar reflete tal
16
Guimarães (2001, p. 157) fala da existência de um “corredor sanitário” ao redor dos serviços de saúde com a formação de diversas atividades, como restaurantes, terminais de ônibus, metrô, pontos de táxi, hotéis, etc. para atender os pacientes, configurando uma rede de serviços urbanos articulados aos serviços especificamente da saúde, como os consultórios, laboratórios de diagnósticos, hospitais, ambulatórios, faculdades, etc.
82
concentração, devido ao desenvolvimento do complexo industrial da saúde que
segundo Gadelha (2006) articula as indústrias de equipamentos, materiais,
medicamentos aos serviços médico-hospitalares.
Desse modo, tanto o Estado – e o papel das universidades públicas aí é crucial – quanto as corporações acabam produzindo uma expansão urbana corporativa, condicionadora e também condicionada pela expansão do SUS, que investe fortemente em instalações públicas no interior do estado (complexos hospitalares, centros de pesquisa, universidades em cooperação com Estado e corporações). (ALMEIDA; ANTAS Jr., 2011, p. 3)
O hospital é um sistema técnico-científico e cada vez mais informatizado,
objeto técnico central para a produção industrial e científica dos circuitos espaciais
produtivos da saúde capaz de gerar transformações nas cidades (ANTAS Jr., 2011a,
p. 1).
Há hoje no território brasileiro a formação cada vez mais consolidada de um complexo inseparável entre a oferta dos serviços de saúde e uma produção industrial especializada em diferentes tipos de insumos para clínicas e hospitais. Essa produção industrial, de nível bastante específico, requer tanto a produção de conhecimento aplicado quanto a pesquisa stricto sensu; requer instituições públicas
e privadas no estabelecimento dos elos entre os agentes produtivos, assim como para as regulações setoriais; e requer uma logística flexível, ágil e sofisticada que transporte com qualidade os produtos [...] Essa variedade de agentes econômicos em cooperação, que produz uma complexa divisão territorial do trabalho, é um dado que nos permite afirmar a existência de determinados circuitos espaciais produtivos da saúde. (ANTAS Jr., 2011a, p. 2)
A cada nova mudança no padrão técnico e tecnológico no âmbito da medicina
ocorrem alterações nas instituições hospitalares, a fim de incorporá-los, aumentando
os fluxos com as empresas especializadas associadas a programas do governo,
formando o que o Gadelha (2003, 2006) chamou de complexo industrial da saúde.
Determinados sistemas hospitalares também podem se configurar numa unidade produtiva. Para citar um exemplo, o Hospital das Clínicas em São Paulo, segundo seu relatório anual, produziu 16 milhões de medicamentos em 2008 (HOSPITAL DAS CLÍNICAS, 2009). (ANTAS Jr., 2011a, p. 3)
83
Segundo Antas Jr. (2011a), os complexos hospitalares funcionam como
pontos de convergência de interesses corporativos, consolidando-os como centrais
para os circuitos espaciais produtivos da saúde. Dentre eles temos o “consumo de
produtos industriais especializados”, mão-de-obra altamente especializada e
qualificada, além da associação muitas vezes de universidades com o
desenvolvimento de pesquisas aplicadas e stricto sensu (p. 4).
e com esses serviços de saúde, geralmente capitaneados pela presença de hospitais, dá-se uma enorme estratificação da divisão social do trabalho, que passa pela produção industrial, pelo comércio, pelos serviços de saúde propriamente dito, mas também por uma outra grande gama de especializações, atingindo por fim o setor terciário (ANTAS Jr., 2011a, p. 4)
A cidade apresenta uma dinâmica pautada na contínua transformação das
formas geográficas, ou seja, ocorrem refuncionalizações do espaço, que, em um
prazo maior, podem levar, se associadas a refuncionalizações em outros setores, a
transformações sócio-espaciais mais amplas – reestruturação da cidade. Desse
modo, as refuncionalizações dos objetos e sistemas técnicos levam a mudanças nas
estruturas constituindo as longas reestruturações urbanas (ANTAS Jr., 2011b).
Assim,
para que o sistema urbano passe a ter uma nova estrutura, se reestruture, é imperativo que a cidade incorpore as funções ditadas pela nova divisão do trabalho nas escalas superiores à formação socioespacial, preparando regiões funcionais para o acolhimento de uma nova lógica. A criação de regiões com alto grau de conteúdo técnico e informacional, sintonizadas com as lógicas hegemônicas, se daria, segundo essa proposição, por meio de refuncionalizações no espaço urbano, que acabam por interferir na totalidade da cidade, reestruturando-a (SPOSITO, 2004) e, em seu movimento conjunto, transformam a própria realidade urbana regional e mesmo do território nacional. (ANTAS Jr., 2011b, p. 2)
Nessa incessante transformação da cidade ocorre a incorporação de novos
objetos e sistemas técnicos que refletem as lógicas hegemônicas contemporâneas,
com isso os velhos objetos e sistemas técnicos são submetidos a refuncionalizações
com o objetivo de se adequarem a essa nova lógica do sistema produtivo (ANTAS
Jr., 2011b).
84
Os objetos ligados à saúde são em grande parte construídos e fornecidos por
grandes corporações desde as indústrias às prestadoras de serviços formando o
complexo industrial da saúde que exerce grande poder nas refuncionalizações dos
espaços da cidade adaptando ou implementando novos objetos e novos sistemas de
fornecimento e produção de insumos ao lado de transformações em outros ramos da
economia urbana como transporte, habitação, educação levando à uma
reestruturação da cidade e uma posterior reestruturação urbana (ANTAS Jr., 2011b,
p. 5).
Essas refuncionalizações decorrentes do complexo industrial da saúde
refletem o novo paradigma da medicina baseada na grande dependência de novas
tecnologias e conhecimentos científicos promovendo constantes mudanças nos
padrões tecnológicos que levam a grandes impactos na transformação da cidade
(ANTAS Jr., 2011b).
No estudo dirigido às refuncionalizações ocorridas numa cidade, é fundamental que se conheçam os períodos de modernização definidos pela implementação de objetos que, em conjunto, têm seus níveis técnicos identificáveis como pertencentes a uma mesma geração (RAYMOND, 1984). Cada geração técnica permite o delineamento de um período ou subperíodo da história da cidade. Portanto, a refuncionalização do espaço é intrinsecamente ligada à história das formas: as que desapareceram, aquelas das quais restam apenas resíduos e as que assumiram novos papéis em função de outras recém-criadas (SANTOS, 1994, p.69). É desse modo que a cidade, em seu funcionamento sistêmico, permanece sempre apta a acolher o nexo da divisão social e territorial do trabalho [...] (ANTAS Jr., 2011b, p. 9)
A implantação do SUS teve grande influência para a mudança de padrão
tecnológico proporcionando inovações tecnológicas tendo, portanto, importante
papel nas transformações de cidades (ANTAS Jr., 2011b).
Os complexos hospitalares com as mudanças tecnológicas associadas a
investimentos de conhecimento científico aplicado e de capitais de corporações e
instituições públicas e privadas contribuem para transformações no espaço urbano,
ou seja,
mudanças no espaço construído (chegando a atingir a circulação, o perfil de ocupação das classes de renda média e alta, a renda do solo urbano etc.) e também trazem consigo novas especialidades, movimentação de pequenos e médios capitais ofertando novos
85
serviços – que não se desligam dos complexos hospitalares e suas ofertas especializadas. E assim, sucessivamente, vamos observando mudanças nas funções locais dos objetos e sistemas técnicos: prédios de moradia vão cedendo lugar aos serviços; comércios gerais se transformam em especializados nos serviços de saúde e afins; instituições públicas e privadas dependentes de proximidade dos complexos hospitalares e dos locais de trabalho da corporação médica entre alguns exemplos, até o momento em que essas mudanças atingem uma escala regional, isto é, uma grande área da
metrópole e até mesmo um conjunto significativo da rede de cidades. (ANTAS Jr., 2011b, p. 12)
A área apresenta objetos técnicos de diferentes idades que refletiam, que
eram funcionais a uma lógica pretérita, no entanto todos estão, hoje, inseridos na
atual lógica. Mesmo com suas “cascas” antigas a Faculdade de Medicina e a maioria
das construções do Complexo Hospitalar do Hospital das Clínicas são referências no
ensino/pesquisa/atendimento médico brasileiro.
Conseguimos perceber, portanto, que as imagens fotográficas podem nos
revelar as refuncionalizações do espaço na medida em que nos mostram as
paisagens em diferentes tempos, que quando analisadas considerando as
ambiguidades que possuem e as associando a outras fontes (livros, artigos, notícias,
etc.) podemos alcançar a compreensão do espaço geográfico.
86
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A paisagem desenvolvida a princípio na arte foi se aprofundando conforme o
homem foi dominando a natureza e, com a crescente urbanização configurou-se
uma noção moderna de paisagem utilizada pelas ciências. Desde essa época tal
conceito abriga duas interpretações que se estendem até hoje na Geografia e na
fotografia: uma objetiva ligada à descrição dos objetos concretos, portanto científica;
e uma subjetiva referindo-se a uma descrição seletiva de acordo com os interesses
explicativos, ou seja, artística.
Debruçamo-nos, neste trabalho, com o intento de compreender a definição de
paisagem elaborada por Milton Santos. Para ele, este conceito abrange o domínio
do visível abarcando a realidade de forma superficial segundo a percepção de cada
um, não obtendo o conhecimento de fato, mas apenas uma aparência. Esta
paisagem é formada por objetos técnicos, formas naturais e também as formas
naturais humanizadas. Sendo os primeiros referentes a vários momentos das forças
produtivas refletindo por consequência várias técnicas, configurando uma
coexistência de objetos de diferentes épocas. Assim, a paisagem está intimamente
ligada à produção, já que a cada novo modo de produzir há a repercussão de formas
específicas de produção com a aplicação de novas técnicas, de circulação, de
distribuição, de consumo dando à paisagem uma existência histórica movida de
acordo com os movimentos culturais, políticos e econômicos. Temos uma somatória
de objetos de diferentes idades, os quais muitas vezes não apresentam a função
original, ou seja, aquela que motivou sua construção tornando as cidades
capitalistas uma “colcha de retalhos” já que a cada nova demanda elas vão se
adaptando sem a destruição completa do que já existia.
Em resumo, e para trazer uma comparação, a paisagem é aquilo que vemos
e por isso as fotografias se afiguram como um excelente recurso para conhecê-las
mais a fundo. Retomemos uma reflexão importante que deixa claro esta ligação.
A fotografia nasceu no momento em que o modo de produção capitalista
estava despontando, possibilitando o aumento das trocas, a urbanização, a
industrialização. Esse novo modo de se viver exigia uma nova forma de
comunicação e de informação adaptada às novas velocidades de desenvolvimento
87
das sociedades. É nesse contexto que a fotografia legitima-se como uma forma
rápida, mecânica e eficaz de representar esse novo mundo. Torna-se a possibilidade
de conhecimento do distante, do não visto, bem como a forma de representação da
nova lógica urbana e de uma coesão social construída por um imaginário coletivo do
que se retratava nas imagens.
As cidades foram fotografadas de forma exaustiva e o consumo dessas
imagens também foi igualmente grande. Isso pode ser verificado na cidade de São
Paulo o que nos possibilita conhecer as diferentes paisagens que se seguiram ao
longo do tempo.
A fotografia foi tida, e ainda é pela maioria das pessoas, como uma técnica
isenta, neutra, capaz de retratar a realidade da forma exata como aparece aos
nossos olhos. Está aí a questão que não queremos compartilhar. Assim como Milton
Santos, concordamos que a análise da paisagem só pode ser apreendida de forma
parcial, apenas sua aparência, o visível. O entendimento da paisagem só é possível
quando compreendemos o espaço geográfico o qual determinada paisagem está
inserida, ou seja, é somente pela totalidade que podemos compreender a
parcialidade. Isso só é possível através de pesquisa em variadas fontes que
culminaram em uma explicação do espaço, este entendido, para Milton Santos como
“um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações” de
diferentes idades, mas refletindo uma lógica atual, seja de forma totalmente inserida
no modo de produção capitalista, seja de forma marginal. Nesse sentido a fotografia
com determinada paisagem expressa é somente um primeiro passo para o
entendimento de uma realidade, um meio, e não um fim em si mesmo.
Aí reside a problemática das imagens fotográficas, tidas a princípio como
representantes da verdade, da exatidão trazida pela falsa crença na sua objetividade
já que são reproduções mecânicas, técnica em contrapartida aos desenhos que
eram carregados de subjetividade. Diante disso, alertamos para o cuidado que se
deve ter ao utilizar imagens fotográficas em trabalhos acadêmicos para não cairmos
da tendência geral do “ver para crer”, da falsa sensação de realidade.
Não somos a favor, no entanto, de abandonar a utilização das imagens
fotográficas em pesquisas científicas, apenas alertamos para como deve ser essa
utilização. Para isso, usamos uma metodologia de investigação de imagens
fotográficas organizada por Boris Kossoy, que segundo este autor deve ser utilizada
88
em pesquisas de qualquer ciência. A utilizamos, então, aliada a outras referências
que refletiam sobre as possibilidades e ambiguidades das fotografias e,
naturalmente, bibliografias geográficas que trouxessem uma reflexão conceitual que
possibilitasse a compreensão do que é retratado nas fotografias.
Dessa forma pudemos trabalhar as refuncionalizações espaciais ocorridas na
área do Complexo Hospitalar das Clínicas partindo das representações das
paisagens retratadas nas imagens fotográficas auferidas nos acervos do Museu
Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina/USP e do Museu
Paulista/USP. Foi possível verificar as transformações ocorridas na área do
Quadrilátero da Saúde em diferentes épocas refletindo as novas exigências da
técnica, do capital, da sociedade, da economia, transformando-se, hoje, em um
importante polo do Complexo Industrial da Saúde no Brasil, onde estão inseridas
partes importantes de diferentes circuitos espaciais produtivos da saúde em atuação
no território brasileiro, em especial no concernente à produção de conhecimento
aplicado e gestão organizacional. Alcançamos, assim, por meio da pesquisa o
espaço geográfico, uma compreensão da totalidade a partir das paisagens.
Diante das possibilidades, limitações e ambiguidades das imagens
fotográficas apontamos a necessidade do desenvolvimento de uma metodologia
geográfica para a utilização dessas imagens como fonte de pesquisa capaz de
revelar o que realmente é possível extrair de modo instantâneo ao observá-las,
possibilitando ir além do visível para alcançarmos a compreensão da totalidade.
89
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________. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4ª ed. 2ª reimpr.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. ________. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio Técnico-científico-informacional.
5.ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. ________. Pensando o Espaço do Homem. 5.ed. 2.reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. SANTOS, Paulo da Silveira. Cinqüentenário da Faculdade de Saúde Publica da USP. Rev. Saúde Pública [online]. 1975, vol.9, n.2, pp. 95-97. ISSN 0034-8910.
SEVCENKO, Nicolau. De mameluca, mulata e gótica a moderna, cosmopolita e caótica: as metamorfoses de Piratininga. In: São Paulo: 450 anos. Cadernos de Fotografia Brasileira. Instituto Moreira Salles. 2 ed., 2004. SILVA, James Roberto. De aspecto quase florido.Fotografias em revistas médicas paulistas, 1898-1920. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, nº 41, p. 201-216. 2001.
YUNES, João; CAMPOS, Oswaldo. O papel da Faculdade de Saúde Pública na formação de recursos humanos para a saúde. Rev. Saúde Pública [online]. 1984, vol.18, n.spe, pp. 61-66. ISSN 0034-8910.
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Endereço eletrônico consultado:
http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1900.php). Acesso em: 11 de agosto de 2011.
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ANEXOS
ANEXO A
História da Fotografia
História da fotografia
1550 Girolano Cardano (físico – Milão): descobriu que com o auxílio de uma lente biconvexa no orifício da câmara a imagem aumentava ficando mais clara e nítida.
1568 Danielo Barbano (veneziano) descobriu que era possível variar a nitidez da imagem aumentando ou diminuindo o orifício, surgiu, assim, o primeiro diafragma.
1573 Egnatio Danti (astrônomo e matemático – Florência) propõe utilizar um espelho côncavo para reinverter a imagem.
1604 Ângelo Sala notou que certo composto de prata escurecia se exposto ao sol.
1636 Daniel Schwenter (matemático) elaborou um sistema com três lentes combinando três distâncias focais diferentes. Até então a imagem era gerada na câmara escura, mas ainda era necessário um desenhista para gravar a imagem no papel.
1727 Johann Heirich Schulze provou que cristais de prata halógena quando exposta à luz transforma-se em prata metálica negra.
1777 Karl Wilhelm Scheele (químico) descobre que amoníaco funciona como fixador.
1793 Joseph Nicéphore Niépce gravou quimicamente imagens em negativo com a câmara escura.
1807 William Hyde Wollaston (químico e físico – Inglaterra) inventou uma máquina fotográfica capaz de projetar uma imagem sobre a tela.
1816 Niépce registrou imagens em um material coberto de cloreto de prata.
1819 John Frederick William Herschel descobre que o hiposulfato de sódio funciona como fixador fotográfico.
1826 Niépce produz a primeira fotografia permanente.
1934 William Henry Fox Talbot elabora os primeiros negativos em papel.
1935 Talbot obtém a primeira fotografia por meio do processo negativo/positivo.
1836 Daguerre descobriu que uma imagem podia revelar-se com vapor de mercúrio, diminuindo o tempo de exposição de horas para minutos.
1837 Data a foto mais antiga feita em um daguerreótipo.
1839 Herschel produziu a primeira fotografia em vidro; Daguerre anuncia o processo da tomada de foto com o daguerreótipo.
1840 Herschel em um pronunciamento cria os termos positivo e negativo; Talbot fez o primeiro retrato em papel pelo processo chamado Calótipo (desenvolvimento de uma imagem em pouco tempo de exposição);
1844 Talbot publica o primeiro livro ilustrado com fotografias.
1851 Frederick Scott Archer inventou o processo do colódio úmido que consistia em um algodão de pólvora com álcool e éter para juntar os sai de prata às placas de vidro.
1855 Archer e Peter Fry inventam o Ambrotipo, ou seja, processo no qual se obtinha o positivo diretamente sobre o vidro. Os retratos pequenos do tipo carte-de-visite.
1860 Herschel consegue a primeira cópia de imagens.
1880 Wratten & Wainwrigth e The Liverpool Dry Plate Co. fabricavam placas secas de gelatina substituindo o colódio, no entanto eram pesadas, frágeis levando muito tempo para substituí-las na câmera.
1888 John Carbutt inicia a fabricação de folhas finas capazes de receber a emulsão de gelatina; Eastman produz a primeira câmera Kodak, uma caixa leve e pequena que comportava um rolo de papel com 100 exposições. A medida que tirava-se uma foto o filme era enrolado em um carretel. Quando se chegava ao fim do rolo mandava-se para a fábrica em Rochester, onde era cortado, revelado e copiado.
1898 A Kodak lança uma câmera dobrável e de bolso.
1902 Eastman detinha 85% da produção mundial. E lança o slogan “Você aperta o botão e nós fazemos o resto”.
1907 Auguste e Louis Lumiére simplificaram o processo possibilitando a fotografia colorida.
1925 A Leica começa a ser produzida. É rápida, portátil, com troca de lentes e acessórios. É um impulso ao fotojornalismo.
1929 Frank & Heidecke lançam a Rolleiflex.
História da fotografia no Brasil
1832 Hercules Romuald Florence descobre um processo de gravação por meio da luz dando-lhe o nome de Photografie, antes de Daguerre e Herschel, deve-se a seu atributo de pai da fotografia.
1833 Inventou uma câmera fotográfica com uma chapa de vidro em uma câmara escura que por contato transmitia a imagem para um papel sensibilizado. Utilizava urina como fixador. Foi o primeiro a utilizar a técnica negativo/positivo.
1840 Louis Compte trouxe ao Brasil a fotografia; Dom Pedro II encomenda ao Compte um Daguerreótipo. D. Pedro II compõe um diversificado acervo com imagens de paisagens e de pessoas.
1860 A técnica do colódio chega ao Brasil.
1910 As primeiras máquinas da Kodak chegam ao nosso país.
1928 Conrado Wessel inaugura, em São Paulo, a primeira fábrica de papel fotográfico da América Latina.
1954 A Kodak compra a fábrica de Wessel.
1965 A Kodak lança a primeira máquina feita no Brasil, Rio 400.
1970 Fábrica de câmeras, papéis fotográficos (coloridos e preto e branco) e fotoquímicos é instalada em São José dos Campos.
Baseado na Coleção de negativos em vidro do Museu da Cidade do Recife: Trabalhos de Recuperação.
ANEXO B
ÁLBUM (CD)