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UNIVERSIDADE DO PORTO FACULDADE DE CIÊNCIAS DO DESPORTO E DE EDUCAÇÃO FÍSICA A “INTERVENÇÃO ESPECÍFICA” COMO ASPECTO FUNDAMENTAL NA INTERACÇÃO TREINADOR – EXERCÍCIO – JOGADOR UM ESTUDO DE CASO COM NELO VINGADA RICARDO MANUEL PIRES FERRAZ Porto, Dezembro de 2005

UNIVERSIDADE DO PORTO FACULDADE DE …Com efeito e tendo em conta a “periodização táctica” como concepção de treino, considerámos pertinente estudar algo que para nós se

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UNIVERSIDADE DO PORTO FACULDADE DE CIÊNCIAS DO DESPORTO E DE EDUCAÇÃO FÍSICA

A “INTERVENÇÃO ESPECÍFICA” COMO ASPECTO FUNDAMENTAL NA INTERACÇÃO

TREINADOR – EXERCÍCIO – JOGADOR

UM ESTUDO DE CASO COM NELO VINGADA

RICARDO MANUEL PIRES FERRAZ

Porto, Dezembro de 2005

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UNIVERSIDADE DO PORTO FACULDADE DE CIÊNCIAS DO DESPORTO E DE EDUCAÇÃO FÍSICA

A “INTERVENÇÃO ESPECÍFICA” COMO ASPECTO FUNDAMENTAL NA INTERACÇÃO

TREINADOR – EXERCÍCIO – JOGADOR

UM ESTUDO DE CASO COM NELO VINGADA

Trabalho monográfico realizado no âmbito da Disciplina de Seminário, Opção de Futebol, ministrada no 5ºano da Licenciatura em Desporto e Educação Física da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.

Trabalho realizado por: Ricardo Manuel Pires Ferraz

Trabalho orientado por: Prof. José Guilherme Oliveira

Porto, Dezembro de 2005

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DEDICATÓRIA

Aos meus Pais, ao meu Irmão e à minha Avó Maria do Carmo.

Pelo orgulho que sentem. Por tudo aquilo que eu sou. Por tudo…

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Agradecimentos ________________________________________________________________________________

AGRADECIMENTOS

Com a realização de um trabalho monográfico é importante a contribuição de

algumas pessoas. Por outro lado, a ele está inerente o final de um percurso de

alguns anos e também a continuação da caminhada. Neste sentido, será

pertinente referenciar e agradecer àqueles que de determinada forma nos

deixaram a sua marca, e aos que connosco contribuíram de uma forma mais

acesa para que esta hora fosse possível.

- Agradeço ao Prof. Guilherme Oliveira. Foi nosso professor em todos os anos do

curso com grande competência e revelando elevado grau de conhecimento. Foi

primordial para o no nosso “aprender e “despertar” relativamente à forma de olhar

o treino e o jogo. Foi um exemplo e uma referência para nós. Como nosso

orientador foi fundamental pelos seus ensinamentos e pelo caminho que sempre

nos apontou, crucial para “contar a história”. Revelou também uma grande

compreensão e uma disponibilidade total. Obrigado.

- Agradeço ao Prof. Vítor Frade. Não contribuiu directamente para a realização

deste trabalho mas enquanto nosso professor ensinou-nos a importância do

“pensar” futebol, despertando-nos para a sua verdadeira essência.

- Agradeço ao Prof. Júlio Garganta. Enquanto nosso professor deixou-nos a marca

da competência, da seriedade e do equilíbrio.

- Agradeço ao Prof. Carlos Araújo. Pelo seu incentivo e pela sua amizade.

- Agradeço ao Prof. Nelo Vingada. Pela sua total disponibilidade, pelos

conhecimentos e experiências que nos transmitiu, pela sua forma muito particular

de ver o treino. Foi uma pessoa essencial na realização deste trabalho.

III

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Agradecimentos ________________________________________________________________________________

- Agradeço à instituição Académica de Coimbra. Por ter permitido a minha

presença nas suas instalações.

- Agradeço ao presidente do Sporting da Covilhã, José Mendes. Foi essencial nos

contactos estabelecidos para a realização deste trabalho. Além do mais é uma

pessoa cuja experiência e inteligência o levam a reconhecer que o conhecimento

resultado do estudo, é fonte essencial no processo de treino. Por ele estou a fazer

a transição, continuando a caminhada. Obrigado pela confiança e pela aposta.

- Agradeço aos meus colegas e amigos de curso, Ricardo, Rui, Bruno, Miguel e

uma referência especial ao Paulo. Por tudo aquilo que passámos juntos, que não

tem palavras e que perdurará, e pela convicção de que iremos passar muito mais.

- Agradeço aos meus amigos de sempre, Luís, Alberto, Leitão, Joel, Hugo, Pires,

Zé, às vezes tão longe mas sempre presentes. Nunca há muitas palavras para

eles, tal é o tamanho do que representam.

- Agradeço à Patrícia. Pelo nosso Amor.

III

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Resumo ________________________________________________________________________________

RESUMO

O processo de treino tem as suas particularidades e acreditamos que tudo o

que lhe diga respeito ou que nele ocorre pode ter influência directa no rendimento

dos jogadores e das equipas.

Considerando a Especificidade como princípio metodológico de intervenção

nesse processo, qualquer tipo de decisão a ele inerente não será tomada ao

acaso e decorrerá num determinado contexto. A forma como se poderá entender a

intervenção respeitante ao exercício terá, pois, o seu grau de responsabilidade

num processo que se pretende congruente. Nesse sentido, tentámos perceber

qual seria a importância e entendimento subjacente, a uma “Intervenção

Específica” aquando da realização do exercício. Procurámos ter também, um

conhecimento concreto e contextualizado da forma de intervenção a esse nível de

um treinador, reconhecidamente competente, de uma equipa de alta competição.

Para tal efectuou-se uma pesquisa bibliográfica e observaram-se sessões de

treino do professor Nelo Vingada, na sua actual equipa, a Académica de Coimbra.

Como resultado da análise e discussão dos conteúdos da revisão da

literatura e das sessões de treino observadas, concluímos que as opiniões

divergiam no que diz respeito ao entendimento e à prática relativamente à forma

como devia decorrer a intervenção na realização do exercício. Mais ainda,

concluímos que tinham pontos de vista completamente opostos. Havia, porém,

um ponto de contacto que dizia respeito à necessidade de envolvência e

compreensão do jogador mas que tinham em conta processos distintos.

Palavras-Chave: Modelo de Jogo, Especificidade, Processo de treino,

Operacionalização, “Intervenção Específica”.

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Índice ________________________________________________________________________________

ÍNDICE

Dedicatória…………………………………………………………………………..……II

Agradecimentos……………………………………………………………………...….III

Resumo ………………………………………………………………………….………..V

Índice………………………………………………...………………………………...….VI

1- Introdução………………………………………………………………………………1

2- Revisão Bibliográfica………………………………………………………………...3

2.1- A conceptualização da Especificidade como princípio metodológico de

intervenção................................................................................................................3

2.1.1- A importância da Especificidade do treino em Futebol…………,……………..3

2.1.2 - Modelo de jogo: uma exigência para a operacionalização do princípio da

Especificidade………………..……………………………………………………..5

2.1.3 -O Conhecimento Específico em Futebol como consequência da

operacionalização do conceito de Especificidade………………………………..7

2.1.3.1 – Conhecimento Específico como resultado da interacção entre diferentes

domínios………………..…………………………………………………………….7

2.1.3.2 – O conhecimento declarativo e processual como contributos para a

Especificidade do conhecimento …………………………………………………8

2.1.3.3 – A importância associada ao processo emocional na aquisição de

conhecimento Específico……………………………………………………………9

2.1.3.4 – A importância das imagens mentais na configuração do conhecimento

Específico…………...……………………………………………………………….11

2.1.4 – O conhecimento específico como primado da qualidade dos

desempenhos…………………………………………………………………… …12

2.2 - Da conceptualização para a operacionalização: a absoluta necessidade de

uma “Intervenção Específica” no exercício para a criação de conhecimentos

Específicos ajustados……………………………………………………………17

2.2.1 - O processo de treino enquanto organização Fractal……………………… 17

IV

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Índice ________________________________________________________________________________

2.2.2 -O papel edificador do Exercício mas ainda assim insuficiente na

concretização e garantia de uma “homotetia interna” de todo o

processo…………………………………………………………………………..19

2.2.3 - A “Intervenção Específica” no exercício: a fundamentação de uma

necessidade lógica… …………………………………………………………23

3. Material e Métodos…………………………………………………………………..30

4. Análise e Discussão dos resultados……..………………………………………31 4.1 – Exercícios criados vs Modelo de Jogo………………………………………….31

4.2 – Intervenção nos exercícios relacionados com o Modelo de Jogo vs

Objectivos pretendidos…………………………..…………………………………34

4.2.1 – A compreensão da forma de intervenção de Nelo Vingada relativamente ao

processo de apreensão do modelo de jogo…………………………………...35

4.2.1.1 – O conhecimento táctico – técnico do jogador…...…………………………35

4.2.1.2 – A repetição sistemática e a não variabilidade dos exercícios……………37

4.2.1.3 – A(s) “Descobertas Guiada(s)”………………..………………………………38

4.3 – Que Especificidade no processo de treino observado?.................................41

5. Conclusões…………………………………………………………………………...43 6. Bibliografia……………………………………………………………………………45

IV

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Introdução ________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO

O presente tra

tentar satisfazê-la. D

Futebol, muitas qu

problemas se coloca

Efectivamente,

leva a que tenhamo

da sua existência.

ignorantes, mas tam

nos conseguimos s

evoluir e contribuir

trabalho assenta pre

A definição

reconhecidamente s

equipas. Com efeito

treino, considerámo

inevitabilidade no pr

relação parece-nos

Trata-se do la

decisão e actuação

“O Futebol é um mundo de emoções, de paixões, onde também cabe a

reflexão. Também o amor é um mundo de paixões, de emoções e toda a

literatura universal gira em torno dele”

Valdano (2002:2)

Grandes realizações são possíveis

quando se dá atenção aos pequenos

começos

Lao Tsé

balho constitui a evidência de uma curiosidade e o gosto por

e facto, a partir do momento em que começámos a pensar

estões se levantaram, muitas dúvidas surgiram e muitos

ram.

o Futebol como fenómeno antropossocial total (Frade, 2004),

s mais dúvidas que certezas, mas também reside aí o encanto

É verdade que pensando muito nele nos sentimos mais

bém mais apaixonados e confiantes. Apaixonados porque não

eparar dele, e confiantes porque com isso julgamos poder

para que também ele possa evoluir connosco. A lógica deste

cisamente nesse sentido.

da escolha deste tema advém da importância que

ubjaz a um adequado processo de treino no rendimento das

e tendo em conta a “periodização táctica” como concepção de

s pertinente estudar algo que para nós se constitui como uma

ocesso de treino: a relação treinador, jogador e exercício. Esta

ser primordial na procura de um rendimento elevado.

do prático e pragmático do processo de treino. Do centro de

do treinador. É isso que nos interessa estudar.

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Introdução ________________________________________________________________________________

Se o modelo de jogo constitui a abrangência dos princípios de jogo e sendo o

exercício a forma de os exercitar, entendemos que a forma de intervenção que se

estabelece com ele terá um papel de destaque no grau de congruência que se

julga necessário no processo, tendo o modelo de jogo como referência e a

Especificidade como princípio metodológico de intervenção.

A realização deste trabalho tem, por isso, como objectivos: compreender a

importância de uma “Intervenção Específica” aquando da realização do exercício

de treino. Conhecer e contextualizar a forma de intervenção de um treinador nesse

aspecto particular, e confrontar essa intervenção, observada e contextualizada,

com a revisão da literatura realizada.

Para tal, na consecução deste trabalho, além de uma revisão bibliográfica,

realizámos um estudo de caso com o Professor Nelo Vingada, actual treinador da

Académica de Coimbra.

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 A conceptualização da Especificidade como princípio metodológico de Intervenção

Há muitas poucas coisas que tenham mais poder

de motivação que um sonho bem transmitido

Valdano (2002)

2.1.1 - A importância da Especificidade do treino em Futebol

O Futebol é, na sua essência, uma modalidade particular com características

específicas, o que implica reconhecer a necessidade premente de uma orientação

particular e específica no processo de treino (Garganta & Pinto, 1994; Castelo

2002; Frade, 2004; Guilherme Oliveira, 2004). Esta perspectiva levou a que vários

autores (Monge da Silva, 1989; Gréghaine, 1992; Tschiene, 1994) considerassem

o Futebol como um conjunto de interacções entre diferentes dimensões e por

consequência ao aparecimento de concepções de treino de integração de todas

essas dimensões. Trata-se do denominado “Treino Integrado”, atribuição dada a

Anton (Calvo, 1998, cit. Guilherme Oliveira, 2004). Com efeito, alguns autores,

como por exemplo, Faria (1999), Carvalhal (2001), Castelo (2002), Guilherme

Oliveira (2004), Queirós (2003), Frade (2004), Mourinho (2005), entre outros,

colocam mesmo ênfase na necessidade de elevação da dimensão táctica como

coordenadora do processo e por conseguinte à existência de um referencial

promotor de uma articulação de sentido e coerência em relação a tudo o que se

faz e que, para os mesmos, é fundamental existir.

No contexto do presente trabalho, para se entender a Especificidade como

princípio metodológico de intervenção, implica, além do reconhecimento do facto

do Futebol ser iminentemente um jogo táctico, a convicção não cartesiana de que

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

esse princípio constituirá a matriz e o núcleo de todo o processo de treino (Frade,

2004). Desta forma assim entendida, a Especificidade não se remeterá a

adaptações fisiológicas, ou a possíveis quantificações de acções técnicas

específicas da modalidade. Ela estará sempre, isso sim, relacionada com o

modelo de jogo do treinador e será sempre considerada como representativa do

mesmo (Frade, 2004).

Se for preocupação de cada treinador que a sua equipa jogue da maneira

idealizada, e indo ao encontro da ideia de Frade (2004), pensamos que a

operacionalização do conceito de Especificidade será uma maneira correcta de o

conseguir, porque através dele procura-se insistentemente a potenciação de todos

os princípios e sub – princípios do modelo de jogo, para o alcançar das

regularidades que se pretendem.

Desta forma entendida, e corroborando do pensamento de Faria (1999),

consideramos que mais importante do que a relação especificidade -

características da modalidade, é a relação sub – Especificidade (ou melhor, sobre

– Especificidade) - modelo de jogo porquanto e segundo Guilherme Oliveira (1991)

é pela acção desta relação, que nesta perspectiva, a concepção e consecução de

padrões de comportamento poderão ser construídos.

A Especificidade assim entendida, deve ser encarada como uma forma de

estruturação coerente do alicerçar de um projecto colectivo de jogo. Através da

sua operacionalização, nada no treino surge por acaso, seja ao nível das

características do exercício em si, seja ao nível da intervenção no mesmo,

porquanto ambas estão relacionadas com os princípios de jogo que dão corpo ao

modelo de jogo (Frade, 2004). Cada treinador, procurando fazer uso do princípio

da Especificidade deverá ter em consideração que daí resultará a procura da sua

“própria Especificidade” porque se trata da Especificidade inerente ao modelo de

jogo que preconiza.

Evidentemente, a Especificidade entendida desta forma, poderá encerrar em

si alguma complexidade. No entanto, apesar de poder ser considerado complexo,

parece-nos que a necessidade do processo de treino assentar numa verdadeira

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

Especificidade será um caminho correcto e possível para uma operacionalização

adequada e coerente da ideia de jogo que se pretende. Esta ideia vai ao encontro

do pensamento de Guilherme Oliveira (1991) que pela importância que dá ao

princípio da Especificidade o considera, mais do que um princípio de “per si”, o

princípio dos princípios, uma filosofia e em última análise uma metodologia de

treino.

2.1.2 - Modelo de jogo: uma exigência para a operacionalização do princípio da Especificidade

A noção de complexidade implica a necessidade de compreensão da

imprevisibilidade (Moigne, 1990). Essa imprevisibilidade surge pela complexidade

que advém de um fenómeno, pela emergência sempre possível e sempre

plausível, através do mesmo, de algo novo (Moigne, 1990). Para o entendimento

desse fenómeno complexo acontecer, deve-se reconhecer, portanto e segundo

Moigne (1990), a imprevisibilidade potencial dos comportamentos possíveis que

nele podem ocorrer.

Neste sentido e no entender do mesmo autor (Moigne, 1990), se

pretendermos construir a inteligibilidade de um fenómeno complexo, devemos

modelá-lo. Modelar um sistema complexo é elaborar construções simbólicas de

entendimento, com as quais poderemos definir projectos de acção em antecipação

e por deliberação, prevendo ao mesmo tempo consequências e garantir um meio

de avaliação do processo e da sua eficácia (Moigne, 1990).

Para conceber um modelo, segundo Moigne (1990) há que distinguir um

fenómeno complicado de um fenómeno complexo. Enquanto que o primeiro se

pode simplificar, o segundo modela-se para o entendimento ser relativo ao todo

(Moigne, 1990). Conceber um modelo não é, portanto, um redução analítica do

fenómeno indo ao encontro dos vectores básicos de formação, porque a

complexidade que o caracteriza é ela própria a base e o princípio fundamental

Morin (1986). No entender de Morin (1991), complexidade é distinto de

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

complicação pelo que a simplificação do complicado aplicado ao complexo tem

como consequência um agravamento do entendimento da complexidade e não a

resolução do problema considerado. Quer isto dizer que ao abordar-se o

complexo, há que ter em conta o construtivismo do fenómeno, ao invés de se

optar pelo mecanicismo reducionista para a sua compreensão (Guerrini, 2003).

Um modelo serve, portanto, para tornar inteligível e entendível algo que é

complexo (Moigne, 1990). Desta forma entendido, ele permite-nos conceber a

inteligibilidade da complexidade e com isso a alusão à organização. Porque ao

conceber estamos a organizar (Moigne, 1990), mas essa organização tem um

carácter abrangente pois não se limita ao reducionismo de um simples esquema

organizado. A construção do modelo deve possuir, por isso, um potencial

intrínseco de capacidade organizadora (Moigne, 1990), que lhe permita dar conta

da sua qualidade enquanto organização organizada, e também da “complexidade

apercebida” pela sua qualidade organizante, dando sentido à imprivisibilidade

potencial do fenómeno modelizado. Desta forma, a modelação deve possuir traços

concretos e bem definidos, mas deve ser igualmente uma realidade sujeita a

alterações em nome da imprevisibilidade do fenómeno em causa e da

necessidade permanente do seu aperfeiçoamento (Moigne, 1994).

Se transportarmos o que dissemos para o Futebol e se o assumirmos como

um fenómeno complexo como Frade (2004) entende que é, facilmente nos

apercebemos da necessidade de criar um modelo como concepção tendo em

conta a “inteireza inquebrantável do jogo” (Frade, 2004) e o princípio da

Especificidade como exigência metodológica.

Ao criarmos um modelo de jogo estamos a conceber uma determinada

organização que consiste em criar, inventar e construir regras e princípios, isto é,

um corpo de ideias de como queremos que o nosso jogo seja praticado (Moigne,

1990; Oliveira & Graça, 1994). Pela implementação do modelo de jogo promover-

se-á uma determinada lógica de funcionamento (Castelo, 1996) que assentará na

manifestação de comportamentos no jogo que não sendo pré – determináveis, se

procuraram antecipar (Garganta, 1997).

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

O modelo de jogo constitui, assim, “o guia” do processo, um referencial

fundamental porque congrega todos os princípios e sub princípios de um sistema

complexo que é o jogo que pretendemos (Frade, 2004). O modelo de jogo é, pois,

uma conjectura de jogo por ser o que o treinador pretende, em termos mentais,

que aconteça no jogo ao nível de comportamentos que se pretende que a equipa

tenha a nível ofensivo, defensivo, transição defesa – ataque e transição ataque -

defesa (Guilherme Oliveira, 2003) permitindo a definição de objectivos claros para

um assumir de um compromisso colectivo.

Mas ao concebermos um modelo de jogo, estamos igualmente a ter em

conta o futuro como realidade mutável ou como elemento causal do

comportamento (Frade, 2004) e por conseguinte precursor de eventuais

alterações que o modelo de jogo como realidade organizante deve saber dar

resposta e possuir capacidade de adaptação. O modelo de jogo como realidade

aberta e criativa (Castelo, 1996) deverá possuir, portanto, além da representação

e a organização da forma como o treinador pretende que a equipa jogue, uma

capacidade de adaptação face à imprevisibilidade do fenómeno “jogar”.

Por outro lado, ao considerarmos importante entender a razão porque o

modelo de jogo é construído e a forma como é construído, é igualmente

fundamental, parece-nos, entender que a articulação dos princípios de jogo

constitutivos do modelo de jogo assume importância primordial.

Sendo os princípios partes de um todo específico que é o modelo de jogo, é

fundamental que operacionalizando cada uma dessas partes não se ponha em

causa a inteligibilidade do todo (Frade, 2004). Essa necessidade de

decomposição do jogo em partes deve fazer-se sem se perder de vista a

unicidade do processo através de uma articulação de sentido. “Reduzir sem

empobrecer” (Frade, 2004) será a lógica inerente o que implica a não perda de

identidade relativamente à ideia de jogo que se pretende operacionalizar.

2.1.3 - O Conhecimento Específico em Futebol como consequência da operacionalização do conceito de Especificidade

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

2.1.3.1 - Conhecimento Específico como resultado da interacção entre diferentes domínios

Qualquer treinador que procure a evolução e o desenvolvimento do modelo

de jogo da sua equipa estará inerente, pensamos, o desenvolvimento da

qualidade dos seus praticantes, pela aprendizagem progressiva e evolutiva dos

princípios de jogo que deve ocorrer (Frade, 2004). Garganta (1997; 2002) e

Mesquita (1998) vão ao encontro desta ideia quando apontam o desenvolvimento

do conhecimento como preocupação essencial no processo de treino

relativamente à procura do aumento do nível de desempenho dos praticantes. Por

conseguinte, para que evolução do modelo de jogo possa ocorrer, estará implícito,

pensamos, o desenvolvimento do conhecimento dos praticantes com ele

relacionado.

Guilherme Oliveira (2004: 89) diz-nos, a este propósito, que a permanente

evolução do conhecimento em futebol diz respeito: “à exercitação permanente, à

criação de novas soluções, à transmissão e evolução de novas ideias, à evolução

do jogo colectivo, à interacção entre jogadores diferentes, às auto e hetero –

interpretações e às adaptações a diferentes projectos de jogo”. Neste sentido, a

qualidade de desempenho dos jogadores dependerá, assim, de um conjunto de

interacções que decorre do conhecimento específico que cada jogador possui

(Guilherme Oliveira, 2004) tendo como referência permanente o modelo de jogo

da equipa (Castelo, 2002).

Como define Guilherme Oliveira (2004: 90): “o conhecimento específico é o

conhecimento necessário para a realização de determinada acção, dentro de um

domínio particular que engloba a interacção do conhecimento declarativo, com o

conhecimento processual, com as memórias e emoções a eles associadas e que

está configurado sob a forma de imagens mentais”. O conhecimento específico, é

então resultado da interacção entre determinados domínios que importará

conhecer melhor.

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

2.1.3.2 - O conhecimento declarativo e processual como contributos para a

Especificidade do conhecimento

Por conhecimento declarativo entende-se o tipo de conhecimento que é

explicado e transmitido por palavras, relacionando-se com informações, factos,

conceitos e conhecimentos específicos existentes (Eysenck & Keane, 1994) cujo

grau de proficiência está dependente da capacidade de ligação, relação e

interacção entre estes aspectos referidos e de processos cognitivos que

promovem a sua racionalização (Eysenck & Keane, 1994). É acessível de forma

consciente e relaciona-se com o que fazer em determinada situação (Cohen,

1984; Eysenck & Keane, 1994).

O conhecimento processual é o tipo de conhecimento relacionado com o

como executar determinada acção e para ser aplicado em situações específicas. É

um tipo de conhecimento prático que não se consegue transmitir por palavras e

que está relacionado com as memórias sensorial, de representação perceptual e

procedimental, manifestando-se de forma não consciente (Cohen, 1984; Eysenck

& Keane, 1994).

Tendo em conta Guilherme Oliveira (2004), parece existir uma interacção

entre estes dois tipos de conhecimento. Com efeito, a realização de qualquer

tarefa parece estar sempre relacionada com a interacção entre o conhecimento

declarativo e processual. Esta relação entre eles é para Anderson (1983) ainda

mais notória já que em alguns casos existe a transformação um no outro através

da passagem por diferentes estágios.

Essa passagem, proporcionada pela experiência, promove a melhoria do

desempenho, pela formação de padrões de (re)conhecimento através do aumento

de conhecimentos declarativos e processuais específicos.

2.1.3.3 - A importância associada ao processo emocional na aquisição de

conhecimento específico

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

Jensen (2002) salienta-nos que a mente, as emoções, o pensamento e a

aprendizagem parecem estar todos interligados. Como refere Goleman et al

(2002) parece que, de facto, os estados emocionais assumem uma importância

primordial na vida das pessoas e parecem manifestar-se, segundo Guilherme

Oliveira (2004), em vários domínios: na acção, na aprendizagem e respectivos

conhecimentos, nos sistemas de memória, nas tomadas de decisão e na

concentração.

Na aprendizagem e por conseguinte na aquisição do conhecimento

específico as emoções parecem de facto ter um papel importante. Jensen (2002)

evoca mesmo a importância duma envolvência permanente das emoções na

aprendizagem.

A aprendizagem, segundo Damásio (2003), tem vindo a ser associada a

emoções e pensamentos. Esse facto ocorre, no entender de Caldas (2003),

devido às associações entre a amígdala e o hipocampo, onde devem ter origem

as respostas emocionais e que permitem que as emoções influenciem a

aprendizagem.

Com efeito, a relação entre emoções e pensamentos parece ser muito

estreita sendo que os planos cognitivo e emocional surgem, por isso,

permanentemente ligados nessa relação (Damásio, 2003). Jensen (2002) a este

propósito refere que nos lembramos do que está mais vincado emocionalmente

devido ao processo preferencial característico de todos os acontecimentos

emocionais. Por esse motivo e ainda segundo o mesmo autor, uma boa

aprendizagem deve realçar o papel das emoções.

A este respeito Damásio (2003) refere que o condicionamento é um exemplo

da forma de obter a associação pretendida entre emoções e os comportamentos

pretendidos. Como nos diz Jensen (2002, cit. Hopper e Teresi, 1986), o nosso

sistema límbico ao recompensar a aprendizagem cerebral com sensações

agradáveis desencadeia a libertação de químicos que têm a função de alertar o

cérebro para a importância de determinados comportamentos. A recompensa

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

referida reforça o comportamento desejado e no futuro uma tomada de decisão

relativa à mesma situação é apressada (Jensen, 2002). Por isso, quando o

“sistema de produção de prazer” é confrontado com uma situação que já viveu, o

cérebro dá-lhe rapidamente um sinal de emoções referentes à situação, sendo

uma forma de avaliação de comportamentos (Jensen, 2002).

Outro aspecto importante, relacionado com a influência do processo

emocional na aprendizagem e revelado nos estudos de Damásio (1994) refere-se

a hipótese de existência do “marcador somático”. Segundo o mesmo autor

(Damásio, 1994), os marcadores têm origem na nossa memória emocional que vai

criando, pouco a pouco, categorias, ligando imagens de objectos ou

acontecimentos com estados corporais agradáveis ou desagradáveis

hierarquizando as memórias dessas situações. Assim, diferentes opções de acção

e diferentes resultados futuros, são associados a diferentes emoções e

sentimentos (Damásio, 2003). O estado corporal afectado por uma emoção,

“marca” uma imagem e Damásio (2003) denominou-o de marcador somático.

Assim entendidos, os marcadores somáticos são, portanto, um conjunto de ideias

originadas a partir de sinais emocionais. A categorização gradual das situações

em função das experiências revela-se assim fundamental para as tomadas de

decisão futuras. Perante determinada situação o indivíduo avalia o modo das

diversas contingências poderem alterar, ou não, o grau de vantagem presente e

futuro (Damásio, 2003).

Pelo referido, as emoções ligadas à aprendizagem, parecem ter, de facto,

influência determinante em aspectos importantes. De facto e no entender de

Goleman (2002), as aprendizagens ligadas a aspectos emocionais parecem ter

efeitos mais prolongados. Por outro lado e segundo Damásio (2003) a recordação

dessas aprendizagens é facilitada se nelas estiverem envolvidas emoções. Além

disso parece que as emoções funcionam como fonte crítica de informações

(LeDoux, 1996, cit. Guilherme Oliveira, 2004) propiciando aprendizagens

adequadas por selecção de informação decorrente de experiências passadas.

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

Goleman (1997) aponta mesmo o processo emocional como forte sistema de

conhecimento já que em muitas situações o controlo das decisões é feito por ele.

2.1.3.4 - A importância das imagens mentais na configuração do conhecimento

específico.

Segundo Damásio (2000), o conhecimento necessário para o raciocínio e

tomada de decisão está configurado na nossa mente sob a forma de imagens

mentais. Para o mesmo autor (Damásio, 2000) as imagens mentais são

construções do cérebro que decorrem “do sentir” proporcionado pelas distintas

modalidades sensoriais (visual, auditiva, olfactiva, gustativa e somatossensorial).

Resultam da interacção entre o organismo e a realidade, acabando por ser

criações pessoais dessa realidade (Damásio, 2003).

Depois de “sentir”, o cérebro constrói imagens mentais, pela passagem

sucessiva de padrões de actividade e inactividade neural para mapas neurais

sendo estes mapas neurais representantes da estrutura e do estado do nosso

corpo num dado momento (Damásio, 2003).

A um conjunto de acontecimentos corporais ocorridos, corresponde um

conjunto de conhecimentos, configurados sob a forma de uma colecção de

imagens mentais (Damásio, 2003). Ao fluxo contínuo e consciente dessas

imagens denomina-se “mente” e qualquer pensamento é resultado desse fluxo de

imagens, que se move no tempo em função das necessidades e interesses das

circunstâncias (Damásio, 2003, cit. Guilherme Oliveira, 2004).

2.1.4 - O Conhecimento Específico como primado da qualidade dos desempenhos

Para Garganta & Pinto (1994), o Futebol resulta da interacção de um

conjunto de acções tácticas e por conseguinte de tomadas de decisão relativas a

uma determinada forma de jogar. Por outro lado, essa forma de jogar parece

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

requisitar, segundo Guilherme Oliveira (2004), a manifestação de conhecimento

específico. Neste sentido, parece-nos de todo pertinente, entender mais

aprofundadamente a importância que subjaz ao conhecimento específico, no

Futebol, para a qualidade dos desempenhos.

Durante um jogo de Futebol e como Guilherme Oliveira (2004) nos refere, os

jogadores são confrontados com um conjunto de problemas. A adequação de

cada resposta aos problemas surgidos, assenta essencialmente na capacidade

táctica de resolução (Tavares, 1993; Garganta & Pinto, 1994; Garganta, 1997;

Mesquita, 1998) pelo que o conhecimento a ela associado é essencialmente um

conhecimento táctico. Este conhecimento táctico resulta de um conjunto de

conhecimentos que são, segundo Guilherme Oliveira (2004), conhecimentos

específicos fruto das experiências e vivências dos diferentes jogadores e que são

configurados sob a forma de imagens mentais, como vimos anteriormente.

Neste sentido, um jogador para dar resposta a uma determinada acção

táctica no jogo precisa de desenvolver um conjunto de conhecimentos específicos

sendo que a interacção entre eles vai definir o grau de adequação da resposta

(Guilherme Oliveira, 2004).

Como refere Garganta (2002), a capacidade de jogar invoca o

desenvolvimento de um conjunto de saberes. Também para Frade (2004) o

jogador deve possuir, mais do que um “saber fazer” um “saber sobre um saber

fazer”. Estas ideias parecem sugerir a necessidade de um conhecimento táctico-

técnico específico abrangente que permitirá ao jogador, por um lado, entender e

contextualizar adequadamente o que foi pedido pelo treinador, e por outro ter uma

interpretação particular do modelo de jogo (Frade, 2004).

A interpretação particular decorre do facto do jogador, por possuir

conhecimentos e experiências distintas, interpretar à sua maneira aquilo que é

exigido, mas de forma a que essência e o sentido do que é exigido não seja posto

em causa, antes possa evoluir dessa forma (Frade, 2004). Este facto a acontecer,

poderá resultar numa evolução colectiva e individual do “jogar” da equipa, pela

recriação do modelo de jogo por parte de cada jogador. Assim, em diferentes

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contextos, o modelo de jogo poderá ser enriquecido ou empobrecido pela

imprevisibilidade da interacção e interpretação de um conjunto de conhecimentos

específicos e distintos (Guilherme Oliveira, 2004).

Estes conhecimentos específicos, resultam daquilo a que Queiróz (2003)

denomina de “cultura do jogador de futebol”. Segundo o mesmo autor (Queiroz,

2003), um jogador culto sabe o que fazer, compreende o que faz e por isso tem

uma compreensão elevada do jogo sendo capaz de o recriar. Também por esse

motivo é capaz de o jogar numa plataforma superior. Para o autor referido

(Queiróz, 2003), existem, assim, duas categorias de jogadores: os “professores do

jogo” e os que jogam sempre a um nível intuitivo mas que nunca o irão

compreender (Queiróz, 2003).

“Aos professores do jogo” estará inerente, portanto, uma capacidade táctica

de resolução abrangente pelo que as soluções tácticas encontradas,

materializadas em comportamento tácticos, resultam da abrangência dos

conhecimentos táctico – técnicos específicos existentes. Estes conhecimentos

dependem, segundo Guilherme Oliveira (2004: 91): “dos conhecimentos

declarativos e processuais existentes que se reportam às imagens mentais

criadas, às respectivas memórias, às interacções entre os dois e aos estados

emocionais que estiveram envolvidos nos momentos de aprendizagem desses

conhecimentos e dessas memorizações e nos momentos das decisões e acções”.

O conhecimento declarativo, neste contexto, assume importância decisiva na

interpretação da situação para a decisão e na interpretação do resultado dessa

decisão (Guilherme Oliveira, 2004). Essas interpretações que ocorrem fruto das

experiências vivenciadas, vão ficar guardadas na memória sob a forma de

imagens mentais e irão permitir a formação e o reconhecimento dos padrões de

jogo pretendidos e que servirão no processo de tomada de decisão para a acção

táctica (Guilherme Oliveira, 2004). Como qualquer tomada de decisão, segundo

Jensen (2002), é condicionada por um estado emocional, os estados emocionais

positivos que acompanham determinadas tomadas de decisão, ao ficarem retidos

na memória, irão fomentar a regularidade dessas respostas (Guilherme Oliveira,

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2004). Ao invés, os estados emocionais negativos, irão promover a rejeição das

respostas a eles associados (Guilherme Oliveira, 2004).

Por outro lado, a repetição sistemática de determinadas acções transforma o

conhecimento declarativo em conhecimento processual promovendo a criação de

hábitos/automatismos que ficam retidos na memória (Guilherme Oliveira, 2004).

Assim, através do conhecimento processual, os padrões de jogo são reconhecidos

de forma não consciente e por conseguinte mais rápida é a resposta táctica a uma

determinada situação de jogo (Guilherme Oliveira, 2004).

Não obstante e como Guilherme Oliveira (2004) refere, os

hábitos/automatismos poderão ser criados directamente, sem que aconteça a

transformação referida. Isso deve-se, segundo o mesmo autor (Guilherme Oliveira,

2004), à influência dos estados emocionais. Assim, se a uma qualquer tomada de

decisão tiver associado um resultado positivo, promoverá uma emoção positiva

que ficará gravada na memória (Guilherme Oliveira, 2004). O cérebro, numa

situação futura que ocorra num contexto similar vai ter em conta a ocorrência

vivenciada ajudando o processo de decisão (Guilherme Oliveira, 2004). Preparará

o organismo a responder de determinada forma, assente na ocorrência que

vivenciou positivamente (Damásio, 2000). Desta forma, mesmo de forma não

consciente, há a formação de conhecimentos que vão ajudar tomadas de decisão

futuras (Guilherme Oliveira, 2004).

Os conhecimentos táctico – técnicos específicos resultam, portanto, da

permanente relação e correlação dos processos conscientes e não conscientes

(Guilherme Oliveira, 2004). Os “professores do jogo” são, portanto, aqueles que

através da correlação referida, são capazes de desempenhos de maior qualidade

por força da maior abrangência e capacidade em interpretar as decisões, em

formar e reconhecer padrões de jogo e na rapidez com que esses padrões de jogo

são reconhecidos.

Sendo assim, será fundamental, a nosso ver, que no processo de treino se

promova o desenvolvimento dos conhecimentos táctico – técnicos específicos

para que a aplicação e evolução do modelo de jogo seja a pretendida. Esse

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desenvolvimento permitirá, segundo Guilherme Oliveira (2004), uma evolução na

qualidade de memorização, organização, aquisição e recuperação dos

conhecimentos.

Por outro lado, o treinador, através da apropriação e domínio dos

conhecimentos relativos ao modelo de jogo que objectiva concretizar, deverá

promover, também, o prazer relativo ao modelo de jogo que pretende implementar

(Guilherme Oliveira, 2004). Como sugere Lobo (2002), na implementação das

ideias de jogo, o treinador não pode ignorar nem desperdiçar o aspecto emocional

no sentido de potenciar a interiorização e a empatia do jogador. Assim, na

aquisição dos princípios de jogo, será fundamental associar emoções positivas a

comportamentos desejados (Guilherme Oliveira, 2004) e é importante que essas

emoções se tornem conscientes de modo a que as aprendizagens durem no

tempo (Damásio, 2003). Deste modo, a consciencialização das emoções, sendo

estas resultado das reacções automáticas despoletadas pela aprendizagem dos

princípios do jogo, levará à construção de conhecimentos específicos que irão

promover a efectiva apropriação dos padrões de comportamento desejados.

Parece-nos evidente, portanto, e tal como Wiiliams et al (1999, cit.

Guilherme Oliveira, 2004) sugerem, que quanto maior for o conhecimento

específico por parte de um jogador maior será a proficiência do seu desempenho

pelo ajuste das respostas aos problemas que o jogo vai colocando. Podemos

concluir, também por isso, que à proficiência e qualidade do desempenho do

jogador de Futebol estará inerente o conhecimento específico do mesmo,

configurado sob a forma de imagens mentais (Guilherme Oliveira, 2004). Essas

imagens mentais relacionam-se com os aspectos táctico – técnicos específicos do

modelo de jogo que é operacionalizado através da aplicação metodológica do

princípio da Especificidade no processo de treino.

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2.2. Da conceptualização para a operacionalização: a absoluta necessidade de uma “Intervenção Específica” no exercício para a criação de conhecimentos Específicos ajustados

Os processos de treino são todos diferentes. Para

nós é uma questão de concepção, mas mais do

que isso é uma questão de “operacionalização”. Mourinho, 2005

2.2.1 - O processo de treino enquanto organização fractal

Tal como atrás foi referido e indo ao encontro de Guilherme Oliveira (2004) o

processo de treino tem uma importância acrescida na tentativa de levar a equipa e

os jogadores a experienciarem situações problema para a criação de imagens

mentais que configuram conhecimentos específicos. Como também se constatou,

os conhecimentos específicos são fundamentais para a qualidade do

desempenho, concretamente na consecução dos comportamentos tácticos

requeridos pelo treinador, referentes ao modelo de jogo da equipa.

Como tal, o processo de treino deverá ser devidamente orientado e gerido

para promoção e desenvolvimento dos conhecimentos específicos do jogador

associados à forma de jogar da equipa (Guilherme Oliveira, 2004).

Para uma adequada orientação e direccionamento do processo de treino,

será pertinente efectuá-lo considerando a organização fractal do mesmo como

condição importante (Guilherme Oliveira, 2004). Através dela, a intervenção no

processo surge permanentemente contextualizada (Guilherme Oliveira, 2004)

correspondendo ao pressuposto conceptual da “dinâmica do todo” (Frade, 2004),

pela aposta na Especificidade em toda a sua abrangência operacional (Guilherme

Oliveira, 1991). Jensen (2002) reforça esta ideia quando salienta que só as

aprendizagens que têm em conta o todo e a complexidade que lhe é inerente são

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capazes de fomentar conhecimentos duradouros. Assim e pelo motivo referido,

convém que exista algum entendimento relativo à temática dos fractais.

A teoria dos fractais é uma teoria que pretende explicar a irregularidade do

mundo e dos fenómenos visíveis tentando fornecer alguma previsibilidade para

aquilo que à partida seria imprevisível (Cunha e Silva, 1995). Sob o ponto vista

morfológico e segundo Cunha e Silva (1995), através dos fractais procura-se por

um lado a identificação de irregularidade e por outro, procura-se alguma

regularidade nessa irregularidade. São estruturas que representando-se a si,

representam o todo, pois têm uma constituição e uma genética semelhante. Como

nos diz Cunha e Silva (2003: 3), “um ramo de Oliveira ampliado assemelha-se à

própria Oliveira”. Ou seja, apesar do fractal poder apresentar grande variabilidade,

a regularidade ao longo das escalas está presente pela obediência ao princípio da

“Invariância de Escala” devido à manutenção permanente, nestas estruturas, de

uma “homotetia interna”, ou seja, uma regularidade estrutural e funcional ao longo

das escalas (Cunha e Silva, 1995).

Ao fractalizar-se o jogo e o processo, a intervenção em todo o processo de

treino terá o seu sentido e surgirá contextualizada (Guilherme Oliveira, 2004).

Neste sentido, a fractalização incidirá na criação e no direccionamento desse

processo de treino para o concretizar de uma “homotetia interna”. Desta forma, em

qualquer escala, a intervenção será efectuada tendo em conta as singularidades

da equipa, sendo representativa do todo (Guilherme Oliveira, 2004).

Nesta perspectiva de concepção de treino, o Modelo de Jogo entendido

como organização fractal (Guilherme Oliveira, 2004) vai garantir a articulação de

sentido de todo o processo, em todos os momentos. Por outro lado, pelo

entendimento subjacente de Especificidade como representativa desse modelo de

jogo, ela vai promover o carácter fractal ao exercício e à respectiva intervenção

por se assumir como uma invariante permanente do processo.

O Modelo de Jogo em permanente relação com o conceito de Especificidade,

é, pois, um aspecto fundamental para o reconhecimento do padrão fractal de todo

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o processo porque é através dele que tudo se desenvolve, organiza, cria e recria

(Guilherme Oliveira, 2004).

A construção do modelo de jogo, deve assumir, assim, o seu cariz de

construção fractal apelando e impulsionando à organização sistémica do processo

(Faria, 1999) tendo como elo de ligação e sentido um entendimento perfeito de

Especificidade: uma Especificidade que não esteja apenas relacionada com a

modalidade mas fundamentalmente ligada à singularidade da equipa como

deixámos expresso anteriormente. Assim entendida, os princípios e sub princípios

do modelo de jogo irão interagir entre si, numa lógica fractal em que padrões de

comportamento se interrelacionam e cada um deles será representativo da

singularidade da equipa (Guilherme Oliveira, 2004).

As experiências proporcionadas pela dinâmica dos exercícios propostos pelo

treinador irão requisitar conhecimento específico para a execução adequada

desses padrões de comportamento (Guilherme Oliveira, 2004). Como tal, os

exercícios devem ser direccionados em função dos padrões de comportamento

desejados. Esses padrões de comportamento deverão ter em conta os diferentes

momentos do jogo e as escalas (individual, sectorial ou colectiva) a que se

referem (Guilherme Oliveira 2004).

2.2.2 - O papel edificador do Exercício mas ainda assim insuficiente na concretização e garantia de uma “homotetia interna” de todo o processo

Numa consulta bibliográfica constata-se que existem diferentes definições do

conceito de exercício e todas elas apontam para a sua extrema importância

relativamente à elevação do rendimento desportivo (Queiróz, 1986; Oliveira, 2000;

Castelo, 1996, 2000, 2002). Efectivamente, os exercícios assumem um papel de

destaque pois através deles edificam-se os pressupostos que estão na base da

operacionalização, como o modelo de jogo, os momentos de jogo e a

Especificidade sendo fundamentais para a aquisição de conhecimento específico

(Guilherme Oliveira, 2004).

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A eles estará implícito, por isso, um carácter fractal, porque na perspectiva

evidenciada anteriormente deverão contemplar a singularidade do todo. Através

deles treina-se um princípio ou sub – princípio do modelo de jogo, ou seja, os tais

padrões fractais de comportamento (Guilherme Oliveira, 2004).

Assim entendido e segundo Guilherme Oliveira (2004) existem duas

características essenciais cuja interacção se revela fundamental no alicerçar de

todas as outras características do exercício: a singularidade do processo e a

fractalidade do exercício.

A primeira relaciona-se com a necessidade de que tudo o que é realizado,

deve estar em completa sintonia com o modelo de jogo e com o conceito de

Especificidade (Guilherme Oliveira, 2004). Por isso, em todos os momentos, os

exercícios deverão ter estas referências. Desta forma proporcionar-se-á a

aquisição de conhecimentos específicos ajustados e fundamentais para a equipa e

para o jogador. De contrário, poderá ocorrer a criação de conhecimentos

específicos desajustados ao pretendido (Castelo, 2002; Guilherme Oliveira, 2004).

A segunda, a fractalidade do exercício, advém da lógica fractal à qual todo o

processo se deve submeter (Guilherme Oliveira, 2004). Assim, todos os exercícios

criados e propostos devem contemplar a singularidade do todo de modo a

manifestar a desejada “homotetia interna”. O mesmo autor evidencia que se este

facto não ocorrer, o exercício poderá criar adaptações nefastas para a construção

do modelo de jogo, concretamente no desenvolvimento dos conhecimentos

específicos e imagens mentais pretendidas. O exercício poderá e deverá ser

dirigido para a aquisição de determinados padrões concretos de comportamento,

mas tendo em conta o todo e sem pôr em causa a sua inteligibilidade (Frade,

2004).

Um aspecto relativo ao exercício e que lhe confere uma importância

acrescida na aquisição de conhecimentos específicos ajustados, refere-se à

criação de hábitos/automatismos (Frade, 2004). No processo de treino, deve-se

promover a criação de hábitos relativos aos comportamentos pretendidos através

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da repetição sistemática do exercício (Castelo, 2002; Carvalhal, 2001; Queirós,

2003) e cumprindo o princípio pedagógico da Propensão (Frade, 2004).

No que diz respeito ao princípio da repetição sistemática é, para Castelo

(1996), base essencial de todo o processo metodológico da aprendizagem.

Segundo Carvalhal (2001), através dele criam-se hábitos (conhecimentos

específicos por processos não conscientes) que são adquiridos através da acção.

Ao encontro destas ideias vem Queiróz (2003: 1) quando refere que a repetição

sistemática tida como princípio importante no treino leva ao aparecimento e à

melhoria de hábitos e rotinas, promovendo o estabelecimento de “padrões de jogo

idênticos em que o jogador e a equipa sejam capazes de encontrar respostas

iguais, em espaços, tempos e complexidades mais curtas, com espaço de

liberdade suficiente para que possam nascer inovações e criações, que permitam

soluções, também mais eficientes, com a utilização de elementos mais simples”. É

o libertar da consciência dos jogadores para um nível superior (Carvalhal, 2001).

No entanto, só a repetição sistemática intencional dos exercícios específicos

parece levar ao alcançar de conhecimento específico/imagens mentais

relacionadas como o modelo de jogo preconizado (Frade, 2004). É importante

repetir, mas essa repetição terá que ter um carácter intencional (Garganta, 1997;

Mesquita, 1998; Castelo, 2000; 2002;), senão poderá ser insuficiente, até nefasta

para a aquisição de conhecimento específico e por conseguinte para a apreensão

de padrões de comportamento relacionados com o “jogar” que se pretende. Mais

do que a repetição pela repetição, será imperioso uma repetição sistemática do(s)

principio(s) pelo exercício, ou seja, uma repetição sistemática intencional que se

pode traduzir, também, numa repetição sistémica para o alcançar de

hábitos/automatismos específicos (Freitas, 2005).

O princípio da Propensão evidencia a necessidade de criação de exercícios

nos quais determinado(s) comportamento(s) sejam requisitados de forma muito

superior àquilo que normalmente ocorre no jogo (Frade, 2004). Ao criarem-se

exercícios desse tipo promove-se, segundo Frade (2004), o reconhecimento não

consciente dos padrões de comportamento pretendidos.

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Um exercício específico deve pois constituir uma propensão das coisas que

mais queremos que apareçam no jogo. Com efeito, se os fenómenos de

adaptação que estão na base da elevação do rendimento estão ligados à

especificidade do estimulo como nos refere (Manno, 2002), parece importante que

o exercício específico constitua uma propensão das coisas que mais queremos

que aconteçam (Frade, 2004).

Como se pensa ser importante numa equipa muitos jogadores estarem a

identificar e a pensar nas mesmas coisas ao mesmo tempo (Mourinho, 2002;

Valdano, 2002), os hábitos/ automatismos, criados a partir de exercícios

específicos pelo cumprimento dos princípios referidos, promoverão o minimizar de

conflitos pelo facto de potenciarem regularidades e dessa forma promoverem um

certo consenso de ideias (Guilherme Oliveira, 2004).

Os hábitos permitem, assim, respostas imediatas a partir do momento em

que determinadas sensações as comecem a despertar (Guilherme Oliveira, 2004).

Pelo hábito/automatismo, o cérebro reduz o tempo de resposta a determinada

acção, mas para isso acontecer é fundamental o experienciar antecipado e a

gravação na memória do conhecimento específico resultante atavés da propensão

e da repetição do exercício (Carvalhal, 2001; Castelo, 2002; Queirós, 2003; Frade,

2004).

Como atrás salientámos, com o exercício procura-se, portanto, a aquisição

de conhecimentos específicos para a apreensão dos princípios de jogo

constitutivos do modelo de jogo. Nesse sentido, entende-se que não será qualquer

exercício que levará ao alcançar dos padrões de comportamento requisitados

(Castelo, 2002), cabendo ao treinador, como responsável de todo o processo,

conhecer os seus objectivos e os seus efeitos (Van Gaal, 1997).

O treinador deverá, por isso, saber criar os seus próprios exercícios de modo

a causarem adaptações específicas relativamente ao modelo de jogo que

pretende implantar (Frade, 2004). Jesualdo Ferreira (2004) partilha da mesma

opinião quando evoca a necessidade do treinador criar os seus exercícios para

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que os jogadores apreendam determinados princípios de jogo referentes ao seu

modelo de jogo.

Como nos diz Guilherme Oliveira (2004) não se treinam exercícios, treinam-

se princípios. Por este facto e como salienta Jesualdo Ferreira (2004), só faz

sentido no treino escolher os exercícios cujos conteúdos potenciem “o jogo da

equipa”, criando rotinas e comportamentos tácticos fundamentais. Por outro lado,

para a exercitação dos princípios promovida pelos exercícios será indispensável

atentar ao conteúdo, à estrutura e à funcionalidade dos mesmos, de forma a

garantirem a aquisição consciente e não consciente de conhecimentos específicos

adequados ao pretendido (Guilherme Oliveira, 2004). Só o sentido que se dá ao

exercício, concretizado na sua estrutura, funcionalidade e conteúdo, lhe parece

induzir a Especificidade pretendida (Castelo, 1996; Guilherme Oliveira, 2004).

Apesar de tudo, por vezes, os exercícios estão completamente adequados

ao Modelo de Jogo, mas devido à não intervenção ou intervenção inadequada

eles podem tornar-se desajustados (Guilherme Oliveira, 2004) não levando à

aquisição dos conhecimentos específicos pretendidos. Neste sentido, para o

conceito de Especificidade ser atingido no treino, parece não bastar que os

exercícios propostos sejam potencialmente específicos. É indispensável uma

intervenção nos mesmos (Guilherme Oliveira, 2004; Frade, 2004; Mourinho, 2005)

que se pretenderá interactiva para a aquisição de conhecimentos

específicos/imagens mentais ajustadas à forma de jogar pretendida.

2.2.3 – A “Intervenção Específica” no exercício: a fundamentação de uma necessidade lógica

Segundo o dicionário da Porto Editora (1998) por intervenção entende-se:

“acto de intervir; intercessão; operação”. Por intervir segundo o mesmo dicionário

entende-se: “colocar-se entre; sobrevir; ingerir-se; intrometer-se; interferir; acudir”.

No contexto do presente trabalho, “intervenção” dirá respeito ao acto do treinador

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intervir e interferir no processo de treino em geral e concretamente na aplicação

do exercício de treino.

Em função do que já foi dito anteriormente não será difícil perceber que a

necessidade de intervenção do treinador na aplicação do exercício decorre de

uma necessidade lógica. Com efeito e como Guilherme Oliveira (2004) nos

salienta, a operacionalização do conceito de Especificidade não só condiciona o

formato do processo de treino como também a intervenção nesse formato. Ainda

segundo o mesmo autor (Guilherme Oliveira, 2004), para que o conceito de

Especificidade seja atingido no decorrer da sessão de treino não basta que os

exercícios sejam potencialmente Específicos. Assim, se à operacionalização da

Especificidade está inerente a criação de exercícios Específicos (Guilherme

Oliveira, 2004), também será importante, pensamos, ter neles uma Intervenção

Específica.

Como sugere Mourinho (2005), ao procurar-se qualidade no trabalho, parece

ser indispensável reconhecer que é crucial o conteúdo de princípios de jogo

inerentes a cada exercício, mas também a relação interactiva que se estabelece

com o mesmo. Não basta, portanto, que a Especificidade esteja contida na

configuração estrutural e funcional dos exercícios (Guilherme Oliveira, 2004). Será

necessário uma Intervenção interactiva do treinador com o exercício e com os

jogadores no decorrer do exercício para que ela aconteça (Guilherme Oliveira,

2004). Só quando o treinador tem uma capacidade de intervenção permanente

nas situações para as direccionar em função do que pretende é que o potencial

dos exercícios parece materializar-se e a Especificidade existir na sua plenitude.

Para Guilherme Oliveira (2004), essa Intervenção deverá ocorrer em três

momentos distintos. O primeiro momento acontece no momento antecedente à

execução do exercício, explicando-o no sentido dos jogadores perceberem qual o

seu contexto, quais os objectivos, quais os comportamentos e quais as

implicações que esses comportamentos vão ter no desenvolvimento dos

conhecimentos colectivos e individuais e na qualidade da prestação (Guilherme

Oliveira, 2004). Se tal não acontecer, os jogadores não irão entender o exercício,

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não perceberão quais as implicações e os objectivos a atingir nem os

comportamentos adequados a realizar (Guilherme Oliveira, 2004). A intervenção

verbal deverá envolver os jogadores na mensagem, de tal forma que estes sejam

induzidos a imaginar esquematicamente o conteúdo das ideias.

O segundo momento acontece, durante a execução do exercício, onde o

treinador funcionará como catalisador positivo dos comportamentos desejados

associando-lhes emoções positivas e/ou marcadores somáticos positivos, inibindo

comportamentos inadequados através de emoções negativas e/ou marcadores

somáticos negativos (Guilherme Oliveira, 2004). Será fundamental, portanto, o

treinador parar, explicar, incentivar em função dos princípios que pretende treinar

com a realização de determinado exercício (Mourinho, 2002). Por isso, no decorrer

do exercício, intervir com emoção diferenciada aos comportamentos dos

jogadores de modo a despertar-lhes as sensações dessas emoções, parece ser

importante para transmissão dos comportamentos inerentes aos princípios de jogo

que se pretendem implantar (Guilherme Oliveira, 2004). Se isso não acontecer e

na consequência do referido, poderá não haver a promoção de conhecimentos

específicos. Mais grave ainda, os comportamentos realizados, se eventualmente

inadequados e repetidos sistematicamente, poderão levar a hábitos indesejados

(Guilherme Oliveira, 2004). Essa falha promoverá entendimentos diferenciados do

Modelo de Jogo, prejudicando o rendimento colectivo e individual, pela não

aquisição ou aquisição desajustada dos conhecimentos específicos/imagens

mentais pretendidos (Guilherme Oliveira, 2004).

O último momento de intervenção, acontece no final do exercício, com o

salientar dos aspectos positivos e negativos (Guilherme Oliveira, 2004). Os três

momentos referidos, para Guilherme Oliveira (2004), deverão sempre acontecer

mesmo que o exercício seja permanentemente utilizado.

Mesmo que a configuração estrutural e funcional do exercício possa ser

sempre a mesma, os comportamentos a potenciar em determinados períodos

poderão ser distintos e com isso a intervenção no mesmo, no antes, no durante e

no depois, também poderá ser diferente (Guilherme Oliveira, 2004).

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

Também Graça (1997), Mesquita (1998) e Rink (1996), vão ao encontro

desta ideia, quando, nos seus estudos relativamente aos feedbacks na

aprendizagem, reforçam a importância de uma intervenção no antes, durante e

depois do exercício. Referem ainda que basta um destes momentos não se

manifestar para condicionar todo o processo de aprendizagem.

Também Castelo (2002) considera fundamental uma Intervenção adequada

por parte do treinador no antes, no durante e no depois da execução da acção do

praticante para o elevar da qualidade de prestação desportiva do mesmo e por

conseguinte da sua equipa. Ainda segundo o mesmo autor, deve-se evitar o vazio

de informação no conteúdo semântico da Intervenção.

Com uma adequada Intervenção nos três momentos, os exercícios parecem

deixar de ser potencialmente Específicos, para passarem a manifestar a

Especificidade que lhes estava inerente (Guilherme Oliveira 2004).

De facto, a Intervenção no exercício, nos três momentos evidenciados, é

uma forma importante de se promover a aprendizagem (Jensen, 2002). Segundo

Guilherme Oliveira (2004), este facto assume-se mesmo como fundamental no

direccionamento do pretendido. Jensen (2002) salienta mesmo que sem uma

intervenção interactiva, que deverá ser específica e imediata, estaríamos

impossibilitados de aprender.

No sentido de reforçar esta ideia, o mesmo autor (Jensen, 2002) diz-nos que

ao sentirmo-nos valorizados e acarinhados pelo feedback emitido, ao nosso

cérebro fica ligado uma sensação de prazer. Como sabemos, essa sensação de

prazer fica ligada à experiência que a proporcionou marcando-a (Damásio, 2003).

Pelo referido, parece ser lógico supor, que a Intervenção do treinador nas

acções dos jogadores, parece definir a maior ou menor implementação do modelo

de jogo. De facto, em função daquilo que ele vai pedindo e da(s) direcção(ões)

que ele vai optando por tomar (Guilherme Oliveira, 2003) a implementação do

modelo de jogo vai ocorrendo.

Neste sentido, o treinador, além de que deve possuir capacidade de

observar, detectar e avaliar as diferenças entre o que o praticante está a realizar e

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

aquilo que lhe pede para fazer, deverá ter conhecimento do como Intervir no

exercício. Qualquer Intervenção deverá gerar informações para a aproximação

entre aquilo que se pretende e aquilo que está a ser realizado (Castelo, 2002). Só

assim se formarão conhecimentos específicos/imagens mentais ajustadas ao

pretendido (Guilherme Oliveira, 2004).

Como foi referido anteriormente, jogadores diferentes, possuem

conhecimentos específicos distintos, pelo que, perante a exercitação do mesmo

exercício, poderão não ter uma interpretação totalmente semelhante, podendo até

assumir comportamentos completamente diferenciados (Frade, 2004).

Efectivamente, as experiências acumuladas ao longo da vida, permitiram-lhes

formar conhecimentos específicos que vão fazer com que exercitem e interpretem

um exercício de uma forma particular (Guilherme Oliveira, 2004). Se por um lado é

positivo porque poderá ser enriquecedor para a evolução do modelo de jogo

constituindo uma re – criação desse modelo de jogo, por outro lado poderá

condicionar o seu desenvolvimento (Guilherme Oliveira, 2004).

A Intervenção do treinador parece ser, pois, a única forma do treinador

aproximar as diferenças e fomentar a evolução. Segundo Jesualdo Ferreira (2004)

ela é, de facto, decisiva, na escolha dos exercícios adequados e Específicos e na

orientação da informação que deve ser precisa e objectiva, com realce para os

comportamentos que se pretendam atingir, “num clima de orientação emocional,

motivador” promovendo-se a cumplicidade e o comprometimento (Jesualdo

Ferreira, 2004: 2).

Competirá ao treinador, portanto, e reforçando o que atrás foi dito, além de

transmitir declarativamente as ideias que pretende (Guilherme Oliveira, 2004), ter

uma Intervenção interactiva (Guilherme Oliveira, 2004; Mourinho, 2005),

sistemática (Graça, 1997; Mesquita, 1998), específica e imediata (Jensen, 2002),

na operacionalização do exercício. Deverá direccionar os conteúdos, promovendo

o aparecimento sistemático dos padrões de jogo desejados e pedidos (Malesani,

2001). Deve associar-lhes, também, e de forma permanente, emoções positivas

que ficarão marcadas como sentimentos conscientes (Guilherme Oliveira, 2004).

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

O resultando será um entendimento colectivo adequado e um envolvimento

positivo em torno do modelo de jogo da equipa (Guilherme Oliveira, 2004).

Neste entendimento, o treinador, no processo de treino e concretamente na

operacionalização do exercício, parece ter, de facto, um papel de extrema

importância. Ele cria o processo, direcciona-o e, tendo uma Intervenção adequada

no exercício, como se referiu anteriormente, as ideias parecem ganhar forma.

A regulação dos comportamentos por parte do treinador parece ser, por isso,

muito mais importante que o exercício em si. Como refere Frade (2004) a

dinâmica do processo é uma “fenomenotécnica” de natureza não linear. Isto deve-

se segundo Guilherme Oliveira (2004) à necessidade de uma Intervenção

sistemática do treinador, na criação e direcção de todo o processo, na pertinência

do adaptar e readaptar, e que tem, na operacionalização do exercício, o seu ponto

chave. Diz respeito ao “aqui e agora” como refere Frade (2004), ao lado

pragmático do processo da operacionalização do conceito de Especificidade.

A este propósito, Guilherme Oliveira (2004:156) fundamenta a sua opinião: “

O treino como o jogo, tem uma envolvência caótica, no sentido da aleatoriedade e

imprevisibilidade que constantemente promove. Como tal, a necessidade de

intervenção no momento e sistemática, é fundamental para gerir e criar o jogo

pretendido”.

Com uma “Intervenção Específica”, promove-se a discussão, a

experimentação, a compreensão, a exercitação orientada, como refere Guilherme

Oliveira (2004). Ela estará relacionada com aquilo que Mourinho (2003, cit.

Lourenço, 2003) denominou “descoberta guiada”. Para Mourinho (2003), a

“descoberta guiada” é a forma activa que o treinador possui, para levar os

jogadores no “caminho” que o mesmo define. Ou seja, é através do diálogo

permanente, da experimentação, da discussão, que treinador e jogador

“descobrem” a melhor solução para determinado comportamento táctico a adoptar.

Como exemplo Mourinho (2003:8) refere: “numa situação de treino, o treinador

pára e pergunta aos jogadores como se estão a sentir. Se eles respondem que o

defesa direito está muito longe do defesa esquerdo, então promove-se a

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Revisão Bibliográfica ________________________________________________________________________________

aproximação para se testar como funciona. Repete-se uma, duas, ou três vezes e

todos em conjunto encontram uma solução (Mourinho (2002: 43)”. Trata-se de

uma forma de conduzir o processo de forma activa através do diálogo, controlado

pelo treinador e dirigido no sentido pretendido (Mourinho, 2003). Este processo

levará o jogador à compreensão do modelo de jogo, pelo entendimento do papel

que tem que desempenhar relativo à sua posição e do conhecimento que vai

possuir relativamente às restantes (Mourinho, 2003). Por outro lado, permitirá que

os jogadores se auto-corrijam e corrijam os seus colegas (Mourinho, 2003).

Entendida no sentido evidenciado, a intervenção Específica parece levar a

que o processo ganhe um grau de congruência total, porquanto a

operacionalização do conceito de Especificidade é levado à escala de uma

Intervenção no exercício, promovendo-se a efectiva aquisição de conhecimentos

específicos relativos à forma de jogar que se pretende para a equipa.

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Material e Métodos ________________________________________________________________________________

3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. Caracterização da amostra

A amostra foi constituída por doze sessões de treino dirigidas pelo professor

Nelo Vingada, treinador da Académica de Coimbra, equipa do escalão principal do

Futebol português.

3.2. Metodologia de investigação Relativamente à parte teórica, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e

documental, de forma a seleccionar a informação que mais se enquadrava com o

tema em estudo. Posteriormente foi realizada uma recolha de dados por meio de

uma observação directa tendo em conta os aspectos relacionados com a

problemática em questão.

4.3. Recolha de dados

A recolha de dados referentes ao trabalho, teve lugar entre o dia 10 de

Outubro e 12 de Novembro e teve lugar no Estádio Municipal de Coimbra

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O dom da fala foi concedido aos homens não para que eles se

enganassem uns aos outros, mas sim para que expressassem seus

pensamentos uns aos outros

Santo Agostinho

Depois da observação e acompanhamento efectuado passamos à

apresentação dos aspectos que foram alvo de observação tendo em conta os

objectivos deste trabalho. Apesar de fazerem parte de um todo que é o processo

de treino, irão ser apresentados e discutidos de forma separada, no sentido de

uma maior simplicidade e clareza na exposição.

4.1- Exercícios Criados vs Modelo de Jogo

No que diz respeito a este ponto, começamos por nos referir ao aspecto

estrutural das sessões de treino observadas para uma melhor contextualização do

processo. Com efeito, verificámos a manutenção de uma estrutura base em todas

as sessões. Essa estrutura base dividia-se em três partes: uma parte inicial de

exercícios variados de mobilização segmentar; uma segunda parte constituída por

um ou dois exercícios que contemplavam situações jogadas e uma parte final

constituída por um conjunto de alongamentos e trabalho abdominal e onde por

vezes alguns jogadores eram requisitados para a marcação de penaltis ou livres

directos.

Nessas diferentes sessões por nós presenciadas, observámos que os únicos

exercícios não relacionados directamente com o modelo de jogo tinham a ver com

o aquecimento e com a parte final do treino. Neste último caso, em relação ao

trabalho abdominal e alongamentos efectuados. Por isso, podemos dizer que

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

havia uma efectiva preocupação na criação de exercícios para que os

comportamentos requisitados se relacionassem com o modelo de jogo da equipa.

Este facto era claramente confirmado aquando da aplicação dos exercícios, já que

nos era explicado claramente, por Nelo Vingada, os comportamentos que se

pretendiam exercitar. Foi-nos também referido pelo mesmo que estes tinham

como referencial o seu modelo de jogo para a equipa.

Como exemplo de um exercício relacionado com o modelo de jogo da equipa

podemos referir uma situação de jogo 10x9 com dois guarda redes, em 2/3 do

campo. Os elementos das equipas que possuíam colete de cor não participavam

nos processos defensivos, isto é, não tinham missões defensivas. Quando as suas

equipas estivessem sem posse de bola, deveriam colocar-se posicionalmente, em

função da bola, na posição que lhes permitisse uma participação fundamental na

transição defesa – ataque. Este exercício, segundo o Nelo Vingada, serviria para

procurar uma disponibilidade total desses jogadores para uma transição defesa –

ataque muito rápida e esses jogadores seriam as referências do primeiro passe de

transição.

Além do mais, como se tratava da semana que antecedia o jogo contra o

Sporting, era objectivo privilegiar as acções de ataque e contra ataque. Como nos

foi dito por Nelo Vingada, quando o confronto seguinte é contra equipas cujo valor

teórico é superior, dá-se privilégio aos exercícios dirigidos para as acções de

ataque e contra ataque, como pudemos observar. Isto porque parece ser

convicção que nestes jogos haverá, à partida, “uma tendência maior em defender”

e nesse sentido será importante aproveitar ao máximo as situações de ataque e

contra – ataque que ocorrerem.

Como se verifica, este tipo de exercício, por pretender potenciar

comportamentos desejados é um exercício que pode ser considerado específico

do modelo de jogo, além de ser um exercício que tem em conta o lado estratégico

indo ao encontro das opiniões de alguns autores como Carvalhal (2003),

Guilherme Oliveira (2003) e Queirós (2003) quando a este propósito destacam a

importância da manutenção da identidade da equipa em qualquer jogo, e

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

assumam, também, o lado estratégico como aspecto importante. Se os fenómenos

de adaptação que estão na base da elevação do rendimento estão ligados à

especificidade do estímulo (Manno, 1982), o exercício referido, parece de facto,

poder ser potencialmente específico do modelo de jogo pretendido.

Outro exemplo do referido diz respeito a uma situação de jogo em que se

opunham os Defesas e os Médios Defensivos contra os Médios Ofensivos e os

atacantes. A primeira equipa procurava evitar o golo. A segunda equipa procurava

marcar golo, esperando pacientemente o erro do adversário.

À defesa e Meio Campo foram pedidas coberturas defensivas sucessivas. Ao

Meio Campo e Ataque foi pedido a manutenção e circulação da posse da bola

procurando desorganizar defensivamente a equipa adversária.

Com este exercício, procurou-se a aquisição de comportamentos

relacionados com o modelo de jogo, como “o movimento do bloco defensivo em

função da bola e da posição do adversário” e o “controlo da posse da bola”.

Ainda outro exemplo de exercício, diz respeito à criação de combinações

ofensivas (Laterais, Médios ofensivos e Avançados) com finalização.

Com ele procurou-se promover a aquisição de automatismos relacionados

com a movimentação ofensiva que se pretendia para a equipa.

Portanto, também estes exercícios se podem considerar específicos por

exercitarem comportamentos relacionados com aquilo que se pretende no jogo.

Este facto constatado vem sustentar a ideia de alguns autores como

Garganta (1997), Frade (1994), Guilherme Oliveira (2004), Jesualdo Ferreira

(2004), Carlos Queirós (1993), Mourinho (2000), Castelo (2000), quando salientam

a importância da criação de exercícios relacionados com o modelo de jogo na

edificação dos pressupostos que estão na base da operacionalização.

A procura da aquisição dos princípios de jogo pretendidos através do

exercício específico vai ao encontro do que Guilherme Oliveira (2004) pensa

quando salienta a importância desse facto para a aquisição de conhecimentos

específicos/imagens mentais ajustadas.

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

4.2 - Intervenção nos exercícios relacionados com o Modelo de Jogo vs Objectivos pretendidos

No que diz respeito a este ponto, a nossa preocupação centrou-se nos

exercícios que procuravam potenciar comportamentos relacionados com o modelo

de jogo da equipa.

Procurámos assim perceber a forma como o treinador intervinha no decorrer

da aplicação dos exercícios relacionados com o modelo de jogo e se essa

intervenção tinha em conta os objectivos para os quais os exercícios tinham sido

criados.

Observou-se ao longo de todas as sessões de treino que, intencionalmente,

não havia intervenção por parte do treinador no decorrer dos diferentes exercícios.

De uma opinião diferente são alguns autores, quando caracterizam a

intervenção no decorrer do exercício como fundamental (Guilherme Oliveira, 2004;

Mourinho, 2003; 2005; Graça, 1997; Mesquita, 1998; Castelo, 2002; Jesualdo

Ferreira, 2004; Frade, 2004). Para eles, a relação que se estabelece com o

mesmo, materializada numa efectiva intervenção é que parece propiciar que o

potencial específico se possa revelar.

Também Guilherme Oliveira (2004) e Mourinho (2005) referem que é

importante estabelecer com o exercício uma relação de interactividade durante a

realização do mesmo. Mourinho (2003) assume o gosto particular em interpelar o

jogador e de com ele chegar à conclusão da melhor solução comportamental a

adoptar. Na opinião de Guilherme Oliveira (2004) esta parece ser a forma mais

adequada para o potencial do exercício se poder manifestar. Indo ao encontro de

Jensen (2002), este refere que ao direccionar-se a aprendizagem, através do

feedback interactivo, é provável que fique no nosso cérebro uma sensação de

prazer, pelo que a utilização do mesmo na aplicação do exercício e tendo em

conta os estudos de Guilherme Oliveira (2004), parece poder promover a

aquisição de conhecimento específico/imagens mentais associadas ao processo

emocional.

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

De opinião contrária é Nelo Vingada. Para este, a relação estabelecida com o

exercício apenas deve decorrer na parte inicial onde são referidos os objectivos e

os comportamentos a privilegiar.

Outro ponto de vista tem Castelo (2002), Guilherme Oliveira (2004), Graça

(1997) e Mesquita (1998) quando salientam que é necessário uma intervenção no

início, durante e no final sendo que nenhuma é mais importante que outra porque

ambas decorrem de uma lógica de acção.

4.2.1 - A compreensão da forma de intervenção de Nelo Vingada relativamente ao processo de apreensão do modelo de jogo

Ao optar, intencionalmente, por não intervir no desenrolar e no final do

exercício, sentimo-nos curiosos na tentativa de verificar como se processava o

processo de apreensão do modelo do jogo pretendido. E essa curiosidade era

ainda mais elevada porque se notava na execução dos exercícios que os

jogadores cumpriam, na sua maioria, com os comportamentos que deles se

pretendia.

Com efeito, começamos a entender adequadamente o ponto de vista de Nelo

Vingada quando no final de um treino, foi promovida uma conversa com um

jogador. Nesta conversa foi-lhe dito que estava a errar e foi-lhe explicado onde

estava o erro e o que fazer para o corrigir. Foi a partir deste momento que

começámos a entender a lógica do processo de intervenção de Nelo Vingada e

procurámos entender os pressupostos. É a estes que nos referimos a seguir.

4.2.1.1 - O conhecimento táctico - técnico do jogador

Para Nelo Vingada, o jogador de alta competição possuirá, por si, um

conhecimento táctico - técnico do jogo suficiente que lhe permite, com alguma

facilidade, compreender no plano teórico os comportamentos tácticos específicos

que devem ser aplicados no jogo da equipa. Garganta (2002) tem a mesma

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

opinião quando aponta o conhecimento do jogador como aspecto central no que

diz respeito à evolução do modelo de jogo da equipa. Também Queiróz (2003)

salienta a importância de um jogador de futebol culto. Segundo este autor

(Queiróz, 2003), um jogador culto, além de saber o que fazer, sabe e entende

porque faz.

Neste sentido, para Frade (2004) e Queirós (2003), deverá promover-se a

adaptação desse conhecimento do jogador à forma de jogar da equipa. Nelo

Vingada possui o mesmo entendimento pois promove desde logo a compreensão

do modelo de jogo à chegada do jogador. Com efeito, quando um jogador novo

chega à equipa, são-lhe transmitidas declarativamente as ideias relativamente aos

aspectos considerados essenciais na organização colectiva da equipa e aos

comportamentos tácticos individuais que deve ter desde logo. Este processo

engloba igualmente a demonstração visual e constitui-se como um instrumento

valioso na adequação da intervenção, além de promover a formação de padrões

mentais mais esclarecidos com o jogo. Também Guilherme Oliveira (2004)

salienta a necessidade da demonstração visual do modelo de jogo por forma a

garantir uma sintonia na intervenção em todo o processo.

Existe, no entanto, uma diferença entre a actuação de Nelo Vingada e a

opinião dos autores referidos (Frade, 2004; Queirós, 2003; Guilherme Oliveira,

2004) no alcance que poderá ter o processo referido. Enquanto que Nelo Vingada

utiliza o processo no sentido de promover a adaptação do conhecimento táctico –

técnico que o jogador já possui à forma de jogar da equipa, os autores referidos

(Frade, 2004; Queirós, 2003; Guilherme Oliveira, 2004), além de terem esse

objectivo, procuram servir-se dele aquando da intervenção nos exercícios. Frade

(2004) e Guilherme Oliveira (2003) reforçam esta ideia ao considerem este último

aspecto como fundamental na maximização do desempenho dos jogadores.

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

4.2.1.2 - A repetição sistemática e a não variabilidade dos exercícios

Transmitidas declarativamente as ideias e elucidadas visualmente,

promovem-se exercícios para a execução e exercitação dos comportamentos

tácticos pretendidos.

Ao longo do tempo de observação, verificámos que a cada dia da semana

correspondia um determinado conjunto definido de exercícios. De facto pudemos

constatar, por isso, que Nelo Vingada apostava na repetição desses exercícios ao

longo do tempo.

Como exemplo do referido verificamos em três quartas feiras seguidas a

aplicação de situação de jogo 5x5 + 2GR num quadrado de 20x20 seguida de uma

situação de jogo de 10x10+2GR em meio campo. Outro exemplo que nos poderá

elucidar diz respeito à aplicação em quatro quintas feiras seguidas de situação de

jogo 10x10 em 2/3 do campo.

De acordo com o observado e depois confirmado, a não variabilidade

associada à repetição sistemática dos mesmos exercícios são, para Nelo Vingada,

princípios fundamentais para a apreensão dos princípios de jogo da sua equipa.

Queiróz (2003) vai ao encontro desta opinião quando refere que é importante

ter uma bateria de base de exercícios que são rotinas fundamentais desenvolvidas

ao longo de toda a época. Também Carvalhal (2000) e Frade (2003) salientam

que a repetição sistemática e intencional dos mesmos exercícios específicos como

um dos factores importantes no alcançar de hábitos. Guilherme Oliveira (2004) é

também da mesma opinião mas salienta igualmente que a repetição deve ser

direccionada tendo em conta as necessidades da equipa no momento.

Queiróz (2003) refere a este propósito que o direccionamento do exercício é

fundamental para correcção de elementos problemáticos que vão surgindo no

decorrer da temporada. Por exemplo, se existe a necessidade de se treinar a

posse e a circulação de bola, ela não existe por si só. Existe para o atingir de

alguma coisa. Assim, em função da situação pode-se, por exemplo, treinar a

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

posse e a circulação da bola para uma saída hipotética de pressão, ou pode-se

treinar a posse e a circulação de bola para uma hipotética tentativa de finalização.

Outro exemplo que podemos referir diz respeito a uma situação de início de

época, em que um exercício é realizado porque se denota grandes dificuldades da

equipa na primeira fase de construção. No entanto o direccionamento do mesmo

noutra circunstância pode ser diferente por se considerar não ser essa a

prioridade no momento. Assim, deverá haver uma preocupação central que diz

respeito à lógica de existência do exercício porque interessará treinar os

princípios, não os exercícios.

Pelo observado verificámos que Nelo Vingada também tinha essa

preocupação. Assim e por exemplo, na semana que antecedeu o jogo contra o

Sporting foi dada a indicação numa situação de jogo 10x10+2GR para uma

preocupação relativamente à transição defesa-ataque. Já na semana que

antecedeu o jogo contra o União de Leiria, o feedback inicial foi no sentido de uma

preocupação maior em aspectos relativos à organização defensiva, como a

necessidade da “pressão colectiva do bloco defensivo com coberturas defensivas

sucessivas” e com preocupação acentuada na reacção à transição ataque-defesa.

Apesar do exercício ser o mesmo, havia um direccionamento para princípios

distintos.

4.2.1.3 - A(s) Descoberta(s) Guiada(s)

Para Nelo Vingada, os princípios de jogo só serão apreendidos

convenientemente se o empenhamento do jogador na realização dos exercícios

for o adequado. Quer isto dizer que em cada exercício ele terá que se empenhar

ao máximo em realizá-lo bem e em perceber por si porque o realiza. Ou seja, o

jogador, porque pretende estar apto e corresponder o mais rapidamente possível

deve procurar envolver-se e adaptar-se ao processo. Se possível questionar o

treinador no que diz respeito aos comportamentos tácticos que adopta. Assim, a

apreensão dos princípios de jogo vai ocorrer pelo maior ou menor empenhamento

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do jogador, no esforço de perceber o exercício de forma adequada e na procura

da sua realização correcta. É um processo pessoal que Nelo Vingada promove

que vai no sentido de o jogador se sentir envolvido e descobrir o caminho sozinho.

É uma “descoberta guiada” como o mesmo refere.

Se o jogador estiver a errar no comportamento táctico pretendido, Nelo

Vingada não promove nem uma paragem individual nem colectiva. Dá tempo que

a repetição do exercício, acompanhada de um forte empenhamento, o leve à

envolvência e à percepção do erro e se auto - corrija. Se o jogador for persistente

no erro, promove-se uma intervenção fora do contexto da sessão de treino. Aí

perde-se o tempo que for necessário. Transmite-se por palavras, demonstra-se

visualmente o pretendido, arranjam-se formas para que o jogador entenda onde

está o erro e o que fazer para o corrigir.

Uma visão diferente tem Frade (2004) que considera a intervenção no

momento a melhor forma de corrigir o erro. No entender do mesmo autor (Frade,

2004), a fenomenologia que deve caracterizar todo o processo, tem na

operacionalização do exercício uma importância fundamental.

Guilherme Oliveira (2004) também vai ao encontro da ideia de Frade (2004).

Segundo o mesmo autor (Guilherme Oliveira, 2004) uma intervenção no momento

e Específica, no sentido de corrigir o erro detectado e associar-se a este processo

emoções negativas limitará a aquisição de conhecimentos específicos/imagens

mentais desajustados, promovendo a aquisição daqueles que são fundamentais

para a forma de jogar da equipa. Castelo (2002) e Jesualdo Ferreira (2004)

salientam igualmente a necessidade de uma intervenção no preciso momento em

que o erro ocorre,

Também Mourinho (2003) parece ter uma opinião divergente de Nelo

Vingada. No entender do mesmo (Mourinho 2003), um jogador não aceita

naturalmente o que lhe é dito pelo treinador. Ao treinador compete dar provas da

sua razão (Mourinho, 2003). Nesse sentido, mais do que explicar no plano teórico

o que fazer e criar exercícios para isso ser feito, é fundamental, pela intervenção

interactiva no exercício, provar que determinado caminho é o correcto (Mourinho,

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

2003). De facto, neste caso, também não se aponta o caminho a seguir e opta-se

por uma “descoberta guiada” (Mourinho, 2003), levando o jogador a saber e a

compreender o que faz.

Como exemplo de uma situação ocorrida no processo de treino observado

podemos referir um exercício ocorrido de 5x5 com dois guarda redes num espaço

de 30x30 cujos objectivos centrais diziam respeito a rápidas acções de ataque e

contra ataque para a equipa em posse de bola e à pressão intensa sobre o

portador da bola da equipa que defendia. Os apoios (um em cada lado lateral do

campo) podiam e deviam ser pressionados e essa pressão devia acentuar-se

quando os apoios laterais procuravam centrar a partir duma zona próxima de uma

das áreas. Era um comportamento importante, segundo o treinador, que pretendia

que ocorresse sempre. Durante a execução do exercício verificámos que um dos

apoios cruzava sem oposição e este comportamento repetia-se frequentemente

por falha repetida de um jogador.

Tendo em conta o referido anteriormente, para Castelo (2002), Frade (2004),

Guilherme Oliveira (2004), Jesualdo Ferreira (2004) e Mourinho (2004), teria sido

pertinente uma intervenção no momento afim de corrigir essa falha

comportamental. Com base neste raciocínio, o facto de não haver intervenção

perante um comportamento repetidamente desajustado e baseando-nos nos

estudos de Guilherme Oliveira (2004), poderá haver a aquisição de hábitos

indesejados para o modelo de jogo. Por outro lado e tendo em conta os mesmos

estudos (Guilherme Oliveira, 2004), havia que estar atento quando o jogador

realizasse o comportamento pretendido, afim de lhe associar emoções positivas. A

intervenção vista desta forma no decorrer do exercício, promove, segundo

Guilherme Oliveira (2004) a aquisição de conhecimentos específicos/imagens

mentais por processos conscientes e não conscientes.

Nelo Vingada tem outra opinião e opta por um procedimento diferente. Neste

caso particular e tal como atrás já foi evidenciado, esperou que a repetição do erro

e o empenhamento do jogador na compreensão e execução do exercício o

levasse à percepção do comportamento incorrecto. De facto isso não ocorreu,

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

mas o erro deixou de aparecer na parte final do exercício. Isto porque o jogador

que estava como apoio pediu que o pressionasse, pois era uma exigência do

treinador na execução do exercício. Este facto poderá comprovar, também, a

envolvência que existe no processo e o entendimento colectivo subjacente ao

mesmo.

4.3 - Que Especificidade no processo de treino observado?

Pelo exposto parece-nos pertinente procurar entender até que ponto o

princípio da Especificidade é levado em linha de consideração no processo de

treino observado.

Efectivamente, pareceu-nos uma evidência que o modelo de jogo do

treinador constituía a única e grande referência em relação a tudo o que era feito.

Esta ideia vem ao encontro de muitos autores entre eles Faria (1999), Carvalhal

(2000), Castelo (2002), Guilherme Oliveira (2003), Queirós (2003), Frade (2004),

Mourinho (2005) que evidenciam a importância do modelo de jogo como farol

essencial de todo o processo e a Especificidade como representativa do mesmo.

Por outro lado existia uma forma muito particular de operacionalizar esse

modelo de jogo de que resultou numa forma muito própria de intervenção no

processo de treino. Frade (2004) a este respeito refere que cada treinador deve

procurar operacionalizar o seu modelo de jogo de uma forma muito própria. Dessa

operacionalização, segundo o mesmo autor (Frade, 2004), resulta uma

Especificidade também ela muito particular porque a ela é inerente um modelo de

jogo único.

Parece-nos que Nelo Vingada, tendo a sua forma particular de

operacionalizar o seu modelo de jogo, resultava daí a expressão de uma

Especificidade que lhe era própria. Esta ideia, no entanto, não é partilhada por

alguns autores (Faria, 1999; Carvalhal, 2000; Castelo, 2002; Guilherme Oliveira,

2003; Queirós, 2003; Frade, 2004; Mourinho, 2005; Jesualdo Ferreira, 2003; Vaan

Gaal, 1997) já que referem que o processo para ser efectivamente Específico, a

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Análise e Discussão dos Resultados ________________________________________________________________________________

Especificidade terá que ser levada ao limite de uma intervenção Específica no

exercício.

Tendo em consideração a opinião dos autores referidos (Faria, 1999;

Carvalhal, 2000; Castelo, 2002; Guilherme Oliveira, 2003; Queirós, 2003; Frade,

2004; Mourinho, 2005; Jesualdo Ferreira, 2003; Vaan Gaal, 1997) parece que

essa aproximação poderia ser maior e mais eficaz, no caso de se considerar a

elevação da Especificidade à importância de uma intervenção nos exercícios

relacionados com o modelo de jogo, o que não aconteceu.

Não obstante, a operacionalização do modelo de jogo observada, pareceu-

nos promover uma efectiva aproximação entre o que o treinador pretendia e o que

o jogador executava. O que podemos dizer, por isso, é que observámos uma

forma lógica e coerente de operacionalizar o treino, decorrente de uma concepção

muito própria que contemplava uma intervenção muito particular no que diz

respeito à relação estabelecida entre treinador – jogador – exercício.

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Conclusões ________________________________________________________________________________

5. CONCLUSÕES

Uma vida não questionada não

merece ser vivida

Platão

A resposta ao problema virá dele,

porque a resposta não está separada do

problema

Krishnamurti

O presente trabalho é como uma história. Uma história real. Uma experiência

de conhecimento: questionámo-nos, procurámos a resposta e pretendemos agora

concluir. Todavia, enquanto que numa história existe um fim, este trabalho é o

início de um “começar”.

Tendo em conta os objectivos definidos e pela análise e discussão dos

resultados efectuada, concluímos que existem diferenças de opinião relativamente

à forma de expressão de uma “Intervenção Específica” na sua relação com o

exercício. Apesar do referido, parece ser unânime a importância dada à mesma,

mas na evidência de entendimentos distintos.

Com efeito, existem autores que consideram fundamental uma Intervenção

Específica entendida como aspecto fulcral no antes, no durante e no depois do

exercício. Para os mesmos, só desta forma o potencial Específico do mesmo se

poderá manifestar e só desta forma a Especificidade é atingida na plenitude.

Assim entendida, a Intervenção Específica parece promover uma interactividade

entre treinador – jogador - exercício considerada para os mesmos fundamental

para a envolvência do jogador na sua identificação com Modelo de Jogo da

equipa.

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Conclusões ________________________________________________________________________________

Nelo Vingada, por outro lado, só tem uma intervenção no início do exercício,

optando por não intervir no decorrer e no final do mesmo. Não obstante,

considera-o fundamental na implementação do modelo de jogo já que é um

aspecto essencial no seu processo de intervenção. Esse processo resulta da

interacção do conhecimento táctico - técnico que o jogador deve possuir acerca do

jogo, da repetição e da não variabilidade dos exercícios promovida e do empenho

de cada jogador em entender e realizar correctamente cada exercício. Ao mesmo

tempo, quando se considera importante, são promovidos momentos de chamadas

de atenção e correcções individuais, relacionadas com realização dos exercícios,

mas não no decorrer das sessões de treino. Todo este processo é assim

entendido como a forma de levar o jogador à envolvência, à compreensão e à

contextualização de tudo aquilo que é feito, respeitante à apreensão do Modelo de

Jogo da equipa.

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