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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO À LEGITIMIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MOSER VHOSS

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO

DO DANO À LEGITIMIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

MOSER VHOSS

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade

de que haja reparação de dano extra-material causado à Administração Estatal

em face da prática de ato de improbidade administrativa. A pesquisa tem como

objeto de análise a legitimidade da Administração Estatal e a possibilidade

desta ser afetada pela prática de ato de improbidade administrativa, de modo a

verificar se estaria configurado dano passível de propiciar A sua reparação

moral, utilizando para tanto o método dedutivo. De início, foram apresentadas

noções sobre o Estado e a Administração Estatal, sobre o fundamento de seu

poder, e sobre a principiologia concernente à atuação administrativa. Em

seguida, foram conceituados os atos de improbidade administrativa,

apresentando-se, também, as conseqüências materiais e extra-materiais por

eles produzidas, com especial ênfase para a verificação da existência ou não

de abalo na legitimidade da Administração Estatal. Por fim, foi avaliada a

possibilidade de que haja reparação de dano extra-material causado às

pessoas jurídicas de direito público, bem como a possibilidade de que haja

reparação do dano causado à legitimidade da Administração Estatal quando da

prática de ato de improbidade administrativa, abrangendo-se ainda, nesse

particular, circunstâncias atinentes à quantificação desse dano. Como resultado

da presente dissertação, verificou-se, que a prática de atos de improbidade

administrativa afeta a legitimidade da Administração Estatal, ferindo, portanto, o

fundamento de seu poder. Esse abalo na legitimidade consubstancia dano

extra-material cuja reparação é passível de ser pleiteada, em prol da

conservação da integralidade do patrimônio público.

ABSTRACT

This study aims to examine the possibility that there are repair of

non-material damage caused to State Administration in the face of the practice

of administrative act of improbidade. The research has as object of analysis the

legitimacy of the State Administration and the possibility of being affected by the

practice of administrative act of improbidade in order to verify that would set

damage likely to provide moral Their repair, using for both the deductive

method. Initially, concepts were presented on the State and State

Administration on the basis of their power, and on principiologia concerning

administrative action. Then were authoritative acts of improbidade

administrative, presenting also the consequences material and non-material

produced by them, with a focus on the verification of the existence or not of

shock on the legitimacy of State Administration. Finally, it was assessed that

there is the possibility of repair of damage caused to the material extra-legal

persons of public law, as well as the possibility that there are repair of the

damage to the legitimacy of the State Administration when the practice of

administrative act of improbidade, covering It is still, in that particular

circumstances relating to the quantification of such damage. As a result of this

dissertation, it was found that the practice of acts of administrative improbidade

affects the legitimacy of the State Administration, injuring therefore the

foundation of his power. This represents legitimacy blow in extra-damage repair

material which is likely to be pleiteada, in the interest of conservation of the

whole of public assets.

INTRODUÇÃO

Com o aperfeiçoamento dos meios de comunicação, a

evolução da mídia e uma maior facilidade de proliferação da informação, a

sociedade tem ganhado maior conhecimento acerca da prática de atos de

corrupção em meio à Administração Pública. Bem mais recorrentemente a

improbidade administrativa tornou-se tema de discussão junto da coletividade, e

houve aprovação, no Brasil, da Lei n° 8.429/92, que trata de medidas voltadas a

combater a corrupção e da reparação de danos causados à Administração em face

de atos de improbidade.

As ações em que postulada a reparação de danos

ocasionados à Administração Pública em face de atos de improbidade

administrativa têm se centrado no ressarcimento de danos materiais. Parece

discutível, porém, se essas ações postulando ressarcimento de danos materiais, se

exitosas, bastarão para restabelecer verdadeiramente, à Administração, o estado

anterior à prática da improbidade. Metaforizando, é como se a corrupção cavasse

na Administração profundas crateras; o ressarcimento do dano material causado

com a corrupção seria como que uma tampa a cobrir a extensão superficial dessas

crateras; por sob as tampas, porém, o buraco persistiria sem preenchimento, já que

nem toda a substância dele extraída estaria sendo reposta; o Estado teria, assim,

seu aspecto exterior maquiado, mas seu peso, sua substância, sua solidez material

não alcançariam recomposição. É que a improbidade administrativa, mais que um

prejuízo financeiro à Administração, parece comprometer o crédito, o respeito, a

obediência que o cidadão administrado tende a devotar ao Estado, interferindo, em

verdade, na legitimidade que a este último é atribuída.

O ato de improbidade administrativa, além de por vezes

ocasionar dano material ao patrimônio público, parece poder também ocasionar,

2

portanto, dano à legitimidade do Estado e da Administração, já que contribui para

que o cidadão administrado se desestimule no cumprimento de obrigações

tributárias, administrativas e, enfim, em portar-se adequadamente como cidadão

respeitoso para com os preceitos que a ele são dirigidos. E isso parece onerar a

Administração, posto que, em princípio, tende a obrigá-la a empregar maiores

recursos humanos, materiais e financeiros no aperfeiçoamento nos meios de

fiscalização, controle e repressão voltados contra o comportamento indevido dos

administrados.

É tema do presente trabalho, destarte, investigar a ocorrência

de dano à legitimidade da Administração Pública em decorrência da prática de ato

de improbidade administrativa, e a possibilidade ou necessidade de sua reparação,

além das condições, limitações e circunstâncias com esta eventualmente

relacionadas.

A investigação se motiva na aparente dificuldade para que se

alcance uma recomposição integral do dano com o qual a Administração tem

arcado em decorrência da prática de atos de improbidade administrativa,

especificamente no que se refere ao prejuízo extramaterial decorrente do abalo à

sua legitimidade.

Objetiva-se, com a investigação, elaborar estudo sobre o

eventual abalo que a Administração sofre em sua legitimidade em decorrência da

prática de atos de improbidade administrativa, bem como sobre as condições,

limitações e circunstâncias relativas à reparação desse abalo, para que, com maior

certeza e precisão, e nos casos onde se fizer realmente devida, essa reparação

venha a ser efetivada.

Tomados em evidência alguns aspectos específicos, afigura-

se conveniente que o trabalho venha a se deter em algumas questões significativas,

ainda que pontuais, analisadas tendo em conta o pensamento de filósofos, juristas,

e também o entendimento expressado em precedentes jurisprudenciais.

3

A primeira delas será saber se a pessoa jurídica de direito

público pode sofrer dano extramaterial.

Num segundo momento, buscar-se-á investigar se a

improbidade administrativa pode gerar à Administração Pública dano de natureza

extramaterial.

Haverá pretensão de saber, ainda, se o dano extramaterial

causado à Administração Pública é passível de reparação, e se essa reparação é

contemplada na legislação positiva brasileira.

Interessará saber, ademais, as condições, limitações e

circunstâncias gerais que estão relacionadas com a reparação do dano

extramaterial causado à Administração Pública.

O interesse pela realização do presente trabalho foi

despertado a partir de suposições cuja procedência ou improcedência terão sua

investigação realizada ao longo da pesquisa. As suposições estão a seguir

relacionadas: a) supõe-se, ao se cogitar da ocorrência de dano à legitimidade da

Administração, que a pessoa jurídica de direito público poderá ser vítima de dano

extramaterial; b) supõe-se, ao se cogitar de ressarcimento do dano à legitimidade

da Administração, que o ato de improbidade poderá gerar esse tipo específico de

dano; c) supõe-se, ao se cogitar de ressarcimento do dano à legitimidade da

Administração, que tal ressarcimento poderá e até mesmo deverá ser efetivado; d)

supõe-se, num estudo acerca do ressarcimento do dano à legitimidade da

Administração em decorrência da prática de ato de improbidade administrativa, que

será interessante e adequado investigar eventuais previsões do ordenamento

positivo brasileiro acerca do tema; e) supõe-se, num estudo acerca do

ressarcimento do dano à legitimidade da Administração em decorrência da prática

de ato de improbidade administrativa, que será interessante e adequado investigar

4

as condições, os limites e as circunstâncias relacionadas com tal dano e a

efetivação de seu ressarcimento.

A dissertação foi dividida em três capítulos.

No primeiro deles estarão relatados aspectos conceituais

acerca do Estado e da Administração. Examinar-se-á, depois, a legitimidade da

Administração Pública. Por fim, será investigada a principiologia que orienta as

ações relacionadas à Administração Pública.

No segundo dos capítulos, buscar-se-á apresentar elementos

conceituais da improbidade administrativa e dos atos que a caracterizam. Informar-

se-á, em seguida, os efeitos materiais e extramateriais decorrentes dos atos de

improbidade administrativa, com as cominações para estes previstas, com especial

destaque para o exame sobre se a improbidade administrativa causa dano à

legitimidade da Administração Pública.

No terceiro capítulo, será estudada a possibilidade de

reparação do dano extramaterial causado à Administração Pública em face da

improbidade administrativa, bem como a quantificação dessa reparação, e, ainda,

outras circunstâncias com ela relacionadas.

Por fim, o trabalho será sintetizado com as conclusões dele

obtidas.

O Método a ser utilizado na fase de Investigação será o

Indutivo; na fase de Tratamento dos Dados será o Cartesiano, e, dependendo do

resultado das análises, no Relatório da Pesquisa poderá ser empregada a base

indutiva ou outra que for a mais indicada. Serão acionadas as técnicas do referente,

da categoria, dos conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica e do

5

fichamento. 1

Não terá o trabalho pretensão de encerrar a discussão sobre o

tema, com conclusões fechadas ou definitivas, mas de servir como estímulo para

que o debate se amplie e uma síntese mais completa possa ser elaborada a partir

de maior e melhor maturação das idéias expostas em confronto com as de outros

pesquisadores.

1 Veja-se: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica - idéias e ferramentas úteis para

o pesquisador do Direito. 7 ed. rev.atual.amp.Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002. Da obra mencionada se extrai conceito de método, que “é a forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados” (p. 104). A mesma obra também traz abordagem sobre os métodos nas diversas fases da Pesquisa Científica (p. 99 a 107). E ainda na mesma obra se tem explicitação do que são a técnica do referente (“explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa” – p. 241), a técnica da categoria (“palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” – p. 229), a técnica dos conceitos operacionais (“definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas” – p. 229), a técnica da pesquisa bibliográfica (“Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais” – p. 240) e a técnica do fichamento (“Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura na Pesquisa Científica, mediante a reunião de elementos selecionados pelo Pesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou analisa de maneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, um Artigo ou uma aula, segundo Referente previamente estabelecido” – p. 233).

6

Capítulo 1

NOÇÕES SOBRE ESTADO, ADMINISTRAÇÃO E O FUNDAMENTO DE SEU

PODER

1.1. NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE ESTADO, GOVERNO E

ADMINISTRAÇÃO

A síntese mais comum e simplificada das conceituações de

Estado o tem como uma unidade política formada por um Povo, um Território e um

Governo.2

É ao Governo que incumbe, de uma forma direta, administrar,

gerenciar, dirigir o Estado, elegendo e empreendendo as iniciativas e ações cuja

execução atenderá aos anseios do cidadão.3

Para empreender as iniciativas e ações eleitas pelo Governo,

o Estado dispõe da Administração, que compreende um aparato burocrático,

formado por órgãos e departamentos diversos, organizados segundo as atividades

por cada qual desempenhadas.4

2 Citam-se, entre outros, os seguintes doutrinadores, que também destacam a presença dos três

elementos formadores do Estado: MILESKI, Helio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.26/30; SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 89/90; BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed, 13ª tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 66/7.

3 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 47/8.

4 Descrição mais pormenorizada acerca desse aparato burocrático será adiante apresentada neste trabalho, quando da explanação acerca da dominação burocrática a que alude Max Weber.

7

Veja-se que a Administração, usada pelo Governo para

atendimento dos anseios dos cidadãos, com ele não se confunde. Hely Lopes

Meirelles bem distingue os conceitos de Governo e Administração, afirmando:

[...] comparativamente, podemos dizer que governo é atividade política e discricionária; administração é atividade neutra, normalmente vinculada à lei ou à norma técnica. Governo é conduta independente; administração é conduta hierarquizada. O Governo comanda com responsabilidade constitucional e política, mas sem responsabilidade profissional pela execução; a Administração executa sem responsabilidade constitucional ou política, mas com responsabilidade técnica e legal pela execução. A Administração é o instrumental de que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas do Governo.5

Tem-se, assim, que o conjunto dos diversos órgãos, entidades

e agentes do Estado, que se ocupa das iniciativas eleitas pelo Governo para

satisfação dos anseios do Povo, empreendendo a atividade administrativa, é

apontado, modernamente, como sendo a Administração.6

1.2. FUNDAMENTO DO PODER DO ESTADO E DA

ADMINISTRAÇÃO

Apresentados, pois, conceitos de Estado e de Administração,

incumbe principiar, então, análise mais detida do fundamento de seu poder, qual

seja, a legitimidade.

5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de

Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 61.

6 Nesse sentido vertem as conceituações apresentadas, por exemplo, por MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 44/5 e MILESKI, Helio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 35.

8

Nesse sentido, entenda-se essa legitimidade como a

aceitação, dentro de certos limites de tolerância, da existência do ente estatal7,

formada no justo consenso da comunidade e num sistema de valores aceitos e

compartilhados por todos8, de forma autônoma e consciente9.

Nas palavras de Georges Vedel, citado por Paulo Bonavides,

“chama-se princípio de legitimidade o fundamento de poder numa determinada

sociedade, a regra em virtude da qual se julga que um poder deve ou não ser

obedecido”.10

Para Mario Stoppino, a idéia de que a aceitação de

obediência a um poder sintetiza o conceito de legitimidade associa-se à noção de

autoridade. A autoridade já foi conceituada simplesmente como o poder

estabilizado a que se presta uma obediência incondicional, independentemente de

seu fundamento. Mas um conceito mais estruturado de autoridade a concebe como

um poder estabilizado, ao qual se possa chamar de “poder legítimo”, e sedimentado

num juízo positivo a seu respeito. Legitimidade e Autoridade exprimem idéias que,

portanto, associam-se na concepção de obediência e respeito ao poder,

decorrentes de sua aceitação.11

Para Aristóteles, “não é apenas para viver juntos, mas para

bem viver juntos que se fez o Estado [...]”.12 O homem é um ser social, e por isso

naturalmente se inclina para uma vivência em sociedade. Mas não é o desejo

7 LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição Corte-

Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 30. 8 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2003, p. 88/9. 9 LEVI, Lucio. Verbete “legitimidade”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,

Gianfranco; et alii. Dicionário de política. Coordenador de Tradução de João Ferreira. 12ª ed. Brasília: UNB, 2004, (v. 2) p. 678.

10 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed, 13ª tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 116. 11 STOPPINO, Mario. Verbete “autoridade”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola;

PASQUINO, Gianfranco; et alii. Dicionário de política. Coordenador de Tradução de João Ferreira. 12ª ed. Brasília: UNB, 2004, (v. 1) p. 90.

9

humano de viver em sociedade, ou uma maior comodidade nessa vida em

sociedade, que bastam para justificar a existência do Estado.

Contemplando a chamada Cidade-Estado da antigüidade,

Aristóteles percebia que, se os homens se agrupassem tão-só para auxiliarem-se

na defesa mútua, ou se apenas para maior facilidade no comércio e nos negócios,

nações que celebram acordos militares e comerciais poderiam fundir-se e passar a

formar um único Estado; essa fusão, porém, não acontece, e elas persistem

assentando-se em Estados distintos. A razão disso, segundo Aristóteles é que,

mais que formar-se a partir de um desejo das pessoas de viverem juntas, de

auxiliarem-se na defesa militar e de interagirem nas práticas comerciais e sociais, o

Estado guarda atenção também para as virtudes e os vícios que interessam à

sociedade civil, “[...] e não há nenhuma dúvida de que a verdadeira Cidade (a que

não o é somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude”.13

A virtude que sustenta o Estado é consubstanciada no culto à

honestidade, à amizade e à justiça.

O que se verifica, portanto, do pensamento de Aristóteles, é

que o Estado se forma não apenas a partir da constatação objetiva de vivência

comum de diversas pessoas, mas, mais que isso, a partir também de um vínculo

subjetivo, produto do culto a valores morais caros às pessoas que o integram, tais

como o senso de amizade, honestidade, coragem e justiça, tidos como

indispensáveis a uma vivência portadora de felicidade14.

Já na Idade Moderna, Thomas Hobbes concebia o Estado

como sendo constituído a partir do pacto celebrado por diversas pessoas:

12 ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Roberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,

1998, p. 53. 13 ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Roberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,

1998, p. 54. 14 ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Roberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,

1998, p. 58.

10

Um Estado é considerado instituído quando uma Multidão Concorda e Pactua, que a qualquer Homem ou Assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o Direito de Representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu Representante), todos sem exceção, tanto os que Votaram a favor dele como os que Votaram contra ele, deverão Autorizar todos os Atos e Decisões, a fim de poderem conviver pacificamente e serem protegidos dos restantes homens.15

O que motiva essa pactuação, segundo Hobbes, é a opção do

ser humano pela maior segurança e comodidade de uma vida em sociedade. Fora

de uma vida em sociedade, o homem estaria sujeito a conflitos e perigos que

tornariam sua vivência intranqüila e, por conseqüência, desprovida de comodidade.

Assim, a missão do soberano, que justifica a existência do

ente estatal, é a de obter a segurança do povo. Para Hobbes, por segurança não se

compreende apenas a simples preservação do ser humano, mas também todos os

valores que este pode adquirir para si por meio de uma atividade legítima, que não

atente contra o Estado.16

Em Hobbes, os poderes do soberano são demasiado

elevados, porque tidos como resultantes de concessão divina.17 Entretanto, a

existência do Estado não envolve apenas uma aglutinação objetiva de pessoas em

face de um pacto social; com efeito, mais que isso, é destacada, por ele, uma razão

subjetiva, um senso de voluntariedade que motiva as pessoas a abrirem mão de

uma vida de liberdade plena em prol da vida em sociedade, na qual dispõem de

menor liberdade individual, mas contam, em troca, com a segurança oferecida pelo

ente estatal, daí derivando maior tranqüilidade e comodidade.

John Locke sustenta que o ser humano vive, em princípio, num

estado natural, no qual é livre e independente em relação aos demais; entretanto,

15 HOBBES, Thomas. Leviatã, ou, A matéria, forma e poder de estado eclesiástico e civil.

Tradução de Rosina D’Angina. 2ª ed. São Paulo: Ícone, 2000, p. 128. 16 HOBBES, Thomas. Leviatã, ou, A matéria, forma e poder de estado eclesiástico e civil.

Tradução de Rosina D’Angina. 2ª ed. São Paulo: Ícone, 2000, p. 239.

11

ele próprio opta por abrir mão de parcela de sua liberdade e independência para

associar-se a outros homens, sujeitando-se, então, a um estado civil que se lhe

apresenta mais seguro e cômodo. Locke afirma:

Se todos os homens são, como se tem dito, livres, iguais, e independentes por natureza, ninguém pode ser retirado deste estado e se sujeitar ao poder político de outro sem o seu próprio consentimento. A única maneira pela qual alguém se despoja de sua liberdade natural e se coloca dentro das limitações da sociedade civil é através de acordo com outros, desfrutando com segurança de suas propriedades e melhor protegidos contra aqueles que não são daquela comunidade.18

Como se vê, os pensamentos de Hobbes e Locke se

assemelham na idéia de criação do Estado através de um pacto social. E também

se assemelham na compreensão de que, mais que resultante de um fenômeno

ocasional, o Estado resulta de uma ação consciente dos celebrantes do pacto, de

abrirem mão da liberdade absoluta que detinham no estado de natureza, em prol de

maior comodidade e segurança no estado civil.19

Todavia, enquanto o Estado concebido por Hobbes ainda se

caracteriza por uma concentração de poderes nas mãos do soberano e pela

limitação extremada dos direitos dos súditos, em Locke já é dado a estes últimos

um poder considerável de questionamento das ações do monarca, cujos atributos já

não mais são divinos, mas sim concessão do próprio povo.

Jean-Jacques Rousseau, da mesma forma que Hobbes e

Locke, projeta a formação do estado civil a partir da celebração de um pacto social.

17 HOBBES, Thomas. Leviatã, ou, A matéria, forma e poder de estado eclesiástico e civil.

Tradução de Rosina D’Angina. 2ª ed. São Paulo: Ícone, 2000, p. 129. 18 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e

os fins verdadeiros do governo civil. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 139.

19 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 156.

12

No concernente à legitimidade do Estado, porém, realça-se

sua afirmação de que “Sempre haverá grande diferença entre submeter uma

multidão e reger uma sociedade”.20

Ao desenvolver a idéia de formação do soberano, Rousseau

destaca a necessidade de voluntariedade na ação dos celebrantes do pacto. E

essa voluntariedade tem como resultado o fato da regência do Estado passa a não

mais ser imposta unilateralmente por um governo, mas sim a ser deliberada e

dialogada por todas as pessoas que se uniram para formação do poder soberano.

Tais pessoas, a partir da criação do Estado, por passarem a ocupar-se do

interesse coletivo, e não apenas de suas vontades individuais, evoluem em sua

condição humana, “[...] substituindo em sua conduta o instinto pela justiça e

conferindo às suas ações a moralidade que antes lhes faltava”.21

Ao associar a celebração do pacto com a idéia de evolução

humana e de voluntariedade nessa celebração, Rousseau também deixa evidente o

pensamento de que o Estado não nasce e existe ao acaso, num fenômeno alheio à

vontade humana, mas que, diversamente, sua existência é produto de uma opção

consciente e moralmente mais evoluída daqueles que se associam para formá-lo.

Extremamente pormenorizada é a análise sobre a

legitimidade do Estado realizada por Max Weber, notadamente no que se refere à

20 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. 3ª ed.

São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 19. 21 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. 3ª ed.

São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 25.

13

por ele chamada dominação burocrática.22 Ela resulta do avanço da racionalidade

em todas as áreas.23

A dominação burocrática é menor na chamada administração

diretamente democrática, onde todos têm igual qualificação para direção dos

assuntos comuns, e onde o poder de mando é minimizado.24

Weber assinala que a superioridade técnica da administração

fundamenta-se cada vez mais em treinamento e experiência. Em face disso, com o

tempo, é natural que haja formação de um corpo de pessoas que mais perenemente

se ocupem da gestão dos assuntos públicos. Esse círculo de pessoas comunica-se

internamente de maneira especial, e dá origem, a cada momento, a alguma ação

social conservadora de sua posição, dirigindo-a de modo planejado.25

Intitulando a legitimidade de uma dominação de sua

“validade”, Weber distingue, de um lado, a dominação em que o poder de mando se

expressa num sistema racional de regras estatuídas que o preserva, e, de outro, a

dominação oriunda do poder de mando de uma autoridade pessoal. A dominação

em que o poder se expressa num sistema racional de regras é a dominação

burocrática, que é tida como legítima desde que o poder seja exercido de acordo

com as regras que a tutelam. Na dominação que se orienta pelo poder de mando de

uma autoridade pessoal, esse poder de mando pode resultar da tradição, quando

22 A “burocracia”, titular da “dominação burocrática”, é formada pelo funcionalismo, ou seja, pelos

agentes da Administração, qualificados para integrar seus quadros, e que atuam de uma forma racional, técnica, objetiva, orientada pelo conhecimento (e não por tradição ou carisma), e definida em regulamento (WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 1) p. 143/147).

23 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 233.

24 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 193.

25 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 196.

14

se tem o patriarcalismo (a tradição pode indicar, por exemplo, que o poder deve ser

exercido por determinada família), ou pode resultar do extraordinário, quando se tem

a dominação carismática (o extraordinário pode pôr em evidência um herói, um

profeta ou um redentor a ser seguido).26

Na classificação de Weber, parece ser a dominação

burocrática a que melhor se associa à Administração de repúblicas como a

brasileira, construída já, nos tempos contemporâneos, predominantemente a partir

da coerção oriunda de um sistema normativo, e procurando abandonar cultos

antigos ao patriarcalismo e a lideranças carismáticas.27

Tratando especificamente sobre a dominação burocrática,

Weber destaca ser sua característica a fixação, em leis e regulamentos, das

competências das autoridades administrativas, dos poderes de mando, e dos

meios coativos para que a submissão dos outros possa ser obtida pelos detentores

do poder.28

A dominação burocrática é racional e, por isso, outro fator que

a caracteriza é a contratação planejada de pessoas com qualificação

regulamentada, objetivando que cumpram obrigações e exerçam direitos.29

26 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de

Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 197/8.

27 O uso, no texto, da expressão “procurando abandonar” evidencia que, no Brasil, ao menos num prisma teórico, tem sido proclamada a necessidade de abandono ao patriarcalismo e à submissão a lideranças pautadas apenas no carisma; reconhece-se, porém, que, em termos práticos, ainda não se extinguiram totalmente, no país, ações de coronelismo e práticas assistencialistas voltadas mais para obtenção de apreço eleitoral que para proporcionar verdadeira evolução social.

28 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 198.

29 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 198.

15

Weber destaca haver grande semelhança entre a dominação

baseada no direito público, que implica na existência de uma autoridade

burocrática, e a dominação exercida na economia privada, onde existe a empresa

burocrática.30

Nesse sentido, a Administração moderna baseia-se em

documentos que são guardados e em um quadro de funcionários subalternos.

Valoriza-se a documentação dos atos, e os funcionários, além de atenderem a uma

hierarquia pré-estabelecida,31 apresentam características que foram enumeradas

por Weber conforme segue:

1. são pessoalmente livres; obedecem somente às obrigações objetivas de seu cargo; 2. são nomeados (e não eleitos) numa hierarquia rigorosa dos cargos; 3. têm competências funcionais fixas; 4. em virtude de um contrato, portanto, (em princípio) sobre a base de livre seleção segundo 5. a qualificação profissional – no caso mais racional: qualificação verificada mediante prova e certificada por diploma; 6. são remunerados com salários fixos em dinheiro, na maioria dos casos com direito a aposentadoria; em certas circunstâncias (especialmente em empresas privadas), podem ser demitidos pelo patrão, porém sempre podem demitir-se por sua vez; seu salário está escalonado, em primeiro lugar, segundo a posição na hierarquia e, além disso, segundo a responsabilidade do cargo e o princípio da correspondência à posição social (capítulo IV); 7. exercem seu cargo como profissão única ou principal; 8. têm a perspectiva de uma carreira: “progressão” por tempo de serviço ou eficiência, ou ambas as coisas, dependendo do critério dos superiores; 9. trabalham em “separação absoluta dos meios administrativos” e sem apropriação do cargo; 10. estão submetidos a um sistema rigoroso e homogêneo de disciplina e controle do serviço.32

30 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de

Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.

31 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.

32 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 1) p. 144.

16

Na moderna organização administrativa se salienta a

separação, por princípio, entre o escritório e a moradia particular, entre a atividade

oficial, como área em especial, e a esfera da vida privada, e entre os recursos

monetários e outros meios oficiais e a propriedade pessoal do funcionário. Essa

separação se propagou por toda parte, sendo produto de longo desenvolvimento.

Hoje é verificada tanto no setor público quanto na economia privada, estendendo-se

nesta última, também, ao empresário dirigente.33

A relação do funcionário estatal com a administração pública

resulta de um dever de fidelidade, e não de uma fonte de renda em troca da

prestação de serviços, ou de um livre contrato de trabalho. A fidelidade é impessoal

e objetiva, e não direcionada para uma pessoa em específico. Weber descreve:

Decisivo para o caráter específico da fidelidade ao cargo moderna é o fato de que ela, em seu tipo puro, não estabelece – como ocorre, por exemplo, na relação de dominação feudal ou patrimonial – uma relação com uma pessoa, à maneira da fidelidade de um vassalo ou discípulo, mas se destina a uma finalidade impessoal, objetiva.34

A Administração moderna busca a resolução objetiva dos

problemas, sem considerações pessoais, segundo regras calculáveis. Elimina-se o

amor, o ódio e os elementos sentimentais, que são tidos como irracionais e

impassíveis de submissão a um cálculo de exatidão. É peculiaridade da cultura

administrativa moderna a “calculabilidade” do resultado.35

É interessante a relação que Weber estabelece entre a

racionalidade que deve nortear a atividade administrativa, conferindo-lhe

objetividade, e a neutralidade axiológica reclamada pela visão positivista na

33 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de

Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.

34 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 200/1.

35 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 213.

17

aplicação do Direito. Ao estabelecer essa relação, reconhece ele, num primeiro

momento, a possibilidade de que, em alguns casos, a atividade administrativa

encontre liberdade para tratar situações peculiares de uma forma individualizada,

que culmine por relativizar, em breve medida, aquela objetividade decantada para a

administração moderna; num segundo momento, enfatiza ele, desde logo, porém,

que há limite para essa liberdade administrativa, sendo ele encontrado a partir das

normas gerais que regulam de forma ampla as situações, as quais exercem uma

função de restringir ações burocráticas que exagerem a contemplação de

especificidades. Nas palavras de Weber:

Sem dúvida, é certo que a ‘objetividade’ e a ‘perfeição técnica’ não são necessariamente idênticas ao domínio da norma generalizante. Isto nem é o caso na esfera da aplicação do direito moderna. A idéia de um direito sem lacunas, como se sabe, é em princípio muito discutida, e a concepção do juiz moderno como um autômato, em que se enfia em cima a documentação mais o custo para que solte em baixo a sentença junto com os considerandos mecanicamente obtidos de parágrafos, é energicamente repudiada – talvez precisamente porque certa aproximação a este tipo, como tal, estaria entre as conseqüências da burocratização do direito. Também na esfera da aplicação do direito há áreas em que o legislador diretamente exige do juiz burocrático uma aplicação do direito ‘individualizante’. E precisamente na esfera da autêntica atividade administrativa – isto é, para toda atividade estatal que não cai na área da criação e aplicação do direito – costuma-se exigir a liberdade e o domínio individual, diante dos quais as normas gerais desempenham um papel predominantemente negativo, como limites da positiva atividade ‘criativa’ do funcionário, que jamais deve ser regulamentada. O alcance dessa tese fica aqui em suspenso. O decisivo seria que esta administração ‘livremente’ criadora (e também, eventualmente, a jurisdição) não constituiria, como o encontramos nas formas pré-burocráticas, um reino de livre arbítrio e graça, de avaliação e favores pessoalmente motivados, mas que, como norma do comportamento, existam sempre o domínio e a ponderação racional de fins ‘objetivos’ e a entrega a estes.36

Segundo Weber, a burocracia pressupõe a existência de

receitas contínuas para provê-la.37

36 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de

Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 216.

37 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 208.

18

Em verdade, a administração impessoal e objetiva tende até a

ser mais onerosa financeiramente, em termos efetivos, que aquela embasada no

patriarcalismo de classes dominantes. Com efeito, uma administração marcada por

objetividade e aprimoramento técnico exige boa remuneração de funcionários

qualificados e competentes para torná-la concreta, enquanto que camadas sociais

com posição destacada tenderiam à aceitação de ingresso na dominação sem

maior recompensa financeira, motivadas apenas pelo prestígio que seria mantido

ou formado a partir da participação na atividade burocrática.38

Ganha destaque, porém, o pensamento de Weber de que a

objetividade característica da administração moderna resulta da observância a um

regramento que é, justamente, o que legitima a dominação burocrática.39

Essa legitimação a partir de regras se corporifica até mesmo

em relação aos agentes administrativos integrantes da burocracia:

A administração dos funcionários realiza-se de acordo com as regras gerais, mais ou menos fixas e mais ou menos abrangentes, que podem ser aprendidas. O conhecimento destas regras constitui, por isso, uma arte especial (conhecimentos jurídicos, administrativos, contábeis) que é posse dos funcionários.40

A vinculação da dominação burocrática a um regramento que

a legitima está tão arraigada que as situações de que cuida a Administração devem

estar regulamentadas de uma forma abrangente, ampla, impessoal, que encampe

38 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de

Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 219.

39 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 197/8.

40 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 200.

19

todas as situações em geral, e não a partir de regras criadas para uma situação

específica, particular, especial.41

Norberto Bobbio também produziu análise do poder estatal.

Lembra ele, inicialmente, que “a obediência é devida apenas ao comando do poder

legítimo”.42

Historicamente verificou-se que a legitimidade do poder pode

ser aferida segundo três critérios: a Vontade, a Natureza e a História.43

Em relação à Vontade, Bobbio observa já ter sido sustentado

que a autoridade pode provir de Deus, ou do Povo. Numa visão que contemple a

autoridade de forma descendente, ou seja, o poder descendo do vértice à base, a

legitimidade é divina. Numa visão ascendente, em contrapartida, o poder verte da

base ao ápice, e, nesse caso, sua legitimidade tem origem no povo.44

Em relação à Natureza, a distinção é entre as correntes que

vêem-na como força originária, e, em contraponto, as correntes do jusnaturalismo

moderno. Para aquelas, o poder de comandar e o dever de obedecer derivam do

reconhecimento de que, independentemente da vontade humana, existem,

naturalmente, fortes e fracos, sábios e ignorantes, e, enfim, pessoas aptas ao

mando e pessoas aptas à submissão. Já para estas, o poder deriva da capacidade

do soberano de identificar as leis naturais, tidas como leis da razão; o ser humano

41 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de

Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 200.

42 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 91.

43 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 89.

44 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 89.

20

isolado é irracional e incapaz de identificá-las, mas, quando aglutinado em torno do

soberano, as teria identificadas em seu favor por ele.45

Em relação à história, há as correntes conservadoras, que

justificam o poder de mando na tradição e num passado remoto, e as correntes

revolucionárias que afirmam-no na necessidade de mudanças com efeito para o

futuro.46

Bobbio tece crítica ao pensamento dos que reduzem a

legitimidade do Estado unicamente ao ordenamento jurídico no qual este é

assentado, afirmando que o ordenamento jurídico de um ente estatal, mesmo que

reconhecido por outras nações, pode ser submetido a juízos axiológicos de

legitimidade, capazes de provocar gradual descumprimento das normas e, por

conseqüência, a “deslegitimação” do sistema.47

Por seu turno, Jürgen Habermas também critica a idéia de

legitimidade estatal calcada apenas num ordenamento positivo estabelecido. Afirma

ele que privilégios não justificados poderiam camuflar-se através do poder legal, daí

a insuficiência e contradição de um modelo onde o ordenamento jurídico se justifica

por si mesmo.48

Para Habermas, a legitimidade estatal deve resultar de uma

rede de discursos e negociações que prestigiem a soberania popular. Segundo a

sua teoria do discurso, “o princípio da soberania do povo significa que todo poder

político é deduzido do poder comunicativo dos cidadãos. O exercício do poder

45 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução

de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 89/90. 46 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução

de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 90/91. 47 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução

de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 92. 48 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 184.

21

político orienta-se e se legitima pelas leis que os cidadãos criam para si mesmos

numa formação da opinião e da vontade estruturada discursivamente”.49

A racionalidade dessa forma de manifestação de poder a

partir do povo, por sua vez, se legitima num processo democrático que institui

formas de comunicação interligadas e orientadas para assegurar que as questões

relevantes sejam tematizadas e discutidas em discursos e negociações embasadas

nas melhores informações e argumentos possíveis.50

Sob essa ótica de legitimidade a partir do discurso, valorizam-

se o pluralismo político e a independência entre os poderes.51

Incumbe ao próprio Estado institucionalizar o uso público das

liberdades comunicativas, de modo a que se desenvolva o discurso sobre as

questões de relevância, bem como regular a transformação do poder comunicativo,

oriundo desse discurso, em poder administrativo, de modo a que a vontade

sintetizada no discurso seja incorporada à estruturação e desenvolvimento das

atividades administrativas.52

Traçadas premissas a partir do poder comunicativo dos

cidadãos, a elas se amarra uma persecução de fins coletivos, com conseqüente

limitação racional e pragmática da atividade administrativa. As normas sugeridas

nesse diálogo que prestigia a soberania popular “autorizam as autoridades a

49 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 213. 50 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 213. 51 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 214. 52 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 221.

22

escolher tecnologias e estratégias de ação, com ressalva de que não sigam

interesses ou preferências próprias é o caso dos sujeitos do direito privado”.53

Para Niklas Luhmann, a legitimação das decisões estatais é

concebida dentro de um procedimento no qual tais decisões possam ser debatidas.

Esse procedimento é por ele assim descrito:

[...] um processo de estudo, uma transformação das premissas segundo as quais se elaboram os acontecimentos e se escolhem atuações em que o indivíduo procura continuar a viver em protesto contra a decisão, apresenta resistência, vai sempre buscar o direito lesado, volta sempre a arrancar a crosta da ferida e procura organizar auxílio e adesão contra a decisão, em resumo, não aprende: permanece com as suas anteriores expectativas frustradas. Por meio dum aprendizado bem sucedido, as expectativas alteradas pela decisão serão automaticamente consideradas de dentro para fora e tratadas como um fato (oportuno ou inoportuno); no aprendizado fracassado há necessidade, de situação para situação, de estímulos exteriores para estabelecer um comportamento correspondente à decisão.54

Mas esse aprendizado, deve-se ressaltar, não é vivenciado

por ele de uma forma isolada, sozinho; ao contrário, ele deve ser vivenciado com

apoio social, com participação coletiva e num pluralismo de opiniões, de modo a

que a aceitação final da decisão pelo indivíduo não resulte de um reconhecimento

de sua legitimidade que seja voluntário e unipessoal, mas sim de uma conclusão

obtida com a contemplação do próprio contexto social, enriquecido pelo debate

difundido abertamente para várias pessoas.55

Assim, compartilhando com toda a sociedade a vivência num

procedimento de comunicação, discussão e questionamento efetivos da decisão

administrativa, o indivíduo vivencia uma transformação estrutural de suas

53 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 239. 54 LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução: Maria da Conceição Corte-

Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 33/34. 55 LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução: Maria da Conceição Corte-

Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 34.

23

expectativas, e é essa transformação estrutural das expectativas que faz com que a

decisão possa ser por ele vista como legítima.56

Em linhas gerais, foram aqui sintetizadas algumas teorias que

buscam compreender a legitimidade do poder exercido pelo Estado e, por

conseqüência, pela a Administração Pública.

1.3. PRINCÍPIOS RELACIONADOS À ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA

1.3.1. Noções gerais:

Produzir distinção entre regras e princípios é tarefa

particularmente complexa. Diversos são os critérios sugeridos pela doutrina.

Sugere-se distinção pelo grau de abstração, tomando-se os

princípios como normas com grau de abstração mais elevado, e as regras como

dotadas de menor grau de abstração.57

Também se sugere distinção pelo grau de determinabilidade

na aplicação ao caso concreto, em função da qual os princípios, por serem vagos e

indeterminados, careceriam de mediações concretizadoras estabelecidas pelo

56 LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução: Maria da Conceição Corte-

Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 35.

24

legislador ou pelo juiz, enquanto que as regras seriam suscetíveis de aplicação

direta.58

O caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de

direito também é apontado como critério de distinção. Por tal critério, os princípios

teriam um papel mais fundamental que as regras no ordenamento jurídico, devido a

sua posição hierárquica no sistema das fontes.59

Também se sustenta que os princípios seriam “standards’

juridicamente vinculantes impregnados pela idéia de Justiça, enquanto que as

regras estariam vinculadas a um conteúdo meramente funcional.60

Afirma-se, mais, que os princípios são fundamento para as

regras, ou seja, são normas que estariam na gênese do ordenamento e servem de

base para a confecção das regras.61

Nessa discussão, ganha destaque a clássica conceituação e

classificação pela Teoria de Robert Alexy, que discorre:

El punto decisivo para la distinción entre reglas Y principios es que los principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos Em cambio, las reglas son normas que solo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen

57 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.

Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1086. 58 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.

Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1086. 59 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.

Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1086. 60 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.

Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1086. 61 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.

Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1087.

25

determinaciones em el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien uma regla o un principio.62

Em síntese, segundo a teoria de Alexy, os princípios são

regras de otimização, que ordenam que algo seja realizado na maior medida do

possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. A possibilidade de

cumprimento do mandamento dos princípios é gradual, dependendo das

possibilidades reais e jurídicas, sendo que as possibilidades jurídicas são aferidas

da confrontação com princípios e regras opostos. As regras, em contrapartida, são

mandamentos determinantes, que decididamente podem, ou não podem, ser

cumpridas. Se uma regra tem validade, deve ser cumprida exatamente no sentido

de sua exigência.63

A distinção entre os princípios e as regras acaba sendo

melhor compreendida quando se observa seus conflitos com outras regras e

princípios. Havendo conflito entre regras, uma delas há de prevalecer sobre a outra,

afastando por completo sua aplicação. No caso dos princípios, porém, o conflito é

resolvido com uma ponderação meticulosa, não havendo obrigatoriamente a

prevalência absoluta de um deles sobre o outro, podendo existir situações onde haja

preponderância maior de um e menor de outro, e situações onde essa relação de

preponderância se inverta.64

Tanto as regras quanto os princípios são razões para que

sejam empreendidas ações, ou mesmo para que sejam editadas normas. A

62 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 86/7.

63 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 86/7.

64 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 88/90.

26

diferença é que as regras são razões definitivas, ao passo que os princípios são

razões “prima facie”.65

A convivência entre os princípios dentro do sistema jurídico

reclama o emprego da “máxima” da proporcionalidade.66

Havendo conflito entre os comandos de otimização contidos

em dois princípios, é preciso ponderar em que nível qual deles será observado

dentro do caso concreto.

Essa ponderação implica em análise que contemple a

proporcionalidade em sentido amplo, estando nesta compreendida a avaliação

sobre a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito,

vislumbradas dentro do caso concreto.

A avaliação quanto à necessidade importa aferir se os fins

objetivados com a ação em função da qual colidem os princípios são efetivamente

necessários.

A avaliação quanto à adequação implica verificar se, entre os

vários meios disponíveis para a consecução do objetivo almejado, a ação em

julgamento é a mais adequada.

E a avaliação quanto à proporcionalidade em sentido estrito

impõe a efetivação de juízo sobre se os benefícios alcançados com a ação posta

em julgamento realmente justificam os ônus por ela também ocasionados.67

65 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés.

Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 101/3. 66 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés.

Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 111. 67 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés.

Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 111/15.

27

Tem-se, enfim, que os princípios que regem a atuação da

Administração estão intimamente imbricados, numa teia de alguns conflitos e de

muitas dependências, complementaridades e similitudes.68

O presente trabalho ingressará, agora, em breve estudo sobre

os princípios que se relacionam com a atuação da Administração Pública,

principiando por aqueles expressamente mencionados no art. 37, caput, da

Constituição Federal69, e prosseguindo com outros reconhecidamente presentes no

sistema jurídico brasileiro.

1.3.2. Princípios expressamente previstos no art. 37, caput, da

Constituição Federal

1.3.2.1. Legalidade

O princípio da legalidade condiciona a atuação da

Administração ao regramento estabelecido pela lei.

Helio Saul Mileski afirma que em razão do princípio da

legalidade, “[...] a Administração Pública restringe a sua ação aos limites das

determinações legais, não podendo fazer mais nem menos do fixado em lei”.70

68 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999, p. 140. 69 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de

1988. 33ª ed. atual. até a Emenda Constitucional n. 42/2003. São Paulo: Saraiva, 2004. 70 MILESKI, Helio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,

p. 38.

28

Marcelo Caetano associa o princípio da legalidade à

supremacia do direito, que transforma a atividade administrativa em atividade

subordinada à lei, condicionando as organizações, as competências e os poderes

administrativos.71

Em geral, as leis administrativas são de ordem pública e, por

isso, não podem ser descumpridas nem mesmo por acordo entabulado entre seus

aplicadores ou seus destinatários.72

A submissão da Administração à lei é marco característico da

transmutação do Estado Absolutista em Estado Liberal73. Neste, vige a separação

de poderes, e as ações do Executivo passam a submeter-se à obediência das leis

editadas pelo Legislativo. Os poderes do Monarca, antes ilimitados, são agora

exercidos em conformidade com os atos normativos editados no âmbito do

Parlamento.74

José Joaquim Gomes Canotilho destaca:

Uma notável mutação de sentido da reserva de lei verifica-se no esquema relacional lei-direitos fundamentais. Inicialmente, a reserva de lei compreendia-se como ‘reserva geral da liberdade e da propriedade dos cidadãos’. A reserva geral de lei tinha como intenção primária defender os dois direitos básicos do indivíduo – a liberdade e a propriedade. No actual contexto constitucional este esquema deixou de ser uma construção aceitável. Em primeiro lugar, a reserva de lei no

71 CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais de direito administrativo. Coimbra: Livraria

Almedina, 1996, p.377/8. 72 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de

Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 83.

73 Kele Cristiani Diogo Bahena historia, a partir de Fernando Capez, que o princípio da legalidade tem raízes na Magna Charta que, em 1215, foi imposta pelos barões ingleses ao rei João Sem-Terra. Com o Iluminismo, foi empregado para combater o despotismo e a tirania, consagrando-se na teoria da separação dos poderes de Montesquieu, e sendo incorporado em vários diplomas que salvaguardavam as liberdades públicas, tais como o Bill of Rights da Filadélfia em 1774, a Declaração dos Direitos da Virgínia e a Constituição dos Estados Unidos da América em 1776, a Declaração Universal dos Direitos do Homem durante a Revolução Francesa em 1789, entre outros (BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 80).

74 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 137/8.

29

âmbito dos direitos fundamentais (maxime no âmbito dos direitos, liberdades e garantias) dirige-se contra o próprio legislador: só a lei pode restringir direitos, liberdades e garantias, mas a lei só pode estabelecer restrições se observar os requisitos constitucionalmente estabelecidos [...]. Daí a relevância dos direitos fundamentais como elemento determinador do âmbito da reserva de lei.75

Canotilho também lembra que a legalidade não norteia

apenas negativamente a atuação da Administração, impedindo-a de exercer ações

não autorizadas pelo Legislativo, mas, muito além disso, vincula-a a ações

positivas, no sentido de promover políticas e atuações voltadas à consecução de

objetivos específicos. Nesse sentido, lhe é até admitida a combinação discricionária

dos meios e fins, mas sempre com submissão a controles políticos e jurídicos, de

modo a que o exercício dessa discricionariedade não deixe de conformar-se com

os limites gerais traçados na lei:

A lei significa não tanto autorização ou limite da administração, mas sim um instrumento que impõe à administração a transformação em acto de directivas jurídicas e políticas. Através desta “táctica de imposição” ou de direcção por objectivos [...] a lei, ao mesmo tempo que impõe a realização de uma tarefa, deixa à administração a combinação dos meios e fins (administração como “regulador”) necessária ao cumprimento das directivas que lhe são traçadas. Ao reconhecer-se, nestes casos, à administração, um papel criativo de modo a adaptar-se a evoluções inesperadas, impõe-se, como corolário do Estado de direito, o reforço, relativamente a esta administração, do controlo político e jurídico.76

Poder-se-ia sustentar que a discricionariedade concedida à

Administração seria marco limitador da aplicação do princípio da legalidade.

Sucede, no entanto, que a precisa compreensão da discricionariedade a tem como

a concessão de liberdade de atuação ao administrador dentro dos limites da lei, de

75 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 677.

76 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 680/1.

30

onde se conclui, então, que, ao contrário, é a legalidade que limita a

discricionariedade.77

Odete Medauar relata que o prestígio à legalidade ultrapassou

etapa evolutiva na qual resultou desvirtuada em “legalismo” ou “legalidade formal”.

Nessa etapa, a sacralização da legalidade deu motivo a que as leis passassem a

ser vistas como justas por si mesmas, ou seja, pelo só fato de serem leis, sem mais

se avaliar os motivos e os objetivos que ensejaram que fossem promulgadas.

Também houve regramento demasiado, com adoção, pelo Executivo, da postura de

editar decretos, circulares e portarias em número excessivo, formalizando por

demais a relação para com os administrados, em face de minúcias e detalhes

muitas vezes insignificantes. E o Executivo também passou a ter ampla participação

legislativa, controlando o Legislativo através da formação de maiorias

parlamentares, aprovando projetos de lei de seu exclusivo interesse, e até

legislando diretamente78. Num tal contexto, as leis editadas no Parlamento já não

mais refletem a vontade geral, mas sim a vontade das maiorias parlamentares,

muitas vezes controladas pelo próprio Executivo.79

Em face desse desvirtuamento da legalidade, hodiernamente

buscou-se assentar o prestígio à lei em bases mais valorativas, com sujeição das

ações da Administração não mais apenas à lei votada pelo Legislativo, mas

também aos preceitos fundamentais que norteiam todo o ordenamento, em

especial, os assentados na Constituição. No caso do Brasil, a Constituição Federal

determina (no art. 37, caput) que todos os entes e órgãos da Administração, nas

três esferas federativas, devem obedecer ao princípio da legalidade, e “[...] a

compreensão desse princípio deve abranger a observância da lei formal, votada

pelo Legislativo, e também os preceitos decorrentes de um Estado democrático de

77 DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p.

171. 78 No Brasil, o Executivo tem atuado como legislador com a edição das chamadas medidas

provisórias, na forma do art. 62 da Constituição Federal. 79 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999, p. 138.

31

direito, que é o modo de ser do Estado brasileiro, conforme reza o art. 1°, caput da

Constituição; e, ainda, deve incluir a observância dos demais fundamentos e

princípios de base constitucional”.80

Para acomodar o princípio da legalidade a bases menos

formais e a valores materiais mais significativos, numa abrangência mais coerente

com o Estado Democrático de Direito81, que contemple a adequação aos preceitos

constitucionais e a valorização dos direitos fundamentais, já há quem prefira

designá-lo de “princípio da juridicidade”82, bem como quem sustente que está ele

condicionado por um “princípio da constitucionalidade”, este que imporia

conformidade da legalidade com os parâmetros da Constituição Federal.83

1.3.2.2. Impessoalidade

Pelo princípio da impessoalidade, a Administração está

impedida de tomar fatores pessoais e subjetivos como móveis de suas ações. É

obstaculizada uma atuação pautada em antipatias, simpatias, anseios de vingança,

represálias, nepotismo.84

80 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999, p. 138. 81 “O Estado Democrático de Direito caracteriza-se não apenas pela supremacia da Constituição,

pela incidência do princípio da legalidade e pela universalidade da jurisdição, mas pelo respeito aos direitos fundamentais e pela supremacia da soberania popular” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 13).

82 Assim registram MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 73/75, e ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 71/2.

83 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 73/4.

84 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 141.

32

Helio Saul Mileski associa o princípio da impessoalidade ao

princípio da igualdade, afirmando que, havendo igualdade de todos perante a lei, é

defeso à Administração favorecer ou prejudicar determinadas pessoas.85

Hely Lopes Meirelles, de sua parte, associa-o ao princípio da

finalidade, sustentando que, como a finalidade de todo ato administrativo deve

contemplar o interesse público, e não interesses pessoais, a atuação administrativa

deverá pautar-se em condução técnica, objetiva, imparcial, que atenda aos anseios

da coletividade, e não a pretensões individuais.86

Essa primeira acepção, que vincula o princípio da

impessoalidade à vedação de que a Administração trate de forma desigual os

administrados, colimando beneficiar ou prejudicar alguns em específico, guarda

consonância com aquele pensamento de Weber antes já expressado neste trabalho,

segundo o qual a Administração moderna busca a resolução objetiva dos

problemas, sem considerações pessoais, eliminando o amor, o ódio e os elementos

sentimentais, que são tidos como irracionais e impassíveis de submissão a um

cálculo de exatidão; para Weber, a “calculabilidade” é marca da racionalidade e da

objetividade que devem nortear a Administração moderna.87

Há, porém, outra acepção para o princípio da impessoalidade.

José Afonso da Silva descreve-o sob o ângulo do

administrado, ou seja, de como os agentes da Administração devem se fazer

considerados pelo Administrado. Nesse sentido, afirma ele que a Administração

deve fazer com que seus atos sejam vistos como tendo sido sempre praticados por

85 MILESKI, Helio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,

p. 39. 86 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de

Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 85/6.

87 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 213.

33

todo o corpo administrativo, e não por um agente em específico. A entrega

administrativa de benefícios e serviços deve ser vista como obra da Administração

em seu todo, e não de uma pessoa em especial, e os próprios agentes

administrativos devem atuar para que assim ocorra. Sob esse enfoque, há vedação

para autopromoção de governantes, e para a publicidade destacando pessoas

específicas e não a Administração em todo o seu corpo.88

Ou seja, nessa segunda acepção, o princípio da

impessoalidade não implica igualdade dos administrados perante os agentes da

Administração, mas sim a igualdade dos agentes da Administração perante os

administrados. A ela adere Kele Cristiani Diogo Bahena89. E também ela encontra

sustentáculo na doutrina de Weber, quando proclama ele que a organização

administrativa moderna se constrói a partir da separação entre o escritório e a

moradia particular, entre a atividade oficial, como área em especial, e a esfera da

vida privada, e entre os recursos monetários e outros meios oficiais e a propriedade

pessoal do funcionário.90

Conquanto Hely Lopes Meirelles e Alexandre de Moraes

associem o princípio da impessoalidade à finalidade que deve nortear a

Administração, associação esta tendente a produzir conceituação segundo a

primeira das acepções antes informadas, nem por isso deixam de também

contemplar a segunda delas. Após afirmar que “O princípio da impessoalidade,

referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico

princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato

88 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9ª ed., 4ª tir. São Paulo:

Malheiros, 1994, p. 570/1. 89 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle

pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 87/9. 90 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de

Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.

34

para o seu fim legal”91, Hely afirma que o princípio em questão “[...] deve ser

entendido para excluir a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos

sobre suas realizações administrativas”92; mais adiante, porém, ele complementa

seu raciocínio afirmando que “O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato

administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando

unicamente a satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos

agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade”.93 Alexandre de

Morais assinala, acerca do princípio da impessoalidade, que ele “completa a idéia

já estudada de que o administrador é um executor do ato, que serve de veículo de

manifestação da vontade estatal, e, portanto, as realizações administrativo

governamentais não são do agente político, mas sim da entidade pública em nome

da qual atuou”. 94

Wallace Paiva Martins Júnior95, Maria Sylvia Zanella Di

Pietro96 e Alvacir Correa dos Santos97, de sua parte, propõem conceituações que

englobam ambas as acepções.

Aprofundado se afigura o estudo elaborado por Lívia Maria

Armentano Koenigstein Zago, que disseca os efeitos do princípio da

impessoalidade, afirmando que representa ele neutralidade do órgão administrativo

91 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 85.

92 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 85.

93 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 86.

94 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 259. 95 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 79/83. 96 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 71. 97 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 141/2.

35

nos atos que pratica (sob esse prisma, na celebração do ato administrativo, o

elemento volitivo é neutro, por guardar relação com a Administração em si, e não

com o intelecto do agente que participou dessa celebração), elemento limitador do

poder discricionário, elemento coibente da improbidade administrativa, elemento

garantidor da igualdade de condições, elemento coibente da personalização e

publicidade em favor de agentes públicos, traço característico da burocracia, e

marco do princípio da eficiência.98

1.3.2.3. Publicidade

Em face do princípio da publicidade, a Administração, que

busca atender ao interesse público, satisfazendo aos anseios dos administrados,

deve propiciar que estes tenham conhecimento e acesso em relação aos assuntos

tratados no âmbito administrativo.99

O princípio da publicidade está previsto não somente no art.

37, caput, da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, mas também

nas previsões específicas dos incisos LXXII (previsão do habeas data, para acesso

do cidadão a informações), XXXIII (direito à informação) e XXXIV, alínea b (certidão

para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal), do art.

5° da Magna Carta. Como limitação ao princípio da publicidade tem-se o comando

do art. 5°, inciso XXXIII, da Constituição Federal, que ressalva o fornecimento de

informações administrativas nas situações onde o sigilo for imprescindível à

segurança da Sociedade e do Estado.100

98 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O princípio da impessoalidade. Rio de Janeiro:

Renovar, 2001, 179/261. 99 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 59. 100 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 59.

36

Cabe ressalvar, porém, que o § 1° do art. 37 da Constituição

Federal atribui finalidade à publicidade oficial, orientando-a para divulgação dos

atos administrativos, e não da imagem de algum agente público em específico na

denominada “personalização oblíqua”.101 Essa ressalva é pormenorizadamente

detalhada por Wallace Paiva Martins Júnior.102

Hely Lopes Meirelles leciona que “A publicidade não é

elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. Por isso mesmo, os

atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a

dispensam para sua exeqüibilidade, quando a lei ou o regulamento a exige” 103.

Wallace Paiva Martins Júnior, porém, em pormenorizado estudo, difere atos

administrativos onde a publicidade interfere previamente no processo de formação

da vontade para sua celebração, dos atos onde isso não ocorre, assinalando, então,

que a publicidade “[...] é formalidade essencial, prévia ou posterior, ora como fator

de eficácia subordinando o conhecimento e os efeitos do ato administrativo perante

o administrado ou terceiros por meio da necessidade de exteriorização de seu

conteúdo (publicação, comunicação, intimação), ora elemento integrante do ciclo de

produção (ou processo de formação) do ato administrativo para sua conformidade

ao direito positivo”.104

A publicação dos atos administrativos, para ciência de todos,

se dá através dos órgãos oficiais de imprensa.105 Mas a incorporação efetiva do

princípio da publicidade à Administração não se cinge a meras divulgações na

imprensa oficial, devendo alcançar também divulgações nos jornais aos quais tem

101 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle

pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 91. 102 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência administrativa: publicidade, motivação

e participação popular. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 121/35. 103 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de

Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 86.

104 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência administrativa: publicidade, motivação e participação popular. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 61.

105 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 8.

37

acesso a maior parte da população, e realização de audiências públicas para

ciência e discussão, pelos administrados, dos assuntos administrativos.106

Em verdade, Wallace Paiva Martins Júnior estabelece

distinção entre o princípio da publicidade e o princípio da transparência

administrativa. Enquanto o princípio da publicidade compreende a ação

administrativa voltada a propiciar ciência pelos administrados dos atos

administrativos praticados, o princípio da transparência, de abrangência mais

ampla, compreende não apenas essa publicidade dos atos administrativos

praticados, mas também a idéia de que os atos administrativos devem possuir uma

motivação, para que possam ter sua legitimidade avaliada, e que, em sua

celebração, seja estimulada a participação popular, com realização de audiências

públicas e outras formas de interação com os administrados.107

1.3.2.4. Moralidade

A conceituação do princípio da moralidade tem sido vista

como relativamente vaga, subjetiva, indeterminada.108

Wallace Paiva Martins Júnior, porém, sustenta que essa

subjetividade é apenas aparente, já que não é necessário que haja descrição de

seu conteúdo por regra expressa em lei.109

106 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 83/4. 107 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência administrativa: publicidade, motivação e

participação popular. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 16/26. 108 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle

pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 52/3. 109 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 35.

38

Para Hely Lopes Meirelles, o conceito de moralidade está

associado ao “bom administrador”, que se determina não apenas pela legalidade,

mas também pela moral.110

Celso Antônio Bandeira de Mello relaciona a moralidade

administrativa ao uso de lealdade e boa-fé, afirmando que a Administração deverá

proceder, para com os administrados, com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe

vedado proceder carregado de malícia, astúcia, ou produzido de maneira a

confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.111

Maria Sylvia Zanella Di Pietro avalia que a presença de

moralidade deve dar-se não apenas em relação à finalidade do ato administrativo,

mas até mesmo em relação ao seu objeto ou conteúdo.112

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, associa a moralidade

tanto com a motivação quanto com a finalidade do ato administrativo.113

José Afonso da Silva insere, no princípio da moralidade, a

idéia de probidade, afirmando que a improbidade administrativa seria uma

imoralidade qualificada pelo dano ao erário ou pelo enriquecimento indevido de

outrem.114

Nesse contexto, mais abrangente se afigura a conceituação

apresentada por Wallace Paiva Martins Júnior, que vincula a moralidade tanto aos

110 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de

Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 84/5.

111 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 59/60.

112 DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991, p. 110.

113 Manoel de Oliveira Franco Sobrinho apud MILESKI, Helio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 40.

114 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9ª ed., 4ª tir. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 571.

39

motivos, quanto ao objeto, e ainda à finalidade e aos efeitos do ato administrativo.

Dissecando o princípio da moralidade, esclarece ele:

Ele se estabelece objetivamente a partir do confronto do ato administrativo (desde a pesquisa de seus requisitos, com destaque ao motivo, ao objeto e à finalidade, até a produção de seus efeitos, ou seja, perquirindo-se a validade e a eficácia) ou da conduta do agente com as regras éticas tiradas da disciplina interna da Administração (e que obrigam sempre ao alcance do bem comum, do interesse público), em que se deve fixar uma linha divisória entre o justo e o injusto, o moral e o imoral (e também o amoral), o honesto e o desonesto.115

A ofensa ao princípio da moralidade afirma-se configurada

independentemente da repercussão financeira do ato administrativo. Mesmo que o

ato acoimado de imoralidade não ocasione prejuízo material direto ao patrimônio

público, ainda assim é passível de anulação, já que a moralidade é aferida por

valoração ética, e não por análises voltadas para uma quantificação financeira.116

Há consenso de que o princípio da moralidade é autônomo e

independente do princípio da legalidade. Em termos práticos, um ato praticado

segundo os ditames legais não necessariamente atenderá aos requisitos da

moralidade.117

Mesmo que se sustentasse que a legalidade é intrínseca à

aferição da moralidade, dever-se-ia, então, tomar aquela em sua acepção mais

ampla, que compreende não só a consideração formal da lei, mas também a

valoração dos preceitos constitucionais e dos direitos e garantias fundamentais,

115 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 35. 116 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 42/4. 117 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle

pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 57/68.

40

denotando que a “legalidade” deve ser compreendida no sentido de

“juridicidade”.118

Em verdade, o princípio da moralidade suplementa o da

legalidade, já que insere na gestão da coisa pública uma exigência de habilitação

moral, e o seu desatendimento produz a nulidade do ato.119

Mais que isso, aliás, o princípio da moralidade é

superprincípio que informa e orienta os demais princípios que regem a

Administração.120

1.3.2.5. Eficiência

A eficiência, segundo Cesar Luiz Pasold, tem como padrão

básico o “uso adequado dos recursos humanos e técnicos disponíveis”.121

No campo da Administração Pública, o princípio da eficiência

aponta para o ótimo da organização administrativa, ou seja, na concepção de Max

Weber, para uma administração conduzida com racionalidade, técnica,

impessoalidade e imparcialidade, atendendo aos ditames da lei, e visando a uma

sempre melhor prestação de serviços com menores ônus ao administrado.122

118 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 53. Sobre essa mencionada outra acepção do princípio da legalidade, já foi objeto de abordagem neste trabalho, ao final do título dedicado especificamente ao referido princípio.

119 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 44.

120 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 31 e 82.

121 PASOLD, Cesar Luiz. Personalidade e Comunicação. Florianópolis: Plus Saber, 2002, p. 71.

122 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 212/3.

41

Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves discorrem:

O Poder Público deve buscar o bem comum utilizando-se de meios idôneos e adequados à consecução de tais objetivos, assegurando um certo padrão de qualidade em seus atos. Esse princípio consagra a tese de que a atividade estatal será norteada por parâmetros de economia e de celeridade na gestão dos recursos públicos, utilizará adequadamente os meios materiais ao seu dispor e que não será direcionada unicamente à busca de um bom resultado, mas, sim, que deve visar, de forma incessante, ao melhor resultado para os administrados. Com isto, o próprio vetor da legalidade passará a ser valorado sob uma ótica material, deixando de ser analisado sob um prisma meramente formal. O princípio da eficiência garante aos usuários dos serviços públicos um mecanismo para a busca de seu constante aperfeiçoamento, permitindo sua adequação aos valores e às necessidades do grupamento no momento de sua prestação.123

O princípio da eficiência não pode, entretanto, ser assimilado

como consagração da tecnocracia. Não basta uma Administração endógena,

eficiente apenas em ações internas que não repercutam para o administrado, em

detrimento do cuidado para com outras, estas sim voltadas para atender o interesse

público. Também não basta uma Administração cujo êxito seja aferido apenas em

resultados financeiros, avaliados exclusivamente sob o aspecto econômico. A

verdadeira eficiência administrativa implica numa atuação que, em último nível,

culmina por prestigiar valores constitucionalmente protegidos, tais quais a

soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, o trabalho, a livre iniciativa.

Sob esse enfoque, além de se dar com presteza, agilidade, perfeição e rendimento,

a atuação do administrador deve atender os limites da lei, voltando-se para o

alcance da finalidade pública, respeitando padrões morais válidos e socialmente

aceitáveis. Não basta uma atuação contornada pela legalidade, fazendo-se

necessária uma busca por resultados positivos para o serviço público, com

123 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 57.

42

atendimento satisfatório, tempestivo e eficaz dos anseios da coletividade de

administrados.124

Cabe advertir, também, que o princípio da eficiência não

obriga a considerar maculados todos os atos praticados no seio da Administração

Pública que lhe imponham alguma perda patrimonial. Com efeito, também a

atividade administrativa está sujeita a riscos e a alguma imprevisibilidade. Assim,

mesmo que a Administração, de forma previdente, cautelosa e racional, antecipe

prolongados e bem elaborados estudos acerca da conveniência da prática de

determinado ato administrativo, algum fato ocasional completamente imprevisto e

de difícil presciência, alguma infelicidade de difícil ocorrência, ou algum sinistro,

enfim, podem onerar tal ato de uma forma antes não divisada, e nem por isso se

poderá acoimar a ação administrativa, então, de temerária ou ineficiente.125

O que se espera da Administração, porém, é que, antes de

cada nova ação, sempre haja algum estudo prévio, sempre exista cautela, sempre

se empregue preocupação com a possível ocorrência de imprevistos, já que

prudência e planejamento também orientam uma ação eficiente.126

1.3.3. Outros princípios presentes no sistema jurídico brasileiro

124 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da Eficiência na Administração Pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 193/4. 125 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.

Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 73/4.

126 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 73.

43

Os princípios vinculados à Administração até aqui enfocados

são aqueles expressamente mencionados no art. 37, caput, da Constituição da

República Federativa do Brasil.

Outros princípios existem, porém, que também condicionam a

atuação da Administração, e que também merecem consideração. Uns por também

constarem expressamente da Magna Carta, conquanto não mencionados no citado

art. 37, caput; outros por representarem conseqüência indissociável daqueles

princípios por primeiro mencionados; e outros, enfim, por representarem

implicações decorrentes do próprio Estado de Direito e do sistema constitucional

como um todo.127

Em razão do princípio da igualdade, estampado no art. 5°,

caput, da Constituição Federal, há vedação a que a Administração atue

privilegiando ou prejudicando determinados administrados em detrimento dos

demais.128

Se não existem situações absoluta e completamente iguais,

também não existem situações tão distintas que não possuam um denominador em

função do qual se possa avaliar a paridade entre elas. Se esse denominador se

apresentar relevante, a paridade deve ser prestigiada.129

A idéia de igualdade, contudo, parece poder ser associada,

aqui, à de isonomia, de modo a que o tratamento igualitário não olvide

compensação para desigualdades relevantes precedentemente existentes. Sob

justificativa conforme aos ditames constitucionais e a padrões ético-sociais, é

127 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 43. 128 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da administração pública. São

Paulo: Saraiva, 2002, p 17. 129 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da administração pública. São

Paulo: Saraiva, 2002, p 18.

44

admissível a existência de diferenças.130 Isto porque a igualdade deve ser material,

e não formal, e, nesse sentido, ela não se contenta apenas com uma atuação

administrativa que se abstenha de produzir desigualdade para o futuro, reclamando,

também, ações positivas voltadas para resgatar a igualdade inexistente em razão

de diferenças sociais precedentemente existentes.131

Cabe registrar, ainda, que a igualdade perante a lei,

consagrada no citado art. 5°, caput, da Constituição Federal, significa não apenas

que a lei deve ser aplicada com igualdade a todos os administrados, mas também

que a lei, ela própria, deve buscar o tratamento igualitário dos cidadãos. Nesse

sentido, a própria atividade legislativa, de confecção da lei, deve guardar

observância ao princípio da igualdade.132

Pelo princípio da supremacia do interesse público sobre

o interesse privado, a Administração deve priorizar interesses de toda a

coletividade de administrados, em detrimento de interesses individuais comuns que

sejam particularizados.133

Representa ele, em verdade, condição de existência da

própria sociedade, que tem em sua natureza a noção de coletividade.134

Torna-se constitucionalmente perceptível, em termos de

positivação, quando orienta, por exemplo, as normas atinentes aos institutos da

130 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da administração pública. São

Paulo: Saraiva, 2002, p 18/26. 131 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.

Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 402/3. 132 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.

Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 399/402. 133 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 137/41. 134 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 44.

45

desapropriação e da requisição (Constituição da República Federativa do Brasil,

art. 5°, incisos XXIV e XXV).135

É em decorrência da supremacia do interesse público que,

em situações previstas em lei ou que demandem ação urgente, e observados

padrões de razoabilidade e proporcionalidade, a Administração pode, de forma

imperativa e unilateral, ter iniciativa para praticar atos que constituam terceiros em

obrigações, as quais se tornam exigíveis, naquilo que é denominado de auto-

executoriedade administrativa.136

Essa supremacia do interesse público sobre o privado não é,

entrementes, absoluta e incondicionada. Encontra limitação no ato jurídico perfeito,

na coisa julgada e no direito adquirido.137

E, numa visão mais ampla, a confrontação entre os interesses

públicos e privados não pode, em função da proclamada supremacia daqueles,

resolver-se numa sua prevalência desprovida de razoabilidade, que resulte não da

preponderância natural dos prevalentes, mas sim de autêntica e drástica violação

dos interesses individuais fundamentais. Nesse sentido, é preciso que haja

ponderação caso a caso138, na qual sejam considerados também outros princípios,

notadamente os da finalidade e da proporcionalidade.139

Hodiernamente, o conceito de interesse público evoluiu para

compreender não somente assuntos de Estado, mas assuntos outros que, porém,

são também tidos como indisponíveis e que não podem ser objeto de renúncia ou

135 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 44. 136 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 43/4. 137 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 13/4. 138 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 59.

46

alienação. Em face disso, a nova conceituação de interesse público passa abranger

os direitos fundamentais individuais ao cidadão, que devem ser preservados até

mesmo contra vontade diversa da maioria. A supremacia do interesse coletivo

sobre o particular deve ser observada, portanto, com a compreensão de que os

direitos individuais do cidadão, tidos como fundamentais, também estão inseridos

nessa supremacia, de modo que, com um enfoque ético, haja consagração dos

procedimentos democráticos de formação e manifestação da vontade estatal sem

violação de interesses da minoria que sejam tidos como indisponíveis.140

Pelo princípio da finalidade impõe-se à Administração a

prática de atos voltados tão-somente para o interesse público.141

Interesse público é aquele nutrido pela sociedade, pelo todo

social, pela comunidade considerada por inteiro.142

O interesse da sociedade é visto como primário, aquele a ser

perseguido pela Administração. Quando esta pauta-se pela satisfação de

interesses que dizem respeito a ela própria, internamente, em detrimento dos

interesses dos administrados, está a centrar-se, então, em interesses

secundários.143 No exemplo clássico citado por Celso Antônio Bandeira de Mello,

se o Estado causar danos ao particular e indenizá-lo, estará atendendo ao interesse

público, pois interessa à coletividade que haja cumprimento do disposto no art. 37, §

6º, da Constituição Federal; se, porém, furtar-se da indenização, estará deixando de

atender ao interesse público, para atender a um interesse secundário, caro apenas

139 Nesse sentido verte o pensamento de MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito

administrativo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 45/7 e de COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Saraiva, 2002, p 29.

140 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 35/47. 141 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 10/1. 142 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 10/1. 143 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 10/1.

47

ao aparato estatal, que é o de manter-se menos onerado patrimonialmente, ainda

que lançando sobre um administrado os ônus decorrentes do dano ocasionado.144

O princípio da finalidade tem sido associado ao princípio da

razoabilidade.145

Segundo o princípio da razoabilidade, o administrador,

mesmo quando fazendo uso de discricionariedade em sua atuação, terá de

obedecer a critérios que racionalmente sejam vistos como aceitáveis, em sintonia

com o senso normal das pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que

ensejaram a outorga da competência exercida.146

Dentre as várias opções disponíveis ao administrador, nem

sempre existe certeza absoluta sobre qual a mais adequada na consecução dos fins

almejados pela Administração; reconhece-se-lhe, por isso, discricionariedade para

formular escolha entre tais opções. Mas o princípio da razoabilidade limita esse

discricionarismo, afastando a possibilidade daquelas entre as opções disponíveis

que, numa avaliação racional, forem classificadas como evidentemente insensatas,

excêntricas e pautadas dentro de critérios personalíssimos.147

Nesse sentido, incumbe realizar diferenciação para com o

princípio da proporcionalidade.

Enquanto a razoabilidade questiona a adequação da opção

eleita pelo administrador, a proporcionalidade implica em analisar a intensidade e a

extensão dessa opção eleita, ou, em termos práticos, se o meio empregado, ainda

144 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 46. 145 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 55. 146 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 147. 147 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 54/5.

48

que adequado para produção do fim almejado – e, portanto, razoável –, não é,

porém, por demais gravoso, excessivo, exagerado nos ônus que causa, em

comparação com os benefícios que proporciona.148

A análise da proporcionalidade não deve pautar-se em

critérios personalíssimos do administrador, mas sim nos padrões comuns da

coletividade, e não deve realizar-se de uma forma genérica pelos termos da lei, mas

sim dentro de cada caso concreto.149

Em verdade, os princípios da finalidade, da razoabilidade e da

proporcionalidade estão intrinsecamente relacionados. O primeiro implica aferir se

o objetivo almejado com a prática de um ato administrativo é efetivamente

necessário. O segundo implica analisar se o meio empregado é adequado para

atingir o objetivo almejado. E o terceiro implica em pesar se o objetivo almejado

proporciona benefício condizente com os ônus que sua consecução produzirá. Para

que o ato administrativo não padeça de vício tendente a nulificá-lo, é preciso que

satisfaça a todos os três princípios.150

Em razão do princípio da motivação, a Administração tem o

dever de justificar os atos que pratica, apresentando as razões que motivaram a

opção pela sua realização.151

Celso Antônio Bandeira de Mello fundamenta o princípio da

motivação na Constituição Federal, mais precisamente em seu art. 1°, inciso II (que

indica a cidadania como um dos fundamentos da República), assim como no

parágrafo único do mesmo art. 1° (que afirma que todo o poder emana do povo), e

148 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 61. 149 DAL BOSCO, Maria Goretti. Responsabilidade do agente público por ato de improbidade.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 86. 150 DAL BOSCO, Maria Goretti. Responsabilidade do agente público por ato de improbidade.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 79/86. 151 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 148.

49

ainda no art. 5°, inciso XXXV (que assegura o direito à apreciação judicial nos

casos de ameaça ou lesão de direito). Esclarece o autor que “[...] o princípio da

motivação é reclamado, quer como afirmação do direito político dos cidadãos ao

esclarecimento do ‘porquê’ das ações de quem gere negócios que lhes dizem

respeito por serem titulares últimos do poder, quer como direito individual a não se

assujeitarem a decisões arbitrárias, pois só têm que se conformar às que forem

ajustadas às leis”.152

No caso de atos vinculados cuja prática se fundamenta em

limites estritos ditados pela lei, a simples menção do comando legal já basta para

dar a ação como motivada; mas, nas hipóteses de maior discricionarismo, é

preciso que haja correlação lógica entre os eventos e situações que deu por

existentes e a conveniência da opção eleita.153

A motivação deve conter argumentos condizentes com a

situação concreta, e não afirmações genéricas que não permitam identificação com

qualquer particularidade do caso específico.154

A relevância do princípio da motivação se assinala na

complementaridade para eficácia dos demais princípios, posto que permite melhor

percepção quanto ao atendimento destes, em razão de contribuir para produção de

registro sobre as razões que motivaram a prática do ato.155

Pelo princípio da indisponibilidade dos interesses

públicos, a autoridade administrativa não possui autorização para dispor de

interesses públicos, e, em razão disso, nas palavras de Alvacir Correa dos Santos,

152 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 57. 153 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 57. 154 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da administração pública. São

Paulo: Saraiva, 2002, p. 30. 155 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 58.

50

“os poderes atribuídos à Administração têm o caráter de poder-dever, ou, melhor,

de dever poder; são poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de

responsabilidade”.156

Nesse sentido, a autoridade administrativa não pode renunciar

a competências que lhe são outorgadas, nem fazer liberalidade com recursos

públicos, nem ainda deixar de denunciar irregularidades praticadas por infringiu

norma legal ou regulamentar.157

É somente com autorização legal que poderá a

Administração, por exemplo, alienar, ceder, transigir, confessar ou relevar

prescrição.158

O princípio da presunção de legitimidade ou de

veracidade implica na presunção de que os atos praticados pela Administração

estejam conformes aos ditames da lei, e de que os fatos sejam verdadeiros tal

como por ela afirmados.159

Em função de tais presunções, há autorização para imediata

execução ou operatividade dos atos administrativos, a qual persiste enquanto não

declarada a existência de vício que macule sua validade.160

Também como conseqüência do princípio da presunção de

legitimidade ou de veracidade tem-se imposição do ônus da prova da invalidade do

ato sobre os ombros do interessado em que seja declarada.161

156 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 141. 157 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 141. 158 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 12/3. 159 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 142. 160 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 142.

51

Pelo princípio da autotutela, a Administração deve controlar-

se internamente, anulando atos ilegais e revogando atos inconvenientes.162

O princípio em questão inspirou a edição de súmula do

Supremo Tribunal Federal163, proclamando que “A administração pode anular seus

próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se

originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,

respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação

judicial”.164

A prerrogativa de anulação ou revogação dos atos

administrativos alcança somente os atos administrativos, e não contratos regidos

pelo Direito Privado.165

O princípio da hierarquia afirma a existência, para as

funções eminentemente administrativas (não para as judiciais e legislativas), de uma

relação de coordenação e subordinação entre os órgãos da Administração. Em

face dele, surge, para esta, prerrogativa de rever atos de subordinados, delegar e

avocar atribuições, e punir agentes responsáveis por infrações praticadas.166

Último entre aqueles abordados neste trabalho, o princípio

da continuidade afirma que os serviços públicos não podem sofrer solução de

continuidade, posto que a finalidade precípua do Estado é a prestação de serviços

161 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 142. 162 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 143. 163 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 473. Código Civil. 22ª ed. São Paulo: Saraiva,

1992, p. 640. 164 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 13. 165 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 13. 166 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 143.

52

essenciais ou necessários à coletividade167, e esta possui anseios que, em regra,

são contínuos e não desaparecem ocasionalmente.168

167 SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:

LTr, 2003, p. 145. 168 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 11/2.

53

Capítulo 2

A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E OS ATOS QUE A CARACTERIZAM

SEGUNDO A LEI BRASILEIRA

2.1. ASPECTOS CONCEITUAIS DA IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA

No capítulo anterior, foi empreendido estudo acerca do

Estado, da Administração Pública, do fundamento de seu poder e dos princípios

que norteiam a atividade administrativa.

No presente capítulo o foco será direcionado, então, à

improbidade administrativa, buscando-se primeiramente conceituá-la para, depois,

identificar as conseqüências materiais e extramateriais por ela produzidas.

O art. 37, § 4°, da Constituição Federal brasileira, dispõe:

Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.169

Acerca da menção do texto constitucional à improbidade

administrativa, Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio

Júnior noticiam:

Nenhum dos textos constitucionais brasileiros, antes de 1988, ousou abordar a improbidade administrativa, contentando-se em contemplar superficialmente sua modalidade mais incisiva e de mais difícil demonstração, o enriquecimento ilícito. Talvez por isso, a legislação ordinária produzida a respeito deste se tenha tornado

169 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de

1988. 33ª ed. atual. até a Emenda Constitucional n. 42/2003. São Paulo: Saraiva, 2004

54

pouco mais que mero adereço nomativo. O art. 141, § 31, in fine, da CF de 1946 estatuía que ‘a lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica’. Na CF de 1967, subseqüentemente alterada pelas emendas constitucionais 1/69 e 11/78, o art. 153, § 11, em sua parte final, previa que ‘a lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício da função pública’. Só pelo fato de ampliar o espectro de atuação sancionatória da lei, o art. 37, § 4° da CF, matriz da matéria, já se constitui no passo mais importante no sentido de proporcionar ao legislador o fundamento de validade para a confecção de uma normação capaz de enfrentar, com eficiência, o flagelo da corrupção.170

Os mesmos juristas conceituam a improbidade administrativa

associando-a à corrupção administrativa, à promoção do desvirtuamento da

Administração Pública, e à afronta aos princípios nucleares da ordem jurídica.

Mencionam, ainda, que ela se revela pelo exercício nocivo das funções e empregos

públicos, pela prática de tráfico de influência, e pelo favorecimento de poucos em

detrimento dos interesses da sociedade.171

José Afonso da Silva afirma que “a improbidade

administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente

vantagem ao ímprobo ou a outrem”. 172

Carlos Eduardo Terçarolli liga a improbidade administrativa à

prática de atos que implicam enriquecimento ilícito do agente ou em prejuízo ao

erário, ou, ainda, violação aos princípios que orientam a Administração Pública.173

170 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.

Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 37.

171 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 37/8.

172 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9ª ed., 4ª tir. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 571.

55

Observe-se que, nas conceituações antes apresentadas, a

improbidade administrativa é associada à ocorrência de algum dano à

Administração Pública, ou à obtenção de vantagem por algum dos protagonistas

das ações ímprobas.

Já Sérgio Monteiro Medeiros afirma que a improbidade

administrativa pode resultar de conduta comissiva ou omissiva, praticada por

agente público com ou sem a participação de terceiro, que implique desvirtuamento

de regras de atuação ética, legal e moral estabelecidas na sociedade, e represente

violação aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, publicidade,

eficiência ou moralidade, com ênfase para este último. Na conceituação de Sérgio

Monteiro Medeiros, a presença de enriquecimento ilícito dos protagonistas do ato

de improbidade, ou de desfalque no patrimônio público, é meramente eventual.174

Eurico Bitencourt Neto, ao diferenciar probidade

administrativa e moralidade administrativa, afirma que a probidade seria

subprincípio da moralidade. Enquanto a moralidade implica no uso correto de

competências, dentro do padrão moral-administrativo, para obtenção da finalidade

pública, a improbidade está ligada à idéia de honestidade no desempenho da

atividade administrativa. Como exemplo da diferenciação, afirma o nominado autor:

[...] remuneração excessivamente alta fixada em lei, para determinada classe de servidores públicos, cumpridores de tarefas elementares, em Município miserável do interior do País, em tempos de crise financeira, poderá ser considerada ofensiva à moralidade administrativa, mas não configurará, necessariamente, afronta à probidade, por parte dos beneficiários, desde que tenham sido regularmente aprovados em concurso público e investidos no cargo.175

173 TERÇAROLLI, Carlos Eduardo. Improbidade administrativa no exercício das funções do

Ministério Público. 1ª ed., 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2004, p. 29/30. 174 MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Lei de Improbidade Administrativa : Comentários e Anotações

Jurisprudenciais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 10. 175 BITENCOURT NETO, Eurico. Improbidade administrativa e violação de princípios. Belo

Horizonte, Del Rey, 2005, p.102/105.

56

Preciosa é a síntese da doutrina acerca da conceituação da

improbidade administrativa apresentada na obra de José Antonio Lisbôa Neiva:

Cabe destacar que há orientação doutrinária no sentido de que a probidade administrativa seria sinônima de moralidade administrativa ou estaria inserida neste princípio (FERREIRA, Sergio de Andréa [...]; MELLO, Celso Antonio Bandeira de [...]; GASPARINI [...]), de que sua violação consistiria uma imoralidade qualificada (SILVA, José Afonso da [...]), de que seria uma espécie do gênero moralidade administrativa (FIGUEIREDO, Marcelo [...]; FREITAS, Juarez [...]; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva [...], apontando o autor que a Constituição criou “um subprincípio ou uma regra derivada do princípio da moralidade administrativa”; ALVARENGA, Aristides Junqueira [...]) ou, finalmente, de que teria conteúdo mais amplo que a própria moralidade, tendo em vista que a legislação infraconstitucional integradora do comando constitucional do § 4º do art. 37 estipulou como violação à probidade ato que, atentando contra os princípios da Administração Pública, violasse, além do dever de honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições, a própria legalidade (GARCIA, Emerson [...]).176

O que se observa, enfim, é que inexiste uma uniformidade na

conceituação da improbidade administrativa. Muitos tratadistas buscaram

desenvolver uma definição a partir da observância a princípios que norteariam a

atuação administrativa, notadamente o princípio da moralidade.

E parece ser este, de fato, o melhor procedimento para

condensar a idéia cerne da improbidade administrativa: extrair o sentido de

probidade a partir da observância plena dos princípios que devem nortear a

Administração, e, tendo em mente que a improbidade é antônima da probidade,

definir aquela como o resultado da inobservância dos princípios norteadores da

Administração.

Quanto a tais princípios, já foram objeto de abordagem na

segunda parte do primeiro capítulo deste trabalho.

176 NEIVA, José Antonio Lisbôa. Improbidade administrativa : estudo sobre a demanda na ação

de conhecimento e cautelar. Niterói, RJ: Impetus, 2005, p. 13.

57

Deixando o enfoque doutrinário para ingresso em abordagem

vinculada ao ordenamento positivo brasileiro, o que se observa é que, se por um

lado não contém ele uma definição expressa de improbidade administrativa, pelo

outro acabou elegendo vários atos que a caracterizam, culminando por tipificá-los

para cominar-lhes sanções.

Assim, se um conceito ideal de improbidade administrativa se

prenderia à idéia de inobservância dos princípios que norteiam a Administração

Pública, reclamando então ingresso em análise detida e circunstancial de cada um

de tais princípios, um conceito prático, que passa a ser o utilizado no presente

trabalho para definição dos atos de improbidade tendo em conta não uma

discussão sobre a adequação da conceituação e da eleição de tais atos, mas sim o

interesse no desenvolvimento do tema eleito, que intitula o trabalho, é o de que eles,

os atos de improbidade administrativa, são aqueles tipificados na legislação

positiva brasileira.

Ora, regulamentando o art. 37, § 4°, da Constituição Federal

da República Federativa do Brasil, a Lei n° 8.429/92177 passou a arrolar, em seus

arts. 9°, 10 e 11, os atos de improbidade administrativa que o legislador optou por

tipificar.

No art. 9° da Lei n° 8.429/92, ganharam tipificação atos de

improbidade administrativa que ocasionem enriquecimento ilícito ou vantagem

patrimonial indevida a seus protagonistas:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título

177 BRASIL. Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes

públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 03 jun. 1992.

58

de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado; III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem; VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade; IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza; X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

No art. 10 da Lei n° 8.429/92, foram tipificados atos que

ensejam a produção de perda patrimonial, desvio, apropriação, dilapidação,

59

malbaratamento ou, enfim, lesão ao erário público.

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;

60

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

Por fim, no art. 11 da Lei n° 8.429/92, houve tipificação dos

atos comissivos e omissivos que importem em violação dos deveres de

honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições administrativas,

representando atentado contra os princípios relacionados à Administração Pública:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV - negar publicidade aos atos oficiais; V - frustrar a licitude de concurso público; VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Tem-se, assim, que, para os fins colimados neste trabalho,

são considerados atos de improbidade administrativa aqueles discriminados pelo

legislador nos dispositivos legais antes transcritos, e é em relação a tais atos que

será desenvolvido o tema que intitula a pesquisa realizada, qual seja, “os atos de

improbidade administrativa e o dano à legitimidade da Administração Pública”.

2.2. AS CONSEQÜÊNCIAS MATERIAIS DOS ATOS DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E AS COMINAÇÕES

DAÍ RESULTANTES NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA:

61

O art. 9°, o art. 10 e o art. 11 da Lei n° 8.429/92 foram

distribuídos, pelo legislador, em três seções distintas, integrantes do Capítulo II da

lei.

A Seção I, na qual inserido o art. 9°, foi denominada “Dos Atos

de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito”.

A Seção II, da qual consta o art. 10, foi intitulada “Dos Atos de

Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário”.

Por fim, a Seção III, da qual consta o art. 11, trata “Dos Atos de

Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração

Pública”.

Dessa classificação conferida pelo legislador parece já haver

ele vislumbrado a existência de atos de improbidade que causam enriquecimento

ilícito a determinadas pessoas, atos de improbidade que causam prejuízo material

ao erário público, e atos que, independentemente de causarem enriquecimento ou

prejuízo de ordem material a terceiros ou ao erário público, implicam violação a

princípios que norteiam a Administração Pública, só por isso também já sendo

considerados de improbidade.

Constata-se, pois, que os efeitos materiais dos atos de

improbidade administrativa abrangem tanto a produção de enriquecimento ilícito

para determinadas pessoas, quanto a produção de dano material ao erário público,

podendo, por vezes, inclusive, ambos os efeitos cumularem-se.

Acerca do enriquecimento ilícito decorrente dos atos de

improbidade administrativa, Emerson Garcia e Rodrigo Pacheco Alves discorrem:

Como derivação lógica e conseqüência inevitável dos atos de corrupção, tem-se o enriquecimento ilícito, sendo aquela o principal meio de implementação deste. Em geral, o enriquecimento ilícito é o resultado de qualquer ação ou omissão

62

que possibilite ao agente público auferir uma vantagem não prevista em lei. No âmbito do Direito Civil, é vasta a produção doutrinária a respeito do tema, o que torna imperativo o exame das diferentes concepções existentes para a correta identificação e delimitação do alcance do art. 9° da Lei n° 8.429/92, preceito que contém as normas de coibição ao enriquecimento ilícito. O não enriquecimento sem causa, verdadeiro princípio geral de direito, há muito é estudado e coibido, tendo fincado raízes no Direito Romano e mantido, desde então, indiscutível atualidade. Objetivando delimitar o campo de aplicação deste princípio, foram construídas as seguintes teorias: a) a vedação do enriquecimento ilícito funda-se unicamente no princípio da eqüidade, o que justifica a vedação do enriquecimento em detrimento do patrimônio alheio: essa doutrina, também denominada ‘teoria do patrimônio’, não teve ampla aceitação, pois omite as situações em que não tenha ocorrido uma transferência de ordem patrimonial, mas tão somente uma vantagem correlacionada à ação ou omissão de outrem (ex.: o fornecimento de uma informação valiosa, um benefício moral ou a causação de prejuízo em coisa própria para salvar a alheia); b) o fundamento reside na necessidade de ‘equilíbrio dos patrimônios’ ou de ‘segurança estática das fortunas’, os quais são rompidos sempre que haja um deslocamento de valores sem uma correspondente ‘força-causa’ ou ‘energia criadora’ que o justifique: essa teoria, em essência, erige-se sobre os mesmos alicerces da anterior, sendo merecedora de idênticas críticas; c) trata-se de uma gestão de negócios anormal, em que a pessoa enriquecida se contenta em aproveitar os efeitos da atividade de outrem sem que haja uma ação direta sua: por limitar demasiadamente o princípio do não-locupletamento, essa teoria também não foi aceita, pois várias são as situações em que é divisado o enriquecimento sem gestão alguma, inexistindo qualquer obrigação do locupletador para com o lesado – o que é próprio da gestão de negócios – agindo este voluntariamente e por conta de seu próprio interesse; d) o enriquecimento ilícito está relacionado à responsabilidade civil, pois aquele que se locupletou à custa alheia praticou um ato ilícito, tendo o dever de ressarcir: em muitos casos, o locupletamento pode existir com uma atitude passiva do locupletador, sem o concurso da vontade deste, o que, aliado ao fato de a indenização não ultrapassar o montante da riqueza obtida, torna esta situação inconciliável com os princípios da responsabilidade civil; e) o enriquecimento ilícito tem esteio na responsabilidade civil pelo risco criado, sendo derivada do lucro procurado e independe da configuração da culpa: por ser excessivamente casuística e por não abranger as situações em que o proveito não seja perseguido, essa teoria não foi aceita; f) o não-locupletamento ilícito reside em um dever moral que deve nortear as relações sociais, sendo consectário dos princípios da Justiça e do Direito. À luz dessa última teoria, a qual endossamos, o enriquecimento sem causa pode advir tanto de um ato que apresente adequação

63

ao princípio da legalidade, como de um ato ilícito. Assim, o princípio do não-locupletamento indevido reside na regra de eqüidade que veda a uma pessoa enriquecer às custas do dano, do trabalho ou da simples atividade de outrem, sem o concurso da vontade deste ou o amparo do direito – e tal ocorrerá ainda que não haja transferência patrimonial.178

Wallace Paiva Martins Júnior salienta que, nos atos de

improbidade administrativa que causam enriquecimento ilícito, a vantagem

econômica tanto pode ser produzida para o próprio agente público protagonista do

ato, como para terceira pessoa a quem intente ele beneficiar, e, em tais hipóteses,

perde relevância a discussão sobre se o ato também causou dano patrimonial à

Administração, “porque o relevo significativo da repressão do enriquecimento ilícito

tem em si considerada preponderância do valor moral da Administração Pública,

sendo direcionado ao desvio ético do agente público”179.

Já no que concerne à produção de dano ao erário público,

tem-se que, por evidência, estará ele caracterizado tanto quando produzido

decréscimo patrimonial, como também quando ocasionada privação de alguma

vantagem que seria percebida futuramente (na doutrina civil, isso implicaria nos

chamados lucros cessantes).

Importante a advertência consignada por Marino Pazzaglini

Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior:

Quando a lei usa a expressão perda patrimonial não significa prejuízo ou qualquer prejuízo, mas, isto sim, prejuízo decorrente de ação ou omissão ilegais, vale dizer, lesão, dano. É bom encetar a ressalva, porque, sobretudo nas empresas públicas e sociedades de economia mista é comum que o agente público, seja diretor, seja membro do Conselho de Administração, autorize ou aprove transações e empreendimentos, adotando todas as cautelas necessárias à defesa do patrimônio da empresa, atuando nos estritos termos da lei e, ainda assim, do negócio realizado advenha resultado negativo decorrente de fatores alheios a sua vontade e a sua capacidade de previsão.

178 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 265/6. 179 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 216/7.

64

Lembre-se o caso de inesperada alteração da conjuntura econômica, dos planos e pacotes corretivos da política econômica, cujos reflexos imediatos na atividade mercantil são às vezes desastrosos. Em tais circunstâncias, em regra, não se poderá atribuir ao agente público a eiva de negligência ou imprudência, taxando sua conduta de ímproba.180

Também é relevante destacar que o legislador, no art. 10 da

Lei n° 8.429/92, optou por usar a expressão “erário”, e não “patrimônio público”.

Juristas têm proclamado que, enquanto o erário se circunscreve a aspectos

eminentemente financeiros e econômicos, guardando relação com o tesouro e

produto da arrecadação fiscal, o patrimônio público tem abrangência mais ampla,

alcançando não apenas o financeiro e o econômico, mas também o estético, o

histórico, o turístico, o cultural e o artístico181. Assim, para alguns juristas, os atos de

improbidade estabelecidos no art. 10 da Lei n° 8.429/92 estariam configurados

unicamente se presente lesão ao erário em sua conceituação mais restrita, e não

quando ocorrida lesão patrimonial que fuja aos aspectos eminentemente

econômicos e financeiros da Administração.

Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, porém, sustentam

que o legislador não usou de rigor técnico quando se decidiu pela utilização da

expressão erário, posto que, em outros dispositivos da Lei n° 8.429/92, empregou o

termo patrimônio público sem critério que norteasse a opção por uma ou outra

designação; a oscilação casual, na mesma lei, entre uma e outra expressão

indicaria que ambas teriam sido tomadas como sinônimas, devendo-se por isso

usar de interpretação sistemática para concluir que a expressão erário público,

constante do art. 10 da referida lei, não se restringe ao contexto econômico e

financeiro, abrangendo também as demais nuances do patrimônio estatal.182

180 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.

Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 73/4.

181 Nesse sentido a posição de PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 70.

65

Os arts. 9°, 10 e 11 da Lei n° 8.429/92 prevêem, no caput de

suas redações, uma fórmula genérica para enquadramento de diversos atos de

improbidade administrativa, e, depois, em seus vários incisos, enumeração de

situações específicas, que até se enquadrariam nas previsões genéricas do caput,

mas que foram consignadas expressamente, em suas peculiaridades, para deixar

ainda mais claro que configuram ações tidas como ímprobas.

Por conta disso, Pedro da Silva Dinamarco183 e Francisco

Octavio de Almeida Prado184 passaram a advogar que a enumeração de atos dos

incisos seria taxativa, e somente poderia ser considerado ímprobo o ato que se

enquadrasse na descrição de algum de tais incisos.

Entretanto, Marcelo Figueiredo185, Cláudio Ari Mello186,

Wallace Paiva Martins Júnior187, Carlos Frederico Brito dos Santos188, Marino

Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior189 discordam

desse pensamento, e sustentam que a expressão “notadamente”, que consta do

final do caput de cada um dos artigos, é indicativa de que os atos arrolados nos

incisos seriam meramente exemplificativos, podendo a eles ser adicionados outros

182 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 281/4. 183 DINAMARCO, Pedro da Silva. Requisitos para a Procedência das Ações por Improbidade

Administrativa. BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo (Orgs.). Improbidade Administrativa – Questões Polêmicas e Atuais. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 332/33.

184 PRADO, Francisco Octavio de Almeida. Improbidade Administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 35.

185 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa : comentários à Lei 8.429/92 e legislação complementar. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 69.

186 MELLO, Cláudio Ari. Improbidade Administrativa – Considerações sobre a Lei n° 8.429/92. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política , volume 11, abril/junho, 1995, p. 53.

187 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 181.

188 SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa: reflexões sobre a Lei n° 8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 21/2.

189 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 60.

66

que venham a se enquadrar naquela definição mais aberta e genérica formulada no

caput.

Tem-se, pois, enfim, como conseqüências materiais de

ocorrência possível em relação aos atos de improbidade administrativa previstos na

Lei n° 8.429/92, o enriquecimento ilícito dos agentes favorecidos pela ação ímproba,

e, alternativa ou cumulativamente, também o dano ao erário.

Quanto às cominações estabelecidas pelo legislador para a

prática dos atos de improbidade administrativa, estão elas discriminadas no art. 12

da mesma Lei n° 8.429/92.

Tal dispositivo legal prevê que, caracterizada a prática de ato

de improbidade administrativa, os que de sua prática participaram estão sujeitos ao

ressarcimento integral do dano ocasionado, à perda dos bens ou valores

acrescidos ilicitamente ao patrimônio, à perda da função pública que estiverem

exercendo, à suspensão dos direitos políticos por prazo determinado, ao

pagamento de multa civil no valor fixado na lei, e à proibição de contratar com o

Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios também por

prazo determinado.

O presente estudo se prende, porém, a uma análise mais

detida não sobre as conseqüências materiais dos atos de improbidade

administrativa, mas sim sobre suas conseqüências extramateriais, e é sobre estas

que se passa a discorrer a seguir.

2.3. A CONSEQÜÊNCIA EXTRAMATERIAL DOS ATOS DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

67

2.3.1. Noções gerais

Além das conseqüências de cunho material anteriormente

mencionadas, a corrupção administrativa também repercute negativamente no

espectro extramaterial da Administração Pública, já que desgasta sua credibilidade

e, em última instância, sua legitimidade. Gianfranco Pasquino conclui:

[...] a corrupção, ora surja em um sistema em expansão e não institucionalizado, ora atue em um sistema estável e institucionalizado, é um modo de influir nas decisões públicas que fere no íntimo o próprio sistema. De fato, esse tipo privilegiado de influência, reservado àqueles que possuem meios, muitas vezes só financeiros, de exercê-la, conduz ao desgaste do mais importante dos recursos do sistema, sua legitimidade.

190

Aristóteles proclamava que “Quando são os altos funcionários

que ofendem ou especulam, os cidadãos se revoltam tanto contra eles como contra

o governo que autoriza essa licença”.191

Para John Locke, se há mau uso do poder, o povo reagirá

contra a arbitrariedade administrativa, proclame-se o quanto se desejar que os

agentes responsáveis “são filhos de Júpiter”, “sagrados e divinos”, “descidos ou

autorizados pelo céu” .192

190 PASQUINO, Gianfranco. Corrupção, In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,

Gianfranco; et alii. Dicionário de política. Coordenador de Tradução de João Ferreira. 12ª ed. Brasília: UNB, 2004, (v. 1) p. 293. Sobre a legitimidade da Administração Pública, veja-se o subtítulo 1.1 deste trabalho.

191 ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Roberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 203.

192 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. Tradução: Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 220/1.

68

2.3.2. O desestímulo à cooperação cívica, a inobservância de

normas e determinações exaradas pela Administração e

a desobediência civil

A improbidade administrativa se configura com a violação dos

princípios que regem a Administração Pública.193

Os princípios que norteiam a Administração, notadamente os

da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência,

listados no caput do art. 37 da Constituição Federal, orientam a máquina

administrativa no sentido justamente daquela moderna gestão estatal a que alude

Weber quando discorre sobre a dominação burocrática, ou seja, uma gestão

estruturada hierarquicamente, que documenta seus atos para oficializá-los194, que

separa os interesses particulares da atividade oficial195, que reclama dos servidores

uma fidelidade impessoal e objetiva, desvinculada de favorecimento e apego a

alguma pessoa em específico196, e que se orienta pela racionalidade e pela

técnica197, e não por paixões e elementos sentimentais.198 Se a improbidade

administrativa implica violação de tais princípios, culmina ela por atentar contra a

193 Sobre os princípios que se relacionam com a Administração Pública, veja-se o subtítulo 1.2

deste trabalho. Sobre a caracterização da improbidade administrativa tendo em vista a violação dos princípios que orientam a Administração Pública, veja-se o subtítulo 2.1 deste trabalho.

194 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.

195 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.

196 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 200/1.

197 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 212.

198 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 213.

69

racionalidade que é marco característico da burocracia concebida por Weber como

aparelhadora da dominação racional que legitima o Estado moderno.199

Verdade que, em Weber, a racionalidade da burocracia

resulta de um sistema de “regras racionais”, de onde se conclui que a validade da

dominação remontaria, em último grau, a esse regramento em si200. Sucede, porém,

que, se o respeito aos princípios que regem a Administração é reclamado na

própria Constituição Federal, a violação de tais princípios, configurada com a

improbidade administrativa, ocasiona desrespeito ao ordenamento positivo

nacional até em seu nível mais elevado, que é o constitucional. Ou seja, a

improbidade administrativa abala a legitimidade estatal mesmo sob uma ótica

estrita de que tal legitimidade seja decorrente apenas de um regramento racional.

De outro lado, Herbert Hart já afirmava a existência de um

conteúdo mínimo do direito natural no direito positivo, sendo que esse conteúdo

mínimo comum entre a Moral e o Direito seria motivador de obediência voluntária às

regras estabelecidas; segundo Hart, “Na ausência deste conteúdo os homens, tais

como são, não teriam uma razão para obedecerem voluntariamente a quaisquer

regras; e, sem um mínimo de cooperação dada voluntariamente por aqueles que

consideram ser seu interesse submeter-se às regras, e mantê-las, seria impossível

a coerção dos outros que não se conformassem voluntariamente com tais regras”201

De acordo com esse raciocínio, o que se conclui é que o desrespeito ao regramento

positivo estabelecido pelo Estado, quando havido no seio da própria Administração

e protagonizado por seus agentes, é observado, pelo administrado, com revolta que

torna cada vez mais diminuído, dentro de cada cidadão, o escrúpulo oriundo dos

sentimentos de cidadania, estes que são o principal refreio às intenções de burlar

199 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de

Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 1) p. 141.

200 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 2) p. 197/8.

201 HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1961, p. 209/10.

70

normas administrativas editadas para tutelar a harmoniosa convivência entre as

pessoas e entidades. Ao ter ciência de novo ato de improbidade, a coletividade

administrada, revoltada no íntimo de cada cidadão contribuinte, sente-se menos

constrangida em abandonar obediência, por exemplo, às leis que instituem

obrigação de pagamento de tributos, às normas de vigilância sanitária, às regras de

respeito ao consumidor, à legislação que cuida do trânsito de veículos automotores,

à disciplina jurídica que tutela a preservação do meio ambiente, às normas que

disciplinam a ocupação imobiliária e a edificação de obras nos centros urbanos,

etc. E essa desobediência evidentemente onera o Estado, inclusive em termos

eminentemente financeiros, em relação ao custo do aprimoramento de aparatos de

fiscalização e de imposição coercitiva do cumprimento das normas. Em síntese, se

na própria Administração Pública há desrespeito às regras por ela ditadas, torna-se

mais difícil e oneroso exigir que sejam obedecidas pelos administrados.

Em crítica à doutrina positivista, particularmente ao

pensamento de Kelsen, Norberto Bobbio também admite a existência de juízos

axiológicos por parte do cidadão, que possam compeli-lo, aos poucos, a deixar de

observar as normas ditadas pela Administração Pública. São palavras de Bobbio:

Com o advento do positivismo jurídico, o problema da legitimidade foi completamente subvertido. Enquanto segundo todas as teorias precedentes o poder deve estar sustentado por uma justificação ética para poder durar, e portanto a legitimidade é necessária para a efetividade, com as teorias positivistas abre caminho a tese de que apenas o poder efetivo é legítimo: efetivo no sentido do princípio da efetividade do direito internacional, segundo a qual, para falar com Kelsen, que dela foi um dos mais notáveis defensores, “uma autoridade de fato constituída é o governo legítimo, o ordenamento coercitivo imposto por esse governo é um ordenamento jurídico, e a comunidade constituída por tal ordenamento é um estado no sentido do direito internacional, na medida em que este ordenamento é em seu conjunto eficaz” [...] Deste ponto de vista, a legitimidade é um puro e simples estado de fato. O que não elimina que um ordenamento jurídico legítimo na medida em que eficaz e como tal reconhecido pelo ordenamento internacional possa ser submetido a juízos axiológicos de legitimidade, capazes de levar a uma gradual, mais ou menos rápida, inobservância das normas do ordenamento, e portanto a um processo de deslegitimação do sistema.202

202 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução:

Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 92.

71

Carlos Ayres Britto, prefaciando obra de Emerson Gabardo

intitulada “Eficiência e legitimidade do Estado”, traça distinção entre a chamada

eficiência econômica, sintetizada na produção de efeito lucrativo, e a eficiência

social, que produz efeitos democráticos, ecológicos e também éticos, afirmando

que a busca daquela tende a afastar a ocorrência desta.203 Detendo-se, depois, na

eficiência social, sustenta ele que foi ela inserida em princípio constitucional

positivado no art. 37, caput, da Constituição Federal, em face da edição da Emenda

Constitucional nº 19/98,204 e que o princípio constitucional da eficiência está

entrelaçado e é inter-referente por complementaridade, e não contraposição, aos

demais princípios do caput do citado art. 37 da Magna Carta. Tais princípios estão

a serviço uns dos outros, sendo todos poderosos instrumentos que vedam a

“desadministração”. A eficiência social sofre ofensa, portanto, não somente com a

violação do princípio da eficiência em si, mas também com a vulneração dos

demais princípios positivados no texto constitucional.205 Em conclusão:

[...] é no prefalado tipo normativo-principiológico de contextualização que o princípio da eficiência se legitima. Legitimando o Estado e a administração que nesse Estado se incrustra. Pois dizer o contrário é fazer uso da eficiência como biombo para esconder a pior das ineficiências do poder público: a de aparato que deixa de se colocar ao dispor da sociedade (com seus constitucionais valores de democracia formal e material, ética e equilíbrio ecológico) para se colocar ao dispor do mercado.206

Também numa concepção desapegada da neutralidade

axiológica e formal do positivismo, Ronald Dworkin aceita a possibilidade de

avaliação valorativa e descumprimento de leis e, em última análise, de

203 In: GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003, p. XVI. 204 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro

de 1988. 33ª ed. atual. até a Emenda Constitucional n. 42/2003. Emenda constitucional n. 19, de 04 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes públicos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 235/246.

205 In: GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003, p. XVII.

72

determinações administrativas, admitindo – e, de certa forma, até defendendo – a

ocorrência da chamada desobediência civil.

Verdade que, sob uma ótica otimista, não afirma ele, de forma

direta, que a desobediência civil represente negação enfática e decidida da

“legitimidade fundamental” do governo e da comunidade; sua afirmação é a de que

representa ela mais uma confirmação de que uma contestação de um dever como

cidadão, sugerindo que referida confirmação até acresceria legitimidade ao

sistema207; entretanto, evidentemente, essa ótica segundo a qual a desobediência

civil contribui para maior legitimidade do sistema, e não para deslegitimá-lo, parte

da premissa de que uma contestação ao status quo alcançará algum êxito em

depurar tal sistema, sendo essa depuração a verdadeira razão pela qual ele

ganhará maior legitimidade. Assim, em termos práticos, a desobediência civil não

retirará legitimidade do sistema – e, ao contrário, o legitimará ainda mais – se

produzir o resultado de depurá-lo, democratizando-o; se, porém, a depuração não

ocorrer, e se a desobediência civil for considerada em si própria,

independentemente de qualquer resultado positivo que possa produzir, a retirada da

legitimidade do sistema é conclusão lógica também segundo a ótica de Dworkin.208

Soares Martínez sustenta:

Quando o grupo que exerce o poder e que, por hipótese, o alcançou legitimamente, desrespeita as leis que se lhe sobrepõem, deixa de perseguir os interesses da comunidade, em defesa dos interesses particulares do próprio grupo dominante, ou

206 In: GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003, p.

XVIII. 207 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo:

Martins Fontes, 2000, p. 155. 208 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo:

Martins Fontes, 2000, p. 155/171. Essa aceitação otimista de Ronald Dworkin à desobediência civil é captada quando se confere a preocupação que ele expressa com o processo de desencadeamento dessa desobediência civil, exortando a que haja respeito à pluralidade de opiniões e de estados de espírito (p. 158/9), aludindo a uma desobediência “baseada na integridade” e em razões de justiça (p. 157/61), e mencionando a possibilidade de adoção de estratégia “persuasiva”, em detrimento das estratégias de intimidação tais quais interrupções de tráfego, bloqueio de importações e impedimento do funcionamento de órgãos ou departamentos oficiais (p. 161).

73

de alguns membros desse grupo, o poder respectivo perde legitimidade. Por falta de rectidão, de justiça, no seu exercício.209

Para Soares Martínez, é natural que, à luz de certas

concepções, o poder se apresente como o criador, a origem, a fonte da ordem;

mas, segundo ele, se se admitir uma estruturação natural, institucional, da ordem,

que apenas para se conservar carecerá do poder, o que se terá é que, em vez de

criar a ordem, o poder, mais honesto, mais humilde, terá primeiro que reconhecer

essa ordem, cuja idéia, cuja necessidade, já se acham inscritas na razão e no

coração dos homens.210

Martínez aventa, posteriormente, no “mistério” da obediência

espontânea ao poder, afirmando:

“Centenas, milhares, milhões, de homens, sentindo freqüentemente que a ordem estabelecida fere os seus interesses particulares, acatam pacificamente essa ordem, cuja guarda foi confiada a apenas um, ou a poucos. Enquanto é justa e, por vezes, até mesmo tendo deixado de sê-lo”.211

Mais adiante, entretanto, culmina ele por reconhecer que,

embora excepcionalmente, a sociedade pode acabar negando obediência ao

poder, e pode até fazer uso de soluções violentas, não pacíficas, em casos

extremos, ainda que o faça em defesa do equilíbrio, da harmonia e da paz.212

2.3.3. A crise de representatividade

209 SOARES MARTÍNEZ, Pedro Mário. Filosofia do Direito. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina,

1995, p. 187. 210 SOARES MARTÍNEZ, Pedro Mário. Filosofia do Direito. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina,

1995, p. 217. 211 SOARES MARTÍNEZ, Pedro Mário. Filosofia do Direito. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina,

1995, p. 219. 212 SOARES MARTÍNEZ, Pedro Mário. Filosofia do Direito. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina,

1995, p. 220.

74

As disfunções administrativas têm produzido aquilo que, para

Emerson Gabardo, consubstancia um “niilismo democrático” produtor de uma apatia

congênita à despolitização e do enfraquecimento da sociedade política. Elas criam

no cidadão a impressão de que as decisões não estão ao alcance de sua

participação, e de que, quaisquer que sejam as posições por ele assumidas, seu

futuro já está definido. Com isso se empobrece a participação popular que legitima

as decisões no sistema democrático, produzindo-se desvirtuamento das

representações políticas.213

Na prática da sociedade moderna, a democracia não mais é

exercida com participação direta dos cidadãos em todas as decisões, mas sim

através de representantes eleitos, em tese, para defender os interesses dos

representados.214 Sob esse enfoque, a corrupção administrativa contribui para a

chamada “crise de representatividade”, com a qual se quebra a cadeia de confiança

entre representados e representante. Se a corrupção se alastra, a desconfiança se

propaga e deixa de ser localizada, passando a atingir a toda a classe política,

favorecendo a difusão de uma ética de hipocrisia e ceticismo, que afeta não

somente as pessoas, mas também as instituições.215

Em verdade, os princípios da legalidade, da impessoalidade,

da moralidade e da publicidade apontam todos, em última análise, para que a

Administração se oriente para satisfação de um valor maior, o interesse público.216

Nesse sentido, o interesse público, salvaguardados os direitos fundamentais

individuais a cada cidadão, é valor preponderante para a sociedade. A improbidade

administrativa, ao violar referidos princípios, atenta contra a legitimidade do poder

estatal, posto que, nas palavras de Antonio Carlos Wolkmer, “[...] o poder será

213 GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003, p. 93/6. 214 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2003, p. 90/1. 215 DELGADO, Daniel García. Estado-nación y globalización. Buenos Aires: Ariel, 1998, p.

136/7. 216 Veja-se, no subtítulo 1.2.2, as alusões feitas neste trabalho ao princípio da supremacia do

interesse público.

75

ilegítimo quando violar os valores dominantes compartilhados e priorizados numa

determinada organização política”.217

Há que se considerar, ainda, o novo significado que o

interesse público ganha na teoria do discurso de Jürgen Habermas.

Para Habermas, “o princípio da soberania do povo significa

que todo poder político é deduzido do poder comunicativo dos cidadãos. O

exercício do poder político orienta-se e se legitima pelas leis que os cidadãos criam

para si mesmos numa formação da opinião e da vontade estruturada

discursivamente”.218 A manifestação de poder a partir do povo se legitima num

processo com formas de comunicação interligadas e orientadas para tematizar e

discutir questões relevantes com os melhores argumentos e informações

possíveis219, valorizando a independência entre os poderes e o pluralismo

político220, incumbindo ao próprio Estado estimular e institucionalizar esse processo

comunicativo, para que a vontade comum sintetizada seja materializada nas ações

administrativas.221

Entretanto, as normas sugeridas nesse diálogo que prestigia a

soberania popular “autorizam as autoridades a escolher tecnologias e estratégias

de ação, com ressalva de que não sigam interesses ou preferências próprias –

como é o caso dos sujeitos do direito privado”.222

217 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2003, p. 74/5. 218 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 213. 219 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 213. 220 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 214. 221 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 221. 222 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio

Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 239.

76

Assim, também sob a análise de Habermas a priorização de

interesses privados em detrimento da síntese da comunicação havida no processo

de discussão das temáticas públicas deslegitima a atuação da Administração.

Ao afirmarem que a corrupção traz consigo o deletério efeito

de promover a instabilidade política, em razão de fazer com que as instituições não

mais estejam alicerçadas em concepções ideológicas, mas sim nas cifras que as

custearam, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves citam o “Relatório Nolan”,

elaborado no Reino Unido a partir de informações colhidas nos anos de 1994 e

1995, segundo o qual, em virtude de inúmeros escândalos vinculados pelos meios

de comunicação, o paulatino aumento da desconfiança da população nos agentes

públicos é um fator de desestimulação do próprio sistema democrático.223

Acrescentam, depois, que a proliferação da corrupção, a partir de práticas

rotineiras, enseja o surgimento de um código paralelo de conduta, à margem da lei

e da razão, que paulatinamente se incorpora ao standard de normalidade do homo

medius; uma vez iniciado esse processo, difícil é a reversão ao estado anterior,

fundado na pureza normativa de um dever ser direcionado à consecução do bem de

todos. E afirmam que a corrupção no ápice da pirâmide hierárquica serve de fator

multiplicador da corrupção dentre aqueles que ocupam posição inferior,

desestimulando-os a ter conduta diferente, numa espécie de círculo vicioso que

debilita cada vez mais as instituições.224

2.3.4. A afetação externa

Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves exemplificam

situações onde a afetação do conceito de uma pessoa jurídica de direito publico em

face da improbidade administrativa ocasiona-lhe reflexos desfavoráveis:

223 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 09. 224 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 13.

77

Do mesmo modo que as pessoas jurídicas de direito privado, as de direito público também gozam de determinado conceito junto à coletividade, do qual muito depende o equilíbrio social e a subsistência de várias negociações, especialmente em relação: a) aos organismos internacionais, em virtude dos constantes empréstimos realizados; b) aos investidores nacionais e estrangeiros, ante a freqüente emissão de títulos da dívida pública para a captação de receita; c) à iniciativa privada, para a formação de parcerias; d) às demais pessoas de direito público, o que facilitará a obtenção de empréstimos e a moratória de dívidas já existentes etc.225

E, a propósito, tomando em análise as situações listadas

exemplificativamente, mas centrando atenção nas duas primeiras mencionadas, não

se pode olvidar que, até mesmo no plano exterior à sua soberania interna, a

legitimidade de um sistema político é maculada pela improbidade administrativa,

podendo essa mácula dar origem a perdas ou maiores ônus financeiros, em face do

descrédito e da da visão de insegurança que se passa a devotar, externamente, à

eficácia e continuidade sem percalços de tal sistema político.

Tem-se, portanto, que a improbidade administrativa pode

interferir no espectro extramaterial da Administração Pública, causando dano à sua

legitimidade. E é sobre a possibilidade de indenização desse dano que se tratará a

seguir.

225 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 470/1.

78

Capítulo 3

A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O DANO À LEGITIMIDADE DA

ADMINISTRAÇÃO

3.1. A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO

EXTRAMATERIAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO

PÚBLICO

3.1.1. Reparação do dano moral

Orlando Soares afirma que “o termo dano (do latim, damnum)

significa todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, quer em

razão da existência dum vínculo contratual, ou extracontratual (fora do contrato)” .226

Antônio Jeová Santos preceitua que “Todo ato que diminua ou

cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano”227.

Sergio Cavalieri Filho bem sintetiza a evolução das teorias

sobre a conceituação do dano:

Quando ainda não se admitia o ressarcimento do dano moral, conceituava-se o dano como sendo a efetiva diminuição do patrimônio da vítima. Hoje, todavia, esse conceito tornou-se insuficiente em face do novo posicionamento da doutrina e da jurisprudência em relação ao dano moral e, ainda, em razão de sua natureza não-patrimonial. Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que

226 SOARES, Orlando. Responsabilidade civil no direito brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1997, p. 67. 227 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003. p. 74.

79

seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade, etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.228

O dano é material quando o prejuízo é lançado sobre bens e

valores materiais. Em contrapartida, quando o prejuízo é lançado sobre valores

imateriais, tem-se o dano imaterial, ou extramaterial, ou espiritual, ou até, como

mais comumente se diz, o chamado dano moral.229

Antonio Jeová Santos formula crítica à conceituação do

chamado dano moral introduzindo elemento negativo num objeto definido. Diz ele,

portanto, que conceituar o dano moral como a ofensa a valores extramateriais, em

contrapartida à conceituação do dano material como ofensa a valores materiais,

seria apresentar definição imprecisa e vaga230.

Algumas conceituações do chamado dano moral, como as de

Jorge Bustamante Alsina231 e Silvio Rodrigues232, associam-no à dor, ao incômodo

ou ao constrangimento impingidos à vítima.

Em outras conceituações, porém, o dano moral deixou de ter

por característica apenas o sofrimento lançado sobre o ofendido, para afetar valores

de cunho imaterial da pessoa ofendida, tais quais, por exemplo, sua honorabilidade,

respeitabilidade, dignidade e boa imagem.233

228 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 2ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1999, p. 71. 229 SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005, p. 37. 230 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003. p. 92. 231 ALSINA, Jorge Bustamante. Teoria general de la responsabilidad civil. 8ª ed. Buenos

Aires: Abeledo-Perrot, 1993, p. 234 apud SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, 554 p.

232 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 12 ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, (v. 4) p. 206. 233 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003. p. 109/110. Da mesma obra, interessante destacar a seguinte citação:

80

E, de fato, o conceito de dano moral que o associa à ofensa à

honorabilidade, à respeitabilidade, à dignidade, à autoridade e à boa imagem

afigura-se mais preciso, posto que o sofrimento, dor ou incômodo causados ao

Visando a aclarar o conteúdo da definição e encontrar os contornos que modelam o dano moral, far-se-á breve dissecação do enunciado. Tomou-se nessa faina os ensinamentos de Ramon Daniel Pizarro na obra Daño Moral, p. 47 a 50: a) Logo de início, é de se verificar que a definição atende às conseqüências que a ação antijurídica produz no ânimo do prejudicado. Encontra-se a entidade qualitativa e quantitativa do dano moral. É o dano considerado em si mesmo e a repercussão no ânimo da vítima. b) O detrimento no espírito provém de uma lesão a algo que não está no patrimônio da pessoa. Antes, atinge o mais recôndido do ser, em sua subjetividade. Sem a lesão espiritual, não existe minoração na capacidade anímica de ninguém, inexistindo dano moral passível de indenização. c) A definição afasta o mal vez o já assinalado de definir por negação, porque afirma o que o dano moral é, de forma positiva, e encerrando em seu conteúdo, o que ele significa, sem a tradicional contraposição ao dano material. É posto em relevo o conteúdo próprio e específico, e não mera contraposição com o dano material. d) A perda, o dano, o prejuízo, o detrimento, encontram-se na modificação do espírito, assinalando que os múltiplos aspectos da personalidade humana hão de ser respeitados. A modificação desvaliosa considera a pessoa humana em toda a sua dimensão, enquanto corpo e espírito, o que compreende os múltiplos aspectos da personalidade, dignos de proteção. e) O dano moral ultrapassa aquele dado puro e simples do afetivo, dos sentimentos, projetando seus efeitos para outras áreas da personalidade, como capacidade de querer, de sentir e de entender. A modificação espiritual estende seus efeitos de forma ampla, pois essa alteração desfavorável pode atingir outros espaços da subjetividade do prejudicado. Zavala discrimina cada uma dessas capacidades, afirmando que a dimensão espiritual de uma pessoa não se reduz à órbita afetiva ou de sua sensibilidade (capacidade de sentir), pois compreende também uma intelectual (capacidade de entender) e outra volitiva (capacidade de querer). Quando o ato afeta ou compromete o desenvolvimento de qualquer destas capacidades de um modo negativo ou prejudicial, configurado estará o dano moral. A privação ou supressão temporal de qualquer dessas faculdades deve ser indenizado pelo desvalor subjetivo que denotam. f) Os seres mais insensíveis, ou a criança, um louco ou um demente, incapazes de entender e compreender a dor espiritual que os afeta, não estão excluídos da possibilidade de sofrerem dano moral. Mesmo na ausência de sensibilidade e de compreensão, há lugar para configuração do desvalor da ação. A consciência do sofrimento não passa a ser requisito indispensável e inafastável para o exsurgimento do dano moral. ‘Com isso, fica superado o estreito molde do chamado pretium doloris, que pressupõe necessariamente aptidão do prejudicado para sentir o dano. Portanto, a perda dos sentimentos ou da possibilidade de experimentá-los, e mais ainda, da aptidão de encontrar-se em uma situação anímica desejável, é dano moral’ (Daniel Pizarro, Daño Moral, p. 49). g) Desdobrando o elencado no item f supra, existe a possibilidade de o dano moral existir mesmo que não haja derramamento de lágrimas, ou que não haja a percepção sensitiva do menoscabo. O sofrimento não é um requisito imprescindível para que o dano moral ocorra, embora seja uma de suas manifestações mais encontráveis no cotidiano. O sofrimento, caracterizado pela dor, angústia, vergonha, humilhação, perda do desejo de viver, etc., é apenas possível manifestação do dano moral. Nesse quadro, mesmo sem a existência de lágrimas ou sem que a vítima perceba o que está ocorrendo em seu derredor, é possível que sofra dano moral (p. 97/9).

81

ofendido parecem configurar mais uma conseqüência do dano moral, que este

propriamente dito. Com efeito, se, por exemplo, há inserção indevida do nome do

devedor em órgão de proteção ao crédito, o dano moral ocorre com a mácula que é

lançada sobre sua imagem de pessoa cumpridora de seus compromissos; se

passa ele a sentir vergonha e dor em face do fato, tais sentimentos são uma

conseqüência do dano causado à sua imagem de pessoa adimplente. Em síntese, o

dano moral se configura com o abalo da imagem e da honorabilidade, e a vergonha

e o sofrimento não configuram, em si, o dano moral, mas sim uma conseqüência

dele.234

De qualquer forma, não é objeto do presente estudo apontar a

definição mais adequada do chamado dano moral, nem relatar as mais diversas

correntes doutrinárias que se ocuparam dessa conceituação.

Antes disso, o que se objetiva demonstrar é que valores de

ordem não material, tais quais a legitimidade, a respeitabilidade, a honorabilidade,

a dignidade, a boa imagem, são juridicamente tutelados, e, quando violados,

ensejam caracterização de um dano que, até aqui neste trabalho, tem sido

predominantemente chamado de extramaterial, mas que pode ser também

designado de moral (é a desginação mais comum), extrapatrimonial, espiritual ou

não-material.235

234 Nesse sentido: CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1998, p. 348; SILVA, Américo Luís Martins da Silva. O dano moral e sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 39. A distinção entre o dano moral propriamente dito e seus efeitos (ao menos no tocante aos materiais) será mais minuciosamente abordada no tópico 3.3 deste trabalho.

235 Pontes de Miranda informa: “A expressão dano moral tem concorrido para graves confusões, bem como a expressão alemã Schmerzengeld (dinheiro de dor). Às vezes, os escritores e juízes empregam a expressão dano moral em sentido amplíssimo (dano à normalidade da vida em relação, dano moral estrito, que é o dano à reputação, dano que não é qualquer dos anteriores mas também não ofende o patrimônio, como o de dor sofrida, o de destruição de bem sem qualquer valor patrimonial ou de valor patrimonial ínfimo). Aí, dano moral seria dano não patrimonial. Outros têm como dano moral o dano à normalidade da vida em relação, o dano que faz baixar o moral da pessoa, e o dano à reputação. Finalmente, há o senso estrito de dano

82

3.1.2. Reparação do dano moral da pessoa jurídica de direito

público

Muito já se debateu sobre se há, ou não, possibilidade de

reparação do dano que não seja eminentemente material.236

No Brasil, porém, mormente depois da promulgação da

Constituição Federal de 1988, houve convergência para um entendimento

predominante apregoando a admissibilidade da reparação pelo dano moral, em

face, especialmente, da norma do inciso V do art. 5° do texto constitucional, que

claramente expressa ser assegurada a “indenização por dano material, moral ou à

imagem”, assim como da norma do inciso X do mesmo dispositivo da Magna Carta,

que afirma serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação”.237

Veja-se que, nas normas antes mencionadas, a Constituição

assegura a inviolabilidade da imagem das pessoas, sem distingui-las entre as

físicas e as jurídicas, e tampouco entre as de direito público e as de direito privado.

moral: o dano à reputação” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, (v. XXVI) p. 30/1).

236 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 22/6. 237 Acerca do emprego da expressão “indenização do dano”, é interessante a distinção que Yussef

Said Cahali propõe, conforme se trate de dano material ou moral: Em síntese: no dano patrimonial, busca-se a reposição em espécie ou em dinheiro pelo valor equivalente, de modo a poder-se indenizar plenamente o ofendido, reconduzindo o seu patrimônio ao estado em que se encontraria se não tivesse ocorrido o fato danoso; com a reposição do equivalente pecuniário, opera-se o ressarcimento do dano patrimonial. Diversamente, a sanção do dano moral não se resolve numa indenização propriamente, já que indenização significa eliminação do prejuízo e das suas conseqüências, o que não é possível quando se trata de dano extrapatrimonial; a sua reparação se faz através de uma compensação, e não de um ressarcimento; impondo ao ofensor a obrigação de pagamento de uma certa quantia de dinheiro em favor do ofendido, ao mesmo tempo que agrava o patrimônio daquele, proporciona a este uma reparação satisfativa. (CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 42).

83

No que respeita às pessoas jurídicas, a admissibilidade de

reparação por danos extramateriais a elas impingidos também já foi objeto de

controvérsia. 238

Recentemente, porém, após a dissociação do conceito de

dano moral da idéia de sofrimento e dor causados à vítima, para associá-lo à idéia

de ofensa à honorabilidade, à respeitabilidade, à dignidade e à boa imagem, o

pensamento de que existe possibilidade de reparação do dano moral sofrido por

pessoas jurídicas tem se propagado.

Assim é que precedentes jurisprudenciais diversos, do

Superior Tribunal de Justiça e de outras egrégias cortes, já conferiram indenização

por dano moral à pessoa jurídica. Especificamente no âmbito do Superior Tribunal

de Justiça, foi editada súmula objetivando uniformizar a jurisprudência acerca da

matéria, cujo enunciado proclama que “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.239

Pontes de Miranda afirma:

[...] também é indenizável o dano não-patrimonial às pessoas jurídicas; desde que, com o dinheiro, se possa restabelecer o estado anterior que o dano não-patrimonial desfez, há indenizabilidade do dano não-patrimonial; se houve calúnia ou difamação da pessoa jurídica e o efeito não-patrimonial pode ser pós eliminado, ou diminuído por algum ato ou alguns atos que custam dinheiro, há indenizabilidade.240

238 Antonio Jeová Santos cita, como defensores da inadmissibilidade da reparação do dano moral

causado à pessoa jurídica, Alfredo Orgaz, Jorge Bustamante Alsina, Santos Sifuentes, Gabriel Stiglitz, Carlos Echevesti e Zavala de Gonzalez (SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 109/110).

239 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 227. Código de Processo Civil. 33ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1.012.

240 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, (v. XXVI) p. 32 e 217.

84

Carlos Alberto Bittar lembra que a identificação dos produtos

de uma empresa e sua conceituação perante o mercado de consumidores são

valores que, se ofendidos, ensejam reparação por dano moral.241

Paulo Maximilian Wilhelm Schonblum conclui:

Força é convir que as pessoas jurídicas sofram danos morais, pois os chamados valores imateriais não constituem apanágio da pessoa física, antes se aplicam, da mesma forma, à pessoa jurídica. Estas não sofrem lesões aos sentimentos internos (intimidade, sofrimento, dor, angústia etc.), mas sofrem, sim, danos decorrentes de aspectos objetivos da honra, que incidem em valores tais como respeitabilidade, pontualidade, tradição, confiabilidade, clientela etc.242

Em verdade, é já evidente, hoje, que, por exemplo, um produto

pode ser melhor ou pior conceituado por um consumidor a partir da imagem e da

respeitabilidade que a empresa que o fabrica ostenta, e sem que tal consumidor

sequer saiba quem são as pessoas físicas que constituíram e administram tal

empresa. Isso bem evidencia que as pessoas jurídicas possuem imagem,

respeitabilidade e honorabilidade próprias, integrantes de seu patrimônio, e

diversas das inerentes às pessoas físicas que conduzem suas atividades.243

Sob esse enfoque, e desapegando-se daquela conceituação

mais antiga do dano extramaterial, que o vinculava sempre à dor e ao sofrimento

causados ao ofendido, associando-o, então, a sentimentos passíveis de ser nutridos

apenas por pessoas físicas, e passando a ter por norte a conceituação mais

moderna, que evolui para concebê-lo a partir de uma violação à honorabilidade, à

respeitabilidade, à dignidade e à boa imagem, valores estes que podem ser

inerentes não apenas às pessoas físicas, mas também às pessoas jurídicas,

241 BITTAR. Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1992, P. 146. 242 SCHONBLUM, Paulo Maximilian Wilhelm. Dano moral: questões controvertidas. Rio de

Janeiro: Forense, 2003, p. 80/1. 243 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003. p. 141.

85

culmina-se por concluir que, de fato, a pessoa jurídica pode, sim, sofrer dano

moral.244

E, sob essa ótica, o dano extramaterial pode ser causado não

apenas a pessoas jurídicas de direito privado, mas também a pessoas jurídicas de

direito público.

Não é desairoso lembrar as reflexões de Emerson Garcia e

Rogério Pacheco Alves acerca da questão:

Do mesmo modo que as pessoas jurídicas de direito privado, as de direito público também gozam de determinado conceito junto à coletividade, do qual muito depende o equilíbrio social e a subsistência de várias negociações, especialmente em relação: a) aos organismos internacionais, em virtude dos constantes empréstimos realizados; b) aos investidores nacionais e estrangeiros, ante a freqüente emissão de títulos da dívida pública para a captação de receita; c) à iniciativa privada, para a formação de parcerias; d) às demais pessoas jurídicas de direito público, o que facilitará a obtenção de empréstimos e a moratória de dívidas já existentes etc. É plenamente admissível, assim, que o ato de improbidade venha a macular o conceito que gozam as pessoas jurídicas relacionadas no art. 1° da Lei n° 8.429/92, o que acarretará um dano de natureza não-patrimonial passível de indenização.245

No que toca especificamente às pessoas jurídicas de direito

público, o reconhecimento de que efetivamente pode haver abalo moral decorrente

de ofensa à imagem de dignidade, honradez, probidade, autoridade e

respeitabilidade das mesmas já se exteriorizou até mesmo em norma concreta do

direito positivo: é o que se vê do art. 23, inciso III, da nossa atual Lei de Imprensa

(Lei nº 5.250/67246, com as modificações instituídas pelo Decreto-lei nº 510/69247),

244 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 350/1. 245 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 471. 246 BRASIL. Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Regula a liberdade de manifestação do

pensamento e de informação. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 10 fev. 1967.

247 BRASIL. Decreto-Lei n. 510, de 20 de março de 1969. Altera dispositivos do Decreto-Lei n. 314, de 13 de março de 1967, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Poder Executivo, Brasília, DF, 21 mar. 1969.

86

que prevê o aumento de um terço das penas dos crimes de calúnia, difamação e

injúria se se tratar de ofensa dirigida contra “órgão ou entidade que exerça a função

de autoridade pública”. E o art. 21, § 1º, alínea a, in fine, do mesmo diploma legal,

confirma a pessoa jurídica de direito público como sujeito passivo de ofensa à

honra, muito embora faça-o ao admitir hipótese de exceptio veritatis.

3.2. A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO

EXTRAMATERIAL CAUSADO ADMINISTRAÇÃO COM A

PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

3.2.1. Noções gerais

No subtítulo 2.3 deste trabalho houve exposição de

pensamento segundo o qual os atos de improbidade administrativa geram

conseqüências de cunho extramaterial para a Administração Pública, maculando

sua legitimidade, conseqüentemente reduzindo sua autoridade, respeitabilidade e

confiabilidade perante o cidadão administrado, fazendo com que este último se

desestimule, então, por exemplo, a guardar respeito para com imposições e

regramentos exarados na esfera administrativa, obrigando o poder público, por isso,

a despender maiores recursos nas atividades de fiscalização e controle da

atividade dos administrados.

De outro lado, consoante exposto no título 3.1 supra, há

sustentação doutrinária para a afirmação de que a pessoa jurídica de direito público

pode sofrer dano extramaterial.

87

Tem-se, pois, da conjugação dessas premissas antes

mencionadas, possibilidade de afirmação de que os atos de improbidade

administrativa produzem, como conseqüência, dano à legitimidade da

Administração Pública, ensejando que se busque a indenização tendente a repará-

lo.

Carlos Frederico Brito dos Santos, apegando-se apenas a

uma interpretação mais restrita da Lei n° 8.429/92, que tipifica os atos de

improbidade administrativa, discorda dessa afirmação, e menciona não haver

respaldo jurídico para indenização do dano extrapatrimonial causado à

Administração Pública quando da prática de ato de improbidade administrativa.

Afirma ele que:

[...] em que pese o Superior Tribunal de Justiça já ter sumulado que ‘a pessoa jurídica pode sofrer dano moral’ (Súmula 227), a Lei n° 8.429/92 também não previu o dano moral na seara da improbidade administrativa, para os fins de consumação do ato ímprobo previsto no seu art. 10, embora haja na doutrina quem vislumbre a possibilidade de aproveitamento do dano moral tão-somente como penalidade prevista no art. 12, inciso III, como veremos adiante. Se em vez do vocábulo ‘erário’ o legislador tivesse optado pela expressão ‘patrimônio público’, seria possível uma interpretação mais abrangente para abrigar o dano moral, embora, como assevera HUGO NIGRO MAZZILI, o conceito de ‘patrimônio público’ possua tradição no direito pátrio, que é aquele que consta do art. 1° da Lei de Ação Popular. Contudo, de lege lata, pelo menos no que se refere à consumação da hipótese do art. 10, não vislumbramos outra interpretação para a palavra erário senão a restrita, até por estarmos em sede de direito sancionatório, onde se impõe o princípio da reserva legal, que deflui da combinação dos incisos XXXIX e § 2° do art. 5° da Constituição Federal.

248

Também há, porém, quem interprete a Lei n° 8.429/92 com

menor apego a sua literalidade, em prestígio de uma valoração sistemática e

teleológica do ordenamento jurídico. Marcelo Figueiredo afirma que as condutas

previstas no art. 9° da referida lei pressupõem alguma sorte de lesão, dano ou

prejuízo ao erário, direto ou indireto. Nesse sentido, ao aludir a uma lesão que

enseje perda patrimonial, o texto legal está também englobando a noção de lesão

moral, porque no conceito de perda patrimonial está englobada a idéia de prejuízo

248 SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa : reflexões sobre a Lei n°

8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 27.

88

moral, dano moral. Além disso, a lesão ao patrimônio moral sempre será

dimensionada sob o aspecto econômico.249

Embora cogitando de hipótese na qual o dano extramaterial é

causado a entidade da administração pública indireta, Waldo Fazzio Júnior também

afirma a possibilidade de que seja objeto de indenização. Segundo ele, não é só de

dano ao erário que cuida a Lei 8.429/92, já que, no art. 12, inciso III, ao enumerar as

sanções para os atos que atentam contra os princípios administrativos do art. 11,

ela faz menção ao ressarcimento de dano, “se houver”. Para Fazzio Júnior, ao fazer

esta menção, a lei com certeza não está se referindo aos danos causados ao

erário, materiais portanto, já que esses têm previsão expressa no art. 10 e seus

incisos. A conclusão é a seguinte: “[...] se houver dano patrimonial ao erário, a

infração subsume-se ao art. 10, não ao art. 11. Ora, dano em decorrência dos atos

do art. 11, que não os patrimoniais, só pode ser o dano moral, uma vez que o

material tem outra sede na LIA”.250

Kele Cristiani Diogo Bahena, após advogar que para ser

considerada ato de improbidade administrativa a ação administrativa deve produzir

efetivo perigo de dano ao patrimônio público, sustenta, com ênfase:

O patrimônio público que pode sofrer perigo concreto de dano é contemplado pela Lei n° 8.429/92, art. 1°, inc. II; pela Lei 4.717/65, art. 1°, § 2° e pela Lei 7.347/85, art. 1°, inc. III, não se limitando a bens e direitos de valor econômico, incluindo o patrimônio artístico, estético, paisagísitico, histórico, etc., e notadamente o moral.251

Antonio José de Mattos Neto, tratando de responsabilidade

civil por improbidade administrativa, conclui:

Dentro desse enquadramento ideológico-jurídico, o constituinte ressaltou sobremaneira a questão moral, ética. Assim, é que pela primeira vez no direito positivo brasileiro ficou consagrado

249 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa : comentários à Lei 8.429/92 e legislação

complementar. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 49. 250 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos. São Paulo:

Atlas, 2000, p. 295. 251 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle

pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 139.

89

explicitamente a tutela ao dano moral, independentemente do dano material, inclusive como um direito fundamental do homem brasileiro. Nesse sentido, a administração pública brasileira também passou a ser eticizada expressamente. Por isso é que está contemplado o princípio da moralidade pública e seu corolário princípio da probidade como norteadores da administração pública nacional. Para concretização efetiva dessas normas é que o legislador fez editar a Lei 8.429, de 02.06.1992. E, nesta lei, indene de dúvidas, a novidade mor está, ainda, no aspecto ético. O legislador infraconstitucional plasmou, definitivamente, o dano moral contra a administração pública. Nesse contexto, ainda que não haja prejuízo econômico-patrimonial ao erário, ainda assim, se houver prejuízo moral, o ofensor é penalizado a ressarcir.252

Fábio Medina Osório, mais que sustentar a possibilidade de

indenização por dano extramaterial causado à Administração Pública quando da

prática de ato administrativo, enfatiza a possibilidade de que seja cumulado com o

dano material:

Ressarcimento do dano abrange, por certo, dano moral, até porque a lei fala, no art. 12, III, em ressarcimento do dano, se houver, nos casos em que a improbidade traduz mera agressão aos princípios. [...] Deve-se destacar a possibilidade de dano moral cumulativo com dano material. Se é possível o dano moral na mais tênue modalidade de ato ímprobo, por certo que idêntica possibilidade se faz presente nos casos de enriquecimento ilícito ou lesão ao erário. A lei, em tais situações, engloba o dano moral na perspectiva de ressarcimento do dano lato sensu. Ao julgador, em casos tais, competiria fixar o montante do dano material e o montante do dano moral, estipulando o valor total da indenização.253

Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho fez publicar trabalho

acerca das disposições da Lei n° 8.429/92, no qual menciona, inicialmente, que, da

mesma forma como não se pode falar em dano material ao erário em decorrência

de ato de improbidade na modalidade do art. 11, já que o dano material guardaria

relação com os atos do art. 10, o ressarcimento do dano aludido no art. 12, inciso III,

somente pode ser o moral, já que o texto do referido inciso remete ao art. 11, que

não contempla prejuízo material, mas apenas violação ética a princípios

252 MATTOS NETO. Antonio José de. Responsabilidade Civil por Improbidade Administrativa.

Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, junho de 1998, (v. 752) p. 41.

90

administrativos. Mais adiante, porém, afirma ela ser óbvio que os danos morais ao

Estado podem ser decorrentes de qualquer uma das modalidades de ato de

improbidade, estejam eles situados no art. 9°, no art. 10, ou no art. 11 da citada Lei

n° 8.429/92.254

O pensamento de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves

também verte em favor da reparação do dano extramaterial causado pela prática de

ato de improbidade administrativa. Sustentam eles, inclusive, que, além do dano

extrapatrimonial decorrente da violação à reputação do ente estatal (esse dano é

por eles denominado de “dano não-patrimonial de natureza objetiva”), seria passível

de reparação, também, a dor física e moral eventualmente ocasionada à

coletividade (essa dor configuraria um “dano não-patrimonial de natureza

subjetiva”).255

Em pesquisa jurisprudencial, encontra-se passagem

interessante em julgado do Superior Tribunal de Justiça256, lembrado por Maria

Goretti Dal Bosco257, no qual considerado nulo o ato de contratação de servidor

municipal em período de vedação legal, sem que, porém, houvesse condenação do

agente responsável pela contratação a ressarcir o dano material supostamente

existente; argumentou-se, no caso, para que não houvesse condenação ao

ressarcimento do dano material, que não teria existido lesão, já que o servidor

contratado indevidamente teria laborado e, por isso, oferecido contraprestação à

remuneração que lhe foi paga. Nesse julgado, ganha destaque o voto vencido do

253 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa : observações sobre a Lei 8.429/92. 2ª

ed. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 256/7. 254 TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida. O Estado como sujeito passivo de danos morais

decorrentes do ato de improbidade administrativa. Revista Fórum Administrativo. Belo Horizonte: janeiro 2002, p.41.

255 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 469/73.

256 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Primeira Turma). Recurso Especial nº 18.693-0, Rio de Janeiro. Município de Teresópolis e Celso Luiz Francisco Dalmaso. Relator: Ministro Jacy Garcia Vieira. J. 17.03.1993. Diário da Justiça da União, Brasília, p. 7.172, 26.04.1993.

257 DAL BOSCO, Maria Goretti. Responsabilidade do agente público por ato de improbidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 192/193.

91

Ministro Milton Pereira, que cogitou condenar o agente político por dano moral ao

patrimônio municipal, configurado a partir da ofensa à moralidade que deve nortear

a atividade administrativa, ante à afirmativa de que, “[...] se abandonada ficasse a

obrigação da indenização por dano material, com todo fulgor, aqui, como

especulação, poderia ser descoberto dever indenizatório por dano moral (afinal a

Administração foi lesada na sua moralidade)”.

E, em análise mais detida do ordenamento positivo, o que se

constata é que a antes citada Lei nº 8.429/92, nos três incisos de seu art. 12,

assegurou a integralidade da reparação do dano causado ao patrimônio estatal,

usando sempre da expressão “ressarcimento integral do dano”. A qualificação do

substantivo “ressarcimento” com o adjetivo “integral” parece indicar que a

recomposição patrimonial pretendida é a mais ampla possível, englobando o dano

extramaterial causado à Administração como também motivador de indenização.

Ademais, consta da ementa introdutória da Lei n° 8.429/92

que dispõe ela “sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de

enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na

administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”. Ora,

uma análise superficial do texto legal já permite a constatação de que, em muitos

casos (veja-se os arts. 10 e 11), prevê ele punição para agentes públicos

protagonistas de atos de improbidade administrativa, mesmo que tais atos não lhes

tenham trazido nenhum tipo de enriquecimento patrimonial direto. A partir dessa

constatação, parece que a melhor conceituação da expressão “enriquecimento

ilícito”, para os fins da Lei nº 8.429/92, deve tomá-la em dois sentidos: num sentido

mais restrito, abrangendo os casos do art. 9º da referida lei, onde o agente público

ímprobo alcança efetiva vantagem patrimonial; e, num sentido mais amplo, com toda

a abrangência que se extrai da ementa introdutória da lei, e que alcança todos os

casos de improbidade nela previstos – sejam os do art. 9º, sejam os dos arts. 10 e

11 –, depreendendo-se, dessa visão mais ampla, que o conceito de enriquecimento

ilícito não deve ser projetado tão-só em função das vantagens auferidas pelo agente

praticante do ato de improbidade, devendo-se levar em conta, também, toda a

92

extensão do prejuízo causado à Administração, inclusive no tocante à parte

extrapatrimonial. Ou seja, como bem se extrai do raciocínio de Marcelo Figueiredo,

nesse conceito mais amplo de enriquecimento ilícito, não é só o efetivo

enriquecimento do agente público ímprobo que releva; acaba tornando-se relevante,

também, o empobrecimento causado à Administração, até mesmo no que diz

respeito ao aspecto moral. E é a partir dessa visão mais ampla que o autor antes

nominado formula seu conceito para o enriquecimento ilícito ao qual se refere a Lei

nº 8.429/92, com atenção, inclusive, para o aspecto extra-patrimonial, que é aquele

que mais interessa ao presente estudo:

enriquecimento ilícito é o acréscimo de bens ou valores que ocorre no patrimônio do agente público ou de terceiros a ele vinculados, por ação ou omissão, mediante condutas ilícitas, em detrimento da administração pública nas suas mais variadas manifestações. Manifesta-se preponderantemente através do acréscimo (proveito) patrimonial. Contudo, pratica ainda ato de enriquecimento ilícito o agente que causa dano moral à administração.258

De outro lado, se a Lei 8.429/92 não foi explícita e meticulosa

na previsão de possibilidade de reparação do dano extramaterial ocasionado com

a prática de atos de improbidade administrativa, o certo é que tal reparação tem

amparo jurídico também em outros diplomas legais.

Assim é que o Código Civil de 2002259 prescreve, em seu art.

186, que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato

ilícito”.

Evidentemente, os atos de improbidade administrativa violam

o direito da Administração Pública de ver respeitados, em seu seio, os princípios

especificados no art. 37 da Constituição Federal, quais sejam os da legalidade,

258 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa : comentários à Lei 8.429/92 e legislação

complementar. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 32. 259 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da

União, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

93

impessoalidade, moralidade e publicidade, entre outros, devendo por isso ser

reputados atos ilícitos.

E, sendo reputados atos ilícitos, ensejam indenização

completa do dano ocasionado, inclusive o moral, nos termos do art. 927 do Código

Civil de 2002, que garante reparação do dano tanto de natureza material quanto

extramaterial.

Assim sendo, os citados arts. 186 e 927 do Código Civil de

2002 também respaldam que haja indenização pelo dano à legitimidade da

Administração Pública que é causado quando da prática de ato de improbidade

administrativa.

Na realidade, é possível dizer que até mesmo o Código Civil

de 1916260 já respaldava dita indenização, já que seu art. 159 continha previsão

praticamente idêntica à do citado art. 186 do Código Civil de 2002, estabelecendo

ser ato ilícito a ação ou omissão, dolosa ou culposa, causadora de prejuízo a

terceiro. Verdade que o dispositivo do código antigo usava a expressão “prejuízo” e

não fazia menção expressa ao “dano moral”, tal como o faz o código de 2002, mas

a conceituação mais moderna do dano moral, nos termos já explicitados no título 3.1

deste trabalho, evidencia que este último pode ser visto como incluído na

abrangência daquela primeira.261

260 BRASIL. Código Civil. 48ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 261 Também fazem menção à legislação civil comum como fornecedora, de forma adicional e alheia

à Lei n° 8.429/92, de suporte jurídico para o ressarcimento do dano causado ao patrimônio público quando da prática de ato de improbidade administrativa: MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 310; GIACOMUZZI, José Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública : o conteúdo dogmático da moralidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 305.

94

3.2.2. Diferenciação entre o dano extramaterial propriamente

dito e seus reflexos materiais

Uma vez comprovada a ocorrência do ato de improbidade

administrativa, resta presumida a existência de um dano à legitimidade da

Administração Pública, já havendo o Superior Tribunal de Justiça decidido que "a

indenização resultante de dano moral não demanda a comprovação do reflexo

patrimonial, que é de outra ordem”.262

Não que a condenação à indenização pelo dano causado à

legitimidade da Administração possa ser efetivada de ofício pelo magistrado, sem

provocação de algum interessado; ao contrário, também já julgou o Superior

Tribunal de Justiça que, "não postulada na inicial verba indenizatória para fazer face

a dano moral, não se mostra admissível concedê-la, em respeito ao disposto no art.

128 do CPC”.263

O que a presunção de ocorrência de dano à legitimidade da

Administração decorrente da mera comprovação da improbidade administrativa

implica, na verdade, é na desnecessidade de que haja prova, por exemplo, do fato

de contribuintes, em função dessa mencionada improbidade, terem deixado de

recolher tributos, ou de pessoas, pela mesma razão, terem deixado de guardar

obediência a determinações e atos normativos editados pela Administração.

Tais circunstâncias fáticas, por pertencerem à seqüência

natural dos acontecimentos, são presumidas como efetivamente ocorridas, ou, no

mínimo, como passíveis de virem a ocorrer. Vale lembrar que não é a efetiva

ocorrência das mesmas que irá determinar a configuração do abalo à legitimidade

262 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Terceira Turma). Recurso Especial 57.830-2, Maranhão.

Banco do Brasil S.A. e Vidraceiro do Norte Ltda. Relator: Ministro Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite. J. 25.04.1995. Diário da Justiça da União, Brasília, p. 15511, 29.05.1995.

263 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial nº 58.618-6, São Paulo. Nadir Terezinha Pugin e Goldbraz Metais Preciosos Indústria e Comércio Ltda. Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. J. 18.04.1995. Diário da Justiça da União, Brasília, p. 14.416, 22.05.1995.

95

da Administração: não são elas a causa do abalo, mas sim possíveis

conseqüências do mesmo. Assim, independentemente da efetiva ocorrência de tais

circunstâncias fáticas, basta que o ato de improbidade simplesmente as estimule

para que o dano à legitimidade e respeitabilidade da Administração já tenha

ocorrido.

Sobre esse aspecto, em abordagem voltada ao nexo causal

entre o ato de improbidade administrativa e o evento danoso, Wolgran Junqueira

Ferreira assinala:

Na investigação da causalidade, cumpre, de acordo com as lições dos mestres, observar que essa relação de conseqüência tem que ser direta e imediata, sem o que, pela concatenação infinita das coisas, se tornaria impossível o estabelecimento de qualquer responsabilidade. É o que ensina Pothier, dizendo que os danos que não se prendem ao fato incriminado senão de um modo remoto, não são conseqüência necessária dele e a outras causas pode ser atribuído.264

A partir dessa lembrança, poder-se-ia argumentar ser possível

que uma suposta diminuição da receita tributária, ou ainda o desrespeito dos

cidadãos às normas administrativas, e mesmo o esmorecimento dos cidadãos em

empreender ações de cidadania, sejam resultantes de fatores outros que não o

descrédito que os atos de improbidade lançam sobre a comunidade de

administrados, sendo que, em função disso, não se poderia reconhecer o nexo de

causalidade direta entre tais conseqüências mencionadas e os atos de

improbidade em si.

Esse raciocínio não é de todo ilógico.

Todavia, é importante deixar claro que o que se aborda no

presente estudo é o direito da Administração ver-se indenizada, nos casos de

improbidade administrativa, pelo dano à sua legitimidade. Ou seja, o fundamento de

um pedido de indenização, segundo o entendimento exposto no presente estudo, é

264 FERREIRA, Wolgran Junqueira. Enriquecimento ilícito dos servidores públicos no

exercício da função. Bauru: Edipro, 1994, p. 90.

96

o próprio dano causado à legitimidade da Administração, e não algum reflexo

patrimonial específico dele decorrente.265 Eventual diminuição da arrecadação, ou o

desrespeito dos cidadãos às regras administrativas, seriam meras conseqüências

materiais de um dano de ordem moral já preexistente; seriam algo acessório,

secundário, que apenas se acresceria ao mal principal do qual já são decorrentes: a

mácula à legitimidade da Administração. Nesse sentido, consubstanciariam,

conforme o caso, perdas ou lucros cessantes que não deixam de integrar a noção

de dano material, não podendo ser transmudados no dano moral propriamente dito,

ainda que economicamente possam ser até mais relevantes.

É por isso, pois, que a relação de causalidade que enseja a

indenização pelo dano causado à legitimidade da Administração deve ser

estabelecida, de uma forma concreta, entre o ato de improbidade e o próprio dano

à legitimidade da entidade administrativa. Já o estabelecimento de uma relação

exata entre esse dano à legitimidade da Administração e os reflexos patrimoniais

dele decorrentes, de sua parte, mostra-se dispensável em relação ao direito de

indenização objeto deste estudo, eis que tais reflexos patrimoniais não são

pressupostos para ocorrência do dano à legitimidade administrativa, mas apenas

possíveis indicativos da ocorrência do mesmo. Não que esses indicativos sejam de

todo irrelevantes: como dito, no plano material, podem ensejar indenização a título

de lucros cessantes, e, enfim, acabam por deixar mais saliente o quão significativo

pode ser o abalo imposto à legitimidade da Administração; mas, vale outra vez

dizer, são meros reflexos do dano moral, e não este próprio em si.

Assentindo que o dano moral se distingue de seus reflexos

materiais, por isso havendo ensejo para indenizações distintas para ressarcir

aquele e estes – de natureza moral para aquele e de natureza material para estes –,

265 Yussef Said Cahali cita Dalloz como expoente de um pensamento segundo o qual o dano moral

somente seria indenizável se producente de reflexos materiais. Mas o próprio Cahali, citando Manuel Inácio Carvalho de Mendonça e Ávio Brasil, afirma que tal pensamento é incoerente porque desde, que o dano moral esteja “transformado numa soma que é a representação do quanto foi diminuída a riqueza material de outrem, já se afasta do subjetivismo que constitui, exatamente, a parte moral a ser reparada” (CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 27).

97

o Superior Tribunal de Justiça, deixando claro que tais indenizações não se

compreendem nem se substituem, editou súmula proclamando que “São cumuláveis

as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.266

Segundo Agostinho Alvim, uma afirmação de que o dano

moral não é indenizável quando não repercute no patrimônio é uma negação, pura e

simples, da própria indenização por dano moral, porque é justamente apenas o

prejuízo que não repercute no patrimônio que é dano moral; se há repercussão no

patrimônio, o dano é patrimonial.267

Yussef Said Cahali discorre:

[...] pretender-se que o dano moral já venha por si próprio convertido numa redução do patrimônio econômico, de modo que só assim se encontre possibilidade de indenização, é teoria, sem dúvida, estreitíssima, redundando em inútil a sua conceituação; desde que já esteja ele transformado numa soma que é a representação do quanto foi diminuída a riqueza material de outrem, já se afasta do subjetivismo que constitui, exatamente, a parte moral a ser reparada.268

E Rodrigo Mendes Delgado arremata mencionando que

condicionar a reparação do dano moral à necessidade de que haja uma

repercussão material é cuidar apenas do dano material, e deixar o dano moral no

esquecimento.269

266 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 37. Código de Processo Civil. 33ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2003, p. 1.004. 267 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4ª ed. São

Paulo: Saraiva, 1980, p. 220. 268 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 27 269 DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral – como chegar até ele. 2ª ed. Leme: J.

H. Mizuno, 2004, p. 119.

98

3.2.3. Diferenciação entre a reparação do dano extramaterial

causado à administração e as sanções civis, criminais e

administrativas cominadas no ordenamento positivo

brasileiro

A prática de atos de improbidade administrativa pode ensejar

imposição, ao agente por ela responsável, de sanção criminal, punição

administrativa, ou mesmo de multa civil ou da pena de perda da função pública.

Wallace Paiva Martins Júnior sustenta que a multa civil e a

pena de perda da função pública, previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92, se prestam

a indenizar o dano moral sofrido pela Administração quando da ocorrência de

improbidade administrativa.270

Fábio Medina Osório assevera, porém, que o ressarcimento

pelo dano à legitimidade da Administração não configura nenhuma sanção ao

agente administrativo ímprobo; constitui, sim, via de retorno ao estado patrimonial

primitivo, com a recomposição do dano sofrido pela entidade estatal que teve sua

legitimidade arranhada. Já a multa civil, diferentemente disso, representa verdadeira

sanção contra os protagonistas da improbidade: não tem por fim propiciar volta ao

estado patrimonial anterior, antes pretende alterá-lo, mas para torná-lo mais gravoso

para o agente ímprobo; com isso, desestimula este último a agir, previdentemente

instigando-o a resguardar-se no temor de obter prejuízo ao invés da vantagem ilícita

que ambiciona. Conclui-se, em resumo, que o ressarcimento pelo dano à

legitimidade da entidade estatal e a multa civil prevista nos três incisos do art. 12 da

Lei nº 8.429/92 não se confundem, eis que possuem naturezas distintas, reparatória

e sancionatória. Haverá, por certo, situações onde o valor daquele ultrapassará ao

270 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 308 e 313.

99

desta, e ocasiões outras onde o valor desta poderá ser superior ao daquele, e nem

por isso se poderá cogitar de compensação de valores.271

Como, aliás, também não será admissível cogitar-se de

acolher pretensão, do agente ímprobo, de valer-se de condenação às outras

penalidades previstas na lei - que são a perda dos cargos e funções públicas, a

suspensão de direitos políticos e a proibição de contratar com a Administração ou

dela receber benefícios - para ver-se eximido da responsabilidade de indenizar o

dano extrapatrimonial causado: da mesma forma que o ressarcimento do dano não

exime o agente de receber as penalidades previstas em lei, tais penalidades não se

substituem ao dever de reparar o dano causado, seja este em seu lado puramente

material, seja em seu aspecto estritamente moral. Isto porque o ressarcimento do

dano moral possui natureza que é eminentemente reparatória antes de ser

sancionatória. Compartilhando esse pensamento, Emerson Garcia e Rogério

Pacheco Alves anotam:

[...] inexiste similitude entre a multa civil e o dano moral. Aquela tem natureza punitiva, sendo fixada com observância dos valores relativos estabelecidos na Lei n° 8.429/92. O dano moral, por sua vez, tem natureza indenizatória, sendo mensurado de acordo com a dimensão da mácula causada.272

Há, em verdade, divergência doutrinária sobre se a

condenação ao pagamento de indenização por dano moral tem natureza meramente

reparadora do dano, ou se tem natureza sancionatória. O caráter reparador

derivaria da recomposição do patrimônio da vítima, inclusive em sua abrangência

moral, a um estado equivalente ao que antecedia o ato danoso. O caráter

sancionatório adviria do interesse em agravar a situação econômica do ofensor,

para que seja ele desestimulado a reincidir na prática de ato semelhante. O caráter

sancionatório é combatido na doutrina brasileira em face de ensejar punição à

revelia do princípio constitucional que veda a imposição de pena não prevista em

271 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa: observações sobre a Lei 8.429/92. 2ª

ed. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 257. 272 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 471.

100

lei. Entretanto, ambos os enfoques, reparatório e sancionatório, têm sido admitidos

na doutrina, não de maneira cumulada, mas de uma forma híbrida: a mesma

indenização que tem natureza reparadora para a vítima acaba tendo natureza

sancionatória para o responsável pelo ato danoso. Esse raciocínio permite que,

considerando o caráter sancionatório, a reparação nunca se dê por valor vil, e,

considerando o caráter reparatório, nunca produza enriquecimento indevido da

vítima. Mas certo é que, embora possua um caráter sancionatório, a reparação pelo

dano moral não poderá ser substituída por sanções como a multa civil, a pena

criminal ou a punição administrativa, posto que possui ela uma finalidade também

reparatória, de recomposição da situação da vítima a estado equivalente ao de

antes do ato danoso, e essa finalidade específica não é necessariamente satisfeita

por tais outras cominações, as quais têm por objetivo primeiro agravar a situação

do ofensor, punindo-o, sendo que não raro a punição do ofensor, por si só, não

implicará na reparação do dano da vítima.273

3.3. A QUANTIFICAÇÃO DO DANO EXTRAMATERIAL

CAUSADO À ADMINISTRAÇÃO

Há real dificuldade para a quantificação da reparação do dano

extramaterial, seja o causado à Administração Pública, seja o causado a outro

sujeito passivo.274

E, de fato, não havendo uma fixação definitiva na lei, a

mensuração é tormentosa.275 Mas, em verdade, qualquer tentativa de fixação

273 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003. p. 156/65. 274 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 472/3. 275 SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005, p. 424/5.

101

objetiva na lei tenderia a frustrar o desejo de obtenção de justiça, posto que

quantificações estabelecidas em padrões genéricos dificilmente se adequariam a

todas as especificidades de uma casuística múltipla em espécies diferentes de atos

danosos, causadores de danos de proporções também muito díspares, e tenderia a

amesquinhar a reparação nas situações de maior gravidade.276 Há quem defenda,

porém, uma regulação geral, focada não na estipulação de valores máximos ou

mínimos de indenização, mas sim na definição de parâmetros e circunstâncias que

deveriam ser observados em cada caso específico, com sugestão da adoção dos

critérios que vêm sendo empregados na jurisprudência.277

A dificuldade de mensuração do dano moral foi invocada,

inclusive, como razão de sustentação do pensamento daqueles que lhe negavam

reparabilidade, e isso de certa forma contribuiu para maior demora na evolução da

doutrina que sustenta a possibilidade da reparação.278

A existência de uma “indústria do dano moral” tem sido

afirmada por aqueles que reclamam de uma banalização dos pleitos de reparação

do dano extramaterial. Essa banalização tem ocorrido tanto em face do grande

número de demandas afirmando esse tipo de dano que tem sido ajuizadas, quanto

em face, por vezes, de valores excessivos que têm sido postulados em tais ações,

sendo que para essa segunda hipótese contribui a dificuldade de mensuração do

valor do dano.279

Com efeito, nas ações envolvendo indenização por danos

morais, é comum o autor não saber exatamente quanto pretende receber e o réu

não saber exatamente quanto pretende pagar. Isso dificulta que as partes cheguem

276 SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005, p. 165/74. 277 SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005, p. 174/5. 278 SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005, p. 149/50. 279 SCHONBLUM, Paulo Maximilian Wilhelm. Dano moral: questões controvertidas. Rio de

Janeiro: Forense, 2003, p. 130/33.

102

a algum acordo ou composição, e faz com que, muitas vezes, prolatada a sentença,

ambas as partes interponham recurso contra o valor nela fixado. Antonio Jeová

Santos bem descreve:

A incerteza que grassa nesse campo, impede acordos. É quase nula a transação em pedidos de indenizações por danos morais. Como nada existe de certo, as partes ficam sem saber qual o valor justo para minorar a dor espiritual padecida pela vítima. Ora o autor pede quantia fora dos padrões normais, ora é o réu que se recusa a pagar a quantia pedida por entender que o valor é muito superior ao que vale o menoscabo espiritual do ofendido. Tudo isso, porque não existem critérios em que as partes possam se basear para saber quanto o juiz vai fixar a título de ressarcimento. Imagina-se a dificuldade do advogado que diante do cliente, enxovalhado por algum agravo extrapatrimonial, é indagado sobre quanto valerá o dano que padeceu. À míngua de critérios mais ou menos certos e fixos, o advogado terá de engolir em seco, dar voltas ao problema, tangenciar a questão e mostrar a seu cliente que é impossível saber quanto receberá a título de indenização.280

O certo, enfim, é que a existência de uma dita “indústria do

dano moral”, com ajuizamento irresponsável de muitas ações, não pode servir para

impor-se restrições e obstáculos indiscriminados ao reconhecimento do direito de

reparação naqueles casos onde ela efetivamente se apresenta devida.281

A obra de Rodrigo Mendes Delgado registra os contornos da

chamada “teoria do valor do desestímulo”, prestigiada principalmente nos Estados

Unidos da América e também denominada de “teoria dos danos vingativos”282.

Segundo tal teoria, nas ações postulando indenização por danos morais, a

condenação deve dar-se por valor elevado, que, mais que ensejar reparação à

vítima, implique também em punição do ofensor, para que não reitere na prática tida

como indevida, bem como em exemplo para a sociedade, de modo a

preventivamente desestimular práticas semelhantes por parte de outros de seus

280 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003. p. 150/1. 281 SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005, p. 425. 282 DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral – como chegar até ele. 2ª ed. Leme: J.

H. Mizuno, 2004, p. 222.

103

integrantes.283 Essa teoria, porém, tem sua aplicação contestada no Brasil, porque

induz a um materialismo que monetariza os conflitos sociais ao invés de pacificá-

los, e porque vai além da simples reparação do dano moral, ingressando, sem

respaldo legal, no âmbito da punição do ofensor, em violação de vedação

constitucional nesse sentido.284

Estes aspectos que reclamam ponderação na postulação de

reparação do dano moral, para não incorrer-se em exagero, excesso e preciosismo,

guardam relação com atos danosos praticados contra pessoas físicas e jurídicas

em geral, mas certamente referem-se também ao dano extramaterial ocasionado à

Administração Pública.285

Fábio Medida Osório lembra que atos formalmente

enquadráveis entre os referidos nos arts. 9°, 10 e 11 da Lei n° 8.429/92 podem até

deixar de ser considerados como de improbidade administrativa se, empregando-

se o princípio da proporcionalidade286, verificar-se que a repercussão econômica e

a carga de intencionalidade na sua prática se apresentam insignificantes e

desproporcionais às sanções previstas na referida lei,287 naquilo que Carlos

Frederico Brito dos Santos chamou de “improbidade de bagatela”.288 E, se

contemplando os resultados materiais e a carga de intencionalidade de um ato à luz

do princípio da proporcionalidade é possível deixar de considerar referido ato como

sendo típico de improbidade administrativa, com isso não se aplicando a seu autor

as sanções da Lei n° 8.429/92 e também não se postulando uma indenização por

283 DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral – como chegar até ele. 2ª ed. Leme: J.

H. Mizuno, 2004, p. 225. 284 DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral – como chegar até ele. 2ª ed. Leme: J.

H. Mizuno, 2004, p. 227/56. O contraste entre o aspecto reparatório e o aspecto punitivo da reparação do dano moral, e a possibilidade de que sejam cumulados, ou de que sejam combinados num caráter híbrido, já foi mencionada ao final do subtítulo 3.4 deste trabalho.

285 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 473.

286 Sobre o emprego da proporcionalidade já houve abordagem no subtítulo 1.2.1 deste trabalho. 287 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa: observações sobre a Lei 8.429/92. 2ª

ed. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 263/80.

104

dano material que tenha ele ocasionado, há que se admitir a possibilidade de que

alguns atos passíveis de enquadramento entre os de improbidade administrativa

também não ensejem reparação moral.289

De qualquer forma, embora abordando o dano moral que a

improbidade administrativa causa à coletividade, e não propriamente à pessoa

jurídica de direito público, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves mencionam o

impacto do fato junto à sociedade como um fator a ser considerado para a

quantificação desse dano, 290 e esse pensamento é de todo condizente com a idéia

exposta neste trabalho de que o ato ímprobo tende a afetar a legitimidade da

Administração Pública.

No mais, para quantificação da reparação do dano

extramaterial ocasionado à Administração Pública, parece dever o julgador adotar

aqueles mesmos critérios que orientam a fixação da reparação do dano moral para

as demais pessoas físicas e jurídicas, havendo Antônio Jeová Santos assim os

sintetizado: a) não deve ser fixada indenização simbólica, que não se apresente

relevante e significativa para a vítima; b) deve-se evitar o enriquecimento injusto da

vítima, em face de mero aborrecimento; c) deve-se evitar a tarifação, posto que a

fixação de valores de uma forma geral jamais atenderia as especificações de uma

casuística plural e não homogênea; d) deve-se evitar a fixação em percentual do

dano patrimonial, posto que o fundamento do dano moral é diverso do material, e

não há necessariamente proporção entre um e outro; e) não se deve atender ao

“mero prudente arbítrio” como escusa para ingressar numa análise completamente

subjetiva e sem adequação ao caso concreto; f) deve-se observar a gravidade do

caso; g) deve-se verificar as peculiaridades do caso tanto com enfoque na vítima

como com enfoque no ofensor; h) deve-se procurar harmonizar as indenizações de

288 SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa : reflexões sobre a Lei n°

8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 45. 289 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 471. 290 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 472.

105

casos semelhantes; i) deve-se aceitar que o dinheiro pode propiciar prazeres

compensatórios da perda assimilada no campo moral; j) deve-se ter em conta,

também, o contexto econômico do país.291

291 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revi sta dos Tribunais,

2003. p. 204/07.

106

CONCLUSÃO

Encerrados os trabalhos de pesquisa, foi possível a extração

de algumas conclusões, que não são enunciadas com atributo de certeza, mas sim

como proposições que sintetizam um convite para estender o debate sobre a

matéria pesquisada. Passa-se, pois, a expô-las:

A legitimidade de um poder político deve ser entendida como

a aceitação, dentro de certos limites de tolerância, de sua existência, formada no

justo consenso da comunidade e num sistema de valores aceitos e compartilhados

por todos, de forma autônoma e consciente. A idéia de legitimidade pode ser

associada à de autoridade, ou seja, um poder estabilizado; mas um conceito

moderno de autoridade a tem como fruto de um “poder legítimo”, ou seja, um poder

aceito pela sociedade a partir de uma avaliação favorável a seu respeito;

legitimidade e autoridade exprimem idéias que, portanto, associam-se na

concepção de obediência e respeito ao poder, decorrentes de sua aceitação.

A legitimidade da Administração Pública já foi vista como

sedimentada a partir de um regramento racional e eficaz que tornava a ação

administrativa técnica, objetiva e despersonalizada. Modernamente, porém, a idéia

de um poder legítimo deixou de ter por referência a força coercitiva de um

regramento, e passou a ter por norte uma aceitação pela sociedade, calcada na

formação de um juízo positivo acerca da atuação estatal.

A atuação da Administração Pública deve pautar-se pela

obediência aos princípios da legalidade (que, em síntese, afirma que a

Administração deve atender às disposições da lei válida), da impessoalidade (pelo

qual a Administração não deve dar tratamento especial, benéfico ou prejudicial, a

alguma ou a algumas pessoas em específico, reputando-se seus atos realizados

por todo o corpo administrativo, e não por um de seus integrantes em específico),

da publicidade (que afirma, em resumo, a possibilidade de acesso pela sociedade,

107

para conhecimento e controle, dos atos da Administração), da moralidade (segundo

o qual a atuação administrativa deve tomar em conta também valores morais), da

eficiência (que proclama que a atuação administrativa deve colimar o ótimo em

relação aos meios empregados, aos fins pretendidos e aos resultados obtidos), da

igualdade (que afirma, em suma, que a Administração deve dar tratamento

igualitário a todas as pessoas), da supremacia do interesse público (que menciona

que o interesse público deve prevalecer sobre interesses privados, ressalvados a

coisa julgada, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e os direitos fundamentais),

da finalidade (que afirma que as ações da Administração devem orientar-se para

uma finalidade que atenda os interesses preponderantes da coletividade), da

razoabilidade (que veda que, entre vários meios disponíveis para consecução de

determinada finalidade pública, a Administração se valha daquele menos sensato

segundo o padrão de pessoas equilibradas comprometidas com o interesse

público), da proporcionalidade (que reclama da Administração verificação sobre se

o meio empregado, ainda que adequado para a produção do fim almejado, não é,

porém, por demais gravoso, excessivo, exagerado nos ônus que causa, em

comparação com os benefícios que proporciona), da motivação (que se afirma na

necessidade de que os atos administrativos tenham a justificativa para sua prática

apresentada para a sociedade), da indisponibilidade do interesse público (segundo

o qual a Administração não pode renunciar a competências que lhe são outorgadas,

nem fazer liberalidade com recursos públicos, nem ainda deixar de denunciar

irregularidades praticadas por infringiu norma legal ou regulamentar), da veracidade

(que afirma a suposição de que os atos praticados pela Administração estejam

conformes aos ditames da lei, e de que os fatos sejam verdadeiros tal como por ela

afirmados), da autotutela (segundo o qual a Administração deve controlar-se

internamente, anulando atos ilegais e revogando atos inconvenientes), da hierarquia

(que afirma a existência, para as funções eminentemente administrativas, de uma

relação de coordenação e subordinação entre os órgãos da Administração) e da

continuidade (segundo o qual os serviços públicos não podem sofrer solução de

continuidade).

108

A improbidade administrativa se faz configurada quando

praticados atos que impliquem violação dos princípios que se relacionam com a

Administração, quer eles causem, ou não, dano ao patrimônio estatal ou

enriquecimento ilícito de alguma das pessoas com eles envolvida. No Brasil, os atos

de improbidade administrativa estão tipificados na Lei n° 8.429/92.

Além de conseqüências materiais, tais quais o enriquecimento

ilícito de alguma pessoa ou a provocação de dano ao patrimônio administrativo, os

atos de improbidade também produzem conseqüência extramaterial, consistente

em dano à legitimidade da Administração Pública. Se a improbidade administrativa

se configura com a violação dos princípios que se relacionam com a Administração,

e se a violação de tais princípios é coibida pelo ordenamento positivo, a

improbidade administrativa afeta a legitimidade da Administração Pública mesmo

se prestigiada a visão de que tal legitimidade se sedimenta apenas na força

coercitiva de um regramento racional e eficaz, já que esse regramento estará sendo

desrespeitado com o descumprimento da norma que proclama a necessidade de

obediência aos princípios que se relacionam com a atuação administrativa. De

outro lado, se se passa a prestigiar o pensamento de que a legitimidade da

Administração Pública deriva de uma aceitação de sua atuação calcada num juízo

positivo de valor formado pela sociedade, que por isso passa a reconhecê-la como

detentora de autoridade tendente a fazer com que seja respeitada, a conclusão é a

de que a improbidade administrativa também atenta contra essa legitimidade, já

que a violação de qualquer dos princípios relacionados com a Administração

implica numa atuação que deixa de ser orientada para a satisfação do anseio da

coletividade de cidadãos, sendo por isso por eles repelida e avaliada

negativamente.

À Administração Pública é caro conservar sua legitimidade e,

por conseqüência, sua autoridade e respeitabilidade. O dano à legitimidade estatal

tende a reduzir, no administrado, os sentimentos de cidadania que apontam para

pudor e escrúpulo incentivadores de ações de colaboração com o Estado e

impeditivos da desobediência a preceitos por este ditados, produzindo maiores

109

custos financeiros com a manutenção e o aperfeiçoamento dos meios de

fiscalização e coibição dos atos de desrespeito e desobediência.

Em que pese já se ter afirmado que o dano extramaterial é

impassível de ressarcimento, mormente quando causado a pessoa jurídica, é

possível sustentar, com apoio de prestigiada doutrina, que existe possibilidade de

sua reparação, inclusive se ocasionado à pessoa jurídica. Isto porque, conquanto o

dano moral tenha por vezes sido associado à produção de uma dor, um sofrimento,

um dissabor à vítima, conseqüências estas que tendem a ser suportadas pela

pessoa humana, modernamente, porém, passou ele a ser visto como configurado

quando de ofensa à legitimidade, à honorabilidade, à respeitabilidade, à imagem, e

a outros valores que integram o patrimônio moral não necessariamente de uma

pessoa humana, mas também de uma pessoa jurídica. Nesse sentido, é possível

afirmar, com respaldo no ordenamento positivo brasileiro, também em companhia

de prestigiados doutrinadores, e sem olvidar a existência de quem sustente

pensamento diverso, que o dano extramaterial causado à legitimidade da

Administração Pública quando da prática de atos de improbidade administrativa é

passível de reparação moral.

O dano extramaterial causado à Administração Pública

quando da prática de ato de improbidade administrativa não se confunde com seus

reflexos materiais. Se a legitimidade da Administração Pública é maculada, o dano

extramaterial já está configurado; o fato de em face desse dano à legitimidade os

cidadãos guardarem menos respeito para com determinações administrativas,

estarem menos disponíveis para cooperação nas ações promovidas pelo Estado,

ou estarem dispostos a empreender ações de desobediência civil, é um reflexo

material do dano à legitimidade, que por si pode até ensejar indenização a título de

lucros cessantes, mas que não se confunde com o dano à legitimidade, nem

condiciona este último, já que aquele e este ofendem esferas distintas, quais sejam

o patrimônio material e o patrimônio moral.

110

A reparação do dano extramaterial causado à Administração

Pública em face da prática de ato de improbidade administrativa não se confunde

com a multa civil a que se referem os três incisos do art. 12 da Lei n° 8.429/92, nem

com sanções administrativas ou penais impostas às pessoas envolvidas na prática

do ato. Isto porque a reparação do dano extramaterial tem um caráter reparatório,

pelo qual se busca uma restauração do patrimônio moral da vítima a um estado

equivalente ao que precedia o ato danoso. Essa restauração não é

necessariamente atingida com a imposição de multa ou outras sanções aos

envolvidos com tal ato, já que a multa e as sanções têm um caráter punitivo que

implica agravamento da situação do agente envolvido na prática do dano, como

desestímulo a que ele e outros optem por tal prática. No caso, o agravamento da

situação do agente não necessariamente se equipara à restauração do patrimônio

moral da vítima do dano.

A reparação do dano extramaterial causado à Administração

Pública em face da prática de ato de improbidade administrativa pode ser

pleiteada, mas com observância ao princípio da proporcionalidade, de modo a não

olvidar que algumas violações a princípios atinentes à improbidade administrativa

podem se dar com carga reduzida de intencionalidade e com repercussão

econômica pouco significativa. Nesses casos, é preciso aferir até quanto é

compensatória e produtiva a busca pela reparação. A formulação de pleitos de

reparação de dano moral de forma desproporcional, num sem número de casos de

pouca significância, ou postulando indenizações por valores muito superiores aos

devidos, culmina por banalizar a reparabilidade, atentando contra sua efetividade

nos casos em que efetivamente devida. Na quantificação da reparação do dano

moral causado à Administração Pública em face da prática de ato de improbidade

administrativa, devem ser observados os parâmetros gerais que orientam a

quantificação da reparação do dano moral nos outros casos em geral, com especial

atenção, porém, para a repercussão do ato de improbidade junto da sociedade.

111

REFERÊNCIAS

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II

Itajaí, agosto de 2006

III

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO

DO DANO À LEGITIMIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

MOSER VHOSS

Dissertação submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, para

obtenção do grau de Mestre em Ciência Jurídica.

Orientadora: Professora Doutora Daniela Cademartori

Itajaí, agosto de 2006

IV

PÁGINA DE APROVAÇÃO

SERÁ FORNECIDA PELO CPCJ

V

DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, a Coordenação do Curso de Pós-

Graduação stricto sensu em Ciência Jurídica [CPC/UNIVALI], a Banca Examinadora

e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, agosto de 2006

Moser Vhoss

Mestrando

VI

SUMÁRIO

RESUMO VII

ABSTRACT VIII

INTRODUÇÃO 1

Capítulo 1 NOÇÕES SOBRE ESTADO, ADMINISTRAÇÃO E O FUNDAMENTO DE SEU PODER.......................................................

6

1.1. NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO..............................................................................

6

1.2. FUNDAMENTO DO PODER DO ESTADO E DA ADMINISTRAÇÃO..............................................................................

7

1.3. PRINCÍPIOS RELACIONADOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA...... 22

1.3.1. Noções gerais.................................................................................... 22

1.3.2. Princípios expressamente previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal.........................................................................

26

1.3.2.1. Legalidade.......................................................................................... 26

1.3.2.2. Impessoalidade................................................................................... 30

1.3.2.3. Publicidade......................................................................................... 33

1.3.2.4. Moralidade.......................................................................................... 36

1.3.2.5. Eficiência............................................................................................. 38

1.3.3. Outros princípios presentes no sistema jurídico brasileiro.......... 41

Capítulo 2 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E OS ATOS QUE A CARACTERIZAM SEGUNDO A LEI BRASILEIRA............................

51

2.1. ASPECTOS CONCEITUAIS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

51

2.2. AS CONSEQÜÊNCIAS MATERIAIS DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E AS COMINAÇÕES DAÍ RESULTANTES NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.............................

58

2.3. A CONSEQÜÊNCIA EXTRAMATERIAL DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA....................................................

64

2.3.1. Noções gerais.................................................................................... 64

2.3.2. O desestímulo à cooperação cívica, a inobservância de normas e determinações exaradas pela Administração e a desobediência civil...........................................................................

65

VII

2.3.3. A crise de representatividade.......................................................... 71

2.3.4. A afetação externa............................................................................ 74

Capítulo 3 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O DANO À LEGITIMIDADE DA ADMINISTRAÇÃO........................................................................

76

3.1. A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO EXTRAMATERIAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO............................................................................................

76

3.1.1. Reparação do dano moral................................................................ 76

3.1.2. Reparação do dano moral da pessoa jurídica de direito público. 80

3.2. A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO EXTRAMATERIAL CAUSADO ADMINISTRAÇÃO COM A PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA...............

84

3.2.1. Noções gerais.................................................................................... 84

3.2.2. Diferenciação entre o dano extramaterial propriamente dito e seus reflexos materiais....................................................................

91

3.2.3. Diferenciação entre a reparação do dano extramaterial causado à administração e as sanções civis, criminais e administrativas cominadas no ordenamento positivo brasileiro............................

95

3.3. A QUANTIFICAÇÃO DO DANO EXTRAMATERIAL CAUSADO À ADMINISTRAÇÃO..............................................................................

97

CONCLUSÃO..................................................................................... 103

REFERÊNCIAS................................................................................... 108

VIII

RESUMO

O presente trabalho aborda a possibilidade de que haja reparação de dano

extramaterial causado à Administração Pública em face da prática de ato de

improbidade administrativa. Objetivou-se desenvolver pesquisa voltada à

investigação da afetação da legitimidade da Administração Pública quando da

prática de ato de improbidade administrativa, de modo a verificar se essa afetação

de legitimidade configuraria dano passível de propiciar que seja demandada sua

reparação moral. De início, foram apresentadas noções sobre o Estado e a

Administração Pública, sobre o fundamento de seu poder, e sobre a principiologia

concernente à atuação administrativa. Em prosseguimento, buscou-se conceituar os

atos de improbidade administrativa, apresentando-se, também, as conseqüências

materiais e extramateriais por eles produzidas, com especial ênfase para a

afetação da legitimidade da Administração Pública. Por fim, foi avaliada a

possibilidade de que haja reparação de dano extramaterial causado às pessoas

jurídicas de direito público, bem como a possibilidade de que haja reparação do

dano causado à legitimidade da Administração Pública quando da prática de ato de

improbidade administrativa, abrangendo-se ainda, nesse particular, circunstâncias

atinentes à quantificação desse dano. Verificou-se, em suma, que a prática de atos

de improbidade administrativa afeta a legitimidade da Administração Pública,

ferindo, portanto, o fundamento de seu poder. Essa afetação de legitimidade

consubstancia dano extramaterial cuja reparação é passível de ser pleiteada, em

prol da conservação da integralidade do patrimônio público.

IX

ABSTRACT

The present paper focuses on the possibility to make amends for extramaterial

damage caused to the public administration due to administrative improbity. The

purpose was to develop research related to the investigation on the affectedness of

legitimacy of the public administration when the practice of administrative inprobity

takes place, in a way to verify if this affectedness of legitimacy would represent

susceptible damage, which would demand moral amends. At the beginning, notions

about the state and public administration were presented, about the foundation of its

power, and about the study of principles concerning the administrative performance.

Then the acts of administrative improbity were regarded as well, by presenting the

material and extramaterial consequences produced by them, with a special

emphasis on the affectedness of legitimacy of the public administration. At the end, it

was evaluated both the possibility of having amends for extramaterial damage to

juridical people of the Public Law and the possibility of requiring amends for damage

caused to the legitimacy of the public administration, when the practice of the

administrative improbity takes place. The latter will still include circumstances

respecting the amount of this damage. In sum, it was proved that the practice of acts

of administrative improbity affects the legitimacy of the public administration,

therefore it goes against the foundation of its power. This affectedness of legitimacy

consubstantiates extramaterial damage where it is possible to require amends for it,

in behalf of the maintenance of the public patrimony integrality.

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