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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO E SISTEMAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Estrutura de Governança e Comportamento Estratégico em Sistemas Elétricos Reestruturados: Uma Abordagem Institucional do Poder de Mercado na Indústria de Energia Elétrica Brasileira Tese de Doutorado Doutoranda: Élbia Vinhaes, M.Sc. Orientador: Prof. Edvaldo Alves de Santana, Dr. Florianópolis, 25 de Fevereiro de 2003

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · Ao Professor Edvaldo Alves de Santana, pela orientação e profissionalismo. Aos Professores Miranda e Estéfano do Departamento de Economia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO E SISTEMAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

Estrutura de Governança e Comportamento Estratégico em Sistemas Elétricos Reestruturados:

Uma Abordagem Institucional do Poder de Mercado na Indústria de Energia Elétrica Brasileira

Tese de Doutorado

Doutoranda: Élbia Vinhaes, M.Sc.

Orientador: Prof. Edvaldo Alves de Santana, Dr.

Florianópolis, 25 de Fevereiro de 2003

ÉLBIA APARECIDA SILVA VINHAES

Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Engenharia, ao Centro de Pós Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientador: Professor Dr. Edvaldo Alves de Santana.

FLORIANÓPOLIS25 de Fevereiro de 2003

ii

Vinhaes, Élbia Aparecida Silva.

Estrutura de Governança e Comportamento Estratégico

em Sistemas Elétricos Reestruturados:

Uma Abordagem Institucional do Poder de Mercado na

Indústria de Energia Elétrica Brasileira. / Élbia Aparecida

Silva Vinhaes- Florianópolis UFSC/EPS, 2003.

237p.

Tese de Doutorado – UFSC/EPS.

1- Poder de Mercado- Governança- Energia Elétrica

iii

Estrutura de Governança e Comportamento Estratégico em Sistemas Elétricos

Reestruturados: Uma Abordagem Institucional do Poder de Mercado na Indústria de Energia

Elétrica Brasileira

ÉLBIA APARECIDA SILVA VINHAES

Tese apresentada e aprovada ao Centro de Pós Graduação em Engenharia de

Produção e Sistema da Universidade Federal de Santa Catarina, para obtenção do grau de Doutor

em Engenharia de Produção na área de Concentração de Gestão de Negócios.

Florianópolis – Santa Catarina, 25 de Fereveiro de 2003

iv

Dedico este trabalho ao meu filho Márcio e aos meus pais Almir e Terezinha, com muito carinho e admiração.

v

AGRADECIMENTOS

Aos Professores e colegas do Departamento de Engenharia de Produção da UFSC.

Aos Professores e colegas do Departamento de Economia da UFSC, em especial a Evelise, Renato

Campos, Sílvio Cário, José Nicolau, Roberto Meurer e João Rogério Sanson.

Ao Professor Edvaldo Alves de Santana, pela orientação e profissionalismo.

Aos Professores Miranda e Estéfano do Departamento de Economia da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul.

Aos colegas da ANEEL em especial Vera Cristina, Cláudio Ishihara, Ivone Oliveira, Gutemberg, e

Luiz Theodoro pelo aprendizado compartilhado.

Aos colegas do MME pelo trabalho e aprendizado compartilhado.

Ao Professor Afonso Henriques Moreira Santos (IEE-Itajubá), pela oportunidade de trabalho,

discussões e contribuições que enriqueceram este trabalho.

Ao Professores José Cláudio Linhares Pires (BNDES) e Virginia Parente (IEE-USP), pelo

incentivo, amizade e colaboração.

Aos colegas do Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico – CGCE, ambiente que

inspirou este trabalho.

Aos colegas de trabalho da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda em especial

aos Secretários José Guilherme dos Reis e Wagner Guerra pela oportunidade e apoio irrestrito à

realização deste trabalho.

Ao meu amigo César Mattos (SAIN-MF) pelo apoio e colaboração.

Aos meus alunos pela inspiração permanente.

Aos meus pais e irmãos, que com compreensão e sabedoria rogam pelo meu sucesso.

Ao meu filho Márcio pela compreensão e paciência.

Ao Leonardo pelo companherismo e apoio incondicional.

Aos meus amigos Marcelo Fiche, Roberto e Aparecida pela amizade e apoio.

As minhas irmãs de Floripa: Rosiene, Eliana e Sheila.

As minhas irmãs de Brasília: Adriana, Carla, Morgana, Leila e Olinda.

A todos os meus amigos e colegas muito obrigada.

vi

“(...) Desejo que você, sendo jovem, não amadureça

depressa demais; E que sendo maduro, não insista em

rejuvenescer; E que sendo velho, não se dedique ao desespero;

Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar

que eles escorram por entre nós. (...) Desejo também que você

plante uma semente, por mais minúscula que seja, e acompanhe o

seu crescimento (...). Para que você saiba de quantas muitas vidas

é feita uma árvore...” (Victor Hugo)

vii

ÍNDICE

PARTE I INTRODUÇÃO E APRESENTAÇÃO DO REFERENCIAL TEÓRICO..................................................1

CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO...................................................................................................................................2

1.1. Aspectos Conjunturais........................................................................................................................................2

1.2.Objetivos e Justificativas .....................................................................................................................................5

1.3. Aspecto Metodológico do Desenvolvimento do Trabalho ..................................................................................8

1.4. Ambiente de Realização do Trabalho e Variáveis Relevantes............................................................................9

1.5. A Estrutura do Trabalho ..................................................................................................................................11

1.6. Relevância e Limitações do Trabalho ..............................................................................................................11

CAPÍTULO 2 -A TEORIA DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL E A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL .13

2.1. Considerações Iniciais .....................................................................................................................................13

2.2. Os Principais Estudos da Organização Industrial ...........................................................................................14

2.2.1. O Modelo Estrutura, Conduta e Desempenho ..............................................................................18

2.2.2. A Abordagem Concorrência versus Monopólio ...........................................................................21

2.2.3. Falhas de Mercado e Desvio de Eficiência ...................................................................................22

2.2.4. Desvios de Eficiência e Regulamentação de Mercados................................................................25

2.3. Teoria dos Jogos...............................................................................................................................................29

2.3.1. Conceitos Básicos.........................................................................................................................29

2.3.2. Tipos de Jogos ..............................................................................................................................32

O Equilíbrio de Nash.........................................................................................................................33

Estratégia Dominante ........................................................................................................................34

Jogos Repetitivos ..............................................................................................................................34

2.3.3. O Limite da Racionalidade ...........................................................................................................40

2.4. O Papel da Defesa da Concorrência................................................................................................................42

2.4.1. Questões Relevantes das Leis Antritrustes ...................................................................................43

2.4.2. Questões de Defesa da Concorrência no Brasil ............................................................................44

2.4.3. Regulação e Defesa da Concorrência ...........................................................................................46

2.4.4 - A Defesa da Concorrência e sua Interação com o Regulador Setorial ........................................49

2.4.5. Considerações sobre a Regulação Setorial e a Defesa da Concorrência no Brasil........................52

2.5 Conclusões .......................................................................................................................................54

CAPÍTULO 3 -A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL E A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA ...................55

3.1. Considerações Iniciais .....................................................................................................................................55

3.2. As Instituições...................................................................................................................................................56

3.3. O Velho e o Novo Institucionalismo .................................................................................................................59

3.4. A Economia dos Custos de Transação e a Estrutura de Governança ..............................................................61

3.5. A Adaptação Organizacional e as Estruturas de Governança .........................................................................69

3.6. Conclusões .....................................................................................................................................................71

PARTE II EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE SISTEMAS ELÉTRICOS REESTRUTURADOS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE MERCADO ................................................72

CAPÍTULO 4 - EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS EM SISTEMAS ELÉTRICOS REESTRUTURADOS......73

viii

4.1. Considerações Iniciais .....................................................................................................................................73

4.2. Questões-chave da Reforma .............................................................................................................................75

4.3. As Principais Reformas ....................................................................................................................................78

4.4. Estrutura Básica do Novo Modelo ...................................................................................................................80

4.5. Poder de Mercado e Possibilidade de Competição na Geração e Comercialização de Energia Elétrica.......86

4.6. Transmissão e Coordenação ............................................................................................................................95

4.7. Performance das Indústrias no Pós-Reforma...................................................................................................99

4.8. Conclusões ...................................................................................................................................................103

CAPÍTULO 5 - ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DOS SISTEMAS ELÉTRICOS REESTRUTURADOS –UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE MERCADO ....................................104

5.1. Considerações Iniciais ...................................................................................................................................104

5.2. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – Experiências Internacionais .............................................105

5.3. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – O Caso da Inglaterra........................................................110

5.4. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – O Caso da Califórnia .......................................................115

5.5. Análise da Estrutura de Governança dos Sistemas Elétricos Reestruturados................................................125

5.6. Lições e Recomendações ................................................................................................................................133

PARTE III UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE MERCADO NA IEEB...........................142

CAPÍTULO 6 -O MODELO INSTITUCIONAL DA INDUSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA BRASILEIRA E A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA .............................................................................................143

6.1. Características Gerais da Indústria de Energia Elétrica...............................................................................143

6.2. Características Gerais da Indústria de Energia Elétrica Brasileira..............................................................144

6.3. O Modelo Institucional da IEEB e a Estrutura de Governança .....................................................................148

6.3.1. O Modelo da IEEB e as Relações Institucionais.........................................................................148

6.3.2 – Performance da IEEB ...............................................................................................................151

6.3.3. Questões-chave da Reforma e Possíveis Resultados ..................................................................156

6.4. Conclusões ...................................................................................................................................................162

CAPÍTULO 7 – ESTRUTURA DE GOVERNANÇA E PODE DE MERCADO NO MAE – UMA ABORDAGEMINSTITUCIONAL .........................................................................................................................164

7.1. Considerações Iniciais ...................................................................................................................................164

7.2. Caracterização Geral do MAE.......................................................................................................................166

7.3. Agentes do Mercado .......................................................................................................................................168

7.4. Contabilização e Liquidação das operações realizadas no âmbito do MAE .................................................169

7.5. Características Econômicas Relacionadas ao MAE ......................................................................................170

7.6. Performance do Mercado Atacadista de Energia Elétrica Brasileiro............................................................175

7.7. Os Fundamentos dos Problemas no MAE ......................................................................................................180

7.8. Os Fundamentos do Uso de Poder de Mercado no MAE...............................................................................183

7.9 Conclusões ...................................................................................................................................................185

CAPÍTULO 8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................................187

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................................196

ix

INDICE DE FIGURAS e QUADROS

FIGURA 1 – OS PARADIGMAS DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL ......................................................................................17

FIGURA 2 – SÍNTESE DO MODELO ESTRUTURA, CONDUTA E DESEMPENHO.................................................................19

FIGURA 3 – DEFESA DA CONCORRÊNCIA ........................................................................................................................47

FIGURA 4 – MAPA COGNITIVO DOS CONTRATOS ...........................................................................................................65

FIGURA 5 – O ESQUEMA DE TRÊS NÍVEIS.......................................................................................................................69

FIGURA 6 – MONOPÓLIO VS. COMPETIÇÃO NO VAREJO................................................................................................81

FIGURA 7 –COMPETIÇÃO NO VAREJO.............................................................................................................................82

FIGURA 8 – OUTROS MODELOS.......................................................................................................................................83

FIGURA 9 – MONOPÓLIO VS. COMPETIÇÃO NO VAREJO..............................................................................................148

FIGURA 10 – PRINCIPAIS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS DA IEEB ..................................................................................150

FIGURA 11 – RELAÇÕES COMERCIAIS ..........................................................................................................................168

FIGURA 12 – GOVERNANÇA DO MAE ...........................................................................................................................177

FIGURA 13 – NOVA GOVERNANÇA DO MAE.................................................................................................................178

QUADRO 1 – FRONTEIRAS ENTRE REGULAÇÃO SETORIAL E LEIS ANTITRUSTE ...........................................................50

QUADRO 2 – ATUAÇÃO E PERSPECTIVAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS E DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA...............51

QUADRO 3 – CADEIA DA INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA ........................................................................................76

QUADRO 4 – FUNDAMENTOS DA CRISE DA CALIFÓRNIA..............................................................................................119

QUADRO 5 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DA IEE E PRINCIPAIS RESULTADOS DA EXPERIÊNCIA

INTERNACIONAL ......................................................................................................................................126

QUADRO 6 - QUESTÕES CHAVES PARA OS MODELOS E RESULTADO ENCONTRADOS.................................................129

QUADRO 7 – QUESTÕES-CHAVE, PROBLEMAS E RECOMENDAÇÕES............................................................................137

QUADRO 8 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DA IEEB E PRINCIPAIS OBJETIVOS DA REFORMA..........................157

QUADRO 9– QUESTÕES-CHAVE, IMPLICAÇÕES E OBJETIVOS DA REVITALIZAÇÃO ...................................................159

QUADRO 10 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DO MERCADO ATACADISTA DE ENERGIA ELÉTRICA.....................171

QUADRO 11 – QUESTÕES -CHAVE PARA O MERCADO ATACADISTA E RESULTADOS ENCONTRADOS ........................173

QUADRO 12 – OS FUNDAMENTOS DA CRISE DO MAE .................................................................................................182

x

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANA – Agência Nacional de Aguas ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica ANP – Agência Nacional do Petróleo ASMAE – Associação do Mercado Atacadista de Energia Elétrica CADE – Conselho Administrativo de Defesa EconômicaCEGB – Central eletricity Generation Board CGCE – Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica CGSE – Câmara de Gestão do Setor Elétrico CNPE – Conselho Nacional de Política Energética CCPE – Comitê Coordenador de Planejamento Energético COEX – Comitê Executivo do MAE COMAE – Conselho do Mercado Atacadista de Energia Elétrica COPEL – Companhia Paraense de Energia Elétrica CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz DNAEE – Departamento Nacional de Àguas e Energia Elétrica ECD – Estrutura, Conduta e DesempenhoECT – Economia dos Custos de Transação ECP – Energy Clearing Price EDF- Eletricité de France ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A FERC – Federal Energy Regulary CommissionFTC – Federal Trade CommissionGAO - General Acounting Office GCE – Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica GCOI – Grupo Coordenador para Operação Interligada GCPS – Grupo Coordenador do Planejamento do Sistema Elétrico GWh – Giga Watt Hora HHI – Herfindahl-HirschmanIBAMA – Instituto Brasileiro do Meio AmbienteIEE - Indústria de Energia Elétrica IEEB – Indústria de Energia Elétrica Brasileira IPE - International Petroleum Exchange ISO – Independent System Operator kV – Kilo Volts MAE – Mercado de Atacado de Energia Elétrica MALC - Market Abuse Licence Condition MME – Ministério das Minas e Energia MMA – Ministério do Meio AmbienteMRE – Mecanismo de Realocação de Energia MVA – Mega Volt AmpérMW– Mega WattMWh – Mega Watt Hora NETA – New Electricity Market Arrangement

xi

N/NE – Norte e Nordeste NEI – Nova Economia Institucional NGC – National Grid CompanyOCDE – Organization for Economic Co-operation and DevelopmentOFGEM- Office Gás and Electricity Market OI – Organização Industrial ONS – Operador Nacional de SistemaPJM – Pennsylvânia, New-Jersey, and Maryland Interconnection PCH – Pequena Central Hidrelétrica PIB- Produto Interno Bruto PIE – Produtor Independente de Energia Elétrica PPP- Pool Power Price PURC – Public Utility Regulary Police Act PURPA – Public Utility Regulary Policy Act PX – Power Exchange SDE – Secretaria de Direito EconômicoSEAE - Secretaria de Acompanhamento EconômicoSFE – Supply Function EquilibriumS/SE/CO – Sul, Sudeste e Centro – Oeste TWh – Tera Watt Hora UCEI – University of California Energy Institute UK APX – UK Automated Power Exchange UK PX - UK Power Exchange

xii

RESUMO

O objetivo deste trabalho é mostrar as principais mudanças estruturais e institucionais do

setor elétrico brasileiro em um ambiente de reestruturação. Neste sentido, são verificados os

possíveis efeitos das mudanças na indústria de eletricidade e os espaços para comportamento

estratégico por parte dos agentes econômicos. A interação entre o órgão regulador, o operador do

sistema e o mercado atacadista de energia (MAE) se mostra importante na medida em que pode

predispor ou não ao exercício de poder de mercado que leve a perdas de bem-estar dos

consumidores e mesmo dos investidores. Dessa forma, o trabalho passa pelo objetivo geral de

identificar eventuais falhas no desenho de mercado e da própria estrutura de governança da

Indústria de Energia Elétrica Brasileira (IEEB), que permitam comportamento estratégico e

exercício de poder de mercado por parte dos agentes econômicos.

Ademais, o trabalho passa também pelo objetivo específico de analisar a IEEB em um

contexto de experiências internacionais, como a Califórnia, Inglaterra e países nórdicos, a fim de

identificar lições para auxiliar no diagnóstico dos principais problemas no modelo regulatório e de

mercado, para o caso brasileiro. Conclui-se, por meio do arcabouço teórico da Nova Economia

Institucional aplicado à realidade brasileira, que a estrutura de governança, tanto do MAE como da

IEEB em um contexto geral, apresenta fragilidades, que permitem o uso de poder de mercado por

parte dos agentes econômicos. Conforme apresentado para a experiência internacional, tais fatores

podem trazer conseqüências negativas no desempenho da indústria, sinalizando, portanto, para

necessidade de rever o processo de implementação do desenho institucional e de mercado da IEEB.

xiii

ABSTRACT

The objective of this work is to address the major structural and institutional changes of the

Brazilian Electric Sector. In this respect, the possible effects of changes in this industry and the

scope for strategic action from the part of the economic agents are duly analyzed. The interaction

among the regulating agency, the system operator and the wholesale market (WM), is rather

important insofar as it defines the possibilities of market power exercise, which may harm welfare.

Thus, this work aims to identify eventual shortcomings in the market rules and also in WM’s

governance, that will allow strategic actions and market power exercise. This work also has the

specific purpose of analyzing the Brazilian Electric Power Industry (BEPI), in the context of

international experiences, as in California, England, and the Nordic countries. The conclusion

points out — through a theoretical framework of the New Institutional Economy, that the

governance structure, both for the wholesale market and for the BEPI in a broad context — to

existing fragilities, thus allowing for the use of market power by the economic agents.

xiv

RESUMEN

El objetivo de este trabajo es mostrar las principales transformaciones estruturales e

institucionales del sector eléctrico brasileño. En este sentido, son analizados los posibles efectos de

las transformaciones en el sector y los espacios probables para el comportamiento estratégico por

parte de los agentes económicos. La interacción entre el organo regulador, el operador del sistema y

el mercado al por mayor es importante, pues señala la posibilidad de ejercicio de poder de mercado

que puede llevar a ganancias extraordinarias y perjudicar el desempeño de la industria, ya sea desde

el punto de vista del consumidor o desde el punto de vista de los inversores. De esta manera, el

trabajo identifica eventuales fallas de las reglas del mercado y de la propia estrutura del MAE

(Mercado al por mayor de Energia), que permiten comportamientos estratégicos y el ejercicio del

poder de mercado por parte de los agentes económicos. El trabajo revisa tambien las experiencias

internacionales, particularmente de California, Inglaterra y los países nórdicos, con el objetivo de

extraer lecciones para la identificación del diseño de la regulación y de la operación del mercado

brasileño.

Concluyese, com la ayuda del marco teorico de la Nueva Economia Institucional,

que la estrutura de gobierno, tanto del mercado atacadista como de la IEEB presenta fragilidades

permitiendo el uso del poder de mercado por parte de los agentes económicos.

xv

PARTE I

INTRODUÇÃO E APRESENTAÇÃO DO REFERENCIAL TEÓRICO

1

CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO

1.1. Aspectos Conjunturais

A estrutura industrial inicialmente desenhada para o setor de energia elétrica

brasileiro tem como uma de suas principais características a passagem de um sistema de monopólio

estatal, verticalizado, para um sistema competitivo de mercado. Para tanto, foi proposto um

“desempacotamento” de seus três principais segmentos, a saber: geração, transmissão e distribuição

de energia, e, ainda, a venda das empresas ao setor privado.

O objetivo da reforma do setor foi inserir a competição em um ambiente de indústria

reestruturado e com caráter de propriedade privada, a partir de um novo aparato regulatório. Nesse

sentido, infere-se que a nova indústria de energia elétrica brasileira se estabelecerá por um número

elevado de agentes privados competindo em uma nova estrutura de mercado. Nesse ambiente,

espera-se que os agentes venham modificar suas estratégias de decisão frente a preços,

investimentos e outras variáveis.

O processo de reestruturação da indústria de eletricidade, em um contexto mundial,

tem sido objeto de diversos estudos. O papel das transformações tecnológicas, que vêm ocorrendo

nesta indústria e nas indústrias de rede, em geral, tem contribuído de forma positiva para a

introdução da concorrência em determinados segmentos. Embora apresente especificidades, tais

reformas vêm apresentando características semelhantes. Destacam-se, além da introdução da

competição, a criação de um mercado spot, a livre escolha do consumidor e a importância de um

órgão regulador forte para delimitar o poder de ação dos agentes (Santana, 2001).

Entretanto, o crescente movimento de privatização, reestruturação e regulamentação

se mostram além desse limite. Na verdade, por trás dessas mudanças tecnológicas e regulamentares,

vem ocorrendo uma grande diversidade de fatores. No caso da Inglaterra, apresentam-se

transformações radicais de uma estrutura totalmente verticalizada e de propriedade estatal para uma

estrutura privada e com objetivos de competição, até mesmo naqueles segmentos nos quais a

competição não era considerada possível, como é o caso da comercialização de energia elétrica, que

era um negócio acoplado à distribuição.

2

As reformas estruturais nos setores de infra-estrutura no Brasil, como o caso do gás

natural, telecomunicações, energia elétrica, água e transportes, seguem o exemplo das economias

mundiais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o marco fundamental da reforma foi o final da década

de 1970, quando houve uma grande mudança estrutural e regulatória dos setores de infra-estrutura,

tendo em vista que tais setores já eram de propriedade privada. No Reino Unido, por sua vez, a

reforma da infra-estrutura, além de envolver a reestruturação e uma nova regulamentação, contou

com um processo de privatização, iniciado no final da década de 1980. Em razão de as reformas

desses países terem alcançado um certo grau de maturidade com os mercados, já operando de

acordo com o modelo de reestruturação, os trabalhos mais recentes têm apresentado outras

contribuições além da simples descrição das reformas.

As discussões mais recentes estão associadas à própria operação dos mercados e aos

problemas de poder de mercado que se apresentaram. Considerações sobre submercados, restrições

de transmissão, encargos de capacidade, exercício de poder de mercado, desenho regulatório têm

sido objeto de estudo de inúmeros autores, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Destacam-se aqui duas abordagens: a primeira, formulada por Klemperer & Meyer (1989), Green &

Newbery (1992), Rudkevich et alii (1998), Wolfram (1998) e Sweeting (2001), que buscam

identificar nas normas do pool inglês as razões para o comportamento estratégico dos geradores e

sugerem modificações nas regras do mercado a fim de reduzir lucros excessivos. De outro lado,

autores da University of Califórnia Energy Institute (UCEI), de Bekerley e da Universidade de

Harvard, como exemplo Wolak & Borenstein (2002), Harvey & Hogan (2002), Bushnell e Saravia

(2002) e outros, que se voltaram para o mercado da Califórnia, usando um esquema analítico de

bechmark, baseado no modelo de Cournot, onde se supõe que as ofertas sejam basicamente de

quantidades e não de preços, devido a limitações da capacidade de oferta de cada agente em relação

ao tamanho do mercado1, o que, entretanto permite o uso de poder de mercado, mesmo que seja em

um curto período de tempo.

Dessa forma, os diversos estudos das novas estruturas de governança da indústria de

energia elétrica em diferentes países vêm ganhando espaços consideráveis nos últimos dez anos,

sobretudo após as grandes reformas que aconteceram nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Trabalhos como os de Newbery & Pollit (1997), Joskow (1997), Green (1996; 1998), Joskow &

Tirole (2000), Hogan (1995; 1997) e Borenstein & Bushnell (1997; 1999; 2000), Wolak; Bushnell

& Borenstein (2002), Harvey & Hogan (2002) e, mais recentemente, Stoft (2002), destacam-se

1 Os agentes são pequenos diante do mercado, como é o caso de uma estrutura industrial competitiva.

3

nesse cenário. No Brasil, muitos estudos interessantes vêm sendo realizados, os quais ultimamente

ultrapassam a mera descrição das reformas, passando a incorporar análises mais avançadas. Citam-

se os trabalhos de Araújo Jr. (1999), Pires (1999), De Oliveira e Pinto Jr. (1998), Santana (1995a),

Oliveira (1998), Vinhaes (1999), Santana e Oliveira (1999), Kelman (1999), Barroso (2000) e

Cavalcante (2002). Estes possuem como referência comum o uso de conceitos da Teoria

Microeconômica, como Nova Economia Institucional, Economia dos Custos de Transação, Teoria

da Agência, Teoria dos Mercados Contestáveis, Teoria do Oligopólio, Teoria dos Jogos, entre

outros.

A concorrência na indústria de energia, tal como acontece de maneira geral em todas

indústrias configuradas sob a forma de rede, tem como uma de suas características básicas o fato de

que o grau de competição em um segmento da rede afeta a concorrência em outro segmento. Tal

característica expõe a indústria de energia elétrica, em particular, a grandes economias de

coordenação, que muitas vezes não podem ser aproveitadas, tendo em vista que alguns segmentos

(essential facilities) continuam a ser tratados como monopólios naturais e outros, por sua vez, estão

expostos à concorrência. Na experiência internacional, este fator tem sido determinante no sentido

de apontar que a indústria como um todo precisa adaptar-se a uma determinada estrutura

institucional, regulatória e de mercado adequada.

Tal estrutura precisa levar em conta, por exemplo, o grau de competição nos

extremos da rede (geração e comercialização), o que implica a discussão de normas para a

desverticalização da indústria ou a obrigatoriedade do livre acesso, além de determinar os limites

técnicos (ou regulamentares) de uso das redes, o que pode afetar profundamente a competição entre

os segmentos, dado que geram poder de mercado para quem está a jusante da restrição, conforme

apresentado nos trabalhos de Hogan (2000), Joskow & Tirole (2000) e Borenstein et alii (2000) e

outros2.

Tais questões chamam atenção para o aparato institucional e regulatório dessa

indústria, tendo em vista o importante papel do órgão regulador setorial, bem como das regras de

mercado, e, em especial no caso brasileiro, para o fundamental papel das regras e da própria

estrutura de governança do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE), elemento essencial para

a competição na Indústria de Energia Elétrica Brasileira – IEEB. Tais regras foram adotadas em um

2 Ou seja, se, por exemplo, a competição entre dois geradores localizados em diferentes regiões depende da capacidadede transmissão, a existência de restrição acaba criando situação de monopólio para o gerador que atende no mesmosubmercado da carga (demanda), prejudicando sensivelmente a eficiência do sistema como um todo (Santana, 2001).

4

primeiro momento a partir de setembro de 2000, mas foram objeto de mudança e intervenção por

parte da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e da Câmara de Gestão do Setor Elétrico3,

sendo, portanto, um dos principais referenciais de análise desta tese.

1.2.Objetivos e Justificativas

A IEEB, que contava com características de monopólio estatal e verticalizado, vem

passando por um processo de reforma, que tem como principais características a privatização, a

introdução da competição e uma nova regulamentação. Pode-se dizer que as mudanças na indústria

de energia elétrica brasileira estão em um grau bastante avançado, entretanto muitas mudanças

pertinentes ao modelo ainda não foram implementadas. Destaca-se o processo de privatização das

empresas geradoras, ainda bastante atrasado, pois apenas 20% da capacidade de geração passou à

iniciativa privada. Esse atraso gera uma grande incerteza nos agentes do mercado, os quais precisam

de sinais econômicos corretos e regras claras para realizarem investimentos, uma vez que, estando o

setor elétrico submetido ao sistema de mercado, o mecanismo de formação de preços, o livre acesso

às linhas de transmissão e distribuição e o papel do órgão regulador se tornam características chaves

para o funcionamento do modelo.

O modelo de mercado da indústria de energia elétrica brasileira inicialmente

desenhado é formado pelos seguintes atores: as grandes empresas geradoras, normalmente com

diversas usinas de grande porte, os pequenos geradores, com uma ou poucas usinas de pequeno

porte; as usinas termelétricas, que atuam para a complementação do sistema (usinas térmicas

inflexíveis4); as usinas termelétricas a gás independentes (usinas térmicas flexíveis); os grandes

consumidores; as comercializadoras e as empresas transmissoras e distribuidoras, que fornecem o

serviço de rede, sendo que as distribuidoras atendem os consumidores cativos. Compõem ainda o

modelo: o órgão regulador, com o papel importante na regulamentação da indústria, o Operador

Nacional do Sistema, responsável pela operação física do sistema, e o MAE, que se ocupa de

coordenar a realização das transações comerciais entre os agentes compradores e vendedores.

Destaca-se ainda o importante papel do Conselho Nacional de Política Energética –

3 A Câmara de Gestão do Setor Elétrico – CGSE, substituiu a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica - GCE, apartir de junho de 2002. 4 Destaca-se que essas usinas têm alto grau de inflexibilidade sendo 70% inflexíveis.

5

CNPE e do Comitê Coordenador do Planejamento de Expansão do Sistema – CCPE, que fazem,

respectivamente, a política e o planejamento da indústria.

A GCE foi criada com o objetivo específico de gerir o problema conjuntural da crise

de abastecimento de energia elétrica que ocasionou a redução compulsória do consumo

(racionamento), ocorrido no período de junho de 2001 a fevereiro de 2002. Tal crise apontou para a

necessidade de rever todo o modelo da IEEB. Este projeto foi desenvolvido a partir de junho de

2001 e permaneceu até dezembro de 2002, pelo Comitê de Revitalização do Modelo do Setor

Elétrico, o qual teve por objetivo analisar os principais problemas apresentados no Modelo do Setor

Elétrico, seja pelo atraso da implementação, seja pela inadequada formulação do modelo proposto.

É importante ressaltar que o Comitê de Revitalização embora tenha avançado de

forma razoável na reformulação do modelo do setor, algumas questões seguem em aberto e

necessitam ser retomadas pelo novo governo. Destaca-se entre elas o reaparelhamento do Ministério

de Minas e Energia, a redefinação do mercado atacadista e do operador do sistema, além da

definição clara do papel do estado no setor.

Conforme estudos apresentados pelo relatório da Comissão Kelman5, os fatores que

contribuíram para a recente crise de energia elétrica brasileira, e que levaram à intervenção do

Estado para reduzir de forma compulsória o consumo de energia elétrica por parte dos agentes, não

se restringem apenas a uma crise de abastecimento, ocasionada pela falta de chuvas para encher os

reservatórios, que respondem por cerca de 90% da energia gerada no país. O que se percebe é uma

grande fragilidade do modelo proposto e, sobretudo, as conseqüências advindas de sua

implementação incompleta. Neste caso, vale ressaltar o uso predatório dos reservatórios, a redução

da oferta desde meados da década de 1980, a inadequação no sistema de formação de preços, a

estrutura tarifária, o risco regulatório, a indefinição do papel do Estado no setor e, ainda, a

inoperância do MAE. Tais fatores, associados, ocasionaram escassez de oferta somada a um

crescimento da demanda, situação potencialmente explosiva, muito embora a trajetória de

crescimento da demanda tivesse sido, sempre, estimável, estabelecida em patamar

aproximadamente correspondente a duas vezes o crescimento do PIB6.

5 O atual presidente da Agencia Nacional de Águas, professor Jerson Kelman, foi contratado, junto com três outrostécnicos do setor, pela GCE, para apresentar um relatório com as principais implicações da redução de oferta de energia elétrica.6 Em 1997 o crescimento da demanda de energia foi da ordem de 8%, enquanto o PIB cresceu 3,5%.

6

Experiências recentes nos mercados dos Estados Unidos e da Inglaterra podem trazer

importantes lições para o modelo brasileiro, embora se reconheça uma notável peculiaridade no

modelo nacional. O racionamento e os problemas no Mercado Atacadista de Energia Elétrica, por si

só justificam análise mais detalhada do funcionamento deste mercado, sem descuidar de estudo

mais aprofundado das experiências internacionais, que podem de alguma forma servir de lição,

principalmente no que se refere às questões de poder de mercado. Na verdade, apesar de existir uma

grande quantidade de trabalhos sobre o tema poder de mercado em sistemas térmicos, o mesmo não

se pode dizer sobre a investigação técnica do poder de mercado em sistemas hidrotérmicos. O tema

torna-se, então, de interesse para países com este perfil de produção de energia elétrica, como é o

caso do Brasil.

Tal situação repleta de peculiaridades encaminha o trabalho aqui proposto para uma

análise não trivial e, até onde se sabe, inédita para o caso brasileiro. Além disso, o problema em

estudo é demasiadamente complexo, com formulação e proposta de soluções que envolvem

conceitos de abrangência teórica de diferentes referenciais, como a microeconomia, a organização

industrial e outras abstrações associadas à estrutura de governança, regulação e defesa da

concorrência no mercado de energia elétrica.

Diante da formatação do modelo comercial da IEEB, considerando-se as mudanças

sinalizadas pelo Comitê de Revitalização do Modelo do Setor elétrico para o período pós-crise e as

experiências internacionais, o presente trabalho tem por objetivo analisar o arcabouço institucional

e regulatório da IEEB e os possíveis espaços para comportamento estratégico por parte dos agentes

econômicos. A interação entre o órgão regulador, o operador do sistema e o administrador do

mercado se mostra importante, na medida que sinaliza possibilidade de exercício de poder de

mercado capaz de levar a ganhos excessivos e prejudicar o desempenho da indústria, tanto do ponto

de vista dos consumidores quanto dos investidores.

Dessa forma, o objetivo geral deste estudo é identificar as eventuais falhas no desenho de

mercado e da própria estrutura de governança da Indústria de Energia Elétrica Brasileira (IEEB),

que permitam comportamento estratégico e exercício de poder de mercado por parte dos agentes

econômicos. Já o objetivo específico é analisar a IEEB em um contexto de experiências

internacionais, como a Califórnia, Inglaterra e países nórdicos, a fim de identificar lições para

auxiliar no diagnóstico dos principais problemas no modelo regulatório e de mercado, para o caso

brasileiro.

7

1.3. Aspecto Metodológico do Desenvolvimento do Trabalho

Como se depreende dos objetivos geral e específico deste trabalho, e considerando-se

que se trata da avaliação de um modelo de mercado da indústria de energia elétrica brasileira e da

análise desse mercado com base nas experiências internacionais, não é a intenção proceder à análise

das regras desenhadas no primeiro instante pelo Documento Básico do Projeto RE-SEB, tampouco

avaliar o documento intitulado “Regras de Mercado”, proposto pelo Grupo Executivo formado pelo

MAE. O trabalho contempla, principalmente, os documentos apresentados pelo Comitê de

Revitalização do Modelo da IEEB e o aparato regulatório daí resultante, uma vez que o setor foi

fortemente revisado. Além disso, apontam-se as principais falhas do Modelo de Reestruturação do

Setor Elétrico, ressaltando os problemas do MAE, elemento fundamental para a competição na

IEEB. Nesse sentido, as principais fontes de pesquisa são os dados e as informações obtidas em

documentos divulgados pela CGSE, além de seminários nacionais e internacionais sobre o tema. A

partir de uma abordagem descritiva, embora não exaustiva, destaca-se aqui a importância de

examinar documentos e papers associados à experiência internacional. Além de informações

secundárias e acompanhamento contínuo dos principais jornais do País, como a Gazeta Mercantil,

Folha de São Paulo, O Valor Econômico e outros.

Diante do apresentado, nota-se claramente que a metodologia é de cunho qualitativo,

com um caráter altamente descritivo, uma vez que não utiliza instrumental matemático ou

estatístico na análise de dados. A pesquisa aqui proposta parte de questões ou focos de interesses

com tal grau de amplitude que se definem à medida que o estudo vai se desenvolvendo e se

apresentando sob a forma de palavras e não de números. A fonte direta de dados é o próprio

ambiente em que as mudanças estão acontecendo, a partir da compreensão dos fenômenos na

perspectiva do pesquisador (Cavalcante, 2002). A escolha por essa metodologia se fez a partir da

observação direta das mudanças no ambiente institucional e regulatório dos principais países que

inseriram a reforma na indústria de energia elétrica – principalmente o Brasil –, tendo em vista que

se trata aqui de analisar a complexidade do problema ora apresentado, a partir de sua perspectiva

histórica e das suas relações em um determinado ambiente, o que não seria possível em um estudo

quantitativo.

Nesse contexto, o referencial teórico adotado não consiste na busca de novos

conceitos, e sim na descrição destes conceitos apresentados pela teoria microeconômica e pela

organização industrial, os quais tratam da relação entre regulação, competição e poder de mercado.

Assim, a apresentação do referencial teórico não visa trazer questões novas para a teoria econômica,

8

mas sim fazer uma revisão do instrumental teórico que será aplicado para a indústria de energia

elétrica. Por fim, frise-se que a contribuição deste estudo é a análise e aplicação dos referenciais

teóricos como elementos que explicam os principais problemas e as prováveis soluções para a

indústria de energia elétrica, passando pelo MAE, tendo em vista a importância desta empresa para

o ambiente de mercado onde as transações são realizadas.

1.4. Ambiente de Realização do Trabalho e Variáveis Relevantes

É importante ressaltar que o trabalho foi desenvolvido no âmbito de um grupo de

pesquisa mais abrangente, aonde, paralelamente, vêm-se discutindo trabalhos sobre o mesmo tema,

porém com referências teóricas diferentes. Como exemplo, a Teoria de Mercados Contestáveis, o

modelo de Estrutura, Conduta e Desempenho, a Teoria dos Custos de Transação, a Teoria dos Jogos

e a Teoria Evolucionista da Firma.

Diante do problema de pesquisa anteriormente mencionado, foi feita uma avaliação

de uma série de variáveis-chave, pressupondo os três pilares do novo modelo da IEEB, a saber: a

competição, a regulamentação e a privatização, os quais se apresentam como variáveis dependentes

do processo. Enquanto isso, os instrumentos da reforma do setor, e principalmente o desenho

institucional e regulatório, passam a ser encarados como variáveis explicativas. Dessa forma, a

estrutura de governança, o número de agentes participantes, as estratégias dos agentes e as ações

possíveis por parte do órgão regulador se destacam como variáveis independentes, que terão mais

destaque para explicar a possibilidade de comportamento estratégico e uso de poder de mercado no

MAE.

A abordagem do problema por meio de uma perspectiva internacional apresenta-se

como aspecto de extrema relevância, dado o caráter incipiente do mercado atacadista brasileiro.

Assim, questões como as características tecnológicas do setor, as características entre oferta e

demanda, o mecanismo de formação de preços, desigualdades entre os agentes geradores, a

diversidade de plantas e o próprio modelo regulatório do setor não podem deixar de ser

consideradas.

Na maioria dos países que adotaram o modelo de competição no atacado, os agentes

geradores declaram preço – e isso pode ser feito de forma a gerar extração de renda por parte da

empresa geradora de energia, a qual provocaria um aumento artificial de preço. As experiências

mostram dois fatores que contribuiriam para o aumento artificial de preços: as restrições de

transmissão e a declaração de indisponibilidade para geração, as quais não estariam associadas aos

9

fundamentos de mercado, mas ao comportamento estratégico por parte dos agentes, principalmente

em se tratando de um gerador que detém um portfólio de usinas, que pode declarar

indisponibilidade e jogar, utilizando-se das tecnologias disponíveis.

No caso do Brasil, pelo menos no atual desenho do mercado, a maioria dos geradores

não declara preços, mas declara quantidades, do que se infere que algum jogo neste sentido possa

ocorrer, embora no atual estágio da matriz tecnológica não haja significativos portfólios de usinas7.

No que se refere às restrições de transmissão8, o sistema elétrico brasileiro apresenta muitas

limitações estruturais, dado o grande número de bacias e a distância entre unidades geradoras e

consumidores finais, além de apresentar restrições conjunturais que poderiam contribuir para

estratégias de gaming9.

Um número razoável de estudos tem sido feito relatando as experiências

internacionais de reforma do setor elétrico. A maioria analisa questões associadas ao poder de

mercado dos agentes. Trabalhos empíricos têm mostrado o comportamento estratégico dos agentes,

principalmente a partir do referencial teórico da Teoria dos Jogos. O trabalho aqui desenvolvido,

embora perfaça uma ampla análise do uso de poder de mercados nas experiências internacionais,

não pretende exaurir a literatura, dado o grande número de trabalhos na área. Entretanto, consolida-

se uma seleção dos principais trabalhos, para auxiliar a análise da IEEB, resguardando suas

peculiaridades.

Destaca-se ainda que, do ponto de vista da metodologia quantitativa, a formalização

de comportamento de gaming tem tomado grande espaço na literatura, conforme será apresentado

nos capítulos 4 e 5. Tais estudos contribuiram para as reformulações do setor em vários países,

inclusive no Brasil, especialmente no que se refere à revisão de regras do setor e da própria

estrutura de governança. Em um contexto de reformulação do modelo do setor elétrico, o trabalho

ora proposto pretende contribuir para a IEEB, por meio de uma análise qualitativa que procura

mostrar as possíveis falhas das regras de mercado e da estrutura de governança da indústria que

permitiria uso de poder de mercado por parte dos agentes.

7 No âmbito do Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico, um grupo de trabalho estuda a possibilidade de inserir no MAE a declaração de preços, ou seja, oferta de preços. Entretanto, este trabalho, se for efetivado, o será a partir de meados de 2003.8 Detalhes sobre isto podem ser encontrados em Joskow & Tirole (2000) e Borenstein et alii (1995,1997 e2000) 9 O Plano Decenal de Expansão apresentado para o período de 2003-2012 aponta para uma razoável expansão na rede elétrica do Sistema Interligado Nacional, entretanto, tais investimentos não são suficientes para eliminar os gargalos dosistema.

10

1.5. A Estrutura do Trabalho

A construção de um referencial analítico conveniente ao escopo do trabalho proposto

se desenvolve em três etapas básicas. A primeira trata da introdução e da apresentação do

referencial teórico-analítico. O capítulo 1, a introdução, discute os aspectos conjunturais do

processo de reestruturação do setor elétrico, e destaca questões importantes associadas ao trabalho.

O referencial teórico é apresentado nos capítulos 2 e 3, com a apresentação da Teoria da

Organização Industrial, em especial o modelo de Estrutura–Conduta e Desempenho, Teoria dos

Jogos, Poder de Mercado, Nova Economia Institucional, Teoria dos Custos de Transação, Estrutura

de Governança, acrescentando alguns aspectos da Regulação e da Defesa da Concorrência. A

segunda parte, Experiências Internacionais de Sistemas Elétricos Reestruturados, apresentada nos

capítulos 4 e 5, trata da experiência internacional dos países que reformaram a indústria de energia

elétrica, destacando os modelos adotados, ou seja, a estrutura; as principais estratégias dos agentes

de mercado (a conduta); e os principais resultados da reforma (desempenho), a fim de identificar

lições para auxiliar no diagnóstico do caso brasileiro. A terceira parte, nos capítulos 6 e 7, é

apresentada uma abordagem institucional do poder de mercado na IEEB, a partir da análise da

estrutura de governança e do modelo Institucional desta indústria. Em outras palavras, por meio da

análise do modelo institucional da IEEB passando pela estrutura do mercado atacadista investiga-se

o desenho proposto para esta indústria permite uso de poder de mercado e estratégias de jogo por

parte dos agentes, levando em consideração as mudanças do modelo de mercado e da estrutura de

governança.

Finalmente, nas considerações finais são apresentadas, no capítulo 8, as principais

conclusões sobre o modelo institucional e regulatório da IEEB, destacando a possibilidade de

exercício de poder de mercado no MAE e as principais recomendações para mitigar eventuais

problemas.

1.6. Relevância e Limitações do Trabalho

A escolha do objeto de estudo, a Indústria de Energia Elétrica Brasileira destacando

o MAE, como tema para um trabalho acadêmico na área de Engenharia de Produção não

necessitaria de maiores justificativas, principalmente quando se trata de um cenário de completa

revitalização do modelo da indústria de energia elétrica brasileira, com características peculiares e,

sobretudo, complexas. Há consenso, em âmbito internacional, a respeito de que o funcionamento

adequado do mercado spot seja primordial para os objetivos do atual modelo da indústria de energia

11

elétrica. Além disso, trata-se de contribuição bastante oportuna, haja vista a importância teórica e

prática da implementação do mercado de energia elétrica na maioria dos países que fizeram a

reforma.

As principais limitações deste trabalho estariam associadas ao fato de que a reforma

da indústria de energia elétrica no Brasil ainda está em curso, e que o funcionamento do mercado

atacadista é incipiente, o que faz com que a análise tenha um caráter qualitativo e descritivo, a partir

de acompanhamento atento de relatórios, jornais, revistas e outros documentos, que embora

ofereçam uma boa apresentação do que se pretende para a IEEB, não autorizam conclusões

definitivas.

Adicionalmente, existe a consciência de que alguns pontos, embora menos relevantes

para a conclusão final do trabalho, não serão ainda destacados. O estudo não faz um

aprofundamento nas restrições de transmissão, embora se reconheça que estas possuem impacto

muito grande na operação do mercado e na estratégia dos agentes, na medida que podem criar

mercados isentos de competição e rendas extraordinárias para os agentes, o que sugere matéria para

novo trabalho. Além disso, não se faz aqui um trabalho quantitativo, testando empiricamente o

poder de mercado na IEEB. Conforme já mencionado, grande parte da literatura se vale desse tipo

de metodologia, o que permite avaliar em grande grau o exercício de poder de mercado, além de

sugerir que os contratos funcionam como mecanismo redutor de gaming. Entretanto, destacar-se-á o

mercado atacadista (MAE), que responde atualmente pelos montantes de energia negociados na

IEEB, onde os mecanismos de formação de preços são (ou deveriam ser) importantes indicadores

para os preços formalizados nos contratos e para os investimentos.

Por outro lado, o principal referencial teórico adotado, a Nova Economia

Institucional, recebe fortes referências críticas. E um dos referenciais secundários, a Teoria dos

Jogos, recebe forte crítica com relação à sua análise estática e restritiva. Tal crítica ganha campo,

principalmente quando não se faz uma análise formal, com modelagem matemática. Esta limitação

explica porque não se pretende aqui utilizar a Teoria dos Jogos como único referencial para o

trabalho, embora se pretenda utilizar seus conceitos para discutir o uso de poder de mercado, por

parte dos agentes, dentro de uma estrutura de governança pré-definida. Além disso, dadas as

características da IEEB, o caráter incipiente do mercado atacadista e, também, a necessidade de

revitalização do modelo formulado para essa indústria, a presente análise procura contribuir de

forma real para o funcionamento efetivo da IEEB, com destaque para o MAE, sobretudo nas

questões institucionais, regulatórias e de eficiência econômica.

12

CAPÍTULO 2 - A TEORIA DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL E A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL

2.1. Considerações Iniciais

As mudanças estruturais e institucionais dos setores de infra-estrutura,

principalmente aqueles organizados sob a forma de rede, objetivam conferir a esses setores um grau

maior de competição, a fim de alcançar eficiência econômica. É nesse contexto que se insere a

reforma da indústria de energia elétrica que vem ocorrendo nas principais economias do mundo. Tal

reforma, além de gerar um novo aparato regulatório e institucional, vem acompanhada, a despeito

de raras exceções, de um processo intenso de privatização.

As reformas têm suscitado uma série de controvérsias a respeito dos modelos de

regulação e competição utilizados pelos países. Essas discussões ultrapassam o ambiente

acadêmico, tomando lugar na imprensa internacional, e constituindo-se em objeto de preocupação e

intervenção por parte dos governos. Cita-se o recente caso da crise do mercado de energia elétrica

da Califórnia (2000-2001), e da recente crise de oferta de energia no Brasil (2001-2001), além de

problemas isolados na Argentina (2000), Nova Zelândia (2001), Inglaterra (2000-2001) e outros.

O diagnóstico recorrente nos estudos realizados sobre a crise dos sistemas elétricos

em âmbito internacional é aquele que aponta: a) existência de atraso no processo de implementação

de alguns mercados, estando este incompleto; b) erro de implementação dos modelos propostos; ou,

ainda, c) desenhos inadequados dos modelos. Por essa razão, os investimentos tendem a não ocorrer

e os objetivos de competição não são alcançados, seja pela alta concentração da indústria, seja pelo

comportamento estratégico e exercício de poder de mercado por parte dos agentes, os quais não

possuem mecanismo de incentivo suficiente, dada a fragilidade do modelo regulatório, o que tende

a agravar a crise ou mesmo, como no caso da Califórnia, provocar a própria crise.

É neste ambiente que se incorpora a discussão ora proposta para a Indústria de

Energia Elétrica Brasileira e o seu modelo de mercado. A próxima seção apresenta a abordagem da

Nova Economia Institucional, com destaque para a estrutura de governança.

13

2.2. Os Principais Estudos da Organização Industrial

Desenvolvida a partir dos anos 30, a Economia Industrial ou Teoria da Organização

Industrial tem sua base teórica nos modelos da microeconomia tradicional, diferenciando-se desta a

partir de análises empíricas associadas às estruturas de mercados e das interações entre firmas.

Nesse sentido, uma abordagem mais aprofundada com relação ao comportamento das firmas e seu

desempenho no mercado vem sendo feita pela Organização Industrial em detrimento da análise

simplista da firma e do mercado. São pontos de agenda de estudo desta teoria o problema dos custos

e ajuste de preços, a informação imperfeita e ilimitada, o papel das barreiras à entrada/saída de

novas firmas no mercado, o papel do governo e da regulamentação dos mercados, a incerteza com

relação ao futuro, a relevância da concorrência potencial nos mercados ditos contestáveis, o limite

da racionalidade dos agentes em termos de colher e processar as informações disponíveis, e ainda o

comportamento oportunista desses agentes, o poder de mercado dos oligopólios e suas estratégias

competitivas num contexto de jogo, desenvolvido pela Teoria dos Jogos [Tirole, (1998); Scherer &

Ross (1990)].

Os modelos da microeconomia tradicional apresentam um grau de abstração e de

formalidade que não deixam espaço para a análise empírica do desempenho das firmas no mercado,

para o papel das políticas públicas e nem mesmo para as condições institucionais de cada firma

individualmente (Kon, 1994). Dessa forma, questões importantes como a assimetria de informações

e o poder de mercado, servem de ponto de partida para os estudos da Organização Industrial, que

evoluem basicamente a partir de duas vertentes fundamentais: a vertente da alocação de recursos,

ou vertente alocativa e a vertente de conflito de poder, ou conflitiva. Esta última abrange,

principalmente, os estudos do processo de acumulação capitalista, enfatizando de forma

radicalmente crítica a presença de monopólio, tendo como centro de análise o sentido marxista do

desenvolvimento do capitalismo (Berni, 1990).

A vertente da alocação dos recursos apresentada pela Organização Industrial se

ramifica em duas abordagens principais: o paradigma concorrência versus monopólio e o paradigma

Estrutura, Conduta e Desempenho. Ambas as abordagens têm como principal ponto de chegada a

eficiência econômica, ou a ausência desta (Scherer & Ross, 1990).

Na análise econômica, basicamente três conceitos de eficiência são utilizados:

produtiva, distributiva e alocativa; podendo um quarto ser acrescentado, a eficiência seletiva. O

primeiro consiste na utilização, com máximo rendimento e mínimo custo, da estrutura produtiva

instalada e sua respectiva tecnologia. O segundo refere-se à capacidade de eliminação, por meio da

14

concorrência ou outro dispositivo, de rendas monopólicas ou outros ganhos temporários por parte

de agentes individuais, de forma que os preços tendem a ser menor no mercado, tendo em vista a

competição entre os agentes. O terceiro tornou-se praticamente sinônimo de eficiência econômica,

tendo sua origem no Ótimo de Pareto, onde se considera que o máximo de transações é alcançado,

que maior renda é gerada e que os agentes estão em um grau ótimo de satisfação, pois não podem

melhorar sua situação sem prejudicar a de outro (Vinhaes, 1999). O último, a eficiência seletiva,

apresenta-se como um conceito alternativo à natureza estática do ótimo paretiano, e tem base na

interpretação neo-schumpeteriana que focaliza o mercado como ambiente seletivo, e em

conseqüência permite definir seu atributo de eficiência seletiva, isto é, sua capacidade enquanto

ambiente competitivo de induzir e de ‘selecionar’ inovações de produto e de processo que possam

levar à eventual redução futura de custos e preços e à melhoria de qualidade dos produtos” (Possas

et alii, 1997)10.

Quando se refere ao papel de uma agência reguladora, o que Possas sugere para o

órgão regulador, diante de uma análise “mais dinâmica”, é que este faça uma intervenção de forma

a considerar o trade-off entre concorrência e eficiência econômica (Vinhaes, 1999).

Como já ficou dito, a discussão de eficiência econômica encontra campo fértil na

Teoria da Organização Industrial na análise de concorrência versus monopólio. Nesta vertente, diz-

se que existe eficiência no sentido econômico quando esta se divide em alocativa, produtiva e

distributiva, as quais em geral resultam de mercados competitivos. Por outro lado, a existência de

monopólios e, portanto de ineficiência, ocorre quando os preços são superiores aos custos

marginais, e neste caso o grau de ineficiência pode ser medido pelo peso morto do monopólio,

situação em que consumidores e produtores não conseguem se apropriar do excedente.

Na análise do modelo de Estrutura, Conduta e Desempenho proposto por Mason em

1939, principal referência e marco do surgimento da OI como um ramo da economia separado da

microeconomia tradicional, os fundamentos desse paradigma estão em estudos de casos das

estratégias empresariais, o que demonstra um empirismo geralmente relegado pela teoria

microeconômica tradicional.

10 “Nas condições de um ambiente econômico inovativo, como já havia destacado J. Schumpeter, margens de lucratividade acima do nível competitivo podem ser não só toleráveis, mas até certo ponto mesmo desejáveis, de forma a viabilizar investimentos em P&D e em outros ativos de maior ou menor risco. O mínimo de que se necessita paraintroduzir tais elementos dinâmicos na análise e na política regulatória é levar em conta, no referencial analítico, umtrade off intertemporal entre rentabilidade (e portanto preços), vale dizer eficiência (alocativa) presente, e eficiência(seletiva) futura, expressa na expectativa de novos e melhores produtos e processos (Possas et alii,1997:1448)”.

15

A abordagem da concorrência versus monopólio, ou teoria dos preços, utiliza

modelos microeconômicos para explicar a conduta das firmas e a estrutura de mercado, partindo da

análise dos incentivos econômicos que levam indivíduos e firmas a enfrentarem o fenômeno dos

mercados. Nos últimos anos, três aplicações dessa teoria vêm ganhando substancial suporte: a

Economia dos Custos de Transação, a Teoria dos Jogos11 e a Teoria de Mercados Contestáveis

(Eaton & Eaton, 1999). Essas aplicações guardam certa interface com o modelo Estrutura, Conduta

e Desempenho, tendo em vista que, os principais problemas abordados pelas teorias mais recentes

de alguma forma, foram antecipados e fundamentados principalmente em Mason (1939), citado por

Bain (1956) e Scherer (1990) em contribuições substanciais na direção apontada por esse autor.

Mesmo as chamadas teorias alternativas do campo da microeconomia discutem com maior ênfase

alguns dos problemas já levantados por Mason no modelo ECD. A figura 1 a seguir mostra os

principais referenciais teóricos da Organização Industrial e a interrelação entre eles12.

11 Destaca-se que a Teoria dos Jogosdo ponto de vista matématico, não passa de vários problemas de otimizaçãosimultâneos que se inter-relacionam e portanto, vêm sendo um importante instrumento de análise para os estudos da OI, alguns estudos da Teoria do Incentivo, por exemplo, utilizam deste instrumento.12 Não se pretende aqui fazer uma análise exaustiva de todos os estudos da Organização Industrial, descrever-se-á apenas os referenciais mais importantes para a elaboração do trabalho, para maior detalhamento dos demais temas ver Tirole (1998), Viscusi & Vernon (1995), Mas-Collel et alii (1995), Scherer & Ross (1990), Eaton & Eaton (1999).

16

Organização Industrial

ParadigmaAlocativo

PPaarraaddiiggmmaaCCoonnfflliittiivvoo

E.C.DRegulaçãoDefesa da

Concorrência

Concorrência versus Monopólio(eficiência)

Natureza da Firma

Nova Economia Institucional

Teoria do Incentivo

Teoria da Agência

Direitos de Propriedade

Governança MMeeddiiççããoo

Falhas de Mercado

• Externalidades• Bens Públicos• Assimetria de Informação• Poder de Mercado

Teoria de Mercados

Contestáveis

Teoria dosJogos

• Análise Macroanalítica

• aspectos políticos,• legais e institucionais• (regras do jogo)• Análise Microanalítica

forma de contratação e organização da firma e do mercado.

RegulaçãoDefesa da

Concorrência

Teoria dos Custosde Transação

Fonte: Elaboração Própria

FIGURA 1 – OS PARADIGMAS DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL

17

Embora o principal referencial teórico deste trabalho esteja fundamentado na

vertente de concorrência versus monopólio, tendo em vista que será verificado o poder de mercado

com base em uma determinada estrutura de governança, uma definição mais detalhada da

abordagem E-C-D será feita a seguir, tendo em vista algumas relações feitas a essa teoria no

desenvolvimento do trabalho, principalmente no capítulo quatro, quando a apresentação da

experiência internacional de sistemas elétricos reestruturados segue a lógica do modelo ECD. As

próximas seções se encarregam de discutir os principais conceitos da abordagem concorrência

versus monopólio.

2.2.1. O Modelo Estrutura, Conduta e Desempenho

De acordo com o paradigma Estrutura, Conduta e Desempenho, a performance de

uma indústria, ou seja, o seu desempenho no mercado em produzir benefícios para os consumidores

está associada à sua estratégia ou conduta, as quais, por sua vez, dependem da estrutura de mercado

onde esteja inserida, estrutura que determina a própria competitividade do mercado13. A estrutura de

uma indústria depende de algumas condições básicas, como, por exemplo, as características da

demanda, o padrão tecnológico e as condições de entrada associadas basicamente a barreiras à

entrada e à saída. Tais condições vão determinar o número de atores participantes no mercado, no

que se refere ao número de vendedores e de compradores. Esse número, por sua vez, é que

determina o grau de competição e o poder de mercado das firmas. Se numa dada atividade

econômica o número de empresas atuantes é pequeno, diz-se que a estrutura de mercado é

concentrada, tendendo a um oligopólio ou, no limite, um monopólio, quando o número de firmas se

iguala a um [Scherer & Ross (1990); Eaton & Eaton, (1999)].

Se, por outro lado, o número de empresas atuantes é significativo, diz-se que não há

interdependência entre as decisões dessas firmas, sendo o poder de mercado também pequeno, caso

extremo da concorrência perfeita. Em essência, esse modelo consiste na concepção de que existe

uma cadeia de causalidade partindo da estrutura de mercado, por meio da conduta das empresas,

alcançando o desempenho ou performance, tanto do ponto de vista da empresa, quanto do mercado.

A Figura 2, a seguir, sintetiza o modelo Estrutura, Conduta e Desempenho e mostra suas principais

relações.

13 Mason destaca, em seu trabalho, as firmas oligopolistas, o que lhe permite considerações com a interdependência das decisões e ações destas firmas, abrindo espaço para a discussão da Teoria dos Jogos.

18

Condições BásicasDemandaElasticidades da Demanda, Sazonalidade,Bens substitutos, Taxa de Crescimento do mercadoLocalização, Volume de encomendas e outros.ProduçãoTecnologia, Matérias primas,Sindicalização, Localização,Durabilidade dos Produtos,Economias de Escala, Economias de Escopo e outros.

Estrutura

Número de compradores e vendedoresBarreiras à entrada de novas firmasDiferenciação do ProdutoIntegração VerticalDiversificação

Políticas do Governo

RegulaçãoLeis AntitrusteBarreiras Legais à entradaTarifas e SubsídiosIncentivos a investimentosIncentivos a empregoPolíticas Macroeconômicas

DesempenhoPreçosEficiência ProdutivaEficiência AlocativaEquidadeQualidade do ProdutoProgresso Técnico Lucros

CondutaEscolha de ProdutosPesquisa e DesenvolvimentoFormação de PreçosInvestimento ProdutivoTáticas LegaisEscolha do ProdutoColusãoCooperação e Contratos

Fonte: Perloff; Veld (1994)

FIGURA 2 – SÍNTESE DO MODELO ESTRUTURA, CONDUTA E DESEMPENHO

As relações apresentadas na figura 2 envolvem uma interdependência complexa, o

desempenho econômico, neste modelo, é visto como uma variável dependente das intervenções

sobre a estrutura de mercado e a conduta das firmas, o que caracteriza a importante contribuição da

19

OI, enquanto sinalizador para as políticas públicas. Se, por exemplo, políticas regulatórias forem

adotadas, seja no âmbito da regulação, seja nas políticas antitruste, estas podem afetar o número de

produtores em uma indústria, seu tamanho e nível das barreiras à entrada; por outro lado, empresas

de uma indústria podem influenciar as políticas visando obter maiores lucros.

Entretanto, embora as empresas tenham autonomia para traçar sua conduta a partir de

um “leque” de estratégias, estas não são determinadas pela estrutura de mercado na qual a empresa

está inserida. Em certos momentos a própria conduta pode ser um fator determinante, pois pode

ocorrer que lucros monopolistas e barreiras à entrada induzam ao aparecimento de novos produtos

substitutos e/ou novas indústrias, afetando a demanda inicial do monopolista. Tal conclusão mostra

um importante ponto de crítica desse modelo, o caráter unidirecional da causalidade assumida da

estrutura para a conduta, o que traduz em uma abordagem estruturalista, desconsiderando as

influências exercidas no sentido inverso, ou seja, da conduta para a estrutura, conforme sugerido

pelas setas em sentido contrário.

No que se refere à lei antitruste, a análise do modelo ECD se pauta, geralmente, pela

idéia de que a estrutura determina a conduta e esta o desempenho, levando à suposição, bastante

salutar para as análises de Regulação e Defesa da Concorrência, de que uma maior concentração na

oferta, ou seja, estrutura, implica maior probabilidade de colusão (resultado de conduta ou

estratégia), e, portanto preços e lucros mais elevados. O trabalho de Bain (1956) faz grande

contribuição no que se refere às barreiras à entrada, mostrando que elas, quando elevadas, deixam

espaço para o exercício do poder de monopólio. E se, ao contrário, as barreiras são baixas, as firmas

têm pouco espaço para exercer seu poder e aumentar os preços acima dos custos marginais.

Uma vez que permite identificar quais elementos das estruturas de mercado ou

prática das empresas são danosas à concorrência, o paradigma de ECD torna-se fundamental para as

políticas públicas, possibilitando que façam uso da lei antitruste, por intermédio de políticas de

defesa da concorrência, a fim de atenuar as “ineficiências” causadas pelo poder de mercado.

Embora tenha sido o principal instrumento de intervenção sobre os mercados na área antitruste até o

final dos anos 1970, essa teoria tem sido colocada em xeque, dado o uso crescente da análise

estratégica de Teoria dos Jogos; e das leis antitruste pela escola de Chicago. Essas correntes

apontam três pontos críticos na teoria:

1) a consideração da estrutura de mercado como uma variável exógena, pois esta

passa por revolução tecnológica intensa; 2) o seu caráter estático; e 3) ausência de uma teoria

consolidada.

20

2.2.2. A Abordagem Concorrência versus Monopólio

Com o objetivo de examinar o grau de eficiência econômica das estruturas de

mercado, os primeiros estudos baseados na análise de concorrência versus monopólio apresentavam

três linhas principais: o modelo de concorrência aceitável, a análise econômica do second-best e a

eficiência não alocativa (eficiência X). Apresentada por Clark (1940), citado por Oliveria (1998), a

abordagem teórica da concorrência aceitável tem seu fundamento na presença de elementos de

competição dentro de uma estrutura de mercado aparentemente monopolizada ou oligopolizada14. O

principal pressuposto do modelo é que, embora a firma possa ter um potencial poder de mercado,

esta não o utiliza em sua totalidade, abstendo-se de causar desempenho ruim no mercado. A análise

de second-best contrasta com a análise de first-best, reconhecida esta como o Ótimo de Pareto. No

sistema de second-best, pelo menos uma das premissas do ótimo pareteano é violada. Entretanto, tal

teoria vem servindo de pano de fundo para a intervenção governamental em algumas indústrias

específicas. O problema da não eficiência alocativa foi abordado por Leibenstein (1966), baseando-

se na relação entre os insumos e a produção de uma determinada firma. A ausência da eficiência se

mostraria principalmente nos contratos de trabalho incompletos, na falta de conhecimento dos

fatores de produção e da sua ausência em determinados mercados, e a incerteza que leva as firmas a

cooperar com outras nas técnicas de produção.

Em um estágio mais desenvolvido de análise, a preocupação com a eficiência no

âmbito da abordagem concorrência versus monopólio aponta para o estudo da natureza econômica

da firma e das falhas de mercado. Na análise da natureza da firma, a firma ou instituição se mostra

como uma alternativa superior de organização, capaz de oferecer solução eficiente para a alocação

de recursos, ou, no limite, serve para explicar a causa do não funcionamento das instituições

formadas nos mercados. Essa análise marca o desenvolvimento da Nova Economia Institucional,

que tem sua base no estudo da Teoria dos Custos de Transação e na Teoria do Incentivo,

referenciais amplamente difundidos pela Organização Industrial, principalmente nos últimos dez

anos. As falhas de mercado, por sua vez, identificadas como as principais causas dos desvios de

eficiência nos mercados, foram apresentadas como uma alternativa metodológica para o estudo da

regulação dos mercados e, portanto, para as políticas remediadoras das imperfeições do mercado. O

estudo das falhas de mercado resultantes, sobretudo da existência de externalidades, informação

assimétrica, bem público e poder de mercado, deram importante suporte para o desenvolvimento da

14 Não se observa no estudo de Clark a análise da estrutura de mercado e tão pouco a conduta da firma, e sim o seudesempenho em termos de preços fixados, lucros obtidos ou progresso tecnológico.

21

Teoria dos Jogos e a Teoria de Mercados Contestáveis. Estas teorias trazem importantes

contribuições para a regulação dos mercados e defesa da concorrência. A próxima seção apresenta

as principais discussões a respeito das falhas de mercado e dos desvios de eficiência.

2.2.3. Falhas de Mercado e Desvio de Eficiência

A Organização Industrial tem uma forte abordagem institucional, na medida em que

trata do problema da regulamentação governamental do sistema econômico, apresentando

preocupações com as atividades produtivas e a demanda da sociedade. O objetivo desse ramo da

economia é mostrar como as questões de oferta e demanda seriam satisfeitas por meio do mercado,

e como as variações e as imperfeições nesse mecanismo afetariam o bem-estar econômico e social

(Eaton & Eaton, 1999).

Os pressupostos básicos da teoria consideram a competição como um forte

instrumento capaz de solucionar o problema econômico, além de identificar o monopólio como o

causador das imperfeições diante da busca do bem-estar social. Os mercados competitivos têm-se

mostrado desejáveis porque se apresentam economicamente eficientes na ausência de

externalidades15 ou de qualquer outro fenômeno que impeça o funcionamento do mercado (Baumol

& Sidak, 1995).

Os economistas estão em consenso quanto ao fato de que a competição é a forma

mais adequada para estabelecer o bem-estar social. No entanto, como em muitos setores da

economia a competição não está presente, o bem-estar social fica comprometido. Os economistas da

teoria ortodoxa (em busca da eficiência econômica) aceitam a competição como um modelo ideal

para a regulação. Tal aceitação provém de vigorosos argumentos, concluindo que na ausência da

interferência do governo e de externalidades o mercado competitivo sempre resulta em conduta de

firmas e de indivíduos compatíveis com as exigências de eficiência econômica. Portanto, pressupõe-

se como inequívoco o seguinte raciocínio: um mercado perfeitamente competitivo permanecerá

sempre baseado em firmas que podem produzir com baixos custos e estes custos serão sempre bem

alocados entre elas, levando à eficiência econômica e produtiva. Neste contexto, as quantidades

produzidas alcançariam a eficiência alocativa, o Ótimo de Pareto (Baumol & Sidak, 1994).

15 Entende-se por externalidades o fenômeno no qual a produção ou consumo de bens ou serviços por um determinadoagente afeta um outro agente. Tal fato advém de conflitos referentes aos direitos de propriedade (Coase, 1961 apudStigler, 1975).

22

Um mercado competitivo e não regulamentado é dito eficiente na medida que

maximiza o excedente do consumidor e o excedente do produtor. Entretanto, de acordo com

Pyndick & Rubinfield (1994), este conceito de eficiência é muito restritivo. Dessa forma, dois

aspectos básicos devem ser considerados. Em primeiro lugar, assumir que os mercados

competitivos funcionam e asseguram que os requisitos de competição estejam vigorando, de modo

que os recursos estejam sendo alocados eficientemente; em segundo, atribuir importância à

afirmação de que os requisitos da competição provavelmente não conseguirão vigorar, sendo

necessário se concentrar nos elementos causadores dos desvios da eficiência do mercado, que

ocorrem em virtude de quatro razões básicas: poder de mercado, informação incompleta,

externalidades e bens públicos. O caminho apontado pela Teoria da Organização Industrial na

abordagem concorrência versus monopólio é o segundo aqui apresentado, uma vez que aceitar a

eficiência dos mercados competitivos fica restrito à análise da Microeconomia Tradicional.

A existência de poder de mercado num determinado setor ou segmento resulta em

perda bruta (deadwight welfare loss), seja da parte dos compradores, seja dos vendedores. A

informação incompleta ocorre quando os consumidores não possuem informações exatas16 a

respeito dos preços de mercado ou da qualidade do produto, de tal forma que o sistema não opera

eficientemente. Esta falta de informação poderá estimular os produtores a ofertarem quantidades

excessivas de determinados bens e quantidades insuficientes de outros. Em outros casos, alguns

consumidores poderão não estar adquirindo um produto em especial mesmo que pudessem ser

beneficiados por sua compra, enquanto outros consumidores poderiam estar adquirindo produtos

que lhes causam prejuízos. A informação imperfeita refere-se a dois modelos básicos: a seleção

adversa e ao risco moral (moral hazard). No primeiro caso, há informação imperfeita a respeito de

algum produto que está sendo comprado ou vendido, o evento ocorre ex-ante; no segundo, a

informação imperfeita refere-se ao que está ocorrendo de fato (ex-post). Numa análise dinâmica, a

parte informada pode aprender sobre as características individuais da outra parte da transação ou

preparar-se para as contingências com base nas observações realizadas em datas anteriores (Stiglitz,

1984). Essa análise tem uma interface muito interessante com a Teoria dos Jogos, na medida que os

jogos repetidos possuem como pressuposto o fato de os agentes se encontrarem mais de uma vez

num mesmo ambiente de mercado e poderem formular estratégias a respeito de comportamentos

com base no passado.

16 O mercado com informação assimétrica, explica a razão de muitos arranjos institucionais que ocorrem na sociedade.No caso em que o vendedor de um determinado produto tem mais informações sobre este do que o comprador, isto podelevar a desvio de eficiência de mercado.

23

As externalidades ocorrem quando os preços de mercado não refletem as atividades

de produtores ou de consumidores e quando alguma atividade de produção ou de consumo possui

um efeito indireto sobre outras atividades de consumo ou de produção que não sejam diretamente

refletidas nos preços de mercado. Quando uma externalidade está presente, o preço de uma

mercadoria não reflete necessariamente o seu valor social. Conseqüentemente, as empresas poderão

vir a produzir quantidades excessivas ou insuficientes, de maneira que o resultado pode acarretar

ineficiência no mercado. Existem externalidades negativas quando a ação de uma das partes impõe

custos sobre a outra, e externalidades positivas quando a ação de uma das partes beneficia a outra

(Varian, 1994).

Um bem público é uma mercadoria que pode estar disponível a baixo custo para

muitos consumidores, contudo, logo após ter sido ofertado a alguns consumidores, torna-se muito

difícil evitar que outros consumam. Ou seja, são bens que se propõem beneficiar a todos os

consumidores, mas cuja oferta no mercado é ou insuficiente ou inexistente17. As externalidades e os

bens públicos constituem importantes causas de desvios de eficiência e, portanto, dão origem a

sérias questões de políticas públicas. Dessa forma, é importante regular a atividade interferidora, de

tal maneira que a externalidade possa ser corrigida e haja bem-estar para a sociedade, principal

objetivo da economia. As externalidades mais conhecidas referem-se às conseqüências do uso da

propriedade. Os problemas práticos com as externalidades geralmente surgem devido aos direitos

de propriedade mal definidos e o conseqüente conflito de interesses (Varian, 1994).

Se o custo de uma decisão econômica não for significativo para o agente, este a

levará adiante mesmo que o custo social seja alto. Da mesma maneira, se a decisão econômica não

for vantajosa para o agente, mesmo que seu efeito seja benéfico para a sociedade, este poderá evitar

essa atividade, visando diminuir seus custos18. Assim, torna-se necessário haver um

redirecionamento das atividades dos agentes econômicos, de tal maneira que seus resultados sejam

os melhores possíveis para a sociedade como um todo.

17Os bens públicos possuem duas características: a não-rivalidade e a não-exclusividade. Uma mercadoria é denominada não-rival quando, para qualquer nível específico de produção, o custo marginal da sua produção é zero para um consumidor adicional. No caso da maioria das empresas privadas, o custo marginal da produção de mais umamercadoria é positivo. Porém, no caso de algumas mercadorias, os consumidores adicionais não ocasionam custos,como é o caso da auto-estrada (Pyndick & Rubinfild, 1994). 18 De acordo com a Teoria dos Jogos, os conflitos de interesse existem porque a regra geral é sempre maximizar o ganho individual. Na vida real, o comportamento egoísta prevalece em detrimento do comportamento social.

24

2.2.4. Desvios de Eficiência e Regulamentação de Mercados

A regulamentação é o conjunto de regras ou de ações específicas implementadas por

agências administrativas para interferir diretamente no mecanismo de alocação de mercado, ou

indiretamente, alterando as decisões de oferta e procura de consumidores e produtores. É um

instrumento que tem por finalidade evitar que determinadas empresas acumulem excessiva

quantidade de poder de monopólio.

Essa regulamentação, em geral, ocorre por meio de leis antitruste ou de outras

normas, como é o caso da regulamentação de preços. Nos setores da economia onde predomina o

monopólio natural, como empresas de infra-estrutura (empresas distribuidoras e transmissoras de

energia elétrica, por exemplo), a regulamentação de preços é mais freqüente. O objetivo da lei

antitruste é limitar o uso do poder de mercado, dos vendedores ou dos compradores, do contrário

suas ações, como fusões e aquisições, ou mesmo conluios, resultariam em perda bruta de bem-estar.

O excessivo poder de mercado ocasiona também problemas de falta de eqüidade e imparcialidade,

pois uma empresa com um significativo poder de monopólio estará lucrando às custas dos

consumidores.

A lei antitruste busca promover uma economia competitiva, ou pelo menos uma

aproximação desse ideal, por meio da proibição de ações que sejam capazes de limitar o poder de

mercado. Os acordos explícitos e implícitos entre um pequeno número de vendedores (conluio),

execução de preços predatórios e práticas de discriminação de preços (sem limites) eliminam a

concorrência e desestimulam a entrada de novos concorrentes no mercado. Fusões e aquisições de

empresas, por sua vez, resultam numa companhia maior e mais dominante.

Por causa disso, existem leis que proíbem fusões e aquisições quando estas reduzem

substancialmente a competição ou quando tendem a criar um monopólio. Tal conduta por parte

daregulamentação (que geralmente está associada ao papel do Estado) foi classificada por Possas et

alii (1997) como regulação reativa. E no caso da regulação nos serviços públicos de infra-estrutura

(utilities), o caráter interventivo é denominado regulação ativa, a qual não objetiva a competição

como um fim em si mesmo, mas utilizar a concorrência para alcançar a eficiência econômica nos

mercados.

Os desvios de eficiência do mercado (alocativa), provocados por qualquer uma (ou

mais) das razões aqui mencionadas, quase sempre podem ser corrigidos por meio de ações

regulatórias. A regulamentação pode ser definida, então, “como o conjunto de leis e controles

25

administrativos que se originam do governo e afetam o funcionamento dos mercados, interferindo,

deste modo, na eficiência interna e alocativa de empresas e de indústrias” (Santana, 1995a:10).

Devido a objetivos divergentes e assimetria de informações, cada relação entre os

diversos agentes da indústria torna-se fonte potencial de ineficiência e, por isso, afetam a

formulação e implementação de regulamentações. Um caso clássico decorre da captura do

regulador, a qual ocorre quando o órgão regulador passa a confundir o bem comum com os

interesses da indústria que deveria ser por ele regulamentada. Nesse caso, rompem-se os papéis na

relação entre o principal (regulador) e o agente (firma), passando o primeiro a agente ou aliado das

firmas da indústria. Nessa relação, o principal (regulador) – ou grupos de principais – procura

estabelecer incentivos para um agente (empresa) – ou grupos de agentes –, o qual toma decisões que

afetam o principal. Incentivos são formulados para que as ações do agente contribuam ao máximo

para satisfazer os objetivos do principal. Entretanto, a solução desse problema encontra

dificuldades, pois os objetivos de agentes e principais são normalmente divergentes e as

informações disponíveis para ambos são diferentes; a firma é mais bem informada do que o

regulador sobre as condições de custo, por exemplo. O regulador, por sua vez, quer induzir a firma

a tomar decisões de preços, produção e investimentos que respondam aos interesses da sociedade

nas condições dadas de custos (Santana & Oliveira, 1998).

A base para o surgimento da relação da agência se faz sempre que um indivíduo

dependa da ação de outro. E no caso, devido a assimetrias de informação, os agentes sabem mais

sobre sua atividade do que o principal, o que pode ocasionar, com freqüência, a captura, ou, senão

esta, altos custos de distribuição. Dificilmente uma instituição pode funcionar eficientemente se os

custos de distribuição de incentivos entre agentes e principal, ou de monitoramento pelo principal,

forem elevados. Essa deficiência é comumente denominada de perda da agência. A presença de

custos de agência determina que os resultados econômicos sejam sempre do tipo second-best, longe

da perfeição dos mundos da informação sem custo (Pratt & Zeckhauser, 1995).

Em situações de monitoramento, para que a regulação tenha o efeito desejado, é

fundamental que o agente regulador não seja, nem uma parte diretamente envolvida, nem esteja

estabelecido na atividade do regulado. Caso contrário, as ações do agente regulador teriam como

objetivo proteger o agente a ser regulado, ou procurariam prejudicá-lo para eliminar um

concorrente. Desta forma, normalmente, o papel de regulador deve partir de instituições

governamentais, que, se supõe são isentas de outro interesse que não o bem-estar social geral.

Manifesta-se, portanto, a necessidade de o órgão regulador não fazer parte e nem estar estabelecido

26

na atividade a ser regulada, podendo o agente a ser regulado fazer parte tanto da esfera estatal como

da privada (Stigler, 1975).

Diante das ineficiências inerentes à regulamentação, Vickers &Yarrow (1991) e Kay

& Vickers (1988) sugeriram que poderia ser vantajoso incentivar o surgimento de estruturas de

mercado que minimizem a necessidade da atividade regulatória, bem como os impactos das

ineficiências a ela associadas, isto é, a promoção de competição efetiva em situações nas quais os

mercados têm boas chances de funcionar adequadamente sem a interferência do poder público.

Baumol & Sidak (1995) fazem semelhante proposição, sugerindo que o órgão regulador deva

estimular a competição naqueles setores da indústria potencialmente competitivos, enquanto nos

demais setores, onde a competição não é possível, e muito menos desejável, o órgão regulador deve

interferir, como é o caso da regulação em monopólios naturais (utilities):

“Isto mostra que a regulamentação tornar-se-ia mais necessária quanto maisrelevante o grau de imperfeição dos mercados. Todavia, mesmo em situações próximas ao monopólio, os incentivos competitivos podem ser repensados de modo a reduzir anecessidade ou os impactos negativos da regulamentação. Talvez por causa disso, as regulamentações inovadoras e as reformas institucionais que vêm sendo objeto de interesse em diversos países tenham como uma das preocupações principais o aumento do nível de competição efetiva, ou, pelo menos, simulação da existência de mercados competitivos (Baumol & Sidak,1995:36)”.

No contexto de falhas de mercado e das ineficiências da política regulatória, uma

importante teoria vem sendo estudada nos últimos anos, e tudo leva a crer que exista grande espaço

para sua aplicação. Na abordagem da natureza da firma, na Nova Economia Institucional, a teoria

do incentivo utiliza os conceitos da teoria da agência e dos conflitos associados aos direitos de

propriedade para sugerir algum tipo de interferência do órgão regulador em determinados setores da

economia para que algum tipo de eficiência seja alcançado. Nesse contexto, a teoria da agência tem

sido a base conceitual para estudos empíricos que na maioria das vezes apontam para as falhas de

regulação e indicam o mercado como a forma mais consistente de buscar a eficiência. A relação

entre principal e agente, ou seja, regulador e regulado, necessita neste caso de atuar de forma a

alcançar eficiência, entretanto, quando o ambiente de contratos entre esses segmentos tem um

grande grau de incerteza, caso em que os contratos são incompletos, o problema se torna muito mais

complexo (Santana, 2001).

A base da teoria do incentivo está associada à forma em que o principal define um

esquema de incentivos contratuais para induzir os agentes na direção de seu interesse. Os contratos

com características de assimetria de informações podem apresentar três situações distintas:“1) o

27

regulador não tem as melhores condições para medir as ações dos agentes ou seu potencial de

moral hazard; 2) em determinadas situações, em fase de pré-contrato, por exemplo, o regulador

pode não ter acesso a todas as informações a respeito do agente (seleção adversa); e 3) há casos

em que o regulado pode reclamar um resultado melhor do que o especificado pelo regulador e

provocar o chamado custo da verificação (Santana, 2001:09)”.

Uma questão que merece destaque é o fato de que as relações inseridas em um

processo regulatórioregulatório envolvem a participação de grupos de interesses difusos ou

explícitos, do próprio governo, do órgão regulador e das firmas reguladas. Isso quer dizer que é

custoso para o governo monitorar o comportamento de uma agência, ou desfazer um ato regulatório

inadequado. O que pode acontecer é que os funcionários envolvidos no exercício da função de

regulação podem ter sua agenda de interesses próprios, os quais estão em oposição aos interesses

expressos nos compromissos abordados por uma ampla coalisão dentro de um partido ou

legislatura. “O resultado pode ser a captura das decisões da agência por grupos de interesses

envolvidos no processo, que não seja exatamente do interesse da sociedade (Noll, 1989)”.

As principais dificuldades apresentadas no campo da teoria da regulação, nas várias

abordagens propostas pela teoria da organização industrial, não apontam para uma solução eficaz;

entretanto, os links entre os diversos estudos da Nova Economia Institucional, na abordagem da

Teoria do Incentivo e Teoria dos Custos de Transação e ainda do ponto de vista da Teoria dos Jogos

e da Teoria de Mercados Contestáveis apontam para soluções importantes, embora não definitivas.

É nesse contexto que Baumol & Sidak (1995) fazem um estudo da indústria de energia elétrica

americana propondo caminhos para o órgão regulador, destacando que as mudanças tecnológicas e

da estrutura de mercado têm ofuscado os custos e benefícios de uma extensiva regulação, e que tem

crescido o reconhecimento do peso e do custo da intromissão do órgão regulador em decisões de

preços e investimentos:

“(...) o resultado tem sido um relaxamento do controle nas operações daindústria, um reconhecimento dos custos da regulação e uma investigação para o arranjo de competição, desregulamentação parcial e continuação de completa regulação naquelessetores onde a competição não se mostra pertinente (Baumol & Sidak, 1995:12)”.

Baumol & Sidak (1995) propõem um modelo regulatório com base em critérios mais

flexíveis que o da concorrência perfeita, já que em tal modelo a preocupação com o Ótimo de

Pareto em setores tradicionalmente considerados como monopólio natural sugere um second-best.

28

“O Competitive Market Standard é um modelo no qual a norma do mercado competitivo serve como um proxy à competição. (...) uma vez que a estrutura de mercado se apresenta concentrada, o Welfare State estaria comprometido, e o Competitive Market Standard o faria para aqueles mercados onde a competição não é possível e nem desejável(Baumol & Sidak, 1995:30)”.

As metas de second best têm seguido basicamente dois rumos: o modelo de

Ramsey19 e o modelo de Contestable Markets. O primeiro tem mostrado limitações práticas e o

segundo serviu de referencial básico para a reforma da indústria de telecomunicações americana, e

vem sendo utilizado pelas economias que estão introduzindo reforma nos setores de infra-estrutura.

Para uma abordagem mais detalhada, ver Baumol, Panzar & Willing (1982); Fontenele (1996) e

Vinhaes (1999).

Além da Teoria de Mercados Contestáveis, outra abordagem no âmbito da

concorrência versus monopólio tem contribuído para o estudo da reforma do setor elétrico e de

telecomunicações, tendo em vista o limitado desempenho apresentado por essas indústrias no

período pós-reforma, devido principalmente a comportamento estratégico e exercício de poder de

mercado por parte dos agentes: trata-se da Teoria dos Jogos, que vem sendo utilizada em diversos

estudos para o setor elétrico, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra. A próxima seção

tem por objetivo apresentar um breve relato da Teoria dos Jogos, sem, entretanto fazer uma análise

exaustiva, uma vez que este tema vem sendo abordado de forma suficientemente rica em livros de

Microeconomia. Para uma análise mais detalhada, cita-se Gibbons (1982), Kreps (1990), Tirole

(1988), Axelrod (1984), Stigler (1968), Mas-colell (1995).

2.3. Teoria dos Jogos

2.3.1. Conceitos Básicos

Na microeconomia tradicional o agente econômico decide a partir de um conjunto de

informações, em um ambiente em que o resultado depende apenas da sua decisão, não importando

as ações dos demais agentes. No caso extremo do monopólio, o monopolista não possui rivais e,

portanto, suas decisões são independentes; no outro extremo, na concorrência perfeita, por existir

um número muito grande de firmas, as ações individuais não afetam os resultados do modelo, e as

19 Para maiores detalhes ver Baumol & Sidak (1995).

29

decisões acabam sendo também independentes. Diferentemente dos casos extremos da concorrência

perfeita e do monopólio, existem muitos modelos de oligopólios, desde os modelos cooperativos

(com conluio) até modelos não cooperativos. A manobra estratégica (os jogos) num mercado é

criada pelos oligopólios, e consiste em práticas utilizadas para assegurar o poder de mercado. O

oligopolista não toma o preço como dado e nem define independentemente o preço e a quantidade

do setor, suas decisões são tomadas com o objetivo de antecipar as ações ou de reagir a seus

concorrentes e/ou rivais (Gibbons, 1982).

Num ambiente econômico onde predominam estruturas de mercado do tipo

oligopolista, as empresas devem considerar as prováveis reações dos concorrentes quando tomam

decisões estratégicas relativas a preço, dispêndio com propaganda, novos investimentos de capital e

outras variáveis. Os modos que as empresas utilizam para tomar essas decisões podem ser descritos

por meio da Teoria dos Jogos, que consegue explicitar com grande alcance, o real comportamento

das empresas num ambiente oligopolista (Pyndick & Rubinfild, 1994).

A teoria dos jogos tem por objetivo a análise de problemas em que existe uma

interação entre os agentes, onde a decisão de um indivíduo firma ou governo afeta e é afetada pelas

decisões dos demais agentes. Nesse modelo20, trabalha-se com o chamado ambiente estratégico, no

qual o resultado de uma determinada ação depende não apenas dela, mas também das ações dos

outros tomadores de decisão. O que diferencia, portanto, a Teoria dos Jogos é o ambiente em que as

decisões são tomadas (intencionais, racionais, maximizadoras). Pressupõe-se aqui um

comportamento maximizador – o agente toma decisões procurando maximizar os seus objetivos –,

máximo lucro no caso das empresas, máxima satisfação no caso dos consumidores (Varian, 1994).

O problema central no jogo consiste em prever a combinação de estratégias que será

escolhida, a qual é feita com base no provável resultado do jogo (payoff ). O resultado de um

jogador depende não só de sua estratégia, mas também da estratégia dos outros jogadores,

dependendo, portanto, de toda a combinação de estratégias. Nesse sentido, cada jogador precisa

preocupar-se com as escolhas dos outros jogadores, sendo que cada um escolhe a sua própria

estratégia de forma a maximizar seu próprio resultado, dadas as possíveis estratégias escolhidas

pelos demais (Kreps, 1990)21.

20 É importante ressaltar que a Teoria dos Jogos, assim como o restante da teoria econômica, trabalha com modelos,abstrações teóricas simplificadas da realidade. Um jogo também é um modelo, é uma abstração teórica da realidade. 21 Em relação aos jogos, uma importante questão está associada ao número de jogadores, os quais variam de um até umnúmero infinito (n jogadores). Os mais estudados são os jogos com dois jogadores, os jogos com um único jogador são

30

As ações e estratégias devem ser definidas por parte dos agentes, considerando a

possibilidade ou não de cooperação, acordos ou conluios entre os jogadores. As informações

disponíveis vão determinar a própria escolha ou estratégia, e estas informações podem ser

completas, de conhecimento de ambas partes do jogo ou incompletas, quando parte das informações

não estão disponíveis para todos os jogadores. Os jogos ditos sequënciais dão informação perfeita

para todos os participantes, dado que o jogo é feito quando os jogadores decidem um após o outro já

ter tomado sua decisão (o jogo de xadrez, por exemplo). Nos jogos simultâneos, os jogadores

decidem ao mesmo tempo, como no caso do dilema dos prisioneiros, e neste caso a informação é

imperfeita (Gibbons, 1982).

O principal referencial teórico da teoria dos jogos tem seu marco fundamental na

publicação, em 1944, de The Theory of Games and Economics Behavior, por Von Neumann e

Oskar Morgenstern, que introduziram conceitos relevantes sobre jogos cooperativos e não-

cooperativos, e iniciaram a história da teoria dos jogos em ligação com a economia. Embora tenha

havido, antes deles, muitos avanços feitos especialmente no campo da matemática.

Pelo lado da economia, Augustin Cournot, na primeira metade do século XIX,

levanta o problema da interdependência de ações em situações de duopólios. Devem ainda ser

ressaltadas algumas contribuições feitas por Edgeworth, ainda no século XIX, mas que não

chegaram a contemplar devidamente o termo jogo/estratégia de oligopólios. Ao analisar estruturas

de mercado não concorrenciais, Bertrand constrói modelos que induzem à idéia de interdependência

de ações: o mesmo foi feito por Stackelberg, no início do século XX.

Depois do trabalho de Von Neumann e Morgenstern, ampliam-se os trabalhos,

principalmente nos jogos chamados estritamente competitivos (jogos com dois jogadores e de soma

zero). Nos anos 50 John Nash introduziu o que desde então é a mais importante contribuição ao

desenvolvimento da teoria dos jogos, dentro dos jogos chamados cooperativos, e ainda no campo

dos jogos não cooperativos com mais de duas pessoas e de soma variável. O conjunto de axiomas e

teoremas por ele desenvolvido não só permitiu a superação de uma série de limitações originadas do

trabalho de Von Neumann e Morgenstern, como também desenvolveu os conceitos de solução

associados ao equilíbrio de Nash, o qual se aproxima das soluções encontradas um século antes por

Counort. Com o trabalho de Nash, a parte básica da Teoria dos Jogos já estava montada. A partir de

jogos contra a natureza, e o acaso é um importante elemento para o payoff, que pode ocorrer com alguma probabilidade ou certeza, ou com nenhuma probabilidade ou certeza, quando não se pode inferir nenhum cálculo probabilístico sobre o evento.

31

então desenvolveram-se importantes sofisticações e refinamentos principalmente no que se refere às

discussões a cerca do equilíbrio de Nash-Cournot e o equilíbrio do tipo Harsanyi-Bayesian-Nash;

generalizações de jogos com informações diferenciadas; caracterização dos conceitos de equilíbrio

geral a partir da teoria dos jogos; extensão do uso da teoria dos jogos em outras ciências como:

sociais, políticas e biológicas e interpretações do limite da racionalidade em problemas que se

configurem como o dilema dos prisioneiros (Santana, 1995b).

Uma contribuição importante é o estudo de Holland (1992) que nos moldes do estudo

de Axelrod (1984), utilizou o dilema dos prisioneiros como ilustração para o uso de uma ferramenta

computacional, programado para representar dois jogadores que se defrontam com uma situação

típica do dilema do prisioneiro repetitivo, o computador descobriu que, da mesma forma que havia

concluido Axelrod, que a estratégia tit-for-tat (olho por olho) era a mais eficiente, o que será

apresentada posteriormente

Embora exista “um certo consenso” entre os economistas para um único modelo de

competição e monopólio, não existe consenso para modelos de oligopólio. Ao contrário do caso do

monopólio e da concorrência perfeita, o oligopólio não tem uma única teoria. Vários modelos de

oligopólio diferenciam no tipo de ação que as firmas devem usar (seja preço ou quantidade). O

estudo do comportamento dos mercados oligopolistas deu grande contribuição à Teoria dos Jogos,

desde os modelos de Cournot e Edgeworht no século XIX, até o equilíbrio de Nash na década de

1950.

2.3.2. Tipos de Jogos

Em geral os jogos econômicos praticados pelas empresas são subdivididos em jogos

cooperativos e jogos não-cooperativos. No primeiro caso, a possibilidade de negociações e

contratos entre os jogadores é permitida. Por outro lado, nos jogos não-cooperativos, pressupõe-se

que essas negociações e acordos explícitos são situações não permitidas, ou seja, não é possível

negociar contratos entre os participantes (Eaton & Eaton, 1999).

Dentre as várias modalidades de jogos e seus resultados, destaca-se, no rol dos jogos

não-cooperativos, o Dilema dos Prisioneiros, o resultado do Equilíbrio de Nash, a Estratégia

32

Dominante e a Estratégia de Maximin. Tais jogos vêm trazendo grandes efeitos práticos às análises

empíricas de empresas e indústrias, os quais serão apresentados a seguir22:

O Equilíbrio de Nash

O equilíbrio de Nash resulta de um conjunto de estratégias ou ações no qual cada

jogador estará fazendo o melhor que pode em função das ações de seus oponentes. Na prática, o

modelo nada mais é do que a generalização do modelo de oligopólio de Cournot e Bertrand. No

modelo de Cournot, por exemplo, cada empresa determina o seu próprio nível de produção,

considerando como fixas as quantidades da concorrência. No equilíbrio de Cournot nenhuma

empresa possui estímulo para alterar unilateralmente seu nível de produção, pois cada uma delas

estará fazendo o melhor que pode, em função das decisões de suas concorrentes. No modelo de

Bertrand, no qual as empresas decidem a estratégia preço, considerando fixo o preço da

concorrente, é um caso de equilíbrio de Nash em que cada organização estará auferindo o maior

lucro possível em função dos preços praticados pelas suas concorrentes, e, portanto não terá

qualquer incentivo para alterar seu próprio preço. No equilíbrio de Nash, portanto, cada empresa

está fazendo o melhor que pode em função daquilo que a outra está fazendo23 (Gibbons, 1982).

Diz-se que o equillíbrio de Nash é estável e auto-implementável porque uma vez que

as estratégias sejam escolhidas nenhum dos jogadores se desviará unilateralmente delas. Conforme

foi mencionado a respeito do equilíbrio de Cournot-Nash, este equilíbrio é auto-implementável por

ser a melhor resposta às estratégias de todos os outros jogadores, devido ao fato de que não há nada

que o jogador individual possa fazer independentemente para aumentar seu resultado. Já para um

caso de equilíbrio com conluio24, os jogadores individualmente se sentirão tentados a trapacear, e,

portanto não é um equilíbrio auto-implementável.

22 A Estratégia de Maximin não será abordada neste trabalho, para uma boa revisão ver Gibbons (1982), Kreps (1990), Rasmusen (1994), Tirole (1988), Gibbons (1982), Mas-colell et alii (1995), Santana (1995b) e (Eaton & Eaton, 1999).23 Em geral, um jogo não possui apenas um único equilíbrio de Nash. Algumas vezes não existe equilíbrio de Nash, e em outras vezes existem diversos, isto é, diversos conjuntos de estratégias estáveis e auto-implementáveis (Pyndick & Rubinfeld, 1994). 24 O incentivo individual é diferente do incentivo conjunto.

33

Estratégia Dominante25

Diz-se que um jogo resultará em uma estratégia dominante sempre que pelo menos

um dos jogadores possui uma escolha ótima, independentemente da ação do outro jogador. No caso

do duopólio de Cournot encontra-se uma estratégia dominante quando as firmas estão fazendo o

melhor que podem independente do que a outra deve fazer; e também as firmas estão fazendo o

melhor que podem com base no que outra firma pode fazer. Conclui-se que uma estratégia

dominante é um caso especial de equilíbrio de Nash, onde no equilíbrio de Nash o jogador A está

fazendo o melhor que pode em função daquilo que o jogador B está fazendo; e o jogador B está

fazendo o melhor que pode em função daquilo que o jogador A está fazendo. Na estratégia

dominante, o jogador A está fazendo o melhor que pode, independentemente daquilo que o jogador

B esteja fazendo; e o jogador B está fazendo o melhor que pode, independentemente daquilo que o

jogador A esteja fazendo. Isto remete também às estratégias escolhidas no clássico dilema dos

prisioneiros (Gibbons, 1982).

O jogo do dilema dos prisioneiros representa um tipo no qual existem dois jogadores

que tomam a decisão simultaneamente, sem possibilidade de cooperação, conhecendo perfeitamente

os resultados a que cada uma das combinações conduz. Desenvolvido por Tucker na década de

1940, o Dilema dos Prisioneiros é o caso mais clássico conhecido na literatura da teoria dos jogos,

sendo também o mais estudado pelas pesquisas associadas aos jogos. Entretanto, para análise de

empresas este jogo é limitado, uma vez que tem uma característica peculiar, é estático, ou seja,

acontece uma vez e não se repete e por esta razão ele tem como solução o equilíbrio de Nash; se

este jogo fosse repetido por mais vezes, talvez os resultados fossem diferentes. Muitos trabalhos

vêm sendo desenvolvidos nesta área, utilizando o dilema dos prisioneiros repetidamente, os quais

têm trazido resultados distintos (Gibbons, 1982).

Jogos Repetitivos

Os jogos podem ser divididos entre os jogos estáticos e dinâmicos, ambos com

informação completa ou ainda com informação incompleta. As primeiras contribuições para a

Teoria dos Jogos estão baseadas nos jogos estáticos com completa informação, como é o caso do

Equilíbrio de Nash, Dilema dos Prisioneiros, Modelo de Cournot e Modelo de Bertrand.

25 Cabe diferenciar as Estratégias Mistas das Estratégias Puras: nos jogos em que os jogadores fazem escolhas específicas ou decidem agir de uma determinada forma, dá-se o nome de estratégias puras. Entretanto, existem jogos emque as estratégias puras não são as melhores formas de jogar uma vez que alguns jogos são praticados quando osparticipantes escolhem aleatoriamente o jogo.

34

Os modelos discutidos até este momento possuem um caráter essencialmente

estático, na medida que trabalham com estratégias e payoffs em um só período, sendo conhecidos

como jogos de uma só jogada, como no Dilema dos Prisioneiros, o que os torna bastante restritivos.

Especificamente, nos casos dos modelos de Bertrand-Nash e Cournot-Nash há uma certa

ingenuidade, pois o comportamento das firmas na realidade não inclui fixação independente de

preços e nem de quantidades. O que mais ocorre no mundo real é o comportamento de conluio. Tais

modelos não são capazes de captar um aspecto muito importante dos oligopólios reais, a saber, a

interrelação dinâmica de longo prazo, que se chama de repetição de jogos de oligopólios, onde as

estratégias disponíveis aos agentes são muito mais ricas do que os modelos estáticos mais simples

sugerem26 (Kreps, 1990).

Pelo fato de os oligopolistas jogarem repetidamente jogos de estratégia e contra-

estratégia enquanto correm atrás de uma fatia maior do mercado, ao longo de extensos períodos de

tempo, percebe-se que há na verdade muito mais estratégias potenciais disponíveis do que nos

modelos estáticos de Cournot e Bertrand. Conforme mencionado, recentes contribuições têm

incluído a análise da questão da dinâmica em Teoria dos Jogos, trabalhando com jogos do tipo

Dilema dos Prisioneiros repetidos por vários períodos (Eaton & Eaton, 1999).

No mundo real as empresas praticam um jogo repetitivo, a maioria dos agentes não

sabe por quanto tempo eles e seus respectivos oponentes estarão concorrendo entre si. Embora seja

provavelmente finito o número de períodos em que as empresas vão concorrer, não se tem

informação completa a respeito do final do jogo. E, por esta razão, diante das repetidas vezes em

que vão se confrontar, os agentes econômicos podem desenvolver reputações a respeito de seus

próprios comportamentos e de seus concorrentes, dando oportunidade à situação de concluio. Dessa

forma, nos modelos de Bertrand e Cournot, as firmas têm claro incentivo para cooperar, uma vez

que os ganhos coletivos são maiores que os ganhos individuais. Mas esta cooperação só ocorre

devido à grande probabilidade de haver novos encontros no futuro entre os participantes. A “sombra

do futuro” necessita ser longa, caso contrário o racional é trair. A melhor maneira de se conseguir a

colaboração é alongar a “sombra do futuro”, ou pelo menos fazer com que haja uma incerteza

quanto ao término do jogo, o que leva os agentes a cooperar, já que um descumprimento do acordo

num período pode significar punição no período seguinte (Eaton & Eaton, 1999).

26 O equilíbrio de Nash e o Dilema dos Prisioneiros são tipos de jogos individualmente racionais e coletivamente

irracionais. A principal objeção ao modelo é que a firma tem claro incentivo para formar conluio, o qual não ocorre numa modelagem estática (jogo de uma só jogada).

35

Os avanços no campo dos jogos dinâmicos estão associados à incorporação de uma

análise dinâmica aos modelos de Cournot e Bertrand e do Dilema dos Prisioneiros. Trata-se de

incorporar a tais modelos um período de tempo indefinido, no qual os jogos passariam a ser

repetidos por várias (infinitas) vezes. Quando se considera o caráter dinâmico num jogo de duopólio

similar ao de Cournot, entende-se que as duas firmas jogam o mesmo jogo de estágios, ou seja, o

mesmo jogo é repetido em períodos indeterminados, o que o caracteriza como superjogo.

Em primeiro lugar, há uma necessidade teórica de que o jogo deva ter um horizonte

de tempo infinito. E se os jogadores conhecem o período de duração do jogo, ou seja, se este tem

um número finito de períodos, o conluio com equilíbrio de Nash Subjogo Perfeito deixa de existir.

No último período do jogo, nenhum jogador produzirá a condição de conluio, porque não há um

período futuro em que um descumprimento do acordo possa ser punido. Dessa forma, o

comportamento de conluio, que tem grande credibilidade quando há um número infinito de

períodos, perde totalmente o sentido se houver um número finito de períodos (Eaton & Eaton,

1999).

Em segundo lugar, há um sério problema de renegociação. Caso um jogador

descumpra o acordo, disparando assim a fase de punição do jogo, será criada uma situação em que

os jogadores terão um claro incentivo para tentar conseguir outro conluio. O problema é que, se

houver previsão dessa possibilidade de renegociação, a fase de punição do jogo deixará de ser digna

de crédito: um jogador pode ser tentado a descumprir o acordo atual, esperando renegociar outro

acordo depois de ter embolsado o incentivo ao descumprimento. O que torna esta teoria de

comportamento de conluio muito sugestiva, mas não inteiramente satisfatória. Neste caso, a

estratégia de Tit-for-tat (olho por olho), promovida por Axelrod27 (1984), se mostra mais

conveniente, pois parte do pressuposto simples de que os jogadores se comportam de acordo com o

comportamento do outro, ou seja, a empresa 1 ofertará a sua quantidade e continuará ofertando se a

empresa 2 o fizer, caso o contrário se a empresa 2 mudar sua estratégia, a firma 1 vai retaliar. Tal

estratégia se mostra mais livre de limitações do que a mencionada anteriormente, uma vez que os

jogos repetidos e os seus impactos sobre as decisões estratégicas dos agentes se constituem numa

peculiaridade interessante da Teoria dos Jogos. O egoísmo é o pressuposto básico do jogo por haver

uma infinidade de circunstâncias em que o interesse individual se choca com o coletivo. Em jogos,

27 Na realidade a estratégia de tit-for-tat foi desenvolvida por Anatol Rapoport, Axelrod apenas promoveu o experimento de colocar várias estratégias em competição e concluiu que esta estratégia tende a cooperação tácita nolongo prazo, a qual pode demorar ocorrer.

36

racional é aquele que age para maximizar seus próprios ganhos, e não aquele que age pelo bem de

todos; a lógica que funciona é a economia do interesse egoísta (Nóbrega, 2002). Entretanto, no jogo

repetitivo tal conduta não está presente, a cooperação acaba emergindo, impulsionada por uma

dinâmica muito mais forte, por alguma motivação mais central, que força o interesse do agente a

convergir com o de seu oponente.

O jogo Dilema dos Prisioneiros, agora repetido por muitas vezes, leva a resultados

diferentes daquele encontrado no jogo de uma só jogada. No Dilema dos Prisioneiros de uma só

jogada a tentação de trapacear prevalece, já que não haverá novo encontro entre os oponentes e, por

essa razão, o equilíbrio se faz em Nash, onde ambos os agentes não maximizam conjuntamente o

ganho. Mas quando esse jogo se faz por repetidas (e infinitas vezes) o resultado é outro, ou seja, os

oponentes tendem à cooperação. As pesquisas de Robert Axelrod (1984), relatadas também por

Rapoport (1991), Holland (1993), Ruthen (1993), Pyndick & Rubinfeld (1994), Santana (1995a) e

outros mostram os resultados do jogo Dilema dos Prisioneiros repetido por vários períodos. Neste

modelo, ao jogarem repetidamente o mesmo jogo, os dois jogadores tenderiam a cooperar para

maximizar seus resultados, conjuntura em que, ainda, a estratégia do tipo tit-for-tat (olho por olho)

se mostrou mais efetiva. O que leva os jogadores à cooperação é a perspectiva de que, no próximo

jogo, a firma que sofreu a traição possa retaliar, de modo a produzir uma quantidade maior. As

principais características de tit-for-tat:

A estratégia consiste em colaborar no primeiro lance e nos seguintes fazer

exatamente o que o oponente tiver feito no último lance;

Não é preciso que alguém perca para que a tit-for-tat vença, ou seja, não é um

jogo de soma zero;

Deve-se retaliar sempre que o oponente trapacear;

Se o oponente parar de trapacear deve-se parar de retaliar;

Constitui-se em uma estratégia nice, bem comportada, pois nunca trai primeiro.

O fator essencial a contribuir para a cooperação é a repetição do jogo por infinitas

jogadas; se, e somente se, for por infinitas jogadas. Nos encontros repetidos permite-se que se forme

juízo de valor a respeito do outro jogador, e um jogador torna-se capaz de policiar o outro. Ao

contrário de jogos de um só encontro, onde trair é a única jogada racional, o jogo repetido permite

uma infinidade de estratégias, e o comportamento humano de maximização é o que está refletido

nele. Neste sentido, a relação dos jogadores tem que ter uma perspectiva concreta de durar por

37

muito tempo tem de haver uma grande probabilidade de haver muitos encontros no futuro, caso

contrário o racional é trair28 (Eaton & Eaton, 1999).

O comportamento das empresas no mundo real se assemelha ao Dilema dos

Prisioneiros repetido infinitamente. Conforme já mencionado, os empresários sabem que o jogo não

é infinito, entretanto, não sabem quando vai ser o seu final e, assim, se comportam como se ele

fosse infinito. Logo, com cada repetição do jogo, as empresas vão podendo desenvolver reputações

a respeito de seus próprios comportamentos, além de estudar os comportamentos dos concorrentes,

resultando em que a própria repetição contribui para modificar o desfecho do jogo, levando-o ao

equilíbrio de conluio (Nóbrega, 2002). Essa estratégia tem características peculiares que a

diferenciam dos modelos até agora apresentados:

1. É dinâmica, pois incorpora fração de tempo indeterminada (jogo é repetido por

infinitas vezes);

2. Não necessita de que os agentes façam acordos verbais ou contratuais entre si, ela

ocorre naturalmente no jogo do mercado (colusão tácita);

3. É passível de credibilidade, de vez que a retaliação é comum;

4. É capaz de perdoar, ou seja, se o oponente se arrependeu de trapacear e voltar a

produzir a quantidade de conluio, a tit-for-tat faz o mesmo no próximo período;

5. Se, no limite, os agentes não entram em acordo, ela se volta para a produção de

equilíbrio de Nash-Cournot.

Um problema interessante ocorre se o jogo repetido tiver um tempo determinado

para acabar, ou seja, for finito. Se os agentes forem racionais, irão se pautar pela seguinte conduta:

pelo fato de a firma 1 estar praticando a estratégia tit-for-tat, a empresa 2 não poderá ofertar a

quantidade maior, pois estará sujeita à retaliação, o problema é que no último período a retaliação

não é mais esperada e, assim os agentes vão trapacear, pois não haverá encontro futuro. Outrossim,

como as firmas são racionais e vão ter perfeita clareza de que no último mês não vai haver

cooperação, o penúltimo mês torna-se ele também alvo de trapaça, e pensando seqüencialmente

para os períodos anteriores, a forma racional levará ambas as firmas naturalmente ao equilíbrio de

Nash-Counort.

Mas, na realidade da maioria dos mercados, o jogo é repetido no decorrer de um

longo e indefinido período de tempo, e os agentes possuem certas dúvidas sobre o “quão racional”

28 Trair é a única coisa a fazer (a procura de satisfação do interesse individual a qualquer custo).

38

seriam as suas estratégias e as dos concorrentes, o que leva, em alguns setores, em particular

naqueles em que apenas algumas poucas empresas se encontram competindo entre si, durante

longos períodos e em condições estáveis de demanda e de custos, a prevalecer a cooperação29,

mesmo que não sejam realizados arranjos contratuais entre os participantes. Às vezes, a cooperação

cessa, ou nunca se inicia, porque existem muitas empresas no setor30. A não existência de

cooperação resulta da rapidez das variações nas condições de demanda e custos. Incertezas a

respeito de demanda e custos tornam difícil para as empresas de um setor entenderem o que uma

cooperação poderia representar.

Embora os modelos discutidos acima apresentem características do mundo real, uns

mais do que outros31, todos eles apresentam uma limitação: o fato de pressupor que os agentes são

racionais e buscam maximizar o seu valor esperado na matriz de resultados. Todavia, alguns

estudos apontam para o limite dessa racionalidade, o que será apresentado a seguir.

29 Esse é o caso do setor elétrico, onde a possibilidade de entrada de novas firmas, principalmente no segmento de geração, mostra-se restrita e as demais variáveis aparentemente são estáveis.30

No longo prazo, o número de firmas é endógeno (significa que existem firmas entrando e saindo). O número de firmas em qualquer setor é determinado por considerações econômicas e, em setores oligopolistas, como em setores competitivos,o processo fundamental para a determinação do equilíbrio de longo prazo é a possibilidade de entrada de novas firmas.No caso do setor elétrico, a teoria de mercados contestáveis se mostrou um bom referencial para a possibilidade deentrada. Maiores detalhes ver Vinhaes (1999). 31 Estudos mostram que não existe melhor estratégia em termos absolutos. A melhor estratégia só pode ser definida emfunção dos outros comportamentos presentes. O melhor comportamento depende do dos demais.

39

2.3.3. O Limite da Racionalidade

Uma limitação bastante razoável da teoria dos jogos consiste no pressuposto segundo

o qual os jogadores estariam sempre agindo racionalmente, de modo a maximizar as suas funções

utilidades, seja o consumidor maximizando a satisfação, seja o vendedor maximizando o seu lucro.

Tal limitação tem sido alertada por diversos estudos, desde o próprio trabalho de Von Neumann e

Morgenstern (1944). Uma das principais dificuldades reside em descrever apropriadamente os

pressupostos a serem estabelecidos acerca do comportamento do indivíduo, o que seria resolvido ao

se assumir a busca da maximização. O indivíduo que procura atingir esses respectivos máximos

estaria agindo racionalmente (Santana, 1995b).

A preocupação com o limite da racionalidade em torno dos resultados das ações dos

agentes econômicos tem se tornado evidente32, e uma das grandes contribuições nesse campo está

associada à Teoria dos Custos de Transação33. Tal teoria parte de dois pressupostos

comportamentais que a distinguem da abordagem tradicional. Em primeiro lugar, assume-se que os

indivíduos são oportunistas; em segundo, que possuem uma capacidade cognitiva limitada para

processar as informações disponíveis. Em decorrência, o indivíduo oportunista age fortemente auto-

interessado, e pode, se for do seu interesse, mentir, trapacear ou quebrar promessas. O indivíduo de

racionalidade supostamente limitada não obterá as informações necessárias para alcançar seu

objetivo, máximo lucro, por exemplo, e nem terá capacidade de processar todas as informações

disponíveis, o que vai gerar um custo, o qual é o próprio limite da cognição, o que implica numa

decisão que não necessariamente vai levar àquela que seria obtida empregando-se a racionalidade

plena. Portanto, o indivíduo, em vez de tomar uma decisão ótima34, contenta-se com uma decisão

32 Uma revisão bibliográfica completa, envolvendo vários campos de interface da racionalidade limitada, pode ser encontrada em Conlisk (1996). 33 Um exemplo interessante que leva a questionamentos a respeito da racionalidade humana é o jogo criado por MartinShubik (1982), citado por Pindicky (1994). O cerne do jogo é um leilão de uma nota de um dólar, em que,diferentemente do usual, o responsável pelo lance mais alto receberá o dólar em troca do valor do lance. O responsável pelo segundo lance mais alto deverá pagar também o valor de seu lance, sem receber nada em troca. Assim, jogo se faz da seguinte forma: nas experiências relatadas, os agentes sempre acabam fazendo lances superiores a um dólar pela nota. Num cenário típico, o primeiro participante faz um lance de $0.30 e o próximo faz um lance de $0.40. Com medode perder o jogo, o primeiro lançador agora faz uma proposta de $0.50, e assim sucessivamente. O jogo chega a pontode o lance estar em $0.90. Agora, o responsável por este lance deverá decidir entre fazer um lance de $1.10 pelo dólar ou pagar $0.90 para não receber nada em troca. O que ocorre no geral é que ele decide por aumentar seu lance, e o leilão continua. Em algum dos experimentos o vencedor chega a pagar até $3 pela nota de um dólar. Qual razão levaria os agentes supostamente racionais a se colocarem em tal posição? Isto mostra o limite da capacidade cognitiva do ser humano em não calcular exatamente o seu ganho diante da reação de outro jogador. 34 Embora haja alguns avanços nessa teoria, pode-se afirmar que, atualmente, não existe nenhum tratamento satisfatóriopara a questão do comportamento racional (Santana, 1995b).

40

satisfatória, pertencente a um conjunto de outras decisões igualmente satisfatórias e indistinguíveis

entre si, dados os limites da racionalidade (Eaton & Eaton, 1999).

No campo da Teoria dos Jogos, convém acrescentar que as diversas modalidades de

jogos apresentados se desenvolvem considerando um único critério de avaliação pelos agentes em

torno de suas decisões, como por exemplo, a máxima satisfação, no caso do consumidor. Em um

exemplo de jogos de empresas, o critério em geral utilizado é o lucro, donde se pode inferir que os

agentes, partindo de um comportamento racional, vão utilizar as informações disponíveis para

atingir tal objetivo, traduzido em uma dada matriz de payoff. Tal argumento afastaria a teoria dos

jogos do moderno paradigma da competitividade, onde nem sempre o lucro é o principal atributo

em um processo de decisão. Hoje, o conjunto de agentes econômicos considera a satisfação do

cliente, a qualidade e a participação no mercado35, em grau de importância similar ou mesmo

superior ao lucro (Santana, 1995b)36.

As principais teorias apresentadas nesta seção sugerem que não há um único modelo

teórico aplicável a toda as situações de oligopólio. A melhor perspectiva, na visão da maior parte

dos economistas, seria uma seleção de modelos de oligopólio, cada um aplicável a uma determinada

faixa de circunstâncias econômicas.

No caso do setor elétrico brasileiro, por exemplo, muitas questões vieram à tona,

como a do curto ou longo prazo a ser considerada no modelo37. Como se sabe, no longo prazo, o

número de firmas passa a ser endógeno, a depender também de outras considerações econômicas,

como a própria estrutura de mercado e as condições de entrada. No trabalho aqui proposto, de se

analisar o uso do poder de mercado em sistemas elétricos reestruturados, o que se tem a dizer, a

priori, é que a análise deverá passar por uma avaliação de curto prazo, ou seja, sem levar em

consideração a entrada e saída de novas firmas. E pode-se dizer, com razoável grau de segurança38,

que as condições de entrada na indústria de energia elétrica brasileira se assemelham a um

oligopólio, onde existem elevadas barreiras tecnológicas e até mesmo institucionais39,

35 Desde os anos 1960 a organização industrial vem apresentando argumentos a respeito dos objetivos da firma, e oprincípio da maximização de lucro, de forma restrita, foi praticamente abandonado, juntamente com outros conceitos restritivos da microeconomia tradicional.36 Um trabalho interessante, que envolve a análise dos métodos chamados de múltiplos atributos ou múltiplos objetivos e múltiplos critérios, foi desenvolvido por Santana (1995b). 37 Tanto em setores oligopolistas como em setores competitivos o processo fundamental para a determinação do equilíbrio de longo prazo é a possibilidade de entrada. 38 Em Vinhaes (1999), discute-se as condições de entrada na nova estrutura da indústria de energia elétrica brasileira.39 Embora se reconheça que a solução para o jogo da IEEB seja exatamente aumentar o número de firmas que vai competir no mercado.

41

principalmente no segmento de geração de energia, objeto deste trabalho. Com relação ao tipo de

estratégia provável a ser utilizada pelos agentes, sob a ótica da teoria dos jogos, a tit-for-tat se

mostra mais funcional por duas razões: as empresas não podem fazer acordos explícitos por causa

do árbitro (regulação); e, ainda, o jogo dar-se-á no mercado por repetidas vezes ou, no limite,

infinitamente.

Conforme será apresentado no capítulo quatro, os estudos sobre a experiência

internacional do setor elétrico concluem que parte do exercício de poder de mercado praticado pelos

agentes utiliza colusão tácita, ou seja, uma estratégia similar a tit-for-tat.

As discussões acerca do uso de poder de mercado na abordagem concorrência versus

monopólio, envolvendo análise de Mercados Contestáveis e Teoria dos Jogos e a natureza da firma

apontam para o papel importante do órgão regulador e das autoridades antitruste. A próxima seção

analisa o papel da Defesa da Concorrência no Brasil, principalmente no que se refere ao setor

elétrico. Discussões sobre natureza da firma e estrutura de governança serão feitas no próximo

capítulo.

2.4. O Papel da Defesa da Concorrência

Nos setores de infra-estrutura, a extensão do papel da regulação de monopólios, ou

seja, do regulador setorial, tem sido aceita por se tratar de bens de uso difundido. Nesse contexto é

que se insere o papel da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que tem, dentre outras, a

atribuição de propiciar a substituição dos mecanismos de mercado pela regulação pública de

monopólios, além de zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando

e acompanhando as práticas dos agentes do mercado de energia elétrica, uma vez que detém o

conhecimento técnico e de mercado, podendo lidar de forma mais direta e específica com os efeitos

de um ato de concentração sobre a concorrência, fornecendo importantes subsídios para a aplicação

da defesa da concorrência pelas autoridades competentes.

O objetivo da defesa da concorrência seja no âmbito da regulação setorial, seja no

âmbito das leis antitruste, está fundamentado no controle preventivo de estruturas de mercado, e no

controle repressivo de condutas anticompetitivas por parte dos agentes econômicos. Enquanto a

regulação setorial tem seu enfoque na estrutura, as leis antitrustes preocupam-se com a conduta das

firmas (embora não seja regra); situações típicas de fusões e aquisições horizontais; integração

vertical; práticas restritivas horizontais e verticais, chamados de atos de concentração; e condutas

anticompetitivas, embora, tais comportamentos não prescindam obrigatoriamente da regulação

42

setorial. Ressalte-se, portanto, que o papel da legislação antitruste na defesa da concorrência e da

própria regulação setorial possui dimensão fundamentalmente pró-ativa, e não apenas defensiva.

Em outras palavras, tais intervenções não podem ser vistas apenas sob uma ótica punitiva ou

preventiva do poder de mercado. Antes, devem voltar-se principalmente ao direcionamento desse

poder, para aumentar a concorrência, com o fim último da maior eficiência econômica/social. Esta

seção objetiva apresentar definições a respeito da defesa da concorrência, destacando a necessidade

da regulação e defesa da concorrência em determinados mercados, abordando as interações dos

papeis do órgão regulador setorial e dos órgãos de defesa da concorrência no Brasil, com ênfase no

Setor Elétrico Brasileiro.

2.4.1. Questões Relevantes das Leis Antritrustes

A legislação antitruste teve seu marco inicial na Lei Sherman (1890), nos Estados

Unidos, quando já se entendia o benefício das estruturas de mercado em concorrência perfeita, e os

malefícios do monopólio. A noção de concorrência estava associada basicamente à livre entrada ou

simplesmente ausência de barreiras à entrada em uma determinada indústria, ao atomismo de

mercado e à Eficiência de Pareto. Atualmente, tais questões não estão relegadas, mas sim

incorporadas em uma série de análises que objetivam e orientam para a preservação e estímulo à

formação de ambientes competitivos nos mercados. Tais estímulos estariam associados à prevenção

de estruturas de mercado mais concentradas; desencorajamento ou repressão de condutas

anticompetitivas derivadas do exercício de poder de mercado, a fim de preservar ou induzir a

eficiência econômica (Possas, 1999).

É campo comum entre as autoridades antitruste que as estruturas de mercado de

monopólios e oligopólios, que por natureza possuem poder de mercado, já que possuem poder de

decisão sobre preços e quantidades ofertadas, não necessariamente exerçam tal poder e abusem de

posição dominante. O poder de mercado é condição necessária, mas não suficiente, para o abuso de

poder econômico e, portanto, de geração de ineficiências. Entende-se que tais estruturas, quando

submetidas a regras institucionais ou a ambientes econômicos que exerçam adequada pressão,

poderiam aproximar-se dos resultados econômicos/sociais da concorrência perfeita.

A regulação setorial busca, pois, o controle preventivo das estruturas de mercado, a

fim de impedir a concentração e inibir o potencial de abuso de poder de mercado. A probabilidade

de exercício de poder de mercado se dá a partir de estruturas com número pequeno de agentes, que

podem formar cartéis, conluio ou colusão tácita. A lei antitruste visa, por outro lado, o controle

43

repressivo das condutas anticoncorrenciais, tanto no sentido vertical (ao longo da mesma cadeia

produtiva), quanto no horizontal (no mesmo mercado) (Melo, 1999).

Entende-se por situações típicas no âmbito da estrutura, os chamados atos de

concentração, tais como fusões, aquisições ou joint ventures entre empresas concorrentes

(horizontais) e/ou entre empresas situadas em diferentes etapas da cadeia produtiva (verticais40). No

âmbito das condutas anticompetitivas, podem ocorrer práticas do tipo horizontais: combinação de

preços (cartéis), fixação conjunta de tabelas de preços, cooperação entre concorrentes (conluio) e

preços predatórios; e verticais: fixação de preços de revenda, restrições territoriais, acordos de

exclusividade, recusa de negociação, vendas casadas, e discriminação de preços.

2.4.2. Questões de Defesa da Concorrência no Brasil

A Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 –Lei da Defesa da Concorrência–, “dispõe

sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames

constitucionais de liberdade, livre iniciativa e livre concorrência, função social da propriedade,

defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”. No que tange às condutas

anticompetitivas, os artigos 20 e 21 dessa lei estabelecem como ilegais os atos dos agentes

econômicos que visem: dominar o mercado de bens e serviços; prejudicar a livre concorrência;

aumentar arbitrariamente os lucros; ou possibilitar o abuso de posição dominante. No que se refere

ao artigo 21, especificamente, todas as condutas enumeradas se pautam pela regra da razão (rule of

reason), o que significa fazer uma análise levando em consideração tanto os efeitos positivos

quanto os efeitos negativos do ato. A depender do efeito líquido sobre o mercado, a conduta pode

não ser considerada como infração à ordem econômica (CADE, 1998).

Certas infrações são difíceis de ser percebidas ou alcançadas pela legislação

antitruste, tendo em vista que o comportamento dos agentes pode não ser explícito. Como ocorre

nas colusões tácitas de oligopólios, a colaboração não se dá de forma explícita, embora não deixe de

ser efetiva, causando danos ao mercado. A Teoria dos Jogos propicia importante pano de fundo para

essa análise, haja vista que estuda o comportamento estratégico dos agentes no mercado, os quais,

na maioria das vezes, têm caráter de comportamento paralelo ou coordenado. A estratégia de tit-for-

tat é um tipo clássico desse comportamento, em que os órgãos reguladores não conseguem

comprovar o conluio, pois este é feito no próprio mercado, sem necessidade de acordos explícitos.

40 Em certos casos podem ocorrer atos de concentração entre empresas que pertencem a mercados distintos, mas que estão relacionados estrategicamente (com proximidade de linha de produtos ou de localização).

44

O conceito de poder de mercado, no âmbito das leis antitruste, está associado à

capacidade de uma empresa de fixar seus preços significativa e persistentemente acima do nível

competitivo, podendo estabelecer, assim, o nível de preços acima dos custos médios ou marginais.

O nível de preços não é o único elemento a ser considerado quanto ao exercício do poder de

mercado, deve-se considerar também outras formas de decisão, como quantidade e qualidade do

bem ou serviço.

A avaliação do poder de mercado se dá a partir da análise da sua potencial existência

e ainda do seu efetivo exercício. O poder de mercado pode existir, mas seu abuso pode não ser

efetivo, deixando de causar danos à concorrência. De forma direta, o poder de mercado pode ser

percebido a partir do aumento do nível de preços (significativo e persistente) a um patamar que

supere os custos médios e marginais. De forma indireta, a concentração de mercado pode ser

medida por meio de dois índices principais, o CR4 e o HHI. O primeiro se associa ao faturamento

das quatro maiores empresas do setor em relação ao faturamento total; o segundo, o Herfindahl-

Hirschman (HHI41), é calculado a partir dos dados da fatia de mercado (market share) individual da

firma participante do mercado relevante. Porém, o resultado do calculo de concentração de

mercado, não vai implicar necessariamente preços abusivos, pois a concentração de mercado é

condição necessária, mas não suficiente para práticas anticompetitivas (Mello, 1999).

Uma importante definição é aquela que está associada ao mercado relevante. Este é

definido a partir de um produto e da região geográfica na qual o monopolista pode exercer seu

poder de mercado. Questões como elasticidade-preço da demanda, “substituibilidade”42 dos

produtos e barreiras à entrada são importantes para delimitar o mercado relevante. Entende-se por

mercado relevante um grupo de produtos e uma área geográfica na qual uma firma maximizadora

de lucros pode aumentar seus preços acima dos custos marginais de forma significativa e não

transitória, sem perder clientes. A delimitação de mercado relevante de produto –e geográfica–

depende de quanto se supõe que deva aumentar o preço para configurar o suposto exercício de

poder de mercado. Neste ponto a definição de mercado relevante mostra um aspecto muito mais

jurídico do que econômico, considerando-se que tal definição é razoavelmente arbitrária. O

mercado relevante de produto se faz a partir da identificação dos produtos relevantes para a análise

do grau de substituibilidade de um produto por outro: se o produto não tem um substituto próximo,

o poder de mercado é maior. O mercado relevante geográfico está relacionado à possibilidade de

41 No Brasil este índice não é utilizado, o CR4 é mais usual.42 Esta é uma questão central no caso dos serviços de eletricidade e será abordada nos próximos capítulos.

45

entrada, no curto prazo, de um outro vendedor em uma dada região onde preços abusivos são

praticados; se tal possibilidade é pouco plausível o mercado relevante será delimitado.

2.4.3. Regulação e Defesa da Concorrência

Conforme mencionado, o modelo Estrutura – Conduta e Desempenho, considera que

a estrutura de uma indústria depende de algumas condições básicas como, por exemplo, as

características da demanda, o padrão tecnológico e as condições de entrada e saída nessa indústria.

Estas condições vão determinar o número de atores participantes no mercado, no que se refere ao

número de vendedores e compradores. Tal número, por sua vez, determina o grau de competição e o

poder de mercado das firmas. É campo comum entre os economistas que a competição é um forte

instrumento para solucionar os problemas econômicos da alocação dos recursos para a sociedade –

e o monopólio, por sua vez, tem sido entendido como o causador das imperfeições diante da busca

do bem-estar social. Devido ao custo social causado pelo monopólio, a intervenção do Governo em

alguns segmentos de mercado tem sido um dos instrumentos que buscam evitar que determinadas

empresas acumulem excessiva quantidade de poder de monopólio. Em geral, tal intervenção ou

regulação de mercados ocorre por meio de defesa da concorrência (leis antitruste) ou pela regulação

setorial.

A dicotomia usual no campo da defesa da concorrência, em termos dos limites de sua

intervenção, entre o chamado controle preventivo nas estruturas de mercado e a ação repressiva

frente a condutas anticompetitivas é em grande medida derivada do modelo Estrutura – Conduta e

Desempenho. Por um lado, a forma de atuação estatal nas estruturas de mercado por meio da

regulação setorial caracteriza-se como uma intervenção ativa, na medida em que atua diretamente

sobre a estrutura da indústria e não tem, como objetivo, a busca da competição como um fim em si

mesmo, mas, sim, a promoção da eficiência econômica, tendo em vista que determinadas estruturas

de mercado, com significativas economias de escala e de escopo, não tornam a competição possível,

e muito menos desejável. Por outro lado, a forma de intervenção estatal nas condutas das empresas

por meio das leis antitrustes caracteriza-se como uma intervenção reativa, na medida em que atua

diretamente nas condutas das empresas e tem como fim a promoção da competição, posto que tal

competição efetiva é capaz de promover a eficiência econômica. Seja do ponto de vista da estrutura,

seja do ponto de vista da conduta, tais intervenções podem ser denominadas de defesa da

concorrência ou defesa da competição (Possas et alii, 1995).

46

Vale lembrar que a defesa da concorrência não se limita necessariamente às leis

antitruste, envolvendo um escopo mais amplo, seja do ponto de vista da regulação, seja do ponto de

vista de outras políticas. A figura abaixo mostra a interação entre essas questões:

Outraspolíticas

Leisantitruste

Regulação

Fonte: Elaboração Própria 43

FIGURA 3 – DEFESA DA CONCORRÊNCIA

Destaca-se nessa discussão a tendência de se entender papéis diferenciados entre

regulação 44e defesa da concorrência, levando a crer que essas duas formas de intervenção são

completamente separadas, o que constitui inverdade. A defesa da concorrência envolve um escopo

amplo de regulação ou intervenção estatal, que tem como instrumento as leis antitrustes, a própria

regulação, num contexto setorial, e outras políticas.

Uma percepção interessante é que, embora a ação antritruste seja voltada

essencialmente (dada sua origem e natureza) à repressão de práticas de comércio lesivas à

concorrência enquanto bem difuso (e não apenas a concorrentes individualmente considerados), a

prevenção de tais práticas pode ser muito mais eficaz, pois eis que a prevenção poderia ser, em

43 A partir de discussões com Maria Thereza Leopardi de Mello (ANEEL, 2000).

44 Destaca-se que o termo “regular” vem sendo amplamente utilizado, principalmente a partir dos anos 80, com o movimento de reestruturação e mudança da economia mundial. Entretanto, há de se resguardar algumas considerações sobre seu significado, pois a conotação se apresenta de forma distinta daquela associada à Regulação Francesa. A “regulação” que vem sendo tratada sob o enfoque da intervenção do Estado em determinados setores da economia,especificamente nos setores de infra-estrutura, está associada, basicamente, com os autores de influência americana, quetêm usado o termo regulação para sentidos ambíguos. Na verdade, a regulação tratada por estes autores não possui significado tão abrangente que envolveria elementos associados à intervenção de outros agentes na economia, como é o caso da Regulação Francesa (Vinhaes,1999)

47

grande medida, viabilizada pelo alto grau de concentração. Tal percepção contribui para uma

grande mudança na concepção teórica no que se refere à lei antitruste e o próprio papel da regulação

setorial, ao introduzir na primeira uma dimensão repressiva e na segunda uma intervenção

preventiva (Mello, 1999).

No que se refere à lei antitruste, o entendimento é de que seu objetivo último é o de

canalizar as forças de mercado e as estratégias das empresas na direção da competição, com fim de

eficiência econômica, minimizando os custos e riscos da intervenção, o que significa evitar ações

ex-post, o que é quase sempre mais custoso e até mesmo inviável em situações irreversíveis. Em

casos particulares de exercício de poder de mercado em estruturas monopolistas, por exemplo, o

papel da lei antitruste seria efetivo, entretanto uma intervenção para evitar tal estrutura, ou seja, no

sentido preventivo, teria muito maior eficácia.

No que se refere à regulação setorial, regulação dos monopólios naturais ou,

conforme mencionado, regulação ativa, seu objetivo estaria voltado para a substituição dos

mecanismos de mercado pela regulação pública de monopólios. Nesse caso, o objetivo central é

substituir os mecanismos de mercado, que gerariam por si sós resultados ineficientes. Entretanto, a

extensão do escopo da regulação para situações além das de monopólios naturais já é amplamente

aceita em se tratando de setores de infra-estrutura, dado o uso difundido dos chamados bens

públicos. Nesse sentido, a regulação setorial tende a combinar elementos de regulação ativa, o que

por natureza lhe cabe, e ainda outros instrumentos de regulação geral ou “reativa” originalmente

associados à lei antitruste.

Um exemplo prático é o controle preventivo de estruturas e o controle de condutas

anticompetitivas no setor elétrico brasileiro. Embora as situações típicas de fusões e aquisições

horizontais; integração vertical; práticas restritivas horizontais e verticais sejam de interesse das leis

antitruste. Os chamados atos de concentração são objeto de análise dos órgãos de Defesa da

Concorrência, no âmbito antitruste –SDE, SEAE e CADE, e também no âmbito do órgão regulador

setorial – ANEEL.

Em síntese, as políticas antitrustes estão voltadas à preservação e ao estímulo à

formação de ambientes competitivos, seja pela prevenção de estruturas mais concentradas, seja pelo

desencorajamento ou repressão de condutas anticompetitivas derivadas do exercício abusivo de

poder de mercado, tendo em vista preservar e/ou induzir maior eficiência econômica como

resultado de funcionamento dos mercados. O órgão regulador setorial, por sua vez, tem suas

48

políticas voltadas para a preservação e para o estímulo da competição onde esta se torna possível, e

substituir os mecanismos de mercado quando esta não se faz presente.

2.4.4 - A Defesa da Concorrência e sua Interação com o Regulador Setorial

Os órgãos de defesa de concorrência, no que se refere às leis antitrustes, têm seu foco

de atuação nos mercados não competitivos, onde ocorre maior número de ilícitos. Porém, uma

parcela razoável dos problemas pode estar associada a falhas dessa forma de regulação, tornando

necessário o estabelecimento de regras pró-concorrenciais, as quais podem eliminar ou, ao menos,

atenuar as falhas de mercado. Conseqüentemene, as autoridades antitrustes não devem prescindir da

autoridade regulatória setorial, nesses mercados.

O foco da agência regulatória setorial reside, por seu turno, nos monopólios naturais,

onde as condições de produção propiciam a uma única empresa custos sempre decrescentes, à

medida que aumenta sua atividade, fazendo com que a maneira mais eficiente, ou seja, a de menor

custo, seja a produção por uma única firma. Daí, a necessidade de o regulador estabelecer regras

setoriais específicas que impeçam o detentor de monopólio natural abusar de sua posição

privilegiada.

Embora exista razoável dicotomia nas atividades da regulação setorial e das leis

antitruste, ressalta-se que a atividade de regulação setorial guarda estreita relação com a da

autoridade antitruste, uma vez que a boa regulação é aquela que mimetiza da melhor forma possível

o mercado, fazendo convergir o objeto da análise dos dois tipos de autoridade. Além disso, na

prática, um segmento regulado abrange vários subsegmentos que não são necessariamente

monopólios naturais e que, portanto, prescindiria de regulação específica, caso do setor elétrico

brasileiro.

O Quadro 1, a seguir, indica esquematicamente, as áreas de interseção entre as leis

antitruste e a regulação setorial. Por simplicidade, os mercados são divididos em concorrência

perfeita, competitiva, não-competitiva e monopólios naturais. A concorrência perfeita constitui uma

abstração para fins teóricos e uma raridade na prática. Por sua vez, vários mercados funcionam de

forma suficientemente concorrencial, não exigindo maior atenção por parte da autoridade antitruste.

49

QUADRO 1 – FRONTEIRAS ENTRE REGULAÇÃO SETORIAL E LEIS ANTITRUSTE

Atuação//

Estruturas

Concorrência

Perfeita

Competitivas Oligopolistas Monopólio

Lei antitruste Não atuam Atuam levemente Atuam fortemente Atuam levemente

Regulação

Setorial

Não atuam Não atuam Atuam levemente Atuam fortemente

Fonte: Vinhaes et alii, 200045.

Conforme mencionado na seção anterior, é necessário deixar claro o papel da

regulação setorial e o papel das leis antitruste, considerando que ambas pertencem a um escopo

mais amplo da intervenção governamental, no que se refere à defesa da competição ou defesa da

concorrência, não sendo necessariamente excludentes.

Os argumentos anteriores justificariam, por si só, uma articulação institucional entre

os órgãos de regulação setorial e da defesa da concorrência no âmbito antitruste. Destaca-se,

entretanto, que o caráter dinâmico da delimitação entre monopólios naturais e mercados

competitivos - que devido às condições de demanda e tecnologia (e, portanto, o custo) variarem

significativamente no tempo mudando as estruturas de mercado que a princípio deveriam ser

regidas por uma agência regulatória, deveriam ser objeto de simples regras de mercado. Tal

fenômeno tem-se tornado mais freqüente com a aceleração do processo de inovação em

determinados setores, como os de telecomunicações e energia elétrica. Nesse sentido, a defesa da

concorrência, no âmbito antitruste, tem caráter mais geral do que a regulação setorial. Esta última

pressupõe uma determinada estrutura de mercado, cuja natureza de monopólio natural a justifica. A

primeira atua sobre a própria estrutura de mercado, prevenindo, quando for o caso, configurações

anticoncorrenciais. Por outro lado, pode ocorrer minimização do risco de captura. A experiência

regulatória de diversos países revela uma elevada probabilidade daquilo que a literatura

especializada denomina “captura” das agências reguladoras pelos segmentos que deveriam ser

regulados. Independentemente de problemas éticos, verificou-se elevada propensão dos “regulados

capturarem os reguladores46”, em virtude da insuficiência de recursos e de informação adequada por

parte da agência, comparativamente às empresas privadas, e também pela identidade de interesses e

cultura profissionais entre os técnicos especializados da agência e do segmento regulado.

45 Esta figura tem circulado nas discussões sobre o setor elétrico, mas sem indicação de fonte. 46 Esse tema será abordado para o MAE, onde o modelo de governança permitiu sua captura.

50

Há, no mundo, um amplo processo de reforma regulatória, focada, primordialmente,

na competição em ambientes regulados. Na prática, tal reforma raramente consiste em abolir a

regulação e deixar o ambiente submetido apenas às forças de mercado. Assim, uma importante

questão surge neste processo: até que ponto os setores regulados devem submeter-se à ação das

agências de competição?

O Quadro 2, abaixo, generaliza as características e tendências de atuação das

agências reguladoras e de autoridades de defesa da concorrência observadas em diversos países

membros da OCDE. Um ou outro aspecto pode não se ajustar ao caso brasileiro.

QUADRO 2 – ATUAÇÃO E PERSPECTIVAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS E DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

Agências de Regulação Defesa da Concorrência

Abrangência Setor específico da economia Todos os setores da economia

Objetivos Mais amplos: universalização de

serviços, integração regional, etc

Mais restritos: eficiência alocativa

Método Básico Substituição dos mecanismos de

mercado

Utilização dos mecanismos de

mercado

Intervenção “Ex-ante” e contínua “Ex-post” (exceto atos de

concentração) e eventual

Informação Disponível Detalhada em relação ao setor

regulado

Específica ao caso

Validação das Decisões Menor ação no judiciário Necessidade de validar decisões no

judiciário

Conhecimentos Básicos Engenharia, economia, direito e

contabilidade

Economia e direito

Propensão à captura Maior probabilidade Menor probabilidade

Fonte: OCDE.

51

Tomando-se por referência os países membros da OCDE, verifica-se que, na maioria

das situações, a competição em ambientes regulados é fomentada por um novo tipo de regulação.

Há exemplo de agências de regulação, existentes ou novas, com competência legal para promover

competição, além de formular e aplicar leis gerais e/ou regras “customizadas” (OCDE).

Em um número consideravelmente menor de países, foram destinadas às autoridades

de competição funções antes realizadas por órgãos de governo ou por agências reguladoras.

Qualquer que seja a divisão de responsabilidades entre agências de competição e de regulação, em

poucos países tal questão pode ser considerada como razoavelmente amadurecida, especialmente

pelo fato de que a transição para uma competição mais ampla está longe de completar-se. No Brasil,

o processo de implementação apresenta um relativo atraso: está tramitando um processo de

reestruturação que cria a Agência Nacional de Defesa do Consumidor e da Concorrência, a qual terá

por objetivo colocar em uma única instituição os órgãos de defesa da concorrência atuais, ou seja: o

CADE, SEAE e SDE, entretanto o assunto encontra-se, no momento, esquecido.

2.4.5. Considerações sobre a Regulação Setorial e a Defesa da Concorrência no

Brasil

No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência - CADE, autarquia

especial vinculada ao Ministério da Justiça, juntamente com a Secretaria de Direito Econômico -

SDE, do Ministério da Justiça, em conformidade com a Lei no 8.884, de 1994, têm a competência

para fiscalizar, apreciar e julgar as ações anticompetitivas e o abuso de poder econômico em todos

os setores da economia. Juntamente a esses órgãos, atua a Secretaria de Acompanhamento

Econômico - SEAE, do Ministério da Fazenda, quando se fazem necessárias análises econômicas.

Assim, o CADE desempenha o papel de órgão adjudicante, a SDE o de instrutor ou promotor e a

SEAE o de perito econômico e técnico.

As denúncias de abuso de poder ou de práticas anticompetitivas são, inicialmente,

encaminhadas a SDE, que instrui o processo administrativo, recolhendo os documentos necessários

para a análise, elaborando pesquisas e descrevendo os fatos constatados. Nos casos relativos a

condutas anticompetitivas, a SEAE poderá manifestar-se ou não. Contudo, nos casos referentes à

estrutura da indústria, a participação da SEAE é obrigatória. Após sua instrução, o processo é

encaminhado ao CADE, que tem o encargo de julgar, decidindo se as práticas relatadas são

realmente abusivas ou anticompetitivas. Após o julgamento, o CADE deve tomar as providências

necessárias para que se possa coibir ou reparar as práticas – ressalte-se que o CADE representa a

última instância administrativa. Os cidadãos e as empresas podem, igualmente, consultar o CADE

52

acerca de matérias de concorrência ou encaminhar denúncias. Nesses casos, o CADE procura

orientar os agentes e agilizar o processo de investigação, notificando imediatamente a SDE e a

SEAE, ou qualquer outro órgão que possa contribuir no problema em questão.

Com relação à regulação setorial, a Lei no 9.648, de 27 de maio de 1998, atribuiu

competência específica à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL47, para:

Estabelecer limites ou condições quanto à concentração societária e a realização

de negócio entre si, para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à

obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações;

Estabelecer condições com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes

e, também, com o objetivo de impedir a concentração econômica nos serviços e

atividades de energia elétrica;

Zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e

acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica.

Em decorrência dessas disposições, a ANEEL, no exercício de seu poder normativo-

regulamentar, pode estabelecer critérios que incentivem e/ou mantenham a livre concorrência no

mercado de energia elétrica. Além disso, no exercício de seu poder fiscalizatório, deve acompanhar

os movimentos de concentração financeira dos agentes do setor e a ocorrência de eventuais práticas

anticompetitivas por parte dos agentes.48

Porém, a convivência entre regulação setorial e lei antitruste tem sido problemática

em praticamente todos os países que as adotaram simultaneamente. Segundo Mello (1999), a

convivência entre normas de controle destinadas a setores específicos aplicados por uma agência

reguladora setorial e as normas gerais de defesa da concorrência carrega um potencial de conflitos,

diante da natural diversidade de objetivos por ambas as legislações, bem como pelo fato de serem

autoridades distintas: uma –a agência reguladora– encarregada de cuidar de vários assuntos num só

setor; outra –a agência antitruste– encarregada de um só assunto em todos os setores49. Tal questão

levaria a problemas de coerência entre diferentes sistemas normativos aplicáveis à mesma situação,

como também a possibilidades de soluções diferentes aplicadas pelo regulador setorial ou pela

autoridade antitruste.

47 Nesse contexto, a ANEEL realizou a partir de novembro de 1998, convênio com os órgãos de defesa da concorrência. 48 Dificuldade da ANEEL, na condição de agência de consumidores.49 Para maiores detalhes ver Mello, M.T.L. (1999).

53

Exemplo típico desse problema é caso do órgão regulador confundir suas funções.

Enquanto balizador dos interesses dos investidores e dos consumidores, a ANEEL, por exemplo,

vem sendo criticada por desempenhar um papel de defesa do consumidor em detrimento dos

investidores, o que pode trazer uma série de problemas para a continuidade do processo de

privatização do setor elétrico brasileiro. Talvez por não dispor de capital humano suficiente e

conhecimento técnico, os primeiros anos de atuação da ANEEL puderam ser confundidos com a

atuação de um órgão de defesa do consumidor.

2.5 Conclusões

A apresentação dos principais temas que permeiam os pressupostos da Teoria da

Organização Industrial tem como objetivo chamar a atenção para os aspectos centrais que devem

ser observados na análise de uma determinada indústria. Os aspectos institucionais e internos da

firma, as relações externas e a estrutura de mercado são fatores preponderantes do desempenho de

uma determinada firma no mercado. Tendo em vista que este trabalho analisa questões associadas

ao poder de mercado e à estrutura de governança da indústria de energia elétrica brasileira, em um

ambiente de reestruturação e mudança, entende-se que os aspectos teóricos ora apresentados são de

grande importância para a análise empírica proposta.

No que se refere à regulação, é importante destacar que tanto a regulação setorial

como a regulação antitruste indica que determinados setores da economia não estão totalmente

sujeitos às regras do mercado. Se, houvesse intervenção extrema do Estado sobre um setor não faria

sentido falar em lei antitruste. Se, por outro lado, esse controle não é total, existe pelo menos algum

grau de liberdade de iniciativa por parte do agente econômico e um potencial exercício de poder de

mercado e, portanto, margem para atuação das leis antitruste. Assim, as discussões aqui

apresentadas, com enfoque altamente teórico, servem de pano de fundo para a análise empírica das

experiências internacionais, em um contexto de poder de mercado e falhas de estrutura de

governança, para enfim servir de referência para o caso brasileiro. Dessa forma, o próximo capítulo

apresenta as principais contribuições teóricas da Nova Economia Institucional, principal referencial

teórico deste trabalho.

54

CAPÍTULO 3 - A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL E A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA50

3.1. Considerações Iniciais

Dados os desvios de eficiência e as falhas de mercado ocasionadas principalmente

pela assimetria de informações, os autores institucionalistas chamam a atenção para a necessidade

de formação das instituições. Segundo Williamson (1985:934), “as instituições são importantes

para os sistemas econômicos e suscetíveis de análises”. De acordo com tal autor, as instituições não

são dadas, ou seja, não são definidas exogenamente, mas, ao contrário, são endógenas, dinâmicas e

determinadas a partir dos interesses dos agentes que as compõem. Em função disso, as falhas

associadas à moral hazard, captura, direito de propriedade, externalidades e seleção adversa, podem

ser utilizadas pelos agentes econômicos para obterem ganhos extraordinários no mercado. Para as

instituições, esses instrumentos se tornam objeto de análise, pois encerram duplo interesse: de um

lado, a existência de falhas de mercado associada a estes temas confere importância a sua

existência; por outro lado, elas podem sofrer conseqüências caso não consigam eliminar

completamente tais aqui problemas.

É neste contexto que se analisa o arcabouço institucional do setor elétrico, dando

destaque ao desenho de mercado, em uma abordagem institucional com o objetivo de identificar

flhas na estrutura de governança que possam permitir comportamento estratégico e uso de poder de

mercado, por parte dos agentes. Por esta razão, discutiu-se anteriormente as questões associadas às

falhas de mercado e os principais instrumentos que podem ser utilizados pelo poder público para

conter o “mau” comportamento dos agentes. Este capítulo apresenta as principais discussões acerca

da Nova Economia Institucional, passando pela Economia dos Custos de Transação, um importante

referencial para a análise institucional, destacando o enfoque teórico do modelo de Estrutura de

Governança.

50 Uma abordagem interessante, que merece destaque, é a Teoria Política Positiva da Regulação, que embora utilize os fundamentos da escolha racional e de agentes maximizadores, como o faz a Nova Economia Institucional, se desprende dessas premissas e busca uma solução similar ao Second Best. Para maiores detalhes ver Mueller (2002).

55

3.2. As Instituições

As instituições são formadas pelo terreno político, social e legal que governa as bases

de produção, troca e distribuição de uma determinada sociedade, e consistem, por um lado, de

regras formais ou racionais associadas às constituições, leis ou direitos de propriedade; e, por outro,

de regras informais –sanções, normas de comportamento, convenções, tabus, tradições, costumes e

códigos de conduta e as características de cumprimento de ambas – (Mathews, 1986; Williamson,

1999). O sistema de restrições que cada ser humano impõe ao tratar com os demais seres humanos,

as estruturas das interações políticas, econômicas e sociais determinam as instituições (North, 1991,

1992). São as duas categorias de instituições, as formais e as informais, que, em conjunto, definem

a estrutura de incentivos das sociedades e, de forma específica, das economias (North, 1994).

No mundo real, as trocas se fazem em um contexto em que os agentes apenas

imperfeitamente podem corrigir seus modelos de escolha com base nas informações que possuem.

Tais informações, via de regra, são distribuídas assimetricamente, e com custos relacionados à sua

obtenção. Assim, o desenvolvimento de instituições que estruturam a interação humana, em que o

processo de troca é parte, não garante necessariamente a eliminação de imperfeições

informacionais. Nos sistemas de restrições criados pelos agentes, as instituições teriam suas

características associadas ao tipo de contrato que estivesse em prática e ao tipo de autoridade51 que

os estivesse regendo. A autoridade neste caso pode ser estabelecida de várias formas, pelo governo

ou órgão regulador, ou por mecanismos de coalisões e cartéis em que exista alguma forma de

subordinação ente os vários agentes no ambiente institucional52.

Segundo a Economia dos Custos de Transação, a dinâmica da economia se associa às

interações entre as instituições e as organizações, aos participantes do jogo, cujas regras são

determinadas institucionalmente. Nesse caso, as organizações são compostas por grupos de

indivíduos vinculados a algum propósito comum de conquista de objetivos específicos e refletirão

as oportunidades oferecidas pela matriz institucional. Em tal ambiente, as mudanças institucionais

resultam das escolhas que possam ser feitas no dia-a-dia das organizações. As organizações, por seu

turno, trabalham com base nas regras institucionais e, se estas regras se encontram em um ambiente

de contrato, a possibilidade de fazer alterações fica restrita. Uma vez que mudanças contratuais

51 A Autoridade é o elemento discricionário que possibilita, em muitos casos, o gerenciamento contratual, para o qual é impossível estabelecer antecipadamente mecanismos de proteção eficazes contra as contingências.52 Destaca-se, aqui, atuação da ANEEL e dos órgãos de defesa da concorrência brasileiros.

56

requerem alteração das regras pré-existentes, para que isto ocorra é necessário que os agentes

percebam alguma possibilidade de ganho com a mudança, ganho este que está associado

basicamente ao aprendizado dos indivíduos e das organizações (North, 1994).

A discussão entre regras formais e informais é interessante, pois se trata de costumes

e valores dos agentes que comandam as instituições e determinam seus objetivos. As duas formas

de instituições definem a estrutura de incentivo das sociedades e, especificamente, das economias.

Os sistemas de incentivos embutidos nas instituições apresentam ambigüidades de sinalização, que

podem favorecer o surgimento de burlas de regras e exigirem a correção por sistemas medidores de

arbitragem53 e realimentadores de informação, capazes de penalizar os desvios de comportamento e

induzir os atores sobreviventes à correção de seus comportamentos (North, 1992). Infere-se que

uma simples mudança das regras do jogo, da noite para o dia, pode não ser capaz de, por si só,

superar as restrições informais, profunda e culturalmente contidas nos padrões comportamentais.

Certas tensões são difíceis de ser acomodadas, e são solucionadas com a reestruturação de todo o

sistema de restrições, o que pode explicar o refluxo ideológico que costuma ocorrer imediatamente

após os movimentos revolucionários políticos (North, 1992).

Este arcabouço explica em grande parte o “insucesso” da implementação de um novo

modelo regulatório e de mercado para a indústria de energia elétrica, em âmbito mundial. De acordo

com os estudos apresentados nos capítulos 4 e 5, o desenho pobre dos modelos regulatórios, os

aspectos ideológicos dos agentes e a capacidade de as empresas burlarem os interesses do órgão

regulador fizeram com que um novo arcabouço regulatório viesse a ser implementado; ou pelo

menos que uma reformulação do modelo existente tenha sido feita.

Sobre essa questão, North (1992) assinala que o processo de mudança institucional

não ocorre tão facilmente, ou continuamente. Ao contrário, é um processo significativamente

incremental, lento e que se realiza, sempre, num contexto de barganhas, onde a parte mais flexível

ou vulnerável necessita ceder para que um novo processo ocorra. Neste caso a rede de

externalidades, que surge de uma dada matriz de regras formais ou restrições informais, irá “viesar”

consistentemente os custos e os benefícios de escolhas em favor da estrutura existente. Senão,

vejamos: as organizações que devem sua existência à matriz institucional atual terão interesse em

preservar a estrutura, produzindo uma trajetória de dependência. Por outro lado, as trajetórias

53 No MAE o abuso de poder de mercado dos agentes econômicos impediu que este mercado funcionasse de maneiraadequada. Um novo modelo vem sendo implementando, e os sistemas de arbitragem fazem parte da proposta atual.

57

podem mudar seu curso em função de uma ação externa capaz de enfraquecer o poder das

organizações existentes, ou fazer surgir organizações com diferentes perspectivas de interesses54.

Ainda de acordo com North (1992), as instituições mantêm um processo de inércia,

apesar de, em muitas situações, mudanças rápidas poderem ocorrer, contribuindo para invalidar ou

reduzir o crédito dessas instituições, pois na realidade de pouco valeriam as instituições se, por uma

razão ou outra, tivesse que estar continuamente mudando, tendo em vista que todos os arranjos de

estruturação teriam que ser desfeitos, após terem sido construídos ao longo de um processo de

barganha. Tal acontecimento significaria uma quebra de contrato, um risco regulatório, que poderia

trazer muitas dificuldades para se recriar a confiança, a partir de novos códigos e novos métodos de

monitoramento. Segundo Mathews, (1986:914) “Alguns agentes podem perder por causa de uma

mudança institucional, enquanto interesses adquiridos estiverem continuamente sendo criados com

a permanência das instituições”. Dessa forma, segundo o autor a instituição que menos sofre o

processo de inércia é o contrato, pois, se houver um contrato bem definido, em muitas situações as

mudanças rápidas podem simplesmente não ocorrer55.

A evolução institucional guarda também uma forte relação de dependência com a sua

própria complexidade e com o seu grau, em termos de configuração estrutural ou em termos dos

propósitos que deve servir. De acordo com Mathews (1986), uma das mais importantes

contribuições da Nova Economia Institucional foi mostrar que os propósitos servidos por uma dada

instituição podem ser muito mais complicados do que parecem ser à primeira vista56. A

complexidade de um arranjo institucional é extremamente difícil de se alterar, principalmente

quando as instituições são formadas por contratos e leis governamentais. É verdade que a as leis

podem ser mudadas, embora com grande grau de dificuldade, mas se as leis são mutáveis os

contratos, por outro lado, são difíceis de ser alterados devido ao caráter de ato jurídico perfeito.

Diante disso, as situações de inércia em determinadas instituições tornam mais fácil a resposta ao

aparecimento de mudanças circunstanciais, as quais incorporam uma trajetória de dependência, em

54 Os atores da indústria de energia elétrica possuem interesses difusos, onde o regulador tem por definição o papel de balizar os interesses entre investidos e consumidores. Sendo que estes últimos buscam individualmente interessescontraditórios, o máximo lucro de um lado e a máxima satisfação de outro. 55 O contrato é, do ponto de vista legal, um ato jurídico perfeito, no qual direitos e deveres não podem ser abalados,independentemente das mudanças institucionais que venham a ocorrer.56 Copiar modelos de outros países não parece uma boa idéia, pois cada país tem suas características sociais e ideológicas.

58

que novas concepções institucionais vão surgindo e se tornando mais complicadas –e num segundo

momento inertes –, adquirindo vida autônoma (Mathews, 1986)57.

A análise institucional tem como ponto de partida a busca da eficiência econômica, e

esta surge como conseqüência das instituições que fornecem a baixo custo as medidas e os meios

para o cumprimento dos contratos, considerando-se que os contratos são formas seguras de

instituições.

Destaca-se aqui o processo de reestruturação e mudança que vem ocorrendo nas

economias mundiais, principalmente nos últimos vinte anos, nos setores de infra-estrutura, em

particular no de telecomunicações e energia elétrica. Embora mudanças associadas a uma nova

regulamentação e à inserção da competição sejam intenção do governo, estas não alcançam com

facilidade os objetivos esperados, uma vez que as instituições formadas e baseadas em modelos

tradicionalmente estatais e monopolizados apresentam resistências brutais para se inserir num

modelo competitivo de mercado privatizado. Cita-se o caso recente do Mercado Atacadista de

Energia, que está parado deste dezembro de 2000, quando problemas associados a conflitos de

interesses dos agentes econômicos impediram o mercado de operar. A despeito da intervenção do

órgão regulador setorial, este mercado veio efetuar sua liquidação em Janeiro de 2003 de forma

parcial e com alto grau de inadimplência.

3.3. O Velho e o Novo Institucionalismo

Derivada do pensamento econômico norte-americano, a versão “velha” do

institucionalismo fez importantes contribuições à ciência econômica, ao trazer, nas décadas de 1920

e 1930, contraposições importantes à economia neoclássica. Personificado por Veblen58 (1857-

1929), seguido de Commons, Clair, Clark, e Galbraith, já na década de 1960 (Oliveira, 1998). Na

concepção de Veblen, o institucionalismo parte de uma visão essencialmente evolucionária do

processo econômico, o que rejeita a análise de equilíbrio geral dos economistas neoclássicos. O

processo de integração institucional é concebido dentro de um processo evolucionário seletivo, que

afeta as formas habituais dos seres humanos verem as coisas e moldar as dimensões cognitivas. Para

57 O modelo institucional em curso de implementação pela Indústria de Energia Elétrica Brasileira, embora não tenha sido totalmente implementado, vem passando por uma reforma. A complexidade dessa mudança é perceptível se for umcontrato bem definido, tendo em vista que o Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico está tendo muitadificuldade para encerrar os seus trabalhos na gestão do governo FHC.58 Sem apresentar uma lista exaustiva, cita-se outros institucionalistas: Richard T. Ely, Donald W. McConnel, anton Ayres Friedrich, Emmanuel Stein, Miguel A. de Capriles, Richard A. Girad, T. Edward, Crowder Jr., CarllRaudhenbush, Cirwen Stoddard e Williard E. Attkins (Oliveira,1998).

59

este autor, os instintos, hábitos e instituições teriam um comportamento análogo aos genes

biológicos. Dessa forma, a visão evolucionista de Veblen influenciou sua definição de instituição,

que para ele não seria nada mais do que hábitos e costumes que se modificariam ao longo do tempo

em um processo evolucionista darwinista. Assim, a habitualidade do comportamento humano seria

obtida a partir de um processo adaptativo, em que, mantidas as estruturas básicas de

comportamento, os instintos inatos das pessoas promovem um processo de reação às diferentes

circunstâncias. Por razões claras o velho institucionalismo era muito afeito à pesquisa empírica,

utilizando-se da história e da estatística, desagradando os economistas neoclássicos.

Por sua vez, a Nova Economia Institucional, desenvolvida na década de 197059, com

ênfase no individualismo metodológico, aproxima-se da economia neoclássica, mas não a acolhe

por considerar que a microteoria tradicional opera num nível muito elevado de abstração, não

permitindo que muitos fenômenos importantes sejam tratados de forma menos formalizada. E que,

ainda, as transações são questões cruciais e devem merecer atenção redobrada. Outro ponto forte

nesta teoria é o reconhecimento da firma como alternativa econômica do mercado, e não apenas

uma abstrata função de produção que obedece a um único e forte princípio maximizador. A teoria

considera ainda que o fato de existir racionalidade limitada distorce o princípio da realização do

interesse coletivo, daí decorrendo falhas, custo no processo de trocas, ou custos de transação, o que

leva a crer que a firma pode ser em certos casos a alternativa mais viável para a redução dos custos

de transação (Oliveira, 1998).

De acordo com Hodgson (1993), a Nova Economia Institucional tem nos indivíduos

o elemento básico formador da teoria, os quais, com suas características comportamentais, não

explicam o sistema econômico, mas constitui-se em elementos dados que servem de ponto de

partida para a análise institucional (Oliveira, 1998). Entretanto, este fator não elimina de forma

alguma as instituições do processo de construção da teoria, na realidade, estas últimas afetam o

comportamento individual do processo de escolha e restrições com os quais os indivíduos se

59 Hodgson (1993), apresenta uma extensa relação, embora não exaustiva: Mancur Olson, no campo da ação coletiva e do crescimento econômico; Eirik Furubotn, Svetozar Pejovitch e James Buchanan, que investigam a influência dosdireitos de propriedade e ações de rent-seeking sobre o desempenho da economia; Friedrich Hayek e Robert Sugden, que se interessam pelo surgimento da “ordem espontânea”; Bo Gustafsson, Douglass North e Robert Thomas, que têmuma vasta produção sobre a história da econômica; Armen Alchian, Harold Demsetz, Masahiko Aoki, Steven Cheung,Michael Jensen, William Meckling, e o próprio Oliver Williamson, que participaram intensamente do desenvolvimentode uma teoria econômica da firma; Robert Axelrod, Jon Elster. Nicolas Rowe, Andrew Schotter, Robert Sudgen e Edna Ullmann-Margalit, nas análises e teorizações sobre regras, normas, e suas instituições. William M. Dugger, com maiorou menor ambigüidade. E o precursor da economia dos custos de transação, Ronald Coase, cujo clássico artigo TheNature of the Firm, de 1937, introduz a visão da firma como de contratos e a formulação lógica básica da economia dos custos de transação, além de contribuições importantes sobre direitos de propriedade (Oliveira, 1998).

60

deparam. Finalmente, as instituições não têm poder de moldar as preferências dos indivíduos, mas

podem ser por eles formadas e lhes fornecer informações e algumas restrições.

A Nova Economia Institucional oferece perspectivas diversas à abordagem das

questões relacionadas ao desenvolvimento e reforma de sistemas econômicos, e em seu campo

teórico possui dois enfoques básicos: o Macroanalítico e o Microanalítico60. No caso do primeiro, o

campo de análise envolve os aspectos políticos, legais e institucionais, ou seja, as regras do jogo

para o funcionamento de uma instituição. No campo Microanalítico, a análise se faz por meio da

forma de contratação e da organização da firma no mercado. Destaca-se nesse campo a Teoria dos

Custos de Transação, que se divide ainda em estudos de Governança e Medição.

No campo de análise em que está sendo submetido o setor elétrico brasileiro, a Nova

Economia Institucional servirá como principal referencial teórico, seja no seu enfoque

Macroanalítico, seja no Microanalítico. O estudo da estrutura de governança aqui proposto

extrapola os limites da Economia dos Custos de Transação, embora os contratos sejam importantes,

por definirem a forma de organização de uma determinada firma no mercado, os aspectos políticos,

legais e institucionais que definem a regra do jogo a que está submetido o setor em análise. A

próxima seção discute questões associadas à Economia dos Custos de Transação e estrutura de

governança.

3.4. A Economia dos Custos de Transação e a Estrutura de Governança

Conforme Simon (1957 apud Oliveira,1998), as instituições são resultados de um

processo de adaptação do indivíduo à sua incapacidade física, neurológica e lingüística em

processar e armazenar as informações, por essa razão as organizações transformam-se em

instrumentos para alcançar os propósitos humanos; e se torna extremamente difícil, ou custoso, para

o indivíduo antecipar as possíveis contingências ao longo do processo de contratação. A

conseqüência disso é que contingências não previstas ex ante significam custos ex post de

renegociação de desvios contratuais, que devem ser administrados por outros meios, ou por

estruturas de governança erigidas especificamente para eficácia contratual (Kreps, 1990).

O comportamento oportunista dos agentes econômicos torna as negociações sujeitas

a risco, e um agente pode usufruir uma situação privilegiada para obter ganhos em detrimento de

61

outro. Desse modo os agentes econômicos devem se envolver em negociações, precavendo-se

contra o comportamento dos demais agentes e se protegendo da sua racionalidade limitada. A coleta

de informações, as salvaguardas contratuais e a utilização do sistema judiciário são mecanismos que

deixam os agentes menos expostos ou mais precavidos. Tais mecanismos, entretanto, representam

custos, os custos de transação.

Desenvolvida por Coase (1937), e mais recentemente por Williamsom (1985), a

Economia dos Custos de Transação traz importantes contribuições para a Organização Industrial, ao

envolver uma série de conceitos-chave associados ao comportamento humano e ao ambiente em

que se encontram as firmas (instituições). O importante papel dado à incerteza dos agentes

econômicos com relação ao futuro; o limite da racionalidade desses agentes em termos de colher e

processar as informações disponíveis; e o comportamento oportunista quando agem pelo auto-

interesse, são destaques da teoria.

Com o objetivo de apresentar uma visão mais aprofundada da firma, Ronald Coase

procurou identificar o escopo, a abrangência e os limites de uma empresa. Considerou que as trocas,

os acordos e as transações entre agentes econômicos apresentavam custos, tornando a firma um

ambiente complexo. Os custos estariam associados principalmente à coleta de informações; os

custos de negociação e estabelecimento de acordos entre partes, estabelecidos como custos de

transação. As transações poderiam funcionar por meio de diferentes formas organizacionais, com o

mercado, em contratos de longo prazo, ou mesmo internamente em uma firma61. No limite, a

depender dos custos de transação, a atividade produtiva poderia se verificar dentro de uma mesma

firma ou no mercado.

Dessa forma os pressupostos básicos da Economia dos Custos de Transação estão

associados ao grau de integração de uma firma numa dada indústria. Os fatores que levariam as

firmas a optar por centralizar ou descentralizar sua produção se devem aos custos de transação. Tais

custos vão interferir nas decisões entre coordenar sua atividade econômica através de mercados

(descentralização), ou coordenar suas atividades no interior da firma (centralização). Se as

vantagens de centralização superarem os custos contratuais, a firma vai optar por desenvolver sua

60 No Setor Elétrico Brasileiro, o estudo do MAE, enquanto centro das transações do setor, se realiza mediante umaanálise Microanalitica; a análise Macroanalítica, por outro lado, poderia se identificada nas demais instituições, a ANEEL, o MME, CNPE, ONS, CGSE e outros. 61 Com seu argumento, Coase colocou em cena as restrições às transações econômicas, cujos custos não mais poderiamser imprudentemente negligenciados (Williamson, 1995).

62

atividade de forma coordenada/integrada, e se os custos contratuais ou de transação não se

mostrarem muito altos, a firma vai preferir coordenar a sua atividade no mercado.

Williamson (1985), por sua vez, acresceu esforços às preocupações com os custos de

transação, propiciando o surgimento de um ramo de estudos que classificou como a Economia dos

Custos de Transação, logo incorporado às teorias que fazem parte da Nova Economia Institucional.

Nessa abordagem, assume-se que os indivíduos são oportunistas e possuem limites à racionalidade,

o que poderia gerar trapaças e quebra de promessas, além de, por outro lado, implicar que quando o

agente buscar informações, empenha-se em obter aquilo que considera melhor para si. No entanto,

para obter as informações necessárias, há custos. Mais ainda: a capacidade de processar as

informações é limitada. Por essa razão, os agentes, em vez de tomarem uma decisão ótima para si

e/ou para sua firma, contentam-se com uma decisão satisfatória, colocando em xeque o princípio da

maximização.

Os custos de transação podem ser maiores ou menores, a depender da freqüência que

ocorrem, do grau de incerteza em que a negociação é realizada e do tipo de ativos envolvidos. Em

transações recorrentes, as partes podem desenvolver reputação, o que limita seu interesse em

praticar oportunismo. Se por outro lado à transação ocorre poucas vezes, as práticas oportunistas

podem ocorrer. A incerteza amplia as lacunas que um contrato não pode cobrir, pois em um

ambiente de incerteza os agentes não conseguem prever os acontecimentos futuros e, assim, o

espaço para renegociação é maior, ampliando as perdas derivadas do comportamento oportunista

(Williamson, 1985).

As especificidades dos ativos envolvidos assumem um papel chave para o modelo.

Entende-se por ativos específicos aqueles ativos cujo retorno depende de uma transação específica.

Por exemplo, no segmento de geração de energia elétrica, o investimento nos ativos, no caso os

equipamentos de geração, não favorece usos alternativos, a não ser a própria geração de energia

elétrica. Adicionalmente, o retorno dessa indústria dependente da atividade de transmissão, outro

segmento que para continuar a atividade deve transmitir a energia gerada pelo segmento de geração.

A transmissão, por sua vez, precisa do segmento de distribuição para levar a energia até os

consumidores finais. Assim, os três segmentos mantêm entre si uma interdependência muito grande,

necessitando, portanto, de grande coordenação. Isto faz com que o retorno dessa indústria fique na

estrita dependência dos contratos estabelecidos entre os segmentos (Oliveira, 1998).

Quanto maior a especificidade dos ativos, maior a perda associada à ação oportunista

por parte de outro agente, e maiores os custos de transação. Por esta razão, Williamson (1985)

63

propõe que as instituições seriam importantes instrumentos que poderiam funcionar como regra do

jogo, a fim de restringir o comportamento oportunista e reduzir os custos de transação. As

instituições teriam dois conceitos característicos: em primeiro lugar, a instituição abrange o elenco

de normas, princípios éticos, morais e comportamentais que, sob a forma de restrições, orientam o

relacionamento entre membros de uma sociedade; em segundo, a instituição é tida como o estudo

das estruturas de governança nas suas diversas modalidades, “(...) de modo que nesta estrutura as

transações são efetivamente realizadas ou decididas” (Williamson, 1996:11). Com efeito, a firma

pode ser entendida como uma estrutura de governança, onde surgem e são concluídas as transações.

E, portanto, a firma e o mercado, ambiente institucional, são formas distintas de governança (Coase,

1937)62.

Caso a discussão passe pela decisão de produzir internamente de forma

integrada/verticalizada, ou produzir externamente, utilizando-se dos instrumentos de mercado, os

custos de transação ficariam, no primeiro caso, associados aos custos de administrar a firma

internamente, ou, no segundo caso, fazer contratos ao produzir externamente.

Williamson (1985) propõe ainda uma ordenação dos diversos modos de se realizar

uma dada transação, em que os custos de transação vão-se reduzindo verticalmente. Começando

pelo mercado spot, passando por contratos de longo prazo e terminando na hierarquia (uma única

firma abarcando toda a transação). Na medida que se caminha por esta ordenação de formas

organizacionais, ganha-se em controle sobre a transação, mas perde-se em termos de flexibilidade –

capacidade de resposta a estímulos externos.

Em caso de baixa ou nula especificidade dos ativos, os custos de transação são, no

limite, negligenciáveis; não havendo necessidade de controle sobre a transação, o mercado seria a

forma de instituição mais eficiente. Mas caso as especificidades dos ativos sejam altas, os custos

associados ao rompimento contratual serão altos e, portanto, seria necessário um maior controle

sobre as transações, optando-se pela hierarquia.

Dessa forma, a Economia dos Custos de Transação concentra-se no exame dos

estágios de execução dos contratos, ainda que considere a importância da fixação ex ante de

incentivos, e subdivide-se num ramo governança e num ramo medição. Este último refere-se à

62 No caso da indústria de energia elétrica no novo modelo, o ambiente institucional é formado por estruturas degovernança distintas: o MAE, o ONS, a ANEEL, o MME, o CNPE e a CGSE. Cada governança, individualmente,devido a sua interdependência, constitui uma macro-governança, a governança da indústria, ou o ambiente institucional desta.

64

verificação do desempenho e das ambigüidades associadas aos atributos das transações, ao passo

que a primeira abordagem está centrada na análise das estruturas de governança, que se constituem

de instituições decisórias criadas para administrar o processo adaptativo das instituições e dos

contratos. O processo de negociação é inerente à evolução dos contratos, tanto quanto o recurso à

arbitragem, uma expressão do ordenamento privado (Williamson, 1985). O esquema que se segue

sintetiza as ramificações discutidas acima.

Monopólio

Eficiência

Alavancagem

Discriminação de preços

Barreiras a Entrada

Comportamento Estratégico

Direitos de Propriedade

Agência

Governança

Medição

Fonte: Williamson (1985:24)

FIGURA 4 – MAPA COGNITIVO DOS CONTRATOS

As discussões sobre especificidades dos ativos, apresentadas por Williamson, trazem

fundamentos interessantes para o modelo de uma determinada firma ou indústria. As características

tecnológicas dessa indústria serão capazes de determinar a estrutura de governança que pode estar

inserida a firma, os tipos de contrato e, por extensão, os custos de transação. Em indústrias cujos

ativos são altamente específicos, os investimentos tendem a ser extremamente altos e com caráter

de não recuperáveis (sunk costs). Tal tipo de indústria, além de dificultar a competição do ponto de

vista do seu desempenho no mercado, traz dificuldades de administração por parte dos empresários.

Indústrias com alto grau de complexidade nos ativos tendem a ser menos eficientes do posto de

65

vista do mercado, e com custos de transação elevados. Os mercados eficientes são aqueles que

fornecem a baixo custo as medidas para o cumprimento dos contratos. A freqüência com que as

transações ocorrem e o grau de especificidade dos ativos integra-se em estruturas de governança

especializadas. Assim, transações recorrentes originárias do uso de ativos específicos serão mais

bem processadas em estruturas de governança especialmente construídas para seu gerenciamento, o

mesmo ocorrendo com as transações de baixa freqüência, mas que apresentam nuanças na sua

governança63(Oliveira, 1998).

A análise conduz a uma conclusão interessante para o caso do setor elétrico brasileiro

e o seu modelo de reestruturação. Embora o setor tenha sido inserido em uma estrutura de mercado

competitiva, este possui características que, a princípio, tornariam o processo complexo, pois os

ativos são específicos e existe um grande grau de interdependência entre as cadeias produtivas. Tal

fato leva o setor a necessitar de mecanismos de salvaguardas, aumentando os custos de transação,

ou, no caso em que mecanismos de salvaguarda não sejam adotados, elevando os riscos

substancialmente, uma vez que, embora o setor elétrico tenha sido inserido numa estrutura de

mercado competitiva, as suas complexidades não foram contornadas totalmente.

Ao proceder a uma análise da indústria de energia elétrica brasileira, sob a ótica da

Economia dos Custos de Transação, Oliveira (1998) conclui que até a recente reforma do setor

elétrico, ela se caracterizava como uma estrutura de produção hierarquizada, dado o predomínio de

formas verticalizadas e as especificidades dos ativos envolvidos, tendo a Eletrobrás como

coordenadora das atividades do sistema. Com a reforma, envolvendo desverticalização, privatização

e introdução da competição, a indústria passou de uma hierarquia para uma forma híbrida de

organização, onde o mercado spot está presente, além de um novo arranjo institucional associado ao

Operador Nacional do Sistema, o qual é fator determinante na eficácia do modelo64.

No seu modelo, Williamson (1989) analisa os mecanismos de salvaguarda

considerando os termos da elaboração ex ante e da execução ex post dos contratos, os quais se

revestem de três formas básicas. A primeira sugere o realinhamento do mecanismo de incentivos

contratuais pela imposição de algum tipo de multa ou penalidade, devido ao término prematuro dos

contratos. A segunda, partindo da premissa de que todos os contratos são incompletos, altera o foro

63 Willliamson (1989:145) desenvolveu um modelo interessante, que classifica os ativos de acordo com sua especificidade e, portanto, segundo a necessidade de mecanismos de salvaguarda. 64 O mercado spot será analisado com mais detalhe neste trabalho. Algumas considerações sobre os custos de transação serão feitas no capítulo 5. Para maiores detalhes sobre a análise da indústria como um todo, na ótica dos custos detransação, ver Oliveira (1998).

66

da resolução de disputas65, e substitui o recurso à corte de justiça pelo ordenamento privado, do qual

a instituição da arbitragem é um dos exemplos clássicos. A terceira forma de assegurar integridade

dos contratos é realizada por meio de um mecanismo adaptativo de trocas e concessões bilaterais.

Em termos de especificidade de ativos, Williamson (1989) apresenta quatro modelos

de contratos:

i. Planejado;

ii. Compromisso;

iii. Competitivo; e

iv. Governança ou ordenamento privado.

O modelo leva em conta que a incerteza comportamental está presente no processo

de contratação em um grau não desprezível, e que as possibilidades de contratação, com suas

diferenças quanto ao grau de especificidade do ativo, racionalidade limitada e oportunismo

determinam os tipos de contrato. Um contrato planejado, por exemplo, ocorre em situações de

ausência de racionalidade limitada e presença de oportunismo, nas quais os incentivos contratuais

são negociados ex ante. Em casos em que não haja presença de oportunismo, ocorrem os contratos

do tipo compromisso, onde os agentes fazem constar subcláusulas de autocumprimento nos

contratos. Os contratos em situação de racionalidade restrita e prática de oportunismo podem

ocorrer em contextos em que as especificidades dos ativos se encontram ausentes. Neste caso,

predomina o processo competitivo, pois nesse tipo de indústria os mercados são competitivos ou, no

mínimo, contestáveis. Em situações em que existe racionalidade limitada, prática de oportunismo e

grande especificidade dos ativos, o processo competitivo se torna difícil, e deve predominar o

mundo da governança, ou, no limite, o ordenamento privado66 (Williamson, 1985).

Conforme apresentado, na concepção do modelo da Economia dos Custos de

Transação, o mercado é apenas uma das formas de organizar a produção, e as estruturas

intermediárias e as formas híbridas de governança dominam as relações entre os agentes, instituindo

contratações bilaterais que serão tanto mais eficientes na redução dos desajustes em relação às

economias de escala e escopo quanto mais se consiga, através de compromissos confiáveis, reduzir

o risco da contratação. O grau de confiabilidade entre os contratantes é o fator determinante para

65 No caso do MAE, a câmara de arbitragem foi criada para resolver as disputas.66 O ordenamento privado é a base da filosofia da Economia dos Custos de Transação, uma vez que os estudos de contratos, de forma geral, no ramo da Economia ou no do Direito, enfatizam essencialmente os aspectos relacionadosàs regras gerais e às tecnicalidades econômicas dos processos (custos e benefícios obtidos pela especialização e pelastrocas).

67

que se mova de um modelo com riscos inerentes para um modelo com custos de transação, mas com

riscos reduzidos.

A criação de mecanismos de incentivo necessita ser ex ante a estruturação dos

desenhos contratuais e deve focalizar a importância dos direitos de propriedade ou ainda tratar dos

efeitos que a separação entre propriedade e controle possam ter sobre a contratação, uma vez que a

sua execução é, em última instância, realizada pelos agentes, por designação dos principais, que

devem conhecer os riscos inerentes à execução contratual pelos agentes. A ênfase no alinhamento

adequado dos direitos de propriedade é vista como a forma por excelência de se evitar a alocação

ineficiente de recursos. Nesse sentido, a propriedade faz a diferença, porque formas de contratação

não triviais exigem desenhos mais complexos de contratação, cujos direitos residuais devem

pertencer àqueles que melhor uso farão de tais direitos, e que, portanto, melhor atenderão às

necessidades de eficiência alocativa (Oliveira, 1998).

Os agentes contratantes, dadas suas características de racionalidade restrita e as

possibilidades de ações oportunistas, ao estruturar contratos de cumprimento autônomo necessitam

de compromissos que possam salvaguardar a execução ex post. Tais contratos existem com atos de

reciprocidade entre as partes, para dar apoio às alianças e sustentar a continuidade do

relacionamento iniciado. De um lado oposto, as ameaças, se críveis, que surgem num contexto da

rivalidade e conflito, são esforços unilaterais para apropriar-se antecipadamente de todas as

vantagens que a situação propicia. Os compromissos confiáveis e as ameaças críveis possuem um

atributo comum, qual seja, fazer parte de um processo de um portfolio de investimentos

especializados e irreversíveis. Williamson (1985, 1996) propõe um modelo de análise nas relações

de troca unilaterais ou bilaterais, cujo propósito seria servir como paradigma para o modelo de

governança (ordenamento privado).

Segundo Willliamson (1996), a Governança dos contratos é resultado da articulação

entre as condições macro institucionais (ambiente institucional) por um lado, e os atributos

comportamentais dos agentes econômicos por outro, e apresentam o objeto central da análise

Micronalítica: as estruturas de governança. O ambiente institucional é que vai definir os parâmetros

para a comparação das estruturas de governança; mudanças nos parâmetros alteram sensivelmente

os custos comparativos das estruturas. A figura 5 é a representação desse esquema.

68

Fonte: Williansom (1996: 223).

FIGURA 5 – O ESQUEMA DE TRÊS NÍVEIS

Os efeitos principais estão demonstrados nas linhas sólidas do esquema (as mudanças

de parâmetros ambientais e as premissas comportamentais); os secundários estão representados por

linhas tracejadas. A flecha circular no interior no setor de Governança é a representação

diagramática da principal propriedade da organização: a sua existência autônoma, resultado de uma

construção progressiva, que depende das decisões empresariais.

3.5. A Adaptação Organizacional e as Estruturas de Governança

O mercado, a hierarquia e a forma híbrida são os tipos de estrutura de governança

considerados pela ECT, que diferem segundo as suas leis de contratação, tanto em contratos

clássicos, neoclássicos ou relacionais67. Segundo Williamson (1996), a análise das estruturas de

governança, ou seja, a análise das matrizes institucionais nas quais a integridade das transações é

67 Os contratos do tipo clássico são aqueles que privilegiam o mercado e desconsideram outros arranjos organizacionais. Não há dependência bilateral entre as partes. A renovação dos acordos contratuais decorre exclusivamente do fato de os supridores do bem ou serviço particular estarem aptos a atender as requisições reiteradas dos consumidores em um mercado do tipo spot. Os contratos neoclássicos apóiam-se na dependência que se estabelece entre os contratantes, ainda que a autonomia seja preservada. Os recursos de arbitragem são utilizados neste esquema decontratos (Williamson, 1995).

69

decidida, exige que as diferenças do processo sejam compreendidas para que se possa fazer da

melhor forma possível o uso dos esquemas de incentivos e de controle administrativos.

Para o autor, a adaptação68 constitui-se no problema central da atividade econômica,

a medida do desempenho econômico das firmas, tendo em vista que o mercado é

extraordinariamente eficiente para comunicar aos agentes econômicos as mudanças de cenário, seja

do ponto de vista da oferta, seja do da demanda. Com base numa função utilidade, cada indivíduo

pode adotar o curso de ação mais adequado, dentro do ideal neoclássico “no qual os consumidores

e produtores respondem independentemente às mudanças paramétricas dos preços de modo a

maximizar suas utilidades e lucros, respectivamente” (Williamson, 1996: 102).

A estrutura de governança pode ser composta de forma comparativa alinhando,

simultaneamente, os instrumentos de ação de que fazem uso; os seus atributos de desempenho, ou

os mecanismos de adaptação a que estão submetidas; e as suas leis implícitas de contratação. Os

pontos extremos são o mercado, por um lado, e a hierarquia, por outro. Em ambos os casos,

características predominantes formam seus atributos. Dessa forma, enquanto o mercado faz uso

intenso dos incentivos, a hierarquia se caracterizada pela maior presença de controles

administrativos.

No caso do Setor Elétrico, dadas as especificidades dos ativos dessa indústria e as

condições de entrada e saída, a estrutura de governança tende a apresentar uma característica

híbrida, uma vez que não pode ficar totalmente exposta às forças do mercado, o que exige um

desenho institucional e regulatório extremamente complexo, gerando a necessidade de haver

perspicácia por parte dos formuladores da mudança, e um papel pró-ativo do órgão regulador.

68 Adaptação é tudo por que a indústria de energia elétrica precisa passar, a adaptação gradual de um modeloinstitucional e regulatório, que não se constrói da noite para o dia.

70

3.6. Conclusões

Conforme será apresentado nos capítulos de experiências internacionas, os atuais

resultados do processo de privatização e reestruturação da indústria de energia elétrica, em âmbito

mundial, não têm sido satisfatórios em termos de eficiência econômica, fato que pode ser observado

pelo grande número de trabalhos que circulam na literatura econômica, fazendo descrições sobre a

“má” performance desta indústria, ocasionada principalmente pela conduta anticompetitivas dos

agentes econômicos. Por essa razão, uma série de estudos vem sendo feitos com o objetivo de

entender quais seriam as causas do “insucesso” do processo. Para a maioria dos autores, o aparato

regulatório dos modelos reformados é crucial para entender os problemas, além do próprio desenho

institucional dos modelos implementados. Fatores ideológicos e a própria seqüência da

implementação da reestruturação é importante para entender este processo. A despeito desse

entendimento, não se encontra na literatura internacional (e tão pouco nacional) estudo que trate

desse tema de forma completa. Para o Brasil, em particular, embora haja muitos trabalhos sobre a

reestruturação do setor, pouco se tem falado a respeito de poder de mercado e desenho institucional.

O referencial teórico da Nova Economia Institucional e Estrutura de Governança apresentado neste

capítulo é o ponto de partida para a análise do modelo do setor elétrico a partir dessa perspectiva.

71

PARTE II

EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE SISTEMAS ELÉTRICOS

REESTRUTURADOS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE

MERCADO

72

CAPÍTULO 4 - EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS EM SISTEMAS ELÉTRICOS REESTRUTURADOS

4.1. Considerações Iniciais

O estabelecimento do conceito de indústria nos sistemas elétricos mundiais,

envolvendo os quatro principais segmentos do antigo setor de energia elétrica, vem ocorrendo

principalmente nos últimos vinte anos. O setor elétrico, que tinha como principal finalidade servir, a

qualquer custo, sob forma de suprimento, produtos e serviços associados à energia elétrica vem

adotando, na maioria dos países, um sistema de mercado competitivo. Tais reformas incluem um

processo de privatização69, além de introduzirem competição nos segmentos de geração e

comercialização de energia e uma nova regulamentação nos segmentos de transmissão e

distribuição, tendo em vista que estes são considerados monopólios naturais. No novo modelo, o

preço se torna o principal sinalizador para os agentes econômicos; e a expectativa de que a

introdução de pressões competitivas pode reduzir – e, no limite, eliminar – a necessidade de

regulação e criar estímulos à eficiência econômica de determinados segmentos da indústria,

induziria a redução de custos e um razoável ganho de eficiência alocativa.

A percepção de fundo quanto às reformas no setor elétrico em diversas partes do

mundo é de que é imprescindível a introdução da concorrência nas indústrias de rede, o que não

constitui tarefa simples (Helm & Jenkinson, 1998). A introdução da competição em pontos

específicos da cadeia produtiva pode gerar efeitos de coordenação ao longo dessa indústria, onde

segmentos competitivos se relacionam com segmentos regulados (essencial facilities), havendo a

possibilidade de extensão do poder de mercado de um segmento não-competitivo para outro

potencialmente competitivo.

No caso do setor elétrico, as redes de transportes (transmissão e distribuição) foram

consideradas monopólios naturais pela maioria dos países que fizeram a reforma, podendo a

competição ser introduzida apenas nas duas pontas da cadeia produtiva (geração e comercialização).

Sendo assim, a segmentação da cadeia de suprimento de eletricidade é elemento central das

reformas que têm por objetivo introduzir a concorrência no mercado de eletricidade.

69Com exceção dos EUA onde a maioria das empresas era privada, e da Noruega que permaneceu estatal.

73

A desverticalização da indústria é, todavia, tarefa complexa, uma vez que a

necessidade de coordenação entre os vários seguimentos da cadeia produtiva permanece, a fim de

garantir a qualidade e a confiabilidade do fornecimento do produto energia elétrica. Cabe destacar a

elevada interdependência das atividades de geração e transporte, exigindo grande coordenação no

momento do despacho da energia elétrica pelas centrais até o ponto de entrega ao consumidor final.

Além disso, o sistema elétrico necessita operar com certa capacidade de reserva para manter o

suprimento em tempo real, pois a demanda pode variar a cada momento e a eletricidade não pode

ser estocada.

A reestruturação da indústria de eletricidade, impulsionada principalmente a partir da

reforma radical do Reino Unido, tem buscado contornar os obstáculos acima mencionados, por

meio de arranjos institucionais que forçam sua desverticalização, institui o livre acesso às redes de

transmissão e distribuição, criam um mercado atacadista de energia elétrica, introduzem regime

contratual das relações comerciais dos agentes setoriais e um mecanismo de regulação que permite

a convivência dos regimes monopolistas e competitivos ao longo da cadeia da indústria. Com o

objetivo de preservar níveis indispensáveis de coordenação setorial, as reformas têm delegado a um

agente independente a responsabilidade pela operação do sistema. Têm também criado um órgão

regulador a quem compete dirimir eventuais conflitos de interesses entre agentes do mercado

elétrico, principalmente na fase de transição, e regular as etapas da cadeia produtiva que

permanecem sendo operadas como monopólio.

Embora apresente peculiaridades, a maioria dos países que introduziram a reforma

no setor elétrico apresentou dificuldades consideráveis na implementação de um modelo de

mercado, de modo que a competição não vem ocorrendo no grau esperado. Invariavelmente, as

experiências internacionais têm demonstrado que os novos agentes a comandar o setor elétrico vêm

adotando práticas anticompetitivas a fim de obter rendas extraordinárias. Dessa forma,

comportamento estratégico e abuso de poder de mercado ao longo da cadeia industrial, e

principalmente no mercado atacadista, levou alguns países a rever o próprio modelo de

implementação do mercado competitivo nesse setor e, sobretudo, na estrutura de governança da

indústria. Cita-se o caso da Inglaterra, o estado da Califórnia, nos Estados Unidos e, mais

recentemente, o Brasil.

74

A revisão dos modelos implementados, nos diferentes países que fizeram a reforma

do setor elétrico e posteriormente aplicaram uma “revitalização”70 do aparato inicialmente

desenhado, procura reduzir a possibilidade de uso de poder de mercado. Tal análise tem por

objetivo adequar modelos competitivos baseados em uma estrutura de governança considerada

“adequada” a cada mercado em particular. Nessa perspectiva, e de acordo com o objetivo geral

deste trabalho, o presente capítulo apresenta uma revisão bibliográfica dos principais trabalhos que

tematizam a reforma do setor elétrico no mundo, em particular a experiência dos Estados Unidos e

da Europa, a fim de tirar algumas lições para o caso brasileiro. As próximas seções apresentam um

breve relato das reformas, destacando questões-chave em termos de modelo de mercado, conduta da

firma (exercício de poder de mercado), performance da indústria e questões institucionais71. A

análise de comportamento estratégico em uma estrutura de governança determinada é o foco do

próximo capítulo.

4.2. Questões-chave da Reforma

Dentre as principais características da indústria de eletricidade, a principal delas está

associada ao fato de esta ser uma indústria de rede – com o agravante de que a energia elétrica não

pode ser estocada. Diante desse quadro, a tentativa de comparar o produto energia elétrica com um

bem qualquer pode ocasionar um sério erro de diagnóstico, em termos de definição do que se

pretende para a estrutura de mercado desta indústria em particular. Além disso, a indústria de

energia elétrica exerce papel extremamente importante para a infra-estrutura de um país, sendo

considerada estratégica para a matriz industrial. Em conseqüência, esta indústria, na maioria dos

casos, torna-se objeto de preocupação por parte do Estado e, geralmente, peça importante de um

aparato institucional relativamente amplo.

O intuito de inserir a competição nos segmentos considerados potencialmente

competitivos, e um novo aparato regulatório naqueles segmentos com características de monopólio

natural, tem como ponto de partida o caráter commodity do produto energia elétrica. Entretanto, a

particularidade do produto torna peculiar a cadeia desta indústria e a própria estrutura de mercado

em que está inserida, levando a implicações econômicas importantes. O Quadro 3, abaixo, mostra

70 O termo revitalização passou a ser utilizado para o caso brasileiro quando a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (CGCE), criou o Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico Brasileiro. 71 Embora o modelo de Estrutura-Conduta e Desempenho não seja o principal referencial teórico deste trabalho, por razões metodológicas, a apresentação da experiência internacional segue a lógica do modelo.

75

de forma geral as características econômicas chaves da indústria de energia elétrica e as principais

implicações econômicas em termos de estrutura de mercado.

QUADRO 3 – CADEIA DA INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA

Atividade Características Econômicas Implicações

Geração Economias de escala limitadas

Coordenação e complementaridade

com a transmissão

Portfolio de tecnologias

Segmento potencialmente

competitivo

Transmissão e

Distribuição

Externalidades de rede

Sunk costs elevados

Economias de Escala e de Escopo

consideráveis

Economia de Coordenação

Idéia de bem público (utilities)

Monopólio natural

Tendência de baixos

investimentos

Taxa de retorno limitado

Segmento Regulado

Comercialização Sunk costs baixos

Economias de escala limitadas

Barreiras à entrada/saída baixas

Segmento potencialmente

competitivo

Operação/Despacho Monopólio Segmento Regulado

Outros Serviços:

Mercado Atacadista

Mercado de Contratos

Financeiros

Manutenção de redes e

outros serviços

(ancilares)

Manutenção de

Capacidade

Noção de bem público e definição de

direito de propriedade

Não possuem características

econômicas especiais

Potencialmente competitivo

Fonte: Adaptação OCDE (2001) e Vinhaes (1999).

O Quadro 3 descreve de maneira geral os sistemas elétricos que vem passando por

uma desverticalização da cadeia produtiva, envolvendo ainda, na maioria dos casos, privatização e

nova regulamentação. Devido às características econômicas acima apresentadas, algumas questões-

chave vêm sendo destacadas pelos trabalhos que tratam do tema. Nessa perspectiva, para

76

compreender o real funcionamento nos novos modelos do setor elétrico é necessário considerar os

seguintes pontos:

i. Modelo institucional da indústria e o seu inter-relacionamento;

ii. A estrutura de governança do mercado atacadista, do operador do sistema e

das demais instituições envolvidas;

iii. Aparato regulatório do novo modelo, bem como as características das

instituições regulatórias;

iv. Desenho do mercado;

v. Tipo de pool (centralizado ou não);

vi. Mercado spot, bilateral e futuros;

vii. Mecanismo de formação de preços;

viii. Características da oferta e da demanda (elasticidades);

ix. Repartição de riscos do setor e do mercado;

x. Os mecanismos de mercado e os incentivos utilizados para coibir o poder de

mercado e estimular os investimentos;

xi. A transparência nas relações contratuais e regulatórias;

xii. Grau de desverticalização da indústria;

xiii. Relacionamento entre o despacho (centralizado ou não), e a estabilidade e

manutenção do sistema (serviços ancilares);

xiv. Sistema de transporte (transmissão), as tarifas de acesso e rendas de congestão;

xv. Objetivos da reforma, reais benefícios e custos;

xvi. Objetivos do governo, metas sociais e de meio ambiente;

xvii. Objetivos da sociedade e dos agentes de mercado;

xviii. E, principalmente, que tipo de modelo estrutural, institucional e regulatório as

características técnicas e econômicas desta indústria são capazes de se adaptar.

As questões acima mencionadas vêm sendo consideradas fundamentais para a

maioria dos trabalhos sobre o setor elétrico, uma vez que os principais problemas apresentados na

implementação do novo modelo do setor decorrem de fragilidades existentes em grande parte dos

itens acima mencionados, senão em todos. É muito importante, por exemplo, a relação entre o

despacho real do sistema e o despacho comercial, pois a partir daí é que serão determinados o grau

de exposição dos agentes e a possibilidade de extrair renda (rendas de congestão ou surplus), além

do sinal de preços para a expansão dos investimentos.

77

Cabe destacar que o mercado atacadista na maioria dos paises apresenta operações

spot (mercado à vista) e contratos bilaterais (mercado a prazo) e, quando em um grau maior de

desenvolvimento, operam com mercados futuros. A opção pelo desenho do mercado atacadista

depende das características do país, mas destaca-se que a maioria vem escolhendo um pool central.

Nesse sentido o mecanismo de formação de preços se torna uma variável extremamente importante,

à medida que alguns países escolhem a oferta de preços (sistema de bid) ou o mecanismo de oferta

de quantidade (como é o caso brasileiro).

Destaca-se, ainda, que a despeito das inovações tecnológicas na indústria,

principalmente no que se refere a pequenas plantas hidráulicas (PCH’s) e a termelétricas a gás de

ciclo combinado, os investimentos vêm-se tornando objeto de muita preocupação, tendo em vista

que a competição nos segmentos considerados contestáveis passa necessariamente pelo aumento do

número de agentes no mercado, o que não vem ocorrendo no grau esperado.

Ademais, a discussão sobre o pagamento dos serviços ancilares72 se torna importante,

uma vez que a operação privada cria distorções naquelas atividades com alto grau de

externalidades. É nesse contexto que os principais estudos mostram os avanços e os problemas da

reforma do setor elétrico em âmbito internacional. O presente trabalho procura delinear essas

discussões para o caso do Brasil, a fim de trazer lições da experiência internacional.

4.3. As Principais Reformas

Um crescente número de países desenvolvidos ou em desenvolvimento vem

participando de um processo de reforma da indústria de energia elétrica, com o objetivo de

introduzir a competição no segmento de geração e, portanto, na venda desta energia no mercado

atacadista, além de gradualmente introduzir a competição no varejo (Woolf; Halpern, 2001)73. Com

raras exceções, a reforma envolve também um processo de privatização e nova regulamentação da

indústria, além da desverticalização dos quatro segmentos da cadeia produtiva, a saber: geração,

transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica.

72 No dia 24 de janeiro de 2002, houve um blecaute no sistema elétrico brasileiro, deixando o país na escuridão durante quatro horas. Os técnicos apontaram que uma das causas foi a falta de investimento nos chamados serviços ancilares, osquais com a privatização da indústria de energia elétrica ficaram sem responsáveis diretos. 73 Não será feita nesta tese uma descrição detalhada das principais reformas na indústria de energia elétrica no mundo,tendo em vista a grande quantidade de trabalho envolvendo este tema. Para maiores detalhes consultar Pires (1999), Vinhaes (1999); Pontes (1999); OCDE (2002) e outros.

78

Nos Estados Unidos, a reforma começou mais cedo, a partir da publicação da lei

PURPA (Public Utility Regulary Police Act) em 1978, quando houve profundas mudanças na

estrutura e, principalmente, na regulação e no desempenho das empresas, uma vez que estes já eram

privados, na sua maioria (Vinhaes, 1999). O Chile, a partir de 1982, iniciou a reforma do setor

elétrico, introduzindo alguma competição principalmente para os grandes consumidores. No

restante da América, com destaque para Canadá, Argentina e Brasil, as reformas tiveram início a

partir da década de 1990.

A Inglaterra e País de Gales também fazem parte dos primeiros países a iniciar o

processo de reforma envolvendo a indústria de rede em um contexto mais geral, a partir de

mudanças na legislação na década de 1980, embora tenha vindo efetivar a reforma no início da

década de 1990.

Nos anos noventa é que se intensifica o processo de reforma da indústria de energia

elétrica em âmbito mundial. Destaca-se na Europa: País de Gales, Noruega, Suécia, Nova Zelândia,

Finlândia, Dinamarca, Austrália, França, Alemanha, Holanda, Espanha e outros. Atualmente, tal

processo se estende para o restante da Europa e aos países asiáticos.

Embora apresente algumas particularidades, a reforma da indústria de energia

elétrica, de uma maneira geral, têm por princípio básico a introdução da competição na indústria,

uma nova regulamentação e uma mudança do papel do estado (privatização). Para tanto, a indústria

vem passando por um intenso processo de desverticalização da cadeia produtiva. A maioria dos

modelos adotados pelos países separa empresarialmente os quatro segmentos da indústria e, em

alguns casos, permitem propriedade comum entre geração e distribuição, como é o caso da Noruega

e Suécia.

Na próxima seção será apresentada a estrutura básica dos modelos utilizados pelos

países em reforma.

79

4.4. Estrutura Básica do Novo Modelo

Com o objetivo de maximizar a eficiência econômica diferentes configurações para a

industria de energia elétrica foram idealizadas inserindo elementos de monopólio e competição no

varejo, entretanto apenas algum desses modelos vem sendo efetivamente implementados e ainda, de

forma incompleta. De um modo geral, o modelo desenhado para a reforma da indústria apresenta as

seguintes características:

1. Compra e venda de energia elétrica entre geradores, distribuidores,

comercializadores (retailers) e consumidores finais, além de possibilidades

intermediárias no pool;

2. Livre acesso ao mercado atacadista, livre escolha do consumidor e oferta de

redução de demanda (Demand Side Bidding);

3. A transmissão e distribuição são consideradas atividades reguladas e com caráter

de utilities, ou seja, tem sido criado o livre acesso às redes de transmissão e

distribuição de energia elétrica;

4. Um operador independente do sistema de energia elétrica, sem vínculo com os

agentes privados e sob a égide do órgão regulador;

5. Separação entre as atividades competitivas e não-competitivas;

6. Reforma institucional com um adequado aparato regulatório, a fim de incentivar a

eficiência econômica das atividades monopolistas;

7. Arranjos de transição para a implementação da reforma;

8. Medidas para assegurar neutralidade das políticas gerais.

Conforme apresentado no Quadro 3, a cadeia produtiva da indústria de energia

apresenta características econômicas diferentes entre os segmentos de geração, comercialização,

transmissão e distribuição, sendo os dois primeiros potencialmente competitivos e os últimos

monopólios naturais. Por essa razão, a introdução da competição na geração de energia elétrica tem

sido um aspecto chave para a descentralização e reforma da indústria, tal descentralização está

associada à criação de um mercado atacadista de energia elétrica, ou seja, um pool de compra e

venda entre agentes de produção de energia e agentes de consumo Von der FEHR et alii (1998).

80

Fonte OCDE: 2001

FIGURA 6 – MONOPÓLIO VS. COMPETIÇÃO NO VAREJO

A Figura 6 mostra a passagem de um modelo de monopólio verticalizado e na

maioria dos casos estatal para um modelo de competição no varejo, onde as duas pontas da cadeia

produtiva da indústria, geração e comercialização apresentam características de segmentos

potencialmente competitivos e com baixo grau de regulação. Além disso o modelo apresenta um

mercado atacadista dinâmico, operando com mercado spot.

81

Fonte: OCDE (2001)

FIGURA 7 –COMPETIÇÃO NO VAREJO

De acordo com a Figura 7, o modelo de competição no varejo apresenta

possibilidade de competição na medida que se defina o papel do operador do sistema que garante a

estabilidade das redes de transporte de energia. Além disso, os segmentos de rede considerados

monopolistas devem ser regulados por meio de mecanismos de incentivos, a chamada regulação por

incentivo fundamentadas nos mecanismos de price-cap e revenue-cap.

82

Fonte: OCDE (2001)

FIGURA 8 – OUTROS MODELOS

A Figura 8, resume os principais modelos que podem ser encontrados na experiência

internacional, o modelo de mercado livre concede liberdade aos agentes de decidir a sua

participação nas vendas de geração. O modelo mandatário, determina que todos os geradores devem

ofertar sua geração. Com algumas variações, o modelo acima apresentado pode ser encontrado na

maioria dos países que fizeram a reforma. A criação de um mercado atacadista de energia elétrica

(mercado spot) é destaque neste modelo, pois possibilita o intercâmbio de energia entre geradores e

distribuidores, o que o torna o caminho mais utilizado por grande parte dos modelos de

reestruturação.

As condições essenciais para o funcionamento do novo modelo do setor elétrico

consistem em que as empresas sejam totalmente desverticalizadas e que o acesso ao sistema de

transmissão seja livre, tanto para as geradoras quanto para as distribuidoras. Desse modo, se o

acesso ao mercado de geração é livre (sem barreiras regulatórias ou técnicas), as novas empresas

83

podem competir com as já existentes, o que tende a reduzir os preços médios de energia gerada74.

Além disso, como as condições de geração do sistema devem ser neutras para os agentes

compradores e vendedores de energia, o papel do operador independente do sistema é crucial75,

dada a importância desse agente no formato institucional da indústria e na sua própria estrutura de

governança. Tal órgão deve apresentar uma postura pró-ativa, para evitar influências dos agentes do

mercado nas suas decisões de operação e coordenação do sistema eletroenergético – como se dá nos

Estados Unidos, na Inglaterra, na Argentina e no Brasil.

A competição se faz também entre os diversos segmentos de produção, tendo em

vista que é possível, por exemplo, a venda de energia direta entre um gerador e um consumidor

final. Deve-se frisar o papel ativo do consumidor na escolha do seu fornecedor e no gerenciamento

de sua demanda. Na Inglaterra, essa escolha é efetiva, o mesmo acontece no Chile e na Argentina,

dada a semelhança entre os modelos adotados. No Brasil, esse modelo ainda não foi completamente

implementado, pois a liberalização dos consumidores está sendo feita de forma gradual.

O modelo de reforma tem seguido principalmente o desenho do Reino Unido e, a

depender das características do sistema elétrico de cada país, tem inserido algumas variações no que

se refere ao mercado atacadista. Cita-se o caso brasileiro que, embora tenha copiado o modelo

inglês, difere deste no que se refere à oferta de energia elétrica para o mercado spot, ao passo que na

Inglaterra os agentes geradores ofertam quantidade de energia elétrica e determinam seus preços,

por meio de um mecanismo de leilão. No Brasil, os agentes ofertam energia apenas em termos de

quantidade, e os preços são determinados pelo custo marginal de curto prazo. O mecanismo do

mercado atacadista do Brasil é bastante peculiar, tendo em vista que os preços não são determinados

pelas forças do mercado76, um modelo computacional que se encarrega de determinar o preço de

curto prazo da energia elétrica.

O primeiro mercado atacadista (pool) com características totalmente competitivas foi

adotado no Reino Unido em 1990. Destaca-se que este mercado foi recentemente reformado sendo

criado o New Electricity Market Arrangementes (NETA) implementado em março de 2001. Na

74 Hoje, nos EUA, os produtores independentes são proprietários da maioria das novas plantas de geração e espera-seque, até o ano 2040, 55% da capacidade de geração esteja sob este tipo de propriedade (BAUMOL & SIDAK, 1995). 75 Citam-se os casos da Finlândia, Noruega Espanha e Suécia que possuem um operador do sistema totalmenteindependente dos agentes geradores. 76 Tendo em vista a preponderância de energia hidráulica na IEEB, os preços do MAE refletem o custo marginal de curto prazo da água, o qual a depender das condições hidrológicas podem varia ente um e 100, sendo, portanto muitovolátil. Esta volatilidade não emite sinais para o investimento.

84

Noruega em 1994, foi inserido também um modelo de pool, o qual incorporou o mercado da Suécia

em 1996, formando o Nordpool, com a incorporação da Finlândia e da Dinamarca. Na Austrália, em

1997, dois novos pools de energia foram criados nos estados de Victoria e New South Wales, os

quais formaram um pool nacional. Na Nova Zelândia, nos anos noventa foi criado um pool, o qual

incorporou voluntariamente os mercados de geração, distribuição e escolha dos consumidores.

Mercados atacadistas foram criados também no Chile, Argentina, Canadá, Brasil e Espanha. Nos

Estados Unidos foi criado o mercado da Califórnia, além dos mercados da Pennsylvânia – New-

Jersey-Maryland Interconnection (PJM), abrindo para um número de mercados regionais como o

New York Pool e o New England Pool (OCDE, 2001).

Em paralelo a criação de mercado atacadista e, portanto do incentivo a competição

na energia elétrica vendida sob a forma de suprimento, vem sendo inserida a competição na ponta

da cadeia produtiva, ou seja, para o consumidor final. Dessa forma, os consumidores podem

escolher de quem comprar a energia elétrica na maioria dos países acima mencionados.

A criação de um mercado atacadista levanta um serie de questões no que se refere à

estrutura industrial, o papel da regulação e o desenho de mercado de eletricidade. Tais questões

estão associadas à performance desta indústria em termos de objetivos de competição e os

resultados para os consumidores finais. A experiência internacional tem demonstrando uma série de

frustrações em termos de alcance de eficiência econômica para indústria como um todo, além de

dificuldades de implementação completa do modelo desenhado e, sobretudo do uso de poder de

mercado por parte dos agentes (principalmente os geradores). Tais questões têm trazido uma série

de questionamento aos modelos adotados e, sinalizado para um novo desenho institucional,

envolvendo mudanças de regras e do próprio papel órgão regulador. As principais razões para a

revisão destes modelos tomam por base o fraco desempenho da indústria em termos de eficiência

econômica devido principalmente à limitada possibilidade de competição. Tendo em vista que os

modelos de mercados mal definidos ou mal implementados, possibilitam o uso de poder de mercado

por parte dos agentes, a discussão sobre possibilidade de competição e poder de mercado será

apresentada a seguir.

85

4.5. Poder de Mercado e Possibilidade de Competição na Geração e

Comercialização de Energia Elétrica

Uma grande quantidade de trabalhos vem sendo escrita, principalmente nos últimos

quinze anos, sobre os riscos de uso de poder de mercado no segmento de geração da indústria de

energia elétrica. A preocupação com a manipulação de mercado aumentou consideravelmente nos

países europeus, latino-americanos, entre eles o Brasil, e principalmente nos Estados Unidos,

devido a recente crise da Califórnia77. Dessa forma, os principais mercados analisados, e sobre os

quais se encontra boa parte da literatura no assunto, são a Califórnia e a Inglaterra, tendo em vista

que ambos passaram por uma reformulação profunda78.

Com base no contexto acima salientado, os autores Green & Newbery (1992)

demonstraram preocupação com o risco de ocorrência de manipulação em mercados já estruturados,

como é o caso da Inglaterra. A partir da simulação do equilíbrio da função de oferta no mercado de

eletricidade, com apenas dois competidores (Powergen e National Power), esses autores concluíram

que não há possibilidade de competição no mercado elétrico inglês, uma vez que a estrutura de

duopólio na oferta de energia elétrica permite comportamento estratégico por parte dos agentes.

Portanto, sugeriram que a divisão da capacidade total de geração em cinco atores de mesmo porte

poderia trazer a competição para um grau bastante amplo. Outros trabalhos foram realizados com a

proposta de representar o comportamento estratégico dos agentes, utilizando a metodologia do

equilíbrio de curvas de oferta e demanda. Essa metodologia foi inicialmente desenvolvida por

Klemperer & Meyer (1989), e bastante utilizada na análise de sistemas térmicos do mercado inglês,

apresentado principalmente por Green & Newbery (1992) e Green (1996).

Em uma abordagem bastante interessante, utilizando a modelagem do equilíbrio

Nash-Cournot, os autores Wolak & Patrick (1996) mostraram que não só a oferta a preço alto pode

ser manipulada pelos agentes de geração. Os autores mostraram que ganhos com encargo de

capacidade foram também percebidos pelo estudo, onde os geradores declaravam algumas térmicas

indisponíveis, de modo a diminuir a confiabilidade do sistema e aumentar o custo marginal de longo

prazo. Dessa forma a remuneração por capacidade das demais plantas, que se declaram disponíveis,

77 Tendo em vista que a Califórnia foi um dos primeiros sistemas elétricos a ser reestruturados e a sua recente crise umasérie de artigos foram escritas sobre este tema. Citar todos aqui seria impossível, dessa forma foram selecionados os mais importantes. A referência bibliográfica desta tese aponta os principais trabalhos e cita os principais sites que se encontram estes textos.

86

aumenta de forma razoável, o que ocasiona ganhos altos por parte dos agentes. Tal comportamento,

analisado por aqueles autores, difere muito da maioria dos trabalhos que apresentam algum tipo de

manipulação no mercado.

Em 1998, Catherine Wolfram analisa dados do preço spot do mercado inglês e

conclui que os preços de mercado eram menores do que aqueles encontrados na análise de Green &

Newbery (1992). Tal comportamento foi atribuído à forte intervenção do órgão regulador inglês, o

OFFER, que, apenas no ano de 1994, interferiu quatro vezes. Em um primeiro momento, diante da

preocupação com o nível de preços e o poder de mercado dos agentes, o OFFER recomendou

mudanças na estrutura institucional do pool. Dessa forma, foi adotado um sistema de price-cap.

Entre outras intervenções, a ameaça de fazer a cisão das empresas ofertadoras e ainda a

possibilidade de entrada de novos geradores, que aumentariam a competição no segmento de

geração de energia elétrica e forçariam a redução dos preços, levou os agentes a adotar um

comportamento menos agressivo no mercado. Outro fator importante foi à adoção de contratos de

longo prazo, os quais estavam presentes em grande parte do período de observações feito pela

autora.

Em uma outra abordagem, Weiss (1997) e Bakerman et alii (1997) demonstraram

que a pulverização da geração em sistemas elétricos não é suficiente para resolver a manipulação

dos mercados. Tal mudança deve ser acompanhada por um sistema de Demand Side Bidding, em

que consumidores são capazes de fazer oferta de energia elétrica. Nesse caso, os riscos de

manipulação dos mercados são menores, o que não necessariamente ocorre quando se aumenta o

número de agentes pelo lado da oferta.

Do ponto de vista da Teoria dos Jogos, a manipulação de preços e de mercado na

Califórnia foi analisada pelos autores da London Economics, Borenstein & Bushnell (1997). Eles

simularam, por meio do modelo de Cournot, o comportamento do mercado após a

desregulamentação. Considerando principalmente as restrições de transmissão entre o Norte e o Sul

da Califórnia, os autores concluíram que existe a possibilidade de manipulação de mercado pelas

usinas hidrelétricas nas horas em que a demanda aumenta. Argumentam que talvez seja mais

benéfico investir em tecnologias que permitam aumentar a elasticidade da demanda do que investir

na reestruturação do mercado com o objetivo de diminuir sua concentração. Os autores sugerem

78 Embora apresente estudos de caso de outros países, este trabalho fará uma referencia maior aos casos da Califórniada Inglaterra.

87

ainda que a existência de contratos bilaterais e um teto de preços para a oferta reduziriam o uso de

poder de mercado por parte dos agentes.

Em um outro trabalho, Bushnell (1998) utilizou a Teoria dos Jogos para identificar a

estratégia de maximização de lucros e a capacidade de manipulação de preços em sistemas

hidrelétricos. Nesse trabalho, o autor investiga o mercado de energia da região Oeste dos EUA, no

qual um modelo analítico é desenvolvido para se derivar o equilíbrio de um jogo não-cooperativo

entre os agentes. Na modelagem são consideradas três empresas estratégicas (price makers), sendo

as demais não estratégicas (price takers). O estudo mostra que uma das empresas price makers tem

a capacidade de utilizar seus estoques de água para produzir energia nos patamares fora de pico,

diminuindo sua geração na demanda de ponta, aproveitando-se da congestão nas linhas de

transmissão dos sistemas exportadores vizinhos e, dessa forma, induzindo a um aumento do preço

da energia elétrica.

Em 1998, Von der Ferh; Harbord & Fabra fizeram uma análise do mercado spot da

Noruega, Austrália e Inglaterra, descrevendo características do pool e abordando o uso de poder de

mercado. Embora o Nordpool apresente uma das melhores performances em termos de mercado,

dos países que introduziram a reforma, os autores argumentam que o repentino aumento de preço

que ocorreu em 1992 é resultado de exercício de poder de mercado, associada principalmente a

colusões tácitas entre os agentes geradores. Para o caso da Inglaterra os autores argumentam que a

desregulamentação do mercado da forma que foi conduzida possibilitou a conduta colusiva por

parte dos geradores, o que torna a maioria dos mercados reformados vulneráveis a exercício de

poder de mercado. Segundo os autores, o processo de reforma deve ser feito com muita cautela.

A Teoria dos Jogos também foi utilizada por Borenstein & Bushnell (1999), que

alertaram para a falta de eficiência de modelos baseados em índices de concentração como

ferramentas para medir o poder de mercado em sistemas elétricos. Nesse trabalho, os autores

aplicam modelos baseados na Teoria dos Jogos, nos quais o comportamento individual de cada

agente no mercado pode ser incluído em simulações com o objetivo de analisar possíveis

manipulações de mercado.

Em março de 1999, o Fórum de Energia da Universidade de Stanford, nos Estados

Unidos, tratou da competição na indústria de energia elétrica e discutiu o problema da manipulação

de mercado e o comportamento estratégico nos mercados desregulados da Califórnia, Inglaterra e

países nórdicos (Nord Pool). Da mesma forma, no Brasil, foi realizado, em 2001, na Agência

Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, o workshop “Mercados de Energia Comparados”, onde se

88

discutiu o Mercado Atacadista de Energia Elétrica do Brasil e os mercados da PJM – Pensilvânia,

New Jersey e Maryland – e Nord Pool – Noruega.

Nessa mesma abordagem, foi realizado em Brasília no dia 28 de novembro de 2002,

no Ministério de Minas e Energia, um seminário sobre a possibilidade de exercício de poder de

mercado em mercados atacadistas, com a participação de consultores internacionais e acadêmicos,

além de técnicos do setor. O principal objetivo do seminário foi trazer uma discussão mais ampliada

sobre o tema, tendo em vista que o Brasil pretende adotar um modelo de oferta de preços no MAE.

Para o caso brasileiro, na mesma linha dos trabalhos acima mencionados, destacam-

se os estudos de Kelman (1999) e Barroso (2000). Ambos tratam dos esquemas competitivos em

sistema hidrotérmicos: o primeiro faz uma abordagem de eficiência econômica e comportamento

estratégico e o segundo de comportamento estratégico de agentes geradores em ambiente de

mercado. No caso da abordagem de Barroso, o trabalho apresenta um procedimento para detectar

poder de mercado em sistemas hidrotérmicos com despachos baseados em ofertas, baseado em

simulações das ofertas dos agentes estratégicos, por meio de um jogo não cooperativo, seguindo

enfoque similar ao proposto por Borenstein & Bushnell (1997; 1999).

Em seu trabalho, Barroso (2000) apresenta um caso extremo, no qual um sistema

seria composto, por exemplo, por 400 geradores de porte similar, cada um pertencente a uma

empresa diferente. Segundo o autor, é intuitivo supor que dificilmente haverá espaço para alguma

estratégia por parte das empresas de cobrar pela energia fora dos patamares de seu custo de geração.

Naquele caso havia uma solução no próprio mercado, devido à competição. No outro extremo,

todos os 400 geradores pertencem a uma única empresa. Então haverá um monopólio e, a menos

que exista mecanismo de proteção e controle de preços, a empresa detentora do monopólio da

geração poderá cobrar o preço que quiser, principalmente devido à baixa elasticidade da demanda

por energia elétrica.

Utilizando os conceitos da teoria dos jogos, Puller (2001), faz uma análise da

eficiência de longo prazo do mercado de energia da Califórnia. Aplicando o modelo de Cournot

para os períodos de 1998-1999 e 1999-2000, o autor estima que no primeiro período houve

exercício de poder de mercado. Para o período de 1999-2000, o resultado pareceu menos claro, e

segundo o autor isto ocorreu pelo fato de que neste período houve outros fatores para contribuir

com o aumento dos preços, e tais fatores possuem fundamentos econômicos, o que não explicita em

grande grau o uso de poder de mercado. O autor apresenta em detalhes a análise formal do mercado

89

da Califórnia e mostra satisfatoriamente a validade do uso da teoria dos jogos para explicar o

exercício de poder de mercado na indústria de energia elétrica79.

Para a Inglaterra e o País de Gales, Sweeting (2001) realiza um estudo do mercado

depois da introdução do New Electricity Market Arrangementes (NETA), utilizando dados de

preços dos últimos cinco anos do pool. Também discute quais fatores teriam contribuído para os

aumentos de preços, e analisa a validade dos estudos de Patrick & Wolak (1997). O autor mostra

que ao contrário do que se esperava os preços e os lucros não têm caído, desde o início dos anos

noventa, o que denota uma grande concentração no mercado e, portanto, exercício de poder de

mercado. O trabalho mostra que embora tenha havido uma redução na concentração do mercado e a

introdução de novas regras com o NETA, é provável que, os problemas do regulador ainda não

estejam totalmente resolvidos.

Com o objetivo de identificar o exercício de poder de mercado na Califórnia, Harvey

& Hogan (2001a, 2001b) apresentam suas principais preocupações com os fatores que contribuíram

para os aumentos de preço no mercado da Califórnia, no verão de 2000. Estendendo uma discussão

iniciada por Joskow & Kanh (2001)80, os autores argumentam que fundamentos econômicos

contribuíram para o aumento dos preços, como, por exemplo, a situação de escassez de oferta e

elevação da demanda, preço do gás natural, restrições ambientais, e serviços ancilares. Além disso,

os investimentos na indústria ficaram abaixo do esperado. Por essa razão, argumentam que o poder

de mercado é apenas um dos fatores que contribuíram para a elevação de preço. A conclusão pura e

simples, de que o problema da Califórnia estaria associado ao poder de mercado, pode ser perigosa.

Em situações em que o próprio desenho do mercado é ruim, a proposição de medidas apenas

mitigatórias pode distorcer completamente os objetivos e as metas para a indústria, sem considerar

um problema muito sério de fundamento, o próprio desenho institucional e regulatório dessa

indústria.

Em junho de 2002 o United States General Acounting Office – GAO apresentou um

estudo para o desenho de mercado da Califórnia, abordando o tema poder de mercado e citando os

seguintes trabalhos:

i. Para o período de janeiro de 1998 à outubro de 2000, o GAO estimou a relação

entre preços de mercado e demanda estabelecendo como base de comparação

79 Esta abordagem foi também utilizada por Klemperer & Meyer (1989); Wolfram (1988), Borenstein & Shepard (1996) Wolak & Patrick (1997); Wolfram (1999) e outros.80 Identifying the Exercise of Market Power: Refining the Estimates – Joskow & Kanh (2001).

90

para uma estimativa entre agosto a outubro de 2000 período de preços altos e

inconsistentes com qualquer fundamento econômico, o que levou a conclusão de

que tal inconsistência ao uso de poder de mercado;

ii. Para o período de junho-setembro de 2000, o MIT apresentou uma estimativa de

preços, com a metodologia de benchmark, e conclui que embora tenha havido um

aumento nos custos de geração devido ao preço do gás natural, questões

ambientais e outros fundamentos econômicos, o exercício de poder de mercado

contribuiu substancialmente para o aumento dos preços neste período;

iii. Na mesma linha, o CAISO, apresenta estudo para o período maio-novembro de

2000, o estudo conclui que os preços declarados pelos geradores estavam muito

acima dos seus custos marginais, e que ainda a retenção de oferta por parte destes

agentes pressionaram ainda mais os preços do pool. Uma auditoria no mercado da

Califórnia também conclui que o exercício de poder de mercado contribui

substancialmente para o aumento de preços durante o período de crise na

Califórnia.

Esse estudo do GAO, conclui que o exercício de poder de mercado na Califórnia não

tenha violado nenhuma lei federal ou lei antitruste, e que na realidade o desenho regulatório e

institucional da Califórnia, permite espaço para exercício de poder de mercado unilateral, o qual não

poderia ser coibido pela regras vigentes e que eram muito difíceis de ser detectados.

Borenstein, Severin, Bushnell e Wolak (2002), examinam o grau de competição no

mercado da Califórnia para o período de junho de 1998 a outubro de 2000, a partir de comparações

de preços utilizando dados do mercado atacadista e estimativas do custo marginal de produção. Os

autores testam se a media dos preços do mercado é competitiva, levando em consideração toda a

oferta existente, além das várias fontes de geração e custos. A partir de dados de custos os autores

simulam preços perfeitamente competitivos e comparam com os preços do pool e concluem que

cerca de 54% do aumento dos preços no verão de 2000 da Califórnia estão atribuídos ao exercício

de poder de mercado, principalmente nos períodos de pico de demanda.

Joskow & Kanh (2002) – fazem uma simulação de preços competitivos para cenários

de oferta e demanda na Califórnia, durante o período do verão de 2000. Utilizando uma

metodologia de benchmark, ou seja, considerando o último preço a ser declarado para a oferta de

curto prazo no mercado horário, os autores concluem que embora existam fatores econômicos que

expliquem o aumento dos custos neste período, o exercício de poder de mercado por meio de

retenção de oferta contribui para os aumentos excessivos dos preços no mercado spot.

91

O mais recente trabalho de Joskow & Kanh (2002b), apresentado como a palavra

final sobre as causas da crise da Califórnia, utilizam a metodologia de benchmark procurando

incorporar questões ambientais e outros fundamentos geralmente relegados pelos primeiros

trabalhos. Os autores afirmam que embora exista fundamento econômico para a crise, associados

principalmente aos já mencionados aumento de preço do gás natural, restrições de transmissão,

explosão da demanda, redução da importação, redução da oferta e questões ambientais, o exercício

de poder de mercado contribui em grande grau para o aumento de preços no verão de 2000. Tal

exercício utilizado principalmente em horário de pico de demanda, onde a elasticidade da demanda

tende a ser infinitamente inelástica.

Em recente estudo os autores Harvey & Hogan (2002), argumentam que o exercício

sistemático de poder de mercado em sistemas elétricos reestruturados pode eliminar os benefícios

aos consumidores. Entretanto, chamam atenção para o fato de que não só uso de poder de mercado

pode contribuir para aumento de preços. Sendo necessário separar estes fatores, tendo em vista que

uma decisão política pode ser extremamente custosa e negligenciar problemas fundamentais nesta

indústria. Na realidade os autores fazem uma crítica dos vários estudos que utilizam simulações de

preços do mercado e metodologia de benchmark para avaliar a presença de uso de poder de

mercados nos sistemas elétricos reestruturados. O principal argumento em torno desta questão é que

um trabalho desta magnitude necessita de dados completos, que geralmente não são de domínio

público e ainda, as ferramentas tradicionais utilizadas para a simulação costumam negligenciar uma

série de questões importantes. Como por exemplo, a necessidade de reserva de geração, restrições

de transmissão, inflexibilidade de operação, restrições ambientais e outros. Estes autores

desenvolvem então uma metodologia para incluir estas questões e fazem comparações com outros

estudos, concluindo que embora haja exercício de poder de mercado, estes se apresentam em um

grau menor do que aqueles apresentados. E, que, portanto, os erros das simulações podem ser

maiores do que o próprio efeito do uso de poder de mercado, o que pode distorcer as medidas

mitigatórias sugeridas ao órgão regulador.

Nesta mesma abordagem, os autores Rajaramn & Alvarodo (2002), argumentam que

a alegação de exercício de poder de mercado na Califórnia e o conseqüente aumento dos preços,

pode ser uma fixação que não expressa completamente a realidade, tendo em vista que outros

fatores contribuíram para o aumento de preços e que a metodologia utilizada para detectar o poder

de mercado é limitada. Os autores citam os trabalho de Harvey & Hogan (2001; 2002), os quais tem

argumentado vigorosamente que detectar o exercício de poder de mercado por meio de simulações é

um problema difícil. E, argumentam ainda que o teste para detectar o exercício de poder de mercado

92

pode ser feito de duas formas: a partir de uma análise quantitativa por meio de simulações e uma

análise qualitativa por meio de mecanismos de incentivo para o uso ou não de poder de mercado. E

que, conforme mencionado por Harvey &Hogan (2000,2001) as simulações fazem uma importante

aproximação do real comportamento do mercado e conseguem detectar práticas anticompetitivas,

por meio de uma resposta quantitativa, entretanto isto não garante o predomínio do exercício do

poder de mercado. Uma análise qualitativa81 também deve ser feita e esta será capaz de detectar

uma série de acontecimentos que o modelo não consegue capturar, as restrições de transmissão e o

custo de oportunidade da água são exemplos.

A despeito do bom desempenho do mercado da Nova Zelândia, a crise de 2001

suscitou a preocupação com eventual uso de poder de mercado nesta indústria. Segundo estudos da

INFRATIL (2001), apesar dos fatores estruturais terem contribuído para a crise de energia no

inverno de 2001, há suspeitas de uso de poder de mercado nesta indústria. Segundo o estudo, o

desenho do mercado não é eficiente para detectar este tipo de comportamento, principalmente em

situações de escassez de oferta. O trabalho mostra que fatores estruturais foram responsáveis pelo

início da crise, mas que esta tenha sido agravada pelo exercício de poder de mercado por parte dos

agentes, que reduziram suas ofertas em momentos de escassez e pressionaram os preços da energia

elétrica.

O exercício unilateral de poder de mercado é também apresentado por Wolak (2002),

quando o autor argumenta que a demanda no curto prazo é totalmente inelástica, de forma que uma

pequena redução da oferta, aumenta os preços expressivamente. No caso da Califórnia, no modelo

que prevalecia no verão de 2000, não havia a obrigatoriedade de contração e as empresas

distribuidoras ficavam expostas aos preços de mercado. Neste caso os geradores utilizam

unilateralmente de práticas anticompetitvas retendo oferta e pressionado os preços. Tal

comportamento é muito difícil de ser detectado pelo órgão regulador e o desenho institucional não

previa meio legal para impedi-lo.

Apresentando discussões acerca de poder de mercado na Argentina, Ferreira (2002)

descreve de forma bastante clara que o mercado local não está sujeito ao exercício de poder de

mercado como o ocorrido na Califórnia e na Inglaterra. A principal razão para isso é o próprio

desenho regulatório daquele país. Embora a Argentina tenha copiado o modelo inglês, as

peculiaridades da indústria apontaram para a necessidade de alguns mecanismos regulatórios

81 Neste contexto é que se insere esta tese, em uma abordagem qualitativa do uso de poder de mercado.

93

complementares. Tendo em vista que grande parte da geração é hidráulica e que os mercados são

concentrados, a Argentina adotou um sistema de price-cap e um sistema de manutenção de oferta

de quantidade por seis meses. Isto significa que os agentes têm pouca margem para fazer retenção

de oferta e, se acaso isto acontecer, o price-cap não permite que os preços subam muito acima dos

custos. O price-cap corresponde a cerca de 115% dos custos marginais. A existência dos contratos,

além de reduzir a possibilidade de uso de poder de mercado, sinaliza os preços de longo prazo da

energia estimulando investimentos, por essa razão, na maior parte do tempo a oferta é superior à

demanda. Na Argentina, os preços dos contratos são muito superiores aos preços do mercado spot,

os quais são muito voláteis, devido à participação da fonte hidráulica de geração. Segundo o autor, a

crise pela qual passou a Argentina em outubro de 2000 foi ocasionada por fundamentos

econômicos, e não por exercício de poder de mercado. Naquele período houve um aumento da

demanda acima da média, com redução da oferta das geradoras nucleares, aumento de exportação

para o Brasil e restrições de transmissão causadas por acidentes.

Bushnell & Saraiva (2002) fazem uma estimativa interessante para o mercado da

Nova Inglaterra (Estados Unidos), utilizando a metodologia de benchmark. A partir dos dados do

mercado atacadista (Energy Clearing Price –ECP), os autores encontraram um gap de 12% entre os

preços simulados e o preço do clearing. Os autores afirmam que a metodologia do benchmark

(competitive benchmark), vem sendo adotada para analisar os mercados da Inglaterra e da

Califórnia, sendo originalmente aplicado por Wolfram (1999) para a Inglaterra, depois de alguns

refinamentos incluindo dados de produção e demanda foi aplicada para a Califórnia por Borenstein,

Bushnell and Wolak em 1999. Neste mesmo ano, Joskow and Kanh inserem a questão dos custos

ambientais e aplica o modelo também para a Califórnia. Nesta mesma linha, Mansur (2001), aplica

o modelo para a PJM. Os resultados destes estudos foram utilizados pelo FERC’s para desenvolver

mecanismos de incentivo para mitigar o poder de mercado na Califórnia, principalmente.

Além da metodologia do benchmark acima mencionada os autores utilizaram duas

outras formas para detectar um possível uso de poder de mercado, e utilizando as declarações de

oferta dos geradores no mercado, os autores encontraram um gap de apenas 4% dos preços no

clearing. E a partir de dados de oferta e demanda no agregado encontram um gap de 11%. Segundo

os autores, o gap encontrado nas diferentes metodologias utilizadas se explicam por quatro fatores

básicos: 1) a diferença entre as ofertas diárias (day-ahead bid) e o preço real de operação (real time

operations); 2) as restrições de transmissão; 3) o despacho do ISO que não reflete necessariamente

a ordem de mérito e 4) o uso de poder de mercado por parte dos geradores. Embora os estudos

apresentem quais fatores contribuíram para a diferença de preços no mercado, os autores afirmam

94

não ser capazes de mostrar com precisão em que grau cada uma dessas variáveis contribuem para o

resultado. Conforme outros autores já mencionados anteriormente, estes autores chamam a atenção

para o fato de que não só apenas o poder de mercado contribui para diferenças de preço, e que,

portanto o órgão regulador deve levar isso em consideração, ou do contrário, pode implementar

mecanismos de incentivo distorcidos neste mercado.

4.6. Transmissão e Coordenação

A reforma do setor elétrico tem revolucionado os mercados na maioria dos países

que vêm implementando a privatização e uma nova regulamentação. Exceção feita aos Estados

Unidos, que já eram privatizados, e da Noruega, onde o governo preferiu manter a propriedade

estatal. No caso da Inglaterra, a reforma rompeu com uma secular trajetória de integração horizontal

e vertical, que levava à constituição de grandes monopólios públicos.

Nesses mercados, os quatro segmentos da indústria foram reestruturados como

atividades econômicas independentes. Enquanto a transmissão e a distribuição de energia elétrica

foram mantidas como monopólios, a comercialização e a geração foram expostas a mecanismos de

competição, tendo por intermediário um mercado atacadista de energia (mercado spot), como é o

caso do Brasil.

Devido às características da estrutura pré-reforma e aos mecanismos de competição

desenhados para o modelo do setor elétrico certas considerações devem ser feitas no que se refere à

estrutura de coordenação dessa indústria. Destaca-se aqui o fato desta nova estrutura apresentar na

cadeia produtiva dois segmentos potencialmente competitivos – a geração e a comercialização – e

manter outros dois segmentos com características de monopólio natural – a transmissão e a

distribuição de energia elétrica. Diante dessa estrutura, a cadeia industrial apresenta uma

peculiaridade importante à medida que relaciona segmentos competitivos e não competitivos,

chamando atenção para a importância da coordenação ao longo da cadeia, que gera efeitos

relevantes para a eficiência da indústria em um contexto geral.

Discutir a eficiência, em uma indústria com tal grau de desverticalização, não é

trivial, pois a coordenação das quatro etapas da cadeia produtiva continua sendo indispensável para

garantir a qualidade no fornecimento dos serviços de eletricidade. As atividades de geração e

transmissão se caracterizam por elevada interdependência, exigindo estreita relação no que se refere

ao despacho das centrais. Também é muito estreita a necessidade de coordenação entre a

comercialização e a rede de distribuição para que seja garantido o fornecimento da eletricidade aos

95

consumidores finais. Além disso, o sistema elétrico precisa operar com certa capacidade de reserva

operacional para manter o suprimento em tempo real. Tal característica é típica de uma indústria de

rede, situação na qual os agentes de produção estão interligados com os agentes de consumo, de

forma que a oferta e a demanda ocorrem ao mesmo tempo.

A relação entre os segmentos da cadeia produtiva da indústria de energia elétrica tem

sido tema de uma série de trabalhos, principalmente nos Estados Unidos, mas também se encontram

estudos na Inglaterra e nos Países Nórdicos. Entretanto No caso americano, essa discussão tem sido

considerada mais relevante, principalmente por causa da estrutura dos sistemas de transmissão

desse país. Uma análise para o caso brasileiro se torna bastante relevante devido ao grande volume

das malhas de transmissão e à característica dos vários mercados isolados (submercados) inerentes

ao setor elétrico brasileiro. Todavia, nenhum trabalho foi feito com esse objetivo.

Os casos envolvendo restrições de transmissão e manipulação de mercados, para os

Estados Unidos, foram analisados por Oren et alii (1995). Os autores fazem um estudo do modelo

de reestruturação da indústria de energia elétrica americana, destacando a importância do segmento

de transmissão de energia para o ambiente competitivo. Conceitos associados a preços nodais,

restrições de transmissão e rendas de congestão82 (surplus) são introduzidos pelos autores. A partir

de tais conceitos são formulados modelos matemáticos relativos à regulamentação, ao acesso às

redes de transmissão e às características do despacho econômico da energia elétrica, e à relação com

o mercado competitivo. Segundo os autores, a formação de submercados isolados agrega aos

agentes participantes de cada mercado um mercado relevante maior, de forma que as empresas

geradoras de energia elétrica passam a ter um papel importante na definição de preços deste

mercado, reduzindo em grande grau o escopo da competição. Desse modo, a restrição de

transmissão possibilita aos agentes de produção uma capacidade muito grande de manipulação do

mercado, uma conseqüente elevação do nível de preços e, portanto, margem de lucro maior. Por

outro lado, alguns agentes de produção podem perder dinheiro à medida que fica exposto a

variações de preços no mercado spot. Isso significa dizer que em determinadas condições de

demanda e de restrições de transmissão, alguns agentes ganham margens de lucro superiores em

detrimento de outros. Situações como essa aumentam a incerteza nos mercados de energia elétrica,

elevando seus riscos e, no limite, provocando redução dos investimentos privados.

82 Renda de congestão ou surplus ocorre na indústria de energia elétrica, quando, devido a restrições de transmissão, há diferenças de preços entre dois submercados. Tais diferenças ocasionam a alguns agentes um lucro superior ao normal,à medida que a escassez de energia elétrica em um submercado provoca elevação no nível de preços dentro deste submercado.

96

A incapacidade do sistema elétrico de transferir energia de um submercado para

outro foi também abordada por Hogan (1995), que analisou o mercado americano e trouxe

conceitos importantes no que se refere aos chamados contratos de transmissão. Em seu trabalho, o

autor desenvolve um esquema de contratos de congestionamento de transmissão, a fim de garantir

aos agentes, um mecanismo de hedge para a sua produção. Hogan apresenta um modelo que em

condições de competição e desenvolvimento do mercado tais contratos têm um grande índice de

negociação entre os agentes, desenvolvendo, portanto, a compra e venda de um novo produto no

mercado de energia elétrica, o serviço de transmissão.

Em uma análise mais ampla da cadeia industrial, os autores Bushnell & Stoft (1995)

fazem considerações importantes sobre os investimentos na geração em uma indústria competitiva e

examinam a eficiência de longo prazo desta indústria reestruturada, destacando a importância da

relação entre os investimentos em geração e transmissão, tendo em vista o alto índice de

coordenação existente entre esses dois segmentos da cadeia industrial de energia elétrica. Aos

contratos de transmissão, ou contratos de congestão da transmissão, é dado um papel muito

importante à medida que são compartilhados aos contratos de diferenças utilizados na geração. Os

autores destacam que os contratos de transmissão associados aos contratos de diferenças no pool

reduzem em grande grau as perdas associadas aos contratos bilaterais de curto e de longo prazo à

medida que incorporam uma redução qualitativa da incerteza inerente ao mercado de energia

elétrica, principalmente naqueles setores que possuem uma dependência razoável da geração

hidráulica, como é o caso do Brasil. Os autores argumentam ainda que se por um lado os agentes

podem formar coalizões suficientemente cooperativas para obter ganhos extraordinários na geração

de energia, estes podem também, por outro lado, ter incentivos suficientes para investir em

contratos de transmissão e garantir o escoamento da energia elétrica entre os submercados. Dessa

forma, o estudo aponta para o relevante papel do órgão planejador do sistema elétrico no que se

refere aos investimentos em geração e transmissão de energia elétrica e à importância dos órgãos de

regulação e defesa da concorrência para diminuir a concentração nestes dois segmentos da indústria,

a fim de reduzir a possibilidade do uso de poder de mercado.

Borenstein et alii (1995), em uma análise do poder de mercado na Califórnia,

identificam os principais mercados de energia elétrica e discutem as possibilidades de

comportamento estratégico por parte dos agentes. A partir da introdução do modelo de Cournot

com uma franja competitiva (firmas de porte menor), a análise é feita por meio da interação da

venda de energia no mercado spot e a energia comercializada no mercado bilateral. Os autores

analisam o impacto do poder de mercado e advertem que a medida estrutural do poder de mercado

97

associado ao modelo Hirschman-Herfindahl Index83 (HHI), tem certas deficiências quando aplicado

ao setor elétrico. Um exame do mercado spot para horários de pico de demanda associada às

restrições de transmissão também é abordado pelos autores, além de uma extensão da análise para

os contratos físicos e financeiros de energia elétrica. A conclusão do trabalho mostra que um

equilíbrio do tipo Nash-Cournot se mostra mais plausível na indústria de energia elétrica do que

para outros setores84.

Wu & Varaiya (1995), apresentam um modelo alternativo ao pool de geradores dos

principais mercados de eletricidade. Adicionalmente, chamam atenção para o fato de que os

crescentes movimentos de desverticalização da indústria de eletricidade com objetivos de

competição e livre escolha do consumidor colocam em debate a estrutura dos sistemas de

transmissão. Além disso, mostram que os setores elétricos atuais, na maioria dos países, estão

baseados no modelo de contratos bilaterais e no pool de geradores. Enfatizam ainda que tais

modelos têm por base a operação centralizada convencional a partir de recursos compartilhados de

um sistema de grid de transmissão integrado. Isso significa que o paradigma de operação

convencional de monopólios regulados contrasta com um protótipo operacional de indústria

reestruturada com características de competição. Essa indústria apresenta objetivos contraditórios,

uma vez que necessita manter uma operação centralizada para fins de eficiência produtiva,

mantendo, portanto coordenação necessária para garantir um alto padrão de confiabilidade do

sistema, sujeita a decisões individuais de produtores independentes na geração de energia elétrica.

Os autores propõem um novo paradigma operacional no qual os mecanismos de

decisões relativos à economia e à confiabilidade (segurança) de operação do sistema estão

separados. As decisões econômicas são levadas a cabo através de comércios multilaterais privados

entre geradores e consumidores. No modelo proposto, a função de confiabilidade é coordenada pelo

operador independente do sistema, que provê dados acessíveis aos geradores e consumidores. O

trabalho mostra que os benefícios são exauridos pelos agentes levando a operações eficientes, de

forma que o modelo alcança todos os benefícios de um pool de geradores sem a “mão visível” do

operador independente em decisões econômicas. Os autores concluem que o comércio multilateral

coordenado pode coexistir com o modelo tradicional e prover serviços sem distinção para os

clientes livres e cativos.

83 HHI= Si2, Si= Fatia de mercado do agente.84 Tal análise é passível de questionamento uma vez que o jogo, neste caso, tende a ser infinito, podendo ocasionar umequilíbrio cooperativo. A colusão tácita pode se fazer aqui com estratégias de tit-for-tat.

98

Embora não permita incorporar o comportamento estratégico dos agentes em termos

de poder de mercado utilizando restrições de transmissão dentro do pool, o modelo de simulação

apresentado por Kahn et alii (1996) para o mercado regional da Califórnia mostra que os preços

equivalentes aos custos marginais do sistema produzem ganhos econômicos dentro dos

submercados. Isso acontece devido às mudanças físicas no despacho do sistema elétrico, que

provocam grandes efeitos econômicos. Os autores ainda examinam a entrada potencial de novos

agentes, e mostram que o ingresso de uma nova empresa é pouco favorável diante da necessidade

de investimentos altos, ou seja, existência de barreiras à entrada.

Estudando a reforma do mercado da Califórnia, os autores Harvey & Hogan (2002);

Gilbert & Newbery (2002), aplicam um modelo de oligopólio para explicar a possibilidade de uso

de poder de mercado dos geradores em situações de restrição de transmissão. Na mesma linha dos

trabalhos de Borenstein, Bushnell & Stoft (2000), os autores concluem que os agentes geradores

podem aproveitar as de restrições de transmissão para aumentar seus preços. A solução proposta é

que o órgão regulador utilize contratos de restrição de transmissão a fim de mitigar o uso de poder

de mercado.

4.7. Performance das Indústrias no Pós-Reforma

Na análise econômica, a performance ou desempenho de uma indústria mostra sua

eficiência em uma determinada estrutura de mercado, e a medida da eficiência pode ser percebida

por meio dos preços ao consumidor final, da qualidade dos serviços e dos custos de produção85.

Embora o processo de reforma da indústria de energia elétrica mundial tenha se iniciado há mais de

duas décadas, estudos recentes argumentam que ainda é cedo para analisar o desempenho da

indústria em termos de custos, preços e benefícios sociais, ou seja, em termos de eficiência no

sentido econômico (OCDE, 2001). A experiência internacional tem demonstrado que a despeito das

semelhanças entre o desenho dos modelos adotados, devido a características específicas de cada

país, os resultados têm apresentado significativas diferenças em termos de performance. Em alguns

países, os preços têm seguido uma trajetória de crescimento considerável, ao passo que em outros

os preços apresentam taxas de crescimento bastante modestas (OCDE, 2001).

Na Inglaterra, a reestruturação inicialmente previa competição entre as duas

companhias que foram mantidas em um primeiro momento, Powergen e National Power, de forma

85 O conceito de eficiência está apresentado no Capítulo 2.

99

que os preços fossem determinados em um modelo similar ao oligopólio de Bertrand, próximos dos

custos marginais. E ainda, que a livre entrada de novos geradores fizessem uma grande pressão

competitiva. Entretanto, isto não aconteceu, de modo que o órgão regulador precisou intervir várias

vezes e determinar price-cap (Von der Ferh, 1998). Depois de muitas intervenções, o pool inglês

sofreu uma reestruturação que foi implementada em março de 2001. Quanto aos preços da energia

elétrica, estes apresentaram queda no período de 1990 até 1997, pois em termos reais o preço de

energia elétrico para os consumidores residenciais caiu em torno de 20%, e para os industriais em

torno de 27%.

Do ponto de vista dos geradores, o negócio de energia elétrica permaneceu lucrativo,

com uma taxa de retorno superior a 25% para os dois maiores geradores, no período de 1993-1999

[Littlechild, 1998; OFGEM (2000); OCDE (2001)]. A queda nos preços da energia elétrica para os

consumidores finais é resultado do modelo regulatório adotado na Inglaterra para os segmentos de

transmissão e distribuição de energia (price-cap e fator X) e ainda da introdução da competição na

geração de energia elétrica. Entretanto, a redução do custo de produção de energia elétrica na

Inglaterra, não tem sido completamente refletida no pool, e, portanto, não vem sendo repassados aos

consumidores. Na realidade, os preços do pool estão acima dos preços de novos investimentos (do

custo marginal de expansão). Uma análise de desempenho mostra que os preços não refletem

exatamente os custos, o que distorce qualquer possibilidade de eficiência alocativa; distorções no

despacho e na eficiência produtiva podem ocasionar excesso de capacidade e ineficiência

econômica na indústria como um todo (Von der Fehr, 1998). Tal evidência tem representado uma

sinalização negativa a respeito da efetiva competição no mercado da Inglaterra e País de Gales, o

que estimulou a criação da NETA. A partir da introdução da NETA vem ocorrendo um resultado

melhor no crescimento e desenvolvimento do mercado. Os mercados futuros e a termo, juntamente

com o mercado spot, envolvem a participação de um grande número de agentes, aumentando

significativamente as transações líquidas. Entretanto, resultados aos consumidores finais ainda não

foram percebidos (OCDE, 2001).

Embora tenha praticamente copiado o modelo Inglês, o mercado de energia elétrica

da Argentina apresenta uma performance diferenciada. Naquela indústria a reestruturação tem

apresentado sinais positivos, os preços caíram cerca de 50% entre 1992-2001, enquanto a

capacidade de geração aumentou em torno de 70% no mesmo período. A inserção de mecanismos

regulatórios, que levam em consideração peculiaridades da indústria Argentina, no que se refere à

fonte de geração e grau de concentração nessa indústria, explicam o resultado positivo. A adoção de

100

price-cap e o mecanismo de manutenção (congelada) da declaração reduzem o espaço para uso de

poder de mercado, o que possibilita ganhos de eficiência econômica (Ferreira, 2002).

No que se referem aos demais mercados, o Nordpool apresenta o menor preço da

energia elétrica de todos os países que efetuaram a reforma. O nível do preço spot no pool está

muito abaixo do custo marginal de expansão. Para uma nova planta, o custo da energia está três

vezes acima do preço spot. Entretanto, esse preço não se reflete totalmente aos usuários finais, uma

vez que os consumidores residenciais sofreram um aumento em torno de 3,5% em 1996 e 1999, e

uma pequena redução no ano de 2000. Os consumidores industriais, por sua vez, permaneceram

com os preços estáveis. Como ocorre na Inglaterra, distorções entre os custos e o preço do pool

demonstram perda de eficiência alocativa. A ineficiência produtiva tem provocado um excesso de

geração, por essa razão o Nordpool apresenta hoje uma característica interessante: há excesso de

oferta no mercado.

Na Austrália, os preços da eletricidade se reduziram em torno de 4% no ano de 1998,

e foram decaindo sucessivamente. Os preços permaneceram baixos devidos principalmente à

competição no mercado e à reserva de capacidade de geração que o país possui.

Na Nova Zelândia, com exceção do período da crise de meados de junho de 2001,

causado principalmente por questões estruturais e de clima, os preços aos consumidores finais não

foram significativamente diferentes após a reforma. A média dos preços no mercado spot tem

permanecido abaixo do custo marginal de expansão (OCDE, 2001). Entretanto, existem algumas

críticas com relação ao modelo do mercado spot, pois em situações de escassez de oferta os

geradores conseguem auferir rendas extraordinárias, utilizando poder de mercado unilateral

(INFRATIL, 2001).

Na Espanha, embora os preços tenham se reduzido em torno de 40% no período de

1996-1999, os preços do mercado atacadista permaneceram estáveis a partir de 2000. Esse mercado

apresenta pouca competição devido à alta concentração da indústria.

Na Alemanha, nos anos de 1999 e 2000, houve intensa guerra de preços, gerando

redução significativa para os consumidores industriais (9,6%) e aumento de 0,8% para os

consumidores residenciais (OCDE, 2001). A diferença dos benefícios da competição entre as

classes de consumo se explica na regulação das redes (networks). Tendo em vista que o aparato

regulatório não estabelece o acesso não discriminatório, os proprietários de redes utilizam poder de

mercado e cobram subsídios cruzados entre os consumidores (Littlechild, 2001).

101

Nos Estados Unidos, historicamente, a energia era vendida por monopólios

verticalizados e regulados. Com a reestruturação, um número grande de companhias privadas

passou a competir no mercado, vendendo energia elétrica no atacado e no varejo, com preços livres.

Segundo estudos do Federal Trade Comission (Dezembro de 2001) a respeito da reforma

regulatória nos Estados Unidos, os reais benefícios aos consumidores ainda não podem ser

percebidos, tendo em vista uma série de tradeoffs que a reestruturação precisa enfrentar para

implementar as mudanças.“O processo de transição permite a permanência de um modelo híbrido

de regulação e competição que torna obscuro o caminho escolhido e que não deixa emergir os

benefícios da competição, o qual se faz com o tempo (FTC, 2001:02)”.

A Califórnia representa um grande mercado nos EUA, importando cerca de 20% do

seu consumo dos estados vizinhos, além do México e do Canadá. Em situações de sobra, a

Califórnia também exporta energia elétrica. Quando o mercado começou a operar, a partir de 1998,

os consumidores cativos sofreram uma redução de preços em torno de 40%. Por cerca de dois anos,

os preços no mercado atacadista permaneceram baixos, embora tenham permanecido em torno de

44% acima dos níveis competitivos. A partir de maio de 2000, os preços subiram drasticamente e

permaneceram altos até meados de 2001. Os principais fatores que contribuíram para isso foram: a)

rápido crescimento da demanda devido ao verão severo; b) baixo crescimento da oferta; c) seca

excepcional, reduzindo a geração hidrelétrica e forçando a demanda; d) restrições de transmissão; e)

falhas no desenho do mercado e redução da importação devido ao clima (GAO, 2002). Problemas

com o meio ambiente e aumento dos preços do gás natural também pressionaram os preços da

energia nesse período, de forma que os preços passaram de uma média de 25-40 dólares por Mwh

para US$ 4,500/Mwh em Dezembro de 2000 (Joskow, 2002). A situação de escassez de oferta

contribuiu para o comportamento estratégico por parte dos geradores, os quais pressionaram ainda

mais os preços (Kanh, 2002).

Diante deste fato, o FERC implementou um price-cap no mercado, o qual

permaneceu até 2002. Entretanto, isso não impediu que as empresas de distribuição decretassem a

falência, e o estado precisou comprar as empresas falidas para garantir o fornecimento de energia

elétrica aos consumidores finais.

Apesar da imposição de price-cap, os preços permaneceram altos até meados de

junho de 2001. A partir desse período, passou a apresentar uma tendência de queda, resultado de

medidas implementadas pelo órgão regulador, dentre elas a imposição de price-cap para os estados

exportadores para a Califórnia; a redução compulsória do consumo de energia; a redução do preço

do gás; e o aumento da oferta de geração. Após a crise, o FERC reformulou o modelo regulatório,

102

tendo em vista uma série de imperfeições que este apresentava, o que contribuiu para o aumento dos

investimentos.

A principal discussão em torno da crise da Califórnia está associada à ocorrência de

exercício de poder de mercado, tendo em vista a fragilidade do modelo regulatório existente no

período.

4.8. Conclusões

Conforme mencionado, um número razoável de estudos tem sido feito relatando as

experiências internacionais de reforma do setor elétrico, sendo que grande parte analisa questões

associadas ao poder de mercado dos agentes. Trabalhos empíricos vêm mostrando o comportamento

estratégico dos agentes, principalmente a partir do referencial teórico da Teoria dos Jogos. Esta tese,

embora faça uma análise ampla do uso de poder de mercado nas experiências internacionais, não

tem a pretensão de fazer uma análise exaustiva, dado o número muito grande de trabalhos.

Entretanto, fez-se aqui uma seleção dos principais trabalhos para auxiliar a análise do setor elétrico

brasileiro, resguardando suas peculiaridades86. Destaca-se, ainda, que a formalização de

comportamento de gaming tem tomado grande espaço nos diversos estudos, conforme apresentado

neste capítulo. Tais estudos têm contribuído para as reformulações do setor nos vários países,

inclusive no Brasil, principalmente no que se refere à revisão de regras do mercado e da própria

estrutura de governança. É, portanto, neste contexto que o trabalho aqui proposto busca contribuir

para o setor elétrico brasileiro, por meio de uma análise qualitativa que mostra as possíveis falhas

das regras de mercado e da estrutura de governança que permitiria uso de poder de mercado por

parte dos agentes, principalmente no Mercado Atacadista de Energia Elétrica. O próximo capítulo

apresenta discussões acerca da estrutura de governança dos mercados internacionais, dando

destaque à Califórnia e Inglaterra.

86 Sobre o tema reforma do setor elétrico, foram encontrados mais de mil trabalhos na Internet e em revistas especializadas. Deste número, foram selecionados os mais importantes, os quais figuram na referência bibliográfica,onde se encontram também os principais sites e revistas pesquisadas.

103

CAPÍTULO 5 - ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DOS SISTEMAS ELÉTRICOS REESTRUTURADOS – UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE MERCADO87

5.1. Considerações Iniciais

Conforme apresentado no Capítulo 4, os principais estudos dos vários mercados de

energia elétrica mostram resultados que apontam para o fato de que uma das grandes dificuldades

para permitir a eficiente implementação de mercados elétricos competitivos é a prática de poder de

mercado. Mostram ainda, que tal prática, em mercados com desenho regulatório inadequado, pode

causar perdas de eficiência econômica, na medida que permitem aumento artificial nos preços do

mercado spot, causando conseqüências sérias ao longo da cadeia produtiva. É importante salientar

que tais fatos foram realmente observados em sistemas reestruturados cujos despachos são baseados

em ofertas dos geradores. Na Inglaterra, em pleno processo de implementação da reforma, em 1994,

o órgão regulador foi forçado a impor limite superior ao lucro total das empresas geradoras, além de

ter feito várias intervenções ao longo dos últimos dez anos, como a recente implementação do

NETA. Na Colômbia, por exemplo, os preços spot praticados em ambiente de mercado divergiram

claramente de seus valores obtidos no despacho centralizado e executado por um operador do

sistema, conduzindo, conseqüentemente, a um aumento do custo de operação do sistema

colombiano. O potencial de exercício de poder de mercado existe também em algumas regiões dos

Estados Unidos, como Nova Jersey, Pensilvânia, Nova Inglaterra, Colorado e Califórnia.

Adicionalmente, destacam-se os casos de El Salvador, Austrália, Nova Zelândia e Brasil.

Diante da constatação de que existe um grande exercício de poder de mercado nos

sistemas elétricos reestruturados, e de que este poder de mercado, somado a outros problemas de

ordem estrutural, pode ocasionar perdas em termos de eficiência econômica por parte da indústria, o

que torna inócuo os objetivos iniciais da reforma, faz-se necessário compreender quais seriam os

fatores que permitem e contribuem para isso. No capítulo 4, foi apresentado o poder de mercado na

experiência internacional, sem o devido aprofundamento no modelo institucional. Este capítulo

apresenta o poder de mercado em um contexto de modelo institucional da IEEE, a partir do

referencial teórico da Organização Industrial, em particular da Nova Economia Institucional. Dessa

forma, o objetivo deste capítulo é apresentar quais as falhas dos modelos implementados no setor

87 As idéias de governança utilizadas aqui estão associadas ao desenho institucional da indústria.

104

elétrico que permitem uso de poder de mercado – e quais as principais soluções apresentadas pelos

estudos na literatura internacional.

5.2. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – Experiências

Internacionais

Para o caso do setor elétrico inglês, Green e Newbery (1996) fizeram uma

retrospectiva histórica examinando a natureza e a eficiência do ambiente regulatório. A reforma e o

funcionamento do mercado são o foco dos autores. A discussão se concentra, principalmente, nos

mecanismos criados pela nova estrutura, no funcionamento do mercado spot, no mercado de

contratos de longo prazo, nos mecanismos de hedge, e nos problemas que poderiam surgir devido

ao comportamento estratégico dos agentes. Os autores mostram que a reestruturação e a

privatização do setor elétrico inglês teve alguns elementos importantes e decisivos. Citam o

aumento nos investimentos em torno de 50% por parte dos produtores independentes de energia e o

conseqüente aumento da oferta; a expansão do parque gerador com usinas a gás de ciclo

combinado, reduzindo os incentivos ao programa nuclear e as usinas térmicas a carvão. Considere-

se que o modelo tradicional da indústria apresentava inúmeros problemas e limitações relacionadas,

sobretudo com os custos do sistema nuclear.

Entretanto, um dos grandes problemas apresentados pelos citados autores foi à falta

de cooperação das empresas geradoras, no que se refere à maximização dos benefícios energéticos

do sistema para minimizar os custos de geração. Por essa razão, o preço no mercado spot tornou-se

muito volátil, variando, principalmente em períodos de restrição de oferta por parte da França, entre

US$ 200/Mwh a US$ 1.500/Mwh. Essa volatilidade fez com que os preços finais aos consumidores

aumentassem por volta de 55%, entre 1990 e 1995. A partir desse período, surgiram os chamados

contratos de hedge, arranjos contratuais disponíveis para reduzir as incertezas dos preços no

mercado spot. Embora tais contratos tenham custos de transação muitos elevados, cerca de 90% das

compras de energia no mercado spot foram respaldadas por meio desses arranjos contratuais.

Ademais, de acordo com Thomaz (1997), a reverticalização da indústria para reduzir seus custos de

transação foi buscada por algumas empresas, as quais foram contidos com muito esforço políticos

pelo governo inglês.

Em 1997, Wolak et alii apresentaram um estudo da estrutura de mercado da indústria

de eletricidade da Inglaterra analisando o poder de mercado no processo de determinação dos

preços. Os autores argumentaram que o papel do governo deveria estar relacionado fortemente com

105

a estrutura de mercado da indústria, que possuía duas grandes geradoras National Power e Power

Gen além da geradora nuclear. Segundo eles, as empresas teriam possibilidade de vender a preços

substancialmente superiores aos custos marginais de curto prazo. As geradoras teriam duas

estratégias: o preço de oferta de cada gerador; e a sua capacidade de avaliar o preço para cada

período de meia hora durante o dia. Por meio de uma análise de dados de quatro anos dos preços de

mercado e das quantidades ofertadas, os autores detectaram que os dois maiores geradores puderam

obter preços substancialmente superiores aos custos marginais, utilizando-se, portanto, do poder de

mercado.

Valendo-se de evidências empíricas dos casos da Inglaterra, País de Gales, Nova

Zelândia, Noruega e Austrália, Wolak (1997) faz uma comparação internacional das estruturas de

mercado e das condutas de preços em um mercado de eletricidade reestruturado. O trabalho ilustra o

papel importante das estruturas de mercado para o uso do poder de monopólio em cada país, e

mostra evidências desse exercício em relação aos preços. O autor chega a uma conclusão

importante com relação à participação obrigatória no mercado spot, provando empiricamente que os

preços tendem a ser mais voláteis do que naqueles com a participação voluntária. Dessa forma,

aponta para uma flexibilização nas regras de mercado, no sentido de produzir melhores efeitos na

eficiência econômica. Com relação à participação mandatória no pool, a Inglaterra, antes da

reforma, apresentava esta característica, a qual foi modificada com a introdução da NETA.

Atualmente, Austrália e Brasil possuem um sistema mandatório no pool, enquanto Espanha,

Noruega, Califórnia, Pensilvânia e Nova Zelândia possuem um esquema voluntário (OCDE, 2001).

No caso da Escandinávia, Hjalmarsson (1996) fez um estudo descritivo das

características do mercado, destacando as fontes hidrelétricas de geração e o sistema misto de

propriedade. Os sistemas são descritos e analisados em detalhe, através de históricos e

características da regulação, realçando a importância da coordenação na cadeia produtiva, dos

sistemas de transmissão, do regime de tarifas, dos investimentos, da eficiência da indústria, dos

ganhos de produtividade e dos níveis de preços. O autor mostra que, como nos demais países88, a

implementação de mudanças nesses modelos contempla a introdução da competição nos segmentos

de geração e comercialização de energia além da conseqüente desverticalização dos quatro

principais segmentos da indústria, o livre acesso às linhas de transmissão, a criação de um mercado

spot e de um órgão regulador independente.

88 Apesar das grandes semelhanças com os demais países que fizeram a reforma nessa indústria, a Noruega deles se diferencia por não ter sofrido mudança de propriedade, permanecendo nas mãos do Estado.

106

Midttun (1997), analisando a reforma norueguesa, finlandesa e sueca, destaca três

características do mercado nórdico: a existência de um amplo sistema liberal de mercado, a

manutenção da propriedade estatal das firmas e a negociação de energia no mercado competitivo

europeu. Esses modelos de reforma são interessantes por reunirem, ao mesmo tempo, a propriedade

estatal e a exposição das empresas ao mercado competitivo. Nesse trabalho, as principais medidas

das reformas são abordadas, bem como a expansão do mercado nórdico. Ao contrário da reforma

britânica, os países nórdicos, apesar de não terem incluído a privatização, fizeram questão de expor

as empresas de propriedade pública ao mercado competitivo. Essas reformas foram introduzidas e

implementadas tanto por governos liberais como por governos conservadores e, não obstante o fato

de terem sido alvo de controvérsias políticas, constitui-se em modelo atraente para comparar com o

caso brasileiro.

Von der Fehr; Harbord & Fabra (1998), conforme mencionado no Capítulo 4, faz

uma análise dos mercados da Noruega, Austrália e Inglaterra, descrevendo as principais

características do pool. Os autores afirmam que na Noruega e na Inglaterra existem algumas

evidências sobre o exercício de poder de mercado. Argumentam ainda que as experiências desses

países mostram que a desregulamentação dos mercados de energia elétrica, sem respeito às

estruturas inerentes a esta indústria, possibilita conduta anticompetitiva no pool, o que resulta em

sérios problemas de eficiência econômica. Recomendam, pois, que a estrutura de mercado e as

condições de competição sejam inseridas com cuidado. Ao utilizar o modelo de Klemperer &

Meyer (1989), os autores destacam que em um sistema onde a demanda tem uma trajetória

determinística89 (incerteza reduzida), os geradores podem manipular preços, dada a ineslaticidade

da demanda no curto prazo.

Já Wolfram (1998) chama atenção para a importância do papel do órgão regulador no

mercado de energia elétrica da Inglaterra. Naquele país, embora os preços tenham permanecido

muito superiores aos custos marginais, passaram a apresentar trajetória de queda devido à adoção de

algumas medidas, tais como a introdução de contratos, price-cap e ameaça de entrada. A autora

argumenta que, no pool, a baixa elasticidade preço da energia elétrica, principalmente no curto

prazo, contribui para o potencial exercício de poder de mercado. Além disso, os atributos do

mercado spot sugerem a possibilidade de conluio. No pool, as geradoras oferecem energia para o

89 Esta constatação é muito importante para a definição dos preços no mercado spot, pois a demanda é altamenteinelástica e apresenta trajetória determinística, ao passo que os preços apresentam trajetória estocástica, tendo em vistaque os geradores podem jogar com suas ofertas conhecendo as características da demanda. Isto faz com que os preços

107

dia seguinte, como um jogo repetido infinitamente e, em caso de grande concentração, como eram

as duas geradoras à época, com propriedade privada. A simulação mostrou um equilíbrio com

preços muito acima dos custos marginais, o que rejeita a hipótese de Nash-Cournot e aponta para

tit-for-tat90. Em 1999, a autora apresenta os princípios centrais que um mercado deve adotar para

implementar a reforma no setor elétrico, destacando a importância da competição no varejo e o

gerenciamento pelo lado da demanda (demand side bidding91) para amenizar os efeitos da baixa

elasticidade preço da indústria.

Joskow & Kahn (2000; 2002) apresentam dois estudos sobre a crise na Califórnia

ocorrida em 2000, com objetivo de apontar quais seriam suas principais causas e se esta estaria

associada aos fundamentos do mercado ou a fatores externos. Os autores mostraram a capacidade

de os geradores manipularem os preços do mercado, principalmente em períodos de pico de

demanda. A conclusão é de que realmente os fundamentos contribuíram para o aumento dos preços,

principalmente durante a crise de 2000. Entretanto, para o período de 1999, o poder de mercado

explicou grande parte do aumento de preços. Assim, os autores argumentam que o desenho

regulatório do mercado da Califórnia apresenta fragilidades que permitem que os geradores façam

uso unilateral de poder de mercado. Para isso, um único gerador declara sua oferta reduzida,

enquanto os demais ofertam competitivamente, como este gerador tem porte grande e portfolio de

geração, a sua influência é relevante e os preços sobem muito acima dos custos marginais.

Mount et alii (2001) apresentam um estudo para o mercado elétrico da Califórnia, a

partir de simulações em um “Smart-Market” utilizando Power Web. Tendo em vista as

características da crise da Califórnia nos períodos de janeiro de 2001 a abril de 2001, o órgão

regulador necessitou intervir e estabelecer um price-cap. Com o objetivo de compreender melhor

quais seriam as principais falhas deste mercado, os autores utilizaram ferramentas computacionais

simulando leilões, e concluíram que os preços eram bastante voláteis, produzindo uma trajetória

estocástica, que os preços estavam bem acima da média dos preços competitivos, e que, devido à

característica de demanda inelástica, o mercado de energia elétrica necessitava de mais

do mercado spot sejam muito voláteis. Tal situação se agrava em um sistema predominantemente hidrelétrico, pois a trajetória estocástica da oferta já é estabelecida pelo comportamento estocástico da hidrologia.90 Embora exista uma literatura razoável aplicando modelo de Cornout e ou Bertrand para a IEE, as conclusões deWolfram parecem mais adequadas, pois o jogo no mercado spot tem uma característica repetitiva, o que sugere colusãotácita e aplicação de tit-for-tat. O uso unilateral de poder de mercado comprova esta afirmação.91 Segundo a autora, este mecanismo tem a vantagem de reduzir a trajetória determinística da demanda por energia elétrica, na medida que serve de instrumento para o consumidor refletir a sua sensibilidade com relação aos preços no mercado de energia elétrica, o que contribui para a redução da trajetória estocástica dos preços e, portanto, de suavolatilidade.

108

competidores do que os demais mercados para introduzir algum mecanismo competitivo. Os autores

concluem que a introdução de mecanismos de incentivo, principalmente do lado da demanda, é

capaz de reduzir o poder de mercado, do lado da oferta, uma vez que os geradores são capazes de

explorar a possibilidade de dirigir os seus preços no mercado e, portanto, elevá-los acima do nível

competitivo.

A importância dos mecanismos de incentivo do lado da demanda foi também

destacada por Ruff (2002), que apresenta o trabalho Economic Principles of Demand Response In

Electricity. Neste modelo, a demanda contribuindo para o aumento da oferta é melhor alternativa do

que a simples redução da demanda em períodos de pico, pois contribui para a redução dos preços no

pool e os preços de longo prazo, a partir de princípios econômicos mostrando a redução da

inelasticidade da demanda em certo grau, devido à possibilidade de capturar a sensibilidade dos

agentes em termos de preços e, quando estes podem gerenciar sua própria demanda. Em uma

análise da crise da Califórnia, e projetando para os demais estados americanos, Hirst (2001) sugere

ao FERC quais lições devem ser tiradas para o sistema elétrico nacional. O autor argumenta que é

muito cedo para dizer que o modelo de reestruturação não tenha sido bem sucedido e que, portanto,

não cabe aos demais estados americanos simplesmente desistir de implementar mudanças. Na

realidade, o que o autor sugere é que, tendo em vista os erros cometidos pela Califórnia, os demais

estados adotem um modelo estrutural e regulatório capaz de inserir mecanismos para corrigir os

erros.

Em participação no Seminário de Poder de Mercado no Brasil, em novembro de

2002, Wolak apresenta discussões acerca do poder de mercado na Califórnia, e faz algumas

sugestões para o Brasil. O autor argumenta que, em estruturas de mercado razoavelmente

concentradas, as firmas já possuem, por definição, o potencial para o exercício de poder de

mercado. No caso do setor elétrico a situação se torna mais complicada, tendo em vista as

características do produto energia elétrica e a condições nas quais este produto é ofertado, de vez

que um dos grandes problemas é o fato de a energia elétrica não ser estocável. Além disso, no curto

prazo, a elasticidade da demanda por energia elétrica tende a ser totalmente inelástica, dessa forma

a demanda residual em períodos de pico de consumo oferece uma margem razoável para manobras

estratégicas dos agentes, gerando a necessidade de manutenção de encargo de capacidade. Os

principais resultados do trabalho mostram que as estratégias utilizadas pelos agentes na Califórnia

não ferem os princípios da lei antitruste, o que indica a existência de um desenho institucional e

regulatório do setor elétrico com imperfeições que permitem jogo. Logo, o desenho de um mercado

109

competitivo é definido pela capacidade que os agentes possuem de utilizar seu poder de mercado, e

cabe ao modelo institucional/regulatório definir esse espaço, o que não é uma tarefa simples.

As próximas seções apresentam o desenho da Inglaterra e Califórnia,

respectivamente, com o objetivo de discutir a governança destes mercados e apresentar

recomendações para o caso brasileiro, o que será feito no próximo capítulo.

5.3. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – O Caso da

Inglaterra

Como se sabe, a Inglaterra foi um dos primeiros países a fazer a reforma do setor

elétrico e introduzir um modelo de pool para as transações de compra e venda de energia elétrica

entre os agentes de mercado. Com o objetivo de promover a competição, as principais

características deste mercado foram fundamentadas no caráter mandatário das transações no pool e

na oferta de preços por parte dos geradores. Entretanto, nesse modelo, a competição não se mostrou

efetiva, em função do alto grau de concentração da estrutura de mercado, principalmente na

geração92. O despacho da energia era centralizado, baseado em ofertas de geradores e estimativas de

demanda por parte do operador, e as ofertas eram diárias, ajustadas a cada meia hora. Além disso,

os agentes geradores faziam contratos financeiros para fins de hedge. No que se refere à demanda,

até 1993 esta não participava ativamente do mercado. A partir de então foi implementado o sistema

de Demand Side Bidding para os grandes consumidores. Tal mecanismo foi incluído na ordem de

mérito, o que permitiu que a demanda afetasse o preço e a própria operação do mercado. Destaca-

se, ainda, que o modelo apresentava participação ativa dos serviços ancilares e do encargo de

capacidade.

Segundo Sweeting (2000), este arranjo apresentava três problemas:

a tendência de preços demasiadamente altos devido ao pagamento de capacidade,

o que provoca uma excessiva entrada;

o arranjo para o pagamento de capacidade não previa exercício de poder de

mercado; e

os preços da transmissão eram ineficientes.

92 Até 1998, permaneceu um duopólio na geração entre as principais geradoras, National Power e Powergen. No varejo, havia doze distribuidoras regionais.

110

Por outro lado, o órgão regulador aponta algumas vantagens do modelo, como, por exemplo,

a manutenção da confiabilidade e segurança do sistema e a entrada de novos geradores, o que

facilita a competição e a redução de preços aos consumidores finais.

Entretanto, tal estrutura permitiu manipulação de preços por parte das geradoras,

principalmente no que se refere ao pagamento de encargo de capacidade. Além disso, os geradores

aproveitaram-se de restrições de transmissão e da complexidade das regras do mercado atacadista,

que deixavam espaço para jogo. O uso de subsídios cruzados entre as classes de consumo

prejudicou os consumidores residenciais, que chegaram a pagar 30% a mais pela energia, ao passo

que os grandes consumidores tinham acesso a energia barata.

Em função da alta variabilidade do preço spot no Reino Unido, a agência reguladora

acusou as empresas geradoras National Power e Power Gen de exercerem manipulação de mercado

com o propósito de aumentar o preço spot do sistema, e ameaçou denunciar essas empresas para a

Monopolies and Merger Comission, comissão responsável por estudar e emitir parecer sobre o caso.

A questão foi resolvida com a instituição de limites para o preço do PPP (Pool Power Price), índice

que reflete o custo marginal de curto prazo do sistema inglês para os anos fiscais de 1994/95 e

1995/96, como parte de um acordo “voluntário” entre as duas empresas e o órgão regulador,

fechado em 04 de fevereiro de 1994.

Estudos baseados na análise de bencharmark para o pool mostram a possibilidade de

exercício de poder de mercado. A partir do modelo de Supply Function Equilibrium (SFE)

apresentado por Klemperer & Meyer (1989), Green & Newbery (1992) concluem que há uma

tendência de competição no mercado desde que não haja retenção de oferta por parte dos agentes.

Utilizando um esquema de leilões de primeiro preço (first price), Von der Fehr & Harbord (1993)

apresentam a mesma conclusão. Wolfram (1998), por sua vez, argumenta que a possibilidade de

colusão tácita existe, pois o jogo neste mercado é repetido e a concentração é alta, o que requereria

a quebra do oligopólio na geração e outras medidas com forte intervenção do regulador.

Quanto ao desempenho da indústria em termos de investimento e benefícios aos

consumidores, destaca-se que, em 1990, 30% dos grandes consumidores exerceram a opção de

escolha; em 1994, 20% dos consumidores médios e, em 1999, os pequenos já podiam fazer a opção,

mas poucos fizeram. Tendo em vista que os preços do varejo têm sido bons para os grandes

consumidores, mas ruins para os consumidores residenciais. Embora, desde 1999, o preço no

mercado atacadista tenha caído 35% em média, 20% desta redução foi para os grandes

consumidores; ao passo que os pequenos consumidores sofreram aumento de 5%. Ressalta-se a

111

excessiva concentração da indústria e a verticalização entre os segmentos de geração e

comercialização, possibilitando reserva de mercado e prática de subsídios cruzados, o que limita a

competição no varejo.

No que se refere ao aumento da oferta93, nos segmentos de transmissão e distribuição

os investimentos se mostram adequados desde a privatização. Do lado da geração, considerando que

a demanda cresceu a ritmos lentos, tem havido sobre-investimento, principalmente no período em

que os preços estavam altos devido ao exercício de poder de mercado.

Como houvesse concentração excessiva no mercado, tornando ainda mais grave a

assimetria de informação entre o regulador e os agentes, em 1998 o órgão regulador determinou o

fim do oligopólio na geração. Atualmente, o mercado inglês apresenta treze geradores de médio

porte, entre os quais seis integrados com comercializadoras; doze distribuidoras regionais; duas

geradoras nucleares; e quatro companhias de comercialização não-integradas. Diante dos problemas

enfrentados pelo órgão regulador, principalmente no que se refere ao poder de mercado, o fim do

pool centralizado foi anunciado em 1998, com a criação do NETA, efetivado a partir de março de

2001.

O que se pode concluir sobre a Inglaterra é que durante os dez anos de

funcionamento do pool, foi recorrente a constatação da habilidade de determinados geradores em

manipular as regras do mercado, com conseqüente elevação dos preços. Por essa razão, estes não se

reduziram em linha, como seria de se esperar de acordo com os fundamentos econômicos, mesmo

se considerando a situação de custos decrescentes e a estrutura de mercado cada vez mais

desconcentrada. Ao longo do processo de reformas, apesar de o OFGEM ter monitorado tais

condutas, modificando, inclusive, a regulamentação e as regras do pool, não houve sucesso em

mitigar abusos do poder de mercado por parte de determinados geradores. Além disso, a falta de

participação efetiva da demanda e a complexidade das regras do pool deixaram um razoável espaço

para jogo. Dado este modelo, os geradores fizeram exercício de poder de mercado com retenção de

capacidade; ofertaram preços altos em determinadas áreas devido à restrição de transmissão;

manipularam as regras de mercado, se aproveitando da sua complexidade; além de jogarem com

posições contratuais no mercado futuro.

93 Desde 1990, os preços do atacado são mais altos que o custo marginal de longo prazo. A necessidade de investimentos tem sido muito pequena e, por várias razões, os investimentos têm sido cíclicos. No período de 1989-92,houve grande investimento, de 1993-1996 pouco investimento, em 1997-98 grande investimento e, a partir de 1999,pouco investimento (OCDE, 2002).

112

A introdução da NETA teve como princípio básico permitir a fixação de preços no

mercado de eletricidade, como em um mercado qualquer. O modelo pauta-se em um pool

descentralizado e flexível no arranjo de compra e venda entre os agentes, criando mercados

paralelos sem vínculo ao preço do pool. Este modelo de fato tem resultado em rápido

desenvolvimento de um mercado grande e transparente, similar ao de outras comoditites. Tendo em

vista a introdução de contratos: a termo, bilaterais e futuros, vários mercados têm-se desenvolvido

com a NETA, além do mercado spot, UK APX, que fica aberto 24 horas por dia, com fechamento

de posições em tempo real, um outro mercado, o UKPX opera como um mercado de contratos

futuros, participa também deste mercado o IPE – International Petroleum Exchange, para o

petróleo. O operador do sistema assume um papel importante na determinação dos preços, pois

compra e vende energia com o objetivo de balancear os preços no pool (Balancing Market). Os

contratos podem ser feitos de meia em meia hora, entre consumidores, geradores e agentes

financeiros. Os serviços ancilares também são negociados por meio de contrato.

No que se refere à formação de preços no pool, os geradores recebem o lance

proposto e não são, portanto, tomadores de preços. Além disso, existe um esquema de oferta firme

(como no caso da Argentina), a qual permanece por um determinado período, sem ser modificada.

As principais mudanças no modelo da Inglaterra consistem em:

i. participação ativa do Demand Sid Bidding;

ii. pool descentralizado e dinâmico;

iii. contratos bilaterais, contrato a termo e contratos futuros com prazos

diferenciados;

iv. participação no mercado de serviços ancilares e encargo de capacidade;

v. o operador do sistema faz lances para balancear o mercado;

vi. os agentes recebem pelo preço que ofertam;

vii. ofertas com lances firmes (como na Argentina).

Sweeting (2000) apresenta um estudo para o sistema elétrico inglês, destacando a

mudança radical do desenho do modelo do mercado atacadista e a introdução da NETA. Ao analisar

o arranjo que veio a ser implementado em março de 2001, argumenta que embora o novo arranjo

possa resolver muitos problemas dentro do pool, ainda não seria eficaz, uma vez que a possibilidade

de exercício de poder de mercado tende a permanecer. O autor, na realidade, faz uma análise do

modelo que prevalece em 2000 e do modelo que seria implementado a partir de 2001. São

apresentadas as seguintes questões:

113

i. mesmo com as mudanças do pool para um modelo centralizado, não há garantia

de eficiência, uma vez que a jusante os negócios irão permanecer altamente

centralizados e com regras complexas;

ii. O pool tem pouca liquidez, tendo em vista que 90% da energia está contratada;

iii. a redução do poder de mercado só será efetivada se a estrutura de mercado for

menos concentrada e as regras se tornarem menos complexas;

iv. mesmo com as modificações nas regras propostas pela NETA, estas ainda

permanecem muito complexas;

v. Além disso, os preços de transmissão não serão integrados ao NETA, o que

suscita a necessidade de uma descentralização física para impedir que

ineficiências sejam geradas.

Na mesma linha, o órgão regulador inglês afirma as características econômicas dessa

indústria, destacando a demanda altamente inelástica associada à necessidade de compatibilizar

oferta e demanda a todo instante, e a complexidade das regras de estabelecimento de preços no

pool. Isto torna difícil diferenciar entre elevação de preços que decorre de condições normais do

mercado, daquelas que surgem como resultado de abuso de poder econômico. Além disso,

argumentam que mudanças nas regras do pool podem ser efetivas para lidar com determinadas

práticas, contudo, freqüentemente, elas reaparecem sob forma diferente94. Reconhece-se ainda que o

escopo para a manipulação dos preços de mercado não se reduz de forma muito significativa com a

descentralização e desconcentração do pool. A OFGEM reconhece que outras legislações, como o

Competition Act e o Financial Services and Markets Act, que tratam da regulação dos arranjos

financeiros de compra e venda de energia no NETA, apesar de complementares, não são suficientes

para tratar da possibilidade de abuso de poder de mercado.

Com base nos estudos, a experiência inglesa pode enumerar as seguintes lições:

i. As regras do pool permanecem muito complexas e deixam espaço para jogo;

ii. Há grande dificuldade de se identificar, dentre as condutas dos geradores,

aquelas que são de caráter abusivo;

iii. Certas condutas anticompetitivas específicas são difíceis de ser tratadas por meio

de mudanças na regulação (risco de sobre-regulação);

94 Os agentes de mercado, na tentativa de maximizar seus lucros, sempre encontram uma maneira de burlar as regras, agindo sempre à frente do órgão regulador.

114

iv. É bastante complicados a missão do regulador de balizar os interesses dos

consumidores, empresas e os objetivos de política do governo95;

v. a aplicação da análise antitruste, pautada na idéia de dominação de mercado, se

mostra inadequada para lidar com condutas anticompetitivas no setor elétrico;

vi. faz-se necessário criar mecanismos institucionais, internos à agência, que

permitam que estas assumam papel pró-ativo na aplicação da defesa da

concorrência;

vii. estruturas com baixo grau de concentração ainda permitem abuso de poder de

mercado, tendo em vista as características da oferta e demanda por energia

elétrica.

Uma característica que merece destaque é a baixa elasticidade da demanda somada à

impossibilidade de estocar o produto energia elétrica. Estes fatores indicam a necessidade do

aumento dos investimentos para que, em situações de ausência de escassez (ou excesso de oferta),

os preços tendam a ser mais baixos. Entretanto, a trajetória determinística da demanda, aliada à

trajetória estocástica da oferta, permite comportamento estratégico dos agentes, os quais podem

reter oferta. Nesse caso, a expansão da geração não é suficiente: é importante inserir mecanismos de

incentivo, seja pelo lado da regulação e defesa da concorrência, para conter o poder de mercado dos

geradores, seja pelo lado de possibilitar uma gerência da demanda por parte dos consumidores,

como é o caso do mecanismo de demand side bidding.

5.4. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – O Caso da

Califórnia

Quando se investigam as reformas do setor elétrico pelo mundo, a Califórnia é o caso

mais estudado, com um número substancial de trabalhos. Os países que ainda estão em processo de

mudança vêm se beneficiando das lições proporcionadas por esse mercado, principalmente quanto

ao quê não se deve fazer na implementação dos modelos de mercado. É neste contexto que se insere

a presente análise. Embora se reconheça que o Brasil apresente características muito diferentes dos

Estados Unidos, e em particular da Califórnia, alguns acontecimentos desse estado norte-americano

apontam para a busca de soluções para o caso brasileiro.

95 Destaca-se aqui a tentativa da OFGEM de introduzir a MALC - Market Abuse Licence Condition – entre os maioresgeradores. A Malc seria uma cláusula contratual aos geradores identificados como detentores de substancial poder de mercado, os quais teriam obrigações regulatórias adicionais, visando prevenir eventuais abusos até pelo menos a

115

O Setor Elétrico da Califórnia começou seu processo de reforma a partir de 1998.

Antes disso, o modelo predominante apresentava uma estrutura de mercado razoavelmente

concentrada, uma vez que ¾ da energia era ofertada por grandes empresas geradoras, e cerca de

20% da energia era importada de outros estados e do Canadá. Tendo em vista os aumentos de

preços ocorridos neste período, devido em parte ao aumento do preço da energia nuclear, cogitou-se

de reformar esta indústria com o objetivo de inserir a competição, e, portanto buscar a eficiência,

principalmente em termos de redução de preços aos consumidores finais (eficiência alocativa).

A reforma da Califórnia, além de incorporar um modelo similar ao dos demais

países, apresentava um viés estrutural muito forte, já que se fazia necessário expandir a capacidade

de geração, tendo em vista que os investimentos ficaram parados por mais de dez anos, devido às

barreiras à entrada, tanto as econômicas como as institucionais. O modelo escolhido baseava-se em

uma re-regulamentação do mercado, visando: a) estimular a competição no atacado, por meio do

incentivo à entrada de novos geradores; b) propiciar a escolha dos consumidores por meio de um

aparato de desverticalização da indústria; e c) criar um pool central e um operador independente.

Destaca-se também a importância no tratamento separado dos serviços ancilares e da energia de

capacidade.

A despeito do desenho de mercado adotado na Califórnia, os resultados apresentados

nos primeiros anos após a reforma, em particular em 2000-2001, foram os piores possíveis. No

verão de 2000, os preços no mercado atacadista estavam 500% mais altos do que nos mesmos

períodos nos anos de 1998 e 1999. Além disso, em março de 2001 o órgão regulador (FERC)

precisou lançar mão de um price-cap no pool para conter os aumentos sustentados nos preços do

mercado atacadista, além de intervir no sistema de transmissão, nacionalizando o grid.

Conforme mencionado, vários estudos foram apresentados para explicar a crise na

Califórnia. Um estudo apurado da literatura internacional conduz a um diagnóstico convergente96: o

de que houve baixo investimento na indústria; escassez de oferta ocasionada por seca; aumento

excessivo da demanda; redução da energia importada; restrições ambientais; aumento dos preços do

gás natural; perda de capacidade porque havia usinas em manutenção; e, sobretudo, retenção de

oferta por parte dos geradores para pressionar os preços para cima.

introdução da NETA. Entretanto, tal idéia foi abortada, pois dois grandes geradores – AES e Britsh Energy – nãoaceitaram.96 Na vasta literatura internacional sobre a Califórnia, constitui senso comum a prevalência dos fundamentoseconômicos que contribuíram para a crise, mas, principalmente, o viés destes fundamentos devido à manipulação de preços e abuso de poder de mercado.

116

Em trabalho recente Joskow & Kanh (2002) apresentam o que seria a palavra final a

respeito da crise na Califórnia. Os autores afirmam que aumento nos preços do gás, redução na

importação, aumento da demanda e custos ambientais contribuíram significativamente para o

aumento dos preços na Califórnia em 2002. Entretanto, a sustentabilidade desse aumento por um

longo período não pode ser explicada apenas pelos mecanismos naturais dos fundamentos do

mercado. Há uma evidência empírica de que houve exercício de poder de mercado por parte dos

geradores, principalmente no que se refere à retenção de oferta, o que se pode chamar de uso

unilateral de poder de mercado.

Harvey & Hogan (2001), utilizando a metodologia de benchmark para detectar o uso

de poder de mercado na Califórnia, concluíram que, embora o poder de mercado exista, torna-se

muito difícil de ser identificado quantitativamente, o que pode ser perigoso em termos de

apontamentos para decisões regulatórias, de forma que a tentativa de mitigar esse poder de mercado

corre o risco de sobre-regulação. Na mesma linha, discutindo jogos e a dificuldade de capturar

comportamento estratégico, Wolak; Bushnell & Hobbs (2002) apontam para a necessidade de se

separar o que realmente viola as regras de mercado e o que é benefício potencial de uma

determinada atividade. Este fator está estreitamente relacionado com as características técnicas da

indústria de energia elétrica e, portanto, com suas peculiaridades. Os autores chamam a atenção

para a dificuldade de se encontrar um modelo competitivo para este mercado, o que aponta para a

necessidade de se utilizar mecanismos de incentivo adequados, como, por exemplo, a necessidade

de o órgão regulador implantar penalidades fortes para quem burla as regras do mercado. Dessa

forma o mecanismo de incentivo tem que ser tal que os ganhos potenciais de abuso de poder de

mercado sejam menores do que as penalidades incorridas por mau comportamento no mercado.

Rajaraman & Alvarado (2002) afirmam que o teste de exercício de poder de mercado

pode ser feito de forma quantitativa por meio de simulações; e de forma qualitativa por intermédio

de mecanismos de incentivo para o uso de poder de mercado97. Na opinião dos autores, as

simulações quantitativas fazem uma boa aproximação, mas tendem a ignorar questões importantes

como, por exemplo, as restrições intertemporais de transmissão, a incerteza da oferta e da demanda,

a complexidade do despacho hidrotérmico e outros.

97 É nessa linha que segue a tese ora proposta.

117

Embora o modelo de benchmark contribua para uma resposta quantitativa acerca do

poder de mercado, não se pode garantir que este predomina98. Para os autores, a técnica de

benchmark utilizada por grande parte dos trabalhos feitos para o caso da Califórnia pode sinalizar

de forma inadequada as decisões do órgão regulador; assim, uma análise qualitativa poderia ser

mais eficiente. Não se afirma que não houve poder de mercado, mas sim que quantificá-lo é

demasiadamente complexo, impossibilitando, talvez, determinar em que grau este poder de mercado

foi utilizado.

Em suma, o que os principais trabalhos apresentam é a discussão a respeito dos

fatores que causaram a crise na Califórnia e se estes fatores possuem fundamentos econômicos ou

se estão associados a fatores artificiais ocasionados por comportamento estratégico por parte dos

agentes. O Banco Mundial (2001) apresenta uma clara divisão desta análise, separando

fundamentos econômicos e outros fatores que causaram a crise, além de incorporar recomendações.

O Quadro 4, a seguir, sumariza o modelo do Banco Mundial adaptado para a Califórnia, uma vez

que inclui as conclusões dos demais trabalhos que tratam do tema.

98 Embora o pool da IEEB tenha passado por várias crises, pode-se afirmar com certeza que esse tipo de conduta não aconteceu no Brasil.

118

QUADRO 4 – FUNDAMENTOS DA CRISE DA CALIFÓRNIA

Fundamento Econômico Implicações Desenho do modelo regulatório Desenho do modelo de mercado

Resultados

Aumento dos custos ambientais Pressiona os custos da geração de energia

Relação institucional entre meioambiente e energia elétrica

O desenho do meio ambiente não contemplava o desenho de mercado de forma adequada

Problemas de ordem institucional,governança da IEE e outrasinstituições

Escassez de oferta Ausência de investimentos; Climaseco, escassez de água; Térmicas em manutenção;Redução da importação

Complexidade do aparatoregulatório em que o risco e a incerteza regulatória eram grandes

Barreiras à entrada/saída; Mercado pouco contestável;O sinal de preços do curto prazo do pool não sinalizavainvestimentos

Exercício de poder de mercado a partir de retenção de oferta para pressionar preços no pool

Aumento da demanda O verão intenso provocou umaumento na demanda da ordem de 30%

Faltaram informações sobre a possibilidade de escassez entre oórgão regulador e o operador

O portifolio de geração era dependente de térmicas antigas

Em situação de escassez a retenção de oferta é maior,principalmente na demanda de pico

Aumento dos preços do gás natural

O gás pressionou os custos da geração térmica, que corresponde por cerca de 30% da matriz

Necessidade de relação institucional entre a cadeia do gáse da energia elétrica

O modelo do mercado de gás precisa ser compatível ao do mercado de energia elétrica

Os preços do pool forampressionados pelo custo do gásnatural

Aumento dos preços da energia elétrica

Aumento nos preços do mercadoatacadista

Regras complexas e maldesenhadas permitiram espaçopara jogo

As características do pool, o mecanismo de formação de preço e o despacho permitiramineficiência

Abuso de poder de mercadoexplica em grande grau o aumentodos preços

Desequilíbrio das distribuidoras Pressão de custos O órgão regulador não permitiu orepasse de preços e nem contratosbilaterais.

Não havia exigência de respaldo físico de energia, As distribuidoras ficaram expostasaos preços do pool

As geradoras capturaram a renda das distribuidoras, não houve repasse para os consumidoresdevido a regulação econômica

Fonte: Elaboração própria a partir de World Bank (2001).

119

O resultado da primeira “reforma da reforma” no mercado da Califórnia trouxe para

questionamento as premissas adotadas nas regras de mercado, em especial no que se refere à

convivência dos negócios regulados (transmissão e distribuição) e não-regulados (geração e

comercialização). A ausência de contratos bilaterais de longo prazo entre os agentes foi uma das

grandes fragilidades do modelo anterior, pois sem o mercado de contratos os preços se tornaram

muito voláteis99, e, em momentos de escassez de oferta, alcançavam patamar muito alto. As

distribuidoras, na qualidade de empresas reguladas, não puderam reduzir sua demanda, pois eram

obrigadas a atender os consumidores cativos. Em contrapartida, não tinham permissão para fazer o

repasse total dos preços aos consumidores finais, o que levou a um desequilíbrio nas contas das

empresas, e muitas fecharam seus negócios.

Outros dois fatores importantes relacionados à oferta foram: a grande exigência dos

órgãos ambientais para permitir investimentos em novas gerações, e o grande poder dos agentes que

já estavam no mercado, os quais, percebendo a escassez, manipularam os preços. Tais

características levaram à falência o modelo de mercado da Califórnia, o que exigiu a implementação

de novas regras a partir de 2001, quando a crise se tornou patente. Esse movimento levou a

Califórnia a rever seu modelo e corrigir as fragilidades das regras de mercado e da própria estrutura

de governança.

Os principais problemas associados à governança se pautam no conflito de interesses

entre o órgão regulador central (FERC) e órgão estadual (PURC), pois não havia um acordo entre a

regulamentação do varejo e a regulamentação do atacado. Enquanto os preços do gás e da

eletricidade aumentavam, o varejo tinha que se manter constante para recuperar os stranded costs.

Houve conflito também no relacionamento entre o operador (ISO) e o pool (PX), uma vez que estes

eram separados e não conseguiram compatibilizar o despacho real e comercial, causando problemas

na otimização do sistema100.

Conforme apresentado no Quadro 3, a explicação para a crise se pauta em duas

premissas básicas: os fundamentos econômicos podem explicar a crise partindo da hipótese de que

99 Isso se deve basicamente à característica inelástica da demanda de curto prazo e às características do produto energia(não estocável).100 Esse problema foi percebido em grande parte dos países que fizeram a reforma, do que se infere que há um sérioproblema de coordenação e governança no desenho. Se, antes, essa atividade era coordenada pelo operador do sistemapor um despacho de mínimo custo, com a reforma a coordenação ficou dividida entre o operador e o mercado, causando sério problema de coordenação. Isto sugere que o órgão regulador exerça um papel extremamente ativo para que ineficiências não sejam endogenizadas sob a forma de captura e conflitos de interesses entre os agentes.

120

o mercado é perfeitamente competitivo, se esta hipótese não se verifica (e este é o caso) deve-se

buscar outros fatores, os quais podem ser quantitativa e qualitativamente explicados:

i. A análise de benchmark101 apresenta de forma quantitativa o gap entre os preços

de mercado de um modelo ideal e os preços de mercado verificados na

Califórnia, o que aponta para exercício de poder de mercado por parte dos

agentes geradores;

ii. O abuso de poder de mercado pode ser qualificado, na medida que se verifica

uma falha no desenho do mercado proposto para a Califórnia, nas regras deste

mercado e no aparato regulatório que permitem espaço para jogo.

A crise leva a crer que o modelo de reestruturação da Califórnia não foi bem

sucedido, entretanto, isto não significa que o processo deva ser abandonado. É importante

considerar que as mudanças na tecnologia dessa indústria não transformam fundamentalmente um

setor com características de monopólio natural para um setor caracterizado por ausência total de

monopólio, daí o fato do segmento de geração apresentar características de oligopólio e o

investimento ser fator crucial para inserir a competição (Joskow, 2000). Neste formato, é necessário

regular os preços e, ao mesmo tempo, permitir um gerenciamento de riscos, o que chama a atenção

para a convivência de segmentos regulados e não-regulados ao longo da cadeia dessa indústria.

Também as políticas de liberalização de uma indústria com tais características se tornam

insustentáveis sem um claro desenho regulatório. Uma vez que a característica não estocável do

produto energia elétrica, associada à elasticidade preço da demanda muito baixa, faz com que o

investimento se torne variável chave para este modelo, uma vez que a competição deve ser pautada

em excesso de oferta (ou pelo menos na ausência de escassez)102. Em situação em que exista uma

grande dependência da expansão da oferta, o modelo não pode ser demasiadamente complexo, as

regras precisam ser claras e críveis, caso contrário se tornam instrumentos indesejáveis de barreira à

entrada.

O que se pode concluir é que o desenho de mercado da Califórnia é ainda pior do que

o próprio modelo regulatório, e que a crise poderia ser evitada. Assim, dado que há um modelo

101 O primeiro trabalho nessa vertente foi publicado por Klemperer & Meyer (1989), seguido de Green & Newbery(1992) e outros.102 Os países que vem apresentando razoável sucesso nos seus modelos de mercado apresentam, sem exceção, umexcesso de oferta na geração de energia elétrica. Este fator é forte componente para explicar a competição na indústria. A grande questão que vem sendo colocada é de como inserir mecanismos sinalizadores para os investimentos, pois até hoje nenhum modelo de mercado conseguiu esta façanha. As condições de excesso de oferta de todos os países que apresentam tais características foram determinadas antes da reforma ou em situações atípicas de mercado, como oexcessivo aumento dos lucros na Inglaterra, devido à prática de poder de mercado antes da nova reforma.

121

institucional e um aparato regulatório favorável ao uso unilateral de poder de mercado, um novo

desenho de mercado se faz necessário para criar as condições para a competição (Joskow, 2000).

A experiência internacional acrescenta algumas características importantes àquelas

apresentadas no Capítulo 4. Tais características são resultados do processo de aprendizado

observado na implementação do modelo de mercado. Uma análise ex-post, pós reforma, como está

sendo feita agora, pode acrescentar variáveis de extrema relevância na definição de um aparato

institucional para a IEE, ou seja, a definição da estrutura de governança para a indústria como um

todo precisa considerar alguns fatores chaves não mencionados nos modelos básicos anteriormente

apresentados:

i. é necessário construir um modelo de mercado pautado em três tipos de

contratos para que haja dinâmica no mercado. Os contratos a termo, os

contratos futuros e os contratos bilaterais asseguram sinais para investimentos e

gerenciamento de riscos por partes dos agentes, além disso, em determinadas

circunstâncias, podem conter o abuso de poder de mercado;

ii. é de extrema relevância para este mercado a introdução do demand side

bidding, pois contribui para reduzir a volatilidade dos preços, favorecendo

investimentos e coibindo o exercício de poder de mercado;

iii. é necessário um desenho adequado para o mercado spot, para que a competição

tenha dinâmica, sem permitir abuso de poder de mercado;

iv. o operador (ISO) deve ser monitorado cuidadosamente, devido às

características de economia de coordenação que este apresenta juntamente com

o pool, a fim de evitar perdas de eficiência;

v. é importante haver coordenação entre o mercado de gás e o mercado de

eletricidade;

vi. é importante a manutenção de encargo de capacidade e obrigatoriedade de

investimentos em serviços ancilares;

vii. é necessário exigir o respaldo físico de energia, para reduzir os riscos aos

consumidores e aos próprios agentes;

viii. O acesso a rede deve ser livre e indiscriminatório sem poder aos agentes;

ix. é imprescindível não permitir verticalização entre geradoras e transmissoras e

geradoras e comercializadoras;

x. é imperativo adotar mecanismos de incentivo e de hedge.

122

A crise na Califórnia mostra claramente um desenho pobre do mercado, um aparato

regulatório frágil e, sobretudo, uma implementação inadequada do que havia sido proposto. Tal

fator, somado aos problemas inerentes a esse tipo de indústria levou às últimas conseqüências as

falhas de mercado e de mecanismos regulatórios, exigindo uma nova formatação do modelo.

Atualmente, a Califórnia apresenta um bom desempenho em termos de oferta, tal desempenho se

deve a uma intervenção maior do órgão regulador na indústria. Além disso, o estado detém a

transmissão e a posse de algumas distribuidoras. O objetivo inicial foi o de criar um ambiente de

competição na geração e na comercialização de energia elétrica, a fim de reduzir os preços cobrados

aos consumidores finais. Dada a recente “reforma da reforma”, houve um certo recuo do modelo de

mercado para um modelo com maior grau de intervenção. Por razões já apresentadas,

principalmente no que se refere a imaturidade do processo de reforma, o objetivo de eficiência, no

sentido econômico, ainda não foi alcançado.

O caso da Califórnia pode trazer importantes lições, uma vez que, partindo dos

pressupostos da teoria econômica, em particular da Organização Industrial, verifica-se que do ponto

de vista qualitativo o mercado por si só não oferece condições suficientes para a competição. Neste

caso, faz-se necessário um modelo substituto ou complementar, como é o caso de mecanismos de

incentivo que podem ser importantes para estimular a competição e mitigar as imperfeições do

mercado. Além disso, é importante que haja um aparato regulatório eficiente nesse desenho, seja do

ponto de vista da regulação da estrutura, seja do ponto de vista da conduta (defesa da concorrência).

O que importa observar, principalmente para a IEE em particular, é que as características da

indústria é que vão determinar os instrumentos (ou governança) adequados para o seu desempenho.

No caso da IEE, está claro que a estrutura de governança a ser estabelecida não determina a

concorrência ou substituibilidade entre os mecanismos acima apresentados (mercado, incentivos e

regulação) e sim da complementaridade destes elementos, o que sugere uma estrutura híbrida de

governança.

O principal argumento da literatura sobre a Califórnia centra-se na incapacidade que

o órgão regulador possui de detectar o exercício de poder de mercado, uma vez que os instrumentos

regulatórios são insuficientes para conter o abuso. Tendo em vista a dificuldade de se provar tais

evidências, a estrutura de governança do mercado atacadista contribuiu para o problema, uma vez

que os dirigentes do PX defendiam seus próprios interesses. O problema clássico da assimetria de

123

informação e risco moral agregou aos agentes de mercado muito poder, o que fez com que o FERC

mudasse a governança do PX em 2000103.

Atualmente, tanto a Califórnia quanto a Inglaterra vem apresentando um bom

desempenho, e este se deve a um excesso de intervenção no primeiro caso e a um grau maior de

liberdade, no segundo. O mercado da Inglaterra vem-se assegurando, de um lado, pelo excesso de

oferta e, por outro, pela credibilidade que o órgão regulador adquiriu nos últimos anos, com a

intervenção excessiva.

Entretanto, apesar das mudanças inseridas na Califórnia, a experiência de outros

países, inclusive da Inglaterra, deixa claro que não há garantia de que a questão da governança está

resolvida para o modelo de mercado da IEE. Dado o caráter incipiente das mudanças, ainda existe

grande incerteza sobre a conformação do mercado e do aparato regulatório104 que as características

técnicas e econômicas desta indústria irão comportar. A experiência da Noruega demonstra que o

pool requer um desenho cuidadoso, e que a introdução do mercado precisa ser gradual, caso

contrário recorrentes crises podem ocorrer.

Kanh (1995) já chamava atenção para a necessidade de balizar os arranjos

institucionais de determinadas indústrias:

“The conclusion seventeen years later, is essentially the same...industries differ one from the other, and the optimal mix of institutional arrangements for any one of them can not be decided on the basisof ideology alone. The ‘central institutional issue of public utility regulation remains…finding the best possible mix of inevitably imperfect regulation and inevitably imperfect competition’ (Kanh, 1995 in Stoft, 2002)”.

Isto realmente sugere um processo de aprendizado que possa vir a determinar em que

grau a configuração entre mercado e intervenção vai se fazer, o que pode levar um período de

tempo razoável.

103 No Brasil isto também aconteceu, por essa razão, o MAE foi objeto de intervenção por parte da ANEEL. 104 Invariavelmente, os modelos demonstram que o processo de reestruturação possui uma curva de aprendizagem, a qual deve ser percorrida gradualmente. O novo modelo dessa indústria deve ser implementado por meio de um processo de learning by doing, leaning by using e learning by interaction.

124

5.5. Análise da Estrutura de Governança dos Sistemas Elétricos

Reestruturados

De acordo com os principais estudos da experiência internacional de sistemas

elétricos reestruturados, a maioria dos países apresentou problemas na implementação de um

modelo de mercado. Conforme as hipóteses desta tese, o grande problema está na própria

implementação dos modelos propostos e, sobretudo, no desenho inadequado para uma indústria

com características tão peculiares como é a IEE. Por essa razão, com base nos modelos

apresentados no Capítulo 4, este capítulo procura fazer uma comparação entre o que foi proposto

inicialmente para a IEE e o que ocorre efetivamente, com o objetivo de mostrar as principais falhas

dos modelos, principalmente no que se refere à governança. Os desenhos teóricos estão

apresentados nos Quadros 5 e 6, acrescentados do desenho da indústria efetivamente encontrado na

experiência internacional e de uma análise desses modelos.

125

QUADRO 5 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DA IEE E PRINCIPAIS RESULTADOS DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Atividade Características Econômicas Implicações Experiência Internacional ProblemasGeração Economias de escala limitadas

Coordenação e complementaridade com a transmissãoPortfolio de tecnologias

PotencialmenteCompetitivo

Estruturas concentradas na maioriados casos analisados

Abuso de poder de mercado,mesmo com baixo grau de concentração

Transmissão e distribuição

Externalidades de rede; sunk costselevados; economias de escala e de escopo consideráveis; economia de coordenação; déia de bem público (utilities); monopólionatural

Tendência de baixosinvestimentos;Taxa de retorno limitado;Segmento regulado

Grande intervenção do órgão regulador, taxa de retorno limitada e muito baixa na Califórnia

Tarifas altas aos consumidoresfinais, baixa eficiência

Comercialização Sunk costs baixos;Economias de escala limitadas;Barreiras à entrada/saída baixas

Segmento potencialmentecompetitivo

Concentração e verticalização Competição em grau muito baixo e preços altos aos consumidoresfinais

Mercado atacadista; mercado de contratos a termo, bilaterais e financeiros;

Pool de compradores e vendedores Potencialmente dinâmico e altamente competitivo

Alta concentração; falta de transparência; regras complexasgovernança frágil; poucos países apresentam dinâmica nos três modelosde contratos

Preços altos DisputasAbuso de poder de mercado

Operação/despacho Monopólio Segmento regulado Órgão independente, grandes economias de coordenação com o pool governança frágil

Passível de captura

Outros serviços:manutenção de redes e outros serviços(ancilares)Manutenção de Capacidade

Noção de bem público e definição de direito de propriedade;Inexistência de características econômicasespeciais;

Potencialmente competitivo Expostos à competição, participam do mercado atacadista principalmenteapós a “reforma da reforma”

Possibilitam abuso de poder de mercado, disputas e conflitos deinteresses

Fonte: Adaptação OCDE (2001) e Vinhaes (1999).

126

As características da indústria de energia elétrica, apresentadas no Quadro 5,

determinam as condições nas quais a definição de um modelo competitivo pode ocorrer, entretanto,

o desenho teórico regulatório e de mercado não garante necessariamente que o desempenho da

indústria vai alcançar os objetivos propostos pelo modelo e pelos formuladores da mudança. É

necessário considerar, em uma análise simples do modelo de Estrutura, Conduta e Desempenho,

apresentada no Capítulo 2, que o desempenho da indústria depende das condutas105 dos agentes

econômicos e estas da estrutura determinada pela indústria. Partindo do pressuposto de que a

estrutura de mercado da IEE tende a ser por definição concentrada106, mesmo em segmentos

potencialmente competitivos (exemplo da geração), o desempenho pode não ser satisfatório. Este

resultado aponta para a necessidade de políticas governamentais que interfiram nessa indústria, seja

por meio da regulação, seja por meio da defesa da concorrência para alcançar os objetivos de

eficiência econômica. O que é preponderante para esta análise é que, de forma alguma, pode-se

desenhar um modelo para uma indústria com características como as apresentadas pela IEE pautado

apenas em mecanismos de mercado. A regulação não pode ser feita apenas do ponto de vista da

estrutura, pois as condutas dos agentes importam muito, em especial quando se trata de uma

tipologia de oligopólio com elevados custos fixos e limites de capacidade, o que reduz a

“contestabilidade” e a rivalidade na indústria, convergindo para uma clara tendência de conluio e

colusão tácita. Esta relação, por sua vez, destaca a importância da defesa da concorrência nessa

indústria e, principalmente, a necessidade de inter-relação entre os instrumentos de regulação e de

defesa da concorrência.

Dada às características econômicas da IEE, principalmente no que se refere a sua

estrutura, o Quadro 6 sintetiza as questões-chave que devem ser consideradas para um modelo de

reestruturação, e os resultados encontrados na experiência internacional.

105 O aprendizado se faz ao longo do processo, o problema é que os agentes tendem a estar à frente do órgão regulador,o que lhes permite ganhos excessivos, além de gerar perda de eficiência na indústria.106 Observando as condições básicas referidas na figura 2 do Capítulo 2, nota-se que a IEE apresenta condições parauma estrutura de mercado altamente concentrada, uma vez que existem fortes barreiras à entrada e à saída, prejudicandoa contestabilidade. Para maiores detalhes, ver Vinhaes (1999).

127

QUADRO 6 – QUESTÕES-CHAVE PARA OS MODELOS E RESULTADO ENCONTRADOS

Questões Chaves para IEE Califórnia Inglaterra Outros Países Implicações

Modelo institucional e seu inter-relacionamento

Modelo frágil, necessidade de reforma pós-crise

Modelo frágil, necessidade de várias reformas

A maioria apresenta fragilidade Lacunas para exercício de poder de mercado e, portanto,ineficiência alocativa

Governança do mercadoatacadista, operador e outras instituições;

Modelo frágil, necessidade de mudança pós-crise

Modelo frágil, necessidade de várias intervenções e reformas

A maioria apresenta fragilidade Lacunas para exercício de poder de mercado, conflito de interesses,captura e ineficiência

Tipo de pool – centralizado ou não Centralizado Central/descentralizado (NETA) A maioria centralizado Necessidade de grande coordenaçãoGovernança separada implicaperdas na otimização

Mecanismo de formação de preços Os preços são muito voláteis, aumentando os riscos e desestimulando os investimentos

Antes da reforma, leilão de últimopreço; após, leilão do tipo price ofbid

A maioria, lances por preços e quantidadeLeilão de último preço

Possibilidade de uso de poder de mercado devido ao leilão de último preço

Mercado spot, bilateral e futuros O bilateral foi introduzido pós-crise, os demais já existiam

Com o NETA os três tipos de contratos foram fortalecidos

A maioria apresenta os três tipos de contratos

Dinâmica no mercado atacadista, sinais para preços e investimentos

Característica da oferta e demanda Demanda inelástica, escassez e retenção de oferta em horários de pico

Demanda inelástica, retenção de oferta em horários de pico

Demanda inelástica, tendência de retenção de oferta emhorários de pico

Geradores têm poder de mercadoalavancado, sobretudo em horáriode pico, mediante estratégias de retenção de oferta

Repartição de riscos entre os agentes

Risco dos agentes Risco dos agentes Risco dos agentes Os agentes querem repassar o risco para os consumidores

Mecanismos de incentivo e de mercado para coibir o poder de mercado

Insuficientes Insuficientes Insuficientes Assimetria de informações,conluio, colusão tácita e abuso de poder de mercado

Transparência nas relações contratuais e regulatórias

Insuficientes Insuficientes Insuficientes Disputas entre o regulador e os regulados e captura

O grau de desverticalização da indústria

Desverticalizadas Desverticalizadas com exceções Desverticalizadas Tendência de reverticalização, altos custos de transação

Despacho e estabilidade dosistema

Pouco estável antes da crise Estável Estável com alguns problemas Pode ocasionar interrupção no fornecimento;Problema com direitos de propriedade e bem público

Transmissão Restrições Restrições Restrições ganhos com rendas de restrições

129

Objetivos da reforma, custos e benefícios

Eficiênciaeconômica

EficiênciaEconômica

Eficiênciaeconômica

Ainda não houve ganhos de eficiência significativos

Objetivos do governo Eficiênciaeconômica

EficiênciaEconômica

Eficiênciaeconômica

Ainda não houve ganhos de eficiência significativos

Objetivos da sociedade e dos investidores

Maximização do lucro ou da satisfação

Maximização do lucro ou da satisfação

Maximização do lucro ou da satisfação

Os agentes em geral estão insatisfeitos

Que modelo a indústria pode adaptar?

Menos mercado, mais intervenção (governança híbrida)

Menos mercado, mais intervenção (governança híbrida)

Menos mercado, mais intervenção (governança híbrida)

O modelo ainda é muito confuso, necessidade de aprendizado

130

O Quadro 5 sintetiza as principais questões a ser consideradas para a reforma da

IEE. As variáveis enumeradas fazem parte de uma estrutura de governança ampla, de um

arcabouço institucional da indústria de energia elétrica, envolvendo seus principais agentes e a

sua relação com o ambiente político e social, na medida que destaca os objetivos do governo e da

sociedade107. As condições-chave apresentadas para essa indústria, com raras exceções, quando

analisadas do ponto de vista prático, ou seja, o que efetivamente foi encontrado na experiência

internacional, remete à constatação da hipótese levantada pela proposta desta tese. A falha na

estrutura institucional, tanto no aspecto macro da indústria (considerada como um todo), como

no micro, dos principais agentes envolvidos, permite comportamento estratégico e prejudica os

objetivos de eficiência econômica.

Ao observar as características dessa indústria utilizando a abordagem de

concorrência versus monopólio108, considera-se que, no que se refere às falhas de mercado, os

quatro segmentos da indústria apresentam as seguintes características: os segmentos de

transmissão e distribuição possuem um forte componente de bem público, externalidades de rede

e assimetrias de informação, ao passo que os segmentos de geração109 e comercialização

apresentam um certo grau de contestabilidade, por um lado, e possibilidade de uso de poder de

mercado por outro, o que foi provado pela maioria dos trabalhos que utilizaram a teoria dos

jogos.

Do lado da natureza da firma, na abordagem institucional, nota-se que os ativos

possuem um grau de especificidade muito alto, sendo também altas as economias de

coordenação e os custos de transação ao longo da cadeia industrial. Tais características indicam

a necessidade de observar a IEE em uma análise macroanalítica, pois é preciso considerar os

aspectos políticos, legais e institucionais em que a indústria está inserida, ou seja, as chamadas

regras do jogo. A análise microanalitica é também de muita relevância, na medida que apresenta

a forma de contratação e organização do mercado. No caso particular da IEE, o pool é o próprio

mercado, e os contratos nele registrados têm uma governança própria. É importante notar que a

Nova Economia Institucional é um instrumento de grande relevância para explicar os problemas

apresentados pela IEE em termos mundiais, uma vez que a teoria do incentivo, associada à teoria

107 Essa abordagem ampla é feita por Douglas North (1991). 108 A Figura 1, apresentada no Capítulo 2, descreve de forma suscinta essas relações.

131

da agência, e os conflitos resultantes dos direitos de propriedade, por um lado, e a teoria dos

custos de transação na abordagem de governança por outro, completam o modelo teórico para a

análise dessa indústria. Tal modelo é capaz de explicar, em uma abordagem teórica, as razões

institucionais do comportamento estratégico e o uso de poder de mercado ocorrido na maioria

dos modelos apresentados, o que foi percebido na prática, inclusive em trabalhos com aplicação

de teoria dos jogos.

A metodologia parte, portanto, de uma análise do particular para o geral, já que

observa o abuso de poder de mercado no pool, percebendo os seus fundamentos nas falhas do

desenho de mercado e do desenho regulatório da indústria como um todo, inclusive no ambiente

institucional na qual esta se insere. Do ponto de vista teórico, a observação se faz da estrutura de

governança no âmbito da teoria dos custos de transação, considerando de forma secundária os

pressupostos da teoria do incentivo, em uma abordagem microanalitica dentro de um ambiente

macroanalítico (institucional) chegando à abordagem da eficiência econômica, objetivo central

da reforma desta indústria110.

A abordagem microanalítica dos resultados apresentados pela experiência

internacional (Tabela 5), leva à conclusão de que o abuso de poder de mercado no pool é

resultado de uma estrutura de governança mal definida. Esse mercado faz parte de uma estrutura

de governança muito maior e, por meio de uma abordagem macroanalítica, nota-se que o pool é

apenas um dos elementos que compõem um aparato institucional amplo, formado por outros

agentes, como, por exemplo, o órgão regulador, o operador do sistema, o governo, a sociedade e

outros. Neste contexto, cabe observar que, devido às características técnicas e econômicas dessa

indústria, o modelo de reestruturação necessita estar muito bem fundamentado nos seus

pressupostos, e zelar para que a mudança de uma estrutura de governança pautada em um

modelo verticalizado e estatal com grandes economias de coordenação passem a figurar como

uma estrutura de governança baseada em um modelo competitivo e privado, com elevados custos

de transação, que precisa preservar em grande parte a sua coordenação em benefício da

eficiência econômica111. Daí o importante papel da regulação.

109 O fornecimento de energia elétrica apresenta uma característica interessante: o produto energia tem característicade bem privado, por ser rival e excludente, e o transporte de energia tem característica de bem público, por ser não-rival e não-excludente (Hochstetler, 2002). 110 Este método observa a Figura 1 apresentada no capítulo 2 (de baixo para cima).111 Este trabalho já foi feito por Oliveira (1998).

132

Os modelos de reforma apresentados pelas principais economias estudadas não

pretenderam (e nem poderiam) considerar a governança dos mecanismos de mercado e a

governança dos mecanismos regulatórios concorrentes entre si, e sim utilizá-los de forma

complementar para alcançar os objetivos de eficiência, o que significa a utilização de uma forma

híbrida de governança112. O principal problema apresentado por este modelo é que a dose

adequada para cada um destes dispositivos ainda não foi encontrada, o que permitiu falhas de

mercado e falhas do modelo regulatório. A experiência tem demonstrado, pelo menos por

aqueles países que vem apresentando algum grau de sucesso, que essa transposição precisa ser

cuidadosa e gradual, pois com o processo de aprendizado que se pode chegar em uma

governança híbrida com doses adequadas de mercado e de regulação.

5.6. Lições e Recomendações

A maioria dos trabalhos aqui mencionados conclui que, na prática, raramente a

competição pela venda de energia entre as empresas geradoras se dá de forma perfeita e

satisfatória, e que isto pode trazer grandes conseqüências no que se refere a domínio de mercado

e manipulação de preços, principalmente pelas empresas geradoras. Assim, tornam-se

necessários alguns requisitos para que os modelos funcionem, e o mais importante é que o

mercado tenha a possibilidade de escolher de quem comprar.

Os autores apontam o que a teoria econômica já afirmara: em um sistema

composto por um número grande de geradores agregados em empresas distintas, as leis de livre

mercado se aplicam e que os preços cobrados tendem ao custo marginal. No entanto, à medida

que os geradores vão sendo incorporados por empresas ou grupos empresariais, tal movimento se

configura em concentração de mercado, o que confere aos agentes grande poder de manipulação.

Por essa razão, a entrada de novos competidores no mercado é um importante fator para eliminar

o exercício de poder de mercado e deve, portanto, ser incentivada.

Dentre as características apresentadas pela IEE, destaca-se a elasticidade preço da

demanda extremamente baixa no curto prazo e a impossibilidade de estoque do produto energia.

Estes fatores foram, sem exceção, apresentados pela literatura internacional como cruciais para

permitir exercício de poder de mercado na indústria. O abuso de poder de mercado se mostrou

persistente em momentos de pico de demanda, quando os geradores puderam jogar com suas

112 Seja do mercado, seja da indústria como um todo.

133

ofertas e pressionar os preços para cima. Vale notar que esse tipo de jogo não fere nenhuma

regra de mercado ou lei antitruste da indústria, uma vez que o exercício de poder de mercado se

faz unilateralmente. Uma empresa geradora com fatia relevante da geração restringe sua oferta

utilizando seu portifolio de geração e pressiona os preços, dado que o preço pago no pool é

baseado na oferta das geradoras (ou no custo marginal da última oferta), o gerador recebe preços

muito acima dos seus custos marginais, sem precisar fazer acordo com nenhum outro gerador – o

processo se faz na realidade, por meio de uma colusão tácita, ou tit-for-tat.113 Por essa razão, fica

difícil para o órgão regulador detectar as ações dos agentes e criar mecanismos regulatórios para

impedi-las. Este fato remete para duas outras possibilidades de desenho: a modificação na

estrutura da indústria e a utilização de mecanismos de incentivo.

No que se refere à modificação na estrutura da indústria, o aspecto axial é o

estímulo aos investimentos, pois se acredita que em condições de excesso de oferta (ou ausência

de escassez) os preços tendem a ser mais estáveis. Para isso, é necessário que o aparato

institucional e regulatório da indústria tenha capacidade de estimular os investimentos.

Entretanto, o que se demonstra na literatura internacional é que, em condições normais, nenhum

dos modelos de mercado apresentados tem a capacidade de sinalizar para os investimentos,

sendo necessário reformá-los para introduzir elementos que produzam tais sinais.

Tendo em vista que o grande problema de desenho desse modelo está relacionado

com a incapacidade do mercado spot de sinalizar para os investimentos. Esta questão remete para

o fato de que os preços são extremamente voláteis no curto prazo, e não oferecem sinais seguros

para a taxa de retorno dos investidores. O comportamento volátil do preço de curto prazo se

explica por dois fatores, basicamente: 1) em sistemas elétricos com grande concentração de

energia hidrelétrica, os preços refletem a própria capacidade de armazenamento dos reservatórios

e as situações hidrológicas; 2) em sistemas elétricos com diferentes portfolios de geração, os

preços tendem a ser voláteis porque os geradores são capazes de manipular seus preços, devido à

trajetória determinística da demanda relacionada ao seu comportamento inelástico no curto

prazo. Logo, os geradores podem jogar com suas ofertas, o que contribui para a volatilidade de

preços. Nesse caso, aumentar o investimento e reduzir a concentração na geração não é um

mecanismo eficaz se for aplicado isoladamente, pois os geradores podem fazer retenção de

oferta. Na realidade, o aumento dos investimentos não garante necessariamente que os preços

113 Enquanto o jogador A se comportar no mercado sem prejudicar o jogador B, este mecanismo tende a permanecerinfinitamente, pois não se trata aqui de um jogo de soma zero.

134

tendam aos níveis competitivos – os casos da Inglaterra e da Califórnia demonstram isso –, pois

mesmo com a redução da concentração e com o aumento da oferta os agentes conseguem espaço

para o exercício de poder de mercado. Faz-se necessário, portanto, reformular o modelo do

mercado spot ou, na impossibilidade de fazê-lo, deve-se criar mecanismos de incentivo para

reduzir esses efeitos. A experiência internacional sugere dois mecanismos de incentivo básicos,

os quais estão associados ao próprio desenho do modelo e ao arcabouço institucional/regulatório

da indústria: a introdução de contratos e de demand side bidding, os quais tem contribuído em

grau significativo para estimular os investimentos e reduzir o uso de poder de mercado.

Em primeiro lugar é necessário que a demanda tenha uma participação mais ativa

no mercado, não ficando na estrita dependência da oferta, e para isso a introdução do demand

side bidding se mostra pertinente, pois, conforme já mencionado, a inelasticidade da demanda,

principalmente no curto prazo, sinaliza para os geradores uma trajetória determinística,

possibilitando jogar com suas ofertas. O mecanismo proposto para o modelo reduz em certo grau

a inelasticidade da demanda, uma vez que tem a capacidade de capturar a sensibilidade dos

agentes em termos de preços, na medida que estes podem gerenciar sua própria demanda. Tal

modelo apresenta duas vantagens: com os agentes mais sensíveis aos preços e participando do

processo de formação de preços no pool, reduz-se a margem de manobra dos geradores na

determinação dos preços, mitigando o poder de mercado e a volatilidade no preço spot; por sua

vez, a redução da volatilidade nos preços do mercado spot pode emitir sinais positivos para os

investimentos.

Em segundo lugar, é conveniente introduzir contratos, pois a experiência tem

demonstrado a necessidade de se desenhar um modelo de mercado pautado em três tipos de

contratos para que haja dinâmica no mercado. Os contratos a termo, os contratos futuros e os

contratos bilaterais, a depender do formato regulatório e da dinâmica do mercado, asseguram

sinais para investimentos e gerenciamento de riscos por partes dos agentes; além disso, em

determinadas circunstâncias, podem conter o abuso de poder de mercado.

Devido às características estruturais da IEE, a prática de preços de curto prazo é

insustentável no longo prazo, na medida que torna os preços da energia elétrica muito voláteis,

esta situação se agrava em sistemas hidrotérmicos. Como a tecnologia empregada nessa indústria

apresenta elevada proporção de custos fixos, os custos marginais podem ser menores do que os

custos médios das empresas. O mecanismo de formação de preços do pool, para a maioria dos

modelos analisados, está baseado nos preços marginais de curto prazo, o que prejudica

sensivelmente a possibilidade de expansão da oferta e a própria competição, haja vista que novos

135

agentes não estarão dispostos a entrar em um mercado cujos preços estão abaixo dos seus custos

médios. Por essa razão, dentre outros fatores, a IEE apresenta uma característica altamente

cíclica nos níveis de investimentos (Hochestetler, 2002)114. Segundo este autor, com a prática

dos preços abaixo do custo marginal de expansão (custo marginal de curto prazo ou custo médio

de curto prazo), os novos investimentos são inibidos, impedindo que a oferta acompanhe a

demanda, o que pode provocar desabastecimento e elevação de preços no curto prazo115. Tal

preço estimula os investimentos, os quais voltam a cair quando a oferta alcança os mesmos

níveis da demanda e o preço de curto prazo também volta a cair. Por outro lado, os preços de

longo prazo proporcionam uma sinalização em tempo adequado para promover a expansão da

oferta antes que o mercado indique escassez de energia e riscos de desabastecimento. Tais preços

são mais estáveis e reduzem os riscos para os investidores.

Os contratos possuem mecanismos naturais que contribuem para a sinalização dos

investimentos, na medida que podem ser formatados contratos com prazos mais longos, que

sinalizam preços mais estáveis, além de servir de mecanismos de hedge tanto para os

compradores como para os vendedores. Os três modelos de contratos apresentados anteriormente

têm grande chance de solucionar os problemas tanto no curto como no longo prazo, pois tanto os

contratos bilaterais, a termo ou financeiros podem ter seus prazos determinados de várias formas,

de acordo com a dinâmica do próprio mercado.

Os países que apresentaram algum sucesso na introdução do modelo de mercado

para IEE invariavelmente possuem mecanismos de contratos, os quais são extremamente

dinâmicos. O relativo sucesso da reforma da Califórnia após a crise está em grande parte baseada

nesse mecanismo. A Inglaterra é também um exemplo, bem como a Noruega e a Argentina.

Vale lembrar que introdução dos dois mecanismos de incentivo apresentados pode

reduzir os principais problemas encontrados na IEE. Entretanto, se utilizados isoladamente

podem não produzir resultados eficientes. É necessário que o desenho institucional e regulatório

da indústria esteja bem amarrado, ou seja, que a estrutura de governança esteja bem definida,

pois caso contrário os problemas podem permanecer. Os casos recentes de “reforma da reforma”

da Califórnia e da Inglaterra servem como lição, tendo em vista que foi preciso fazer um novo

desenho de mercado com base no aprendizado dos problemas enfrentados durante o processo de

implementação da reforma –, e mesmo assim não existe garantia de sucesso.

114 Ford (1999, 2001) simula o mercado da Califórnia e apresenta os ciclos de investimentos para esse mercado.115 Isso aconteceu recentemente na Califórnia e no Brasil.

136

Com base nos resultados recentes das reformas, o Quadro 6 apresenta algumas

recomendações para o arcabouço institucional e regulatório da IEE em um contexto geral.

Destacam-se algumas questões-chave para o desenho regulatório e institucional do novo modelo

da IEE, conforme apresentado no Quadro 6 e reformulado no Quadro 7 a seguir:

QUADRO 7 – QUESTÕES-CHAVE, PROBLEMAS E RECOMENDAÇÕES

Questões Chaves para IEE Problemas Encontrados RecomendaçõesModelo institucional e seu inter-relacionamento

Lacunas para exercício de poder de mercado e, portanto, ineficiênciaalocativa

Redesenho da estrutura de governança para contornar as imperfeições no relacionamento entre as instituiçõesque compõem a indústria

Governança do mercado atacadista, operador e outras instituições

Lacunas para exercício de poder de mercado, conflito de interesses,captura e ineficiência

A estrutura de governança deve ser revisada, mecanismos de incentivo devem ser adotados, como, por exemplo, câmara de arbitragem e monitoramento por parte do órgão regulador

Tipo de pool – centralizado ou não Necessidade de grande coordenação, problemas de otimização

A interação entre o mercado spot e o operador independente é muitoimportante para que não haja perda de coordenação e de eficiência

Mecanismo de formação de preços Preços muito voláteis, aumentando os riscos e desestimulando os investimentos

Um mecanismo de leilão do tipo priceof bid, com ofertas firmes, comoadotado na Inglaterra

Mercado spot, bilateral e futuros Dinâmica no mercado atacadista, sinais para preços e investimentos

O mecanismo de demand side biddingaliado aos três modelos de contratostornam o pool mais dinâmico e menosvolátil.Além disso, é importante que o operador do sistema participeativamente do pool para contrabalançar a oferta e a demanda

Característica da oferta e demanda Os geradores têm poder de mercadoalavancado principalmente em horário de pico, utilizando estratégias de retenção de oferta

A dinâmica do demand side biddingcorrige em certo grau a inelasticidade da demanda, e os geradores perdemmargem de manobra para utilizar poder de mercado.Já os contratos reduzem em grande grau a possibilidade de exercício depoder de mercado, além de estabilizar os preços de curto prazo

Repartição de riscos entre os agentes

Os agentes querem repassar o riscopara os consumidores

Os contratos são importantesmitigadores de riscos

Mecanismos de incentivo e de mercado para coibir o poder de mercado

O abuso de poder de mercadopermanece

O aparato regulatório desenhando inicialmente não foi capaz de detectaro abuso de poder de mercado. Os mecanismos de incentivo dos contratos e a dinâmica do demand sidebidding são instrumentos importantes

Transparência nas relaçõescontratuais e regulatórias

Disputas entre o regulador e os regulados e captura

As regras precisam ser claras e críveis, caso contrário sobra espaço para jogo e se tornam instrumentos de barreira à entrada

O grau de desverticalização da indústria

Tendência de reverticalização, custos de transação altos

A regulação não pode permitirintegração entre G-T e G-C. Tal concentração aumenta o poder de mercado e traz ineficiência para a indústria

Despacho e estabilidade do sistema Pode ocasionar interrupção no Necessidade de interação ente o

137

fornecimento. despacho comercial e o despacho físico, para que não haja risco de desabastecimento.Necessidade de inserir serviçosancilares e encargo de capacidade de forma dinâmica no mercado.

Transmissão Ganhos com rendas de restrições A expansão das redes de transmissão é condição necessária para a competição, pois a formação de submercados estabelece mercadorelevante para alguns agentes, que podem utilizar poder de mercado.

Objetivos da reforma, custos ebenefícios

Ainda não houve ganhos de eficiênciasignificativos

Os resultados de eficiência virão como tempo, resultantes dos erros e acertos da reforma

Objetivos do governo Ainda não houve ganhos de eficiênciasignificativos

O governo precisa deixar claros seus objetivos, levando em conta que fatores ideológicos e sociais podemprejudicar o caminho a seguir

Objetivos da sociedade de dosinvestidores

Os agentes em geral estão insatisfeitos Cabe ao regulador balizar os interessesdos agentes consumidores e investidores, o que não é uma tarefasimples

Que modelo a indústria podeadaptar?

O modelo ainda é muito confuso; há necessidade de aprendizado

Há fortes sinais que a IEE vai se adaptar em um modelo misto, em umaestrutura de governança híbrida. Cabedeterminar em que grau deve permanecer os mecanismosregulatórios e de mercado

Fonte: Elaboração própria.

As recomendações propostas no Quadro acima estão baseadas nos modelos de

mercado que vem apresentando relativo sucesso. Para o caso da Inglaterra, em particular, o pool

foi descentralizado e a participação no mercado é voluntária, o que pode ser uma boa alternativa

em sistemas que possuem relativa sobre-oferta e cujo órgão regulador dispõe de credibilidade.

Entretanto, conforme apresentado por Sweeting (2000), o modelo inglês apresenta imperfeições,

como, por exemplo, o fato dos negócios a jusante do mercado atacadista permanecerem

concentrados. Além disso, a concentração dos negócios em contratos bilaterais possue a

desvantagem de trazer pouca liquidez para o pool.

Neste contexto a redução de poder de mercado só será efetivada se a estrutura de

mercado for menos concentrada e as regras se tornarem menos complexas, pois as regras

propostas pela NETA permanecem muito complexas. Na mesma linha, o órgão regulador inglês

chama a atenção para as características da IEE, em especial a característica inelástica da

demanda associada à necessidade de compatibilizar oferta e demanda a todo instante, e a

complexidade das regras de estabelecimento de preços no pool. Tais fatores tornam difícil

diferenciar a elevação de preços que decorre de condições normais do mercado, daquelas que

surgem como resultado de abuso de poder econômico. Além disso, argumentam que mudanças

138

nas regras do pool podem ser efetivas para lidar com determinadas práticas, contudo,

freqüentemente, estas práticas reaparecem sob formas diferentes.

Os documentos da OFGEM apontam ainda que outras legislações como o

Competition Act e o Financial Services and Markets ACT que tratam da regulação dos arranjos

financeiros de compra e venda de energia no NETA, apesar de complementares não são

suficientes para tratar da possibilidade de abuso de poder de mercado. Além da grande

dificuldade de se identificar dentre as condutas dos geradores, aquelas que são de caráter

abusivo, certas condutas anticompetitivas específicas, são difíceis de ser tratadas por meio de

mudanças na regulação (risco de sobre-regulação). O órgão regulador inglês conclui que a

aplicação da análise antitruste pautada na idéia de dominação de mercado se mostra inadequada

para lidar com condutas anticompetitivas no setor elétrico. Dessa forma se faz necessário criar

mecanismos institucionais internos à agência que permitam que estas assumam papel pró-ativo

na aplicação da defesa da concorrência.

Do lado da Califórnia, a crise mostrou claramente que um desenho pobre do

mercado, um aparato regulatório frágil e, sobretudo, uma implementação inadequada do que

havia sido proposto, somado aos problemas inerentes a esse tipo de indústria pode levar às

últimas conseqüências as falhas de mercado e de mecanismos regulatórios, exigindo uma nova

formatação do modelo, conforme mencionado. Considerando-se os mecanismos já apresentados

no Quadro 4, a experiência da Califórnia sugere mais algumas recomendações:

níveis mínimos de contratação – o agente regulador determina quantidades

(níveis) de contratação que os agentes geradores devem ter com os agentes de

consumo, de forma a reduzir a energia a ser comercializada no mercado spot e,

portanto, diminuir o potencial de manipulação de mercado116;

coordenação entre o mercado de gás e o mercado de eletricidade;

importância da manutenção de encargo de capacidade e obrigatoriedade de

investimentos em serviços ancilares;

exigência de respaldo físico de energia, para reduzir os riscos aos

consumidores e aos próprios agentes;

116 Esse efeito foi detectado por Barroso (2000), inicialmente, em um modelo de mercado estático e em seguidaincorporando-se a dinâmica temporal do processo, simulando um modelo de mercado por meio de um procedimentode programação dinâmica estocástica. Em ambos foi verificada a eficiência da utilização de níveis de contratação como mecanismo para minimizar o poder de mercado. Concluiu-se que um nível de contratação adequado poderia eliminar todo o poder de mercado, convergindo o despacho centralizado para uma solução de mínimo custo. Estemodelo está sendo inserido na IEEB por recomendação do Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico.

139

O acesso à rede deve ser livre e indiscriminatório para todos os participantes

do mercado, de modo que não se permita poder de mercado por parte de

alguns agentes;

5.7 - Conclusões

A experiência internacional descrita nesta segunda parte do trabalho indica os

principais temas que serão tratados para o caso brasileiro, objetivo geral da proposta desta tese.

Tendo em vista que os principais problemas mencionados pelos diversos autores que estudaram

os modelos de mercado de energia elétrica mundiais estão associados às regras do próprio

mercado e da estrutura de governança, infere-se que a má formulação de tais modelos permite o

uso de poder de mercado por parte dos agentes, ocasionando falhas e dificuldades de

implementação de mecanismos regulatórios e de mercado na indústria de energia elétrica.

Devido às características técnicas e econômicas da IEE, o modelo de

reestruturação necessita estar muito bem fundamentado nos seus pressupostos e zelar para que a

passagem de uma estrutura de governança verticalizada e estatal, com grandes economias de

coordenação, para uma estrutura de governança privada e potencialmente competitiva, necessita

preservar em grande parte a sua coordenação em benefício da eficiência econômica. Tal

conclusão aponta para o importante papel da regulação. Além disso, é de extrema relevância

considerar as particularidades de cada país e de cada indústria, pois estes fatores são

preponderantes na hora de se adotar um modelo. Cita-se o caso da Argentina, que embora tenha

copiado o modelo inglês, implementou mecanismos diferentes para obedecer às especificidades

de sua indústria.

Observa-se aqui que os modelos de reforma apresentados pelas principais

economias estudadas não objetivaram considerar a governança dos mecanismos de mercado e a

governança dos mecanismos regulatórios concorrentes entre si, mas, em vez disso, utilizá-los de

forma complementar para alcançar os objetivos de eficiência, o que significa a utilização de uma

forma híbrida de governança. O principal problema apresentado é que a dose adequada para cada

um destes dispositivos ainda não foi encontrada, o que permitiu a ocorrência de falhas de

mercado e falhas do modelo regulatório. A experiência dos países que apresentaram algum grau

de sucesso indica que essa transposição precisa ser cuidadosa e gradual, pois com o processo de

aprendizado é possível chegar a uma governança híbrida, com doses adequadas de mercado e de

regulação.

140

As experiências internacionais apresentadas podem trazer lições para o caso

brasileiro, em especial para o fato de que regras mal formuladas podem abrir espaço para jogo. A

partir dessas premissas, o trabalho proposto tem por objetivo analisar o caso brasileiro, que passa

por um processo de implementação do modelo de mercado ponteado por dificuldades. Citam-se,

a priori, cinco características que vêm criando dificuldades adicionais para a introdução de

pressões competitivas no mercado elétrico brasileiro:

elevada participação da geração hidrelétrica na matriz de geração;

presença de fortes diferenças regionais formação de submercados;

configuração do sistema de transmissão;

necessidade de forte expansão da oferta do sistema; e

subdesenvolvimento do mercado de gás natural.

Estes e outros elementos serão discutidos nos próximos capítulos.

141

142

PARTE III

UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE MERCADO NA IEEB

CAPÍTULO 6 - O MODELO INSTITUCIONAL DA INDUSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA BRASILEIRA E A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA

6.1. Características Gerais da Indústria de Energia Elétrica

Os setores de infra-estrutura formados por rede, como é o caso das

telecomunicações, gás natural, água e energia elétrica apresentam condições econômicas

específicas e particulares, diferenciando-se dos demais setores da economia. Destaca-se o fato de

a oferta ocorrer concomitantemente com a demanda, não havendo, portanto, possibilidade de

estocar o produto. A indústria de energia elétrica, em particular, apresentou até meados dos anos

oitenta, características de origem econômicas e tecnológicas que refletem na especificidade de

seus ativos, na sua estrutura organizacional, na gestão interna, financeira e institucional,

tornando-a tipicamente monopolista. Pelo fato de a produção, o transporte e a distribuição de

energia elétrica terem apresentado, até este momento, características de atividade altamente

intensiva em capital, exigiu-se que os elevados investimentos fossem realizados pelo Estado.

Uma exceção é o mercado dos EUA, onde a indústria de energia elétrica apresentava, até a

reforma nos anos 80, características de monopólio privado.

A supremacia do modelo estatal e monopolizado do setor elétrico era explicada

principalmente pela importância das economias de escala, pela grande coordenação entre seus

segmentos, na obrigação de fornecimento e por um cenário de grande crescimento da demanda,

sem o necessário acompanhamento da oferta. Neste setor, as atividades economicamente

monopolistas, como é o caso da transmissão e distribuição de energia elétrica, foram

desenvolvidas em conjunto com segmentos potencialmente competitivos, no caso a geração e a

comercialização. Tais atividades foram consideradas até então monopólios, dada a estrita

dependência entre os quatro segmentos da indústria, em que a atividade de geração necessita do

acesso às redes de serviços de transmissão e distribuição para que seu produto seja fornecido. Tal

fato demonstra a necessidade de grande estrutura de coordenação na indústria, e de integração

vertical entre seus segmentos (Pontes, 1998).

Entretanto, no final da década de 1980, uma série de fatores tecnológicos e

econômicos contribuiu para o processo de reforma da indústria de energia elétrica, na maioria

dos países. Dentre eles, destaca-se a tecnologia de ciclo combinado das usinas termelétricas, que

143

aumenta a produtividade de unidades geradoras menores e mais flexíveis; e, ainda, as tecnologias

de produção das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs)117.

Nota-se que a partir dos anos 90, principalmente, a construção de novas usinas

com tecnologia moderna passou a ser economicamente mais atraente do que a operação de

usinas antigas, mesmo aquelas já amortizadas. Por conseqüência, houve um crescente

movimento de investimentos em usinas de pequeno porte, com custos mais baixos e maior

eficiência, resultando em preços menores. As pressões competitivas, aliadas à incapacidade de

investimento do setor público das principais economias mundiais, permitiram questionamento,

por parte do Estado, aos monopólios de serviços públicos. Por outro lado, no caso dos Estados

Unidos, onde o setor já era privado, a ineficiência do sistema regulatório trouxe ao debate a

necessidade de reformulação dos modelos regulatórios. Por essa razão, a geração de energia

elétrica deixou de ser monopólio natural. O segmento de comercialização de energia, sempre

acoplado à atividade de distribuição, passou a ser reconhecido como um setor potencialmente

competitivo, exigindo, portanto, a separação entre a distribuição e a comercialização, na maioria

dos países que introduziram a reforma. Nesse sentido, as duas pontas da cadeia da indústria

geração e comercialização foram reconhecidas como segmentos potencialmente competitivos

e, portanto, sujeitos às pressões de mercado (De Oliveira, 1998).

Nessa perspectiva, os principais modelos do setor elétrico mundial passaram por

um processo de reforma, com os Estados Unidos na condição de pioneiros, seguidos da

Inglaterra, Chile, França, Argentina, Noruega, China, Colômbia, Brasil e outros. Tais países,

embora apresentem peculiaridades, seguiram filosofias similares no que se refere à privatização,

regulamentação e introdução da competição. Entretanto, as mudanças vêm sendo questionadas

devido às dificuldades de introduzir competição e ao alcance tímido da eficiência econômica. É

nesse contexto que se insere a análise da indústria de energia elétrica brasileira que, embora não

tenha implementado totalmente o modelo proposto, vem apresentando uma série de problemas

desde a sua estrutura institucional até as dificuldades de funcionamento do mercado.

6.2. Características Gerais da Indústria de Energia Elétrica Brasileira

A reforma da indústria de energia elétrica brasileira, embora inspirada pelo

modelo inglês, apresenta grandes peculiaridades, tendo em vista que mais de 90% da geração de

117 Os países que apresentam predomínio de fonte hidráulica na matriz energética percebem menos as mudançastecnológicas dada a maturidade da tecnologia desta fonte.

144

energia elétrica é hidráulica. Dada a localização dos grandes reservatórios e a extensão do país,

tal sistema apresenta um modelo de despacho centralizado e otimizado, e devido a objetivos de

eficiência econômica, opera com usinas térmicas complementares, fazendo o despacho

econômico, ou seja, despachando as usinas por ordem de mérito. A caracterização

predominantemente hidráulica do parque gerador brasileiro traz conseqüências importantes ao

próprio modelo de formação de preços da energia elétrica, uma vez que às empresas geradoras é

concedido o direito de declaração de oferta via quantidade, sendo o preço calculado por um

modelo computacional118. Tal característica difere da maioria dos países que adotaram um

modelo de pool, onde os geradores declaram preços e quantidades (Silva, 2001).

As peculiaridades da indústria de energia elétrica brasileira explicam a

sobrevivência do monopólio estatal e regulado que permaneceu por mais de trinta anos. Observa-

se que antes da reforma, a maioria dos segmentos da indústria pertencia ao poder público: a

geração e transmissão eram regidas por empresas estatais federais e estaduais; ao passo que a

distribuição, acoplada com a comercialização, era de propriedade estadual e municipal.

Dentro os diversos objetivos estruturais mencionados, o processo de reforma

institucional, iniciado em meados dos anos 90, tinha como objetivo básico assegurar os

investimentos privados na expansão da oferta de energia elétrica, diante da perspectiva de

crescimento do mercado e da percepção da incapacidade do Estado em atender a escala de

investimento necessária para suprir a demanda considerando-se ganhos de eficiência econômica

do setor. Os objetivos de competição nos segmentos potencialmente competitivos e a regulação

nos segmentos com características de monopólios naturais, como nos demais países, vêm

orientando a reforma do setor e sinalizando possíveis ganhos de eficiência. Entretanto, o

relacionamento entre os quatros segmentos da cadeia industrial pode trazer dificuldades na

implementação do modelo e inibir os resultados esperados, uma vez que o modelo precisa

coexistir com uma forte coordenação entre segmentos regulados e não-regulados.

Nesse contexto, a implementação da reforma na indústria e o alcance dos

objetivos de competição requerem um equacionamento importante no aparato regulatório. Isso

significa que a regulação da indústria envolve um escopo de regulação em um sentido amplo, o

qual deve ter alcance em medidas preventivas e reativas ao comportamento dos agentes

participantes da indústria. A relação estreita da regulação da estrutura e da regulação da conduta

chama a atenção para um modelo regulatório que incorpora dois instrumentos: a regulação ativa,

118 Newave; Decomp e Dessem.

145

no sentido estrito, dos monopólios naturais e a defesa da concorrência, reativa, dos segmentos

potencialmente competitivos. Tal aparato deve ser resultado da adoção de medidas que

possibilitem uma relação institucional entre o órgão regulador setorial e a política antitruste do

país. Por essa razão, a formação de novas instituições torna-se ponto chave na reforma do setor.

A estrutura atual da indústria de energia elétrica brasileira é formada pelos

seguintes atores: as grandes empresas geradoras, normalmente com diversas plantas de grande

porte; os pequenos geradores com plantas de pequeno porte; as usinas termelétricas a carvão, que

atuam para complementar o sistema; as usinas termelétricas a gás, independentes; os grandes

consumidores; as comercializadoras; e as empresas distribuidoras, que fornecem o serviço de

rede e atendem aos consumidores cativos. Além desses agentes, há também o órgão regulador,

que exerce papel importante na regulamentação da indústria; o Operador Nacional do Sistema,

que faz o despacho centralizado da energia física; e o Mercado Atacadista de Energia Elétrica

(MAE), que faz as transações comerciais entre os agentes compradores e vendedores. Destaca-se

o importante papel do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE e do Comitê

Coordenador do Planejamento de Expansão do Sistema – CCPE, 119 que fazem, respectivamente,

a política e o planejamento da indústria. Observa-se que a ANEEL, além de exercer a função de

órgão regulador, é o próprio poder concedente do setor, fazendo concessão e autorização aos

agentes econômicos para atuarem nos quatro segmentos da cadeia produtiva da indústria120.

O Mercado Atacadista de Energia Elétrica – MAE121, do qual participam as

centrais elétricas com capacidade igual ou superior a 50 MW e as comercializadoras cujos

volumes de vendas representam 300GWh/ano, utiliza um conjunto de modelos de simulação e

otimização para determinar ex-ante tanto o preço de comercialização da eletricidade no mercado

spot quanto as quantidades a serem produzidas pela maior parte dos geradores. A otimização não

atinge todas as centrais, porque existe a possibilidade de centrais térmicas optarem entre

participar ou não desse sistema, ou seja, declarar se são ou não flexíveis. As térmicas inflexíveis

decidem o seu próprio despacho e declaram seus preços. Para o pool, a declaração consiste no

fornecimento de parâmetros técnicos e econômicos122 por parte das centrais geradoras para que o

119 O Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos foi criado pela Portaria no 150, de 10/05/99, emitida pelo Ministério de Minas e Energia, órgão responsável pela política do sistema elétrico. Suas principais funções: determinar a expansão da transmissão; indicar a expansão da geração; projetar a demanda e a oferta futura e atualizar asinformações do potencial energético do país.120 Essa atribuição é controversa, devido à possibilidade de captura. 121 O MAE, importante objeto de estudo deste trabalho, será analisado de forma mais detalhada no próximo capítulo. 122 Os principais parâmetros são: eficiência térmica, disponibilidade e custo do combustível das centrais flexíveis; comportamento do preço dos combustíveis em médio prazo; disponibilidade das centrais, situação dos reservatórios e afluxo deágua, no caso das centrais hidráulicas; disponibilidade e programa de geração, no caso das centrais térmicas flexíveis; taxa de

146

MAE possa operar o algoritmo de um modelo de despacho hidrotérmico, cuja função objetiva é

atender a demanda prevista de eletricidade ao menor custo de operação do parque gerador. As

usinas hidrelétricas e as usinas termelétricas flexíveis operam em regime complementar: o uso

econômico da água acumulada nos reservatórios é distribuído ao longo do tempo e a produção

adicional de energia das térmicas é determinada, a fim de atender a demanda prevista.

Para garantir uma maior estabilidade ao sistema, que historicamente vem sendo

operado para garantir o uso eficiente dos recursos energéticos de base hídrica, o modelo atual

instituiu o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE)123, que tem por objetivo garantir a

viabilidade financeira das centrais hidráulicas. Tal mecanismo possui regras pré-estabelecidas

que determinam a redistribuição de energia, de tal forma que cada uma das centrais participantes

tenha garantido pelas demais uma quantidade de eletricidade para comercializar, mesmo nos

períodos de baixa hidraulicidade na sua região. O mecanismo se faz desta forma: caso a

produção total do MRE seja menor que o total da energia assegurada do sistema, a energia

gerada é distribuída entre as usinas de forma proporcional ao certificado de energia assegurada

de cada usina participante do sistema. Caso contrário, o excedente, denominado energia

secundária, é alocado entre as geradoras. Esse serviço é remunerado por um encargo baseado na

tarifa de otimização, estabelecido pelo órgão regulador, que deve cobrir a remuneração pelo uso

dos recursos hídricos, os custos variáveis das usinas, os encargos e tributos sobre a produção.

O modelo comercial do mercado de energia elétrica foi desenhado para que os

compradores e vendedores estabelecessem seus negócios livremente. Para isso foi criado o

Mercado Atacadista de Energia Elétrica, que possui as seguintes funções:

definir o preço de mercado (spot) para a energia elétrica de modo a refletir o

custo marginal do sistema;

criar um ambiente de mercado multilateral, onde os agentes possam

comercializar a energia livremente entre si;

oferecer condições para a comercialização da energia não contratada ou spot;

fazer a medição comercial, a contabilização e a liquidação da energia

transacionada;

desenvolver e aperfeiçoar as regras de mercado;

desconto a ser utilizada nos cálculos de valor presente; custo do déficit de suprimento; os indicadores que dinamizarão os modelos de previsão da demanda de energia em períodos futuros. 123 Artigo 14 da Lei n. º 9.648/98. Muitos agentes admitem que o MRE desconfigura a característica de mercado da IEEB, pois omodelo fica praticamente sem fundamento de mercado.

147

criar um mecanismo para monitoramento do comportamento dos agentes no

MAE.

Ressalte-se que os objetivos da reforma da IEEB foram inspirados na experiência

internacional, em particular, no modelo inglês. Entretanto, algumas peculiaridades da indústria

brasileira foram respeitadas, visando adaptá-la ao modelo de mercado. Dessa forma, o desenho

do modelo do setor elétrico brasileiro exigiu um arcabouço institucional e regulatório

extremamente complexo, e um período de implementação lento e incompleto, o que contribui

para a recente crise de abastecimento dessa indústria e a necessidade de reformular o modelo que

ainda estava em processo de implementação. A próxima seção apresenta o modelo institucional

da IEEB, sua performance e as principais situações de contorno do modelo.

6.3. O Modelo Institucional da IEEB e a Estrutura de Governança

6.3.1. O Modelo da IEEB e as Relações Institucionais

Conforme apresentado para a experiência internacional a IEE em um contexto

geral possui características chaves que devem ser consideradas quando da sua reforma. Tendo

em conta que o objetivo da IEEB não difere muito dos objetivos de reforma dos demais países, a

figura 9 a seguir descreve de forma sucinta a transformação do modelo adotado pelo Brasil.

Fonte: OCDE (2001)

FIGURA 9 – MONOPÓLIO VS. COMPETIÇÃO NO VAREJO

A figura 9 mostra a passagem de um modelo de monopólio estatal para um

modelo de competição privado, resguardando a necessidade de se manter os segmentos de

148

transmissão e distribuição sob a forma de monopólio natural, com forte regulação. Já os

segmentos de geração e comercialização ficam expostos à competição com reduzida regulação.

Tal modelo, com algumas modificações, foi adotado pela Inglaterra e Argentina.

Além do modelo básico apresentado para o mercado elétrico brasileiro, a criação

de novos agentes e instituições indica para essa indústria a necessidade de um aparato regulatório

e institucional extremamente complexo, o que envolve a necessidade de considerar os interesses

de uma série de agentes envolvidos direta (intra-setor) e indiretamente (sociedade e governo).

Conforme mencionado, os agentes diretamente envolvidos são as empresas concessionárias de

distribuição, em sua maioria privadas; e as geradoras e transmissoras predominantemente

estatais, com interesses específicos e muitas vezes conflitantes. A convivência entre tais agentes

se torna mais complexa quando se faz necessário otimizar um sistema de geração

predominantemente hidráulico, com o objetivo de diversificar a matriz energética por meio de

investimentos em usinas térmicas, e, ainda os sistemas especiais da usina nuclear e de Itaipu.

A relação política da indústria, ou o alcance político se faz por meio do CNPE,

onde vários órgãos que se encarregam de fazer a política pública em um sentido mais geral

participam do direcionamento da política energética nacional. Destaca-se, entre eles, o

Ministério da Fazenda, o Ministério do Planejamento, o Ministério da Ciência e Tecnologia, a

ANEEL, a ANA e outros.

A cadeia da IEEB está sob a égide do MME que, por determinação do CNPE,

executa a política energética nacional, ou fornece as diretrizes necessárias para a sua execução.

Ressalta-se que os papéis dessas instituições precisam ser suficientemente claros para que não

haja sobreposição de funções ou conflitos. Talvez seja conveniente lembrar que a ANEEL é

órgão regulador setorial, e não lhe cabe, portanto a elaboração da política, ao passo que não cabe

ao MME fazer a regulação.

Outro fator de relevância é a relação da indústria com a Agência Nacional do

Petróleo, Agência Nacional de Águas e o Ministério do Meio Ambiente, pois estes são

responsáveis pela regulação dos principais insumos para a produção da IEEB. A ANA, que

gerencia os recursos hídricos, a ANP, que regula o gás natural, e o MMA, que fornece licença

para a construção de usinas. Destaca-se que a expansão da oferta de energia elétrica passa

necessariamente por esses agentes.

149

A figura 10 a seguir mostra as principais relações institucionais da IEEB

Fonte: NERA 2001

FIGURA 10 – PRINCIPAIS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS DA IEEB

O desenho institucional apresentado para o novo modelo do setor elétrico

demonstra de forma explícita a necessidade de coordenação entre as instituições que se

relacionam com a IEEB. Tal preocupação mostra a necessidade de uma estrutura de governança

bem definida para a indústria como um todo, além de uma governança bem desenhada para cada

instituição que participa da desta indústria.

Sem dúvida, a nova organização da IEEB está fundamentada em uma estrutura de

governança que funciona em torno de um mercado atacadista de energia, cuja finalidade é

determinar o preço de curto prazo, tornar dinâmica e flexível a relação de compra e venda entre

os agentes e, por fim, sinalizar para os investimentos. E no que se refere aos investimentos, a

150

participação dos contratos de médio e longo prazo tem papel fundamental nesse mercado, na

medida que vão assegurar os preços de médio e longo prazo. Além disso, há a atuação do

operador nacional do sistema (ONS) que, além de se encarregar do planejamento e da

programação da operação de curto prazo, controla o despacho centralizado de acordo com as

regras de operação estabelecidas no pool. A ANEEL é órgão responsável em regular o

relacionamento desses agentes e estabelecer as regras do jogo. Dessa forma, a organização da

IEEB se erige sob uma estrutura de governança híbrida, onde a forma de coordenação se faz por

um contrato regulatório de um lado e pelo mercado de outro.

Os mecanismos de incentivo para a realização de investimentos nesta indústria e,

portanto, a possibilidade de competição, deve ocorrer principalmente por meio de contratos, uma

vez que a governança estabelecida se faz no mercado e no contrato regulatório. Este último

depende essencialmente da credibilidade das instituições formadas, para que subsistam garantias

de que não haverá nenhum ato administrativo capaz de pôr em risco a estabilidade do ambiente

de negócios e a segurança quanto à realização dos objetivos. Ou seja, é necessário reduzir os

riscos regulatórios. Do ponto de vista do regulador, é importante que existam formas de

monitoramento que impeçam ações oportunistas, pois estas poderiam beneficiar alguns agentes

em detrimento de outros, e colocar em xeque a credibilidade do contrato regulatório.

A mudança estrutural e regulatória proposta para a IEEB, representam a passagem

de uma governança hierárquica no modelo de monopólio estatal para uma governança híbrida no

modelo privado e competitivo. A despeito do modelo de mercado bem desenhando para a

indústria, a implementação da estrutura está sujeita a alguns riscos, dentre eles o fato de o

mecanismo regulatório ser extremamente intervencionista, e favorecer o enrijecimento do

modelo de mercado e criar barreiras à entrada. Além disso, é necessário que a transformação

dessa indústria supere a inércia institucional, mencionada por Williamson (1995), haja vista que

o processo de mudança é demorado e pode não ocorrer devido à colisão de forças dos agentes

que venham a participar do modelo. A próxima seção apresenta a performance da indústria e o

grau de implementação do modelo desenhado para a reforma.

6.3.2 – Performance da IEEB

Após sete anos de implementação da reforma, houve grandes mudanças

estruturais na IEEB, principalmente no que se refere ao modelo regulatório. Entretanto, a

performance dessa indústria ainda é pouco razoável. Embora, aparentemente, os formuladores da

reforma tenham pretendido um desenho de mercado adequado, o processo de reestruturação não

se completou. Além disso, a demora do processo de implementação resultou em uma severa crise

151

de abastecimento durante o período compreendido entre junho de 2001 e fevereiro de 2002, em

que governo precisou intervir e decretar racionamento de energia elétrica.Tal crise teve reflexos

políticos extremamente negativos, com muitas críticas por parte da sociedade, o que findou por

gerar questionamentos sobre o próprio desenho de reestruturação do setor elétrico proposto para

o Brasil. Com efeito, a necessidade de gerenciar um problema conjuntural suscitou a

possibilidade de avaliar um problema estrutural, ao propiciar a revisão do modelo que estava

sendo implementado no país.

O governo federal criou a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE),

com o objetivo de superar os problemas de abastecimento de curto prazo e explicar suas causas,

propondo soluções urgentes. A câmara reuniu técnicos bem preparados e o alto escalão do

governo. Diante da percepção de que o problema em pauta ultrapassava os limites conjunturais, a

GCE criou o Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico124, a fim de detectar as

principais falhas do modelo em processo de implementação para que outros problemas não

viessem à tona. Assim, a GCE atuou em duas frentes: no curto prazo para gerenciar o

racionamento; e no médio prazo, para rever o modelo de reestruturação do setor elétrico

brasileiro.

No que se refere ao curto prazo, com o objetivo de entender as causas da crise, a

GCE contratou uma comissão para analisar o sistema hidrotérmico de energia elétrica125 e emitir

relatório explicando as causas da crise. O relatório apresentado pela Comissão Kelman descreve

de forma detalhada os problemas cruciais encontrados na IEEB, os quais podem ser resumidos

em seis grupos principais:

Insuficiências nos sinais econômicos para a viabilização dos investimentos;

Ineficácia na ação governamental;

Insuficiência de ação preventiva para evitar racionamentos de grande profundidade;

Ineficácia na correção das falhas de mercado;

Falta de reserva de segurança da demanda em situação de crise;

Insuficiência dos programas de conservação de energia;

124 O Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico foi criado pela Resolução nº 18 de 22 de junho de 2001, da GCE e coordenado por Francisco Gros (Presidente do BNDES), com a participação da ANEEL, MME, MF, MP, AGU e outros. Toda a documentação sobre esse comitê e a GCE está disponível no site www.energiabrasil.gov.br.125 Tal comissão foi coordenada pelo Professor Jerson Kelman (Diretor-Presidente da ANA), Altino Ventura Filho (Itaipu), Sergio Valdir Bajay (Unicamp), João Camilo Pena (Itaipu) e Claudio Haddad (IBMEC). Para detalhes, ver Kelman et alii (2001).

152

A conclusão apresentada pela comissão confirma a grande fragilidade do modelo

desenhado para a IEEB e, sobretudo, as graves conseqüências da sua incompleta implementação.

Os itens descritos a seguir explicam os fundamentos da crise:

i. Embora a hidrologia tenha sido desfavorável, a crise foi resultado da

interveniência de outros fatores, pois de vez que a hidrologia por si só não

seria suficiente para causar a crise;

ii. não houve excesso de demanda, o aumento do consumo ocorreu dentro do

previsto;

iii. o desequilíbrio entre oferta e demanda exacerbou-se na transição de um

modelo estatal para um modelo privado, em que houve um relativo impasse;

iv. atraso de obras e falta de investimentos na expansão foram preponderantes;

v. superdimensão das energias asseguradas;

vi. esvaziamento predatório dos reservatórios a partir da década de 1980;

vii. difusão e indefinição de responsabilidades entre a ANEEL e o MME126;

viii.a aposta exagerada do MME no Programa Prioritário de Termelétrica (PPT),

impossibilitou o incentivo em outras alternativas de expansão;

ix. falhas no fluxo de informação entre ONS, ANEEL, MME e CNPE;

x. Faltou coordenação institucional para a implementação da política energética

nacional, principalmente no período de transição do modelo;

xi. a regulação não se caracterizou por regras estáveis, claras e concisas, de forma

a criar um ambiente de credibilidade para estimular os investimentos;

xii. legislação incompleta e insuficiente;

xiii.dificuldade da ANEEL em implementar um ambiente regulatório adequado;

xiv.a legislação existente é, em muitos casos, vaga e conflitante, pois não define

com clareza as atribuições de cada instituição e nem aloca responsabilidades

específicas na gestão do setor;

xv. desobediência a condições contratuais.

Os principais fatores a contribuir para o processo de crise na IEEB estão

fundamentalmente relacionados com a estrutura de governança da indústria, uma vez que o

processo de implementação do aparato institucional não havia sido completado. O CNPE,

126 A Eletrobrás, a ANEEL, o ONS e o MME em maio de 1999 estavam cientes de que havia riscos de déficits muitoelevados para 2000 e 2001. Segundo o ONS, houve instruções do MME para não divulgar publicamente estainformação.

153

embora tenha sido criado em agosto de 1997, foi regulamentado apenas em dezembro de 2000 e,

assim, suas atribuições eram exercidas pelo MME/SEN; além disso, o CCPE não estava

aparelhado o bastante para fazer o planejamento da expansão do setor, o que resultou na falta de

percepção para uma possível escassez de oferta no médio e no longo prazo.

As indefinições institucionais, estruturais e de governança, somadas à interrupção

do processo de privatização, adiou a própria definição dos objetivos do governo no processo de

reforma, e ainda permitiu um grande poder para as empresas estatais, que mantêm cerca de 80%

da capacidade de geração de energia. Por outro lado, embora a ANEEL127 e o ONS tenham tido

grande autonomia e independência econômica, estas não foram suficientes para que adotassem

uma postura neutra e apresentassem as fragilidades do sistema, bem como a possibilidade de

escassez de oferta. Houve problemas na política, no planejamento e na regulação da IEEB, o que

arruinou uma estrutura que mal havia sido construída (Kelman et alii, 2001).

É importante notar que o governo gere o setor elétrico utilizando-se de três

instrumentos bem distintos e complementares entre si: políticas públicas, planejamento e

regulação. Por meio das políticas públicas, o governo sinaliza à sociedade as prioridades e

diretrizes para o desenvolvimento da IEEB. O planejamento permite que se proponham metas

aliadas com as políticas vigentes. A regulação é o elo de ligação entre a legislação setorial e os

mecanismos de mercado. Estes instrumentos são autônomos, mas inarredavelmente

complementares entre si. Neste cenário, percebe-se que o fator institucional constituiu-se na

causa da presente crise (Kelman et alii, 2001).

No que se refere ao médio prazo, a proposta do Comitê de Revitalização do

Modelo do Setor Elétrico Brasileiro foi pautada na missão de encaminhar propostas para corrigir

as disfuncionalidades e propor correções para o modelo do setor. Houve uma recomendação

clara para manter os pilares do modelo, desenhado inicialmente pelo projeto RESEB. Manter os

pilares do modelo significa necessariamente estimular os investimentos por meio do setor

privado, criar condições para a competição nos segmentos de geração e comercialização de

energia, e manter a regulação nos segmentos de transmissão e distribuição.

127 “Trata-se de um regulador com equipe inexperiente, basicamente com forte postura burocrática e estatal, com excesso de atribuições e sem uma firme orientação e coordenação governamental a tomar decisões de ampla importância econômica, seguramente acima de seu limite, habilitação e visão (Greiner, 2001)”.

154

A extensa agenda de trabalho do Comitê de Revitalização enumerou 33

medidas128 que deveriam ser adotadas, abrangendo uma série de temas, tais como: reforço dos

mecanismos de mercado, aperfeiçoamento da formação de preços, estímulo à oferta,

reestruturação do MAE e outros. Tais medidas foram agrupadas em oito objetivos gerais:

a) normalizar o funcionamento do MAE;

b) fortalecer o mercado;

c) assegurar a expansão da oferta;

d) monitorar a confiabilidade de suprimento;

e) aperfeiçoar a interface entre mercado e setores regulados;

f) defesa da concorrência;

g) realismo tarifário;

h) defesa do consumidor;

i) aperfeiçoamento das instituições.

O Comitê de Revitalização divulgou sua agenda de trabalho e as reformas

adotadas por meio de relatórios, os chamados Relatórios de Progresso129. Além disso, uma série

de instrumentos regulatórios foi editada, com a efetiva implementação das propostas. Destacam-

se as Leis 10.433, de 24 de abril de 2002, relativas ao MAE; a Lei 10.438, de 26 de abril de

2002; a Medida Provisória 64, de 26 de agosto de 2002; além de resoluções ANEEL e resoluções

do CNPE130.

O comitê encerrou suas atividades em dezembro de 2002, implementando uma

série de medidas consideradas importantes para a retomada da reestruturação da IEEB, e,

principalmente dos investimentos, fator de extrema relevância para a indústria.

As causas da crise de abastecimento da IEEB mostram claramente um sério

problema de governança entre e intra-instituições desenhadas para este modelo. Tal

performance, pelo menos no curto prazo, embora seja diferente dos problemas apresentados pela

experiência internacional no que se refere às questões microanalíticas, traz uma interessante

implicação para a análise macroanalítica da indústria. No que se refere às questões de médio

128 Na realidade, além das 33 medidas, nove outras foram agregadas e tratadas de forma isolada, somando um totalde 42. Entre elas, destaca-se a questão tributária. Para detalhamento ver Relatório de Progresso número 2. 129 Os relatórios 1, 2, 3 e 4 estão disponíveis no site www.energiabrasil.gov.br.130 Embora o fim do racionamento tenha sido decretado no final de fevereiro de 2002, o Comitê de Revitalização continuou os seus trabalhos. Estes foram transferidos para a Câmara de Gestão do Setor Elétrico, a qual revogou aCGE e passou a coordenar os trabalhos do Comitê, sob a Presidência do então Ministro de Minas e Energia,Francisco Gomide. A CGSE foi criada com status de órgão técnico de suporte ao CNPE e recentemente foi

155

prazo, objeto de trabalho do Comitê de Revitalização, os problemas possuem praticamente os

mesmos fundamentos do curto prazo e até mesmo se confundem.

Tanto as questões de curto e médio prazo da IEEB como os fundamentos dos

problemas apresentados pela experiência internacional dos sistemas elétricos reestruturados,

possuem um forte componente institucional. Tal fenômeno permite inferir que,

independentemente do problema microeconômico enfrentado, a questão básica das crises está

associada à falta de investimentos (escassez de oferta) e exercício de poder de mercado, que por

sua vez estão associados à falta de mecanismos de incentivo na indústria e aos riscos

regulatórios. Estas lacunas resultam principalmente da falta de articulação entre as instituições

que desenham a IEE, o que permite concluir que esta indústria, em um contexto geral, apresenta

invariavelmente um sério problema de governança, seja no âmbito de uma instituição em

particular, seja no âmbito do arcabouço institucional da indústria como um todo. Conforme foi

apresentado para a experiência internacional, tal análise é objetivo geral desta desta tese e será

feita a seguir.

6.3.3. Questões-chave da Reforma e Possíveis Resultados

Nos moldes do que foi apresentado para a experiência internacional, o Quadro 8 a

seguir baixo descreve as características econômicas da IEEB, os principais objetivos da reforma,

os problemas e soluções apresentados pelo Comitê de Revitalização, e os possíveis resultados,

com base no que aconteceu em outros países.

transformada em Câmara de Gestão do Setor Energético, continuando como órgão de apoio técnico do CNPE, comobjetivo de propor as políticas para o Setor Energético Nacional.

156

QUADRO 8 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DA IEEB E PRINCIPAIS OBJETIVOS DA REFORMA

Atividade Características

Econômicas

Implicações Objetivos Problemas Soluções Implementadas Possíveis Resultados

Geração Economias de escalalimitadas;Coordenação e complementaridadecom a transmissão;Cerca de 90% da fontede geração é hidráulica;Custos Fixos Altos

Potencialmentecompetitivo

Privatização;Estímulo aos investimentos e competição

Ausência de investimentos;A privatização foi paralisada;Estrutura de mercado da geração concentrada nas mãos do estado (80%);Potencial Poder de mercado.

Não há nenhuma diretrizpara a privatização; Mudanças regulatórias e mecanismos de incentivo para assegurar a expansão;Destacam-se os contratos de longo prazo e a exigência de respaldo físico;Manutenção de geração de reserva.

Os mecanismos de incentivo podem estimulara expansão privada, mas de forma marginal;A despeito das mudançasregulatórias, o governo não emitiu sinais suficientessobre os seus objetivos comrelação a sua participação na geração; Tendência de o governo assumir os grandes investimentos.

Transmissão e distribuição

Externalidades derede;Sunk costs elevados;Economias de Escala ede Escopo consideráveis;Economia de coordenação;Idéia de bem público(utilities)Monopólio natural

Tendência de baixosinvestimentos;Taxa de retornolimitadaSegmento regulado

Manter monopólioregulado;Propiciar livre acesso para estimular a competição nas pontasda cadeia G e C; propiciar tarifas baixasaos consumidores

Necessidade de investimentos natransmissão;Grande intervenção do órgão regulador, comobjetivos difusos entreinvestidoresconsumidoresTarifas e taxas de retorno insustentáveis naperspectiva dos investidores e muitoaltas para os consumidores

Reestruturação e realinhamento tarifárioRevisão da metodologia de cálculo das tarifas

A transmissão precisa de investimentos altos, osquais provavelmente o Estado deverá assumir;O aparato regulatório da distribuição enfrenta umasérie de críticas comrelação à metodologia de revisão tarifária. Podemocorrer disputas com o órgão regulador e perdas de eficiência econômica

157

Comercialização Sunk costs baixos;Economias de escalalimitadas;Barreiras à entrada/saída baixas

Segmentopotencialmentecompetitivo

Estimular a entrada de novos agentes e, portanto, a competição,tornando o segmentopotencialmente maiscompetitivo

Não houve separação efetiva entre D/C, os consumidorespotencialmente livres não optaram e, portantonão houve dinâmica no segmento

Incentivos para a escolha dos consumidores livres;Separação da tarifa emdois componentes: fio e energia;A questão da desverticalização está indefinida

É possível que haja umacerta dinâmica neste segmento, entretanto tímida. Uma vez que a concentração e a verticalização na indústria prejudicam a competição na ponta da cadeia industrial

MercadoAtacadista;Mercado de Contratos a Termo, bilaterais e Financeiros;

Pool de compradores evendedores

Potencialmentedinâmico e altamentecompetitivo

Inserir a competição no atacado para propiciarpreços baixosDinamizar o mercadopor meio de contratos de curto e de longo prazo

O MAE foi paralisadoem dezembro de 2001, devido a conflitos deinteresses, captura, e abuso de poder de mercado. De forma que a liquidação veio ocorrer em janeiro de 2003, de forma parcial e conflituosa;Apenas os contratos bilaterais possuem umacerta dinâmica

A ANEEL fez várias intervenções, reformoutoda a estrutura de governança deste mercado;Criação de novos mecanismos regulatórios e de incentivos

A estrutura de governança ainda é frágil;Os agentes de produção estão muito concentrados e possuem grande poder de decisão e coalisão;

Disputas, abuso de poder de mercado ainda podemocorrer.

Fonte: Adaptação OCDE (2001) e Vinhaes (1999)

158

Os objetivos da reforma do setor elétrico brasileiro estão baseados em um modelo

de mercado que depende fundamentalmente do papel do órgão regulador e do aparato

institucional, tendo em vista os potenciais problemas apresentados para esta indústria, que possui

características muito particulares, por exemplo, o fato de a oferta ser predominantemente

hidráulica e o sistema de despacho depender de uma grande complementaridade e otimização

entre as usinas. Diante disso, torna-se crucial o papel do operador do sistema em manter a

segurança e a confiabilidade do fornecimento de energia. Além disso, a competição deve ser

determinada em uma cadeia industrial onde segmentos regulados e não-regulados compartilham

grandes economias de coordenação, fato que indica a existência de uma estrutura de governança

razoavelmente complexa.

Tendo em vista as principais características econômicas apresentadas para a IEEB,

o Quadro 9 apresenta, com base na experiência internacional as questões-chave para a

competição na indústria, suas implicações e objetivos.

QUADRO 9– QUESTÕES-CHAVE, IMPLICAÇÕES E OBJETIVOS DA REVITALIZAÇÃO

Questões-chavepara IEEB

Implicações Objetivos Principais Mudanças Prováveis Resultados

Modeloinstitucional eseu inter-relacionamento

Podem surgir lacunasque permitamcomportamentoestratégico e abuso de poder de mercado,prejudicando aperformance daindústria

Redesenho da estruturade governança paracontornar asimperfeições norelacionamento entre asinstituições quecompõem a indústria.

Foram tomadas medidaspara a reestruturação doMME e uma novagovernança para o ONS.O CNPE criou a CGSEpara lhe fornecer apoio técnico nos assuntos de política energéticanacional

É provável que ocorra uma relativa melhora na comunicação entre asinstituições, mas quedependefundamentalmente da forma de governança do ONS e do MAE.

Governança do mercadoatacadista,operador eoutrasinstituições;

Podem surgir lacunasque permitamexercício de poder demercado, conflito deinteresses, captura eineficiência.

A estrutura degovernança deve serpautada em uma forteregulação e pormecanismos deincentivo.

Desenho de novagovernança para o MAEe para o ONS que deveser implementadoefetivamente;

Dada a concentração na indústria, os agentes demercado permanecemcom grande poder sobre essas instituições

Tipo de pool –centralizado ou não

A interação entre omercado spot e ooperadorindependente éimportante para que não haja perda de coordenação e de eficiência.

O pool e o operadorprecisam trabalhar emsintonia fina paramanter a otimização,confiabilidade esegurança do sistema.

O pool permanececentralizado,mecanismos de sintoniaforam criados entre o ONS e o MAE

As informações e dados técnicos podem transitarmelhor entre essesagentes mantendo anecessáriaconfiabilidade e segurança do sistema

Mecanismo deFormação dePreços

Os preços podem se tornar muito voláteis,principalmente emum sistemahidrelétrico,aumentando os riscose desestimulando

A oferta de energiaelétrica se fará por meioda quantidade, os preços são determinados pelocusto marginal de curtoprazo

Existe possibilidade deinserir o mecanismo deoferta por preço noMAE, entretanto, está em estudo.

O modelo por oferta dequantidades comformação de preço baseado no customarginal não se mostrouadequado uma vez quenão sinaliza

159

investimentos investimentos. Amanutenção deste modelo torna o MAEmuito instável

Mercado spot,

bilateral efuturos

Dinâmica nomercado atacadista,sinais para preços e investimentos

O MAE é um mercadode diferenças, a suadinâmica é importantepara a competição.

A nova regulamentaçãocria obrigatoriedade de compra por parte das distribuidoras emleilões. O MAE fica naestrita função dediferenças.

O processo decompetição será feitobasicamente quando doleilão de compra.Podem surgir contratosa termo. Entretanto, a manutenção dos contratos iniciais tornaráo leilão pouco competitivo;Os contratos futuros dificilmente se desenvolverão nestemercado

Característicada oferta edemanda

No curto prazo aelasticidade preço daoferta e aelasticidade preço dademanda são muitobaixas, devido àcaracterística não estocável da energiaelétrica

Aumentar a oferta da energia por meio daexpansão para atender ademanda crescente

Exigência decontratação bilateral e de respaldo de geração; Contratos com prazoscurtos, médios e longos;Manter reserva degeração

A introdução dos contratos pode sinalizaros investimentos pelosetor privado.Entretanto, pode não sersuficiente para garantiro atendimento da demanda. Portanto, outros mecanismosprecisam ser criados

Repartição deriscos entre osagentes

Os segmentos livresdevem gerenciar seus próprios riscos; ossegmentos reguladospossuem cláusula deequilíbrio econômicofinanceiro, seus riscos são pactuadoscom o órgão regulador, ou seja, com os consumidores.

Manter respaldo físico para os agentes deconsumo por meio de contratos bilaterais.Garantir compra e vendapor meio de contratos.

Os contratos com prazosvariados aumentam asegurança dos agentes edo próprioabastecimento.

Os riscos que as distribuidoras devemassumir ainda não estãoclaros no contrato deconcessão

Mecanismos de incentivo e de mercado paracoibir o poder de mercado

A possibilidade deexercício de poder demercado sempreexiste em umaindústriaparcialmentecompetitiva

O aparato regulatório e os mecanismos deincentivo desenhados devem ser suficientespara conter abuso depoder de mercado.

Exigência decontratação

As geradoras federaisainda mantêm muitopoder de mercado, de modo que abusos podemocorrer.

Transparêncianas relaçõescontratuais eregulatórias

As regras precisamser claras e críveis,caso contrário sobra espaço para jogo criando instrumentosde barreira à entrada.

Um órgão reguladorforte e independente

Melhor definição dopapel da política, daoperação e da regulaçãodo setor.

Os mecanismosregulatórios ainda nãosão suficientes paragarantir estabilidade. Há sinais de riscoregulatório na percepção dos agentes

O grau dedesverticalização da indústria

A desverticalizaçãoda indústria envolvenecessariamente os quatro segmentos.

Regras claras e criveispara a desverticalização

Embora o Comitê tenharecomendado adesverticalização estánão passou nocongresso.

A manutenção daconcentração na geração, a verticalização e manutenção doscontratos iniciais,elimina praticamente aspossibilidades de

160

competiçãoDespacho eestabilidade dosistema

Necessidade deinteração ente odespacho comercial eo despacho físico,para que não haja risco de desabastecimento.

Interação entre o MAE eo ONS

Medidas foram tomadascom relação a interação entre o ONS e o MAE; Serviços ancilares eencargo de capacidade precisam ser mais bemdefinidos

Pode haver problemascom os serviçosancilares e encargo de capacidade.O governo em ultimainstância vai manterreserva de geração.

Transmissão Podem ocorrerrestrições físicas de transmissão, demodo que a expansãodas redes é condiçãonecessária para a competição.

Proporcionar uma infra-estrutura de transmissãopara permitir acompetição nas duaspontas da cadeia (G e C)

Um projeto de expansão da transmissão estásendo implementado. Osinvestimentos devemficar a cargo dogoverno.

Com a expansão da transmissão os submercados serão praticamenteeliminados, o queresolve o problema de diferenças de preços entre submercados,melhorando as condições de competição

Objetivos dareforma, custos e benefícios

A competição não éum fim em simesmo, mas o meiopara alcançar a eficiência naindústria.

Eficiência econômica Houve redirecionamentono processo de reforma,pois os custos políticose sociais, do racionamento, forammuito altos.

A eficiência, se ocorrer,será no longo prazo. Oprocesso está no início

Objetivos dogoverno,consumidores e investidores

Cabe ao reguladorbalizar os interessesdos agentes consumidores e investidores, o que não é tarefa simples.

Eficiência econômica Os objetivos do governo ainda não ficaramclaros. Os interessesentre consumidores einvestidores são difusos.

A indefinição por partedo governo coloca emxeque a implementaçãodas mudanças propostas

Que modelo a indústria podeadaptar?

O modelo pode se tornar confuso e nãoalcançar seusobjetivos

A IEEB vai se adaptar em um modelo misto, de mecanismosregulatórios e demercado.

Após a revitalização o modelo tem um forteviés intervencionista,com pouca margem para a competição

Da forma que está omodelo, a competiçãonão ocorrerá nos moldesesperados; Os pilares do modelo decididamentenão foram mantidos.

Fonte: Elaboração própria

Como se vê, as características econômicas da industria de energia elétrica,

determinam quais os fatores-chave a ser considerados para que haja um relativo sucesso na

reforma dessa indústria. De acordo com o que foi apresentado pela experiência internacional,

principalmente na Inglaterra e Califórnia, o modelo de revitalização do setor elétrico brasileiro

representa um grande avanço na reforma e na possibilidade de um relativo sucesso; entretanto,

questões cruciais ainda não foram resolvidas. Os possíveis resultados, apresentados nos Quadros

8 e 9, chamam a atenção para a importante definição do papel do Estado na indústria. Além disso

os mecanismos de incentivo não se mostram suficientes para dinamizar os investimentos e

possibilitar a competição.

161

O modelo de revitalização, na realidade, mostra um relativo retrocesso com

relação ao que foi proposto pelo projeto inicial de reforma. Tal escolha poderia até constituir-se

em um bom caminho, pois a experiência tem demonstrando que a melhor alternativa é caminhar

pausadamente rumo à competição. Entretanto, no que se refere à questão dos investimentos, fator

central para a indústria, percebe-se que as mudanças no modelo apresentam um grande mérito de

sinalização para a expansão de geração de energia elétrica a médio e longo prazo, inclusive pela

formação gradual de uma ainda incipiente estrutura a termo de preços da energia. Entretanto,

caso a sinalização não seja emitida com a antecedência adequada, corre-se o risco de ver a

substituição gradual do modelo competitivo na geração de energia elétrica pelo modelo de

inversão centralizada nas empresas públicas, o que em um quadro de relativa restrição fiscal

pode sujeitar o sistema à persistência indesejável de um desequilíbrio entre demanda e oferta de

energia elétrica.

Dessa forma é importante que alguns ajustes sejam feitos por parte do governo,

principalmente quanto à necessidade de sinalizar exatamente o que se pretende em termos de

modelo para a indústria, pois tendo em vista as últimas medidas adotadas, o modelo corre o risco

de ficar no “meio do caminho”.

6.4. Conclusões

Com base no que foi apresentado para a experiência internacional, e fazendo um

paralelo com o caso brasileiro, é importante que certas questões sejam consideradas: 1) os

problemas apresentados pela experiência internacional estão associados principalmente ao

exercício de poder de mercado no pool e à falta de investimentos na indústria, os quais estão

fundamentados na fragilidade da estrutura de governança desenhada para o modelo de mercado;

2) a introdução de mecanismos de incentivo no mercado não foi suficiente para sinalizar os

investimentos, além disso, um aparato regulatório tradicional não poderia conter os eventuais

comportamentos estratégicos. É bem verdade que pode ser muito cedo para fazer uma análise

dos sistemas reformados, como é nos casos da Califórnia e Inglaterra. Entretanto, com base na

performance atual das indústrias, pode-se inferir que os modelos estão indicando um caminho

adequado, respeitando as particularidades de cada país e as características da indústria.

No caso brasileiro, os problemas apresentados estão associados a dois aspectos

fundamentais: 1) a falta de implementação de um modelo de mercado com o necessário aparato

institucional e regulatório, conforme havia sido proposto; 2) as características técnicas e

162

econômicas da indústria, a qual exige grande coordenação entre os agentes que a compõem,

determinando, portanto, uma estrutura institucional extremamente complexa.

Diante do processo de “reforma da reforma”, implementado recentemente pelo

Comitê de Revitalização, reconhece-se que muitas imperfeições no modelo foram corrigidas,

embora inexistam garantias de que tais medidas alcançarão os objetivos desenhados, uma vez

que muitas indefinições permanecem. Como é o caso da permanência do grande poder de

mercado no MAE, principalmente das empresas estatais, que descumprem as regras e praticam a

própria governança do mercado atacadista. O que se percebe, na realidade, é que o modelo

competitivo desenhado para a IEEB sofreu um relativo retrocesso, o que significa que a estrutura

híbrida de governança está muito mais fundamentada em um contrato regulatório e institucional

do que no próprio mercado, dada as condições reduzidas de concorrência nesse mercado. Tal

fato traz questões importantes, no que se refere ao papel do órgão regulador, tendo em vista que

a necessidade de intervenção nessa indústria foi ampliada em grande grau.

Cabe ressaltar que a intervenção no mercado de energia elétrica por parte do órgão

regulador precisa de um forte aparato para monitorar o Operador Nacional do Sistema e o

Mercado Atacadista de Energia. Estas instituições são de extrema importância para a

manutenção dos mecanismos de competição inseridos na indústria, além de estarem muito

sujeitas ao abuso de poder de mercado. A análise do abuso de poder de mercado na IEEB passa

pelo mercado atacadista, uma vez que este é o lócus das transações da indústria, o que será feito

no próximo capítulo.

163

CAPÍTULO 7 – ESTRUTURA DE GOVERNANÇA E PODE DE MERCADO NO MAE – UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL

7.1. Considerações Iniciais

A “reforma da reforma” do modelo do setor elétrico brasileiro, em um contexto

internacional de sistemas elétricos reestruturados, levanta questões teóricas e práticas muito

importantes. A análise desse processo, que antes da sua efetiva implementação já havia

apresentado sinais de fragilidade -, juntamente com a verificação das principais diretrizes no

contexto atual do comitê de revitalização, em um paralelo com as experiências internacionais,

permite apontar, na estrutura de governança da indústria, recentemente modificada, as principais

falhas e, portanto, a possibilidade de uso de poder de mercado por parte dos agentes.

Conforme apresentado para a experiência internacional, as regras podem deixar

espaço para jogo, principalmente se forem demasiadamente complexas. Os casos da Inglaterra e

Califórnia mostram claramente o uso de poder de mercado no pool da indústria de eletricidade,

os quais contribuíram para a ineficiência da indústria e apontaram para a necessidade de uma

nova formulação para o modelo de mercado. O caso brasileiro apresenta uma particularidade,

relacionada ao não funcionamento do mercado. Conforme será apresentado a seguir, no Brasil,

pode-se afirmar que não houve exercício de poder de mercado, no sentido de manipulação de

oferta de energia, conforme ocorreu na experiência internacional, pois o mercado atacadista nem

chegou a funcionar. Na realidade, houve sim exercício de poder de mercado, mas um exercício

diferente daquele apresentado tradicionalmente pela teoria dos jogos. O uso de poder de mercado

se fez no MAE, quando da ocorrência de disputas e captura dentro da instituição responsável

para arbitrar pelo mercado. Entretanto, o fundamento do exercício de poder de mercado no Brasil

não se diferencia dos demais países, uma vez que foram as falhas do desenho institucional do

modelo de mercado e da estrutura de governança que permitiram comportamento estratégico por

parte dos agentes.

Diante das grandes peculiaridades do modelo do setor elétrico brasileiro e das

principais características associadas ao mercado de energia, este capítulo aponta algumas

diretrizes de análise para o problema de tese ora proposto. Destaca-se a grande complexidade das

regras de mercado, o que dificulta o entendimento por parte dos agentes, causando um ambiente

164

de risco e de incerteza muito grande aos agentes, além de conter insuficiências conceituais que

podem levar a resultados incoerentes, permitindo algum espaço para jogo.

Uma característica importante da IEE, marcante para o caso da indústria

brasileira, é o fato de haver submercados regionais131, nos quais os preços alcançam patamares

diferenciados, a depender da hidrologia e da demanda dentro de cada submercado. Tal

característica confere a esse mercado um grau de exposição ao risco muito alto para os

investidores e para os consumidores, que não podem prever qual será efetivamente o preço da

energia a ser comercializada fora dos contratos. Em outras palavras, no mercado spot a

existência de submercados na estrutura da indústria faz com que o MAE apresente preços

distintos em regiões diferentes do país. Tais diferenças ocasionam grande exposição ao risco por

parte dos agentes e formação de excedente financeiro - (surplus). Tal excedente, se mal

distribuído entre os agentes, pode ocasionar ganhos excessivos por parte de uns, em detrimento

de outros.

A tecnologia de produção de eletricidade se divide em grandes centrais

hidrelétricas e centrais térmicas. Estas últimas apresentavam, até a vigência do sistema estatal,

uma característica de complementação do sistema hidrelétrico. No modelo atual as usinas

termelétricas são divididas em usinas flexíveis e inflexíveis. As flexíveis pertencem a produtores

independentes que receberam autorização da ANEEL para produzir energia e vender no

mercado. Nestas usinas a decisão de declarar o preço e a quantidade de energia fica por conta e

risco do produtor, entrando na ordem de mérito de despacho econômico e contribuindo para a

determinação do preço. As usinas inflexíveis132, por sua vez, se declaram disponíveis ao sistema

a qualquer custo, o que significa dizer que os seus proprietários se dispõem a gerar energia

independentemente do preço. Tais usinas, embora entrem na ordem de mérito, são tomadoras de

preço, ou seja, são remuneradas ao preço de curto prazo estipulado pelo MAE. No caso das

usinas hidrelétricas, não há no modelo a declaração de preços, e sim de quantidade: as usinas

ofertam as suas quantidades e o preço é calculado por um modelo computacional. Note-se que o

mecanismo para os geradores extraírem renda (se existir) está associado à declaração de

disponibilidade de suas plantas, visto que não existe declaração de preços.

131 O número de submercados do Sistema Elétrico Brasileiro foi reduzido de quatro para dois, a partir de janeiro de 2003, de acordo com a Resolução do CNPE n. º 6, de 1 de agosto de 2002. 132 As usinas inflexíveis são formadas por aquelas pertencentes ao sistema como backup de geração, e algumas são de propriedade privada.

165

7.2. Caracterização Geral do MAE133

O MAE é uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, submetidos à

autorização, regulamentação e fiscalização pela ANEEL, integrado por titulares de concessão,

permissão ou autorização, e tem por finalidade viabilizar as operações de compra e venda de

energia elétrica no sistema elétrico interligado nacional.134

Para evitar riscos de flutuação de preços spot os agentes fazem entre si os

chamados contratos bilaterais. Em julho de 2001 esteve entre R$ 4,00 por MW/h e 684,00MW/h,

nos submercados Sul e Sudeste/Centro-Oeste, respectivamente. Segundo legislação da ANEEL,

as empresas comercializadoras devem obrigatoriamente contratar pelo menos 85% de sua

demanda de energia por um prazo de no mínimo dois anos, e registrar esses contratos no MAE,

para não ficarem expostas aos preços spot.

O MAE é, de fato, um mercado de compra e venda de energia elétrica onde devem

ser efetuadas e registradas todas as operações de curto135 e longo prazo, mediante contratos

bilaterais e iniciais. O contrato bilateral consiste em um documento comercial de acordo entre os

agentes de mercado, cujo objetivo é estabelecer preços e volumes para a comercialização de

energia elétrica em períodos de tempo determinados. Trata-se de um contrato comercial de

compra e venda que, em função da regulamentação vigente, requer registro das quantidades

contratadas e das partes contratantes perante o MAE. Tendo em vista que os contratos bilaterais

são liquidados entre as partes, é perfeitamente possível definir as figuras do agente comprador e

vendedor de energia elétrica nessa operação136.

Os contratos iniciais137 representam a transição do antigo modelo do sistema

elétrico – no qual competia ao Poder Concedente a definição dos montantes de energia elétrica e

das respectivas tarifas para a comercialização de energia entre os agentes –, para o modelo

133 Mesmo no modelo estatal anterior a função do MAE existia, sendo exercida pelo GCOI. A vantagem do MAEem relação ao GCOI é ser mais formalizado, com regras teoricamente conhecidas por todos. 134 Composto pelos sistemas interligados Sul/Sudeste/Centro-Oeste e Norte/Nordeste, modificados a partir de janeirode 2003, conforme resolução do CNPE n. º 6/2002.135 De acordo com o modelo, no futuro as operações de curto prazo no MAE poderão ser efetuadas comperiodicidade mensal, semanal, diária e/ou horária.136 Embora os contratos sejm bilaterais, as transações físicas são multilaterais de modo que todos os compradorespodem adquirir indistintamente energia elétrica de todos os vendedores. Os contratos por sua vez, não implicam a entrega física de energia elétrica, podendo a energia ser entregue por outro agente.137 O término de vigência dos contratos iniciais está previsto para o final de 2006, sendo que, a partir de 2003, os montantes estabelecidos pela ANEEL são reduzidos gradualmente em 25%, até o final da fase de transição, quando a compra e venda de energia elétrica serão livres.

166

vigente do setor de energia elétrica, onde há liberdade de negociação de montantes de energia e

liberdade de prática de preços. Nesse sentido, os contratos iniciais configuram a transição dos

contratos de suprimento do antigo modelo para os contratos bilaterais e multilaterais com preços

e quantidades definidos entre as partes, sem a intervenção do órgão regulador.

Nas operações de compra e venda de energia no mercado de curto prazo do MAE

(spot), não se pode identificar, a priori, os agentes compradores e vendedores, haja vista que as

operações no MAE ocorrem em duas etapas distintas: ex ante, os agentes efetuam o registro das

quantidades de energia que pretendem comprar (e/ou vender); ex post, o MAE procede a

contabilização e verificação das quantidades efetivamente transacionadas. Tal procedimento

ocorre porque as expectativas de geração e consumo de energia elétrica inicialmente registradas

no MAE podem, de fato, não se concretizar. Por isso, o merdado de curto prazo é um mercado

onde se liquidam as diferenças.

Apesar de não ser possível identificar o fluxo físico de energia elétrica nas

operações do MAE, é perfeitamente possível a identificação do fluxo financeiro das negociações

efetuadas, com a indicação do agente credor e do agente devedor de energia elétrica e os serviços

a ela associados. Isso porque, ao final do período mensal de apuração, o MAE atribui créditos

aos agentes que efetivamente forneceram energia elétrica, ou seja, o MAE informa a tais agentes

o montante relativo às vendas de energia elétrica por eles realizados, dentro do período de

apuração, aferido por meio do processo de contabilização. Assim, os créditos atribuídos pelo

MAE aos agentes que realizaram operações de venda no mercado correspondem às receitas

auferidas por tais agentes em razão da venda de energia elétrica.

Considerando-se que as operações de compra e venda de energia, objeto de

contratos de longo prazo, efetivam-se mediante contratos bilaterais e/ou iniciais, pode-se dizer,

de forma bastante pragmática, que o mercado de curto prazo do MAE é um “mercado de

diferenças”. Significa dizer que o mercado irá adequar situações de excesso e escassez de

energia138 vis-à-vis os montantes pactuados nos contratos de longo prazo. Confere-se, portanto,

ao mercado de curto prazo, a importante função de propiciar um clearing entre as quantidades

ofertadas e demandadas, fazendo com que, ex post, toda a energia contratada seja efetivamente

138 Segundo a Resolução ANEEL n.º 102, de 1º de março de 2002, no segmento de curto prazo do MAE étransacionada a energia elétrica não contratada bilateralmente, decorrente de eventuais insuficiências em relação aos contratos bilaterais de venda de energia elétrica, de responsabilidade dos agentes da categoria de produção, e desobras de contratos bilaterais de compra de energia elétrica firmados pelos agentes da categoria consumo.

167

alocada segundo as condições de oferta e demanda dos agentes participantes do mercado. A

figura 11 a seguir mostra as relações comerciais do MAE.

Fonte: ANEEL, 2001.

FIGURA 11 – RELAÇÕES COMERCIAIS

7.3. Agentes do Mercado

Com a criação do MAE, tornou-se obrigatória a associação dos agentes de

produção e consumo ao citado mercado, na qualidade de membros, para (i) os agentes de geração

com capacidade instalada igual ou superior a 50MW; (ii) os agentes de comercialização,

incluindo os agentes de distribuição, cujo volume comercializado seja igual ou superior a 300

GWh/ano; e (iii) os agentes de importação e exportação com carga igual ou superior a 50MW.

Nos demais casos, a associação ao MAE é facultativa.139

Os agentes da categoria produção devem buscar alocar toda a sua energia elétrica

no MAE, e os agentes da categoria consumo devem buscar atender a todas as necessidades de

168

energia elétrica de seus consumidores no âmbito do mercado. Em outras palavras, os agentes do

MAE são responsáveis pelo fornecimento de energia elétrica por eles contratados,

independentemente do montante a ser gerado (na categoria de produção) ou efetivamente

fornecido (na categoria de consumo). Para honrar o montante de energia elétrica, contratado ou

consumido, os agentes podem utilizar a energia elétrica disponível no mercado de curto prazo

(spot).

Conforme as disposições da Lei 10.433/2002, os agentes cuja associação ao MAE

é obrigatória devem realizar as transações de compra e venda de energia elétrica no mercado,

observando para tanto as normas instituídas pela Convenção e as regras de mercado. São

realizadas fora do âmbito do MAE apenas as transações de compra e venda de energia elétrica

entre os agentes que não sejam membros desse mercado, ou seja, aqueles agentes cuja faculdade

de associação ao mercado não tenha sido exercida.

O mercado de curto prazo, caracterizado pela realização de transações

multilaterais, envolve a contabilização e a liquidação do efetivo fornecimento de energia elétrica

em cada período de apuração para cada um dos submercados de energia. As transações

realizadas no citado mercado, portanto, caracterizam-se como operações de compra e venda de

energia elétrica ocorrida durante o período de apuração.

7.4. Contabilização e Liquidação das operações realizadas no âmbito

do MAE

O Sistema de Contabilização e Liquidação compreende os processos de

contabilização, conciliação e liquidação financeira e tem por finalidade apurar as compras e

vendas de energia elétrica no âmbito do MAE, valorar as transações realizadas no mercado de

curto prazo e gerenciar as transferências financeiras entre os membros do mercado.140

Contabilizar significa, basicamente, registrar as transações multilaterais de

compra e venda de energia elétrica realizadas no MAE individualmente pelos agentes, tanto por

meio dos contratos bilaterais como por meio de contratos iniciais. Tal registro é realizado a partir

da medição da energia elétrica efetivamente ofertada e demanda individualmente pelos agentes,

139 Nos termos da Convenção do MAE aprovada pela Resolução ANEEL 102/2002, modificada pela Lei 10.433 de 24 de abril de 2002. 140 Conceito constante da Resolução ANEEL 73/2002.

169

em intervalos temporais definidos. O processo tem por finalidade ajustar e conciliar a energia

elétrica efetivamente gerada e consumida individualmente pelos agentes, com todas as operações

de compra e venda de energia por eles realizadas, apurando-se a situação individual dos agentes,

como credor ou devedor no MAE, no período de apuração. Após o processo de contabilização

ocorre a liquidação, que é caracteriza pela compensação financeira dos débitos e créditos

contabilizados na esfera do MAE, referentes às operações realizadas no mercado de curto

prazo141.

Conforme apresentado, o modelo institucional e de mercado do MAE é

extremamente complexo e exige uma coordenação muito importante das atividades, juntamente

com as atividades do ONS. Além disso, o órgão regulador exerce papel importante no sentido de

fiscalizar e regular o mercado. Dada a sua complexidade, o MAE vem passando por inúmeros

problemas que o impediram de executar as suas operações de modo que, até a primeira

liquidação de suas operações ocorreu em janeiro de 2003 de forma parcial (que deveria ser

mensal deste setembro de 2000)142.

7.5. Características Econômicas Relacionadas ao MAE

O Mercado Atacadista de Energia Elétrica foi criado pela Lei 9.648 de 27 de maio

de 1998 e regulamentado pelo Decreto 2.655 de 1998. Entretanto, começou a funcionar apenas a

partir de 1º de setembro de 2000, autorizado pela ANEEL por meio da Resolução nº 290, de 4 de

agosto de 2000. A resolução, entre outros dispositivos, tem por objetivo homologar as regras de

funcionamento do mercado atacadista formuladas pelos próprios agentes (Regras de Mercado), e

que contém os procedimentos técnicos e operacionais para o desempenho do papel do mercado.

Embora aparentemente sejam simples as funções do MAE, algumas variáveis

inerentes a esse mercado devem ser observadas, dentre elas as condições de oferta e demanda de

energia elétrica, as condições de acesso à rede, o grau de competitividade dos contratos bilaterais

e spot, as condições de entrada e saída, a liberdade para a fixação de preços, a estrutura da

indústria, o grau de concentração, a performance do mercado, a cartelização, a liquidação física e

141 É importante lembrar que a liquidação das posições de longo prazo dos contratos bilaterais, e equivalentes, é efetuada entre as partes, fora do MAE. 142 Tal discussão será apresentada nas próximas seções, que tratam das características econômicas do MAE e da suaperformance, respectivamente.

170

contratual, os instrumentos financeiros, a governança, além do relacionamento com o Operador

Nacional do Sistema. O Quadro 10 mostra as características econômicas relacionadas ao MAE.

QUADRO 10 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DO MERCADO ATACADISTA DE ENERGIA ELÉTRICA

Atividade CaracterísticasEconômicas

Implicações Problemas

Comercialização de energia elétrica

Condições de oferta e demanda desfavorável

Competição reduzida devidoà escassez de oferta emalguns períodos

Competição marginal

Contratos bilaterais Contratos entre partes de médio e longo prazos

Sinalizam preços e investimentos no médio e longo prazo.

Não houve grandes investimentos.

Contratos a termo e contratos futuros

Curto, médio e longoprazos

Reduzem os riscos, tornam o mercado dinâmico e sinalizam preços e investimentos

Estes contratos não se desenvolveram, o risco é muito alto.

Mercado spot Mercado de diferenças Sinalizam preços de curtoprazo, preços voláteis e riscos altos

Os preços extremamentevoláteis causaram sérias exposições aos agentes o que contribuiu para a crise no MAE

Contabilização/liquidação Registro e pagamento das transações

Os agentes sabem as suas posições líquidas para efetuarou receber os pagamentos

A contabilização foi interditada desdedezembro de 2000; a liquidação ocorreu emjaneiro de 2003, de forma parcial

Estrutura de mercado/grau de Concentração

Mercado altamenteconcentradoprincipalmente na geração (80% estatal)

A participação de um númeromaior de agentes determina a competição

Os agentes geradores causaram uma série de problemas no mercado;Houve disputas severas entre geradores e distribuidores

Condições de entrada e saída

Os custos de entrada e saída são muito altos nomercado principalmentepara a geração.

A entrada não é dinâmica O alto grau de concentração permitiuuso de poder de mercado.

Formação de preços A declaração se faz pela quantidade; só as térmicasdeclaram preço

O gerador não pode gerenciarseu próprio risco.

A entrada de novos agentes foi reduzidadada a complexidade dos mecanismos de formaçãode preços

Governança do mercado O mercado é reguladopelos próprios agentes

A estrutura de governança é que vai dar credibilidade aomercado e possibilitar a entrada de novos agentes

Houve captura no mercado, o MAE passou a defender os interessesde alguns poucos agentes.

Operação/despacho O despacho físico é centralizado pelo ONS O despacho comercial é feito pelo MAE

Necessidade de um grande compartilhamento entreMAE e ONS

Nem sempre o MAE eONS estavam afinados para fazer o despacho, o que gerou custosexcedentes aos agentes

Encargo de capacidade Não há Escassez de demanda de pico Potencial problema para atender pico de demanda

Serviços ancilares O ONS é responsável A falta desses serviços pode prejudicar a confiabilidade dosistema.

Em termos regulatóriosessa função não está bemdefinida, o que causa conflitos

171

O Quadro 10143 descreve, de maneira geral, as principais características

econômicas do mercado atacadista de energia elétrica brasileiro, que devido a uma série de

problemas passou recentemente por um processo de reestruturação, o que será apresentado na

próxima seção. As características econômicas mencionadas para este mercado remetem para o

estudo de algumas questões-chave que vêm sendo destacadas pela maioria dos trabalhos

apresentados pela experiência internacional. Nessa perspectiva, e de acordo com os principais

estudos, para compreender o real funcionamento do MAE em paralelo com os demais mercados,

o Quadro 11 a seguir destaca as questões-chave para o mercado atacadista brasileiro.

143Fonte: Elaboração própria.

172

QUADRO 11 – QUESTÕES -CHAVE PARA O MERCADO ATACADISTA E RESULTADOS ENCONTRADOS

Questões-chave para o

MAE

Califórnia Inglaterra Brasil Outros Países Implicações

Modelo institucional e seu

inter-relacionamento

Modelo frágil, necessidade

de reforma pós-crise

Modelo frágil, necessidade de

várias reformas

Modelo frágil,

necessidade de reforma

A maioria apresenta

fragilidade

Lacunas para exercício de poder de

mercado e, portanto, ineficiência

alocativa

Governança do mercado

atacadista e do operador

Modelo frágil, necessidade

de mudança pós-crise

Modelo frágil, necessidade de

várias intervenções e reformas

Modelo frágil, houve

disputas e captura;

necessidade de reforma

A maioria apresenta

fragilidade

Lacunas para exercício de poder de

mercado, conflito de interesses, captura

e ineficiência.

Tipo de pool –

centralizado ou não

Centralizado Central/descentralizado (NETA) Centralizado A maioria

centralizado

Necessidade de grande coordenação;

governança separada implica perdas na

otimização

Tipo de pool – mandatário

ou voluntário

Mandatário Antes mandatário, pós reforma

voluntário

mandatário A maioria

mandatário

Os preços tendem a ser mais voláteis em

pool mandatário

Mecanismo de formação

de preços

Lances por preços e

quantidade

Leilão de ultimo preço

Antes da reforma leilão de último

preço, após a reforma leilão do

tipo price of bid.

Declaração de

quantidade para as

hidrelétricas (90% do

mercado) e declaração

de preços para as

térmicas; Leilão com

preço no custo marginal

de operação

A maioria, lances

por preços e

quantidade; leilão

de último preço

Os preços são muito voláteis,

aumentando os riscos e desestimulando

os investimentos Possibilidade de uso de

poder de mercado devido o leilão de

ultimo preço

Mercado spot, bilateral e

futuros

O bilateral foi introduzido

pós-crise, os demais já

existiam.

Com o NETA os três tipos de

contratos foram fortalecidos;

No Brasil só o mercado

bilateral é dinâmico

A maioria apresenta

os três tipos de

contratos.

Dinâmica no mercado atacadista, sinais

para preços e investimentos

173

Característica da oferta e

demanda

Demanda inelástica,

escassez e retenção de

oferta em horários de pico

Demanda inelástica,

Retenção de oferta

Em horários de pico

Demanda inelástica,

forte dependência

hidrológica o que

aumenta os riscos e a

volatilidade dos preços

Demanda inelástica,

tendência de

retenção de oferta

em horários de pico

Os geradores têm poder de mercado

alavancado principalmente em horário

de pico, utilizando estratégias de

retenção de oferta.

Repartição de riscos entre

os agentes

risco dos agentes Risco dos Agentes Riscos dos agentes Risco dos Agentes Os agentes querem repassar o risco para

os consumidores

Mecanismos de incentivo

para coibir o poder de

mercado

Insuficientes Insuficientes insuficientes insuficientes Assimetria de informações, conluio,

colusão tácita, captura e abuso de poder

de mercado

Transparência nas

relações contratuais e

regulatórias

Pouca transparência antes

da crise

Pouca transparência antes da crise Regras complexas,

aparato regulatório frágil

Pouca transparência Disputas entre regulador e regulados,

captura e abuso de poder de mercado

Despacho e estabilidade

do sistema

Pouco estável antes da

crise

Estável Pouco estável Estável, mas com

problemas

Pode ocasionar interrupção no

fornecimento de energia elétrica

Que modelo o pool pode

adaptar?

Um pool dinâmico com os

três tipos de contratos e

mercado spot estritamente

de diferenças

Um pool dinâmico com os três

tipos de contratos e mercado spot

estritamente de diferenças

Um pool dinâmico com

os três tipos de contratos

e mercado spot

estritamente de

diferenças

Um pool dinâmico

com os três tipos de

contratos e mercado

spot estritamente de

diferenças

O espaço para uso de poder de mercado

pode ser reduzido com a introdução do

pool

174

As questões mencionadas no Quadro 11 vêm sendo consideradas essenciais para a

maior parte dos trabalhos apresentados sobre o mercado, uma vez que as questões-chave

apresentadas na implementação do modelo de mercado apresentam fragilidades em grande parte dos

itens acima mencionados, senão em todos. É muito importante, por exemplo, o inter-relacionamento

do ONS com o MAE, ou seja, a relação entre o despacho real do sistema e o despacho comercial,

pois a partir daí determina-se o grau de exposição dos agentes, além do sinal de preços para a

expansão dos investimentos. Uma questão interessante é a participação obrigatória ou voluntária no

pool, que de acordo com alguns estudos apresentados pela experiência internacional, Von der Fehr

(1998), por exemplo, mostra que os mercados voluntários tendem a ser mais estáveis em termos de

preços. A Inglaterra também apresenta esse quadro. Merece destaque o fato de que o mercado, na

maioria dos países apresenta operações spot (mercado à vista) e contratos bilaterais (mercado a

prazo) e, quando em um grau maior de desenvolvimento, operam com mercados futuros. A maioria

dos países optou por um pool centralizado, o que torna necessário um mecanismo de formação de

preços adequado, que permita o gerenciamento de riscos por parte dos ofertadores, sinalize para os

investimentos e reduza a possibilidade de exercício de poder de mercado neste caso, o modelo

inglês parece razoável.

Note-se que as características econômicas relacionadas ao MAE e as condições-

chave apresentadas para o pool em um contexto internacional, remetem a uma questão importante:

o fato de que as falhas na estrutura institucional e regulatória permitirem comportamento estratégico

e uso de poder de mercado, o que prejudica em grande grau os objetivos de competição no mercado

atacadista, fato este provado por vários trabalhos que utilizam a teoria dos jogos. No caso do Brasil,

a aplicação da teoria dos jogos, a priori, não se mostra um bom instrumento, pois embora o

fundamento da crise no MAE tenha sido praticamente o mesmo daquele apresentado para a

experiência internacional, o uso de poder de mercado se fez devido ao forte componente de auto-

regulação que existia no mercado, o que será apresentado na próxima seção.

7.6. Performance do Mercado Atacadista de Energia Elétrica Brasileiro

Conforme mencionado, o MAE começou a operar em setembro de 2000, efetuando a

contabilização (que deveria ser mensal) no segundo semestre de 2002. Ao passo que a liquidação

financeira ocorreu de forma parcial em janeiro de 2003. Isso se explica por uma série de problemas

enfrentados pelo mercado, principalmente no que se refere a disputas entre os agentes, além de

problemas com o órgão regulador e com as próprias regras de mercado.

175

O primeiro obstáculo a causar paralisação do MAE ocorreu com as empresas

geradoras. O episódio, conhecido no setor por “dívida de Furnas”, ocorreu devido ao atraso na

operação de ANGRA II, que iniciou o seu despacho quatro meses depois do período previsto, os

contratos que dependiam de sua energia ficaram expostos ao preço do mercado spot. Para atender os

contratos, Furnas, que é a responsável pela comercialização da Energia de ANGRA II, ficou

exposta aos preços do mercado spot, na medida que precisou comprar a energia para cumprir seu

contrato com as distribuidoras144. Tal questão não foi pacífica, pois Furnas não quis assumir a

posição de devedora; algumas empresas distribuidoras credoras da suposta dívida, por sua vez,

exigiram o cumprimento do contrato. O problema suscitou um conflito de interesses muito grande

entre os agentes, de forma que a ANEEL precisou intervir. Além disso, a Eletronuclear alegou que

“a exposição aos preços de mercado” de Furnas não era legítima, pois a energia de ANGRA II não

poderia ser comercializada no MAE, face ao tratamento especial dado pela Lei 9648/98 à energia de

Itaipu e Nuclear. Entretanto, esta energia estava comprometida nos chamados Contratos Iniciais, o

que poderia ter sido um erro do órgão regulador em homologar a comercialização de uma energia

que teria tratamento específico. O problema foi resolvido a posteriori, quando a Eletrobrás aceitou

assumir a dívida de Furnas para o bom funcionamento do mercado (Folha de São Paulo, O Valor –

Março/Abril de 2001).

O episódio deixou claro que a quebra de contratos, ou a arbitrariedade em sua

interpretação, tem no mínimo duas conseqüências severas para o funcionamento do setor. Primeiro,

a divergência quanto aos compromissos contratuais de ANGRA II, levou à paralisação do mercado

apenas três meses depois do início de seu funcionamento, ficando parado até janeiro de 2002, sem

efetuar sua liquidação, o que resultou em perda de credibilidade dos agentes no MAE, elemento

fundamental para a competição na indústria. Segundo, ao perceber que os compromissos podem não

ser cumpridos, os agentes entram em risco moral, de forma a prejudicar a performance do mercado

(Kelman, 2001).

O episódio Furnas chamou a atenção do órgão regulador no sentido de observar o

comportamento dos agentes no Mercado Atacadista de Energia Elétrica, o que fez com que a

ANEEL publicasse as resoluções nº 160, 161 e 162 de 20 de abril de 2001 que, dentre outros

dispositivos inseriam regras de garantias, penalidades para os participantes do mercado, e

extinguiam o Comitê Executivo do MAE (COEX), modificando a governança do mercado e

propondo uma revisão do acordo de mercado, tendo em vista que o COEX não implementou as

144 Naquela ocasião, o montante de “exposição ao MAE” de Furnas era de 578 milhões de reais.

176

garantias e nem aplicou as penalidades previstas pela Resolução nº 290, de 4 de agosto de 2000, o

que complicou a credibilidade do MAE.

Em razão do crescente número de disputas e pendências entre os agentes, o órgão

regulador criou o Conselho do MAE – COMAE, com o objetivo de profissionalizar a gestão e

retirar a interferência de interesses específicos dos agentes nos procedimentos operacionais do

MAE. Assim, foram estabelecidos os esquemas de garantia e os mecanismos de penalidades para as

atuações do MAE, dando sustentação e credibilidade às transações de compra e venda de energia

elétrica. Além disso, a ASMAE foi transformada em agente autorizado para atuar como Agente

Administrador de Serviços do Mercado, sujeitando-se à fiscalização e regulação da ANEEL. As

figuras 12 e 13 a seguir mostram a governança do MAE antes e depois da reformulação:

Estrutura Anterior

MAE

Assembléia Geral

COEX

ASMAE ComitêsTécnicos

FIGURA 12 – GOVERNANÇA DO MAE

177

Ajustes

MAE

Assembléia Geral

COMAE

ASMAE

Fonte: ANEEL, 2001

FIGURA 13 – NOVA GOVERNANÇA DO MAE

O argumento da ANEEL para a reformulação do mercado atacadista se pautou na

dificuldade que este enfrentou para efetivar as suas atividades, tal reestruturação teve por objetivo

fortalecer o mercado e possibilitar que as transações fossem feitas conforme desenhado para o

modelo proposto. A mudança na governança e a extinção do COEX foram motivadas pela auto-

regulação que o MAE preconizava, tendo em vista a composição do COEX com 26 conselheiros

divididos entre categoria de produção e categoria de consumo, os quais detinham participação

cruzada, uma vez que muitos eram representados nas duas categorias. Essa composição permitia

que o COEX viesse a defender os interesses de alguns agentes em detrimento de outros, o que se

findou por configurar uma captura do principal pelo agente, já que o MAE (principal) passou a

defender os objetivos das empresas de geração (agente) 145. No novo desenho, o COMAE passou a

ter seis conselheiros: dois representantes das empresas de distribuição, dois das empresas de

geração, e dois eleitos pela ANEEL, inviabilizando a possibilidade de participação cruzada. A

Assembléia Geral, por sua vez, permaneceu a mesma, tendo como nova atribuição a aprovação da

alteração na estrutura organizacional da ASMAE.

178

A despeito das mudanças inseridas no MAE, até meados de agosto de 2001 o acordo

não havia sido assinado devido ao boicote dos agentes. Neste ambiente, o MAE não pôde fazer a

contabilização/liquidação e outros problemas surgiram, como o caso do ANEXO V dos Contratos

Iniciais que por causa do racionamento decretado a partir de junho de 2001, trouxe grandes

prejuízos às empresas geradoras. Os problemas apresentados naquele momento levaram o órgão

regulador a fazer uma segunda intervenção, nomeando inclusive os conselheiros do MAE

(COMAE). Tal acontecimento deixou claro que a questão da auto-regulação não estava resolvida, o

que levou a uma segunda reformulação da governança deste mercado. Uma das grandes fragilidades

apontadas foi o fato de que a Assembléia Geral do MAE não foi modificada pela reforma anterior, o

que manteve a participação cruzada dos agentes e a possibilidade de captura.

Considerando que a forma de regência do MAE e a forma de administração de sua

prestadora de serviços (ASMAE), constituíram fato impeditivo ao curso normal das operações de

compra e venda no mercado, principalmente no que se refere à contabilização e liquidação, o

governo federal decidiu pela reorganização do MAE, conferindo-lhe personalidade jurídica e

regência específica, o que resultou na Medida Provisória nº 29, de 7 de Fevereiro de 2002, logo

depois convertida na Lei 10.433, de 24 de abril de 2002. Além disso, a referida MP instituiu a

Convenção do Mercado Atacadista, em substituição ao Acordo de Mercado, estabelecendo a

estrutura e a forma de funcionamento do MAE. Assim, o MAE passou a ser pessoa jurídica de

direito privado, sem fins lucrativos e submetido à autorização, regulamentação e fiscalização pela

ANEEL. A ASMAE foi extinta e, em seu lugar, foi criada uma Superintendência do MAE, além de

uma Câmara de Arbitragem para resolver os conflitos146. Um fator importante foi a mudança na

Assembléia Geral, na qual os votos deixaram de ser por categoria de consumo e passaram a ser por

empresas, excluindo a possibilidade de participação cruzada e concentração em uma única

categoria147.

Mesmo com as reformas no mercado atacadista, este veio a efetuar sua liquidação

apenas em Janeiro de 2003, de forma parcial, uma vez que após as mudanças determinadas pela Lei

10.433/2002 permanecram alguns conflitos e disputas entre os agentes. Destaca-se o conflito ente a

Eletrobrás e as concessionárias de distribuição de energia elétrica, devido a um possível excedente

145 Na prática o COEX era controlado por 3 grupos: Eletrobrás, AES e EDP, os quais reuniam 13 votos dos 26 possíveis, além de apresentar conflitos de interesses entre os agentes no MAE e no ONS (Santana, 2001). 146 Embora a Câmara de Arbitragem tenha sido criada em 2002, com a possibilidade de participação de todos osagentes de mercado, muitos ainda não assinaram o termo de arbitragem, e este ainda está em processo de homologaçãopela ANEEL.147 Para maiores detalhes ver Resolução ANEEL nº 102, de 1 março de 2002.

179

da energia de Itaipu. Embora a ANEEL tenha arbitrado favoravelmente às distribuidoras, a

Eletrobrás entrou na justiça contra a decisão do regulador, o que travou novamente o MAE, de

forma que, por ordem judicial, a contabilização do MAE que foi feita no segundo semestre de 2002

não levou em consideração o excedente de Itaipu. Houve uma tentativa por parte do Poder

Executivo em resolver a questão, entretanto não houve sucesso e a questão ainda está pendente.

Conforme mencionado a liquidação se fez de forma parcial e causou uma série de questionamentos

por parte dos agentes, algumas estão em demanda judicial.

Sem dúvida, a fragilidade do mercado atacadista se explica pelo alto grau de

concentração no mercado de energia elétrica onde cerca de 80% da geração pertencem a um

monopólio estatal148 e que cerca de 80% da distribuição privada pertecem a oligopólios cruzados,

uma vez que oito grandes grupos, a maioria estrangeiros, dominam este segmento. O que de acordo

com a experiência internacional é um aspecto negativo no que se refere à dinâmica desse mercado.

Somando a esses problemas, há ainda a complexidade das regras do mercado as quais necessitam

urgentemente de nova formulação, e o próprio mecanismo de formação de preços que não reflete a

disposição de oferta dos agentes, mas sim os custos de oportunidade do despacho calculado pelo

ONS. Tais mudanças não foram implementadas pelo Comitê de Revitalização. A próxima seção

discute os fundamentos dos principais problemas que contribuíram para a crise no mercado

atacadista.

7.7. Os Fundamentos dos Problemas no MAE

Cabe ressaltar que os problemas enfrentados pelo mercado atacadista não possuem

relação direta, nem de causalidade nem de conseqüência, com o racionamento de energia elétrica.

Na realidade quando os primeiros sinais da escassez de oferta de energia elétrica surgiram, o

mercado atacadista já estava interdidato. Entretanto, uma vez que o mercado já apresentava

fragilidades e uma crise de escassez emergiu, tais questões não podem ser observadas de forma

isolada. Conforme mencionado, no Capítulo 6, a crise de energia elétrica no Brasil, embora

apresente fundamentos econômicos estruturais, foi resultado principalmente de um desenho

regulatório e de mercado frágil e incompleto. Os problemas enfrentados pelo MAE padecem de um

forte viés de má implementação e, sobretudo, de má formulação do aparato regulatório e das regras

de mercado. Tal constatação vem ao encontro das conclusões dos estudos apresentados pela

148 As empresas públicas burlam as regras por ideologias, hábitos, e necessidade de manutenção de status (Mueller,2001).

180

experiência internacional, na medida que os principais problemas enfrentados pelos países que

reformaram sua indústria de eletricidade se associam a questões institucionais e regulatóras.

Um aspecto importante é a metodologia utilizada para avaliar o uso de poder de

mercado nos sistemas elétricos reestruturados, onde a maioria apresenta estudos com base na teoria

dos jogos. Na Inglaterra, por exemplo, houve jogos com encargo de capacidade e com a declaração

de disponibilidade; na Califórnia houve jogos com declaração de disponibilidade, principalmente

em períodos de demanda de pico149. Conforme foi apresentado para o caso da Argentina, o Brasil

apresenta peculiaridade, pois o exercício de poder de mercado ocorrido no mercado atacadista

brasileiro não é o exercício convencional percebido por grande parte dos países que introduziram a

reforma. A explicação central para esta afirmação é que o MAE mal começou a funcionar e foi

paralisado, não havendo oportunidade de se observar os tradicionais comportamentos estratégicos

por parte dos agentes. Entretanto, esta avaliação não confirma que o abuso de poder de mercado

esteve ausente no mercado brasileiro, mas que este apareceu com uma “roupagem” diferente

daquela apresentada para outros países: por meio da auto-regulação e auto-governança que

possibilitaram captura. O Quadro 12, a seguir, apresenta os fundamentos dos problemas no MAE.

149 Para maiores detalhes ver Wolak (2002) e outros.

181

QUADRO 12 – OS FUNDAMENTOS DOS PROBLEMAS DO MAE

Problemas Falha Regulatória Falha do mercado Implicações

Dívida de Furnas O órgão regulador

homologou contratos de

energia nuclear que

possuem tratamento especial

A usina de Angra II não

entrou em operação no

período estabelecido,

ficando exposta ao mercado

spot

O não cumprimento dos

contratos compromete a

credibilidade do mercado

Não implementação de

garantias e penalidades

A regulação previa a

implementação das

garantias e penalidades

pelos agentes, o que é auto-

regulação

Os agentes do mercado não

tinham interesse em

penalidades e garantias para

puni-los, houve captura

Sem credibilidades nas

regras os agentes entraram

em moral hazard

Auto-regulação e auto-

governança

O aparato regulatório

vigente permitia a auto-

regulação e auto-

governança; O potencial

para exercício de poder de

mercado e conflitos de

interesses foi estabelecido

na própria regulação

O mercado extremamente

concentrado é sujeito a

falhas se a regulação não é

eficiente

Houve exercício de poder de

mercado e conflito de

interesses

Reformulação da

governança

A reformulação não foi

suficiente, pois manteve

parte da velha estrutura

A concentração permitiu

falhas de mercado

Os conflitos, disputas e

abusos de poder de mercado

permaneceram

Racionamento/

Anexo V

O racionamento mostrou a

fragilidade da regulação

para situações limites

Os mecanismos de mercado

não eram suficientes para

situações limites

Houve pressão por parte dos

agentes e necessidade de

revisão do ANEXO V

Excedente de Itaipu Não existe nenhum aparato

regulatório/legal que

determina a quem pertence

o excedente de Itaipu

As regras do mercado

atacadista demonstram

claramente que não existe

excedente.

A questão se passa no

âmbito político, sujeita a

pressões dos grupos

interessados

Concentração na

indústria, por parte das

empresas estatais – auto-

regulação e auto-

governança

O aparato regulatório teve o

cuidado de eliminar a

potencial captura

As regras do mercado foram

modificadas, mas a

concentração continua.

O problema pode persistir

dada a concentração na

indústria e ao poder dos

agentes

Fonte: Elaboração própria

182

O MAE representa o locus da competição na IEEB, e o seu bom funcionamento é o

fator central para inserção da competição e o bom funcionamento da indústria como um todo. Tal

fato demonstra a necessidade de um compartilhamento do mercado, que tem um papel comercial,

com o operador do sistema (ONS), que faz o despacho real da energia, pois qualquer diferença entre

o despacho comercial (MAE) e o despacho físico pode causar perdas financeiras por parte de alguns

agentes econômicos150. Tal fato torna fundamental definir adequadamente a estrutura de governança

dos organismos responsáveis pela operação do sistema e pela contabilização e liquidação dos

contratos, e seu inter-relacionamento uma vez que vem aumentando exageradamente a

predominância da representação dos agentes estatais, dado a concentração na indústria. Conforme

apresentado no Quadro 12, a explicação para os problemas enfrentados pelo mercado atacadista se

pauta em duas premissas básicas: i) os fundamentos econômicos podem explicar a crise partindo da

hipótese de que o mercado é perfeitamente competitivo, se esta hipótese não se verifica (e este é o

caso), existe um potencial para que as condições de competição não se apresentem; ii) na hipótese

de um mercado com características monopolísticas (o que é o caso), a dinâmica competitiva deve se

apresentar por meio de mecanismos de incentivo, credibilidade dos agentes e aceitabilidades dos

contratos. Se esta questão também não se verifica, ou seja, se os mecanismos de incentivo não são

suficientes, se o comportamento dos agentes levam à ausência de credibilidade nas próprias regras

do mercado, a crise inevitavelmente se instala. A próxima seção discute com mais detalhes esses

dois fatores.

7.8. Os Fundamentos do Uso de Poder de Mercado no MAE

Conforme apresentado para a experiência internacional, as condições de competição

para a indústria de energia elétrica estão pautadas na definição do modelo de mercado e na estrutura

institucional e de governança da indústria. Uma vez que a maioria das reformas tem como o locus

de negociação o mercado atacadista, discutir competição e uso de poder de mercado nesta indústria

passa necessariamente pela discussão no âmbito deste mercado. Uma análise detalhada do mercado

atacadista brasileiro (MAE) mostrou que os principais problemas estão fundamentados na estrutura

de mercado da indústria, que apresenta características de monopólio e, portanto dificuldade de

implementação de um modelo institucional e regulatório que seja capaz de levar em conta o

eventual comportamento estratégico dos agentes que participam do mercado, no âmbito de uma

150 Destaca-se entre outros encargos, os Encargos de Serviços de Sistemas (ESS) que ocorrem devido a problemasconjunturais na rede elétrica que impedem o despacho físico de algumas usinas por indisponibilidade de rede elétrica, ou seja, restrições de transmissão dentro de um submercado.

183

estrutura de mercado que não havia sido prevista. Tais características permitem inferir que na

realidade, a interrupção no processo de privatização e a má formulação das regras de mercado

permitiram uso de poder de mercado por parte de alguns agentes, tendo em vista que o modelo

proposto para a indústria passa necessariamente pela venda das empresas ao setor privado, de forma

pulverizada. Uma vez que isto não tenha acontecido, o desenho de mercado proposto não cabe a

esta configuração de indústria, fazendo-se necessário um novo desenho.

Neste sentido a mudança estrutural e regulatória da IEEB que representaria a

passagem de uma governança hierárquica no modelo de monopólio estatal para uma governança

híbrida no modelo privado e competitivo não foram alcançadas. O que se observa para esta indústria

é a mudança no desenho de mercado por meio da regulação e de regras no mercado atacadista que

não servem a uma estrutura de governança que mantém a hierarquia no modelo estatal, mantendo as

empresas do governo, ou seja, a holding Eletrobrás151, no topo da hierarquia do mercado152. Ao

passo que do ponto de vista do desenho proposto e do próprio aparato regulatório, esta empresa é

um agente de mercado como outro qualquer. Na prática, porém, tal empresa possui um grande

poder no âmbito do MAE, isto pode ser percebido na análise das principais disputas que ocorreram

durante a paralisação deste mercado. Conforme apresentado no Quadro 12, os fundamentos dos

problemas do MAE se explicam principalmente pelas disputas em torno da Dívida de Furnas, Auto-

regulação, Auto-governança, Anexo V e Excedente de Itaipu, em todos esses temas as empresas

estatais foram as principais protagonistas.

Conforme apresentado nas seções anteriores, parte dos problemas de auto-regulação

e auto-governança foram resolvidos pelo órgão regulador, com a reestruturação do mercado

atacadista, entretanto, os conflitos ainda permanecem, cita-se o caso da liquidação financeira

ocorrida em janeiro de 2003, feita de forma parcial e com uma série de conflitos. Além disso, se

observa que não existe competição no mercado atacadista e, portanto não foram estabelecidas as

condições de competição para a indústria como um todo, uma vez que tal indústria permanece

extremamente concentrada nas mãos do Estado.

Com base no que foi proposto por Willianson (1995), mencionado no Capítulo 3, a

mudança estrutural e regulatória proposta para a IEEB, representa a passagem de uma governança

hierárquica no modelo de monopólio estatal para uma governança híbrida no modelo privado e

151 A Eletrobrás é a holding estatal que controla as empresas: Chesf, Furnas, Eletronorte e outras.152 A Eletrobrás deixou de determinar a hierarquia da indústria e passou a determinar a hierarquia do mercadoatacadista, com grande poder com relação ao governo e aos próprios agentes privados.

184

competitivo. Entretanto, a despeito do modelo proposto estar “teoricamente” bem desenhado para a

indústria, na prática isto não ocorreu, o que se percebe é que a mudança da hierarquia embora tenha

sido criada por mecanismos regulatórios e legais, estas não se fizeram, tendo em vista que as

empresas públicas se mantiveram no topo hierárquico da indústria. Tal questão está de acordo com

as preocupações levantadas pelo citado autor, ao recomendar que “é necessário que a indústria

supere a inicércia institucional, uma vez que alguns agentes podem perder por causa de uma

mudança instucional brusca enquanto interesses adquiridos estiverem continuamente sendo criados

com a permanência das instituicões (...) tendo em conta que o processo de mudanças é demorado e

pode não ocorrer devido à colisão de forças dos agentes que venha a participar deste modelo”. No

caso da IEEB esta constatação é explícita no comportamento das empresas estatais, já que a inércia

institucional não foi superada.

A recente “reforma da reforma” da IEEB implementada pelo Comitê de Revitalização

corrigiu uma série de imperfeições no modelo. Entretanto, existe uma grande possibilidade de tais

medidas não alcançarem os objetivos propostos, dado que muitas indefinições ainda permanecem.

Na verdade o modelo de revitalização sofreu um relativo retrocesso com relação ao que havia sido

proposto no primeiro desenho de reestruturação (modelo RE-SEB), uma vez que os pilares da

competição, privatização e nova regulamentação, não foram mantidos. Este fator se deve por um

lado, pelo desenho regulatório manter uma estrutura híbrida de governança muita mais

fundamentada em um contrato regulatório e institucional do que em um modelo de mercado dadas

às características da cadeia produtiva, que apresenta a convivência entre dois segmentos

potencialmente competitivos – a geração e a comercialização – e outros dois segmentos com

características de monopólio natural – a transmissão e a distribuição de energia elétrica. E por outro

lado, por não haver de fato uma substituição da hierarquia pela estrutura híbrida de governança,

dadas às características estruturais desta indústria que mantém um monopólio estatal no topo da

hierarquia. Isto leva a crer que a privatização não se fez, e, portanto não permitiu a competição, e

que o contrato regulatório é imperfeito para manter o desenho proposto.

7.9 Conclusões

As características econômicas relacionadas ao MAE e as condições-chave

apresentadas para o pool em um contexto internacional remetem a uma questão importante: o fato

de as falhas na estrutura institucional e regulatória permitirem comportamento estratégico e uso de

poder de mercado, o que prejudica os objetivos de competição no mercado atacadista, e portanto os

185

obejtivos da indústria como um todo. Fato provado pela maioria dos trabalhos que utilizaram a

teoria dos jogos. No caso do Brasil, a aplicação da teoria dos jogos, a priori, não se mostra um bom

instrumento, tendo em vista que embora os fundamentos dos problemas no MAE tenham sido

praticamente os mesmos, daqueles apresentados para a experiência internacional, o uso de poder de

mercado se fez devido ao forte componente de auto-regulação que existia no mercado e, sobretudo

pela manutenção de uma estrutura de mercado extremamente concentrada.

A metodologia utilizada nesta tese, parte de uma análise do particular para o geral, na

medida que se observa o abuso de poder de mercado no MAE e encontra os seus fundamentos nas

falhas do desenho de mercado e do desenho regulatório da indústria como um todo, inclusive no

ambiente institucional na qual esta se insere. Do ponto de vista teórico, procede-se à observação da

estrutura de governança no âmbito da teoria dos custos de transação, considerando de forma

secundária os pressupostos da teoria do incentivo, em uma abordagem microanalitica dentro de um

ambiente macroanalítico (institucional), chegando à abordagem da eficiência econômica, objetivo

central da reforma desta indústria.

Tal análise permite concluir que existem elementos suficientes, tanto na experiência

internacional como no caso brasileiro, para explicar o comportamento estratégico e o abuso de

poder de mercado por parte dos agentes econômicos, na indústria de energia elétrica, em particular

no caso do mercado atacadista. As condições-chave apresentadas para esta indústria, com raras

exceções, quando analisadas do ponto de vista prático, ou seja, o que efetivamente foi encontrado

na experiência internacional, remete à constatação da hipótese levantada pela proposta desta tese: a

falha na estrutura institucional da indústria permite comportamento estratégico e prejudica os seus

objetivos de eficiência econômica, seja em um aspecto macro (da indústria como um todo), seja em

um aspecto micro, dos principais agentes envolvidos.

No caso brasileiro, em particular, conclui-se que com esse desenho, dificilmente os

problemas do mercado atacadista poderão ser resolvidos apenas com a mudança na estrutura de

governança. Isto significa que o poder de mercado ainda vai persistir. O setor precisa, na verdade, é

de um aparato institucional e regulatório que ultrapasse os limites do MAE e defina regras claras

para a indústria como um todo, principalmente no que se refere à participação das empresas estatais

nesta indústria. O próximo capítulo apresenta as conclusões e recomendações desta tese.

186

CAPÍTULO 8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho foi formulado no ambiente de “reforma” do modelo de

reestruturação da indústria de energia elétrica em um contexto internacional onde as principais

discussões passam pela dificuldade da operação dos mercados, associadas principalmente ao uso de

poder de mercado por parte dos agentes. Uma análise aprofundada dos principais trabalhos

apresentados para a experiência internacional apontou para a importância de se estudar a IEEE,

utilizando os instrumentos da Organização Industrial, em particular a abordagem da Nova

Economia Institucional, as falhas na estrutura de governança dessas indústrias e o seu arcabouço

institucional que permitem espaço para comportamento estratégico e abuso de poder de mercado

por parte dos agentes econômicos, principalmente no mercado atacadista.

Dessa forma, o objetivo geral deste estudo foi identificar as eventuais falhas no

desenho de mercado e da própria estrutura de governança da Indústria de Energia Elétrica Brasileira

(IEEB), que permitam comportamento estratégico e exercício de poder de mercado por parte dos

agentes econômicos. O trabalho passou pelo objetivo específico de analisar a IEEB confrontando-a,

com as experiências internacionais, principalmente o caso da Califórnia e da Inglaterra, a fim de

identificar lições para auxiliar no diagnóstico dos principais problemas no modelo regulatório e de

mercado, para o caso brasileiro. Foi observado que as fragilidades da estrutura de governança da

IEEB e em particular do MAE permitiram condutas estratégicas por parte dos agentes, impedindo o

funcionamento adequado do mercado, apontando para a necessidade de reformulação desta

estrutura, embora tal mercado já tenha passado por duas reformas.

Destaca-se que a formalização de comportamento de gaming tem tomado grande

espaço nos diversos estudos, conforme apresentado nesta tese. Tais estudos têm contribuído para as

reformulações do setor nos vários países, principalmente no que se refere à revisão do modelo de

mercado e da própria estrutura de governança. É, portanto, neste contexto que o trabalho aqui

proposto busca contribuir para o setor elétrico brasileiro, por meio de uma análise qualitativa que

mostra as possíveis falhas do desenho de mercado e da estrutura de governança que permitiria uso

de poder de mercado por parte dos agentes no mercado atacadista, uma vez que este é o locus das

transações na IEEB.

Em linhas gerais, os principais pontos do desenvolvimento deste trabalho foram:

187

1. A possibilidade de manutenção dos objetivos de reforma baseados nos pilares da

competição, privatização e nova regulamentação, que configuram a nova estrutura da

IEEB. Destaca-se que tais pilares não foram mantidos. Este fator se deve por um lado,

do desenho regulatório manter uma estrutura híbrida de governança muita mais

fundamentada em um contrato regulatório e institucional do que em um modelo de

mercado dado as características da cadeia produtiva, que apresenta a convivência entre

dois segmentos potencialmente competitivos – a geração e a comercialização – e outros

dois segmentos com características de monopólio natural – a transmissão e a distribuição

de energia elétrica. E por outro lado, por não haver de fato uma substituição da

hierarquia pela estrutura híbrida de governança, dado as características estruturais desta

indústria que mantém um monopólio estatal no topo da hierarquia. Isto leva a crer que a

privatização não se fez, e, portanto não permitiu a competição, e que o contrato

regulatório é imperfeito para manter o desenho proposto;

2. A IEEB apresenta uma peculiaridade importante à medida que relaciona uma grande

coordenação ao longo da cadeia, gerando efeitos relevantes para a eficiência da indústria

em um contexto geral. Isso se deve à característica de rede da indústria com o agravante

de a energia elétrica não poder ser estocada. Diante desse quadro, qualquer tentativa de

comparar o produto energia elétrica com um bem qualquer pode ocasionar um sério erro

de diagnóstico. Esta ampla coordenação está a exigir, portanto, uma estrutura

institucional, regulatória e de mercado adequada e complexa, com especial atenção para

o fundamental papel do desenho de mercado e da própria estrutura de governança do

mercado atacadista, elemento essencial para a competição na indústria;

3. O funcionamento de um mercado atacadista levanta uma série de questões no que se

refere à estrutura industrial, o papel da regulação e o desenho do mercado de

eletricidade. Tais questões estão associadas à performance da indústria em termos de

objetivos de competição e os resultados para os consumidores finais. A experiência

internacional tem demonstrando que há uma série de frustrações em termos de alcance

de eficiência econômica para a indústria como um todo, além de dificuldades de

implementação completa do modelo desenhado e, sobretudo do uso de poder de mercado

por parte dos agentes (principalmente os geradores). Tais questões têm trazido uma série

de questionamentos aos modelos adotados, convergindo para a necessidade de se

estabelecer um novo desenho institucional, envolvendo mudanças no desenho de

mercado e do próprio papel do órgão regulador. As principais razões para a revisão

desses modelos tomam por base o fraco desempenho da indústria em termos de

188

eficiência econômica devido, principalmente, à limitada possibilidade de competição. A

revisão dos modelos implementados, nos diferentes países que fizeram a reforma do

setor elétrico e posteriormente aplicaram uma “reforma da reforma” do aparato

inicialmente desenhado, a fim de reduzir a possibilidade de uso de poder de mercado.

Tal reforma tem por objetivo adequar modelos competitivos baseados em uma estrutura

de governança considerada “adequada” a cada mercado em particular;

4. A recente crise da IEEB, que levou ao racionamento de energia no período de junho de

2001 a fevereiro de 2002, trazendo implicações importantes para a implementação da

reforma culminando na necessidade de rever o próprio modelo de reestruturação;

5. A “reforma da reforma” do modelo do setor elétrico brasileiro, em um contexto

internacional de sistemas elétricos reestruturados, levantou questões teóricas e práticas

importantes. Assim, procurou-se analisar esse processo, que antes da sua efetiva

implementação apresentou sinais de fragilidade; além de verificar as principais diretrizes

no contexto atual do comitê de revitalização fazendo um paralelo com as experiências

internacionais. Isto permitiu apontar na estrutura de governança da IEEB, recentemente

modificada, as principais falhas e, portanto, a possibilidade de uso de poder de mercado

por parte dos agentes;

Posto isto, conclui-se que existem elementos suficientes, tanto na experiência

internacional como no caso brasileiro, para explicar o comportamento estratégico e o abuso de

poder de mercado por parte dos agentes econômicos, na indústria de energia elétrica, em particular

no mercado atacadista. As condições-chave apresentadas para esta indústria, com raras exceções,

quando analisadas do ponto de vista prático, ou seja, o que efetivamente foi encontrado na

experiência internacional, remete à constatação da hipótese levantada pela proposta desta tese: a

falha na estrutura institucional da indústria permite comportamento estratégico e prejudica os seus

objetivos de eficiência econômica, seja em um aspecto macro (da indústria como um todo), seja em

um aspecto micro, dos principais agentes envolvidos;

No que se refere à natureza da firma, na abordagem institucional, nota-se que os

ativos desta indústria possuem um grau de especificidade muito alto, sendo também altas as

economias de coordenação e os custos de transação ao longo da cadeia industrial. Tais

características geram a necessidade de observar a IEE sob uma análise macroanalítica, na medida

que é preciso considerar os aspectos políticos, legais e institucionais nos quais a indústria está

inserida, ou seja, as regras do jogo. A análise microanalitica é também de relevância, na medida que

apresenta a forma de contratação e organização do mercado, no caso da IEE, o pool é o próprio

189

mercado, e os contratos nele registrados apresentam governança própria. É importante notar que a

Nova Economia Institucional é um instrumento importante para explicar os problemas apresentados

pela IEE em termos mundiais, uma vez que a teoria do incentivo, associada à teoria da agência, e os

conflitos resultantes dos direitos de propriedade, por um lado, e a teoria dos custos de transação na

abordagem de governança por outro, completa o modelo teórico para a análise desta indústria. Tal

modelo é capaz de explicar, em uma abordagem teórica, as razões institucionais do comportamento

estratégico e o uso de poder de mercado ocorrido na maioria dos modelos apresentados, o que foi

percebido na prática, inclusive em trabalhos com aplicação da teoria dos jogos.

A metodologia aqui utilizada parte de uma análise do particular para o geral, na

medida que se observa o abuso de poder de mercado no pool e encontra os seus fundamentos nas

falhas do desenho de mercado e do desenho regulatório da indústria como um todo, inclusive no

ambiente institucional na qual se insere. Do ponto de vista teórico, procede-se a observação da

estrutura de governança no âmbito da teoria dos custos de transação, considerando de forma

secundária os pressupostos da teoria do incentivo, em uma abordagem microanalitica dentro de um

ambiente macroanalítico (institucional), chegando à abordagem da eficiência econômica, objetivo

central da reforma desta indústria.

A abordagem microanalitica dos resultados apresentados pela experiência

internacional leva à conclusão de que o abuso de poder de mercado no pool é resultado de uma

estrutura de governança mal definida, no que se refere ao desenho do modelo e seu aparato

regulatório, que permite espaço para jogo, disputas, conflito de interesses e captura. O mercado faz

parte de uma estrutura de governança muito maior e, em uma abordagem macroanalítica nota-se

que o pool é apenas um dos elementos que compõem um aparato institucional amplo, formado por

agentes como, por exemplo, o órgão regulador, o operador do sistema, o governo, a sociedade e

outros. Nesse contexto, cabe observar que devido às características técnicas e econômicas da

indústria, o modelo de reestruturação necessita estar muito bem fundamentado nos seus

pressupostos, de modo a zelar para que a mudança de uma estrutura de governança pautada em um

modelo verticalizado e estatal com grandes economias de coordenação, transmude-se em uma

estrutura de governança, pautado em um modelo competitivo e privado, com elevados custos de

transação, e que precisa preservar boa parte de sua coordenação em benefício da eficiência

econômica. Vai-se percebendo, pois, o importante papel da regulação.

Os modelos de reforma apresentados pelas principais economias estudadas, não

pretenderam (e nem poderiam) considerar a governança dos mecanismos de mercado e a

190

governança dos mecanismos regulatórios, concorrentes entre si, e sim utilizá-los de forma

complementar para alcançar os objetivos de eficiência, o que significa valer-se de uma forma

híbrida de governança. O principal problema apresentado pelo modelo é que a dose adequada para

cada um destes dispositivos ainda não foi encontrada, permitindo falhas de mercado e falhas do

modelo regulatório. A experiência tem demonstrado, pelo menos nos países em que se obteve

algum grau de sucesso, que essa transposição precisa ser cuidadosa e gradual, pois é somente com o

processo de aprendizado que se pode chegar a uma governança híbrida com doses adequadas de

mercado e de regulação.

Atualmente, tanto a Califórnia quanto a Inglaterra apresentam um bom desempenho,

o qual se deve a um excesso de intervenção no primeiro caso e um grau maior de liberdade, no

segundo. O mercado da Inglaterra vem sendo assegurado tanto pelo excesso de oferta quanto pela

credibilidade que o órgão regulador adquiriu nos últimos anos, com a intervenção excessiva.

Entretanto, apesar das mudanças inseridas na Califórnia, a experiência de países

como a Inglaterra deixa claro que não há garantia de que a questão da governança está resolvida

para o modelo de mercado da IEE, haja vista o caráter incipiente das mudanças, e a permanência da

incerteza sobre a conformação do mercado e do aparato regulatório que as características técnicas e

econômicas desta indústria irão comportar. A experiência da Noruega demonstra que o pool requer

um desenho cuidadoso e que a introdução do mercado precisa ser gradual, caso contrário

recorrentes crises podem ocorrer. Isto realmente sugere um processo de aprendizado que possa

determinar em que grau a configuração entre mercado e intervenção vai se fazer, o que pode

demorar anos e anos.

Embora a crise e os principais problemas apresentados pela experiência internacional

possam levar a crer que o modelo de reestruturação não foi bem sucedido, isto não significa que

este processo deva ser abandonado. É importante destacar que as mudanças na tecnologia dessa

indústria não transformam fundamentalmente um setor com características de monopólio natural

para um setor caracterizado por ausência total de monopólio, daí o fato de o segmento de geração

apresentar características de oligopólio e o investimento ser fator crucial para inserir a competição

(Joskow, 2000). Recomenda-se, portanto, regular os preços e, ao mesmo tempo, permitir um

gerenciamento de riscos, o que chama a atenção para a convivência de segmentos regulados e não-

regulados ao longo da cadeia da indústria.

Há de se considerar, também, que a política de liberalização de uma indústria com

tais características se torna insustentável sem um claro desenho regulatório, uma vez que a

191

característica não estocável do produto energia elétrica, associada à elasticidade preço da demanda

muito baixa, faz com que o investimento se torne uma variável chave para o modelo, tendo em vista

que a competição deve ser pautada pelo excesso de oferta. Em situação em que exista uma grande

dependência da expansão da oferta, o modelo não pode ser demasiadamente complexo, as regras

precisam ser claras e críveis, sob pena de se tornarem instrumentos indesejáveis de barreira à

entrada.

Além disso, a experiência internacional ora apresentada acrescenta algumas

características importantes associadas ao processo de aprendizado observado na implementação do

modelo de mercado. Uma análise ex-post, pós reforma, como está sendo feita agora, pode

acrescentar variáveis de extrema relevância na definição de um aparato institucional para a IEE, ou

seja, a definição da estrutura de governança para esta indústria como um todo precisa considerar

alguns fatores-chave. A experiência internacional sugere dois mecanismos de incentivo básicos, os

quais estão associados ao próprio desenho do modelo e ao arcabouço institucional/regulatório desta

indústria: a introdução de contratos e de demand side bidding, os quais tem contribuído para

estimular os investimentos e reduzir o uso de poder de mercado.

Em primeiro lugar, é necessário que a demanda tenha uma participação mais ativa no

mercado, não ficando na estrita dependência da oferta, e para isso a introdução do demand side

bidding se mostra pertinente, pois conforme já mencionado, a inelasticidade da demanda,

principalmente no curto prazo, sinaliza para os geradores uma trajetória determinística da demanda,

que possibilita jogar com as ofertas. O mecanismo proposto para o modelo reduz em certo grau a

inelasticidade da demanda, pois o modelo tem a capacidade de capturar a sensibilidade dos agentes

em termos de preços, na medida que estes podem gerenciar sua própria demanda. São duas as

vantagens: como os agentes são mais sensíveis aos preços e participam do processo de formação de

preços no pool, reduz-se a margem de manobra dos geradores na determinação dos preços,

reduzindo o poder de mercado e a volatilidade no preço spot. Em conseqüência, a redução da

volatilidade nos preços do mercado spot pode emitir sinais positivos para os investimentos.

Em segundo lugar, a introdução de contratos se mostra pertinente. A experiência

evidencia a necessidade de se desenhar um modelo de mercado pautado em três tipos de contratos

para que haja dinâmica no mercado: o contrato a termo, os contratos futuros e os contratos

bilaterais, a depender do formato regulatório e da dinâmica do mercado. Estes asseguram sinais para

investimentos e gerenciamento de riscos por partes dos agentes; além disso, em determinadas

circunstâncias, podem conter o abuso de poder de mercado.

192

Percebe-se que os contratos possuem mecanismos naturais que contribuem para a

sinalização dos investimentos, na medida que podem ser formatados contratos com prazos mais

longos, sinalizam preços mais estáveis, além de servir de mecanismos de hedge tanto para os

compradores como para os vendedores. Os três modelos de contratos apresentados anteriormente

contribuem para a solução dos problemas tanto no curto como no longo prazo, de vez que os

contratos bilaterais, a termo ou financeiros podem ter seus prazos determinados de várias formas,

pois a dinâmica do próprio mercado determina o formato.

Os países que apresentam algum grau de sucesso na introdução do modelo de

mercado para IEE invariavelmente possuem esses mecanismos de contratos, os quais são

extremamente dinâmicos. O relativo sucesso da reforma da Califórnia após a crise está em grande

parte baseada na inserção deste mecanismo. A Inglaterra é também um exemplo, bem como a

Noruega e a Argentina. Vale lembrar que a introdução destes mecanismos pode reduzir os

principais problemas encontrados na IEE. Entretanto, tais mecanismos, se utilizados isoladamente

não produzem resultados eficientes. É necessário que o desenho institucional e regulatório da

indústria esteja bem amarrado, ou seja, que a estrutura de governança esteja bem definida, pois caso

contrário os problemas podem permanecer.

Tendo em vista o diagnóstico apresentado para a experiência internacional, algumas

conclusões e recomendações podem ser feitas paro o caso brasileiro em particular:

a) A nova organização da IEEB está fundamentada em uma estrutura de governança

que funciona em torno de um mercado atacadista de energia, cuja finalidade é determinar o preço de

curto prazo, tornar dinâmica e flexível a relação de compra e venda entre os agentes e, por fim,

sinalizar para a direção dos investimentos. No caso específico para os investimentos, a participação

dos contratos de médio e longo prazo, tem papel fundamental neste mercado, na medida que vai

assegurar os preços de médio e longo prazo. Uma vez que a ANEEL, é órgão responsável para

regular o relacionamento destes agentes e estabelecer as regras do jogo, a organização da IEEB se

faz sob uma estrutura de governança híbrida, onde a forma de coordenação se faz por um contrato

regulatório, de um lado, e pelo mercado de outro.

b) Dado o modelo apresentado, os mecanismos de incentivo para a realização de

investimentos nesta indústria e, portanto, a possibilidade de competição, deve ocorrer,

principalmente, por meio de contratos, uma vez que a governança estabelecida se faz no mercado e

no contrato regulatório. No mercado a governança se fundamenta nos contratos bilaterais e em um

estágio mais dinâmico em contratos a termo e contratos futuros. No caso do contrato regulatório, a

193

governança depende essencialmente da credibilidade das instituições formadas, de forma que haja

garantias de que não haverá nenhum ato administrativo capaz de pôr em risco a estabilidade do

ambiente de negócios e a segurança quanto à realização dos seus objetivos. Ou seja, é necessário

reduzir os riscos regulatórios. Do ponto de vista do regulador, é importante que existam formas de

monitoramento capazes de impedir ações oportunistas, pois estas ações podem beneficiar alguns

agentes em detrimento de outros e colocar em xeque a credibilidade do contrato regulatório;

c) Conforme apresentado para a experiência internacional, as condições de

competição para a indústria de energia elétrica estão pautadas na definição do modelo de mercado e

na estrutura institucional e de governança da indústria. Uma vez que a maioria das reformas tem

como o locus de negociação o mercado atacadista, discutir competição e uso de poder de mercado

nesta indústria passa necessariamente pela discussão no âmbito deste mercado. Uma análise

detalhada do mercado atacadista brasileiro (MAE) mostrou que os principais problemas estão

fundamentados na estrutura de mercado da indústria, que apresenta características de monopólio e,

portanto dificuldade de implementação de um modelo institucional e regulatório que seja capaz de

levar em conta o eventual comportamento estratégico dos agentes que participam do mercado, no

âmbito de uma estrutura de mercado que não havia sido prevista. Tais características permitem

inferir que na realidade, a interrupção no processo de privatização e a má formulação das regras de

mercado permitiram uso de poder de mercado por parte de alguns agentes, tendo em vista que o

modelo proposto para a indústria passa necessariamente pela venda das empresas ao setor privado,

de forma pulverizada. Uma vez que isto não tenha acontecido, o desenho de mercado proposto não

cabe a esta configuração de indústria, fazendo-se necessário um novo desenho.

d) Na prática, a mudança estrutural e regulatória da IEEB que representaria a

passagem de uma governança hierárquica no modelo de monopólio estatal para uma governança

híbrida no modelo privado e competitivo não foi alcançada. O que se observa para esta indústria é a

mudança no desenho de mercado por meio da regulação e de regras no mercado atacadista que não

servem a uma estrutura de governança que mantém a hierarquia no modelo estatal, tendo as

empresas do governo, a holding Eletrobrás, no topo da hierarquia do mercado. Ao passo que do

ponto de vista do desenho proposto e do próprio aparato regulatório, esta empresa é um agente de

mercado como outro qualquer. Na realidade, tal empresa possui um grande poder no âmbito do

MAE, isto pode ser percebido na análise das principais disputas que ocorreram durante a

paralisação do MAE.

194

e) Com base em Williamson (1995), a mudança institucional e regulatória proposta

para a IEEB, representa a passagem de uma governança hierárquica no modelo de monopólio

estatal para uma governança híbrida no modelo privado e competitivo. Entretanto, a despeito do

modelo proposto estar “teoricamente” bem desenhado para a indústria, na prática isto não ocorreu, o

que se percebe é que a mudança da hierarquia embora tenha sido criada por mecanismos

regulatórios e legais estas não se fizeram, tendo em vista que as empresas públicas se mantiveram

no topo hierárquico da indústria.

f) É verdade que a recente “reforma da reforma” da IEEB implementada pelo

Comitê de Revitalização corrigiu uma série de imperfeições no modelo. Entretanto, existe uma

grande possibilidade de tais medidas não alcaçarem os objetivos propostos, tendo em vista que

muitas indefinições ainda permanecem. Na verdade o modelo de revitalização sofreu um relativo

retrocesso com relação ao que havia sido proposto no primeiro desenho de reestruturação (modelo

RE-SEB), uma vez que os pilares da competição, privatização e nova regulamentação, não foram

mantidos. Este fato, leva a concluir que tal escolha poderia até ser um bom caminho, pois a

experiência tem demonstrando que a melhor alternativa é caminhar a passos lentos rumo à

competição. Entretanto, no que refere aos investimentos, fator central para a indústria, percebe-se

que as mudanças no modelo apresentam o mérito de sinalizar para a expansão de geração de energia

elétrica a médio e longo prazo, inclusive pela formação gradual de uma incipiente estrutura a termo

de preços da energia. Porém, caso a referida sinalização não seja emitida com a antecedência

adequada, corre-se o risco de ver a substituição gradual do modelo competitivo na geração de

energia elétrica pelo “velho” modelo de inversão, centralizado nas empresas públicas, o que em um

quadro de relativa restrição fiscal, pode sujeitar o sistema à persistência indesejável de um

desequilíbrio entre demanda e oferta de energia elétrica. Assim, é importante que alguns ajustes

sejam feitos por parte do governo, principalmente quanto a definir, de forma precisa, o que se

pretende em termos de modelo para esta indústria. Dado que o desenho atual não comporta as

características estruturais que de fato se apresentam para indústria, principalmente no que se refere

à participação das empresas estatais no mercado atacadista.

195

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