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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN CAMPUS AVANÇADO “PROFª. MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM DEPARTAMENTO DE LETRAS – DL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – PPGL MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DO DISCURSO E DO TEXTO LINHA DE PESQUISA: DISCURSO, MEMÓRIA E IDENTIDADE A CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES DA MULHER TRABALHADORA EM REVISTA MÁRCIA BEZERRA DE MORAIS ORIENTAÇÃO: Profa. Dra. MARCÍLIA LUZIA GOMES DA COSTA PAU DOS FERROS-RN 2013

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN CAMPUS AVANÇADO “PROFª. MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM

DEPARTAMENTO DE LETRAS – DL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – PPGL

MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DO DISCURSO E DO TEXTO

LINHA DE PESQUISA: DISCURSO, MEMÓRIA E IDENTIDADE

A CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES DA MULHER TRABALHADORA EM REVISTA

MÁRCIA BEZERRA DE MORAIS ORIENTAÇÃO: Profa. Dra. MARCÍLIA LUZIA GOMES DA COSTA

PAU DOS FERROS-RN 2013

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN CAMPUS AVANÇADO “PROFª. MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM

DEPARTAMENTO DE LETRAS – DL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – PPGL

MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DO DISCURSO E DO TEXTO

LINHA DE PESQUISA: DISCURSO, MEMÓRIA E IDENTIDADE

MÁRCIA BEZERRA DE MORIAS

A CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES DA MULHER TRABALHADORA EM REVISTA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras – PPGL, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, Campus Avançado Profª. Maria Elisa de Albuquerque Maia – CAMEAM, como requisito final para obtenção do título de Mestra em Letras, na área de concentração: Estudos do discurso e do texto e linha de pesquisa: discurso, memória e identidade.

Orientadora: Profa. Dra. Marcília Luzia Gomes da Costa Mendes

PAU DOS FERROS-RN 2013

Morais, Márcia Bezerra de.

A constituição de identidades da mulher trabalhadora em revista / Márcia Bezerra de Morais. – Pau dos Ferros, RN, 2013.

122 f. Orientador (a): Prof.ª Dra. Marcília Luzia G. da Costa Mendes. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade do Estado do Rio

Grande do Norte. Departamento de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras. Área de Concentração: Estudos do Discurso e do Texto.

1. Discurso – Dissertação. 2. Mulher – Dissertação. 3. Trabalho – Dissertação. I. Mendes, Marcília Luzia G. da Costa. II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III.Título. UERN/BC CDD 401.41

Catalogação da Publicação na Fonte.

Bibliotecário: Tiago Emanuel Maia Freire / CRB - 15/449

A dissertação A constituição de identidades da mulher trabalhadora em revista, de autoria de Márcia Bezerra de Morais, foi submetida à Banca Examinadora, constituída pelo PPGL/UERN, como requisito final para obtenção do grau de Mestra em Letras, outorgado pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.

Dissertação defendida e aprovada em 31 de janeiro de 2013.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________________ Profa. Dra. Marcília Luzia Gomes da Costa Mendes - UERN

(Orientadora)

_________________________________________________________________ Profa. Dra. Marcela Carvalho Martins Amaral - UFERSA

(Examinadora)

_______________________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Paulo da Silva - UERN

(Examinador)

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Guilherme Paiva de Carvalho Martins - UERN (Suplente)

PAU DOS FERROS-RN 2013

DEDICATÓRIA

Às mulheres corajosas e destemidas de outrora que traçaram os meandros adversos com desenvoltura e nos possibilitaram o desembrulhar e reconstruir de um novo trajeto na sociedade atual.

AGRADECIMENTOS

Ao Deus de infinita bondade, inteligência suprema, por nos assistir na escalada de

aprendizado necessário ao bem comum.

Aos meus pais Maria Emília e Francisco Batista, pelo desvelo e apoio desde os

primeiros passos, auxiliando-me nos enfrentamentos necessários à vida.

Aos meus adoráveis irmãos Marcos, Marciana e Marcelo, pelo exercício da amizade

e afinidades providenciais na atual jornada.

Ao meu companheiro amor, Jean Pierre, pela cumplicidade e sintonia nas

experiências vivenciadas sob o embalo da ternura e carinho.

À minha querida orientadora, Marcília Gomes, pela confiança ao aceitar me conduzir

no descortinar desse trajeto de pesquisa.

Ao adorável professor Francisco Paulo (Paulinho), pela amizade e valiosas

contribuições ao longo de minha jornada acadêmica.

Aos professores: Marcela Amaral, Lúcia Helena Medeiros, Guilherme Paiva e

Francisco Paulo, por terem aceitado colaborar no aperfeiçoamento desse trabalho,

por meio de sugestões e apontamentos pertinentes no processo de elaboração

deste.

Ao Grupo de Estudos do Discurso da Universidade do Estado do Rio Grande do

Norte – GEDUERN, coordenado pelo Prof. Francisco Paulo, que tanto tem me

possibilitado aprendizado e crescimento, em especial aos professores: Lúcia Helena

Medeiros, Edgley Tavares e Ana Maria (Aninha).

A todos os funcionários do PPGL/CAMEAM, pelo modo envolvente e comprometido

que desempenham suas funções, especialmente Marília, secretária do PPGL.

Aos colegas da turma de mestrado, pelas conversações e companhia durante o

trajeto de idas e vindas à cidade de Pau dos Ferros-RN.

Aos professores do Departamento de Letras – UERN Campus Central: Aluísio

Barros, Leontino Filho, Gilson Chicon, Gilberto de Oliveira e Ady Canário, pelo

acompanhamento nos primeiros passos da minha graduação.

Escreverás meu nome com todas as letras,

com todas as datas,

-- e não serei eu.

Repetirás o que ouviste,

o que leste de mim, e mostrarás meu retrato,

-- e nada disso serei eu.

Dirás coisas imaginárias,

invenções sutis, engenhosas teorias,

-- e continuarei ausente.

Somos uma difícil unidade,

de muitos instantes mínimos,

-- isso seria eu.

Mil fragmentos somos, em jogo misterioso,

aproximamo-nos e afastamo-nos, eternamente.

-- Como me poderão encontrar?

Novos e antigos todos os dias,

transparentes e opacos, segundo o giro da luz,

-- nós mesmos nos procuramos.

E por entre as circunstâncias fluímos,

leves e livres como a cascata pelas pedras.

-- Que mortal nos poderia prender?

Cecília Meireles

RESUMO

Na tessitura dos discursos que fabricam as identidades femininas na contemporaneidade, a mídia, a serviço de determinadas instituições que detêm o saber e o poder, se vale de uma produção discursiva que expressa uma “vontade de verdade” no enquadramento da mulher para atender aos interesses de ordem política e econômica vigente (globalização, neoliberalismo). Com isso, emerge nas relações discursivas o funcionamento da política de controle e disciplina dos corpos para responder aos impositivos do mercado de trabalho, em que as profissionais devem aperfeiçoar habilidades intra e interpessoais, discurso esse ancorado na crescente competitividade que vem se acirrando no mundo dos negócios. Neste sentido, objetiva-se investigar como se produz identidades da mulher trabalhadora nas relações de saber-poder que tecem o mercado de trabalho na contemporaneidade. Destarte, essa feitura se filia à Análise do Discurso francesa e, dentro dessa perspectiva, este trabalho enfatizará categorias de análise, como: Formação Discursiva, Interdiscurso, Memória, Saber/Poder e Vontade de Verdade, abordando também os estudos sobre a mídia e identidade, nos quais se fundamentará como elementos imprescindíveis à análise do corpus em questão. Com isso, para vislumbrar as relações discursivas materializadas na elaboração, a seleção dos textos para constituir o corpus a partir do arquivo resultou em três revistas da VOCÊ S/A, impressa e digital, de edição especial para mulher, materialidades que serão trabalhadas a partir de um “trajeto temático”, possibilitando a delimitação em torno do “MERCADO DE TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE E PRODUÇÃO DE IDENTIDADES DA MULHER TRABALHADORA”. Assim, este trabalho de pesquisa torna-se relevante no sentido de facultar uma maior perscrutação das práticas discursivas em torno da discursivização da mulher trabalhadora nos dias vigentes. Logo, constatamos no movimento de descrição e interpretação das materialidades discursivas inscritas na revista VOCÊ S/A que, as identidades da mulher trabalhadora são construídas pelos jogos de verdade oriundos da relação saber-poder encetado nas práticas discursivas,definindo a sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Discurso. Mulher. Trabalho.

ABSTRACT

In the discourse texture that builds female identifies in the contemporaneousness, the media, in favor of ordinary institutions that have knowledge and the power, use discursive production to express a “will of truth” in the woman framing to reach the currents politics and economics interests (globalization, neoliberalism). This way, appear in the discursive relations of the bodies control and discipline politics running to answer the impositions work trade, where the professionals have to improve inner and interpersonal abilities, discourse-based on crescent competitively that happens in the business world. Thus, we have researched how woman’s worker identifies are produced in knowledge-power relations that weave the work trade in the contemporaneousness. So, this research is based on the French Discourse Analysis and, in this perspective, this work will emphasize analysis categories, such as: Discursive Formation, Interdiscourse, Memory, Knowledge-power and Will of truth, also considering media and identify as an essential element for corpus analyses. Thus, to view the discursive relation materialized in the construction, texts were selected to constitute the corpus therewith of the research, resulted in three printed and on-line VOCÊ S/A magazine issues, special edition to the women, materialities that will be analyzed therewith of a “thematic trajectory”, becoming possible the delimitation around the “WORK TRADE IN CONTEMPORANEOUSNESS AND THE WOMAN WORKER IDENTIFY PRODUTION”. This way, this research becomes important to a better comprehension on discursive practices around the discourse about the worker woman nowadays. So, we concluded in the description and interpretation movement of the discursive materialities in VOCÊ S/A that, the woman worker identities are built through true plays resulted from knowledge-power relations started in the discursive practices, defining contemporary society.

Keywords: Discourse. Woman. Work.

GRÁFICO

GRÁFICO 01: Perfil dos leitores da revista VOCÊ S/A............................... pág. 67

QUADRO

QUADRO 01: circulação da revista VOCÊ S/A........................................... pág. 68

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01: capa da revista VOCÊ S/A – dezembro 2010........................ pág. 70

FIGURA 02: capa da revista VOCÊ S/A – junho 2011................................ pág. 70

FIGURA 03: capa da revista VOCÊ S/A – novembro de 2011................... pág. 70

FIGURA 04: publicidade da MSD................................................................ pág. 75

FIGURA 05: publicidade da Piccadilly......................................................... pág. 78

FIGURA 06: publicidade Bayer Schering Pharma...................................... pág. 80

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS................................................................................ 12

CAPÍTULO 1: CAMPO TEÓRICO E ASPECTOS METODOLÓGICOS DA

PESQUISA............................................................................................................ 14

1.1 A IMERSÃO HISTÓRICA NOS FIOS DA TEORIA DO DISCURSO............... 14

1.2 EPISTEMOLOGIAS DA ANÁLISE DO DISCURSO........................................ 16

1.3 FACHO DE UM EVIDENCIAR DA DISCIPLINA TRANSVERSAL: TRÊS

ÉPOCAS DISTINTAS............................................................................................ 17

1.4 OBJETO DE INVESTIGAÇÃO DA TEORIA EM FOCO.................................. 22

1.5 OS DISPOSITIVOS DE ANÁLISE: DIRECIONANDO A PERSCRUTAÇÃO

DA PESQUISA....................................................................................................... 24

1.6 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA: SELEÇÃO E

CONSTITUIÇÃO DO CORPUS............................................................................. 32

CAPÍTULO 2: VISIBILIDADE DA IDENTIDADE FEMININA NA MÍDIA............... 36

2.1 A MULHER NAS VEREDAS DA HISTÓRIA.................................................... 36

2.2 GÊNERO E TRABALHO.................................................................................. 41

2.3 MULHER E COMPETÊNCIA........................................................................... 48

2.4 MULHER E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA..................................................... 54

2.5 A RELAÇÃO DO NEOLIBERALISMO E O DISCURSO CONSTRUÍDO

PELA/NA MÍDIA..................................................................................................... 59

CAPÍTULO 3: A CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES DA MULHER

TRABALHADORA EM REVISTA......................................................................... 66

3.1 VOCÊ S/A: PROJETO DE EDITORAÇÃO ..................................................... 67

3.2 RELAÇÕES DE PODER E CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DA

MULHER TRABALHADORA NA MÍDIA................................................................ 71

3.3 MOVIMENTOS DE INTERPRETAÇÃO: POSIÇÃO SUJEITO NA REVISTA. 84

3.4 O TRABALHO FEMININO NO FOCO DA MÍDIA: IDENTIDADE

TRABALHADORA/NEOLIBERALISMO................................................................. 96

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 105

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 107

ANEXOS................................................................................................................ 112

Anexo – 1: Mulher, um ser multitarefas................................................................. 113

Anexo – 2: Para você – Editorial | Lidere a mudança............................................ 114

Anexo – 3: Editorial – Inquietação e Inspiração..................................................... 115

Anexo – 4: Palavra de Homem – Elas, por mim.................................................... 116

Anexo – 5: Olhos no futuro.................................................................................... 118

Anexo – 6: Carreira – Opinião | Recado dos Presidentes..................................... 122

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

(...) as relações das mulheres com o poder inscreve-se primeiramente no jogo das palavras.

Michelle Perrot

As sociedades contemporâneas se configuram por agrupamentos que

atravessam constantes transformações de forma transitória e permanente, como nos

aponta Hall (2005), quando afirma que esse é um dos sinais diferenciadores entre as

sociedades tradicionais e modernas. Isso proporciona a criação de novas

identidades que não são fixas, visto que acompanham esse processo de mutação,

ocasionando uma “crise de identidade”, conforme nos elucida o autor mencionado.

Daí as identidades pessoais serem defrontadas por uma imensidade de identidades

possíveis, com as quais, transitoriamente, pode haver uma identificação que,

consequentemente, poderá ser passageira. Essas identidades, por sua vez, são

alvos da mídia, que na condição de meio de divulgação máxima, busca trabalhar a

construção discursiva desses novos sujeitos.

A despeito do exposto, os movimentos discursivos efetivados pela mídia

são produtos de retomadas, deslocamentos e muitas vezes inversões de sentidos

para a formação de significados, na tentativa de suprir as demandas do público alvo

a que as materialidades discursivas são dirigidas, com isso se constrói a história da

atualidade.

Nosso ponto de partida nesta dissertação, situa-se no aporte teórico da

Análise do Discurso de linha francesa, atravessada pelas reformulações de sua

teoria, lugar onde encontramos respaldo para analisar o corpus da pesquisa,

atrelado às contribuições de Michel Foucault e no diálogo da AD com outros campos

do saber, como os estudos do feminismo realizados por Perrot (2005, 2008) e Priore

(2009), apresentando um pouco de seu processo de lutas e enfrentamentos ao

longo dos tempos, dos estudos culturais, tais como desenvolvidos por Hall (2005) e

Barbosa (2008), que à teorizam acerca das identidades, bem como dos estudos da

mídia. Esse direcionamento nos leva ao território de constituição das identidades da

mulher trabalhadora na revista VOÇÊ S/A, foco e objeto dessa empreitada, trazendo

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reflexões em torno de sua inscrição na ordem discursiva mediada pela relação

saber/poder que tem nos aparatos midiáticos um espaço para o exercício do

funcionamento do poder.

Para cimentar as partes constituintes desse trabalho, sua organização se

dá em três capítulos. O primeiro capítulo, intitulado de Campo teórico e aspectos

metodológicos da pesquisa, refere-se à exposição do processo de constituição da

Análise do Discurso enquanto uma disciplina transdisciplinar, seu objeto de

investigação e os dispositivos de análise dessa orientação teórica. Ainda nesse

capítulo apresentamos o percurso metodológico da pesquisa, a delimitação e

constituição do corpus, a partir do trajeto temático mercado de trabalho na

contemporaneidade e produção de identidades da mulher trabalhadora.

No segundo capítulo, denominado Visibilidades da identidade feminina na

mídia, faz-se uma incursão no processo histórico a que a mulher foi submetida,

discutindo essa situação a partir da relação de gêneros, apontamentos em torno da

legislação trabalhista concernente à mulher e aspectos da relação Neoliberalismo e

a mídia na proliferação dos discursos que delineiam a mulher trabalhadora na

contemporaneidade.

Por fim, o terceiro capítulo, intitulado A constituição de identidades da

mulher trabalhadora em revista, discorre sobre a leitura e análise do corpus,

alicerçada pelos dispositivos teórico-analíticos da Análise do Discurso.

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CAPÍTULO 1

CAMPO TEÓRICO E ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Há sempre batalhas discursivas movendo a construção dos sentidos na sociedade. Motivo de disputa, signo de poder, a circulação dos enunciados é controlada de forma a dominar a proliferação dos discursos.

Gregolin

No esforço de compreendermos o conjunto de questões atinentes a uma

teoria do discurso, é imprescindível vasculharmos a historicidade dos conceitos

pelos quais imprimimos movimentos no campo do saber que nos inserimos. Essa

empreitada denota enveredarmos nos entremeios do caminho epistemológico

responsável pela composição da espessura teórico-metodológico da Análise do

Discurso de tradição francesa (doravante AD) como teoria.

Assim, no capítulo em questão, discorreremos sobre o surgimento desse

campo do saber e seu percurso de construção dos conceitos, explicitando a

historicidade de suas formulações nas tensas mobilizações, por meio das quais se

teceram os fios de uma nova perspectiva em torno do sentido, do sujeito e da

história. Para tanto, necessário se faz relançar o olhar sobre a constituição

interdisciplinar da Análise do Discurso a partir dos diálogos/duelos – turbulentos –

entre Michel Pêcheux e Michel Foucault (GREGOLIN, 2006).

1.1 A IMERSÃO HISTÓRICA NOS FIOS DA TEORIA DO DISCURSO

Inscrevendo-se no interior das teorias Linguísticas, o projeto inicial da AD

seguiu a contramão dos estruturalistas que propunham como objeto de investigação

a estrutura do texto “no próprio texto e por ele” versado por uma delimitação

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imanente do texto, o que se distanciava de uma abordagem analítica em torno de

sua exterioridade. A este despeito, é preciso pronunciar o intento fecundo em definir

seu campo de atuação, mediante a imprescindível construção de modos de

apreciação do corpora1 de forma precisa para a constituição de sua peculiaridade

epistemológica. A gênese dessa disciplina é proporcionada por Jean Dubois e

Michel Pêcheux, conforme Maldidier (2003). Nessa empreitada teórica, ambos

apresentavam postos ordinários devido à ligação com o espaço do marxismo e da

política.

A emergência desse campo de investigação incorreu, precisamente, da

réplica da obra de Pêcheux em torno da epistemologia da linguística, alvitrando a

análise dos processos discursivos. Com isso, imputaram-lhe um gesto fundador

(MALDIDIER, 2003), resultante de sua marcha teórica na confluência com diversos

instituidores que contribuíram para a edificação do campo teórico que deslocou

conhecimentos estáveis, derrocando convicções no ato de mobilizar outras teorias

na confabulação do caráter transdisciplinar da AD. Sendo assim, é do

entrecruzamento de variados domínios do conhecimento, especificamente três

territórios em pauta, segundo a proposição de Pêcheux, que se alicerçam os

estudos discursivos, a saber: o materialismo histórico, a linguística, e a psicanálise.

Assim, como pontua Gregolin (2007, p.6), essa teoria esta inicialmente alicerçada:

1. Na Linguistica, com a problematização do corte saussureano, dando a Saussure o lugar de fundador da Linguistica como sendo ciência e retomando a sua idéia de “real da língua” na noção de sistema; mas, ao mesmo tempo, centralizando a análise na semântica, com a ideia da não-transparência do sentido, da não-reflexividade entre signo/mundo/homem; 2. No Materialismo Histórico, por meio da releitura althusseriana de Marx, com a ideia de que há um real na história que não é transparente para o sujeito, pois ele é assujeitado pela ideologia; 3. Na Psicanálise, por meio da releitura lacaniana de Freud, com a ideia do sujeito na sua relação com o simbólico, pensando o inconsciente como estruturado por uma linguagem.

Essa convergência traja efeitos teóricos e metodológicos que

posteriormente segue novas alterações, nos anos 80, nos textos finais de Pêcheux, 1 Em sua fase primeira se estabelecia mais particularizado, sobretudo nos discursos políticos de esquerda.

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instigando novos caminhos esboçados, intentando descortinar percursos outros para

a AD, por intermédio da aproximação com outros estudiosos, sobretudo por meio da

aproximação de Pêcheux aos textos foucaultianos. Para o entendimento necessário

a essa aproximação e sua influência no projeto da AD, recorremos a Gregolin (2007,

p.7):

De Michel Foucault vem a problematização sobre a ciência histórica, suas descontinuidades, sua dispersão, que resultará na abertura do conceito de formação discursiva, na discussão das relações entre os saberes e os (micro) poderes, na preocupação com a questão da leitura, da interpretação, da memória discursiva. De Bakhtin vem a ideia da heterogeneidade, do dialogismo, da inscrição da discursividade em um conjunto de traços sócio-históricos, em relação ao qual todo sujeito é obrigado a se situar. Dos teóricos da nova história, como Michel de Certeau, Jacques Le Goff e Pierre Nora, vem as propostas de análises dos discursos do cotidiano, a reflexão sobre a escrita da história, a emergência da resistência.

Consubstanciada por esses aportes teóricos, a AD focaliza novas

materialidades que serão apresentadas em outro momento deste trabalho,

norteando apontamentos, sobretudo, para os quesitos em permanente ebulição na

teoria que acabam por abrigar clareiras em torno de novos objetos, que por sua vez

demandam novos métodos. Neste sentido é que momentaneamente discutiremos

sob o solo que assinalou a organização da AD.

1.2 EPISTEMOLOGIAS DA ANÁLISE DO DISCURSO

Os estudos concernentes à linguagem a partir dos anos 60 do séc. XX

ensaiaram uma nova configuração no modo de proceder quanto aos sentidos, por

meio das implicações advindas do contexto histórico da França. Amparado por duas

perspectivas, histórica e de sua estruturação, a conjuntura política e social favoreceu

a aparente demarcação do espaço linguístico em suas extremidades precípuas,

como explicita Sarfati (2010, p.105) “a língua, objeto inicial da Linguística, e o

discurso, considerado em sua pluralidade”.

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Na participação da perspectiva de Foucault e Pêcheux tornando em

questão não solvida o corte entre língua/fala e, com isso, propiciando regressar o

que havia sido deixado oblíquo no objeto da Linguística, insurge o sujeito e a

história. Destarte, da articulação dos deslocamentos operados, por meio das

releituras2 efetivadas a partir dos projetos de autores como: Saussure, Marx, Freud,

bem como do enlaçamento da “história” pelo prisma de uma “nova história”, insere-

se nos estudos da linguagem as noções de Sujeito, História e Discurso, que

decorreria mais tarde o objeto da Análise do Discurso. É nesse contexto aquinhoado

e evidenciado por cortes concebidos como instauração do processo metodológico,

assinalado por um ensejo epistemológico específico, que desponta a disciplina

versada.

A Análise do Discurso de linha francesa surgiu em 1960, encetando sua

edificação teórica na relação articulada entre a linguística e outros campos

disciplinares. Configura-se então, como um campo transdisciplinar conglomerando

em suas apreciações, diversas noções disciplinares, que possibilitaram

transformações e revisões dos conceitos já existentes na área da linguagem. Como

explica Gregolin (2006, p.34), “essas mudanças nas filiações teóricas e políticas irão

se refletir nos projetos de Foucault e Pêcheux e no percurso da construção da

análise do discurso”. Esse processo nebuloso, de intensa inquietação, é promovido

pelas alterações que se estabeleceram através das três distintas fases transitadas

neste campo, por meio das desconstruções advindas das reflexões, as quais surgem

em torno dos dispositivos, que viabilizam redefinições dos conceitos no campo da

Análise do Discurso.

1.3 FACHO DE UM EVIDENCIAR DA DISCIPLINA TRANSVERSAL: TRÊS

ÉPOCAS DISTINTAS

O sustentáculo epistemológico da AD é marcado por deslocamentos em

seu encadeamento de ideias, advindos da preparação desse campo teórico que se

2 Esse processo de releituras de Marx, Freud e Saussure, foram realizados por Lévi-Strauss, Lacan, Althusser, Foucault, Derrida.

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revela por meio de embates e rearranjos em sua constituição dimanando-se em

novas disposições e reorganizações da teoria em questão.

Esse construto pecheutiano é realizado pela reelaboração do aparato

teórico desse campo do saber, refletido nas três fases que acomete o processo de

formação teórico-metodológico dessa disciplina: AD1, AD2 e AD3, compendiado

didaticamente. Assim, como assinala Gregolin (2006, p.60),

O que foi chamado de “três fases da análise do discurso” por Pêcheux (1983b) revela os embates, as reconstruções, as retificações operadas na constituição do campo teórico da análise do discurso francesa. O solo epistemológico precisou ser revolvido e as mudanças delineiam os embates teóricos e políticos que surgiram de crises que atingiram a reflexão sobre como se dá a articulação entre o discurso, a língua, o sujeito e a História.

O que é denominado AD1, a então aventura teórica, como notabiliza

Maldidier (2003), funda-se na concepção de uma circunstância estruturalista pós-

saussureana, que conforme aponta Fernandes (2008, p.87), “pode ser

compreendida como um conjunto de discursos produzidos em um dado momento”. É

nesse sentido que Gregolin (2006, p.61) se expressa,

(...) trata-se de uma proposta teórico-metodológica impregnada pela releitura que ele faz de Saussure, deslocando o objeto, pensando a langue (sua sistematicidade; seu caráter social) como a base dos processos discursivos, nos quais estão envolvidos o sujeito e a História.

A demarcação inaugural que estabeleceu relações dos fios da formação

do novo objeto de investigação procede da obra de Pêcheux (1969) Análise

Automática do Discurso. O despontar dessa primeira “máquina discursiva”

representa o protótipo remanejado e mais tarde posto de lado, entretanto

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continuamente evidente e posto como “cavalo de tróia destinado a ser introduzido

nas ciências sociais para aí produzir uma reviravolta.”3

É nesse panorama que o sujeito é atravessado pela ideologia, sendo

tratado como assujeitado, pois, carrega a ilusão de ser responsável pela erupção do

discurso. Dessa forma, o sujeito é posto como dominado pelo que enuncia a partir

do estabelecido pelos elementos ideológicos, por estar a serviço da maquinaria

discursiva que se filia. Assim, Maldidier (2003, p.23) assinala que,

A referência às condições de produção designava a concepção central do discurso determinado por um ”exterior”, como se dizia então, para evocar tudo o que, fora a linguagem, faz que um discurso seja o que é: o tecido histórico-social que o constitui.

Essa composição perscruta o exame de discursos mais “estabilizados”,

que por sua vez pressupõe sua elaboração como decorrente de condições de

produção mais estáveis e homogêneas. Com isso, a noção de máquina discursiva é

considerada fechada em si mesma e responsável pela produção desse processo,

que demarca o discurso dado no mesmo espaço discursivo. Neste intento,

concernente ao método de análise dessa fase primeira da AD, Mussalim (2006,

p.34) aduz:

a) primeiramente se seleciona um corpus fechado de sequências discursivas (um manifesto político, por exemplo);

b) em seguida faz-se a análise lingüística de cada sequência, considerado as construções sintáticas (de que maneira são estabelecidas as relações entre enunciados) e o léxico (levantamento de vocabulário);

c) passa-se depois à análise discursiva, que consiste basicamente em construir sítios de identidades a partir da percepção da relação de sinonímia (substituição de uma palavra por outra no contexto) e de paráfrase (sequências substituíveis entre si no contexto);

d) por fim, procura-se mostrar que tais relações de sinonímia e paráfrase são decorrentes de uma mesma estrutura geradora do processo discursivo.

3 Expressão utilizada por Paul Henry.

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Em ângulo oposto espreita-se na fase da AD2, a noção de formação

discursiva perfilhada de Foucault, desencadeando acessibilidade e rompimento no

procedimento do objeto de análise da teoria. Desse modo, o dispositivo de análise

inicial apresenta fragilidades e, por conseguinte, ausência de eficácia em sua

aplicação o que, segundo Pêcheux (1997, p.314) anuncia, “começa a fazer explodir

a noção de maquinaria estrutural fechada uma vez que o dispositivo da formação

discursiva está em relação paradoxal com seu exterior”. Nas palavras de Fernandes

(2008, p.88),

Isto porque uma formação discursiva constitui-se de outras formações discursivas, de elementos que vêm de seu exterior, ao que Pêcheux denominou de pré-construído. Nesse momento de formulação teórica, aparece também no interior das reflexões a noção de interdiscurso designando o exterior de uma formação discursiva. Porém, a noção de sujeito discursivo permanece como efeito de assujeitamento à formação discursiva com a qual ele se identifica.

Já atinente aos procedimentos de análise, os deslocamentos

metodológicos permanecem idênticos ao momento que o precedeu, alterando,

sobretudo, quanto ao objeto a ser analisado, passando a discursos menos

“estabilizados”, devido ao direcionamento à heterogeneidade, dando procedência a

um período de polêmicas e alterações no interior da disciplina. Assim, como pontua

Mussalim (2006), “vale ressaltar, no entanto, que o fechamento da maquinaria ainda

é conservado, pois a presença do outro (outra FD) sempre é concebida a partir do

interior da FD em questão”.

Concernente à AD3, visualizamos a efetivação da desconstrução da

maquinaria discursiva fechada, bem como outros procedimentos até então adotados

como métodos nas fases anteriores. Neste sentido Fernandes (2008, p.89) elucida

que,

[...]a idéia de homogeneidade atribuída à produção do discurso é efetivamente abandonada, a idéia de estabilidade é banida em função do reconhecimento da desestabilização das garantias sócio-históricas; há o reconhecimento da não neutralidade da sintaxe; a

21

noção de enunciação passa a ser abordada e as reflexões sobre a heterogeneidade enunciativa levam à discussão sobre o discurso-outro.

O cenário é de encontro com a “Nova História”, instalando-se relações

com a teoria foucaultiana, o que desemboca na relação interdiscursiva, como nova

noção de objeto de análise. Nesta fase, Pêcheux viabiliza o ingresso de outras

possibilidades para análise com enfoque nos discursos do cotidiano, tornando viável

a investigação das artimanhas engendradas pela mídia4, a “língua de vento”, por

meio do surgimento do universo das imagens. Desse modo, provinha o momento de

inserção da análise dos discursos ordinários, as novas materialidades de um mundo

que se delineava como pós-moderno, o que exigia deslocamentos do projeto teórico

posto até então.

Assim, todo o contexto de 1980 favoreceu as variadas modificações que já

vinham sendo enunciadas desde os trabalhos de 1975, segundo nos aponta

Gregolin (2006, p.153),

As decepções políticas, a fragmentação das esquerdas, a crise simultânea do marxismo e do estruturalismo, a “morte” de Athusser levam Pêcheux a operar aquilo que Maldidier (1990) entende como uma “desconstrução dirigida”, isto é, ele reordena o projeto epistemológico a partir de uma desconstrução das bases longamente gestadas desde 1969.

A perspectiva que se apresentava no projeto epistemológico de Pêcheux,

evidenciava sua ruptura com as noções althusserianas, ao passo que estabelecia

paralelos com Foucault, Bakthin e a “Nova História”. Com isso, esses

entrecruzamentos traçavam os percursos que a Análise do Discurso passaria a

trilhar desde então.

4 Espaço discursivo que nos possibilita as materialidades discursivas para análise da pesquisa em questão.

22

1.4 OBJETO DE INVESTIGAÇÃO DA TEORIA EM FOCO

O aporte teórico-metodológico da investigação associa a língua com a

perspectiva histórica. Desse entrelaçamento, resulta a constituição do objeto teórico

da AD, o discurso. Nesse sentido, o discurso é concebido, então, como o lugar em

que se entrelaçam a língua, a história e o sujeito. Assim, para tentar elucidar o

objeto simbólico é necessário assinalar numa perspectiva linguística e sua

exterioridade, visto que a observação não se exaure na materialidade linguística,

contudo, se distende a formação do discurso e à possibilidade de enunciação. Com

isso, é possível realizar as práticas discursivas considerando a existência material do

discurso regido pela língua e pelo que foi dito (a estrutura e o acontecimento).

Segundo Orlandi (1996, p.49),

O analista de discurso vai então trabalhar com os movimentos (gestos) de interpretação do sujeito (sua posição), na determinação da história, tomando o discurso como efeito de sentido entre locutores. São, como dissemos, duas ordens que lhe interessam: a da língua e a da história, em sua relação.

Este campo teórico compreende a linguagem disposta no social e no

histórico, na relação de constituição do sujeito pela linguagem, bem como o mesmo

a constituindo, em que o atravessamento histórico da língua com o sujeito, sob o

olhar do analista, visa problematizar a produção dos efeitos de sentidos decorrentes

das materialidades discursivas da atualidade. Assim, esta teoria “concebe a

linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social”

(ORLANDI, 2009, p.15). Nesse sentido, o discurso se insere como intermediário

entre o sujeito e a realidade, o que se estabelece por meio da Linguagem, que por

sua vez é vista em suas relações com o sujeito e o momento histórico. Assim sendo,

o objeto de investigação da Análise do Discurso é o próprio discurso que consiste no

exercício da linguagem, como uma exterioridade efetivada pela/na materialidade

linguística. Assim, consoante Fernandes (2008, p.19),

23

(...) dizemos que discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente linguística. Referimo-nos a aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são pronunciadas.

Dessa forma, na abordagem do discurso, considera-se a língua em

movimento, atravessada pela história, pela ideologia, isto é, permeada pelos fios

sociais que a sustentam, tendo em vista os elementos exteriores à língua e ao

sujeito, produzindo o discurso historicamente. Em torno do sentido do termo

discurso, Orlandi (2009, p.15) diz “O discurso é assim a palavra em movimento,

prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando”.

Como o histórico e o social estão sempre em processo de transformação,

o mesmo ocorre com o discurso, pois os sentidos que dele emanam, são oriundos

da posição em que o sujeito se inscreve ideologicamente, bem como diante do

momento histórico e social no qual esteja inserido. Segundo Fernandes (2008, p.20)

“os discursos não são fixos, estão sempre se movendo e sofrem transformações,

acompanham as transformações sociais e políticas de toda natureza que interagem

a vida humana”. Por isso, os discursos sofrem transformações em consonância com

as modificações culturais e históricas da sociedade em que se inscrevem ao serem

produzidos. É assim que se torna possível falar sobre o mesmo assunto partindo de

lugares diferentes em perspectivas diferentes. Quando se produz o discurso este é

inscrito num espaço que é social, ideologicamente marcado e historicamente

produzido.

O sentido e os efeitos de sentidos são compostos na relação dos

interlocutores e se encontram em relação direta com as formações ideológicas em

que se assentam. Isso implica no atravessamento da história com a língua, pois o

sentido não está posto na essência das palavras. Nos termos empregados por

Pêcheux, citado por Fernandes (2008, p.22),

O sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não existe ‘em si mesmo’ (...) mas, ao contrário, é determinada pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas.

24

Considerando as condições históricas e sociais de produção que envolve

o discurso e o modo como a Análise do Discurso se propõe diante do seu objeto de

exame é que evocamos alguns dos conceitos trabalhados neste campo teórico para

estudar o discurso. São categorias analíticas, como: Formação Discursiva,

Interdiscurso e Memória, Saber/Poder e Vontade de Verdade. A seguir, será

discorrido sobre as noções dos conceitos mencionados, erigindo apontamentos

profícuos para o desencadear deste trabalho.

1.5 OS DISPOSITIVOS DE ANÁLISE: DIRECIONANDO A PERSCRUTAÇÃO DA

PESQUISA

Defronte a algumas categorias de análise de que dispõe a Análise do

Discurso, abordaremos os que são tomados na pesquisa em foco e que se fazem

essenciais em sua execução analítica, tais como Formação Discursiva, Interdiscurso

e Memória, Saber/Poder e Vontade de Verdade.

Em Análise do Discurso, os discursos quando proferidos inserem-se em

formações discursivas, as quais determinam o dizer, isto é, o que pode e deve ser

dito nas situações de produções, estando subordinado ao lugar e ao contexto

histórico de onde se fala e que podem na sua formação compor elementos oriundos

de outras formações discursivas. Conforme Pêcheux (1988, p.160),

Chamaremos então de formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.).

Como anuncia Foucault (2008), todo discurso é marcado por enunciados

que o antecedem e o sucedem, integrantes de outros discursos. Assim sendo, uma

Formação Discursiva se constitui por vários discursos que se combinam em certas

condições sociais exclusivas na construção de discursos outros. Com isso,

25

reiteramos que o contexto social e histórico estipula o dizer por meio das condições

de produção específicas. Sobre essa questão, Orlandi (2009, p.58) informa que,

“uma formação discursiva resulta de um campo de configurações que coloca em

emergência os dizeres e os sujeitos socialmente organizados em um momento

histórico específico”. Intentando aclarar a noção de formação discursiva, trazemos

Foucault (2009, p.43),

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva.

Para o arqueólogo, esse conceito remete a um apanhado de normas que

possibilitam o aparecimento de enunciados dispersos e heterogêneos, de condições

de existência (mas também de coexistência, de manutenção, de modificação e de

aparecimento) dos elementos a que estão submetidos os enunciados. Ainda

descreve a Formação Discursiva como um conjunto de enunciados que estão

imbricados no nível do enunciado e elucida que um enunciado pertence a uma

Formação Discursiva como ocorre a uma frase pertencer a um texto (FOUCAULT,

2009). Tal esclarecimento é produtivo no nosso trabalho, porque pudemos perceber

na prática discursiva midiática, em especial, o lugar de dizer constitutivo da revista

VOCÊ S/A, a materialização desses enunciados e de uma memória discursiva sobre

o tema mulher e mercado de trabalho e, desse modo, parece oportuno dizer que os

enunciados que essa revista produz inserem-se numa dispersão própria ao

funcionamento de uma discursividade sobre a relação mulher e mercado de trabalho

como objeto constituinte de nossa análise.

O que Foucault entende por enunciado está em sua articulação como

histórico, pois, para ele, todo enunciado é um acontecimento discursivo que reflete

as relações discursivas que possibilitam sua emergência. Assim esclarece

(FOUCAULT, 2009, p.51),

26

As relações discursivas, como se vê, não são internas ao discurso: não ligam entre si os conceitos ou as palavras; não estabelecem entre as frases ou as proposições uma arquitetura dedutiva ou retórica. Mas não são, entretanto, relações exteriores ao discurso, que o limitariam ou lhe imporiam certas formas, ou o forçariam, em certas circunstâncias, a enunciar certas coisas. Elas estão, de alguma maneira, no limite do discurso: oferecem-lhe objetos de que ele pode falar, ou antes (pois essa imagem da oferta supõe que os objetos de que ele pode sejam formados de um lado e o discurso, do outro), determinam feixe de relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais ou tais objetos, para poder abordá-los, nomeá-los, analisá-los, classificá-los, explicá-los etc. Essas relações caracterizam não a língua que o discurso utiliza, não as circunstâncias que ele desenvolve, mas o próprio o próprio discurso enquanto prática.

Com base na formação discursiva é que se busca a percepção do

processo de produção de sentidos, na captação dos diferentes efeitos de sentido,

produzidos no funcionamento discursivo, a partir das inscrições das posições sujeito

realizadas em uma dada formação discursiva. A esse respeito, Orlandi (2009, p.42)

comenta,

(...) o sentido não existe em si mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. As palavras mudam de sentido segundo a posição daqueles que as empregam.

Agora nos reportaremos a um outro conceito, o de Interdiscurso, também

imprescindível à constituição desse trabalho. Segundo Orlandi (2009, p.33), “o

interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que

determinam o que dizemos”. Com base nisso, pode-se dizer que se configura pelos

discursos presentes na formulação dos novos dizeres. Assim, para Orlandi (2009,

p.32), “o dizer não é propriedade particular. As palavras não são só nossas. Elas

significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa

em ‘nossas’ palavras”. Sendo desse modo, viável a invasão de outras formações

discursivas numa formação discursiva dada.

Courtine (2006, p.68/69), referindo-se ao interdiscurso, assevera que “todo

discurso concreto é dominado por um conjunto complexo de discurso, chamado de

27

interdiscurso, que serve como ‘material discursivo original’.” Trata-se, assim, de

diversos discursos entrelaçados no interior de uma formação discursiva que são os

discursos que voltam por entremeio da memória, a qual é resgatada e reformulada.

Fernandes (2008) explica que os discursos refletem uma memória coletiva

compartilhada pelos sujeitos, sendo formada por vários dizeres de uma memória

discursiva. Para a formulação dos discursos se recorre à memória coletiva, embora

se faça de modo autômato. Neste sentido, Fernandes (2008, p.60) ainda aponta que

“trata-se de acontecimentos exteriores e anteriores ao texto, e de uma

interdiscursividade, refletindo materialidades que intervêm na sua construção”.

Assim, a investigação de sentidos em AD é norteada pelo efeito de memória, por

meio da descrição e interpretação de materialidades discursivas, formada a partir da

exterioridade, anterioridade e língua, despontando um “espaço de memória” através

do funcionamento da discursividade. No trabalho da análise de discursos, é

imprescindível considerar essa dimensão da memória, esse já dito que perturba todo

o dizer, toda e qualquer manifestação discursiva.

Para Achard (2007), os efeitos de sentidos não estão presentes somente

na materialidade do texto, estes podem ser reformulados pela memória. Contudo,

cada significado pode ser atribuído a partir de uma memória social diferente,

dependendo do arcabouço de cada indivíduo. Por isso, considerar a memória

presente no discurso remete a memória discursiva como meio de efetivação dos

discursos. É nessa consideração que Maldidier (2003, p.96) se posiciona quando se

refere à produção discursiva: “o sujeito não é a fonte do sentido; o sentido se forma

na história através do trabalho da memória, a incessante retomada do já-dito; o

sentido não pode ser cercado, ele sempre escapa”.

Conforme Achard (2007, p.13),

Do ponto de vista discursivo, o implícito trabalha então sobre a base do imaginário que o representa como memória, enquanto cada discurso, ao pressupô-lo, vai fazer apelo a sua (re)significação, sob a inscrição “no vazio’ de que eles respeitem as formas que permitam sua inserção por paráfrase. Mas jamais podemos provar ou supor que esse implícito (re)construído tenha existido em algum lugar como discurso autônomo.

28

Veremos na análise do corpus que se segue que a memória é

imprescindível para se chegar à construção dos sentidos, pois é através do

interdiscurso que se realiza a interpretação das práticas discursivas. Assim, a

memória discursiva e coletiva se articula pelas diversas formas de manifestação da

linguagem no processo de construção social dos sentidos. Isso leva a pensar o

nosso objeto de estudo dentro de uma interdiscursividade que lhe é própria, que o

possibilita e o dota de significados no jogo da memória.

Com base no movimento da memória, a partir da análise discursiva de

Foucault (2009), engendrada pelo método arqueológico da noção de arquivo, vale

ponderar sua relevância, considerando as portas abertas para a percepção dos

preceitos das práticas discursivas existente numa sociedade. Isso, porque a

inscrição da memória no discurso se dá por meio do arquivo de um determinado

momento histórico. Para melhor aclarar esse processo nos ancoramos em Silva

(2010, p.73),

A noção de arquivo proposta por Foucault (2000) invade a Análise do Discurso a partir do trabalho de Courtine (1981) no qual apresenta a noção de “forma de corpus”. Para descrever a montagem de um corpus discursivo em AD, o autor não dissocia essa operação do arquivo e introduz a noção de memória discursiva na problemática do discurso político, para realizar a leitura dos efeitos de memória no discurso político endereçado aos cristãos.

Para conceituarmos esse dispositivo de arquivo como um sistema de

enunciabilidade responsável pela aparição do enunciado em forma de

acontecimentos singulares, sendo o delimitador do que se pode dizer, retomamos a

Foucault (2009, p.146), quando ele esclarece que “São todos esses sistemas de

enunciados (acontecimentos de um lado, coisas de outro) que proponho chamar de

arquivo”. Por sua proposição, percorrendo o raciocínio do filósofo em nosso

processo de análise, considera-se ser “evidente que não se pode descrever

exaustivamente o arquivo de uma sociedade” (FOUCAULT, 2009, p.148). Isso atesta

a inviabilidade de se analisar completamente o que se discursiviza acerca de um

determinado acontecimento, como Foucault assinala adiante “o arquivo não é

descritivo em sua totalidade; e é incontornável em sua atualidade”. Ademais,

29

prossegue o autor, colocando que além de ser o estipulador do que pode e convém

dizer, é o sistema que regula o surgimento dos enunciados-acontecimentos e,

simultaneamente fazendo com que, “as coisas ditas não se acumulem

indefinidamente em uma massa morfa”, por isso,

Trata-se antes, e ao contrário, do que faz com que tantas coisas ditas por tantos homens, há tantos milênios, não tenham surgido apenas segundo as leis do pensamento, ou apenas segundo o jogo das circunstâncias, que não sejam simplesmente a sinalização, no nível das performances verbais, do que se pôde desenrolar na ordem do espírito ou na ordem das coisas, mas que tenham aparecido graças a todo um jogo de relações que caracterizam particularmente o nível do discursivo (FOUCAULT, 2009 p.148).

Desse modo insiste Foucault (2009, p.147), aludindo ao fato de que o

arquivo define um nível particular, no que tange a uma prática, fazendo insurgir uma

variedade de enunciados detectados como acontecimentos regulares, permitindo-

nos perceber as práticas discursivas de uma sociedade e apontando seus preceitos,

pois “(...) entre a tradição e o esquecimento, ele faz aparecerem as regras de uma

prática que permitem aos enunciados subsistirem e, ao mesmo tempo, se

modificarem regularmente”.

Contudo, como expressa Guilhaumou e Maldidier (2007) o analista diante

de uma primeira leitura, deve considerar que o arquivo nunca é dado a priori, pois

seu funcionamento é opaco, isso se dá devido o arquivo possibilitar uma leitura que

conduz à emergência de dispositivos e configurações relevantes, por não ser

restringido a um simples documento.

Conforme Silva (2010), tomar esse dispositivo atrelado à memória, muito

possibilitou em termos de leitura’ do corpus, visto que o analista deve vislumbrá-lo a

partir do arquivo a que este se vincula, em que a existência do discurso está na

“heterogeneidade, isto é, no diálogo que trava com outros discursos (interdiscurso) e

que se repete ou se desloca nas condições de produção que o atualiza, somente

apreensível no espaço de memória.” (SILVA, 2010, p.78).

Silva (2010, p.80) ainda discorre em torno do gesto de leitura do analista

apoiado na perspectiva da noção de arquivo, apontando para a leitura do enunciado

30

como elemento deste, a seu turno lhe confere uma dinâmica, pois “no arquivo se

inscreve uma memória e, por isso, o arquivo remete a um conjunto de enunciados,

que uma cultura mobiliza, transforma, retoma, desloca ou mesmo conserva”.

Já o trato dispensado concernente ao poder e sua relação com o

discurso, os efeitos de verdades que dele emana por meio do saber/poder expresso

no discurso e atuando sobre os indivíduos, traz à tona o que fala Foucault (2009,

p.136) sobre a conceituação em torno do discurso,

(...) ele aparece como um bem – infinito, limitado, desejável, útil – que tem suas regras de aparecimento também suas condições de apropriação e de utilização; um bem que coloca, por conseguinte, desde sua existência (e não simplesmente em suas “aplicações práticas”), a questão do poder; um bem que é, por natureza, o objeto de uma luta e de uma luta política.

O poder5 é quem estipula numa dada época, o verdadeiro e o falso. Este

se articula na relação saber/poder ligada ao sistema de poder espalhado como

micro-poderes, estando em toda parte, isto é, legitimar, validar algo é questão de

poder. Por isso, na ótica de Foucault, não há saber que não se edifique nas tramas

do poder, que por sua vez não só atua na formação do saber, como também

influencia na constituição de sujeitos. Assim, o poder faz-se presente na sociedade,

esparge-se nas pequenas lutas do cotidiano. Segundo Machado (2006, p.168), seus

efeitos afetam:

A realidade mais concreta dos indivíduos – o seu corpo, e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder.

Com os meios de controle dos discursos existentes em nossa sociedade,

referindo-se aos “procedimentos de exclusão” vale ressaltar, nos termos de Foucault 5 Segundo a teoria Foucaultiana, o poder não é localizável e não é objeto que se possui. Ele é lugar de luta, relação de força. Ele se exerce e se disputa. O poder funciona como uma rede que se espalha na estrutura social com suas micro e poderosas ações, que estão em toda parte da estrutura social.

31

(2008, p.09), que “não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo

em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer

coisa”.

Destacamos dentre esses procedimentos a vontade de verdade, elegendo

saberes por meio das incursões do poder, executando desse modo, o despojar de

outros saberes. Desse modo, Foucault (2008) aponta para vontade de verdade

como uma maneira de exclusão discursiva, sendo um dos citados procedimentos

externos6 que visam conjurar os poderes e os perigos do discurso. Visto por este

prisma, o poder é constituidor de uma verdade sobre o indivíduo, sendo este uma

elaboração do poder, ou seja, uma fabricação desse sistema, necessário ao

funcionamento da sociedade capitalista. Sobre a ótica de Foucault, assim se

posiciona Machado (1979, p.XX),

A ação do corpo, o adestramento do gesto, a regulação do comportamento, a normalização do prazer, a interpretação do discurso, com o objetivo de separar, comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar, tudo isso faz com que apareça pela primeira vez na história essa figura singular, individualizada – o homem – como produção do poder. Mas também, e ao mesmo tempo, como objeto de saber. Das técnicas disciplinares, que são técnicas de individualização, nasce um tipo específico de saber: as ciências humanas.

Essas formulações sinalizam no procedimento de análise para o

acontecimento discursivo, tornando imprescindível tomar o discurso vislumbrando-o

em sua existência material e histórica, visando apreender os efeitos da verdade

impregnados pelas tramas do poder que age como uma força propulsora de

discursos sobre o sujeito e instância geradora de práticas discursivas. Ratificando

Foucault, citamos Silva (2004, p.174), visto que “não há saber que não se ligue às

estratégias do poder”.

Assim sendo, perfilhando a esteira da AD com as contribuições de

Foucault, entendemos os discursos das revistas que nos debruçaremos no tópico de

análise, como irrupções na atualidade, pelas condições de existências que

possibilitam a emergência desses discursos, em torno da mulher trabalhadora

6 Em conjunto com a segregação e a interdição.

32

contemporânea, tidos como verdadeiros. Faz-se necessário apreendê-los como

acontecimentos, oriundos das relações de saber/poder e, perceber o que não está

no visível, por esse mais que está posto. Na abordagem foucaultiana, da

arqueologia (FOUCAULT, 2009), há essa espécie de perspectiva metodológica,

indicando que no trato com o discurso há mais a se considerar do que o meramente

linguístico, pois que toda prática discursiva, segundo ele, liga-se a relações de saber

e poder espalhadas em diversos pontos de nossa cultura. No exercício analítico,

pois, “é esse mais que é que os torna [os discursos] irredutíveis à língua e ao ato da

fala. É esse ‘mais’ que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever” Foucault

(2009, p.55).

1.6 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA: SELEÇÃO E CONSTITUIÇÃO

DO CORPUS

A abordagem da pesquisa fundamenta-se no conceito de arquivo

apresentado por Foucault (2009), favorecendo historicizar os acontecimentos que

estão imbricados à temática do trabalho feminino. Buscou-se organizar um arquivo

composto de vários gêneros discursivos que mobilizam o imaginário social através

da discursivização midiática sobre a mulher e o mercado trabalho. Com isso, para

vislumbrar as relações discursivas materializadas na elaboração, no processo de

leitura do arquivo, a seleção dos textos para constituir o corpus, a partir do arquivo,

resultou em três revistas da VOCÊ S/A, das suas versões impressa e digital, na

edição especial para mulher, que será trabalhado a partir de um “trajeto temático”7, o

que possibilitou a delimitação em torno do tema “MERCADO DE TRABALHO NA

CONTEMPORANEIDADE E PRODUÇÃO DE IDENTIDADES DA MULHER

TRABALHADORA”, que por sua vez se desdobrará em três eixos investigativos que

norteiam a delimitação do corpus: 1) GÊNERO E TRABALHO; 2) MULHER E

COMPETÊNCIA; 3) MULHER E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.

7 Essa noção discursiva no procedimento de análise é recobrada, por meio da regularidade dos enunciados nas materialidades discursivas (na repetição de determinado tema), apontando para um trajeto temático. Por essa noção, entende-se “o conjunto de configurações textuais [cuja análise] remete ao conhecimento de tradições retóricas, de formas de escrita, de usos da linguagem, mas, sobretudo, interessa-se pelo novo no interior da repetição”. Guilhaumou e Maldidier (2007, p.166).

33

Assim, este trabalho buscará aporte teórico em um campo de estudo

abundante de investigação, que agrega a língua com aspectos históricos. Destarte,

essa feitura se filia à Análise do Discurso francesa e, dentro dessa perspectiva, este

trabalho enfatizará categorias de análise, como: Formação Discursiva, Interdiscurso,

Memória, Saber/Poder e Vontade de Verdade, abordando também os estudos sobre

mídia e identidade, os quais se fundamentam como elementos imprescindíveis à

análise do corpus em questão.

Desse modo, pautamos inicialmente, sobre um levantamento teórico de

alguns estudiosos que têm parte nos estudos da Análise do Discurso, como:

Pêcheux (1988), Orlandi (2009), Fernandes (2008) e Foucault (2008). Em seguida, o

trabalho voltar-se-á para autores que tratam sobre a história da mulher na

sociedade, com as contribuições de Perrot (2008), Beauvoir (1980), Fujisawa (2006)

e Rago (2009). Depois se delineará um diálogo com os estudos culturais e da mídia

como Hall (2005), Barbosa (2008), Silverstone (2005), dentre outros.

Assim, a questão de pesquisa da nossa investigação configura-se em:

Como se produzem identidades da mulher trabalhadora nas relações de saber-poder

que tecem o mercado de trabalho na contemporaneidade, no modo como tais

arranjos discursivos se materializam na revista VOCÊ S/A? Dito de outro modo, que

elementos são exigidos pelo mercado de trabalho na sociedade contemporânea

para produzir identidades sobre a mulher trabalhadora?

Importa ainda, apresentar os objetivos que norteiam essa pesquisa.

Assim, nosso objetivo geral é descrever/interpretar os mecanismos discursivos de

produção das identidades da mulher trabalhadora na contemporaneidade nas

materialidades discursivas da revista VOCÊ SA, por meio do qual se desdobrou os

seguintes objetivos específicos: 1) caracterizar a sociedade contemporânea com

foco nas relações saber/poder que a sustentam; 2) analisar nos discursos sobre a

mulher trabalhadora, elementos que são definidos pela exigência do modelo

sócio/econômico da sociedade contemporânea para delinear o perfil dessa mulher;

3) investigar as implicações da ordem das relações de gênero e da legislação que

determinam o perfil da mulher trabalhadora hoje; 4) averiguar a discursivização em

relação à mulher trabalhadora nas práticas discursivas do mercado de trabalho, tal

como essa discursivização se materializa na revista estudada.

Isso posto, o desempenho da pesquisa se efetiva na busca de alcançar

os objetivos traçados para esse fim, averiguando, na discursivização da mídia, os

34

mecanismos discursivos na inscrição da mulher trabalhadora, no que tange ao saber

que a mídia atualiza e o poder que exerce na mediação do real e do imaginário, para

impor a sua vontade de verdade e o funcionamento do poder na constituição da

identidade da mulher trabalhadora na contemporaneidade. Em face do exposto, vale

explicitar como se deu a composição do corpus da pesquisa.

Considerando que vivemos num período de “metamorfismo”, ou seja, uma

realidade social caracterizada por uma intensa e constante mutação que Bauman

designa de “vida líquida”, a identidade na contemporaneidade é tomada como uma

construção instável, contraditória e inacabada enquanto processo de produção que

aufere estreitas conexões com relações de poder (SILVA, 2000).

Assim, a identidade traja forças históricas revelando relações de poder e

saber que se imbricam através dos processos econômicos, sociais e de instituições,

tendo em vista a função que o poder executa na vida cotidiana, classificando os

indivíduos, atrelando-os a sua identidade que, para tanto, infunde determinadas

verdades que perpassam os discursos de uma dada época por meio de práticas

discursivas (FOUCAULT, 2009).

Nessa perspectiva, vários discursos midiáticos vão desenhando essa

“nova” mulher do século XXI, reservando-lhe uma identidade multifacetada,

apregoada obliquamente de um conjunto de funções que são atribuídas às mulheres

contemporâneas. Com isso, notamos que, nas relações sociais, a configuração

identitária feminina se reveste de novos saberes sobre si e sobre os outros, fazendo-

se necessário reconhecê-los como “verdades” para se instituir através da aplicação

de formas de comportamentos e sistemas de disciplinas, sendo esse um trabalho

realizado pela mídia, isto é, produzir essas discursividades como verdades.

Dito isso, percebendo o discurso como prática, importa ponderar o peso

dessas práticas discursivas sobre a forma como os sujeitos contemplam a si e aos

outros (FOUCAULT, 2009). Tendo em vista a produção discursiva da identidade nos

discursos da mídia que funciona como proeminente prática discursiva institucional,

tomamos, mais especificamente, o suporte midiático revista que alimenta

substancialmente essa prática, perfilhando, mediante o que nos é colocado pelo

mercado midiático no Brasil, a revista especial da VOCÊ S/A para mulheres. E para

dar razão à dileção pela revista, nos atemos em alguns aspectos, tais como: trata-se

da publicação de três edições especiais direcionadas para o público feminino

inserido no mercado de trabalho, isto é, dirige-se para a mulher que vivencia a

35

intensa competição no mundo dos negócios. Enfim, essa revista não se dirige a

qualquer mulher da sociedade; comportando em seus temas a questão do trabalho

feminino, essencialmente, a ponto de toda a revista ser produzida para a mulher

trabalhadora. Essa recorrência de discursos indica um campo fértil e promissor para

ser analisado e que atende aos objetivos da pesquisa.

Acerca do corpus aqui selecionado para análise, é interessante pontuar

que nos debruçaremos sobre os discursos que circulam na revista em toda sua

amplitude, não nos restringindo ao aspecto meramente verbal, mas também, as

imagens que as modelam. A importância disso se deve ao fato de a imagem ser

também um enunciado, pois como pontua Davallon (2007, p.31), “a imagem como

um operador de memória social no seio de nossa cultura” atua como um dispositivo

que pertence a uma estratégia de comunicação.

Nessa tessitura dos discursos que fabricam as identidades femininas na

contemporaneidade, a mídia, a serviço de determinadas instituições que exercem o

saber e o poder, vale-se de uma produção discursiva que expressa uma “vontade de

verdade” no enquadramento da mulher para atender aos interesses de ordem

política e econômica, vigente (globalização, neoliberalismo). Com isso, emerge nas

relações discursivas o funcionamento da política de controle e disciplina dos corpos

para responder aos impositivos do mercado de trabalho, em que as profissionais

devem aperfeiçoar habilidades intra e interpessoais, discurso esse ancorado na

crescente competitividade que vem se acirrando no mundo dos negócios.

Por isso, a relevância de uma leitura em apresentar a construção

discursiva da mídia sobre esse perfil de trabalhadora exigido pelo mercado de

trabalho, possibilita o entendimento em torno das construções de sentidos que

executam essa representação do feminino e a formação do conhecimento sobre a

sociedade, assim como viabiliza reflexões sobre como a linguagem é constitutiva da

construção das identidades da mulher trabalhadora na contemporaneidade.

36

CAPÍTULO 2

VISIBILIDADE DA IDENTIDADE FEMININA NA MÍDIA

É o olhar que faz a história. No coração de qualquer relato histórico, há a vontade de saber. No que se refere às mulheres, esta vontade foi por muito tempo inexistente. Escrever a história das mulheres supõe que elas sejam levadas a sério...

Michelle Perrot

2.1 A MULHER NAS VEREDAS DA HISTÓRIA

As sociedades modernas se configuram por agrupamentos que

experienciam constantes transformações de forma transitória e permanente. É o que

nos aponta Hall (2005) quando afirma que esse é um dos sinais diferenciadores

entre as sociedades tradicionais e modernas. Isso proporciona a criação de novas

identidades que não são fixas, visto que acompanham esse processo de mutação,

ocasionando uma “crise de identidade”, conforme nos elucida o autor mencionado.

Daí as identidades pessoais serem defrontadas por uma imensidade de identidades

possíveis com as quais transitoriamente pode haver uma identificação que,

consequentemente, poderá ser passageira. Essas identidades, por sua vez, são

alvos da mídia que na condição de meio de divulgação máxima, busca trabalhar

numa construção discursiva desses novos sujeitos.

Todavia, as materialidades discursivas que circulam na mídia não

denotam a realidade, pois em conformidade com os esclarecimentos de Gregolin

(2003), a mídia se apresenta como uma “construtora de imagens simbólicas”, ela

produz essas identidades por meio de discursos e imagens tais, que se assemelham

e sobrepõem-se à realidade. Dessa forma, ela exerce papel relevante na

constituição do imaginário social, tendo em vista as identidades serem construções

permanentes e em tempo algum serem esgotadas. Dessa maneira, a mídia veicula

37

uma interpretação da realidade, que faz circular saberes em torno da mulher

contemporânea.

A identidade feminina, ao longo do tempo, sofreu inúmeras

transformações, especialmente devido à conquista de novos papéis sociais, até

então, tidos como função masculina, haja vista o modo como a mulher era

considerada pela sociedade: um sujeito destituído de competências e habilidades

intelectuais imprescindíveis à resolução dos problemas sociais. Beauvoir (1980)

esclarece que, perdurou por certo período, um olhar sobre a mulher como um

“segundo sexo”, um ser subserviente ao homem, pois seu modo de vida

pressupunha que seu lugar era em casa, tendo em vista seu dever estritamente

voltado aos cuidados pela conservação da casa, bem-estar do marido, dos filhos

(provendo a criação e educação de sua prole), do trabalho doméstico, em sentido

mais amplo. Poucos feitos a mulher se dava ao direito de empreender, senão os que

abrangessem o serviço da dona-de-casa e dos cuidados com a família. A história da

mulher, conforme Perrot (2008, p.15),

(...) partiu de uma história do corpo e dos papéis desempenhados na vida privada para chegar a uma história das mulheres no espaço público da cidade, do trabalho, da política, da guerra, da criação. Partiu de uma história das mulheres vítimas para chegar a uma história das mulheres ativas, nas múltiplas interações que provocam mudança.

Mudanças neste cenário social, cultural e histórico puderam ser sentidas

de modo mais significativo a partir do século XX, porém, antes se faz preciso

recobrar algumas reminiscências da figura feminina associada às tarefas

domésticas, como sendo seu espaço reconhecido apenas no interior do lar.

Para se compreender a busca incessante pela emancipação é

imprescindível retomarmos o modo de vida dessas mulheres. Como elucida

Beauvoir (1980), na Idade da Pedra existia paridade entre homens e mulheres

concernente às atividades econômicas que apresentavam relevância à sociedade da

época. Ao homem se reservava a caça e a pesca, enquanto à mulher cabia a

agricultura. Porém, com o advento da propriedade privada, surge a escravidão (o

homem dirige-se aos serviços de outros homens), fazendo despontar a

38

preeminência do homem sobre a mulher, favorecendo ao desenvolvimento de uma

cultura a qual ela era vista, naquele contexto histórico, como direito de uso do

homem. Essa época deixou a mulher sob o comando do homem, sendo oprimida por

uma sociedade patriarcal que a ela só permitia o dever de obedecer. Beauvoir

(1980, p.16) ressalta que,

Legisladores, sacerdotes (como Aristóteles e São Tomás), escritores e sábios empenharam-se em demonstrar que a condição subordinada da mulher era desejada no céu e proveitosa à terra. As religiões forjadas pelos homens refletem essa vontade de domínio: buscaram argumentos nas lendas de Eva, de Pandora, puseram a filosofia e a teologia a serviço de seus desígnios.

Durante os últimos quatro séculos, o cenário histórico demarca um trajeto

feminino compacto de complexidade e diversidade nas experiências e

acontecimentos vivenciados pelas mulheres. Entre os séculos XIII e XIV, a moça era

entregue das mãos do pai para as mãos do padre e, em seguida, para as do marido,

pelo espaço de tempo em que se realizava o casamento. Nesta ocasião, era cedido

ao marido a responsabilidade por seus bens, pois juridicamente elas não detinham

nenhum direito de os reger conforme sua vontade. A postura adotada pela mulher

deveria se configurar de modo passivo diante do que lhe era imposto, colocando-se

em categoria inferior ao homem, subjugando-se. Em torno desse aspecto a feminista

Simone de Beauvoir (1980, p.75) se expressa: “a transmissão da propriedade faz-se

de pai e filho e não mais da mulher a seu clã. É o aparecimento da família patriarcal

baseada na propriedade privada. Nessa família a mulher é oprimida”.

O convento era um outro caminho a ser seguido para aquelas que, na

ausência de um candidato para levá-las ao altar, não pudessem constituir e ter um

lar com marido e filhos aos seus cuidados. O convento também era destinado

àquelas que porventura evidenciassem um raciocínio concludente com vestígio de

resistência. Contudo, Teles, citado por Fujisawa (2006, p.28), explica que a mulher,

entrando no convento, tinha acesso ao conhecimento, o que lhe possibilitava o

progresso intelectual e cultural.

Fujisawa (2006) expõe que no término do século XIII se encontravam bem

demarcadas as funções exercidas pelos homens e mulheres, competindo a ele

39

servir de escora no abastecimento familiar, o que à época se considerava trabalho

exercido apenas pelo homem, pois este tipo de trabalho era desempenhado fora dos

compartimentos domésticos. Já as tarefas circunscritas ao funcionamento da casa

sobejavam às mulheres que cabia desenvolvê-las com resignação e felicidade.

Nos escritos que manifestam a história da humanidade, à mulher foi

privada a possibilidade de estar presente nos feitos da vida, posto que fora

educadas para desempenhar funções tidas como secundárias que por sua vez, não

mereciam destaque nos relatos da história e, por conseguinte, não apresentavam

registro em torno dela. Assim, ela foi silenciada em seu percurso histórico.

De acordo com Perrot (2008, p.16), isso acontece,

Em primeiro lugar, porque as mulheres são menos vistas no espaço público, o único que, por muito tempo, merecia interesse e relato. Elas atuam em família, confinadas em casa, ou no que serve de casa. São invisíveis. Em muitas sociedades, a invisibilidade e o silêncio das mulheres fazem parte da ordem das coisas.

Perrot (2008) menciona ainda que “as mulheres ficaram muito tempo fora

desse relato, como se, destinadas à obscuridade de uma inenarrável reprodução,

estivessem fora do tempo, ou pelo menos, fora do acontecimento.” Desse modo,

poucos escritos se realizavam em torno do feminino, por isso há uma certa

dificuldade em vasculhar o passado delas mediante ausência de registros. A razão

do silêncio, segundo Perrot (2008, p.17) é “uma desvalorização das mulheres por si

mesmas” resultando no aniquilamento dos indícios das produções femininas,

sentenciadas por elas mesmas, considerando que valor nenhum teria aquelas

informações de ordem pessoal.

Após os movimentos feministas, que surgem no século XX, as mulheres

iniciam a aquisição ao direito à palavra pública, que ocorre simultaneamente com

sua independência, o espaço no mercado de trabalho, conquistas advindas de

árduas jornadas e lutas encabeçadas por elas que, ao saírem da vida privada para

angariar atividades outras, abarcam com empenho e dedicação o ganho pela

igualdade de direitos.

A presença feminina no mundo do trabalho exterior às dependências

domésticas resultou em opressão e exploração em demasia, defrontando com, como

40

coloca Rago (2009, p.578), “as longas jornadas de trabalho, os baixos salários, os

maus-tratos de patrões e, sobretudo, o contínuo assédio sexual”. As barreiras

arrostadas no intuito de granjear o ingresso em uma área que, até então, era

classificada como de pertencimento comum aos homens, passou a ser demarcada

por inúmeros impedimentos que, ainda segundo Rago (2009, p.582), “não se

limitavam ao processo de produção; começavam pela própria hostilidade com que o

trabalho feminino fora do lar era tratado no interior da família”.

No início do século XX, quando a industrialização abria um novo

panorama de atuação, os intelectuais e conservadores se esforçavam por fixar o

lugar das mulheres na sociedade. Foi assim, que a labuta passou a significar a

“desgraça” da honra feminina no social, visão que estava agregada à tentativa de se

fazer regressar a mulher ao espaço do lar. Como diz Rago (2009, p.585),

Muitos acreditavam (...), que o trabalho da mulher fora de casa destruiria a família, tornaria os laços familiares mais frouxos e debilitaria a raça, pois as crianças cresceriam mais soltas, sem a constante vigilância das mães. As mulheres deixariam de ser mães dedicadas e esposas carinhosas, se trabalhassem fora do lar; além do que um bom número delas deixaria de se interessar pelo casamento e pela maternidade.

Rago (2009) explica ainda, acerca da conquista do espaço público, sendo

aos poucos, as diversas profissões ocupadas pelas mulheres. E, após um processo

de intensa modernização na sociedade, viu-se, aos poucos, ser dissociada a

imagem pejorativa em torno da “mulher pública”, delineando sob os padrões

semelhantes aos que se estabelecia ao “homem público”, um ser que age à luz da

razão, intelectualizado e moralizado.

Mas, para se chegar a essas conquistas, tomemos dentro das ocorrências

do nosso tempo, os substanciosos rompimentos que são as revoluções e as guerras

(em consequência as mulheres assumiam os cargos dos homens nas indústrias),

contribuindo na transformação dessas fronteiras, além dos movimentos feministas

que proporcionaram as reivindicações pela equidade dos sexos. Assim é que as

mulheres foram tomando novos espaços no social, o que veio a refletir nas

41

identidades femininas, descentralizando-a de sua identidade tradicional que lhe era

peculiar, a de dona do lar, dando lugar à identidade de mulher trabalhadora.

Beauvoir (1980) elucida que foi pela via do trabalho que a mulher

amenizou significativamente a distância que a separava do homem, pois só o

trabalho pode assegurar-lhe uma liberdade concreta. Referente a essa posição,

pode-se inferir que, com a inserção da mulher no serviço assalariado, seu caráter de

rejeição à sujeição ao homem se concretiza definitivamente, facultando sua

afirmação enquanto senhora do seu próprio ser, dos seus anseios e decisões.

Com isso, desfaz-se o silêncio. Por volta de 1960, na Grã-Betanha e nos

Estados Unidos, despontam as mais expressivas batalhas enfrentadas pelas

mulheres que resultou em relevantes mutações em seu trajeto na história da

humanidade. Em 1970 esses acontecimentos surgem com maior intensidade na

França e em outros países. É quando a presença feminina imprime uma significativa

visibilidade no campo intelectual e nos demais setores, o que acarretou em

constantes transformações nas sociedades contemporâneas. Nessa época, os

posicionamentos passam por consistentes modificações, despertando o anseio por

uma nova história da mulher, o que possibilitou que sucedesse de forma irreversível

a consolidação de novas identidades, devido ao alcance das conquistas efetivadas.

Na tentativa de descrever como se deu essas batalhas entre os sexos e

sua relação com o mundo do trabalho é que discorreremos a seguir em torno

seguintes aspectos: gênero e trabalho, mulher e competência e mulher e legislação

trabalhista.

2.2 GÊNERO E TRABALHO

As diferenças entre homens e mulheres ao longo do transcurso das

épocas, deram-se notadamente por relações de poder, fixando normas e

convenções sociais. Na expressão célebre de Beauvoir (1980) “Ninguém nasce

mulher: torna-se mulher” exprime o apanágio masculino posto como natural,

relegando impetuosamente a opressão à condição feminina. Essa recorrente

imagem delineada e destinada às mulheres perdurou por muito tempo, resultando na

maioria das elaborações acerca dessa distinção um caráter essencialista, isto é, tido

42

como fenômeno natural, remetendo as características biológicas à justificativa das

disparidades sociais. Entretanto, mediante o despontar no escalão de uma

progressiva ocupação no espaço público, inevitavelmente emergiu profundas

alterações no panorama de vida dessas mulheres.

Para tanto, o desbravar das rupturas exigiu ações isoladas e coletivas na

contramão da habitual linha de segregação social e política a que as mulheres foram

historicamente colocadas. Seguindo esse diapasão, o conceito de gênero como nos

elucida Louro (2011), insurge imbricado ao brado do feminismo, e acompanha

historicamente e politicamente a batalha travada por esse movimento. Faz-se

imprescindível recobrarmos as trilhas dessa marcha de derrocadas das questões

tradicionais referente a ambos os sexos.

Assim, vale frisar a importância do movimento feminista para as

modificações advindas na esfera política e, especificamente, no modo de vida das

mulheres, como consequência da oposição acirrada ao discurso apregoado

culturalmente nas sociedades patriarcais, no que tange à discriminação em torno do

feminino, o que veio a ser basilar nos esforços empreendidos em desconstruir a

situação de submissão, intentando angariar os direitos paritários entre os gêneros.

Sendo neste cenário que as manifestações e enfrentamentos em contestação ao

que estava posto granjearam notoriedade, essa atuação de ordem maior do

movimento destacou-se em três momentos denominados por ondas. Nas palavras

de Perrot (2008, p.158),

O feminismo age como uma sucessão de ondas. No século XIX luta pela igualdade dos sexos (...). Na segunda metade do século XX, mais nitidamente após 1970, o feminismo luta pela “liberação” das mulheres e eventualmente pela igualdade na diferença. As mulheres descobrem e eventualmente seu corpo, seu sexo, o prazer, a amizade e o amor entre as mulheres, a fraternidade, a homossexualidade.

Na “primeira onda” de expressão pública, no então “sufragismo”, as

reivindicações visavam alastrar o direto do voto às mulheres. Contudo, para além

desse aspecto, ancoram-se eventualmente outras abordagens atreladas ao

funcionamento do grupo familiar, como o acesso à instrumentalização e a

43

possibilidade de assumir certas profissões (LOURO, 2011). Esta fase situa-se ainda

no século XIX até meados do século subsequente.

Já na “segunda onda” o movimento feminista se debruça sobre as

questões teóricas e sobre os direitos de igualdade, envolvendo injunções sociais e

políticas. Aqui se enceta e discute o conceito de gênero, iniciada no final da década

de 60 do século XX.

É, portanto, na “terceira onda” engendrada em 1990 e que perdura até os

dias vigentes, que o ideal de luta busca assegurar os direitos conquistados. Como

elenca Medeiros (2012, p.112), o enfoque das lutas será “por causas como respeito

às diferenças raciais, o fim da violência doméstica, a liderança do aborto e a

implantação e/ou melhoria de leis trabalhistas e judiciárias que beneficiem a mulher,

[...]”.

No tocante a alavancada empreendida pelo Feminismo, a noção de

gênero transcendeu a fronteira de ferramenta analítica, sendo compreendida como

produto das relações sociais e culturais, as quais se configuram de modo dinâmico e

mutável, isto é, as construções em torno do feminino e masculino são de ordem

historicamente produzida, o que implica tratar o valor de gênero como relações de

poder, como afirma o posicionamento de Louro (2011, p.26), “O conceito passa a ser

usado, então, como um forte apelo relacional – já que é no âmbito das relações

sociais que se constroem os gêneros”.

Butler (2010) traz à tona a discussão em torno da composição do

indivíduo em sua constituição, asseverando que sua subjetividade não se encerra no

quesito gênero. Para ela, o gênero não cabe ser tido como algo isolado, entretanto,

como resultado das relações estabelecidas com outras variantes identitárias

presentes em sua formação, consoante a autora nos elucida (2010, p.20),

Se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é; o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gêneros da “pessoa” transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas porque o gênero nem sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções com modalidades racionais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente construídas.

44

A autora esclarece ainda que, a estrutura binária de masculino e feminino

pulveriza a noção de identidade de gênero como independente, a partir de qualquer

outro aspecto que favorece a conjuntura do indivíduo, com base na desigualdade e

nos princípios que marcaram o processo histórico de formação desses universos em

extremidades díspares:

[...]a ‘especificidade’ do feminino é mais uma vez totalmente descontextualizada, analítica e politicamente separada da constituição de classe, raça, etnia e outros eixos de relações de poder, os quais tanto constituem a ‘identidade’ como torna equívoca a noção de identidade(BUTLER, 2010, p.21).

Seguindo esse raciocínio, o despontar da visibilidade feminina no

processo histórico não se restringe às reformulações acerca da masculinidade e

feminilidade derivadas das batalhas que se revestiram os movimentos feministas,

que por sua vez modificou de modo significativo a condição das mulheres,

instigando discussões voltadas ao “mundo das mulheres” (TOURAINE, 2007). A

atribuição se estende ao quesito relacional identitário, ou seja, ao entendimento do

gênero como constituinte da identidade dos sujeitos, avizinhando os Estudos

Feministas aos Estudos Culturais. Assim, indo ao encontro da afirmativa de que

gênero forma a identidade do sujeito, Louro (2011, p.29) explicita,

Nessa perspectiva admite-se que as diferentes instituições e práticas sociais são constituídas pelos gêneros e são também, constituintes dos gêneros. Estas práticas e instituições “fabricam” os sujeitos. Busca-se compreender que a justiça, a igreja, as práticas educacionais ou de governo, a política, etc. são atravessadas pelos gêneros: essas instâncias, práticas ou espaços sociais são “generificados” – produzem-se, ou “engendram”, a partir das relações de gênero (mas não apenas a partir dessas relações, e sim, também, das relações de classe, étnicas, etc.).

Com vista nessa conjuntura, insurge a implantação de uma supremacia

masculina baseada na lógica dicotômica, expressa por vários estudiosos em relação

ao masculino-feminino, regrado pelo posto a partir da referência e padrão

45

estabelecidos pelos discursos legitimados, dados pelo/no universo masculino. Nisso,

ao longo dos anos, múltiplos são os arranjos que dividiram os espaços,

acompanhando a lógica da oposição, como, o público e o privado e produção e

reprodução, tendo em vista a intenção de torná-los fixos e permanentes, o que

delineou as atuações masculinas e femininas na constituição do dominante e

dominado.

Enquanto a contribuição feminina no aspecto social restringia-se ao papel

de mantenedora do equilíbrio doméstico, para o homem era projetado à instância

primeira na cidadania social, garantida pelo trabalho produtivo masculino. Este,

situado no patamar das regalias que lhes eram atribuídas, ocupa, seja na vida

pública ou privada, papel de destaque, sendo tomado como ser superior, relegando

à mulher tornar-se algo a partir de sua sombra. A implicação desse processo

respinga na concepção de que ela era para ele como um “ser para o homem”,

aniquilando as possibilidades de ela tornar-se ser criadora essencial de suas

escolhas. Isso traça seu destino. Referindo-se a essa situação, Beauvoir (1980)

alertava sobre a imprescindível postura de mobilização, visando conscientizar as

mulheres da urgente quebra de paradigmas quanto à submissão e inferioridade

econômica. Descrevendo sobre a histórica dominação masculina, Bourdieu (2010,

p.82), assim se expressa:

A dominação masculina, que constitui as mulheres como objeto simbólico, cujo ser (esse) é um ser percebido (pircipi), tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro pelo e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos, atraentes, disponíveis. Delas se espera que sejam ‘femininas’, isto é, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas.

Conforme considera Hirata (2002), a maneira de ensinar às meninas a

respeitarem os homens, a atender à regra de obediência ao pai, no papel de esposa

ao marido e na figura da idosa ao filho mais velho, serviria à preparação das

mulheres para o trabalho produtivo – chamadas profissões femininas, ou então

arroladas somente para as tarefas domésticas, concernente ao casamento – o

trabalho reprodutivo. Nisto confere, os ritos de passagem que como pontua a autora

46

“são também lugares privilegiados do aprendizado da divisão sexual, em que se

tomam costumes e tradições antigas” (HIRATA, 2002, p.136).

De fato, essas abordagens se dão por uma ação de controle e

manutenção da ordem, permeada pelo discurso que impunha a preeminência

masculina por meio de práticas discursivas que estabeleciam essas instâncias de

dominação, que, segundo Bourdieu (2010, p.46), “são produtos de um trabalho

incessante (e, como tal, histórico) de reprodução, para o qual contribuem agentes

específicos (entre os quais os homens, com suas armas como a violência física e a

violência simbólica) e instituições, família, Igreja, Escola, Estado”.

No dizer expressivo de Perrot (2005, p.468), “Tão longe quanto se possa

olhar no horizonte da história, vê-se apenas a dominação masculina”, não obstante

essa asserção encontre ressonância na estrutura dominante imposta e

experienciada pela maioria, considerando que essas práticas tenham sido forjadas

pela/na desigualdade entre homens e mulheres, ainda assim essas verdades

demarcadoras nem sempre foram reconhecidas e acolhidas de modo pacífico, pois,

em meio a esse contexto, despontava as resistências e reações às forças

opressoras.

O que se observa, considerando os estudos feministas, são os olhares

destinados as relações de poder, vislumbrando o lume acerca do silenciamento a

que arrastaram as mulheres no transcurso de coadjuvantes do cenário polarizado e

imposto. Em contrapartida, as leituras de Foucault lançam uma nova aurora no

modo de conceber essas relações de poder.

Foucault (2011) compreende que o poder deveria ser apreendido como

“uma estratégia”, desarranjando a tradicional ideia de poder atrelado ao conceito de

detenção material, de posses, não se tratando de prerrogativas de um indivíduo,

mas envolto e espalhado como por uma teia, por toda a sociedade. Para corroborar

essa explanação, segue abaixo o pronunciamento de Foucault (2011, p.29),

(...) o poder nela exercido não seja concebido como uma propriedade, mas como uma estratégia, que seus efeitos de dominação não sejam atribuídos a uma “apropriação”, mas a disposição, a manobras, a táticas, a técnicas, a funcionamentos, que se desvende nele antes uma rede de relações sempre tensas, sempre em atividade.

47

É necessário destacar que o funcionamento do poder para o autor se dá

entre sujeitos aptos a resistir e que essa ideia de dissociação instituída não se aplica

a sua teoria, pois a suposta relação dominação/submissão pode configurar-se como

meio de resistência e modificação do modelo social construído a partir das

contestações, reações e das defesas travadas, diligenciando o sujeito esquivar-se

da subordinação do outro. Neste sentido, o autor propõe ainda que, se preste “como

modelo antes a batalha perpétua que o contrato que faz uma cessão ou a conquista

que se apodere de um domínio” (FOUCAULT, 2011, p.29).

Mediante o exposto, outro aspecto central de resistência à situação

colocada como destinação da mulher, está situado na luta pelo direito do trabalho

remunerado, à vida pública como ato social por excelência, levando a autonomia

econômica como condição necessária para a conquista de sua independência.

Destarte, o envolvimento da força de trabalho feminina à disposição da produção,

vinculada ao exorbitante número de mulheres que adentraram no mercado de

trabalho, bem como as incansáveis mobilizações dos movimentos de trabalhadoras,

oportunizaram novas conjunturas no processo de conquista de igualdade entre os

gêneros.

Vale ressaltar as ocorrências enfrentadas pelas mulheres em seus

empreendimentos para angariarem o acesso livre ao trabalho produtivo,

possibilitando a ampliação do universo feminino na sociedade e tornando-o um lugar

de realce em suas vidas, o que veio a desestabilizar os papéis a priori dados como

sucessão de fatos certos na vida das mulheres. Neste direcionamento, grupos de

mulheres lutaram por introjetar nas fileiras sindicais novos parâmetros culturais, por

intermédio de ações, debates e reinvindicações que dimanaram no atravessamento

das fronteiras estorvantes e impeditivas no alcance dos patamares estruturais de

representação até então exercidas somente pela figura masculina, como as

diretorias das organizações sindicais, partidos políticos, associações, dentre outras,

como pronuncia Giulani (2009, p.647),

(...), os debates travados nos períodos das eleições sindicais e o fortalecimento dos grupos de oposição sindical, também no campo, estimulam uma série de ações pontuais em que muitas trabalhadoras tornam-se sindicalistas ativas.

48

Visava-se com isso, repaginar as relações de ordem familiar e do trabalho

que, como efeito, resultou paulatinamente uma modificação acerca da noção de

feminilidade, “difundindo novas proporções que reafirmam o princípio de equidade

dos sexos e são debatidas modificações na ordem cultural e jurídica” como ainda

esclarece Giulani (2009, p.649).

No tópico seguinte refletiremos em torno do “protótipo da profissão

feminina” que na expressão de Perrot (2005, p.252), são colocadas questões

atreladas às qualidades reais femininas revestidas por um envoltório de qualidades

tidas ‘naturais’, ‘inatas’, no que tange à ‘feminilidade’, visando desvendar os saberes

que estipularam as competências relacionadas à mulher, definindo seus lugares,

assim como “codificando-as” e “limitando-as” por meio da divisão sexual do trabalho

impetrada na ardilosa armadilha da diferença.

2.3 MULHER E COMPETÊNCIA

A invisibilidade do trabalho feminino tem resquícios na oriunda divisão

sexual do trabalho sob a instância da relação de gênero concernente a produção e

reprodução, ligadas às atividades humanas e caracterizadas pelas funções

biológicas que as condicionavam. Nos termos de Prehn (1999, p.59), “essa idéia nos

parece, num primeiro olhar, muito lógica, já que corresponde a características

biológicas que determinam a diferença entre os sexos”. Entretanto, esse prisma

estava alicerçado na aparente proposição existencial feminina e simultaneamente

confinadora de suas potencialidades que, em decorrência de sua condição física, foi

impedida de edificar e elaborar outro trajeto histórico. A autora mencionada, ainda

elabora a seguinte afirmação (1999, p.60),

Segundos os arquétipos femininos e masculinos, o mundo do homem é o da força, da cultura, do poder, o mundo externo, das disputas, da esfera pública, e para isso ele é educado. Por sua vez, o universo da mulher é o da fraqueza, da sujeição, da natureza, o mundo interno, da mediação, da esfera privada, e para isso ela é preparada.

49

Feita essa ponderação Prehn (1999, p.63/64) nos apresenta dois eixos

relevantes a serem considerados. Vejamos:

A justificativa biológica para essa divisão presta-se para alijar a mulher do desenvolvimento tecnológico, artístico e cultural, assim como do mundo econômico. [...] ao sistema de isolamento ao qual a mulher foi submetida, exercendo uma atividade restrita e comunicando-se, basicamente, no âmbito familiar, [...].

Nessa esteira, em que prevalece negativamente a divisão sexual do

trabalho, inscreve-se a noção da função subalterna referente ao feminino em

oposição ao imperativo da “excelência” masculina, favorecendo a subestimação do

“segundo sexo” (MELO, 2009). No mesmo diapasão, referindo-se aos efeitos dessa

divisão, corrobora Nogueira (2004, p.18) quando afirma que foi se “reservando para

as mulheres espaços específicos que, na maioria das vezes, se caracterizavam pela

inferioridade hierárquica, pelos salários menores e pelas capacidades inatas”.

Esses arranjos que delineavam a estrutura organizacional do mundo do

trabalho, por meio das dissociações dos feitios de atuações masculinas e femininas,

não resultaram no enfraquecimento e na anulação da participação feminina no

universo produtivo, embora se verificasse os intensos enfrentamentos de ordem

variada – desde as más condições de trabalho até a ausência do reconhecimento de

suas capacidades profissionais – a que estiveram submetidas. Ao contrário, ainda

que, a ordem patriarcal8 instituísse a obediência feminina como forma de

permanência de submissão a eles – os homens – e, assim, continuasse a agir sob o

encargo do “senhor”, ou seja, à sombra da tutoria masculina em qualquer esfera da

vida, elas exerciam um papel fundamental na economia, conquanto por sua dolorosa

atuação concomitantemente nas duas esferas – privada e pública. Para ilustrar um

pouco esse oceano de opressão e exploração demasiada, citaremos Rago (2009,

p.581):

8 Sistema de poder, alicerçado na supremacia do homem em diversas sociedades e culturas que, por muitos séculos permeou a estrutura social, sobretudo as relacionadas ao Ocidente.

50

As barreiras enfrentadas pelas mulheres para participar do mundo dos negócios eram sempre muito grandes, independentemente da classe social a que pertencessem. Da variação salarial à intimidade física, da desqualificação intelectual ao assédio sexual, elas tiveram sempre de lutar contra inúmeros obstáculos para ingressar em um campo definido – pelos homens – como ‘naturalmente masculino’. Esses obstáculos não se limitavam ao processo de produção; começavam pela própria hostilidade com que o trabalho feminino fora do lar era tratado no interior da família.

Na medida em que o efeito dessa conjuntura vinculava-se ao feminino,

enquanto mulher trabalhadora, recobrava-se a recorrente disseminação da

moralidade social, ancorada por diversos setores que investiam exorbitantemente na

proliferação do discurso da ameaça à honra feminina e embutia a redefinição do

lugar da mulher na sociedade, atendendo ao interesse de estabelecer rígidas

fronteiras entre a esfera pública e privada, conduzindo-a ao seu posto de “rainha do

lar”, que na época era a identidade precípua da mulher – a de mãe e esposa –

fortemente revigorada e fundamentada no intento de fragilização dos laços da

instituição familiar. Os discursos argumentavam no sentido do afastamento do arrimo

e dedicação feminina, no abandono e desleixo às necessidades do lar que levavam

a uma desagregação do “ninho sagrado” da família (RAGO, 2009).

Outra formulação concernente a essa discussão permeada pela distinção

no âmbito dos espaços da labuta entre homem e mulher, encontra-se presente na

afirmação de Perrot (2005, p.198), ao nos alertar para o momento ápice dessa visão

naturalista que referenciava a desproporcionalidade entre as espécies:

O século 19 levou a divisão das tarefas e a segregação sexual dos espaços a seu ponto máximo. Seu racionalismo procurou definir estritamente o lugar de cada um. Lugar das mulheres: a Maternidade e Lar a delimitam totalmente. A participação no trabalho assalariado é temporária, ritmada pelas necessidades da família, que comanda, remunerada com um salário complementar, condicionada às tarefas chamadas de não-qualificadas, subordinadas e tecnologicamente específica. ‘Ao homem, as madeiras, os metais. À mulher, a família e os tecidos’, diz um texto operário (1867). A lista dos ‘trabalhos de mulheres é cotidiana e limitada.

51

Nessa lógica, atravessada por essas “verdades disciplinadoras” que se

traduziam por padrões de condutas estabelecidos, consolidavam-se saberes em

torno das tarefas menos valorizadas, tidas como femininas, fomentando as

diferenças entre as práticas profissionais. Essas diferenças foram produzidas

discursivamente, por meio de criações sociais e culturais na construção de certas

identidades que arrebataram como alusão o homem, a partir do qual se fixou o

diferente, a mulher, sendo produzida ordinariamente, por oposições binárias (SILVA,

2011).

Isto expõe a definição e enquadramento da força do trabalho da mulher

em relação ao aspecto da reprodução, composta pelas atividades denominadas

“domésticas” e respondendo pela necessidade da família. Por isso, no tocante a

caracterização dos trabalhos domésticos dados como tarefas de auxílio e

complementar, brota-se a desqualificação do feminino através da manifestação no

plano simbólico dessa invisibilidade (MELO, 2009).

Ademais, claramente desqualificado pelos desmandos masculinos, o

trabalho feminino, mesmo adentrando de forma significativa no mundo produtivo,

após o advento do capitalismo, veio a sofrer intensa ampliação na divisão sexual do

trabalho, conduzindo inquietações a respeito da feminilidade e a compatibilidade

com o trabalho assalariado, reservando-lhe espaços que se assinalavam pela

inferioridade hierárquica, pelo salário ínfimo e por emoldar em competências

dispostas a “natureza feminina”, reforçando a premissa de que homens e mulheres

desfrutam habilidades distintas, cabendo à mulher a esteira do sentimento, a

reprodução, a sensibilidade e a docilidade “o que permitiria à mulher desempenhar

trabalhos mais minuciosos, “delicados”, de precisão e de paciência, etc”, conforme

Prenh (1999, p.66). Corroborando esse pensamento recobra Tavares (2012, p.131),

Muitas das profissões exercidas vieram como uma extensão do lar. Não era permitido às mulheres assumirem toda e qualquer profissão, mesmo porque, como não era permitido que levassem os estudos adiante, muitos profissões como médica, juíza, diplomata, entre outras, eram-lhes obviamente impossível de serem assumidas. Era a divisão social/sexual do trabalho em ação. Restavam-lhes então as profissões que estavam relacionadas aos cuidados domésticos e maternos, como costureira, enfermeira, secretária, professora primária ou ainda os trabalhos nas fábricas.

52

Face ao exposto, percebe-se outro aspecto a obstaculizar a mudança do

cenário posto, tratava-se da espécie de atuações possíveis e até certo ponto

aceitáveis, pretendendo com isso, conservar as mulheres em determinados serviços

que possibilitassem recobrar suas habilidades e caracteres “naturais”, ou seja, que

desenvolvessem ao menos “trabalhos femininos”.

No âmbito das profundas mudanças que assolaram o mundo, a despeito

da urbanização e o processo da industrialização, novas relações de poder são

inseridas na ordem social, estabelecendo novas perspectivas de ‘trabalhos

femininos,’ como investimento na redefinição de seus lugares, e induzindo

‘especificidades’ para elas (PERROT, 2005).Nessa ordem, destacou-se também a

desvalorização das qualidades femininas, entendidas como próprias de sua natureza

e fruto do provimento dessa divisão sexual do trabalho. Para Melo (2009, p.167),

isso “impõe um alto custo para as mulheres pelo conjunto das funções produtivas.

Seguramente sua disseminação consolida a subestimação das atividades realizadas

pelas mulheres na família”.

A despeito do posicionamento feminista mediante o exposto, em torno da

invisibilidade do trabalho feminino imbricado às desqualificações do trabalho

doméstico Melo (2009, p.167) assevera que “o trabalho doméstico e trabalho

produtivo/improdutivo funcionam como um iceberg para a questão da inferioridade

feminina” e ainda sugere uma “abordagem transversal e multidisciplinar, que

desenhe um quadro geral do papel feminino na sociedade, recuperando aquelas

atividades ignoradas do mundo capitalista”.

Ainda segundo Melo (2009, p.169), fazia-se urgente superar essa

barreira, favorecendo a implantação de outra imagem feminina, “eliminando as

limitações que as marginalizavam ou as tornam invisíveis, seja nas atividades

domésticas, seja nas atividades públicas e produtivas”. Além disso, as inquietações

feministas contribuíam para disseminação das altercações sobre os modos de

viabilizar o apreço do papel da mulher nas duas modalidades de serviço, tanto a

reprodução como na produção.

Contudo, com o desdobramento da reestruturação produtiva, com o

processo de feminização9 e as novas delineações da divisão do trabalho na

contemporaneidade, desencadeou um aumento da mulher trabalhadora nos

9 Universo do trabalho assinalado por vigorosa presença feminina – “acentuado crescimento do trabalho feminino, o que tem sido denominado a feminização do trabalho”. (NOGUEIRA, 2004 p.67)

53

enfrentamentos das organizações políticas e sindicais, conferindo o envolvimento no

confronto ao discurso conservador que ditava o caminho a ser seguido pelas

mulheres. Nisto, afirma Nogueira (2004, p.36),

É nessa época que o combate à opressão contra a mulher torna-se mais acentuado; era preciso, mais do que nunca, lutar pela sua emancipação econômica e social, pelo seu direito ao trabalho, com todas as especificidades que isso implica, como, por exemplo, salários iguais para trabalhos iguais, além da reivindicação de uma divisão mais justa no trabalho doméstico, na esfera produtiva, libertando, ao menos parcialmente, a mulher da dupla jornada.

Ainda sob o olhar de Nogueira (2004), vale observar que, com a política

neoliberal os efeitos atraídos a esse novo panorama de transformação significativo à

condição de trabalho feminino, trouxe expressiva feminização do trabalho,

restituindo visibilidade positiva concernente à concretização de seu processo

emancipatório, conquanto em situações vulneráveis centradas pela desigualdade de

salário entre homens e mulheres, sinalizando para o fato de coexistir nas mesmas

ocupações de atividades. Nogueira (2004, p.71) aponta tais diferenças “concentram-

se em faixas distintas de salários, apontando para uma acentuada desigualdade em

relação aos valores médios pagos para os trabalhos realizados conforme o sexo”.

Assevera a autora sobre a precarização do trabalho, afetar com rigor a mulher

trabalhadora, tornando mais visível a desigualdade de gênero.

Dentre as especificidades de maior precarização da força de trabalho

feminina, abarcando como dimensão estendida à maneira pela qual se exerce a

desigualdade entre os gêneros na esfera produtiva, aponta-se a flexibilidade,

sugerida na aplicação da jornada de trabalho que consiste na “mão-de-obra

feminina” contratada em tempo parcial (HIRATRA, 2002). Articulando a noção

abordada, Nogueira (2004) valida ratificando que a maior presença feminina se fazia

dentro dos setores que exigissem menor tempo de trabalho, isso devido ao feitio das

modestas jornadas resultarem nas menores remunerações, como também em

instabilidade e empregos provisórios.

No intento de rastrear a raiz motivadora dessa premissa engendrada com

fins definidores, sendo viáveis em função do primado do trabalho feminino doméstico

54

em detrimento da mulher trabalhadora (HIRATRA 2002). No mesmo diapasão, pela

via empreendida por Perrot (2005, p.251), assim assinala:

(...) as ‘profissões de mulheres’, aquelas que afirma serem ‘boas para uma mulher’, obedece a certos números de critérios que determinam limites. Consideradas como pouco monopolizadoras, elas devem permitir que uma mulher realize bem a sua tarefa profissional (menor) e doméstica (primordial).

Com efeito, na mobilização dos argumentos acerca do percurso de

feminização, expõe a historiadora Perrot (2005, p.258) que “não é necessariamente

uma conquista triunfante, mas a consagração de uma retirada. O emprego misto não

é, nunca, uma indiferenciação, mas sim uma nova hierarquia das diferenças”.

Defendendo a ideia de que esses setores destinados à capacidade feminina são, na

verdade, deserdados pelo universo masculino, que objetiva a perpetuação de um

apanágio do trabalho e da vida pública, como sendo o seu lugar – de homem,

garantindo novos espaços somente para eles. Concluindo, a autora pontua que “a

noção de ‘profissão de mulher’ é uma construção social ligada à relação entre os

sexos. Ela mostra as armadilhas da diferença, inocentada pela natureza [...]”.

2.4 MULHER E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA

A questão do trabalho presente na jornada feminina não acompanha

concomitantemente o processo de ascensão e conquista de sua vida pública, muito

pelo contrário, não se trata de algo novo em suas vidas, embora tenha sido

categorizado por muito tempo de secundário, seja pela condição de apêndice do que

seria seu papel primordial, ou por significar um complemento à renda familiar.

Referindo-se a esse ponto, exprime Calil (2007, p.97) que “Muito embora mulheres

sempre tenham trabalhado, ainda que dentro de casa em afazeres domésticos, só é

considerado trabalho feminino quando esta se une ao mercado de trabalho, formal

ou informal”. Contudo, o que se nota, são barreiras enfrentadas pelas mulheres em

torno da história do direito. Essas, por sua vez, foram conquistadas e resultou na

55

evolução do panorama legal, ou seja, no aspecto legislativo, efetivando de modo

gradativo o seu direito de validar espaço isonômico na sociedade.

No entanto, como se haveria de supor, esse trilhar jurídico expressa a

instalação institucional e legal da concepção da mulher numa dada sociedade.

Assim, foi imprescindível a superação do paradigma jurídico que legitimava

evidentemente a supremacia do homem, expresso em privilégios que afirmavam

categoricamente, sendo exarado por Lei, a dominação masculina.10

O acesso ao avanço jurídico em relação à legislação trabalhista brasileira

experimenta influência da Organização Internacional do Trabalho (OIT)11, reunindo

leis referentes ao período de gestação, acometendo na igualdade dos salários e na

coerção dos trabalhos noturnos. Intentando demonstrar esse processo, trazemos

Calil (2007, p.28),

O decreto n. 21.417 – A, publicado em 17 de maio de 1932, regulamentou o trabalho da mulher nos estabelecimentos industriais e comerciais, proibindo o trabalho noturno, em subterrâneos, nas minerações em subsolo, nas pedreiras, em obras de construção pública e nas atividades perigosas e insalubres. Garantiu a igualdade salarial para trabalho de igual valor, sem distinção de sexo e, ainda, assegurou proteção à maternidade [...].

Calil (2007) elucida que, o processo de concretização especificamente da

regulamentação do trabalho da mulher atravessou diversos ângulos, dentro os quais

nos deteremos a seguir:

- a) Inicialmente aponta a fase de exclusão, aqui as formas de

significação do trabalho da mulher não possuía nenhuma regulamentação, nem

sequer existia compreensão de que mulher pudesse trabalhar além das fronteiras do

10 Somenteem 1912, teve início no Congresso Nacional a tramitação de um projeto de Código do Trabalho, trazendo uma legislação para o trabalho da mulher, prevendo que a mulher poderia contratar emprego independente da autorização marital, entretanto, ainda assim os parlamentares reagiram a esses dispositivos, causando rumor devido a alguns defenderem que seria desonrosa à figura do marido que, a mulher contraísse emprego sem a sua permissão. 11 Criada em 25 de janeiro de 1919 na Conferência de Paz (fazendo parte do Tratado de Versalhes que tinha por missão estudar a situação do trabalhador internacionalmente), objetivando construir um código internacional do trabalho no que concerne ao combate à discriminação no trabalho em todas as suas formas e a universalidade das leis trabalhistas para atender a paz mundial.

56

lar, caso insistisse o fazia à margem da lei – forçando-as a inserirem-se no mercado

informal, sem nenhum amparo legal;

- b) Por conseguinte, apresenta-se a fase de proibição no que confere à

labuta de determinadas atividades, a exigência de declaração marital para execução

de algum serviço e impondo restrições, dando um caráter provisório ao trabalho

feminino;

- c) Em seguida desponta a fase de proteção (marcada por convenções e

recomendações), em meio a várias modificações tecnológicas e sociais ocorre esse

deslocamento e justificam-na apenas por conveniência da sociedade da época,

entretanto, ainda permeado por coerções como é o caso do trabalho noturno, exceto

com base em certas exceções e condições que, como expressa Calil (2007, p.119)

“só permitido nos casos em que a mulher laborava com membros da sua família ou

mediante a apresentação de atestado de bons antecedentes”. Isso se ancora na

concepção da fragilidade feminina como meio de distanciá-la de determinados

setores do trabalho e por efeito reforçar a divisão dos espaços no âmbito do

trabalho, assim como impondo limitações concernentes a ambiente (insalubre ou

perigoso), duração, segurança e higiene do trabalho12. Para Calil (2007, p.106) “tais

proteções ainda que soem protetivas, na verdade vedam que mulheres concorram

igualmente às vagas com os homens”, porém na passagem para a fase seguinte

essas proibições foram sendo abolidas, restando;

- d)Transição para um viés promocional que, buscando viabilizar a

igualdade entre os gêneros, baseou-se no princípio da igualdade no trabalho. Assim,

os preceitos de natureza proibitivos passaram a sucumbir deixando insurgir novas

prescrições que intentam assegurar condições dignas de acesso ao espaço público

de modo paritário para as mulheres e os homens. Contudo, como esclarece Bertolin

e Andreuccin (2010, p.157) “somente em casos em que se observe uma diferença

razoável entre a condição feminina e a masculina, adotam-se normas direcionadas

especificamente ao trabalho feminino.”

Essa nova fase do direito do trabalho, denominada por direito

promocional, tem por finalidade, assegurar acesso uniforme e extirpar as proibições,

com isso favorecendo a uma maior contratação, permanência e especialmente

incentivo a trabalhadora no mercado de trabalho que busca um equilíbrio entre a

12 Objetivando a preservação da reprodução da espécie pela mulher, como garantir meios de realização de seus deveres familiares.

57

promoção da igualdade de gênero. Através das palavras de Calil (2007, p.120), essa

fase é assim definida,

(...) hoje o que se busca é a promoção da igualdade de oportunidade no mercado de trabalho entre homens e mulheres. O direito do trabalho da mulher atualmente fomenta a isonomia entre os gêneros, apenas admitindo diferenciação onde ela, de fato, tem lugar, como nos casos de diferenças sociais, nos casos em que a mulher é discriminada, e a lei procura coibir esta mesma discriminação.

Segundo Calil (2007) a conjuntura exposta somente foi possível com o

advento da Constituição Federal de 1988 que, no texto constitucional, procura

promover a igualdade entre homens e mulheres garantindo condições de

empregabilidade, de salários e de acesso a cargos, funções e promoções análogas.

Desse modo, o princípio da igualdade posto como meio de enfrentamento à barreira

de discriminação ao trabalho feminino, tendo em vista a dignidade da trabalhadora,

logo nos artigos iniciais da Carta Magna, ratifica-se em três momentos, de modo a

desviar quaisquer suspeita referente ao princípio da isonomia. Essa questão se

expressa das seguintes formas na Constituição Federal:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXX - proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

58

Como reforço ao supracitado, citamos a Consolidação das Leis

Trabalhistas13 e a Lei Ordinária n. 9.029/95, respectivamente:

Art. 5º A todo trabalho de igual valor corresponderá salário de igual, sem distinção de sexo.

Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, (...).

Dentre as normas ilustradas, toda a legislação orienta as ações

concernentes ao aspecto trabalhista, procurando a consecução da isonomia entre os

gêneros, no que tange à proibição expressa de trato discriminatório. Destarte, várias

foram às modificações legislativas no espaço trabalhista que, na descrição de Lopes

(2006, p.426) são referentes à,

a) o abandono do princípio de “proteção da mulher”, mediante revogação de normas falsamente protetivas (Leis 7855/89 e 10244/01); b) redimensionamento das normas de proteção à maternidade nos âmbitos trabalhista e previdenciário (art. 392 e seguintes da CLT, com acréscimos da Lei 9799/99 e Lei 8213/91 com redação aperfeiçoada por Leis subsequentes); c) instituição de normas de combate à discriminação e meios de assegurar a igualdade (Lei 9029/95 e 9799/99).

Por isso, o direito do trabalho passou a ser considerado promocional.

Obviamente isso não resulta na extinção total de todas as normas “falsamente”

protetivas no que compete à mulher, como também na execução ampla da

promoção do trabalho desta. Assim, há muito o que ser feito, pois, embora se tenha

13 Entrou em vigor em 1943, sob a égide da constituição de 1937, trata-se de uma compilação de leis esparsas já existentes que regulavam diversas ocupações, sendo reunidos os textos legais sobre direito individual do trabalho, direito coletivo do trabalho e direito do processo do trabalho, além de novas normas.

59

certas garantias na Legislação, é sabido que na vida prática não existe uma sintonia

no que está disposto por Lei.

2.5 A RELAÇÃO DO NEOLIBERALISMO E O DISCURSO CONSTRUÍDO PELA/NA

MÍDIA

O Neoliberalismo, sendo o sistema econômico vigente, atua como agente

formador de uma verdade sobre o sujeito, ou seja, o poder efetivando a fabricação

de indivíduos que favoreçam as finalidades precípuas desse sistema. Para tanto,

este faz uso de estratégias de poder, daí a importância de apresentar essa relação

entre o Neoliberalismo e a mídia que por sua vez, funciona como dispositivo

disciplinar, dando visibilidade e perpetuando a produção de discursos para uma

política de interesse do poder.

Para compreender o significado e a dimensão do discurso neoliberal

construído na/pela mídia convém, a propósito, apresentar e discutir alguns aspectos

relativos à natureza e a caracterização da tríade composta por prática discursiva,

projeto neoliberal e atividade midiática; isso equivale a dizer, portanto, que será

necessário recorrer a conceitos e dados históricos atinentes ao entendimento

desses três elementos, bem como a forma como eles se entrelaçam na construção

discursiva midiática neoliberal.

Acerca do neoliberalismo, como o próprio nome sugere, pode-se afirmar

que consiste, grosso modo, numa tentativa de retomada, na primeira metade do

século passado, das ideias liberais que deram suporte teórico-intelectual ao

nascente sistema capitalista nos séculos XVII e XVIII. Em outras palavras, numa

primeira abordagem, o neoliberalismo seria uma tentativa de resgate do liberalismo

clássico, ou seja, das ideias de propriedade privada, livre concorrência, livre

iniciativa, dentre outras.

A história do neoliberalismo mostra, no entanto, que as coisas não se

processaram assim, conforme aparentam a primeira vista. A prática mostra que os

destinos do neoliberalismo foram bem diferentes daquelas ideias que brotaram com

60

a reforma protestante14, a ascensão da burguesia15, a revolução francesa16 e o

iluminismo17. Na verdade, o neoliberalismo surgiu na primeira metade do século XX

muito mais como uma resposta ao estado de bem estar social de inspiração

Keynesiana que, procurando resolver a crise capitalista ocorrida entre as duas

grandes guerras mundiais, estava propondo um novo sistema econômico, a social-

democracia, o qual procurava humanizar o capitalismo com muitas medidas em

favor da classe trabalhadora. Fica patente, conforme se observa que, logo no seu

nascedouro, o neoliberalismo se colocou como um sistema inimigo da classe

trabalhadora.

Vamos explicar melhor: com a quebra da bolsa de Nova Yorque em 1929,

ficou visível o fracasso das ideias liberais para a solução dos problemas e o mundo

capitalista enfrentou sua primeira grande crise. É nesse momento que entram em

cena as ideias de Keynes18, mostrando que para resolver a grande depressão

econômica e evitar a barbárie, seria preciso humanizar o capitalismo e construir um

estado de bem estar social que, na prática, significava trazer uma série de

conquistas para os trabalhadores, tais como férias, salário mínimo, previdência

social, dentre outros. Os neoliberais se opuseram a essa política de proteção aos

trabalhadores alegando que isso era uma intervenção descabida na vida das

pessoas o que, segundo eles, atentava contra a liberdade individual. O caminho

certo, para os neoliberais, era deixar o mercado livre para que ele se autorregulasse.

Nessa linha de raciocínio, Boito Júnior (1999, p.45) vai mostrar que “essa

ideologia de exaltação ao mercado assume, no mais das vezes, a forma de uma

crítica agressiva a intervenção do Estado na economia”.

Com esse objetivo, o projeto neoliberal se articulou mundialmente pelo fim

da intervenção do estado na economia por meio da privatização das empresas

14 Movimento reformista cristão iniciado no início do século XVI por Martinho Lutero, quando através da publicação de suas 95 teses, em 31 de outubro de 1517 protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica Romana, propondo uma reforma no catolicismo romano. Este movimento motivou a afirmação do sistema capitalista. 15 Marco histórico do fim do feudalismo e inicio do capitalismo com a chegada dos burgueses ao poder político. 16 Movimento do final do século XVI que, defendendo os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, foi o auge das ideias liberais e deu suporte teórico-intelectual para o capitalismo. 17 Movimento intelectual que, baseado nos ideais de liberdade, buscava o conhecimento por meio da ciência. 18 John Maynard Keynes, foi um economista britânico cujos ideais proporcionaram o chamado estado de bem estar social e inspirou a social-democracia.

61

estatais, pela desregulamentação completa e abertura total da economia para a livre

circulação internacional de capitais, contra todas as medidas em favor da reserva de

mercado e de protecionismo aos produtos nacionais, pela flexibilização e

precarização das leis trabalhistas e dos direitos dos trabalhadores, contra a definição

de um salário mínimo e pelo fim dos programas sociais bancados pelo Estado.

Nesse aspecto, fazendo uma comparação entre o neoliberalismo na

Inglaterra de Thatcher (onde esse projeto teve seu berço) e sua tentativa de

implantação no Brasil de FHC nos anos 1990, Borón (1996, p.27) mostra que “os

objetivos são sempre os mesmos, lá e cá: trata-se de destruir a capacidade de luta e

de organização que uma parte importante do sindicalismo brasileiro mostrou”.

Isso colocava o neoliberalismo na contramão da via democrática, fato que

encontra respaldo nas palavras de Borón (1996, p.19-20) quando afirma que

A democracia em si mesma – como explicava incansavelmente Hayek – jamais havia sido um valor central do neoliberalismo. A liberdade e a democracia, explicava, podiam facilmente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir com os direitos incondicionais de cada agente econômico de se dispor de sua renda e de sua propriedade como quisesse.

Como exemplos de governos que seguiram a cartilha neoliberal tem-se o

Chile, do General Pinochet (Augusto José Ramón Pinochet Ugarte), nas décadas de

70 e 80; a Inglaterra, de Margaret Thatcher (Margaret Hilda Thatcher), nos anos 80;

os Estados Unidos com os Bush – George H. W. Bush (pai) e George W. Bush (filho)

–, nas décadas de 80 e 90; o México, com Vicente Fox (Vicente Fox Quesada), em

2000, e o Brasil, nos governos Collor (Fernando Collor de Mello) e FHC (Fernando

Henrique Cardoso), nos anos 90.

Os resultados da política neoliberal não são animadores. Borón (1996,

p.23) mostra que “Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo

nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado”. O fluxo de capitais que, na

propaganda neoliberal, favoreceria os países pobres fez o caminho inverso: saiu dos

pobres para os ricos e o crescimento das economias mundiais se fez com aumento

da concentração de renda sendo proporcional ao aumento da pobreza no mundo.

No fim das contas, quem mais perdeu foi a classe trabalhadora com a precarização

62

de seus direitos, a perseguição ao movimento sindical e a tentativa constante de

acabar com os programas sociais.

Convém ressaltar que, no Brasil atualmente, nos governos Lula (Luiz

Inácio Lula da Silva) e Dilma (Dilma Rousseff), o projeto neoliberal sofreu uma

freada. As privatizações foram suspensas, os direitos constitucionais dos

trabalhadores estão sendo preservados e houve incremento das políticas de

compensação de renda. Há quem fale até que estamos vivendo, no Brasil, uma

época de pós-neoliberalismo. Compreendemos ser muito cedo para isso, pois, se

plano econômico o neoliberalismo está em refluxo, as marcas neoliberais continuam

fortes em nossa cultura, notadamente no comportamento da mídia que jamais

abdicou de atacar o sindicalismo, de criminalizar os movimentos populares, de fazer

campanha contra os programas sociais e defender o afastamento do estado da

atividade econômica.

Desse modo, pelo menos no discurso midiático, o neoliberalismo está a

pleno vapor. O discurso da mídia tem sido uma forma insidiosa que o neoliberalismo

encontrou para permanecer em nosso imaginário, fomentando práticas, definindo

identidades e marcando posições-sujeito, mesmo depois que foi, pelos menos

momentaneamente, retirado da pauta das políticas oficiais.

Feita essa abordagem preliminar no tocante ao neoliberalismo, convém

agora, apresentar algumas considerações que mostram como o discurso neoliberal

vem sendo construído na/pela mídia. Em princípio se faz necessário ressaltar que,

tendo em vista as novas concepções de história, manifestadas especialmente na

história genealógica de inspiração foucaultiana, o discurso passa a ser entendido

como um elemento fundante do homem moderno; a partir da compreensão de que

os fatos e fenômenos possuem muitas versões e não apenas uma, como defende a

história tradicional de cunho positivista e a proposta neoliberal de pensamento único.

Depreende-se, assim, que a realidade pode muito bem ser fruto uma construção

discursiva.

Reforçando essa linha de raciocínio, acerca da construção discursiva da

realidade, pode-se beber na fonte de Bakhtin, notadamente quando ele em

Marxismo e filosofia da linguagem (1997), sugere que não é possível ter acesso

direto aos fatos, fenômenos e objetos do mundo. Neste ponto, o filósofo russo está

dizendo que toda a realidade que nos chega se apresenta semioticamente e é

63

mediada pela linguagem. Sendo assim, nossos discursos, constantemente, dialogam

com outros discursos para construir a realidade em que vivemos.

O discurso é uma prática que se faz na articulação entre a história dos

saberes e a política dos poderes. É nessa linha de raciocínio que o discurso como

objeto de análise é requisito básico para que se possa compreender em que campo

das relações entre saber e poder está inserido o sujeito e, também, entender como

este sujeito faz do seu discurso um dispositivo de poder capaz não só de convencer,

mas acima de tudo de sujeitar e governar os outros. É preciso que, em todo

discurso, sem descartar em hipótese alguma o discurso da mídia neoliberal, seja

questionada qual vontade de verdade está presente, vontade essa que define o que

pode ser dito e pensado e, acima de tudo o que pode ser pensado. Tem-se aí o a

priori histórico das práticas discursivas de que nos fala Foucault (2009), uma ordem

anterior que é condição de possibilidade para o surgimento do discurso e que, no

entanto, determina o que deve ser pensado e dito.

Para tanto, o que deve ser pensado e dito pela mídia nesta fase de

desenvolvimento do capitalismo contemporâneo? Eis a pergunta de onde parte toda

a construção midiática dos discursos nestes tempos de hegemonia neoliberal no

plano da cultura. É uma questão que não deve fugir à investigação científica, sob

pena de se aprofundar a sujeição e a dominação, especialmente porque se vive, na

atualidade, uma época em que a vida das pessoas se pauta pelo consumismo

capitalista, ocasião em que as leis de mercado invadem e organizam todos os

aspectos da vida, inclusive a dimensão simbólica da existência humana, aquela que

é responsável pelo nosso entendimento de mundo e pelo nosso modo de estar nele,

no mundo.

A análise do Discurso, teoria que embasa as investigações acerca do

fenômeno discursivo e que, sem dúvidas vai ajudar a entender como se constrói o

discurso midiático na ótica neoliberal, já nasceu como fruto de uma preocupação

política com os usos da linguagem. É certo que seu reordenamento epistemológico

posterior ampliou seu objeto para outras discursividades, porém, dado o fato de que

o discurso continua sendo, como sempre foi, instrumento e objeto de luta política,

logo, a conotação política do discurso estará sempre presente em todas as

investigações a seu respeito.

No tocante as coerções que sofre o discurso em tempos de

neoliberalismo, faz sentido buscar explicações na teoria de Foucault. Tanto na fase

64

arqueológica como na fase genealógica, poder-se-á encontrar fundamentação

teórica para estas coerções. É o que se pode notar quando se observa as

formulações desse teórico acerca do que seria a unidade elementar do discurso: o

enunciado. Associando a característica de raridade dos enunciados com a questão

do poder e da luta política, conforme já citado anteriormente, vale retomar o que

afirma Foucault (2009, p.136),

Assim concebido, o discurso deixa de ser o que é para a atitude exegética: um tesouro inesgotável; ele (o discurso) aparece como um bem finito, desejável e útil que tem suas regras de aparecimento e também suas condições de apropriação e de utilização; um bem que coloca, por conseguinte, desde sua existência (e não simplesmente em suas aplicações práticas), a questão do poder, um bem que é por natureza, objeto de luta política.

Colocado dessa forma, entende-se melhor o que Gregolin (2003, p.12)

elucida quando afirmou que “Há sempre batalhas discursivas movendo a construção

de sentidos na sociedade”. É a operação de controle e exclusão dos enunciados

supostamente impertinentes para um dado momento e para uma dada situação. É a

ordem dos discursos entrando em cena para garantir a integridade dos poderes

frente aos riscos de uma indesejável liberdade enunciativa. A única reação possível

a essa pobreza enunciativa deflagrada pela raridade dos enunciados é o gesto

interpretativo, uma forma de compensar a pobreza enunciativa pela multiplicidade

dos sentidos.

Acontece que esse gesto de interpretação ao se expressar, publicamente,

no caso da mídia, e particularmente da mídia neoliberal, obedece como um rigor

assustador o que Foucault preconizou em A ordem do discurso (2008) quando se

expressa que,

[...] em toda sociedade a produção do discurso é simultaneamente controlada, selecionada, organizada e distribuída por um certo número de procedimentos que têm por papel exorcizar-lhe os poderes e os perigos, refrear-lhe o acontecimento aleatório, disfarçar a sua pesada, temível materialidade (FOUCAULT, 2008, p. 8-9).

65

O controle do discurso e seus respectivos mecanismos de exclusão,

conforme citação foucaultiana acima, quando praticado pela mídia neoliberal na sua

condição de porta-voz do monopólio e da hegemonia capitalista, pode se tornar algo

desastroso, haja vista que, conforme nos ensina Pêcheux (1988, p.161) “[...] as

palavras, expressões, proposições, etc, mudam de sentido segundo as posições

sustentadas por aqueles que as empregam”. Como o discurso midiático, na atual

fase neoliberal, é controlado pelos monopólios da comunicação a serviço do status

quo, logo os sentidos tendem a prejudicar as maiorias excluídas e minorias

discriminadas, dentre as quais a mulher trabalhadora.

Há no atual processo de globalização, uma acelerada circulação de

dados, veiculados pelos meios de comunicação de massa que propositadamente,

mais desinformam do que informam, fato que prejudica a compreensão das grandes

e pequenas questões, enfraquecendo as tomadas de decisões e o exercício da

cidadania. O sujeito desinformado é muito mais vulnerável ao assujeitamento. O

discurso neoliberal atua no sentido de produzir sujeitos cada vez mais

desinformados e que reagem ao mundo como alguém que não pensa, que atua

automaticamente e que reproduz como um robô o discurso do eterno espetáculo

midiático.

A crescente mercantilização das notícias e dos meios de comunicação de

massa e a sua subordinação às estratégias de marketing na captura de leitores que

serão consumidores estão, propositadamente, levando a mídia a um processo de

maldosa simplificação, que acaba por lhes subtrair o papel de esclarecimento, uma

vez que as notícias, na ótica capitalista e neoliberal, são concebidas como

mercadoria, sujeitas à lógica empresarial, com todos os apelos estéticos e

emocionais nelas envolvidos. É nesses termos que o neoliberalismo constrói o

discurso midiático ao mesmo tempo em que é por ele assegurado, numa simbiose

que lhe garante sobrevida.

66

CAPÍTULO 3

A CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES DA MULHER TRABALHADORA EM

REVISTA

As identidades parecem invocar uma origem que residiria no passado histórico com o qual elas continuariam a manter uma certa correspondência. Elas têm a ver, entretanto, com a questão da utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos.

Hall

O capítulo que na ocasião se delineia, perquire rastrear a venda e tornar

patente a ardileza que permeia a constituição discursiva da identidade da mulher

trabalhadora na contemporaneidade. Esse movimento teórico-analítico será

articulado considerando os conceitos e diretrizes já traçados até aqui, em que o

propósito se constitui da leitura do corpus mapeada e executada pela descrição e

interpretação das materializações dos sentidos neles negociados nos enunciados

verbais e não-verbais, presentes nas edições especiais da revista VOCÊ SA.

No gesto de direcionar-se ao público feminino, especialmente a mulher

brasileira, revestindo-se da condição de prática institucional, a revista selecionada –

VOCÊ S/A especial para mulheres – materializa e faz circular uma vontade de

verdade encetada pelo saber/poder midiático e, alicerçada na memória,nos

movimentos de retomadas e ressignificações em torno da constituição identitária da

mulher trabalhadora, visa responder aos interesses mercadológicos do sistema

econômico vigente, o que ecoa em sua discursivização. No tópico subsequente,

evidenciaremos aspectos de formação da revista.

67

3.1 VOCÊ S/A: PROJETO DE EDITORAÇÃO

A revista VOCÊ S/A teve sua primeira publicação em abril de 1998 como

“a revista nova para os tempos novos” essa percepção parte das transformações na

esfera dos negócios no mundo, ou seja, no mercado de trabalho. Emerge dessa

comprovação o termo “empregabilidade” considerado como “aquilo que dá a você o

direito de escolher seu próximo passo na carreira”19. Assim, a VOCÊ S/A é

considerada uma das principais publicações direcionada a dar suporte aos

executivos no Brasil para lidar bem com sua empregabilidade. Essa revista integra o

elenco de periódicos da Editora Abril20, sua circulação é mensal e como aponta a

pesquisa realizada pelo jornal Meio & Mensagem é a mais adquirida no Brasil. Seus

leitores são considerados como profissionais que procuram orientação para sua

carreira e vida pessoal e, como ainda postula seu plano de edição, “com 10 anos, é

a revista que ajuda 525 mil leitores a fazer as melhores escolhas num mundo que se

move demais, é confuso demais e é exigente demais”. Para desencadear a

apresentação da VOCÊ/AS, segue abaixo um quadro com o perfil de seus leitores21.

PERFIL DOS LEITORES22

Sexo:

Fonte: EGM - Estudos Marplan - 1º Trimestre 2012

19 Conceito dado pela colunista Luis Carlos de Queirós Cabrera em um artigo na VOCÊ S/A. 20 Essa Editora é propriedade do grupo Abril, sendo sediada na cidade de São Paulo. 21 As informações aqui apresentados constam no site da revista VOCÊ S/A. 22 Disponível em: <http://www.publiabril.com.br/marcas/vocesa/revista/informacoes-gerais>. Acesso em: 12 de julho de 2012.

Idade:

Fonte: EGM - Estudos Marplan -

Adiciona-se um quadro com a representação de sua circulação, abaixo:

Fonte: Projeção Brasil de Leitores consolidado 2011

Classe Social:

1º Trimestre 2012 Fonte: EGM – Estudos Marplan

Região

Fonte: IVC mar/12

se um quadro com a representação de sua circulação, abaixo:

Circulação da Revista VOCÊ S/A Atual

Tiragem: 192.641 Assinaturas: 112.640

Avulsas: 27.987 Circulação Líquida: 140.627

Fonte: IVC mar/12 Total de Leitores: 511.484

Projeção Brasil de Leitores consolidado 2011Média:

Assinaturas Média: 113.497 Avulsas Média: 36.264

Circulação Líquida Média: 149.761 Fonte: IVC jan-mar 2012

68

Classe Social:

Estudos Marplan – 1º trimestre 2012

se um quadro com a representação de sua circulação, abaixo:

Projeção Brasil de Leitores consolidado 2011

69

Mediante os dados expostos acima, não percamos de vista de que lugar

social produz sentidos essa prática discursiva, pois ela ocupa um lugar no social e

na história que está sendo construída na contemporaneidade. Isso nos servirá para

compreendermos como se realiza o jogo que atravessa a constituição da identidade

da trabalhadora brasileira nesta revista.

Vale ainda direcionar a atenção para as três edições lançadas

especialmente para o público feminino. Como assinala a diretora de redação23, que

intitula sua fala por Inquietação e Inspiração24, a revista, como posição sujeito,

revela algo similar ao que configura seu projeto de editoração como um todo, porém

apresenta algumas especificidades relacionadas ao universo feminino. Em que pese

à semelhança destacamos os pontos mencionados: embora haja avanço das

mulheres no topo das empresas, ainda são lentas as oportunidades, assim como a

questão das diferenças salariais; outra questão pauta-se no perfil de sucesso

masculino que para elas não atende as aspirações pessoais, busca-se sucesso

profissional, mas atrelado a um equilíbrio com as relações familiares. Dessa forma,

assumindo sua demarcação, a revista convoca a leitora a exercer essa identidade

discursivizada pelo fio discursivo colocado nas materialidades discursivas e que

circulam na sociedade.

Já explicitada em sua 2ª edição, o editorial é intitulado Lidere a mudança.

Nele, a diretora citada, traz algumas justificativas, acentuando os dizeres que

circulam em torno do desejo feminino de conciliar, de maneira harmoniosa a “vida

profissional e as outras esferas da vida, como: (família, amigos, lazer, prazer!)”. Indo

ao encontro desses posicionamentos, corroborando-os, lança o pronunciamento

editorial da 3ª Edição denominado Valorize a diferença. Agora adota-se o discurso

“assumir a diferença faz bem para a carreira”, devido ao fato de que as

competências femininas superam as masculinas no quesito inspiração e facilidade

de lidar com situações inusitadas. A revista apresenta um contínuo de dizeres sobre

a identidade da mulher trabalhadora, que por sua vez é fabricada por meio do

dispositivo disciplinar agenciados na produção de sujeitos úteis e dóceis à vontade

de poder.

A VOCÊ S/A se dirige para uma mulher que ocupa um lugar público, essa

é atualizada com as exigências de mercado, e apresenta uma postura de 23 Juliana De Mari (Diretora de Redação). 24 Editorial da 1ª Edição para mulheres.

70

autoconfiança e segurança em seu empreendimento, colocando como um dos

principais, seu trabalho. Sua discursivização se delineia na/pela mulher

trabalhadora, independente e que conquista voos altos ao longo de sua atuação

profissional, entretanto, luta por flexibilidade, equilíbrio e valorização das

“competências” tidas como femininas. Esse posicionamento enquadra e normatiza a

mulher trabalhadora, especialmente a executiva.

Volvendo o olhar sobre as modelos postas como super-mulheres

estampadas na folha de apresentação da revista, percebemos ícones de mulheres

bem-sucedidas e realizadas na profissão, efeito de sentido projetado sobre os

enunciados verbais inseridos à esquerda das imagens nas capas.

Figura 1 Figura 2

1ªEdição Especial de dezembro de 2010 2ªEdição Especial de Junho de 2011

Figura 3

3ª Edição Especial de Novembro de 2011

71

Como podemos perceber a materialização da discursivização mencionada

tanto no plano verbal como imagético, já são bem exploradas nas capas das três

edições. Essa representação da identidade feminina posta em questão é construída

na figura da mulher que atenda ao funcionamento da sociedade capitalista. Neste

sentido, a uma negociação por meio de estratégias discursivas que faz a VOCÊ S/A

revestir-se da personificação de um quase compêndio, ditando as diretrizes para o

estilo de ser das identidades que devem ser fabricadas em obediência às

regulamentações de saberes, concernentes à vida pessoal e ao trabalho feminino.

Reconhecer na vestimenta, na postura, na expressão de satisfação,

enfim, na aparência apresentada da mulher trabalhadora, em toda revista, expõe

uma vontade de verdade produzida pelos efeitos de verdades permitidos pelo

momento histórico, não encontrando ressonância necessariamente no que seria

propriamente uma verdade. Para Foucault (2008) o que há são efeitos de verdades

produzidos em diversas épocas.

Nos próximos itens do capítulo, como já foi anunciado, será realizada a

análise das materialidades da revista VOCÊ S/A, enquanto prática discursiva

midiática instalada numa ordem do discurso contemporâneo, expressando as

malhas do poder sobre o trabalho da mulher. Seguiremos, desse modo, o trajeto

temático MERCADO DE TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE E PRODUÇÃO

DE IDENTIDADES DA MULHER TRABALHADORA, norteadorda delimitação do

corpus.

3.2 RELAÇÕES DE PODER E CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DA MULHER

TRABALHADORA NA MÍDIA

Segundo Hall (2005), essas identidades oriundas da contemporaneidade

passam por situações de crises, que consiste em novas direções tomadas no social

e cultural, favorecendo ao sujeito, mais especificamente à mulher, novos espaços

(diferentemente do quadro exposto anteriormente, agora lhe são concedidos os

outros modos de ser Mulher). Isso se dá, porque vivemos em tempos transitórios em

demasia, onde tudo se desfaz e nada é consistente ou estável.

72

Dessa forma, podemos perceber de modo velado, através da mídia, a

representação dessas identidades e sua liquidez, nos deparando com as diferenças

identitárias dessa mulher moderna, que assume seu lugar social e é representada

nas práticas discursivas que circulam no meio midiático.

Observa-se que o novo panorama exposto, consequentemente, provoca

mudanças nas identidades masculinas, ocasionando assim uma mudança de

papéis. O que representava preocupações e cuidados destinados ao homem, hoje

também faz parte das responsabilidades femininas, favorecendo a uma quebra de

paradigmas. Assim, a identidade é constituída socialmente e culturalmente e se

encontra vinculada à história.

A mídia contemporânea disponibiliza discursos que se inserem em outros

tantos, formando o interdiscurso (memória que atravessa o discurso) ou

deslocamentos dos recursos discursivos inscritos numa formação discursiva

(retomada de discurso, repetição). Com a classificação da memória discursiva

inscrita na produção, é viável compreender os acontecimentos discursivos que

produzem o objeto analisado, através do seguinte questionamento: Como surgiu

esse discurso e não outro em seu lugar? (FOUCAULT, 2008).

O discurso produzido pela mídia dirige-se a um público específico que,

para tanto, re-significa e recoloca os dizeres inscritos em outro momento histórico na

elaboração dos dizeres atuais. Sobre isso Gregolin (2003, p.105) atesta que,

A aparente instantaneidade da mídia interpela incessantemente o leitor através de textos verbais e não-verbais, compondo o movimento da história presente por meio da re-significação de sentidos enraizados no passado. Por isso, determinadas figuras cristalizadas na memória coletiva estão constantemente sendo recolocadas em circulação, permitindo os movimentos interpretativos, as retomadas de sentidos e seus deslocamentos.

Gregolin (2003), também coloca que os sentidos só podem ser

apreendidos quando as vozes que falam através do discurso emergem das posições

em que estão inscritas, a partir de determinadas exibições cronológicas dos fatos,

isto é, da circunstância sócio-histórica. Desse modo, o discurso apresenta sentido na

constatação das formações discursivas, no qual esteja inserido.

73

Os movimentos discursivos efetivados pela mídia são produtos de

retomadas, deslocamentos e muitas vezes inversões de sentidos para a formação

de significados na tentativa de suprir as demandas do público alvo a que as

materialidades discursivas são dirigidas, com isso se constrói a história da

atualidade. À mídia cabe a função de tornar vendável o produto a que se refere,

fazendo uso de uma materialidade verbal e não-verbal para agradar a suposta

leitora e assim fazê-la adquirir, revestindo-se da imagem e atitudes vendidas pelo

guia/modelo posto em divulgação. Conforme explicita Silverstone (2005, p.150)

“consumimos a mídia. Consumimos pela mídia”, esse meio de divulgação e

entretenimento acaba por estipular ditames em torno de costumes e modos de ser

na sociedade.

Segundo Barbosa (2008, p.32), “no mundo moderno, o consumo se

tornou o foco central da vida social”. Neste sentido, na sociedade contemporânea o

consumo é posto no centro das atenções, aqui tomado como consumo de

“verdades” em torno do que constitui o sujeito, pois o discurso vinculado pela mídia

passou a fazer parte da cultura que ao mesmo tempo controla e estabelece modos

de proceder, construindo por meio destas novas identidades e valores. Concernente

a isso Silverstone (2005) coloca que devemos pensar na mídia como um processo,

um processo de mediação.

Gregolin (2003), explica que a imagem apresenta discursos que se

encontram em outros lugares e que são retomados e atravessados por falas do

exterior. Sobre esse ponto Pêcheux (2007, p.51) estabelece a seguinte posição: “A

imagem é operador de memória social, comportando no interior dela mesma um

programa de leitura, um percurso escrito discursivamente em outro lugar”.

Os meios de comunicação possibilitam a articulação entre a memória

discursiva e coletiva que constituem as identidades, produzidas através das práticas

sociais. No que tange à publicidade, esta exerce valiosa função na edificação do

social em torno da maneira como se delineia o modo de se pensar a mulher. Assim,

como afirma Davallon (2007, p.23), essa memória se encontra registrada

“inteiramente e naturalmente presente nos arquivos da mídia”. É dessa forma que os

discursos sobre a mulher têm tomado novos rumos, pois, depois que são retomados,

incorporam novas vestes que agradam a mulher moderna por intermédio da

propagação do consumo de produtos que “facultam” a obtenção daquilo que se

propõe na materialidade discursiva a qual se destina ao público feminino, como

74

estratégia da mídia na produção de uma história do presente. Assim, a mídia exerce

relevante papel na sociedade contemporânea, na construção de novas identidades

que acompanham as mudanças da sociedade, distribuindo papéis e lugares que são

assumidos pelas identidades historicamente colocadas.

Considerando o exposto, o poder marca seu funcionamento na ordem dos

discursos regulando a vida social, sendo aquele atrelado à ordem de discursividades

formadas no âmago do social. No que se refere à mídia, sua produção discursiva é

legitimada e marcada por destaque, assumindo um lugar de saber/poder.

No processo discursivo o sujeito enunciador antecipa-se fazendo uso de

estratégias discursivas, numa tentativa de prever o quer o outro que ver/ler nas

publicidades25; No limiar da AD, visando uma identificação com o público alvo que é

convidado a interagir e em muitos casos produzir o sentido do texto, a mídia negocia

sentidos cujos efeitos são realizados por meio da ativação do dispositivo da

memória.

Para alcançarmos o sentido no fio do discurso, apreendendo como a

ordem de saber que é determinada pelas estratégias de poder se estabelece nas

malhas midiáticas, observa-se que também por meio das publicidades há uma

impostação de normas, que definem territórios abraçados pelo campo discursivo que

lhe serve de suporte e que se dá pela repetição nos demais gêneros discursivos

presentes na revista (matéria principal, artigos, entrevistas e publicidades). Em vista

disso, a existência de um enunciado está condicionada ao contexto histórico que

determina o que pode ser dito numa dada época (FOUCAULT, 2009).

A publicidade inscreve-se numa rede de memória determinando os

dizeres de cada época formulados por relações de saber/poder contribuindo na

fabricação de “verdades” sobre os procedimentos que norteiam o modo de ser dos

indivíduos, operando como um dispositivo de poder.

Arregimentar-se-á a seguir peças publicitárias que ilustram os

apontamentos aqui feitos.

25 Publicidade derivada do publicus, inicialmente designava o que era público, hoje o termo é utilizado para especificar uma propaganda de caráter comercial.

Destacamos na figura 4

divulgar sua linha de produtos para o público feminino

nas formulações empregadas.

Você deve estar achando que mulher é um ser complicado. De jeito

No enunciado acima

acerca da fragmentação e dispersão das identidades femininas. Isso se dá

26 Retirada da revista VOCÊ S/A, edição especial nº 13, de junho 2011, p.61. 27 Empresa farmacêutica líder global na área da saúde femi

Figura 4 (Anexo 1)

Destacamos na figura 426, uma publicidade da MSD

divulgar sua linha de produtos para o público feminino. Nossa atenção

s formulações empregadas.

1 - Mulher um ser multitarefas.

Você deve estar achando que mulher é um ser complicado. De jeito

é um ser completo.

No enunciado acima, as estratégias discursivas mobilizam os discursos

acerca da fragmentação e dispersão das identidades femininas. Isso se dá

evista VOCÊ S/A, edição especial nº 13, de junho 2011, p.61.

Empresa farmacêutica líder global na área da saúde feminina.

75

, uma publicidade da MSD27 cujo objetivo é

atenção será focada

Você deve estar achando que mulher é um ser complicado. De jeito nenhum. Mulher

as estratégias discursivas mobilizam os discursos

acerca da fragmentação e dispersão das identidades femininas. Isso se dá em

76

consequência das inconstâncias e incertezas provenientes das mudanças

constantes a que o mundo contemporâneo está sujeito, favorecendo o surgimento

de vários outros modos de viver que também são transitórios, e que Hall (2005),

conceitua como “crise de identidades”. Esse novo contexto promove essa dispersão

gerando uma mulher multifacetada. Atrelado a isso, soma-se a imagem de um

cérebro todo fragmentado, representando as várias mulheres presentes numa só,

como é corroborado no/pelo enunciado verbal.

Na produção de sua verdade, a mídia, estabelece um padrão de

procedimentos, reservando para a mulher que ela deve ser a profissional capaz,

competente e eficaz, como também a mãe, esposa e dona do lar cuidadosa e

atenta. Essas tarefas jamais devem ser negligenciadas em favor das novas

ocupações no espaço público, a mídia realiza um resgate da memória para reafirmar

o compromisso da mulher no lar, com isso faz-se a super-mulher, a mulher

multitarefas.

Assim, observamos os mecanismos de fabricação da mulher trabalhadora

no contexto atual, ligados a uma formação discursiva que define a mulher

trabalhadora, como incansável e simultaneamente responsável por todas as funções

que lhe dizem respeito, numa afirmação dos papéis conquistados – concernente ao

espaço público, ao trabalho remunerado, como também, atestando novamente, os

antigos papéis ligados ao espaço privado, de ordem doméstica.

Com isso, de imediato se estabelece uma identificação com esse feminino

que reconhece e deseja tornar procedente o que a MSD propõe, oferecendo a esta

multimulher confiança e segurança, fazendo uma relação que confirma com os

saberes negociados na contemporaneidade, haja vista o produto atender, segundo o

efeito de sentido produzido, as expectativas da comunidade a que se destina, isto é,

a mulher contemporânea.

Referindo-se ao corpus como universo discursivo marcado por

instabilidades, Fernandes (2008, p.82), postula que,

Para a análise e interpretação de um corpus nessa perspectiva teórica, considerando a própria natureza do objeto, precisamos sair da materialidade lingüística em questão para compreendê-la em sua exterioridade, no social, espaço em que o lingüístico, o histórico

77

coexistem em uma relação de implicância, compreendidos como discursos.

Nesta direção, é que se enfatiza no enunciado, aspectos referentes às

identidades possíveis que uma mulher no mundo atual possa introjetar ao seu modo

de vida, não sendo direcionada a que se assumiu por muito tempo como dona de

casa, mãe e esposa. Enfim, a uma mulher de uma postura conservadora e de

funções restritas, mediante o contexto histórico no qual estava inserida. A peça

publicitária rastreia os que se ajustam ao que está posto, o verbal e o imagético

convida todo o corpo social a observar se estão de acordo com essas normas que,

para se fazer uma mulher completa é preciso assumir essas inúmeras identidades.

Assim, o discurso ao ser produzido se torna resultado das posições

ideológicas em que se inscreve no social que conforme se refere Orlandi (2009,

p.43), atesta o dizer de uma FD, pois “A formação discursiva se define como aquilo

que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição dada em

uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito.” A

partir dessa asserção, se pode concluir que a formulação supracitada se inscreve

em uma prática midiática que produz discursos que determinam o que se pode e

deve ser dito sobre a mulher, que trabalha no espaço externo na

contemporaneidade, entretanto permanece sendo-lhe conferida às antigas funções –

os cuidados com os afazeres domésticos.

Dessa forma, nossa cultura possibilita esses dizeres nos quais uma

prática discursiva como a midiática quer tornar visível por meio do dizível que a

mulher moderna é esse tipo de mulher que agrega esses modos de viver, ela é um

ser multitarefas atinente à heterogeneidade constitutiva do discurso sobre a mulher

contemporânea, a multifacetada. Assim, podemos visualizar a seguir, a recorrência

dessa discursivização na publicidade da Piccadilly.

Revista VOCÊ S/A, edição especial nº 15, de novembro de 2011, p.25

Na figura 528

arrumada, maquiada, cabelos cuidados e se posicionam numa postura que passa

um efeito de mulher independente, destemida, decidida, enfim, é a imagem da

mulher moderna que possui estilo próprio e apresenta várias qualidades. Assoma

à imagem os seguintes dizeres:

2 - Piccadilly tem conforto e moda para quem é muitas, mas ao mesmo tempo única.

Esta materialidade verbal

de acessório feminino, próprio para facultar o bem estar dessa mulher que adota

28 Retirada da revista VOCÊ S/A, edição especial nº 15, de novembro de 2011, p.25.

Figura 5

evista VOCÊ S/A, edição especial nº 15, de novembro de 2011, p.25

28, acima, observamos que a mulher se

arrumada, maquiada, cabelos cuidados e se posicionam numa postura que passa

um efeito de mulher independente, destemida, decidida, enfim, é a imagem da

mulher moderna que possui estilo próprio e apresenta várias qualidades. Assoma

os seguintes dizeres:

Piccadilly tem conforto e moda para quem é muitas, mas ao mesmo tempo única.

E você qual nova mulher é hoje?

Esta materialidade verbal, retirada da VOCÊ S/A, nos aponta um produto

de acessório feminino, próprio para facultar o bem estar dessa mulher que adota

evista VOCÊ S/A, edição especial nº 15, de novembro de 2011, p.25.

78

evista VOCÊ S/A, edição especial nº 15, de novembro de 2011, p.25.

, acima, observamos que a mulher se encontra bem

arrumada, maquiada, cabelos cuidados e se posicionam numa postura que passa

um efeito de mulher independente, destemida, decidida, enfim, é a imagem da

mulher moderna que possui estilo próprio e apresenta várias qualidades. Assoma-se

Piccadilly tem conforto e moda para quem é muitas, mas ao mesmo tempo única.

, nos aponta um produto

de acessório feminino, próprio para facultar o bem estar dessa mulher que adota

evista VOCÊ S/A, edição especial nº 15, de novembro de 2011, p.25.

79

durante o dia variadas funções e que, para exercê-las da melhor maneira, precisa

estar bem. Esta formulação se inscreve na formação discursiva midiática que produz

discursos sobre a mulher contemporânea, estipulando o que adquirir, através do

consumo, para obter o que se deseja concernente ao estilo de calçados que lhes

atenda a tão cobiçada identificação dessa nova identidade feminina.

Percebe-se, então, que este discurso produz o sentido de que

consumindo PICCADILLY a mulher estará consumindo segurança e todo o

arcabouço cultural que envolve os dizeres em torno de como manifestar em suas

escolhas a modernidade, presente em seus feitos femininos, nas diversas funções

que assume durante o dia. Neste sentido, o produto é quase sinônimo da estética

feminina dessa multimulher, sendo ajustado às necessidades do cotidiano. Uma

mulher que dispõe de pouco tempo para estes instantes necessários aos cuidados

de si, mas que para tanto é imprescindível que esses momentos sejam amparados

por produtos como o PICCADILLY, suporte seguro e eficaz dirigido a essas figuras

da atualidade.

Ambas as publicidades discursivizam e atualizam um conjunto de normas

que emerge na contemporaneidade sobre esse sujeito social que apenas acumulou

funções ao conquistar o mercado de trabalho.

A reafirmação dos papéis tradicionais – direcionados à mulher –

permanece sendo retomado, insistentemente, por meio dos discursos midiáticos

estimulando a memória social a não deixar de vista esses comandos no intuito de

propagá-los e perpetuá-los. Isso se efetiva, como efeito das relações de poder

emanados pelos discursos, disciplinando e definindo por entre gerações a função

enraizada dessa mulher que atravessa épocas e o sentido permanece acoplado a

sua imagem, por meio das práticas discursivas estabelecidas nas relações de poder.

Sobre a relação poder e produção de identidades assim se posiciona Silva (2008,

p.28),

Se tomarmos as identidades como produzidas na ordem das práticas discursivas, teremos de considerar que elas não podem ser separadas das relações de poder e, por isso sua produção se dá no confronto das posições políticas existentes na sociedade. Isso pode ser verificado se entendermos que toda identidade institui uma diferença constituindo seu sentido. Isso significa que a identidade é relacional, ela depende para existir de algo de fora dela.

80

Para continuidade de nossa análise, apresentaremos um contraponto

trazido em outra publicidade circulada nessa mesma prática discursiva, a VOCÊ S/A:

Figura 6

Revista VOCÊ S/A, edição especial nº 11, de dezembro de 2010, p.27. A figura 629 refere-se à campanha que a Loducca criou para a Bayer

Schering Pharma, pelos 50 anos da pílula anticoncepcional. Na figura à esquerda

visualizamos uma família, em que o pai está cuidando do filho, quando realiza a

ação de trocar a frauda do bebê com desvelo,exercendo de modo carinhoso o papel

de pai, no momento de preparação dos cuidados. Logo atrás, no fundo da imagem,

vemos a mãe de braços cruzados trazendo à tona um efeito de certa memória ao

que estava arraigado como sendo uma postura masculina. Agora, é ela que observa,

admirando este homem que compartilha, ou melhor, que realiza a função de cuidar

de seu rebento. Isso revela uma tentativa de equiparar as identidades, nas relações

29 Retirada da revista VOCÊ S/A, edição especial nº 11, de dezembro de 2010, p.27.

81

de gêneros, no que confere a execução das atividades desempenhadas pelo homem

e pela mulher inscrita em diversas práticas discursivas que as perscrutam. Esse

efeito de sentido aparece muito marcadamente fixado nos textos publicitários

atualmente.

As posições assumidas pela mulher na atualidade ressignificam o papel

masculino que vai constituir o “novo homem”, aquele ligado às conquistas da mulher,

que lhe impõe a divisão do trabalho com os filhos e o lar. Esse sentido decorre da

materialidade discursiva, em que podemos auferir os efeitos do atravessamento da

memória na produção dos discursos e destes na formação do imaginário social

sobre essa “nova mulher” e esse “novo homem”.

3 - Há 50 anos Bayer Schering Pharma desenvolveu a pílula anticoncepcional. As

mulheres passaram a ter escolhas, estudar, trabalhar, casar, ter filhos ou não. Com

a pílula não foram só as mulheres que conquistaram novos papéis: os homens

também.

Na discursividade apregoada pela campanha na publicidade, percebemos

por meio dessa prática discursiva o foco no atual posicionamento feminino e suas

implicações para o universo masculino, sentido este, decorrente das formulações

presentes no texto. Com isso, os discursos materializados nesta campanha, na

utilização da memória discursiva indicam sutilmente a nova cultura que se incita

inserir e se impregnar no imaginário da sociedade contemporânea. É efetivado esse

movimento, pois os sentidos dependem do que já foi dito, a partir do princípio de que

“(...) o sentido se forma na história através do trabalho da memória, a incessante

retomada do já-dito; o sentido não pode ser cercado, ele escapa sempre”, conforme

Maldidier (2003, p.96). Logo, o discurso midiático, no caso o discurso dessa

materialidade, também faz uso da memória discursiva no processo discursivo de sua

elaboração. Referindo-se à memória, tendo em vista sua definição, Pêcheux (2007,

p.52) considera que ela

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Seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os “implícitos” (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos transversos, etc) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível.

Desse modo, a publicidade objetiva levar o leitor a recorrer à memória

para restabelecer os implícitos, atuando na formação de outros sentidos inscritos e

atualizados, possibilitando alterações no dizer a partir de antigos dizeres. Há

também, uma retomada à história das mulheres, quanto à menção inicial do

enunciado, um trajeto de esforços e conquistas para que ela pudesse ser projetada

no panorama social. Outro aspecto a ser apontado é a reafirmação de papéis

tradicionais associados ao feminino – dona de casa, espaço esse compartilhado

com o homem – esse discurso sobre a mulher é retomado e transformado, haja vista

partir de um discurso já existente.

Conforme nos elucida Bauman (2010, p.154), “a velocidade de mudança

agora governa as condições em que vivemos, com pessoas em permanente e

acelerado movimento”. Isso favorece, a uma constante indefinição quando a posição

das identidades no tempo, os lugares que passam a assumir corresponde às

circunstâncias as quais se defrontam.

Hall (2005, p.87), a seu turno, posiciona-se em torno do efeito da

globalização sob o mundo moderno, da seguinte forma:

Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas.

Assim, esse processo resulta na produção de novas identidades na

contemporaneidade, que por sua vez não são fixas, nem estáveis, conforme já

mencionamos ao citar Hall (2005) no capítulo anterior, no item 3.2.

Contudo, no que compete ao enunciado específico em destaque acima, a

relação dessa constante transformação e os novos posicionamentos no social, se

materializam como resultante das relações de saber/poder propagados pela revista

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VOCÊ S/A. É após o surgimento da pílula que foi conferida à mulher a possibilidade

de eleger aquilo que lhe convinha – estudar, trabalhar, casar, ter filhos ou não –,

deste modo, a pílula contribui de uma maneira bem direta para as conquistas das

mulheres que, com sua emancipação, compromete as posturas tradicionais do

homem, o que vem a induzi-los a seguir na mesma direção, no que tange a

desempenhar novos papéis na sociedade.

Segundo afirma Gregolin (2007, p.15), “é o dizer que fabrica as noções,

os conceitos, os temas de um momento histórico.” Em virtude disso, o enunciado

afirma acerca do “novo homem” que este não mais se configura conforme os

padrões fixados anteriormente do que assentava ser um homem na sociedade. Os

discursos mobilizados hoje em torno de como este homem do século XXI se

relaciona com esta “nova mulher” vinculada nas práticas discursivas e no meio

social, se apresenta de modo diferente, re-significado, posto que ele viola as

proibições convencionais impostas pelos costumes tradicionais que regiam suas

ações no social. Este novo dizer afirma um novo conceito do homem na sociedade

contemporânea.

4 - Há 50 anos a gente revolucionou o comportamento das mulheres.

Não só das mulheres.

Nesta materialidade verbal, o enunciado é repetido e valorizado no texto,

unindo a vida real com o imaginário social que apresenta na imagem visual a

retomada de uma imagem que está no social, a de um homem que acompanhou o

processo de mudança da mulher e como ela também, engendrou uma performance

diferenciada na sociedade. Assim como a mulher este “novo homem” adotou novas

funções, passou a desempenhar papéis que antes eram tidos como sendo

pertencentes somente ao público feminino.

Na contemporaneidade, por vezes, esses papéis se invertem, pois o

trabalho com os filhos não representa mais só ocupações femininas, mas também

masculinas. O silenciamento que antes se dava a esta realidade, hoje está sendo

rompido. Com relação a esse ponto Gregolin (2007, p.15) diz que, “em um momento

histórico, há algumas idéias que devem ser enunciadas e outras que precisam ser

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caladas.” Isso se deve ao funcionamento das Formações Discursivas, em que os

discursos ao serem inscritos nelas, possibilitam os efeitos de sentidos que

sustentam o que se pode dizer numa dada época.

Observamos que, as inversões de papéis oriundas das mudanças

ocorridas passaram a fazer parte do dia a dia dessas novas identidades que se

fragmentam e se dispersam na contemporaneidade. Isso provoca uma inversão da

“ordem do discurso”, pois a figura masculina se mostra reformulada e atualizada ao

momento histórico em que vive, sem mais fazer uso de atitudes ou discursos

machistas e com isso instaura-se uma outra imagem que altera os papéis

historicamente determinados das mulheres e dos homens.

5 - 50 anos da pílula celebrando mulheres, celebrando inovações.

Neste enunciado, nas relações interdiscursivas que constituem as redes

de memória, o que se revela dessa celebração não é apenas os 50 anos de pílulas,

mas as mulheres em especial, as lutas enfrentadas, as resistências, enfim, todo um

processo demorado e doloroso, mas vitorioso de mudança dessa mulher, que inovou

ao conquistar seu espaço numa sociedade que lhe deixava à margem. Gregolin

(2011, p.170) coloca que na produção de sentidos na sociedade os discursos

“trabalham a memória e fazem esses enunciados integrarem-se a redes de outras

formulações e constituírem outros trajetos de sentidos.” Assim, esta materialidade

remete-se à história das mulheres, e este dizer se fundamenta em um dizer anterior

que se encontra na memória coletiva. Sem desconsiderar sua dispersão de sentidos.

3.3 MOVIMENTOS DE INTERPRETAÇÃO: POSIÇÃO SUJEITO NA REVISTA

O panorama explicitado pelas indicações espargidas no/pelo

funcionamento discursivo da revista aponta para a seguinte trilogia: carreira,

comportamento e equilíbrio. As negociações dos jogos discursivos impregnam

desde as chamadas das matérias principais que apresentam como mito/modelo

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personalidades midiáticas para serem seguidas, até as menores notas presentes

nas materialidades do campo discursivo agenciado.

Observamos ainda que a imagem da mulher trabalhadora agenciada

pelos discursos materializados erige um imaginário pelo fio do discurso, que se

instala no lugar específico de projeção dessas identidades.

A resposta dada pela discursivização impetrada aos possíveis

questionamentos das profissionais acerca de como atingir sucesso, assim como o

modo de proceder adequado posto pela revista, configura-se como técnicas de si

que, como assinala Foucault (1997, p.109) são “procedimentos que existem em toda

civilização, pressupostos ou prescritos aos indivíduos para fixar sua identidade,

mantê-la, ou transformá-la”. Desse modo, são realizados jogos de poder atrelados

às práticas direcionadas aos sujeitos, objetivando perdurar, conservar, ou seja,

ratificar categoricamente a ilusão de identidade implicando um sentimento de

pertença ao que é transmitido pelo entorno dos sentidos negociados na/pela prática

discursiva.

O campo discursivo analisado apresenta-se como um lugar de

enunciação, cujos sentidos subjazem ao contexto histórico e social revelados no

entrecruzamento do verbal e não verbal que fabricam os dizeres possíveis de serem

produzidos numa dada época.

É, portanto, em consonância com os postulados de Foucault, referente à

ordem de possibilidades do discurso que as práticas discursivas institucionais

aplicam-se com valor de normatizar e disciplinarizar, tal como consideramos as

materialidades da revista direcionadas às mulheres que perfazem o alvo de leitores

da VOCÊ/SA. Em vista disso, fabricar discursos acerca do trabalho feminino deve

ser visto como estratégia do poder para controlar e monitorizar os modos de

proceder, isto é, os comportamentos almejados pelo sistema econômico vigente.

Para tanto, o saber é construído e manipulado pelo enredo do poder, visando tecer

verdades sobre o sujeito. A prática midiática configura representações desejadas e

que seja útil aos interesses a ela subjacentes e que funcionam como mecanismo de

controle dos sujeitos.

Invocamos os enunciados veiculados no ato de avocação precípua das

capas, enfatizando alguns aspectos da formação discursiva que se inscreve o

domínio do saber da revista, determinando o que o campo discursivo pode e deve

dizer em torno do trabalho feminino, da relação de tempo entre o sucesso

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profissional e a vida pessoal, da valorização das características femininas no âmbito

profissional e a maleabilidade na carreira. Vale ressaltar ainda que, ao lado da

materialidade linguística situam-se figuras reconhecidas nacionalmente, citando

respectivamente na ordem cronológica de publicação: Ana Hickmann, Maria

Fernanda Cândido e Ivete Sangalo.

6 7 8

PODER FEMININO FUTURO FLEXÍVEL COMPETÊNCIA FEMININA Elas avançam no mercado, ocupam mais cargos no alto escalão e estão felizes com a carreira. Só falta ter mais tempo para a vida pessoal. (VOCÊ S/A, dezembro de

2010)

Cresce o número de mulheres que repensam a

carreira para aproveitar seus talentos com mais qualidade de vida. (VOCÊ S/A, junho

de 2011)

Você pode, sim, trilhar trajetórias e fazer negócios de um jeito diferente dos homens. E isso é muito bom para sua carreira.

(VOCÊ S/A, novembro de 2011)

Na formulação do quadro 6, apontamos a ênfase dada ao elevado

crescimento da presença feminina nos cargos superiores das empresas, conferindo-

lhe o contentamento com as conquistas galgadas na dimensão da vida pública –

carreira, resultante do processo de emancipação e inserção da mulher no mercado

de trabalho, encetado por sua independência financeira e trilhado ao longo do

processo histórico já citado no item 3.1.

Ainda na formulação citada podemos conferir o funcionamento de uma

memória discursiva concernente à administração do tempo pessoal dessas mulheres

bem sucedidas, sinalizando, de modo velado, para seus possíveis compromissos no

âmbito familiar, como algo que satisfaz essa mulher de forma integral. Esse jogo

entre a novidade e a tradição materializado nos enunciados da revista, nos remete

às palavras de Achard, (2007, p.11) referindo-se à memória, quando afirma que “o

discurso vai constituir a materialidade de certa memória social” mesmo porque após

a produção de um discurso, este pode ser retomado e ressignificado, fazendo

menção a um já dito.

A este despeito, referente à retomada do papel tradicional feminino

descortina-se um deslocamento, uma vez que não mais o vincula como uma

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obrigação imposta pela cultura patriarcal, conforme se destinava a mulher o dever

de cumprir antes de tudo, seus deveres de dona de casa, esposa e mãe, porém

essa ligação se dá como um meio de lhe garantir a felicidade aspirada no aspecto

pessoal, ou seja, a ausência desta função pode causar lacunas a respeito de uma

satisfação íntima. Assim, reafirma-se essa identidade como atribuição natural e

imprescindível de maneira sutil e intencional, a fim de impregnar no imaginário

coletivo uma suposta verdade e sentimento de identificação com esse ideal de vida

para a mulher.

Assome-se a esse efeito de poder configurado como disciplinazação da

mulher a fala de uma especialista – Andrea Mele de Mello Peixoto, na condição de

figura do saber, legitimando o discurso da revista. Essa estratégia discursiva se

materializa na seção denominada – carreira gestão de tempo – em que faz uma

análise da rotina de uma gerente que tenta conciliar trabalho e família,

aconselhando:

9 - Precisa melhorar o tempo que dedica a ela mesma, porque o equilíbrio da

casa e da família está na mulher.

Buscando fixar uma ordem de saber-poder das várias identidades

determinadas para a mulher, a VOCÊ S/A instaura dizeres ancorados numa

“vontade de verdade” que estabelece práticas de individualização por meio de

estratégias discursivas como o conselho, a orientação advinda de um especialista

que traz a voz da instância do saber da ciência para legitimar seu discurso. Isso

mostra que a mídia tem o poder de autenticar os discursos, habilitando-os como

verdadeiros.

Importa tomar conhecimento que a produção discursiva da VOCÊ S/A

revela nesses discursos um arregimentar, uma regulamentação, tentando disciplinar

aquelas que recorrem a seu postulado, prescrevendo o comportamento em

conformidade com a posição sujeito imposta pela revista que enaltece em seu jogo

discursivo a possibilidade de adaptação da mulher em administrar seus novos

papéis, mas reafirmando o discurso de valorização a figura da mãe, cristalizado no

imaginário social. Aquele ideal de mãe e esposa dedicada se estende a uma jornada

88

de labuta refletida no lar, na condição de responsável pelo bem estar dos filhos e

marido e na vida pública, no trabalho remunerado, ou seja, uma tripla duração de

trabalho, um acúmulo de deveres e obrigações que a mulher tem que dar conta.

A produção discursiva em relação a essa tripla jornada de trabalho da

mulher na atualidade, agenciada pela revista VOCÊ S/A é demarcada também na

entrevista realizada por Eduardo Nunomura ao Psicanalista Contardo Calligaris

intitulada – Às vezes sem culpa –. A seguir observamos alguns enunciados

contribuindo para a produção dessa identidade feminina contemporânea, a partir de

saberes refletidos como efeitos de verdades que delineiam maneiras de se portar da

mulher, através das práticas discursivas e não-discursivas.

10 - O que permite viver bem entre três jornadas só pode ser uma real dimensão

de paixão. É não estar em nenhuma delas por obrigação.

11 - O segredo para se dar bem é não estar em nenhuma das jornadas por obrigação. Ter vontade de ser amante, ter desejos sexuais fortes. Ter satisfação

nas coisas do lar, na função de mãe. E no trabalho também.

12 - Elas são mais ricas como pessoas, corajosas, malucas. O fato de viver constantemente três jornadas só pode fazê-las mais interessantes e inteligentes.

13 - A mulher é mais plástica e tem mais facilidade de enfrentar situações diferentes, se adaptar a elas e mudar rapidamente. Isso pode ser uma vantagem

muito grande.

No enunciado “O que permite viver bem entre três jornadas só pode ser

uma real dimensão de paixão. É não estar em nenhuma delas por obrigação”, é

forçoso registrar a mobilização do apelo no enquadramento da mulher por meio das

orientações e conselhos de profissionais consagrados, legitimado e atestado pelo

saber de ordem científica. Os enunciados desses profissionais servem de

sustentação à ordem discursiva da instância midiática, pois o saber que fazem

circular os credenciam como interpretes da verdade. Podemos observar, a partir

dessas manobras discursivas por meio das quais esses profissionais da mídia

incitam e propõem uma nova experiência, impulsionada e favorecida pelo/no

89

sentimento de doação, de paixão, e de entrega aos papéis que dizem respeito a

essas mulheres a quem se dirige a revista, o exercício do poder. Por isso, vale

observar nas teias ilusórias e fascinantes dessas construções discursivas o quão

fácil é conduzir-se na disciplina que pontua o esperado pela mulher. Nesses

discursos a memória está sendo reafirmada constantemente.

Em que pese a variedade de ocupações e atuações retomadas e

condicionadas a mulher no plano discursivo, esta é apresentada como senhora do

seu tempo, dona de suas atuações e possibilidades de condução na brilhante e

desafiadora identidade contemporânea, ela e somente ela, é capaz de enveredar

nas trilhas de comando e instruções ofertadas como fonte geradora de inspiração,

em forma de dicas, conselhos da companheira – expressão adotada pela revista –

intentando instrumentalizar a leitora numa super-mulher que se adapta

surpreendentemente como semelhante a um efeito “camaleão” atendendo a lei

natural do que se configura o ser feminino.“O segredo para se dar bem é não estar

em nenhuma das jornadas por obrigação. Ter vontade de ser amante, ter desejos

sexuais fortes. Ter satisfação nas coisas do lar, na função de mãe. E no trabalho

também.” Pelo que se colhe na síntese da fala do psicanalista, é tão simplesmente

amar o que faz, ter disposição íntima e uma sutil parcela de empenho nos vários

seus diversos papéis, o que importa é não negligenciar sua antiga e continuada

função essencial – a de mãe e esposa – não lhe custa quase nada na resolução de

modo eficaz e natural na ascensão a essa condição de uma mulher múltipla e

eficiente.

Entretanto, o que se nota, desses meandros arquitetados que subjazem

os discursos arrojados são atualizações das estratégias de poder perfilhando o

saber disciplinador, propondo a propagação de uma certa mulher, a mulher dos

negócios que não deixará de ser a mãe, esposa e amante em primeira instância.

Percorrendo o dito popular, a opção é “pegar” ou “largar” e, como esta é uma

escolha que lhe confere o bem estar e realização “única” pessoal, sentido elaborado

e negociado previamente pela revista, podemos ver funcionando os mecanismos de

controle reverberados pelas normas postas como verdadeiras e assim o mais

“sensato” seria, segundo a voz da revista, seguir suas orientações/consultas.

Considerando que as produções discursivas atendem aos mecanismos

que determinam o dizer, organizando-os e selecionando-os a partir dos

procedimentos de controle, percebe-se no enunciado “A mulher é mais plástica e

90

tem mais facilidade de enfrentar situações diferentes, se adaptar a elas e mudar

rapidamente. Isso pode ser uma vantagem muito grande” que há uma certa

exaltação das características femininas, traçadas na medida de suas

“potencialidades naturais”, perpetuando movimentos de memória acerca de

habilidades entre programações de conduta, que instalam normas de proceder e

convocam as leitoras da revista a adotarem um estilo de vida que lhes possibilitem

proveito na condução de suas existências, como também apreciar na definição de si,

sua identidade particular condizente com o ápice do que seja a definição da mulher

atual, produzida pela VOCÊ S/A.

Hall (2011) discorre em torno da produção das identidades engendradas

no interior de formações e práticas discursivas, por estratégias específicas de cada

momento histórico de uma sociedade, fazendo uso da linguagem, da cultura e de

recursos da história. O autor entende que as identidades,

(...) têm a ver não tanto com as questões “quem nós somos” ou “de onde nós viemos”, mas muito mais com as questões “quem nós podemos nos tornar”, “como nós temos sido representados” e “como essa representação afeta a forma como nós podemos representar a nós próprios” (HALL, 2011, p.109).

Esse movimento é repetido e reforçado pelo especialista, retratando a

manifestação da revista, ao enunciar: “Elas são mais ricas como pessoas, corajosas,

malucas. O fato de viver constantemente três jornadas só pode fazê-las mais

interessantes e inteligentes.” A recorrente construção discursiva da realidade

apontada pela prática discursiva midiática, tem no discurso essa prática enlaçando

os saberes e a política do poder, social e historicamente determinadas, referente ao

campo das relações entre saber e poder que está submetido à ordem discursiva e,

também, entender como este enunciador faz do seu discurso um dispositivo de

poder capaz não só de convencer, mas acima de tudo de sujeitar e governar os

outros.

Desse modo, as alterações nas identidades acompanham as de ordem

social e histórica, sendo, pois, por meio da memória que se efetivam. Indo ao

encontro desse raciocínio retomamos a chamada da revisita, referente ao quadro 8,

91

quando enuncia: Competência Feminina: Você pode, sim, trilhar trajetórias e fazer

negócios de um jeito diferente dos homens. E isso é muito bom para sua carreira.

Nessa materialidade verbal, verificamos mudança no funcionamento

discursivo, pois agora o olhar é apontado mais intensamente para as habilidades

ditas femininas, colocando-as num certo lugar de destaque e assegurando-as como

vantagem em detrimento do jeito de operacionalizar do homem. Assim, ancorado a

essa assertiva trazemos uma sequência discursiva retirada de um dos artigos da

revista VOCÊ S/A intitulado “Elas, por mim” de Dan Stulbach, a seguir:

14 - A mulher brasileira no mercado de trabalho é uma realidade

saudável. Cada vez mais presente em todas as áreas e cargos. A mulher com seu jeito diferente de mandar, com um jeito diferente de fazer acontecer. Vejo a mulher no poder como a possibilidade de uma

sociedade mais calma e menos sustentada na força. Mais inteligente e mais bonita.

15 - É essa inteligência emocional e intuitiva, profundamente feminina, que vai fazer a diferença no novo mundo. É o olhar diferente, a percepção

de algo não visto, um entendimento mais maleável para com o outro e com o meio em que vivemos.

92

Os enunciados 14 e 15, acima apresentados, acionam uma retomada aos

pressupostos patriarcais, embora o enunciado masculino silencie o intento desejado,

ainda que seja para fazer aparecer um sentido de igualdade, quando diz: “jeito

diferente de mandar”, parece pontuar – as mulheres estão aparecendo, mas ainda

são frágeis.

A inserção da mulher no mercado de trabalho é progressiva e essa

situação implica uma série de reações tidas positivas para o universo feminino, tais

como: independência e realização de ordem pessoal. Para tanto, é fixado e forjado

através da mídia saberes que materializam uma “vontade de verdade” dessa prática

institucional, conferindo métodos de aspiração para a nova configuração identitária

feminina, criada pelo sistema de poder, realizando-as pela credibilidade conferida

aos discursos. Em torno da produção da verdade como produção discursiva,

assinala Foucault (2012, p.12),

A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua „política geral‟ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.

Nesse ângulo de discussões, visualizamos relações de saber/poder

impregnadas nas formas de comportamentos estabelecidas como padrão feminino

exigido e propagado nos enunciados acima destacados. Na seguinte formulação –

mulher brasileira no mercado de trabalho é uma realidade saudável. Cada vez mais

presente em todas as áreas e cargos. A mulher com seu jeito diferente de mandar,

com um jeito diferente de fazer acontecer. Vejo a mulher no poder como a

possibilidade de uma sociedade mais calma e menos sustentada na força. Mais

inteligente e mais bonita – o que incide sobre as leitoras da prática discursiva de

VOCÊ S/A são habilidades incorporadas em sentidos historicamente difundidos, haja

vista o deslocamento efetuado pela memória discursiva, a partir da sensibilidade dos

corpos para a sensibilidade das funções.

93

Ao encontro dessa ordem discursiva, podemos citar o autor Júlio (2002,

p.136), que concernente à questão, se expressa da seguinte forma:

A vida profissional compartilhada com as mulheres tem se revelado mais ativa, mais colorida e mais interessante. Esse intercâmbio de conhecimentos e sensibilidades tem se mostrado proveitoso para ambas as partes. Troca-se razão por criatividade, matemática por poesia, disciplina por afetividade. E vice-versa. Reafirmo a necessidade de aprendizado permanente e as mulheres são boas professoras por natureza. Enfim, diria que não importa o sexo ou a opção sexual. Quem aspira a uma carreira de sucesso tem que assumir, de agora em diante, um perfil mais feminino. E este conselho vale também para as mulheres que ainda não descobriram suas próprias virtudes.

No mesmo diapasão, as palavras de Sina (2005) revelam que no universo

dos primeiros escalões há um intenso rol de qualidades femininas previstas e

ansiadas pelo mercado de trabalho, postas como uma receita de difícil dosagem de

temperos, mas viável. Sina (2005, p.34) ainda acrescenta:

Virou regra, por exemplo, que as empresas, ao contratar, busquem perfis capazes de juntar qualidades como talento para o trabalho em equipe e flexibilidade, muito comuns nas executivas e que agora são procurados também nos candidatos masculinos.

No saber configurado dentro da formação discursiva, a qual se filia essa

prática discursiva, sendo determinante no seu dizer, o emprego dessa engrenagem

é veiculado, obstinadamente, por outros setores da revista. Como podemos

destacar, essa efetivação, verifica-se na seção carreira/opinião, trazendo várias

opiniões de presidentes sobre a atuação da mulher nos negócios. A seguir, esses

dizeres são elencados.

94

16 - As mulheres se mostram muito mais

sensíveis ao conduzir situações complexas e de ambiguidade. Além

disso, são extremamente determinadas e

assertivas. Raymundo Peixoto – Presidente da Dell

Brasil

17 - Elas veem as coisas de outras

perspectivas e têm o poder da intuição, que nós pouco dominamos.

Têm que aproveitar suas diferenças como

um real diferencial. Quanto mais se

aproximarem da forma como os homens agem, mais elas

perdem. Sergio Chaia –

Presidente da Nextel

18 - Não há nada mais efetivo e encantador do que aliar competência a atributos femininos como

sensibilidade e comprometimento.

Havendo essa combinação, qualquer outra coisa ‘estratégia’ para se diferenciar se

torna dispensável e até inconveniente.

Paulo Kakinoff – Presidente da Audi

Brasil

19 - Elas têm uma imensa capacidade de realização e, na

medida em que consigam encontrar

um equilíbrio saudável entre o lado

pessoal e o profissional, não há

nada que possa detê-las de chegar ao

comando das grandes corporações. Daniel Moczdlower – CEO da Chemtech

Toda essa discursividade em torno das habilidades femininas, tais como:

“sensibilidade”, “determinação”, "intuitiva”, “detalhista”, detentora de uma percepção

apurada dentre outras, é antes e, sobretudo, um complexo jogo de saber/poder que

se emaranha a partir de determinados preceitos, definindo modos de ser e de

proceder que escapam e como pistas assaltam o nosso gesto de leitura e varredura

dentro do mais relevante nessa união de peças armadas pela revista no trabalho de

sobreposição das partes de uma teia, como trato comum das práticas discursivas

midiáticas Barbosa (2010). Importa apontar nos discursos o solene propósito de

regulamentação colocado engenhosamente, reatualizando sentidos sobre o trabalho

da mulher que incita, de maneira velada, o desejo de adequar essas profissionais

dentro dos elementos referidos para um bom desempenho de suas atividades.

95

Deflagra-se nas materialidades discursivas uma escrita masculina,

produzindo sentidos sobre a mulher. Esses enunciados estão repletos de uma

memória masculina retomada para expor na “diferença feminina” um mal necessário

que determine o lugar das mulheres no mundo dos negócios.

Os vestígios de memória estão presentes nas retomadas dos discursos

materializados pela mídia, concernente ao modo diferenciado aplicado aos homens

e mulheres nas exigências profissionais. As relações de gêneros ainda refletem

respingos das divisões sexuais de trabalho, como podemos vislumbrar na insistência

do apregoar das qualidades femininas, quesito esse responsável por muito tempo,

pelo modo de representação do masculino e feminino que segregava a mulher.

Nota-se nas materialidades discursivas uma interdiscursividade para

compreensão do funcionamento do discurso, nessa percepção de outros discursos

presentes através do interdiscurso, declarando as características de feminilidade ao

direcionar como o agir feminino pode se enquadrar na mulher contemporânea. O

que antes, denotava fragilidade e, por conseguinte inferioridade, agora é deslocada

para um sentido de favoritismo em detrimento das práticas do que representa a

masculinidade no ambiente de trabalho. É na relação saber/poder que se observa as

estratégias de poder. Por meio do trabalho com a memória se faz possível resgatar

a historicidade da produção discursiva como no trecho: Elas veem as coisas de

outras perspectivas e têm o poder da intuição, que nós pouco dominamos. Têm que

aproveitar suas diferenças como um real diferencial. Quanto mais se aproximarem

da forma como os homens agem, mais elas perdem. Isso se faz a partir de uma rede

de memória, por meio da qual se pode notar um olhar masculino produzindo efeitos

de sentido e verdade sobre a mulher.

Neste ínterim, destacamos a inscrição de discursos atrelados a uma FD

que fabrica dizeres sobre a identidade da mulher trabalhadora na

contemporaneidade, perpetuando discursividades alicerçadas na memória que é

retomada, ressignificada, reformulada, intentando realizar um protótipo dessa

mulher, espelho que reflete uma produção discursiva agenciada pelas relações de

poder dirigidas pelo neoliberalismo, ditando e normatizando os sujeitos que buscam

concretizar sua identidade em conformidade com o que é instituído pelas práticas

discursivas.

Já no jogo discursivo negociado pela formulação do quadro 2 – Futuro

Flexível: cresce o número de mulheres que repensam a carreira para aproveitar

96

seus talentos com mais qualidade de vida – o direcionamento é dado e retomado

para as leitoras que desejam produtividade sem perder a perspectiva de se realizar

nas outras esferas da vida, obtendo maleabilidade no trabalho. Aqui vemos as

opções, os meios de suprir e solucionar as inquietações e culpas oriundas de

ausências inevitáveis pelo acúmulo de tarefas e funções assumidas pela mulher da

atualidade.

Como se pode vislumbrar nos enunciados, assinalamos uma posição

sujeito marcada por uma produção discursiva que expressa uma ‘vontade de

verdade’ que, baseando-se na legitimidade do discurso verdadeiro, apto a infundir o

saber disciplinando e definido da identidade da mulher trabalhadora na

contemporaneidade, dissemina, pelas práticas discursivas, o poder exercido no

interior da sociedade, intentando enquadrar a identidade feminina numa exigência

ditada pela ordem do sistema econômico da atualidade. Isso produz uma imagem

identitária que emoldura a mulher contemporânea, dentro de práticas específicas

relacionadas a antigas e inovadoras identidades que deve pertencer a sua história

do presente aquinhoada através do discurso midiático.

3.4 O TRABALHO FEMININO NO FOCO DA MÍDIA: IDENTIDADE

TRABALHADORA/NEOLIBERALISMO

Um novo panorama se projeta por meio dos discursos renovados, re-

significados e dispostos pela mídia. É por intermédio das discursividades em torno

dessa mulher trabalhadora, que as materialidades discursivas apresentam a mulher

em sintonia com as exigências do mercado atual, aquela que melhor se insere no

contexto o qual estamos vivenciando, vindo responder de modo positivo aos

interesses de ordem política e econômica. Como podemos constatar na

materialidade discursiva a seguir:

Olhos no futuro

Com serenidade e planejamento, Maria Fernanda Cândido vai desenhando uma carreira de múltiplos papéis. Atriz, Empresária e Mãe, ela sabe muito bem o que quer. Que tal aprender aprender com ela a integrar vida pessoal e profissional?

97

Crédito: Danilo Borges

O enunciado imagético acima retrata uma linda mulher, feliz,

independente, decidida e segura na condição que ocupa dentro do lar e fora dele.

Isso se pode perceber também no decorrer da matéria em torno da maneira triunfal

como Maria Fernanda Cândido conduz as diferentes atribuições de ordem pessoal e

profissional, expresso também no enunciado – com serenidade e planejamento,

Maria Fernanda Cândido vai desenhando uma carreira de múltiplos papéis. Atriz,

Empresária e Mãe, ela sabe muito bem o que quer. Assim, o enunciado imagético e

o verbal se complementam na produção de efeitos de sentido nos quais o

sincretismo de linguagem marca a produção de tais efeitos.

Davallon (2007, p.28) diz que “a imagem representa a realidade” e ainda

afirma que a imagem é utilizada,

5 Dicas para aprender continuamente: 1 – Invista em sua carreira formal, isso é importante para ampliar seus horizontes e amadurecer seu jeito de pensar. 2 – Tente fazer planejamentos no médio e longo prazo para que suas ações tenham um objeto maior. 3 – Quando entrar em um projeto novo, converse com pessoas que já entendem da área e ouça muito. 4 – Conviva com gente de outras profissões para pensar fora da caixa. 5 – Leia muito, de tudo.

98

[...] em complementaridade com o enunciado lingüístico para apresentar – tornar presentes – as qualidades de um produto e conduzir assim o leitor a se recordar de suas qualidades, mas também a fazê-lo se posicionarem meio ao grupo social dos consumidores desse produto; a se situar, a se representar esse lugar.

Deste modo, a pretensa seguidora – no caso o público da revista - é

atraído pelo reconhecimento da imagem e convidada a compartilhar da memória

social resgatada, na qual se vê a mulher enquanto dona de casa e enquanto

excelente profissional, concomitantemente, seria quase a mulher imbatível,

insuperável. É a história e a memória que possibilitam a volta dos dizeres em torno

desse papel identitário tradicional considerado feminino – aquele de caráter

doméstico, destinado aos cuidados com os filhos, o marido e o lar – e a formação de

novos falares sobre as demais funções, as quais o público feminino conquistou –

referente ao trabalho remunerado, à esfera pública –, através dos enfrentamentos

diversos.

Tratando da recorrência dos enunciados, Foucault (2008, p.26), afirma

que “o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta”, referindo-

se ao retorno do acontecimento, o já-dito reformulado e re-significado. É esse

movimento que observamos no enunciado analisado, um certo poder de

deslumbramento e de convite que é direcionado ao público alvo desses enunciados,

a entrarem na ordem discursiva e na história do presente da mulher trabalhadora

contemporânea.

Tendo em vista ditar as regras do modo de proceder e viver, os discursos

produzidos instauram o entendimento de que, ao seguir o mito, ou seja, fazendo o

posto pela cartilha da mídia, que por sua vez atende ao projeto neoliberal, essas

mulheres também constroem seus valores em consonância com o tempo atual.

Assim, atendendo de modo automático aos ditames previstos se configurarão como

as antenadas às concepções das identidades disseminadas. Vejamos: “Com

serenidade e planejamento” – “Que tal aprender aprender com ela a integrar vida

pessoal e profissional?”. É como se a voz da revista ecoasse: siga-me e se tornará a

mulher do momento, a admirada, a almejada, a desejada.

99

Para coroar essa ideia da aparência sempre incansável e capaz de

conduzir e equilibrar qualquer situação, vejamos na sequência da matéria o seguinte

enunciado:

20 - Dicas para aprender continuamente.

Essas discursividades materializadas como receituários, infiltra saberes

acerca do investimento profissional, instituído como lei, configurando-se com

urgentes ações a serem impregnadas na programação e planejamento pessoal

dessas mulheres, para que alcancem a realização profissional e pessoal ilustrada na

matéria. Simples assim, para ter sucesso e alçar altos patamares é só seguir nosso

modelo de “mulher-neoliberal”, aquela que se enquadra dentro dos padrões das

relações de poder do sistema econômico, atenta a produtividade, a competição

incessante e, a busca desenfreada pela qualificação. Assim como o guia contendo 5

(cinco) dicas, orienta: 1 – Invista em sua educação formal, isso é importante para

ampliar seus horizontes e amadurecer e amadurecer seu jeito de pensar; 2 – Tente

fazer planejamentos no médio e longo prazo para que suas ações tenham um

objetivo maior; 3 – Quando entrar em um projeto novo, converse com pessoas que

já entendem da área e ouça muito; 4 – Conviva com gente de outras profissões para

pensar fora da caixa; 5 – Leia muito de tudo.

Acompanhando a mesma noção da discursivização midiática sobre a

mulher, trazemos outro compêndio listado em 8 (oito) passos que se deve evitar

para se garantir um brilhante resultado profissional, a tentativa de convencimento do

discurso direcionado à mulher atual, de que, ao percorrer essa trilha, ela conquista

uma imagem feminina que toda mulher contemporânea deseja ter – a da mulher

prática, objetiva e eficiente. Dessa vez, a VOCÊ S/A procura legitimar o discurso

buscando se ancorar em Andrea Mele Peixoto, professora de gestão de pessoas e

consultora sênior da Eves on Future, intitulado de Palavra de Especialista.

100

8 ITENS QUE MATAM A PRODUTIVIDADE

1. E-mail

Ficar com e-mail aberto o tempo todo é um péssimo negócio: aumenta o nível de

interrupções, a ansiedade e a sensaç ão de atividades por fazer. Deve-se definir

períodos para lidar com as mensagens.

5. Falta de energia Você está sem pique e não consegue se

concentrar? O cansaço rouba as horas do dia e faz a pessoa "surfar" em atividades

circunstanciais. Tenha hobbies, tome vitaminas, faça sexo com frequência.

2. Não ter clareza sobre o que fazer O que você precisa fazer primeiro? Você

sabe pelo menos 80% do que deve ser feito hoje? Se não souber responder a essas perguntas, com certeza vai se perder em

tarefas circunstanciais.

6. Falta de foco Começa uma atividade e em pouco tempo salta para outras tarefas? Feche qualquer

outro software que não esteja usando, coloque o celular no silencioso e, se funcionar para você, ouça música.

3. Estou em reunião Uma pesquisa mostrou que um terço das reuniões pode ser cancelado. Se tiver de

fazer, seja bem objetiva, defina claramente os pontos de discussão e faça durar, no

máximo, duas horas.

7. Adeus aos favoritos Você abre seu browser para ver um site, esbarra na lista de favoritos e começa a

surfar por outros portais? Instale um novo navegador e não importe seus favoritos.

4. Redes sociais

Controle a ansiedade de ficar conectado a essas redes. Utilize eventuais intervalos no

dia ou o horário de almoço.

8. Messenger, GTalk A regra é simples: está ocupado? Fique com

status invisível ou offline. Está tranquilo? Fique ausente ou ocupado.

Assim como podemos observar, as orientações apontadas acima em

forma de caminho a ser seguindo pela trabalhadora reitera o propósito de

disciplinamento do estilo de vida e forma de se conduzir espargido nos meandros de

saber/poder perpassados pelos discursos da revista VOCÊ S/A.

Tais materialidades discursivas apresentam as ações do Sistema

econômico atual praticando o exercício do poder atrelado ao dispositivo disciplinar

da mídia que estabelece a ordem desejada no funcionamento social, mais

especificamente no trabalho, sendo inscrita na produção do saber, ou seja, pelo

discurso. Nesse sentido, atendendo a estratégia disciplinar do poder, a produção e

circulação dos discursos midiáticos patenteiam como deve ser a mulher

trabalhadora, encobrindo a fabricação dessa mulher que é estipulada na visibilidade

de como deve ser seu procedimento no mundo. Sobre essa questão, argumenta

Gomes (2003, p.77):

101

É por conta da visibilidade que as mídias assumem um papel crucial como disciplina e controle, portanto, como promotoras/mantenedoras de escalas de valores, como vigilantes. (...) Enquanto mostram, as mídias disciplinam pela maneira de mostrar. É em relação à disciplina que se diz que se não passou pelas mídias não há poder de reivindicação; é em relação a controle que se diz que se não passou pelas mídias não existem.

Os feixes de sentidos refletidos pelas modelos, verdadeiros guias de

conduta para os dias atuais e refletidos nas matérias principais das três edições da

revista VOCÊ S/A – Ivete Sangalo, Ana Hickmann, Maria Fernanda Cândido - nos

possibilita, no caminho analítico a que nos destinamos, observar as normas na

condição de efeitos de “verdades” e regulação da vida, seja pela mídia ou pela ação

disciplinadora do neoliberalismo, que por sua vez tem na mídia uma instância de

controle e fabricação de indivíduos para perpetuação da ordem do poder. Conforme

podemos conferir nas dicas ofertadas por Ana Hickmann e posteriormente por Ivete

Sangalo.

102

Nas matérias discursivas enfatizam-se como as figuras midiáticas

conduzem com equilíbrio, liderança, trabalho e habilidade suas diversas

possibilidades de atuar. Agindo em consonância com uma espécie de lógica de

mercado competitivo, como uma empresa de si mesma. Destacamos essa

construção também nos seguintes enunciados, profetizando o sucesso para a

mulher realizada e feliz: “acordar cedo, trabalhar muito, focar o objetivo”, “enxergar-

se como produto”, “sempre se aprimorar”, “ter ambição”, “vencer as próprias forças”.

A fim de conquistar a configuração do feminino atual, deve a leitora,

seguir as dicas, os hábitos e todo o conjunto de informações acerca do

desenvolvimento de habilidades, treinamentos, inovação e adaptação que

conseguem dispor as tais figuras modelos.

A seguir, alguns encaminhamentos de Ivete Sangalo proclamando, pela

repetição dos discursos da VOCÊ S/A, um padrão de mulher trabalhadora:

21 - Sou uma artista multifacetada, atuo em diversas áreas, então isso é bom para a

empresa.

22 - No meu trabalho consigo ser dona de minhas próprias regras.

Esses saberes que delineiam a trabalhadora contemporânea atuam na

produção de sujeitos dóceis segundo os ditames do poder, sendo estrategicamente

Mulher Onipresente

Com disciplina e uma energia de dar inveja, Ivete Sangalo se desdobra em muitas para dar conta da carreira e da maternidade – E tudo ao mesmo tempo!

103

ordenado como um arranjo por entre as páginas da VOCÊ S/A, carregando a soma

de enunciados dispostos à vontade do poder. “Mulher onipresente”, eis o segredo

para laborar com qualidade e motivação a tornar-se uma Ivete, uma Ana Hickmann,

uma Maria Fernanda, ou entre tantas outra que ainda que são/serão apresentadas

como protótipo da trabalhadora ideal para os dias modernos, uma mulher que

responda ao interesses do sistema econômico que perpetua em nosso imaginário

influindo pelo discurso como elucidado no item 3.5 desse trabalho.

O mito dessa mulher se entrecruza com os outros discursos já analisados

nos itens anteriores, na medida em que a mídia, na condição de dispositivo

disciplinar, arregimenta os saberes disciplinadores estabelecendo as “verdades” e

promovendo a mediação do real no imaginário social. Foucault (2012, p.180)

esclarece em torno da verdade que,

(...) estamos submetidos à verdade também no sentido em que ela é lei e produz o discurso verdadeiro que decide, transmite e reproduz, ao menos em parte, efeitos de poder. Afinal, ‘somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder’.

As características femininas sustentadas por todo o campo discursivo em

diversos aspectos da VOCÊ S/A, são reforçadas e recomendadas no intuito de

favorecer identificação da lutadora incansável na construção da identidade feminina

na fôrma da mídia/neoliberal. A fragmentação das identidades da Mulher

trabalhadora segue uma projeção harmônica, disseminada sutilmente em equilíbrio

constante, são inúmeras mulheres em uma só e, conseguem realizar todas as

façanhas do dia de forma triunfal.

Esses comportamentos regulamentados pelos saberes e instituídos como

verdadeiros no social, enquadram e formam as identidades da mulher trabalhadora

fazendo menção à capacidade que emanam para gerenciar múltiplas funções com

desenvoltura. Segundo Hall (2011, p.31), “Essas experiências são vividas no

contexto de mudanças sociais e históricas, tais como mudanças no mercado de

trabalho e nos padrões de emprego.” Isso pode ser visto na atualidade, no contexto

104

do neoliberalismo/globalização que impõe uma carregada jornada de trabalho à

mulher e a exigência de assumir várias atividades no mercado de trabalho.

Demarcadas pelos moldes envoltos pelo viés discursivo midiático,

incidindo o poder por um efeito do natural e verdadeiro, como se não houvesse

nenhuma ligação ou interesse no que apregoa e faz circular sobre essas

identidades, a VOCÊ S/A estabelece uma ordem discursiva intencionando controlar

o fazer da identidade da mulher trabalhadora, a multifacetada, porém detentora de

uma enxurrada de habilidades diferenciadas possibilitando-lhe uma excelente

condução das inúmeras atribuições que lhe diz respeito, sem deixar é claro, de ser

mãe e esposa – disseminando velhas e novas discursividades sobre a mulher.

Assim, constatamos elementos que se repetem nas constantes reafirmações que

permeiam o corpus, de modo a interpelar as leitoras ao processo de adesão dos

modos de proceder, satisfazendo aos mecanismos do poder que adentram as

mentes das pessoas revestidos de um discurso que se autoriza como “verdadeiro”.

105

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões trazidas neste trabalho contribuem para uma melhor

compreensão de como a mídia constrói discursivamente as identidades femininas

contemporâneas. A revista VOCÊ/AS foi analisada com o objetivo de aportarmos

como ela produz a identidade da mulher trabalhadora no presente, contexto

marcado pelo Neoliberalismo.

O corpus selecionado foi resultado de um trajeto temático traçado, em

que se percebeu uma regularidade discursiva em torno das identidades da mulher

trabalhadora contemporânea, de uma nova subjetividade feminina, entre

permanências e redescrições das velhas identidades de gênero. É nessa repetição

da temática a qual estabelecemos ser o foco do nosso trabalho, em que consiste a

escolha do trajeto temático da discursivização midiática sobre a mulher

contemporânea – a trabalhadora –, abordando em seu entorno a fragmentação e

dispersão das identidades e a relação de gênero e trabalho, bem como da retomada

dos papéis tradicionais que eram tidos como da mulher, a reafirmação do

pertencimento dessas atividades à mulher – especialmente o papel de dona do lar –,

embora ela tenha descortinado novos espaços.

Esses saberes que delineiam a trabalhadora contemporânea atuam na

produção de sujeitos dóceis segundo os ditames do poder, sendo estrategicamente

ordenado como um arranjo por entre as páginas da VOCÊ S/A, carregando a soma

de enunciados dispostos à vontade do poder e produzindo sujeito como produto do

poder e do saber, delineado através das construções discursivas que circulam no

social. Desse modo, a revista VOCÊ S/A inscreve a identidade da mulher

trabalhadora, intentado construir no imaginário social efeitos de verdade à formação

de indivíduos atentos aos requisitos exigidos no disciplinamento do exercício do

poder.

Percebe-se nas materialidades discursivas analisadas, uma

demonstração da relevância da mídia em desempenhar uma discursivização em

torno da divulgação e produção desse novo perfil feminino, e suas identidades da

modernidade.

No mais, ficou robustecida a importância dessa pesquisa para se

entender as transformações a que as identidades estão sujeitas por estarem imersas

106

em um contexto propiciador, favorecendo a efemeridade nas ações diárias, no que

resulta numa falange de atuações, de identidades apregoadas pela mídia e

oferecidas ao sujeito contemporâneo.

Por isso, a relevância de uma leitura em apresentar a construção

discursiva da mídia sobre esse perfil de trabalhadora exigido pelo mercado de

trabalho, por possibilitar entendimento em torno das relações de poder que ao

erigidas construções de sentidos executam essa representação do feminino e a

formação do conhecimento sobre a sociedade, assim como viabiliza reflexões sobre

como a linguagem é constitutiva da construção das identidades da mulher

trabalhadora na contemporaneidade.

Portanto, consideramos necessário que se aprofundem e se ampliem

novas pesquisas nesse campo de estudo, em torno dessa discursivização da

identidade feminina, especificamente da mulher trabalhadora, estimulada pelos

meios de comunicação e movida pelo modo como se tornou essa “celebração

móvel”, como aponta Hall (2005), referindo-se às identidades.

Mediante a realização dessa pesquisa, intentamos contribuir tanto para

pesquisas vindouras na área de Análise do Discurso, com também para o Programa

de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade do Estado do Rio Grande do

Norte – UERN.

107

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112

ANEXOS

113

Anexo – 1

114

Anexo – 2

Para você - Editorial | Lidere a mudança

Juliana De Mari ([email protected]) – Diretora de redação / 02/06/2011.

Boa parte do cardápio de assuntos deste segundo número da Edição para Mulheres, da Você S/A, foi construída com base no retorno que tivemos das nossas leitoras.

Veio da paulista Sandra cabianca, por exemplo, a fala que inspirou a matéria Vida de Frila. Sandra trabalha com pesquisa de mercado e mandou um e-mail para a redação sugerindo explorarmos a questão de como conciliar as demandas instáveis de quem trabalha por projeto com as demandas estáveis de uma casa.

"Não posso deixar de atender meus clientes mesmo quando estou com a agenda cheia, senão caio no esquecimento no mercado", desabafa a advogada de formação, que tenta encaixar os planos de gravidez com as inúmeras viagens de trabalho e a segunda faculdade, de psicologia. outra leitora, Isabella Ferraro, queria saber mais sobre como lidar com o estresse em rotinas que se alteram diversas vezes ao longo do dia. Daí, nasceu nossa

reportagem sobre o drama que é, atualmente, transformar uma reunião corporativa num encontro realmente produtivo.

Já Vanessa Lima sugeriu a história de carreira de uma executiva brasileira na cadeira de presidente de uma grande corporação multinacional. Nós fomos atrás do perfil da carioca Melanie Healey, a número 1 da Procter & Gamble nos Estados Unidos. E de Dayane Ramos, que mora em Brasília, veio um pedido: que a revista continuasse no formato ideal para levar na bolsa. Sandra, Isabella, Vanessa e Dayane, entre outras leitoras que escreveram para dar seu depoimento e sua contribuição, são mulheres interessadas em crescer na vida profissional sem perder a perspectiva de se realizar nas outras esferas da vida (família, amigos, lazer, prazer!).

Ao longo desta edição, você vai encontrar razões para não abandonar esse desejo, seguindo na busca de sua plena realização (e não do sucesso que vem do trabalho mas deixa a vida aos pedaços). como diz a espanhola Nuria chinchilla, do Iese Business School, especialista em trabalho e família, em entrevista nesta edição, a mudança precisa ocorrer por meio da atitude da mulher.

Antes das empresas, do chefe, do marido, do mercado, somos nós que precisamos ter coragem de propor novos arranjos de trabalho, de negociar outros horários, de buscar opções profissionais diferentes — e de jogar as culpas fora e assumir, de uma vez, que a carreira é uma fonte incrível de satisfação. O futuro é a gente quem faz — e ele pode, sim, ser mais flexível. Boa leitura!

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Anexo – 3

Editorial - Inquietação e Inspiração

Juliana De Mari - Diretora de redação ([email protected]) 10/12/2010.

A ideia de fazer um especial dedicado à carreira das mulheres surgiu de duas constataco es. A primeira diz respeito ao fato de que existe, ainda, uma disparidade importante entre o preparo e a competência de quem veste saias (na o há mais dúvida de que nós conjugamos os dois atributos) e o número de vagas ocupadas no topo. Vem aumentando, mas apenas 7% das cadeiras da presidência esta o com mulheres entre as 150 melhores empresas para trabalhar do país, segundo o anuário publicado pela VOCÊ S/A em setembro deste ano. A segunda é que há um movimento crescente de mulheres puxando a discussa o sobre trajetória profissional nas empresas em que trabalham, tanto por aqui quanto lá fora.

Mesmo com o avanc o feminino em setores diversos, seguimos estranhando o ritmo lento das oportunidades de crescimento (inclusive, salariais) e incomodadas com a perspectiva de ter de abrir ma o da realizac a o pessoal em nome do modelo de sucesso masculino, de foco quase absoluto nos negócios. Sim, estamos felizes com nossas conquistas na carreira e com nossa independência financeira, e isso nos dá um poder inegável. E na o cogitamos deixar nosso lado produtivo para trás.

Mas o que ouc o por aí é a percepc a o de que estaríamos mais satisfeitas se a agenda corporativa permitisse gerenciar melhor o tempo para cuidar mais da saúde, da família e dos nossos sonhos. Sem o suporte formal da empresa, essa tentativa acaba gerando frustrac a o para elas e um baita problema de retenc a o para as companhias — hoje na o é raro o caso de mulheres supertalentosas pedindo demissa o para tocar projetos mais flexíveis. Essa inquietac a o em relac a o ao caminho profissional surgiu, ao longo deste ano, em conversas animadas no Twitter com leitoras da VOCÊ S/A (@vocesa). E, neste especial, aparece em depoimentos de mulheres em diferentes fases da carreira, da gerente à presidente. Entre muitos acertos e alguns tropec os, elas seguem em frente, descobrindo o equilíbrio possível. Inspire-se!

http://vocesa.abril.com.br/desenvolva-sua-carreira/materia/inquietacao-inspiracao-629298.shtml

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Anexo – 4

Palavra de Homem - Elas, por mim A mulher do século 21 pode assumir qualquer papel. e nós estamos, cada vez mais, perdendo o medo de lidar com elas

Dan Stulbach ([email protected]) 02/06/2011.

Crédito: Miguel Sa / Contigo

Liz Taylor morreu. Mais bela que a beleza, ela era o modelo da mulher de sua época. Era o que todas queriam ser. O lugar da mulher admirada era o da mulher bela. Tal posto também já fora ocupado por Marilyn Monroe e Jacqueline Kennedy. A loira e a morena. A amante e a esposa. A triste e a feliz. A mulher que só se realizava se fosse outra. Hoje a mulher não é só bela. Melhor, hoje não basta ser só bela. Porque a mulher de hoje trabalha, é mãe e amante, quer cuidar e ser cuidada, pode ser loira ou morena, e o que mais quiser ser, porque, mais do que qualquer outra, ela sabe quem é. A mulher brasileira no mercado de trabalho é uma realidade saudável. Cada vez mais presente em todas as áreas e cargos.

A mulher com seu jeito diferente de mandar, com um jeito diferente de fazer acontecer. Vejo a mulher no poder como a possibilidade de uma sociedade mais calma e menos sustentada na força. Mais inteligente e mais bonita. De verdade, penso isso. Sem a marra masculina, sem a competição com a própria sombra.

Claro, eu amo as mulheres. Talvez nesta hora você me pergunte se tenho medo. Não, nenhum. Pelo contrário. Tenho desejo. Porque os homens que competem o tempo todo são bobos. E o nosso lugar é em casa. Na churrasqueira, preparando a caipirinha de kiwi pra vocês. Uma mulher deixa o trabalho mais bonito.

Pela sua presença e pela roupa. Porque com os homens é um mar de ternos iguais. E com as mulheres um riacho de possibilidades. Menos gravatas e mais sapatos de sola vermelha! E sem contar o ganho na troca de malas 007 por bolsas de todos os tipos. E que são trocadas todos os dias, sem tédio visual

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nenhum. Bolsas combinando com sapatos, bolsas combinando com laptop. Como vocês conseguem? Mulheres querem combinar, homens querem resolver.

É essa inteligência emocional e intuitiva, profundamente feminina, que vai fazer a diferença no novo mundo. É o olhar diferente, a percepção de algo não visto, um entendimento mais maleável para com o outro e com o meio em que vivemos. É conhecido o fato de que uma mulher ganha menos que um homem na mesma função. Imagino que essa desproporção venha de uma ideia machista de que, quando uma mulher trabalha, não vai viver só de seu salário, porque sempre existe um homem para ajudá-la. Com as mulheres em cargos de comando, espera-se que isso mude logo. E passemos nós a ganhar, todos, o mesmo. E talvez daí seja o princípio do caos. Porque não saberemos mais quem paga as contas do restaurante, quem abre a porta pra quem, quem dirige o carro da família na estrada.

O poder estará diluído e o homem estará perdido, procurando seu novo lugar. Na verdade, sabemos que, apesar da diferença salarial ainda injusta, esses dias já chegaram. E isso não é o caos. Elisabeth Taylor que me perdoe, mas é o mais perto que chegamos do equilíbrio.

E temos tudo para que, juntos, possamos melhorar ainda mais. E fazer do equilíbrio a nova harmonia. Um bom caos, como o amor. Vai uma caipirinha?

http://vocesa.abril.com.br/organize-suas-financas/materia/especial-mulheres-2-artigo-palavra-

homem-elas-mim-644508.shtml

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Anexo – 5 Olhos no futuro Com serenidade e planejamento, Maria Fernanda Cândido vai desenhando uma

carreira de múltiplos papéis. Atriz, Empresária e Mãe, ela sabe muito bem o que

quer. Que tal aprender aprender com ela a integrar vida pessoal e profissional?

Crédito: Danilo Borges

Repare: você não vê mais Maria Fernanda Cândido, de 36 anos, atuando numa novela ao mesmo tempo em que ensaia uma nova peça e participa de filmagens para cinema. A fase do tudo ao mesmo tempo agora já passou para ela que, além de atriz, é empreendedora e mãe de Nicolas e Tomás, de 2 e 5 anos, respectivamente. "Gosto de ir fundo nos meus projetos e, com dois filhos pequenos, só tenho tempo para me dedicar a uma coisa de cada vez", diz Maria Fernanda. Apesar disso, lidar com a agenda dela não é das tarefas mais simples.

É preciso muito jogo de cintura e foco para enfrentar os diferentes compromissos que lotam seus dias: de estudos teatrais e ensaios fotográficos a aulas de pilates e almoços com amigos. Diante das demandas, Maria Fernanda se mantém serena — uma de suas características marcantes. Respira fundo e consegue encaixar todos os compromissos. Se tiver de ensaiar uma peça de teatro, deixa de lado, temporariamente, os pequenos prazeres, como a ginástica e as visitas a livrarias — programa que adora. Foi o que aconteceu no segundo semestre de 2010 quando separou três meses dedicando-se à composição da Marquesa de Merteuil, personagem que encarna em Ligações Perigosas, que teve estreia em São Paulo em novembro do ano passado e está

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atualmente em turnê pelo interior do estado e em Curitiba, Paraná. Para dar vida à primeira vilã de sua carreira, Maria Fernanda encarou seis horas de ensaio diárias em uma sala isolada no bairro paulistano da Lapa. Dedicada, quando os outros atores iam embora, ela continuava no local a esmiuçar as características de sua personagem marcada pela inveja. "Sabia de antemão que teria de me dedicar muito ao projeto", diz. "Conversei longamente com psicanalistas e li vários livros de apoio para tentar entender melhor a complexidade das relações humanas que cercavam meu papel", lembra. À noite, deixava os estudos de lado para chegar em casa a tempo de contar uma historinha e dar um beijo de boa noite nas crianças. "Faço questão de preservar alguns rituais com meus filhos", diz. Como muitas mulheres, Maria Fernanda também não consegue, sete dias por semana, dedicar à sua família todos os minutos que realmente gostaria. "Nem sempre dá para passar aquele tempo de qualidade com as crianças", conta. "Faço de tudo para estar presente

todos os dias, mesmo que seja durante algumas horas no café da manhã, antes de os meninos irem para a escola." Mesmo quando está em casa ocupada com algum trabalho, ela tenta ficar disponível para os pequenos. "Às vezes, numa situação normal, como uma dúvida simples de um dos meninos, eu consigo ensinar e aprender muito sobre meus filhos", diz. Para manter a rotina caseira funcionando, a atriz tem um grande aliado: seu marido, Petrit Spahija, de 37 anos, empresário e chef de cozinha francês, que está à frente do Le Poème Bistrô, um charmoso restaurante em São Paulo. Casados desde 2005, eles dividem muito bem as tarefas. Se Maria Fernanda precisa madrugar, é Petrit quem leva Nicolas e Tomás à escolinha. Mas será ela que terá de se virar e levar os meninos de volta para casa. Como o casal tem profissões de horários flexíveis, a negociação das tarefas do dia a dia é relativamente tranquila e os dois dão um jeito de cuidar da própria agenda sem descuidar dos compromissos da família. "Criança hoje já tem, muito cedo, uma vida social que precisamos acompanhar", diz Maria Fernanda. "Dá trabalho, sim, mas filho é muito bom."

VÁRIOS PAPÉIS

Aos 16 anos, quando ainda cursava o colegial, Maria Fernanda partiu para as passarelas e estúdios de fotografia. Passou seis meses entre Nova York e Paris aprendendo sobre o mundo da moda e, mais do que isso, sobre as relações profissionais supercomplicadas desse mercado. "Entendi muito cedo como devia negociar um salário e conversar com um superior", lembra a atriz. "Meus

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tempos de modelo me prepararam para a vida profissional com muita agilidade."

E o período no exterior fez com que enxergasse o mundo com mais amplitude. Quando voltou ao Brasil, seguiu o curso normal de uma jovem: a faculdade. Maria Fernanda é formada em terapia ocupacional pela Universidade de São Paulo. A profissão a encantou por ter um objetivo elevado: ajudar os doentes a melhorar e ter mais qualidade de vida. "A faculdade me ensinou sobre as angústias das pessoas, algo fundamental para quem atua", conta. Ter estudado com afinco mudou seu jeito de pensar. "Tive ótimos professores que me ajudaram a desenvolver um raciocínio mais maduro." Sempre ligada às artes (é louca por poesia desde novinha), fez um curso de atuação, entre 1997 e 1998, ministrado por Fátima Toledo, preparadora teatral linha dura — foi ela a responsável por transformar Wagner Moura no perturbado Capitão Nascimento, de Tropa de Elite. Nas aulas, Maria Fernanda entrou de cabeça no mundo da encenação. Em 1999, estourou como a belíssima Paola, a italiana que roubou o coração de Raul Cortez na novela Terra Nostra, da Globo. Daí, a carreira engrenou e vieram trabalhos como a novela Esperança e o filme Dom, de Moacyr Góes, no qual interpretou uma Capitu moderna, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no festival de cinema de Gramado de 2003.

A personagem de Machado de Assis, aliás, está muito presente na vida de Maria Fernanda. Em 2008, a atriz encarnou novamente a mulher com olhos de ressaca do livro Dom Casmurro na microssérie Capitu, de Luiz Fernando Carvalho, na Globo. Interessada por literatura, filosofia e artes, Maria Fernanda costuma estudar por conta própria. Em 2003, começou a frequentar reuniões de estudos filosóficos no apartamento do empresário Jair Ribeiro. Os encontros serviam para que amigos discutissem os pensamentos de filósofos como Platão e Sófocles. "Queríamos aprender mais sem precisar fazer uma pós-graduação." Os

professores convidados indicavam textos de preparo, e as conversas pegavam fogo. "Ficávamos até alta madrugada falando sobre nossas percepções", diz Maria Fernanda. Assim veio a ideia de transformar o debate entre amigos em negócio: a Casa do Saber, escola de cursos livres fundada em 2004 por ela e mais cinco sócios, em São Paulo. Construir esse empreendimento, que hoje é um sucesso, com 883 cursos em seis anos de existência, não foi fácil. O desafio era montar um negócio completamente inovador. O preceito da Casa do Saber é ser um local para disseminar o aprendizado entre pessoas de qualquer formação por meio de cursos, palestras e workshops com profissionais renomados – o poeta Ferreira Gullar e o fotógrafo Bob Wolfenson, por exemplo, estão na grade de professores convidados deste ano. "Não havia um modelo para que nos baseássemos", diz Maria Fernanda. Hoje, é um negócio que se sustenta sozinho. "O objetivo não é o lucro", diz Maria Fernanda. "É um projeto de realização pessoal."

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Por ser sócia-fundadora, ela participa do planejamento administrativo e, a cada semestre, senta com os sócios para pensar nos próximos cursos. "É muito realizador estar à frente de um negócio com alma que se tornou exemplo para outros empreendimentos", afirma.

"Não tem nada melhor do que ter gente competente do seu lado para ensinar o melhor caminho"

Maria Fernanda Cândido, sobre sua estratégia

de aprendizado

O FUTURO É AGORA

Quando o assunto são os planos futuros, Maria Fernanda é prática: "Já tenho hoje os meus planos para 2012, mas ainda não posso contar quais são", diz. Para ela, planejar no médio e longo prazo é um assunto sério. "Quando faço isso, consigo encadear minhas atividades para um objetivo maior." Em uma dessas projeções, considerou trabalhar com produção teatral. A atriz está com planos de produzir a peça Os Demônios de Hannah nos próximos anos. Como não tem formação de produtora teatral, a estratégia dela é se cercar de quem entende do negócio — e ouvir muito. "Não tem nada melhor do que ter gente competente do seu lado para ensinar o melhor caminho."

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Anexo – 6 Carreira - Opinião | Recado dos Presidentes

Confira o que os CEOs de grandes empresas dizem sobre a contribuição delas para

os negócios

Renata Avediani ([email protected]) 10/12/2010.

"As mulheres se mostram muito mais sensíveis ao conduzir situac o es complexas e de ambiguidade. Além disso, sa o extremamente determinadas e assertivas. Gostaria que o próximo diretor-geral da Dell

fosse uma mulher" Raymundo Peixoto, presidente da Dell Brasil

"Elas veem as coisas sob outras perspectivas e têm o poder da intuic a o, que nós pouco dominamos. Têm que aproveitar suas diferenc as como um real diferencial. Quanto mais se aproximarem da forma

como os homens agem, mais elas perdem" Sergio Chaia, presidente da Nextel

"Na o há nada mais efetivo e encantador do que aliar competência a atributos femininos como sensibilidade e comprometimento. Havendo essa combinac a o, qualquer outra estratégia para se

diferenciar se torna dispensável e até inconveniente" Paulo Kakinoff, presidente da Audi Brasil

"Elas têm uma imensa capacidade de realizac a o e, na medida em que consigam encontrar um equilíbrio saudável entre o lado pessoal e o profissional, na o há nada que possa detê-las de chegar ao

comando das grandes corporac o es" Daniel Moczydlower, CEO da Chemtech

"Em uma prestadora de servic os, 90% do nosso trabalho é lidar com gente. Nisso elas sa o imbatíveis. Sempre procurei colocá-las na linha de frente por saberem ouvir melhor. No dia a dia, isso faz com que

vejam soluc o es para problemas difíceis com rapidez" David Barioni, CEO do Grupo Facility

"Iniciativa e atenc a o aos detalhes sa o características que se destacam quando elas ocupam um cargo de gesta o, e ajudam no planejamento e na visa o de longo prazo. Mas é importante que elas na o deixem de

lado a feminilidade" Artur Grynbaum, presidente do Grupo Boticário

"A diferenc a faz a diferenc a. Tenho a convicc a o de que um ambiente é mais criativo, produtivo e completo quando tem diversidade de gênero, de rac a, de ideias, de tudo. É somando os pontos de vista

que fazemos um trabalho diferenciado. E o ponto de vista das mulheres é fundamental nesse processo"

Fábio C. Barbosa, presidente do Santander Brasil