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1 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO TRÊS RIOS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DO MEIO AMBIENTE - DCMA PROPOSIÇÕES DO MÉTODO ESQUIZOANALÍTICO COMO INTERVENÇÃO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL Nome do Autor Marcella Vieira da Silva Ramos ORIENTADOR: Prof. Dr. Irapoan Nogueira Filho TRÊS RIOS - RJ JUNHO 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO TRÊS RIOS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DO MEIO AMBIENTE - DCMA

PROPOSIÇÕES DO MÉTODO ESQUIZOANALÍTICO

COMO INTERVENÇÃO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Nome do Autor

Marcella Vieira da Silva Ramos

ORIENTADOR: Prof. Dr. Irapoan Nogueira Filho

TRÊS RIOS - RJ

JUNHO – 2018

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PROPOSIÇÕES DO MÉTODO ESQUIZOANALÍTICO

COMO INTERVENÇÃO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Marcella Vieira da Silva Ramos

Monografia apresentada ao curso de Gestão Ambiental,

como requisito parcial para obtenção do título de bacharel

em Gestão Ambiental da UFRRJ, Instituto Três Rios da

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

TRÊS RIOS - RJ

JUNHO – 2018

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Ramos, Marcella Vieira da Silva - 2018

Proposições do método esquizoanalítico como intervenção na educação

ambiental/Marcella Vieira da Silva Ramos. 2018

78f. . : grafs., tabs.

Orientador: Irapoan Nogueira Filho

Monografia (bacharelado) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto

Três Rios.

Bibliografia: f. 77-78.

1. Educação – Ambiental –– Intervenção 2. Esquizoanálise

– Brasil. I Título.

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO TRÊS RIOS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DO MEIO AMBIENTE - DCMA

PROPOSIÇÕES DO MÉTODO ESQUIZOANALÍTICO COMO INTERVENÇÃO NA

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Marcella Vieira da Silva Ramos

Monografia apresentada ao Curso de Gestão Ambiental

como pré-requisito parcial para obtenção do título de

bacharel em Gestão Ambiental da Universidade Federal

Rural do Rio de Janeiro, Instituto Três Rios da

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Aprovada em 25/06/2018

Banca examinadora:

__________________________________________

Prof. Dr. Irapoan Nogueira Filho

__________________________________________

Profª. Drª. Elizabeth Medeiros Pacheco

__________________________________________

Prof. M. João Silva

TRÊS RIOS – RJ

JUNHO – 2018

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“À minha mãe, Cristina, ao meu pai Alexandre e minha vó Dona Dina e ao meu tio Hélio,

por todo incentivo e apoio e ao meu companheiro, André.”

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AGRADECIMENTOS

Aos meus professores da escola que tiveram grande influência em minha vida e na escrita,

Guaraci, Bia, Trovão, Suzana, Lucia Helena, Daniel, Leo, Fatinha, Jovelino. Obrigada!

Ao meu orientador Irapoan, por desbravar essa jornada comigo.

A Thaís, por ser exemplo de um ser humano lindo.

Ao Fábio, Julianne por sempre mergulharem nas minhas ideias.

À Dalva pelos bons conselhos e carinho.

À Carmem e Cris, por tornarem os dias mais bonitos na faculdade. Obrigada pelo carinho e a

toda equipe de limpeza e seguranças do Instituto.

À minha querida amiga, Michelly sem ela, talvez não tivesse visto a delicadeza da vida.

À eterna Tia Adilma e Tia Ana, por todo carinho durante anos de amizade.

À Dona Enza, por todo incentivo e carinho.

A minha amiga, Amanda que me inspira todos os dias, como amiga, mãe, e mulher.

A Dona Nezinha, por estar com as portas e coração sempre abertos pra mim.

Ao meu querido amigo, Sidnei, por nossa amizade de longa data e nossas conversas.

A minha madrinha de coração, Manu.

À Maria, Flor de Lis, Luciana e Kayane por me ajudarem a cultivar um belo jardim de vida.

A Beth e a Verinha, pelas conversas leves, risadas e carinho.

Aos meus amigos Carol e Ricardo, pelos bons papos com café depois da faculdade.

À minha amiga, Camila por tornar os dias mais engraçados e divertidos.

À minha amiga, Aline, sem ela minha trajetória não seria possível. Gratidão.

Ao Sergio, meu primeiro chefe, obrigada por todo apoio, carinho e confiança de sempre.

Ao Seu Pedrinho e Seu Roberto, pelas mensagens de vida e apoio.

Aos meus amigos rizomáticos, Felicité, França, Lorena, Júlia, Jão, Wallace, Heloá e Mateus.

A jovem Raquel, mente brilhante.

A todos os membros do Coletivo Mãe Preta TR – que me acolheram e hoje fazem parte da

minha vida, em especial, Liz, Ialodê, Karen e André.

E todos os devires que estão por vir.

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“Somos todos geniais.

Mas, se você julgar um peixe

pela sua capacidade

de subir em árvores,

Ele passará a vida

acreditando ser estúpido”.

(Albert Einstein, 1879 -1955)

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RESUMO

As preocupações com o meio ambiente surgiram em maior evidência na década de 1960,

quando implodiram outros vários movimentos por melhores condições de vida: estudantes,

trabalhadores, pretos, mulheres, homossexuais. Após esse período, já na década de 1970,

Guattari e Deleuze se conhecem e ambos iniciam um trabalho conjunto em contraposição à

Psicanálise. Visto que ela gira em torno de representações edipianas – isto é, representações

familiares. E assume que estas mesmas representações familiares constituem todo cenário

psíquico. Desta maneira, anulando o inconsciente como produção, tomando-o como um teatro

de representação. O que também descarta as potencialidades que vem do desejo, do qual a

Psicanálise tenta reprimir. Formulando a proposta da Esquizoanálise, eles propõem o

inconsciente como uma usina, em constante produção. Isso requer entender a subjetividade

enquanto multiplicidade, em constante transformação – somos, portanto, resultado de todas as

nossas interações com o meio, isto é, com outra subjetividade – multiplicidade, com a própria

natureza e os tantos mundos. Na prática educativa significa que o educador não deve atribuir

para si, a função de transferir conhecimento e sim, criar estratégias para a real produção de

regimes de aprendizagem, a partir da produção da subjetividade. Possibilitando um aprendizado

enquanto produção de novos regimes de si e de mundo, além de dar voz e autonomia para que

se reconheçam como sujeito de conhecimento e mudança. A presente monografia busca realizar

proposições para a Educação Ambiental, a partir da perspectiva da Esquizoanálise. Propõe-se,

para este exercício, uma análise do estudo do caso da dissertação de mestrado de João Silva.

Esta dissertação parte da análise de uma mobilização comunitária no Morro dos Prazeres, Rio

de Janeiro, no ano de 2010 (pós-desastre de deslizamento de sedimentos que ocasionou a morte

de trinta e quatro pessoas). Depois do acidente foi preciso uma mobilização, ou implicaria na

retirada dos moradores por parte da Prefeitura, mostrando como o próprio Estado é o maior

responsável pela invizibilização e silenciamento dos corpos – sobretudo nas favelas e nos

bairros periféricos. Como resultado, foi possível perceber neste caso uma possibilidade de

Educação Ambiental atrelada à intervenção e mobilização comunitária, gerando resultados

efetivos – em uma perspectiva local, mas que se expande, pois nesse processo cria-se

mobilizadores sociais, expandindo-se em outros territórios.

Palavras-chave: meio ambiente, Esquizoanálise, produção de subjetividade, Morro dos

Prazeres, favelas, invizibilização, mobilizadores sociais.

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ABSTRACT

Many concerns about the environment emerged as evidence since the 1960s, when many other

movements for better living conditions were created: students, workers, black people, women,

homosexuals. After this period, already in the decade of the 1970's, Guattari and Deleuze meet

each other and both initiated a joint work in opposition to Psychoanalysis. Since it permeates

Oedipal representations - that means, family representations. And it assumes that these same

family representations constitute every psychic scenario. In this way, annulling the unconscious

as production, taking it as a theater of representation. What also discards the potentialities that

come from desire, of which Psychoanalysis tries to supress. Formulating the proposal of

Schizoanalysis, they propose the unconscious as a factory, in constant production. This requires

understanding subjectivity as multiplicity, in constant transformation - we are therefore

multiple, unfinished results of our interactions with other multiples, with nature and with the

world. In educational practice it means that the educator should not attribute to himself the

function of transferring knowledge, but rather to create strategies for the actual production of

learning regimes, from the production of subjectivity. Enabling learning as a production of new

regimes of self and world, in addition to giving voice and autonomy to recognize themselves as

subjects of knowledge and change. The present monograph seeks to make proposals for

Environmental Education, from the perspective of Schizoanalysis. It is proposed, for this

exercise, an analysis of the study of the case of João Silva's dissertation. This dissertation is

based on the analysis of a community mobilization in Morro dos Prazeres, Rio de Janeiro, in

the year 2010 (post-disaster of sludge sediment that caused the death of thirty-four people).

After the accident, a mobilization was necessary, or it would involve the removal of the

residents by the City Hall, showing how the state itself is responsible for the invigibilization

and silencing of the bodies - especially in the slums and in the peripheral neighborhoods. As a

result, it was possible to perceive in this case a possibility of Environmental Education linked

to the intervention and community mobilization, generating effective results - in a local

perspective, but that expands, since in this process social mobilizers are created, expanding in

other territories.

Keywords: environment, Schizoanalysis, subjectivity production, Morro dos Prazeres,

favelas, invizibilization, social mobilizers.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. ReciclAção – Ciclo autossustentável ..................................................... 70

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SÚMARIO

1. INTRODUÇÃO.................................................................................................13

1.1 OBJETIVO GERAL....................................................................................16

1.1.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS..............................................................17

2. MATERIAIS E MÉTODOS...............................................................................18

2.1 Educação Ambiental: um apanhado histórico..............................................18

2.1.2 O surgimento de uma educação ambiental......................................... 18

2.1.3 O surgimento de uma política de educação ambiental.........................21

2.2 Educação ambiental e contemporaneidade...................................................21

2.3 Natureza X Consumo................................................................................... 23

2.3.1 Princípios do 3R’s......................................................................................24

2.3.2 Consumo consciente: perspectiva ética, estética e política.........................25

2.4 A importância do agir técnico, estético, ético-político na educação..............27

2.4.1 Educação e subjetividade................................................................29

2.5 Esquizoanálise................................................................................................31

2.5.1 Esquizoanálise: intervenção na prática educativa...........................33

2.5.2 Educação Ambiental: ato político...................................................35

2.5.3 Rizoma: Princípios..........................................................................37

2.5.4 Modo de subjetivação capitalístico.................................................40

2.5.5 Subjetividade X Subjetivação.........................................................42

2.5.6 Intercessores....................................................................................43

2.5.7 Devir................................................................................................48

2.5.8 Revolução Molecular.......................................................................51

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2.5.9 Revolução Molecular: Princípios....................................................53

2.6 Esquizoanálise: perspectiva técnica, estética, ético-político na educação.....56

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES.......................................................................59

3.1 Análise do ponto de vista esquizoanalítico/ambiental do enfrentamento do lixo no

Morro dos Prazeres..............................................................................................59

3.1.2 O estudo..........................................................................................59

3.1.3 Apresentação do território..............................................................63

3.1.4 O Desastre – A ruptura...................................................................65

3.1.5 Pós-desastre – Transmutação..........................................................66

3.1.6 ReciclAção e Esquizoanálise..........................................................70

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................72

4.1 A esquizoanálise como intervenção na educação ambiental.........................72

5. REFEFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................77

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1. INTRODUÇÃO

A proposta do trabalho consiste em apresentar o estado da arte – educação ambiental

desde sua origem e da preocupação da sociedade com o meio ambiente, propondo uma reflexão

para o mesmo a partir da Esquizoanálise. Nesse período – especialmente na década de 1960,

com a implosão de diversos movimentos sociais, era nítido que as questões que estavam sendo

elencadas eram em vista de melhores condições de vida. Tanto no trabalho, mas também em

mobilizações estudantis, das mulheres, dos pretos, dos homossexuais, todos aqueles que são

considerados minoritários, mas que representam a maior parte sociedade.

Após essa fase de inquietações, mobilizações – ruptura. Eis que um filósofo, Deleuze,

conhece um psicanalista, militante, e que também possuía formação de farmácia, Guattari. Ele

que usava a clínica em que trabalhava – La Borde, para fazer experimentações com os pacientes.

E ambos tinham algo em comum, criar algo em contraposição à psicanálise. “[...] o que

buscávamos em comum era um discurso ao mesmo tempo político e psiquiátrico, mas sem

reduzir uma dimensão à outra.” (DELEUZE, 1992 p 25) – então nasce, a esquizoanálise, no

primeiro livro escrito por Deleuze&Guattari (2004) O Anti Édipo: capitalismo e esquizofrenia

volume 1.

A psicanálise acaba por reproduzir e fabricar “espaço literário, bem como um espaço

judiciário, econômico, político completamente reacionários, pré-fabricados e massacrantes”.

(DELEUZE, 1992 p 39) “Toda produção desejante é esmagada. O que dizemos, é: Freud

descobre o desejo enquanto libido, desejo que produz e ao mesmo tempo re-aliena sem parar a

libido na representação familiar (Édipo)” (DELEUZE, 1992 p 26)

Então, a psicanálise se preocupa em descobrir a raiz do problema, a origem – que são

representações familiares, portanto, uma encenação teatral. Enquanto, que a esquizoanálise,

entende o inconsciente em uma usina, em constante produção. Isso implica em não achar a

origem, ou raiz. Mas, entender como a estrutura de um rizoma, que são ramificações que

ocorrem no meio, aliança que aumenta suas ramificações, à medida que se conectam com

outras. Isto é, em contínua transformação de uma relação que se estabelece no meio, com o

meio – e não com a raiz.

Enquanto, a psicanálise naturaliza e reproduz, já a esquizoanálise, intervém. Mas antes,

ela cartografa – um dos princípios rizomáticos, isto é – observar. E partir disso, estimula a

produção de vida, já existente. Portanto, a esquizoanálise na prática educativa, é uma alternativa

para através da produção da subjetividade, estimular a coletividade e a partir da demanda dos

educandos – criar formas de intervir, mobilizar, e resistir.

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A criação vem antes de tudo da necessidade, e do meio da impossibilidade forjar novos

caminhos. A esquizoanálise possui, portanto, uma preocupação técnica – no ato de lecionar – o

educador deve ter o entendimento, em não transferir conhecimento, mas estimular a

aprendizagem, através de uma prática educativa que desperte a criatividade e que seja um

espaço em que ambos possam falar, discutir, interagir, propor ideias, questionar, entre outros.

Além do agir técnico, inseparável de uma preocupação estética. Criar estratégias de

produção de vida, sem interferir nos processos. A função do educador é dar autonomia e não

ser porta-voz, criar mobilizadores sociais. Dar aula deve partir do entendimento que ambos são

aprendizes, para isso, faz-se necessário promover um ambiente harmônico, e estético (isto é,

quais ferramentas/estratégias serão utilizadas).

E um agir ético-político, isso exige uma tomada de posição, do qual não é possível de

abster atrás de uma suposta neutralidade. O trabalho do educador é despertar as potencialidades,

para se mobilizem, intervenham e criem novas formas de produzir vida – novos territórios

existenciais, e não se contente mais com a realidade, e sua impossibilidade de mudança. Como

aponta Guattari (1985) e Freire (2002):

“O trabalho dos revolucionários não é ser portador de voz, mandar

dizer as coisas, transportar, transferir modelos e imagens; seu trabalho é dizer

a verdade lá onde eles estão, nem mais nem menos, sem tirar nem pôr, sem

trapacear.”. (GUATTARI, 1985 p 16)

“Não posso, por isso, cruzar os braços fatalistamente diante da

miséria, esvaziando, desta maneira, minha responsabilidade no discurso cínico

e “morno”, que fala da impossibilidade de mudar porque a realidade é mesmo

assim. O discurso da acomodação ou de sua defesa, o discurso da exaltação do

silêncio imposto de que resulta a imobilidade dos silenciados, o discurso do

elogio da adaptação tomada como fado ou sina é um discurso negador da

humanização de cuja responsabilidade não podemos nos eximir”. (FREIRE,

2002 p. 30)

A esquizoanálise nos conduz para produção de novas estratégias de produzir

conhecimento, em uma perspectiva técnica, estética, ética, política, do qual não podemos nos

omitir. A partir da experimentação, das vivências, da arte – maximizando as potências e com

isso, surgem – máquinas de guerra. Nada tem a ver com as representações simbólicas de guerra,

e sim com constante produção de subjetividade, capaz de se conectar com outras potências, e a

partir de uma perspectiva local, territorial, atinge em todos os seus níveis subjetivos e as várias

formas de se reinventar para criar um novo mundo.

Isso requer o direcionamento das práticas educativas – aplicáveis a todas outras áreas,

em direções e gestões mais humanas e solidárias, o que requer uma nova ética e

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responsabilidade com o mundo, e o entendimento de ser a natureza, e não dominador dela. “Esta

dimensão ético-estética refere-se, portanto, aos valores que constituem nossas ações no mundo

(o modo de conduzir-se e de habitar o mundo) e à recriação permanente de nossa própria

existência como uma obra de arte”. (SILVA, 2008 p 45)

Como a redução, reutilizando e reciclação de resíduos sólidos, que podem ser

introduzidos na prática educativa ambiental – como dispositivos, com direcionamento estético,

e político de fazer um novo possível, uma nova forma de construir-se e reinventar. E descobrir

a potência que existe em cada ser e estimulá-la por meio de uma educação inventiva e da relação

entre os educandos e educador.

O que requer olhar para o mundo, para o meio como resultado de todas as interações, e

não como algo indivisível, imutável. Ao contrário, “[...] a experiência perceptiva é, ela própria,

uma experiência criadora, contemplando o trabalho de criação”.(KASTRUP, 2008 p 9) O ato

de romper e reconstruir, é também um modo de fazê-lo com o mundo e sua volta.

O que também muda é a forma de estar no mundo, intervindo, deslocando a história.

“[...] a arte é tomada como expressão das formas de resistência e criação: resistência às formas

de assujeitamento e dominação a que estamos submetidos e a que muitas vezes submetemos os

outros, e criação permanente de novos modos de existência”. (SILVA, 2008 p 45)

Justificativa do estudo

Durante o período acadêmico, em específico eu comecei com alguns questionamentos.

Principalmente, a algo que tocava diretamente a mim e a todos os outros estudantes, a falta de

assistência tanto psicológica, e acolhimento em casos de saúde mental. Além do grande número

de desistências, e não por falta de capacidade, mas por condições financeiras, e de

sobrevivência. Algo, que poderia ser diminuído caso se pensasse na de fato na saúde dos

estudantes.

A academia é construída em cima de uma aristocracia, e uma estratificação do

conhecimento que se fecha em bolhas, e artigos científicos, que giram em torno de si. E não

produzem – a diferença, em responder a sociedade, ao meio, a coletividade, social, ao todo.

E isso, não pode determinar/mensurar o saber, enquanto – estudantes, nós passamos por

condições precárias de existência, beirando a desistência todo o tempo. Eu resisti, mas é preciso

mais do que isso.

É preciso formar alianças. E como? Despertando a potencialidade que existe em cada

ser, através da produção/estímulo da subjetividade – cada com a sua heterogeneidade, através

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da interdisciplinaridade dos saberes, tanto acadêmicos, científicos, mas também os populares,

os periféricos – e dessa forma, produzindo a diferença. Isto é, pensar esquizoanaliticamente, da

perspectiva da mudança, transformação. E o que proponho, é através da educação ambiental,

promover a mobilização, para dar voz – e não ser porta-voz e nem a promoção de um novo líder

mais carismático.

A pesquisa surgiu da necessidade de criar novas formas/ferramentas para contrapor todo

assujeitamento do qual somos expostos, dentro de todas as instâncias familiar, midiática,

escolar, acadêmica. A esquizoanálise como método na prática educativa, busca o estímulo de

potencialidade que existe em todo ser. Através da arte, poesia, cinema, música, escrita,

linguagem, dança, o papel do educador é ter uma visão além da técnica, mas acima de tudo,

estética – para criar novos campos de criação.

A dimensão ética/política é indissociável da prática educativa, visto que não é possível

se abster atrás da neutralidade. E sim, estimular ao educando a mobilização frente à

inviabilização e silenciamento da voz e dos corpos, na sociedade, como no caso das favelas.

No trabalho de João Silva (2016) é apresentado o estudo de caso do desastre ambiental,

que ocorreu no Morro dos Prazeres, Rio de Janeiro, em 2010. O deslizamento de sedimentos

ocasionou na morte de 34 (trinta e quatro) pessoas, e na retirada dos moradores – pois, segundo

a Prefeitura era uma área de risco. Ou seja, algo imediato precisava ser feito pelos moradores,

pois isso implicava diretamente sobre suas vidas, luta e toda resistência histórica.

Partindo da perspectiva da intervenção e da mobilização – a comunidade resgatou a

consciência ambiental, através da educação – de forma esquizoanalítica, estimulou a produção

de vida e a partir disso criaram uma coleta seletiva autossustentável. E com isso, transformaram

o vilão, em investimento para atender outras demandas da comunidade.

1.1 OBJETIVO GERAL

Apresentar o estado da arte – educação ambiental e propor a ferramenta esquizoanalítica

como intervenção no ensino.

1.1.1 Objetivos Específicos

• Apresentar apanhado histórico da educação ambiental e o surgimento das

primeiras manifestações, leis.

• Abordagem do consumo consciente e os Princípios dos 5R’s.

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• Abordar a importância do agir técnico – lecionar, com um agir estético, e ético-

político, em meio questionamento feito por Guattari (1992)

• Apresentar o surgimento da esquizoanálise, por Deleuze&Guattari (2004)

• Apontar a educação ambiental como um ato político

• Apontar os princípios, conceitos dos quais compõem a esquizoanálise – tais

como: rizoma, modo de subjetivação capitalístico, intercessores, devir,

revolução molecular, entre outros

• Analisar do ponto de vista esquizoanalítico/ambiental a questão do

enfrentamento de lixo, no Morro dos Prazeres, Rio de Janeiro – (SILVA, 2016)

• Apresentar a esquizoanálise como uma perspectiva técnica, estética, ética-

política.

• Apontar a esquizoanálise como intervenção na prática educativa.

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2. MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa foi realizada através de pesquisas bibliográficas e de comparações entre

pensamentos marcados pelo paradigma da diferença – com intuito de realizar proposições sobre

método em Educação Ambiental. A partir de uma perspectiva técnica, estética, ética e política

– Esquizoanálise. Dessa forma, dar autonomia aos educandos para possíveis mobilizações, a

partir da demanda de sua região – local, e depois do entendimento dessa percepção, faz-se

necessário compreender-se como parte do meio, interagindo e intervindo. A partir da produção

de subjetividade, do estímulo da arte – criar novos territórios existenciais, isto é, novas formas

de produzir vida – através da necessidade.

2.1 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UM APANHADO HISTÓRICO

A década de 1960 foi marcada por diversas manifestações com caráter autônomo. Estas

mobilizações questionavam principalmente as condições de vida – como os movimentos

estudantis, dos jovens, dos negros, dos homossexuais, das mulheres, dos trabalhadores: o Maio

de 1968. No meio dessa explosão de diversas lutas, surgiu o movimento ecológico.

“[...] na década de 1960, que começam a emergir com feições autônomas uma série

de movimentos, tais como os movimentos das mulheres, dos negros, os movimentos

ecológicos, etc. É possível encontrar manifestações desses diferentes segmentos

sociais em períodos anteriores, mas é indiscutível que eles não só não constituíam os

mais significativos movimentos de questionamento da ordem instituída, como

também tinham as suas especificidades subordinadas aos interesses da causa maior da

emancipação do proletariado.” (GONÇALVES, 2006, p 11)

A primeira conferência realizada para discutir questões voltadas para as problemáticas

ambientais foi em Estocolmo, entre os dias 5 a 16 de junho de 1972. Com o intuito de

conscientizar que a proteção e assim como o melhoramento do meio ambiente humano, é

alicerce fundamental porque afeta tanto desenvolvimento econômico, como o bem-estar dos

povos. Portanto, a responsabilidade deve ser de todos os governos e cidadãos.

2.1.2 O surgimento da Educação Ambiental

Em 1972, é promulgada a Declaração da Conferência das Organizações das Nações

Unidas no Ambiente Humano. Ela aponta que homem é obra, assim como construtor do meio

ambiente que o cerca, e dele lhe provém sustento material, e oportunidades de desenvolvimento

intelectual, moral, ético, social, entre outros. Isso acarretou para o avanço das tecnologias, mas

aliado à degradação ambiental, por não ter sido realizadas projeções futuras acerca dos possíveis

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impactos que seriam gerados. Com isso, interferindo na qualidade de vida e no gozo dos direitos

fundamentais.

Nesse documento são apontados 26 princípios, dentre eles, no que se refere à Educação

Ambiental, inserido no Princípio 19.

“É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida

tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor

da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião

pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das

coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e

melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente

essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a

deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de

caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o

homem possa desenvolver-se em todos os aspectos.”1

Nos anos seguintes foram cada vez mais difundidas em conferências, seminários,

congressos, acerca da inserção da Educação Ambiental, em todos os níveis de ensino. “A

Educação Ambiental centra o seu enfoque no equilíbrio dinâmico do ambiente, em que a vida

é percebida em seu sentido pleno de interdependência de todos os elementos da natureza”.

(GUIMARÃES, 1995 p14).

Em 1975, ocorreu o Seminário Internacional sobre Educação Ambiental, em Belgrado

entre os dias 13 a 22 de outubro. Nele, se abordou pela primeira vez a situação da problemática

ambiental e a necessidade da mudança nos sistemas educativos para ser instaurada uma nova

percepção, sensibilidade e postura ética.

Uma nova percepção surgiu quando o crescimento e progresso tecnológico abarcaram

uma grande maioria com benefícios. Mas, ao mesmo tempo, houve graves consequências tanto

ambientais e sociais como o aumento da desigualdade social, entre as nações, dentro delas e

que afeta toda a humanidade. Como aponta na Carta de Belgrado: Uma estrutura global para a

Educação Ambiental, 1975.

“Nossa geração foi testemunha de um crescimento e de um progresso tecnológico sem

precedentes, que mesmo quando aportou benefícios a muitas pessoas, provocou ao

mesmo tempo graves consequências sociais e ambientais. Aumenta a desigualdade

entre ricos e pobres, entre as nações e dentro delas; e existem evidências de uma

crescente degradação ambiental, sob diferentes formas, em escala mundial. Esta

situação, apesar de causada principalmente por um número relativamente pequeno de

países, afeta a toda humanidade.”2

1 Princípio 19, Declaração da Conferência das Organizações das Nações Unidas no Ambiente Humano, 1972. 2 Carta de Belgrado: Uma estrutura global para a Educação Ambiental, A. Situação da problemática ambiental,

1975 p1.

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20

No que tange a Constituição Federal Brasileira de 1988, no capítulo VI referente ao

meio ambiente, art. 225, ressalta que:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

do povo, e essencial á sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações.”3

Portanto, o meio ambiente é um bem de uso comum, e sua preservação e conservação

devem ser mantidas para os presentes e futuras gerações. Ou seja, para que isso ocorra são

necessárias condições básicas de subsistência, como: acesso a saneamento básico, moradia, ao

ensino, a educação atrelada à Educação Ambiental, saúde, lazer, entre outros. Esses fatores são

essenciais para promoção da qualidade de vida e a construção do sujeito na sociedade como um

agente transformador.

Expresso no primeiro parágrafo (§), no inciso VI, um dos itens listados asseguram que

para a efetividade desse direito, faz-se necessário a promoção da Educação Ambiental em todos

os níveis de ensino, e a conscientização para a preservação do meio ambiente.

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder

público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

[...] VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a

conscientização pública para a preservação do meio ambiente;”4

Em junho de 1992, foi adotado um documento na Conferência do Rio conhecida como

ECO/92, sobre questões ambientais e educativas. Com intuito de promover a reorientação do

ensino para o Desenvolvimento Sustentável, inserido no capítulo 36 da agenda 21.

As áreas descritas no programa são: Reorientação do ensino no sentido do

desenvolvimento sustentável; aumento da consciência pública; promoção do treinamento.

Alguns dos objetivos listados são: procurar assegurar o acesso universal ao ensino básico, além

de diminuir o índice de analfabetismo entre adultos; desenvolver a consciência dos problemas

no meio ambiente, assim como sua degradação em prol do desenvolvimento e facilitar o acesso

à Educação Ambiental desde o ensino infantil até a idade adulta, e que absorva todos os

segmentos da sociedade. Conforme expresso na Agenda 21, capítulo 36:

“(b) Desenvolver consciência do meio ambiente e desenvolvimento em todos os

setores da sociedade em escala mundial e com a maior brevidade possível;

3 Constituição Brasileira de 1988, Capítulo VI referente ao meio ambiente, art. 225.

4 Constituição Brasileira de 1988, cap. VI, referente ao meio ambiente, art. 225, 1° parágrafo, inciso VI.

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21

(c) Lutar para facilitar o acesso à educação sobre meio ambiente e desenvolvimento,

vinculada à educação social, desde a idade escolar primária até a idade adulta em todos

os grupos da população;”5

2.1.3 O surgimento de uma política brasileira de Educação Ambiental

Em abril de 1999, foi decretada a Lei n° 9.795, que dispõe sobre Educação Ambiental,

e instituí a Política Nacional de Educação Ambiental. Entendem-se por Educação ambiental,

todos os processos nos quais o sujeito e a coletividade constroem seus valores, cultura, postura

ética, habilidades, em prol da conservação do meio ambiente, como aponta no Capítulo 1, artigo

1º, da Lei.

“Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e

a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e

competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do

povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.”6

No Capítulo 2, artigo 6º é estabelecido a Política Nacional de Educação Ambiental. No

artigo 8º, dispõem que deve ser inserida a Educação Ambiental na educação em geral, por meio

de algumas linhas de atuação, como desenvolvimento de estudos e pesquisas; divulgação de

materiais, acompanhamento e avaliação.

Podemos acompanhar uma evolução na parte de criação de novas manifestações,

congressos, e seminários, na criação de leis, e na própria Constituição Brasileira em que todos

possuem direito ao um ambiente ecologicamente equilibrado.

E é um eixo importante tanto na conscientização das causas ambientais, como extinção

de espécies e cuidados com a fauna, mas também é de extrema dimensão política, social e

econômica, através de uma aprendizagem interdisciplinar. E como agir de forma efetiva em

políticas públicas que garantam o equilíbrio entre o meio ambiente e o consumismo, reflexo do

nosso modelo de sociedade, e procurar alternativas voltadas para o coletivo, como aponta

Guimarães (1995).

2.2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONTEMPORANEIDADE

Pelicioni (1988), discursando sobre qualidade de vida, define tal enquanto a resultante

de condições socioambientais e estruturais que se desenvolvem na sociedade. Portanto, depende

das condições que o sujeito está inserido socialmente. Atualmente, as relações entre ser

5 Agenda 21, Capítulo 36: Promoção de ensino, da conscientização e do treinamento. 6 Lei n° 9.795/1999, Capítulo 1, art. 1º.

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(existência) e natureza tornaram-se distantes, com a exploração e apropriação dos recursos

naturais como fossem inacabáveis. Contudo, o ser humano é parte integrante desse sistema de

múltiplas interações, tanto de ordem biológica, como social, política, cultural e econômica.

Cabe dialogar, com Gonçalves:

“O homem é a natureza que toma consciência de si própria e está é uma descoberta

verdadeiramente revolucionária numa sociedade que disso se esqueceu ao se colocar

o projeto de dominação da natureza.” (GONÇALVES, 2006 p 9).

O modelo de sociedade está atrelado à lógica do modo de dominação, onde a natureza

é vista como uma fonte de recursos, na apropriação e uso do solo, acumulação de capitais... sem

perceber o quanto as intervenções humanas, impactam o ambiente em que se encontram. Além

de afetar principalmente as camadas sociais mais pobres, e apenas uma minoria da parcela da

população mundial é beneficiada por esse sistema. Como aborda Guimarães:

“A dominação faz parte da lógica desse modelo de sociedade moderna, e é esse

modelo que apresenta como caminho o crescimento econômico baseado na extração

ilimitada de recursos naturais renováveis ou não, na acumulação contínua de capitais,

na produção ampliada de bens, sem considerar as interações entre essas intervenções

e o ambiente em que se realizam. E ainda pela questão da dominação, apenas uma

pequena parcela da população planetária usufrui dos benefícios desse sistema.

(GUIMARÃES, 1995, p13)”

Nesse paradigma, a Educação Ambiental atuaria como uma possível saída, cujo

resultado é em longo prazo, compreendendo a dimensão das barreiras impostas pelo modo

convencional de ensino, que é limitante e reduz apenas a reprodução de conceitos, sem

incentivar a criação e não impulsiona quanto ao agir.

Pois, educar ambientalmente é educar a partir da concepção de uma realidade complexa,

isto é, em que todos os elementos constituintes do ambiente estão em contínua interação.

(TOMAZELLO, FERREIRA, 2001 p199)

Segundo Reigota (1994), a Educação Ambiental não deve ficar atrelada apenas fatores

biológicos, como a preservação de espécies da fauna e flora e recursos naturais, sem

menosprezar sua importância. Além disso, trata-se de uma educação política, pela inter-relação

entre todas as dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais, visando à independência e

autonomia com a participação de todos os cidadãos. Com isso, buscar ampliar a cidadania,

liberdade e intervenção direta da população para resolver e elencar possíveis saídas que

culminem para a dignidade e bem-estar comum.

Portanto, a Educação Ambiental tem o papel de propor ações diretas que devem

construir uma postura ética e de responsabilidade com o meio ambiente. Não basta atitudes

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corretas, como separar o lixo e sim que faça parte de nossos valores para com a coletividade e

compromisso com a natureza, porque ela faz parte de nós. Essa construção deve ser feita de

forma interdisciplinar, e de acordo com o modo de vida dos envolvidos, para a mudança de

comportamento, atitudes e ações do sujeito com o seu território, seu bairro, seu município e

sua cidade, e expandindo-se ao globalmente.

“Não bastam apenas atitudes “corretas” –, como, por exemplo, separar o lixo

seletivamente para ser reciclado – senão forem alterados também os valores

consumistas, responsáveis por um volume crescente de lixo nas sociedades

modernas.” (GUIMARÃES, 1995 p14)

Segundo Tomazello e Ferreira (2001), a Educação Ambiental nas escolas tem

demonstrado ser essencial para a consciência que mudanças substanciais e estruturais devam

acontecer na busca de uma nova ética que nos direcione em novos comportamentos e a relação

com a natureza.

Com isso, implica no entendimento da interdisciplinaridade entre as disciplinas que

deve integrar processos naturais e sociais, níveis de racionalidade e à criação de novos caminhos

para a construção autônoma e que questione a racionalidade econômica e dos processos de

produção. Como aponta Rodrigues e Colesanti:

“Dessa forma, a investigação das questões ambientais implica na necessidade do

enfoque interdisciplinar, mobilizando em diferentes graus de intensidade todas as

disciplinas. Isso pode e deve levar à integração de processos naturais e sociais de

diferentes ordens de materialidade e esferas de racionalidade e à formulação de novas

estratégias conceituais para a construção, sob o enfoque emancipatório, de uma nova

ordem teórica que questione a atual racionalidade econômica e processos de

produção.” (RODRIGUES, COLESANTI, 2008, p59)

Cabe dialogar com Gonçalves, em que demonstra que é fundamental a analisar como

foi e como é compreendida a natureza na nossa sociedade para entendermos as consequências

que são geradas, a posteori.

“[...] é fundamental que reflitamos e analisamos como foi e como é concebida a

natureza na nossa sociedade, o que tem servido como um dos suportes para o modo

como produzimos e vivemos, que tantos problemas nos tem causado e contra qual

constituímos o movimento ecológico.” (GONÇALVES, 2006, p 24)

2.3 NATUREZA X CONSUMO

Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), são extraídos e explorados

da natureza, 30% a mais do que a capacidade de renovação da Terra. Demonstrando que se os

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padrões de consumo não forem urgentemente repensados, levando em conta o direito do meio

ambiente existir em si, e não apenas defendê-lo e preservá-lo para o consumo – para presentes

e futuras gerações. Em menos de 50 anos, serão necessários o equivalente a dois planetas

Terra para atender as nossas necessidades mais primárias, como água, energia e alimentos.

“A humanidade já consome 30% mais recursos naturais do que a capacidade

de renovação da Terra. Se os padrões de consumo e produção se mantiverem

no atual patamar, em menos de 50 anos serão necessários dois planetas Terra

para atender nossas necessidades de água, energia e alimentos”. (MMA “ O

que é consumo consciente?”, 2018)

“Ao ter consciência desses impactos na hora de escolher o que comprar, de

quem comprar e definir a maneira de usar e como descartar o que não serve

mais, o consumidor pode maximizar os impactos positivos e minimizar os

negativos, desta forma contribuindo com seu poder de escolha para construir

um mundo melhor. Isso é Consumo Consciente [...]” (MMA “O que é consumo

consciente?”, 2018)

Por isso, a educação deve despertar a prática do consumo consciente – é uma questão

de hábitos, de uma responsabilidade ética, estética, e política. Ao ter consciência dos impactos

causados ao consumir. Pequenas atitudes em nosso dia a dia, como a preferência de passeio ao

ar livre, ida a feiras, incentivo ao comércio local, brechós/bazar, a redução da carne na

alimentação, etc. São alguns exemplos de pequenos passos, mas que fazem a diferença, na

transformação pessoal e em prol do coletivo.

2.3.1 Princípio dos 3R’s

Uma alternativa quanto às problemáticas que giram em torno do consumo e o lixo, é o

Princípio dos 3R’s – Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Com a intenção de prevenção e da não

geração de resíduos, visando também conter o desperdício. Essa prática inserida na educação

atua como abertura para romper com o entendimento que a natureza, deve ser explorada para

a perpetuação do consumo, mas também como denuncia os modos de produção que o

incentivam, através do desejo – incutidos através da exploração da força de trabalho.

Isso mostra a impossibilidade de neutralidade, a partir de um direcionamento estético,

de responsabilidade técnica, ética e política para forjar novos caminhos – que nos redirecione

para um consumo consciente.

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• Reduzir : consumir menos produtos, que tenham durabilidade. Ao invés de

pedir que comprem materiais, se propor a trabalhar com a menor quantidade de

recursos possíveis – sempre relacionando aos reflexos do consumo no planeta

Terra – e oferecendo e propondo alternativas – a partir de materiais reciclados,

como exemplo, e criar novas formas de se relacionar com o meio, pois tudo

está interagindo e por isso, devemos ter responsabilidade.

• Reutilizar: usar novas embalagens – como potes plásticos, caixas de papelão de

sapatos. Na prática educativa, materiais que iriam para o lixo, podem servir

para guardar materiais – caixas para guardar brinquedos, por exemplo.

• Reciclar: é transformação de materiais – em matérias-primas para a criação de

outros produtos. Na prática educativa, é um campo vasto para o surgimento de

ideias e podem servir para fazer trabalhos de arte – como colagens, criação de

artesanatos, por exemplo. Além de ser uma forma, de despertar potências,

através da arte – e da reciclação. E da compreensão em ser parte da natureza, e

por isso, agir com responsabilidade.

“Reduzir significa consumir menos produtos e preferir aqueles que ofereçam

menor potencial de geração de resíduos e tenham maior durabilidade.

Reutilizar é, por exemplo, usar novamente as embalagens. Exemplo: os potes

plásticos de sorvetes servem para guardar alimentos ou outros materiais.

Reciclar envolve a transformação dos materiais para a produção de matéria-

prima para outros produtos por meio de processos industriais ou artesanais. É

fabricar um produto a partir de um material usado. Podemos produzir papel

reciclando papéis usados. Papelão, latas, vidros e plásticos também podem ser

reciclados. Para facilitar o trabalho de encaminhar material pós-consumo para

reciclagem [...]” (MMA “ Princípio dos 5 R’s” 2018)

2.3.2 Consumo Consciente: perspectiva ética, estética e política

Os meios de produção estão todos voltados intrinsecamente à apropriação do desejo

pelo ego, família e pela ordem social. Começando a engendrar ao trabalhador – ao acesso do

desejo, através das “ciladas” do consumo, e dessa forma, apoderar-se de sua força de trabalho.

A educação – enquanto ambiental e política – a ser repensada em uma perspectiva técnica,

estética, ético e política, portanto, esquizoanalítica. É um caminho, do qual não é possível se

abster atrás de uma neutralidade, frente às formas de opressão e repressão que vivemos. Cabe

dialogar com Guattari (1985) e Freire (2002).

“A propriedade privada dos meios de produção está intrinsecamente

ligada à apropriação do desejo pelo ego, pela família e pela ordem social.

Começa-se neutralizando no trabalhador todo e qualquer acesso ao desejo,

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pela castração familialista, pelas ciladas do consumo, etc.., para apoderar-se

em seguida, sem dificuldades, de sua força de trabalho. Cortar o desejo do

trabalho, eis o imperativo primeiro do capital. Separar a economia política da

economia desejante [...]” (GUATTARI, 1985 p 77,78)

“[...] por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma

definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que

escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que

seja e a favor de não importa o quê. Não posso ser professor a favor

simplesmente do Homem ou da Humanidade [...]” (FREIRE, 2002 p. 39)

Através da interdisciplinaridade dos saberes – ao invés da fragmentação dos campos do

conhecimento, isso significa ressignificar – o que seria lixo e o “jogar fora” não existe, e acerca

dos impactos decorrentes desse nosso modo de consumo – e transformá-lo em outros possíveis,

outras possibilidades que não o descarte – como reduzindo o consumo, reutilizando, reciclando,

e também em transformar-se com um agente de mudanças, ao longo do processo.

Por isso, a educação ambiental deve ser encarada – sob olhar além de técnico, mas

estético, em criar dispositivos que deixem escapar os desvios, as linhas de fuga – para uma nova

construção – estimulando a produção de subjetividade. Dessa forma, a educação deve se propor

a desconstruir com das hierarquias e fronteiras do conhecimento.

E no desenvolvimento de lutas políticas, que implicam diretamente nas nossas vidas, e

no entendimento do seria a natureza. Desde extinção de espécies, desmatamento, uso de

agrotóxicos, urbanização, exploração demográfica, consumo, desmatamento, uso de

agrotóxicos, erosão dos solos, diminuição das terras agricultáveis, construção de barragens,

ameaça nuclear, corrida armamentista, até o poder político que nos oprime explora. Cabendo

dialogar com Silva (2008) e Gonçalves (2006):

“Ao invés de propor uma fragmentação dos campos de conhecimento,

este novo paradigma propõe um processo de experimentação capaz de criar

permanente dos equilíbrios estabelecidos e recusando-se a se instalar no

permanente dos equilíbrios estabelecidos e recusando-se a se instalar no lugar

da verdade. Sua principal característica é a desconstrução das hierarquias e das

fronteiras que dividem os campos de conhecimento”. (SILVA, 2008 p 44)

“Sob chancela do movimento ecológico, veremos o desenvolvimento

de lutas em torno de questões as mais diversas: extinção de espécies,

desmatamento, uso de agrotóxicos, urbanização desenfreada, explosão

demográfica, poluição do ar e água, contaminação de alimentos, erosão dos

solos, diminuição das terras agricultáveis pela construção de grandes

barragens, ameaça nuclear, guerra bacteriológica, corrida armamentista,

tecnologias que afirmam concentração de poder, entre outras”.

(GONÇALVES, 2006, p12)

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“[...] a devastação das florestas, o efeito estufa, as técnicas centralizadoras até

as injunções do poder político que nos oprime e explora”. (GONÇALVES,

2006, p7)

O consumo consciente são atitudes diárias – um estilo de vida, que leva em conta na

escolha dos produtos – o meio ambiente, a saúde humana e animal, e as relações justas de

trabalho. Isso implica em reconhecer-se – com responsabilidade com o meio no ato de consumo,

como um agente transformador.

Por isso, a prática educativa deve direcionar em práticas socioambientais – como a

redução, reutilização e reciclagem de resíduos sólidos – como uma forma de expressão estética,

através dos produtos que seriam descartados e abrindo novos campos de criação, estimulando

a subjetividade. Assim, consolidando além da técnica, mas criando dispositivos que se

direcionam de uma forma estética – no ato de produzir a arte, e de se construir ao longo do

processo, e política – pois é uma forma não se abster, mas agir, reinventar novas formas de

existir e ressignificar o seria lixo, e a responsabilidade com o meio. Mas, fundamentalmente

ética, em prol do coletivo, do todo, do social, da natureza, do mundo.

“O consumidor consciente é aquele que leva em conta, ao escolher os produtos

que compra, o meio ambiente, a saúde humana e animal, as relações justas de

trabalho [...] O consumidor consciente sabe que pode ser um agente

transformador da sociedade por meio do seu ato de consumo. Sabe que os atos

de consumo têm impacto e que, mesmo um único indivíduo, ao longo de sua

vida, produzirá um impacto significativo na sociedade e no meio ambiente”.

(MMA “ Quem é consumo consciente?”, 2018)

“O consumidor consciente também procura disseminar o conceito e a prática

do consumo consciente, fazendo com que pequenos gestos realizados por um

número muito grande de pessoas promovam grandes transformações. Além

disso, o consumidor consciente valoriza as iniciativas de responsabilidade

socioambiental das empresas, dando preferências às companhias que mais se

empenham na construção da sustentabilidade por meio de suas práticas

cotidianas. [...]”. (MMA “ Quem é consumo consciente?”, 2018)

2.4 A IMPORTÂNCIA DO AGIR TÉCNICO, ESTÉTICO, ÉTICO-POLÍTICO NA

EDUCAÇÃO.

Em meio ao questionamento feito por Guattari (1992), que o agir técnico é inseparável

de um agir estético, ético e político. Isto significa que, no caso da educação – objeto de estudo,

esse agir técnico – implica no entendimento em não apenas transferir conhecimentos, mas

também incentivar em sua prática pedagógica – a criação. Portanto, não deve se ater apenas na

reflexão, mas convidá-los a ação. Como aponta Freire “Saber que ensinar não é transferir

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conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”

(FREIRE, 2002 p. 21)

Cabe dialogar, com Deleuze (1999):

“É preciso que haja uma necessidade, tanto em filosofia quanto nas outras áreas, do

contrário não há nada. Um criador não é um ser que trabalha pelo prazer. Um criador

só faz aquilo de que tem absoluta necessidade. Essa necessidade — que é uma coisa

bastante complexa, caso ela exista — faz com que um filósofo (aqui pelo menos eu

sei do que ele se ocupa) se proponha a inventar, a criar conceitos, e não a ocupar-se

em refletir, mesmo sobre o cinema.” (DELEUZE, 1999 p 3)

Portanto, esse agir técnico é inseparável de um agir estético. Um criador trabalha pela

necessidade, e não pelo prazer. Portanto, o educador deve promover intervenções tanto

comunicacionais como para a produção de vida, por meio de mutações existenciais, de práticas

de experimentação. O que requer a desconstrução da essência da subjetividade – do ser-em-

grupo. Como aborda, Guattari (2001):

A questão será literalmente reconstruir o conjunto das modalidades do ser-em grupo.

E não somente pelas intervenções "comunicacionais" mas também por mutações

existenciais que dizem respeito a essência da subjetividade. Nesse domínio, não nos

ateríamos as recomendações gerais mas faríamos funcionar praticas efetivas de

experimentação tanto nos níveis microssociais quanto em escalas institucionais

maiores. (GUATTARI, 2001, p 7)

Dessa forma, “cada povo/cultura constrói o seu conceito de natureza ao mesmo tempo,

que instituí as relações sociais.” (GONÇALVES, 2006, p 9). Isso requer a reinvenção de novos

modos de produzir o conhecimento, oferecendo condições para uma aprendizagem inventiva,

tanto na produção de objetos artísticos e utilitários, estimulando a capacidade criadora, e

produção de subjetividade, e em face das problemáticas socioambientais, políticas. Além de

desconstruir o conceito de natureza que se estabelece nas relações sociais, a partir da

representação do que se entende por natureza. Propondo, desta maneira novos modos de si e

de mundo, e de produção de vida, mobilizando processos criadores. Segundo Silva (2008) e

Kastrup (2008).

“[...] constantemente reinventando novos modos de produção de conhecimento em

função da própria complexidade das questões às quais nos vemos confrontados.”

(SILVA, 2008 p 39)

“[...] oferecer condições para uma aprendizagem inventiva, mobilizando processos

criadores, tanto do ponto de vista da produção de objetos artísticos e utilitários, quanto

do ponto de vista da produção da subjetividade.” (KASTRUP, 2008, p 188)

Por isso, o agir técnico é inseparável de um agir estético que deve estimular a criação, e

afirmá-los como potência, ao invés de somente refletir. Para isso, a ética é indispensável e

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indissociável na construção da prática educativa. “Às vezes, mal se imagina o que pode passar

a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto

aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando

por si mesmo.” (FREIRE, 2002 p. 19)

“E evidente que uma responsabilidade e uma gestão mais coletiva se impõem para

orientar as ciências e as técnicas em direção a finalidades mais humanas.” (GUATTARI, 2001,

p 12). Assim, na representação do ser como um organismo, ele é definido pelo seu

inacabamento, e experimentação, por meio dos erros, tentativas, afeto. Dessa forma, ensinar-

aprender se constrói na prática educativa, a dar voz e autonomia para que os alunos construam-

se como potência. Então a técnica – o agir técnico, implica no exercício de maximizar a potência

do agir coletivo. Em contínua interação, exercendo a sua natureza no ato de conhecer. O

organismo e meio constroem-se, o que é construir a si próprio. Como aborda, Nogueira Filho

(2012):

[...] o organismo não se identifica com seu repertório de instintos, com seu programa

genético. É definido por seu inacabamento e sua experimentação, sendo experiência,

improvisação, tentativa, empirismo. Assim, a técnica não seria amplificação de um

órgão, mas maximização da potência de experimentação e errância. Aberto aos efeitos

de um meio material, e ao mesmo tempo exercendo sua natureza na atividade de

conhecimento, seu conhecer é experimentar com o meio. Organismo e meio não são,

assim, pólos independentes e pré-existentes: “Conhecer é construir um mundo e

construir a si próprio” (CANGUILHEM; KASTRUP apud NOGUEIRA FILHO,

2012 p 32)

2.4.1 Educação e subjetividade

“Todo ser é uma potência e [...] a potencialidade de cada ser se desenvolve na relação”

(SPINOSA apud GONÇALVES, 2006, p 39). Portanto, em uma dimensão ético-política faz-se

necessário uma tomada de decisão em relação à dicotomia da estruturação social, uma

desconstrução, uma posição. A neutralidade não deve se fazer presente. Faz-se necessário um

agir político e ético, capaz de inventar/reinventar e produzir vida nos novos contextos

históricos. Como aponta: Silva (2008) e Guattari (2001):

Os valores que orientam as formas de agir no mundo acabam sendo escamoteados em

nome dessa suposta “neutralidade”.

Estas dicotomias-sujeito x objeto — indivíduo x sociedade; homem x natureza —

expressam uma tática de segmentação característica dos processos de subjetivação das

sociedades capitalistas que visam assim garantir um controle mais efetivo sobre o

tecido social em seu conjunto. (SILVA, 2008 p 43)

[...] perspectiva ético-politica atravessa as questões do racismo, do falocentrismo, dos

desastres legados por um urbanismo que se queria moderno, de uma criação artística

libertada do sistema de mercado, de uma pedagogia capaz de inventar seus mediadores

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sociais etc. Tal problemática, no fim das contas, e a da produção de existência humana

em novos contextos históricos. (GUATTARI, 2001, p 7)

Segundo Passos (1999) “[...] o vivo é um sistema autopoiético, isto é, sistema capaz de

produzir as suas condições de produção”. (PASSOS, 1999 p 74) Assim, como expressa Focault

(1996) “Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a

apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”. (FOCAULT,

1996 p 44) – ou seja, tanto educador e educando, uma relação osmótica de aprendizagem.

“Isto se fará através de uma crítica permanente aos modos de valorização subjacentes à

lógica capitalista que tende a embaralhar todos os códigos e a produzir uma equivalência

generalizada entre todas as coisas” (SILVA, 2008 p 44). “Aprender implica, assim, em inventar

novas regras de funcionamento. Conhecer é identificado com o ser e com o fazer.”

(NOGUEIRA FILHO, 2012 p. 30).

“A ideia de uma narrativa objetiva e exterior ao homem, o que pressupõe uma ideia de

homem não-natural e fora da natureza, cristaliza-se com a civilização industrial inaugurada pelo

capitalismo”. (GONÇALVES, 2006, p 35) Por isso, “Mais do que nunca a natureza não pode

ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar "transversalmente" as interações entre

ecossistemas, mecanosfera e Universos de referência sociais e individuais”. (GUATTARI,

2001, p 12)

A separação homem x natureza, parte do princípio de que a natureza é um objeto a ser

dominado por um homem. Contudo, uma minoria é detentora dos meios de produção, força de

trabalho e dos recursos naturais. Dessa forma, apenas uma minoria usufrui dos benefícios –

oriundo da exploração, enquanto a maioria é tratada igualmente como objetos, com o risco de

serem descartados. Como aponta, Gonçalves (2006):

“A natureza é, em nossa sociedade, um objeto a ser dominado por um sujeito, o

homem, muito embora saibamos que nem todos os homens são proprietários da

natureza. Assim, são alguns poucos homens que dela verdadeiramente se apropriam.

A grande maioria dos outros homens não passa, ela também, de objeto que pode ser

descartado”. (GONÇALVES, 2006, p 26,27)

Portanto, a educação sob a ótica de uma técnica – ato de lecionar, inseparável de uma

estética. Estratégias de possibilitar a emergência de um sujeito coletivo de conhecimento,

mutação e criação – estimulando suas potencialidades; ético-política, compreende e abrange

novas regras de funcionamento, assim como o entendimento de inacabamento, a transformação

constante (educador – educando), para adaptar-se com o meio, intervindo com o meio no atual

contexto político.

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Assim, assumindo uma oposição frente à ideologia do mercado dominante. “[...] – o

discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo

por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.” (FOCAULT, 1996 p 10)

“Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de ser política, de não poder ser

neutra.” (FREIRE, 2002 p. 28) Dessa forma, quando a neutralidade da técnica é questionada, e

analisada de forma ética-estética geram consequências políticas. A Esquizoanálise é uma

ferramenta que possibilita articular técnico, estético, e ético-político em uma ação

transformadora.

2. 5 A ESQUIZOANÁLISE

A Esquizoanálise, termo criado por Gilles Deleuze & Félix Guattari (2004) no primeiro

livro “O Anti - Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia 1”, surge como uma proposta em diálogo e

crítica à Psicanálise, ao apontar seus limites teóricos e políticos. A esquizo entende o

inconsciente como uma fábrica, em constante produção, enquanto a psi, entende o inconsciente

como um teatro de representação. De um lado, máquinas produtoras ou desejantes –

esquizofrênicas. E de outro, “O Édipo supõe uma fantástica repressão das máquinas

desejantes”. (DELEUZE & GUATTARI, 2004, p .8)

“Não vive a natureza como natureza, mas como processo de produção. Já não há nem

homem nem natureza, mas unicamente um processo que os produz um no outro, e liga

as máquinas. Há por todo o lado máquinas produtoras ou desejantes, máquinas

esquizofrénicas” [...] (DELEUZE&GUATTARI, 2004 p 8)

Essa urgência de denuncia vem do fervor de Maio de 1968, com a iminência de diversos

movimentos sociais, em não apenas apontar os aparelhos de repressão, e reivindicação de

melhores condições de vida, mas propor intervenção. Deleuze era filósofo, enquanto Guattari

era psicanalista, havia estudado farmácia, e vinha de um viés comunista, militante, e trabalhou

na Clínica de La Borde7. Apesar de não se conhecerem nesse período, ambos tinham a mesma

inquietação em criar novos conceitos que não fossem oriundos da psicanálise.

“Maio de 68 foi um abalo, para Gilles e para mim, bem como para tantos

outros: na época não nos conhecíamos, mas mesmo assim este livro,

atualmente, é uma continuação de 68. Eu precisava não unificar, mas juntar

um pouco esses quatro modos de vida.” (Guattari em entrevista sobre o Anti-

Édipo - DELEUZE, 1992-2004, p 25)

“Propomos uma esquizoanálise que se opõem à psicanálise. Basta tomar os

dois pontos em que a psicanálise tropeça: não consegue atingir as

máquinas desejantes de ninguém, porque se limita às figuras ou estruturas

7 Irapoan Nogueira Filho, comunicação pessoal.

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edipianas; não chega aos investimentos sociais da libido, porque se restringe

aos investimentos familiares [...] O que nos interessa é o que não interessa à

psicanálise: o que são tuas máquinas desejantes? Qual é a tua maneira de

delirar o campo social. (Deleuze em entrevista sobre o Anti-Édipo -

DELEUZE, 1992-2004, p 32)

“O que implica em conceber um organismo que não se adapta ao meio, mas sim um

organismo que se adapta com o meio.” (NOGUEIRA FILHO, 2012 p 12). A Esquizoanálise

não busca compreender ou encontrar a raiz ou filiação (como a Psicanálise), mas entende o

organismo como um rizoma, que se ramifica em múltiplas direções, e crescem ao se estabelecer

com outras conexões, ou seja, agenciamento, aliança. É uma rede de interação não hierárquica,

que se encontra no meio, entre as coisas, produzindo novas formas de existência. Cabe dialogar

com Silva (2008) e Gonçalves (2014):

“[...] o rizoma ramifica-se em múltiplas direções e cresce de acordo com as

conexões que se realizam, passando, portanto, a ideia de aliança e não a de

filiação. Trata-se de uma rede não hierárquica, que não tem começo nem fim;

o rizoma encontra-se sempre no meio, entre as coisas, produzindo sempre

novos e múltiplos agenciamentos.” (SILVA, 2008 p 44)

“O termo rizoma foi tirado de botânica e carrega em si formas muito

diversas. Sua extensão superficial é dividida em ramo que vão para todos os

sentidos até se tornar concreto em bulbos e tubérculos”. (GONCALVES, 2014

p 1,2)

Para exemplificar, a evolução do organismo se dá por meio do acoplamento e as

modificações que o organismo e meio sofrem simultaneamente em suas interações. Quando o

organismo é afetado por uma perturbação, ele não representa o meio, até porque apenas certos

locais do sistema que são atingidos. E isso, é que os conduz para uma solução, uma nova

estruturação que lhe configure um sentido, e assim sua evolução. “Portanto, dependem das

condições locais de interação do indivíduo com as condições do meio, bem como da dinâmica

recíproca e complementar entre local e global. É, assim, agenciamento, e não acomodação.”

(NOGUEIRA FILHO, 2012 p 27). Ou seja, onde há mudança, existe agenciamento. A vida de

opera, por meio de estratégias perante aos desafios, e para enfrenta-los implica em mudança, o

que estamos vias de nos tornar. Como aponta, Nogueira Filho (2012):

“A evolução do organismo se faz a partir do acoplamento estrutural, resultante

das modificações mútuas que organismo e meio sofrem no curso de suas

interações, o que permite a compatibilidade com o meio, e funciona da seguinte

maneira: quando o organismo é afetado, perturbado, não se pode dizer que ele

represente o meio, que haja recognição. Inicialmente, são atingidos apenas

certos locais do sistema, e não ele todo. Mas só conduzirão alguma solução se

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a estrutura do sistema lhes conferir algum sentido.” (NOGUEIRA FILHO,

2012 p 27).

2.5.1 Esquizoanálise: intervenção na prática educativa

A Esquizoanálise pode ser usada como intervenção na prática educativa, ao conceber

um humano enquanto presença ativa que constrói, rompe, decide, avalia, cria, intervém,

transforma. Tal concepção solicita mudanças técnicas (prática educativa); estética (criar

estratégias para estimular a potência). Por isso, a educação deve ter um direcionamento estético,

– ultrapassa todas as formas da existência, níveis de subjetividade. Isso requer, compreender a

subjetividade enquanto multiplicidade implica em concebê-lo em constante transformação,

interação, criação, produção, ruptura. A multiplicidade não se contenta com a forma, porque a

organismo e meio se constroem, conectando-se com outras multiplicidades – o que se chama

agenciamento.

E ético-político, porque a educação deve se afirmar contra todos os modos de

dominação, de competividade, superioridade, para forjar novos caminhos, pois “Os

agenciamentos criam máquinas heterogenéticas, põem em conexão fluxos ou processos. Trata-

se de adaptar-se com o meio, agenciar-se com o meio, tirando partido deste.” (NOGUEIRA

FILHO, 2012 p 30). “E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da

opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade”. (FREIRE, 2002

p.10)

Cabe dialogar com Deleuze e Guattari (1995) e Freire (2002):

“Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no

meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma

é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo "ser", mas o rizoma tem

como tecido a conjunção "e... e... e..." Há nesta conjunção força suficiente para

sacudir e desenraizar o verbo ser. Para onde vai você? De onde você vem?

Aonde quer chegar? São questões inúteis. Fazer tabula rasa, partir ou repartir

de zero, buscar um começo, ou um fundamento, implicam uma falsa concepção

da viagem e do movimento (metódico, pedagógico, iniciático, simbólico...)”.

(DELEUZE&GUATTARI, 1995 p 36)

“Quer dizer, mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou

uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que,

reconhecendo a outra presença como um “não-eu” se reconhece como “si

própria”. Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que

intervém, que transforma, que fala do que faz, mas também do que sonha, que

constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe”. (FREIRE, 2002

p.10)

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Portanto, a prática educativa não deve ser verticalizada, os educandos não devem ser

tratados – como tábulas rasas, do ponto zero e o educador – portador do conhecimento. A

questão não é mais o por quê e sim – como. O ato de lecionar deve impulsionar a criação – a

partir da produção da subjetividade. Criar, inovar novas regras de funcionamento, para

direcionar a caminhos que tendem a uma educação participativa e transformadora.

Uma multiplicidade tem determinações, grandezas, dimensões que

não podem crescer sem que mude sua natureza. Quando há um crescimento

destas dimensões que muda a natureza da multiplicidade à medida que aumenta

suas conexões, dá-se a este crescimento o nome de agenciamento. No rizoma

não existem pontos ou posições fixas, portanto: há linhas, isto é, pontos em

movimento, se constituindo enquanto ponto em via de tornar-se outro.

(NOGUEIRA FILHO, 2012 p 63)

Ou seja, à medida que a multiplicidade aumenta suas conexões sua natureza vai sendo

mudada, a esse crescimento, dá-se o nome de agenciamento. No rizoma, não há pontos ou

posições fixas. Existem linhas – que são pontos em movimento, que vão se constituindo a ponto

de tornar-se outro. Esse entendimento cabe na prática educativa, onde educador e educando

devem estabelecer conexões de troca a partir da experimentação, das trocas de vivências, que

culminam na construção/desconstrução de ambos, a partir da produção da subjetividade, ou

seja, à medida que os pontos em movimento se conectam com outros pontos, formam-se linhas.

Dessa forma, estimulando a transformação na construção de si próprio e com o meio –

reconhecendo-se como parte integrante do meio ambiente. E por isso, deve se redirecionar a

educação para uma dimensão técnica-estética-ética-política, que questione a neutralidade, e que

intervenha. Isso demonstra “[...] como a atividade de criação aciona processos de produção de

subjetividade através da mobilização de uma certa atenção de si [...]” (KASTRUP, 2008 p

189,190).

E a partir disso, fazer a ruptura e um re-singularização, ou seja, a produção de novos

territórios existenciais – novas formas de existência, de produzir vida, que já não cabe mais

anterior. O rizoma é, portanto, a saída e o rompimento das linhas de segmentaridade - território

(entendimento de ambiente) – codificado (linguagem), organizado, estratificado – ou seja, sua

territorialização, para linhas de fuga, um novo território – novo código, novas formas de

existência em contínua transformação – ou seja, sua desterritorialização. Como aponta,

Gonçalves (2014):

“O rizoma, como tudo na realidade, é composto por linhas de segmentaridade

e linhas de fuga. [...] Os autores compreendem que são as linhas de segmentaridade

que fazem com que o rizoma seja estratificado, organizado, territorializado, atribuído,

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significado. As linhas de fuga remetem diretamente às linhas de segmentaridade, pois

quando ocorre uma ruptura no rizoma as linhas segmentares saltam numa linha de

fuga. A linha de fuga é um componente do rizoma”. (DELEUZE &GUATTARI apud

GONCALVES, 2014 p 2,3)

“Com frequência ouvimos dizer que sempre houve ricos e pobres ou opressores e

oprimidos e que, portanto, isso é natural – logo, imutável.” (GONÇALVES, 2006, p 44) “A

questão que se coloca, obviamente, não é parar de lutar, mas reconhecendo-se que a luta é uma

categoria histórica, reinventar a forma também histórica de lutar”. (FREIRE, 2002, p. 27) “[...]

- trata-se, a cada vez, de se debruçar sobre o que poderiam ser os dispositivos de produção de

subjetividade, indo no sentido de uma re-singularizacao individual e/ou coletiva”.

(GUATTARI, 2001, p 6,7).

“Afinal, a razão nem sempre está com quem venceu, embora os vencedores sempre

apresentem as suas vitórias como sendo vitórias da Razão. Os vencedores são assim

desqualificados, e não sejamos ingênuos, a desqualificação dos derrotados de ontem é uma das

estratégias para a produção de novas vitórias-derrotas aqui e agora”. (GONÇALVES, 2006, p

8) Por isso, é necessário que se questione a neutralidade, e os supostos – vencedores, criando

estratégias para maximizar a potência em cada multiplicidade, intervindo e possibilitando a

criação e autonomia. Enquanto potências, faz-se necessário, criar resistência. “Militar é agir.

Pouco importam as palavras, o que interessa são os atos”. (GUATTARI, 1985 p 12)

2.5.2 Educação ambiental: ato político

A educação do ponto de vista esquizoanalítico é, portanto, um ato político e uma saída

para uma formação de potências, para uma nova estruturação social. E o entendimento de

inacabamento, é um ato de romper-se com o eu anterior, na criação de novas formas de produzir

vida. Trabalhar em direções mais humanas e não para o reequilíbrio do sistema, pela ótica do

capital.

E sim, novas práticas micropolíticas, e novas solidariedades, e com a compressão que o

ser humano, é a natureza. Isso estabelece uma relação de cuidado, afeto e não dominação.

Dessa forma, exprime uma responsabilidade técnica, estética, ético-política, de se relacionar

com todas essas interações. O meio ambiente se relaciona com tudo, porque tudo faz parte dele.

Como aponta, Guattari (2001):

“Parece-me essencial que se organizem assim novas práticas

micropolíticas e microssociais, novas solidariedades, uma nova suavidade

juntamente com novas práticas estéticas e novas práticas analíticas das

formações do inconsciente. Parece-me que essa e a única via possível para que

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as práticas sociais e politicas saiam dessa situação, quero dizer, para que elas

trabalhem para a humanidade e não mais para um simples reequilíbrio

permanente do Universo das semióticas capitalísticas”. (GUATTARI, 2001, p

17,18)

Segundo Gonçalves (2006) evidentemente o Brasil ainda possui reflexos da herança

escravocrata, com a visão de preconceituosa, em relação ao povo. O povo que

construiu/constrói tudo a partir da exploração de sua força de trabalho. Um desrespeito pelas

pessoas, e com o meio ambiente, do qual ambos se constituem e são pertencentes. “Não somente

as espécies desaparecem, mas também as palavras, as frases, os gestos de solidariedade humana.

Tudo é feito no sentido de esmagar sob uma camada de silêncio as lutas de emancipação das

mulheres e dos novos proletários que constituem os desempregados, os "marginalizados", os

imigrados”. (GUATTARI, 2001, p 13).

A herança escravocrata da elite brasileira se manifestava numa visão

extremamente preconceituosa em relação ao povo, que seria “despreparado”. Quanto

ao latifúndio, bastava o desmatamento e ampliação da área cultivada para se obter o

aumento da produção e isto nos levou a uma tradição de pouco respeito pela

conservação dos recursos naturais, a não ser nas letras dos hinos e nos símbolos da

nacionalidade. (GONÇALVES, 2006, p 14)

Cabe dialogar com Pelbart (2008), o poder adentrou todas as esferas da existência,

pondo-as para trabalhar para sobreviver. Os mecanismos pelo qual os poderes – (os aparelhos

do Estado, mercado, mídia), se exercem invadem e penetram o corpo, afetividade, o psiquismo,

inteligência, a imaginação, a criatividade, a invenção. [...] tais poderes se exercem são

anônimos, esparramados, flexíveis, rizomático”. (PELBART, 2008 p 1).

“Isto é, o poder penetrou todas as esferas da existência, e as mobilizou

inteiramente, pondo-as para trabalhar. Desde os gens, o corpo, a afetividade, o

psiquismo, até a inteligência, a imaginação, a criatividade, tudo isso foi

violado, invadido, colonizado, quando não diretamente expropriado pelos

poderes, quer se evoque as ciências, o capital, o Estado, a mídia.”. (PELBART,

2008 p 1)

Todas essas implicações apontadas estabelecem uma visão de que a natureza é apenas

um objeto, matéria-prima, a ser modificado e assim transformado. Sendo, que apesar da sua

transformação – o objeto transformado ainda é parte da natureza, assim como se estabelece sua

relação com ele. Isso implica em diversas problemáticas socioambientais – pois nessa relação

ambos são explorados (o ser humano e meio). Isso nos leva a um novo direcionamento, um

novo olhar, uma nova postura. Pois evoca questões de ordem cultural, filosófica e política, em

um novo conceito de natureza. Como aponta, Gonçalves (2006)

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Como se vê, a problemática ecológica implica outras questões extremamente

complexas. Implica outros valores, o que por si só coloca questões de ordem cultural,

filosófica e política. Implica um outro conceito de natureza, e consequentemente,

outras formas de relacionamento entre os seres vivos; com o mundo inorgânico;

enfim, dos homens entre si. (GONÇALVES, 2006, p 22)

A educação, portanto, deve ser questionadora frente à lógica do mercado dominante.

Pois não há como separar o ser humano da natureza, assim como não dá para separar o

organismo do seu meio. Educar-aprender consiste em se propor a ter práticas inventivas e não

reprodução mecânica que reforça a ótica do mercado, da competição, do individualismo, entre

outros. Dessa forma, abre mais uma barreira do entre o ser e meio, e os outros seres – outras

multiplicidades que compõem esse meio. Cabe dialogar, com Guattari (2001) e Freire (2002):

“O que está em questão é a maneira de viver daqui em diante sobre

esse planeta, no contexto da aceleração das mutações técnico-científicas e do

considerável crescimento demográfico. [...] as forças produtivas vão tornar

disponível uma quantidade cada vez maior do tempo de atividade humana

potencial. Mas com que finalidade? A do desemprego, da marginalidade

opressiva, da solidão, da ociosidade, da angústia, da neurose, ou a da cultura,

da criação, da pesquisa, da reinvenção do meio ambiente, do enriquecimento

dos modos de vida e de sensibilidade?” (GUATTARI, 2001 p 2,3)

“[...] nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se

transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber

ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo”. (FREIRE,

2002 p. 13)

Segundo Kastrup (2008) – “Nesse sentido, as práticas artísticas, como as experiências

estéticas, acionam processos de cognição inventiva e de produção de subjetividades,

engendrando domínios cognitivos e novos territórios existenciais”. (KASTRUP, 2008 p 195)

“Não se trata de produção de novidade, mas produção de diferença”. (NOGUEIRA FILHO,

2012 p 37).

2.5.3 Rizoma: Princípios

A educação do ponto de vista rizomático, consiste em enxergar-se como ser inacabado,

em contínua transformação, agenciamento, com outras multiplicidades. Então, a aprendizagem

não parte da égide: educador – portador do conhecimento, educando – tábula rasa, ponto zero.

Mas, a contínua interação, que se estabelece no ponto, em que os pontos se encontram e

formam-se em linhas. Ou seja, não é educador-educando, em uma relação verticalizada.

Ambos são aprendizes que se metamorfoseiam no contato com o concreto, com a

realidade. A mudança vem antes de tudo da necessidade. Como aponta, Deleuze (1992):

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“Rizoma é precisamente um caso de sistema aberto. [...] Um sistema

é um conjunto de conceitos. Um sistema é aberto quando os conceitos são

relacionados a circunstâncias, e não mais a essências. Mas, por um lado, os

conceitos não são dados prontos, eles não preexistem: é preciso inventar, criar

novos conceitos, e nisso há tanta criação e invenção quanto na arte ou na

ciência. Criar novos conceitos que tenham uma necessidade sempre foi essa a

tarefa [...]” (DELEUZE, 1992 p 46)

Entre as características que compõem o rizoma, existem seis princípios. Os dois

primeiros vêm acoplados, os princípios de conexão e de heterogeneidade: “[...] qualquer ponto

de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo” (DELEUZE &GUATTARI,

1995 p. 14). “O rizoma estaria sempre conectando, sem que esse movimento cesse”.

(DELEUZE & GUATTARI apud GONCALVES, 2014 p 2).

O terceiro princípio, que foi abordado ao longo da pesquisa, é o de multiplicidade – é o

rompimento do sujeito como Uno, como algo divisível. “[...] a produção desejante é

multiplicidade pura, ou seja, afirmação irredutível à unidade”. (DELEUZE&GUATTARI, 2004

p 45).

Portanto, “[...] defendem o crescimento das dimensões da multiplicidade, onde a

natureza dos agenciamentos muda de acordo com o acréscimo de novas conexões. Não seria

uma questão de pontos ou posições em um rizoma, mas somente linhas.” (DELEUZE &

GUATTARI apud GONCALVES, 2014 p 2).

À medida que se entende, reconhece como ser inacabado, em contínua construção,

transformação, desterritorialização, entende-se como multiplicidade. A partir do ponto que

estabelece conexão entre outras multiplicidades, é agenciamento. Não se cristaliza o múltiplo,

como algo divisível, Uno e sim entendendo a dimensão das suas conexões, que vão resultar na

construção de si e do mundo.

O quarto princípio é ruptura a-significante: “Em suma, qualquer máquina é corte de

fluxo em relação àquela com que está conectada, e é fluxo ou produção de fluxos em relação à

que está conectada com ela”. (DELEUZE & GUATTARI, 2004 p 40) “[...] aponta que um

rizoma pode ser rompido, quebrado ou alterado em qualquer lugar, onde a sua maior parte pode

vir a ser destruída sem que ele deixe de se reconstruir. Um rizoma não pode ser atribuído ou

submetido ao que quer que seja significante”. (GONCALVES, 2014 p 2)

Segundo Freire (2002) na prática educativa deve transparecer aos educandos como a

intervenção no mundo, também é uma forma de estar no mundo, e construindo-se como seres

históricos. O gesto do educador pode impulsionar a criação, ou reduzir-se a mera reprodução

dos modos de dominação. “Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente

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quanto saber que estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente”.

(FREIRE, 2002 p. 14)

“A memorização mecânica do perfil do objeto não é aprendizado verdadeiro

do objeto ou do conteúdo. Neste caso, o aprendiz funciona muito mais como paciente

da transferência do objeto ou do conteúdo do que como sujeito crítico,

epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento do objeto ou participa de

sua construção”. (FREIRE, 2002 p. 28)

Os princípios quinto e o sexto também vêm acoplados, e são respectivamente o princípio

de cartografia e de decalcomania. “A cartografia, enquanto ferramenta que opera a partir da

perspectiva do acontecimento.” (NOGUEIRA FILHO, 2012 p 15). Consistem em acompanhar

processos, fluxos. “Ele é estranho a qualquer ideia de eixo genético ou de estrutura profunda”.

(GONCALVES, 2014 p 2)

Portanto, a esquizoanálise não faz suposições, e sim acompanha processos. A pergunta

a ser feita não é por quê e sim como – Como? O que fazer? Quais são as possibilidades de

maximizar a multiplicidade, em potência? Quais são as produções de vida, já existentes?

Existem três tipos de linhas que nos compõem, e são emaranhadas umas nas outras – lineares,

circulares e de fuga.

As duas primeiras reforçam códigos, territórios e formas de deslocamento – em

comparações binárias de certo/errado, a circular, parte de um ponto central, como o agir técnico

– no caso, educar-aprender, e orbita os círculos das demais categorias – do agir, trabalho. As

linhas de fuga emergem na necessidade do cotidiano, surgem no ato da produção, rompendo

com as barreiras estabelecidas e a partir disso possibilita novas formas de existência – novos

territórios existenciais. Como aponta, Gonçalves (2014):

“Somos segmentarizados por linhas que definem estratos do nosso

viver. Há três tipos de linhas eu nos compõe, emaranhadas umas nas outras –

lineares, circulares e de fuga. As duas primeiras fixam códigos, territórios e

formas de deslocamentos, por exemplo, a linear como oposição certo-errado,

e a circular partindo de um ponto central, como o trabalho do médico, faz

orbitar os círculos das demais categorias. As linhas de fuga emergem no e do

cotidiano, quase imperceptíveis, surgem no ato de produção do trabalho em

saúde, emaranhadas às outras linhas, abrindo espaço para a quebra as rotinas

estabelecidas, possibilitando criar novas formas de cuidar”. (MATUMOTO

apud GONCALVES, 2014 p 3)

Compreender a educação ambiental como um rizoma, entende-se que “O conceito

é um composto, um consolidado de linhas, de curvas. Se os conceitos devem renovar-se

constantemente, é justamente porque o plano de imanência se constrói por região,

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havendo uma construção local, de próximo em próximo”. (DELEUZE, 1992 p 184). Cada

multiplicidade, território, possuem distintas necessidades. Então, através do estímulo da

produção subjetividade, é possível a construção de novos conceitos fundados na prática,

experimentação, intervenção e autonomia, dos educandos-educadores. Reconhecendo-se

fundamentalmente como parte da natureza, exprimindo o cuidado, e responsabilidade

pelo meio, porque está tudo integrado e interagindo.

2.5.4 Modo de subjetivação capitalístico

O termo capitalístico, forjado por Guattari (1970), refere-se ao modo de vida que

antecede o capitalismo – por isso, esse termo não se refere ao capitalismo, e sim é a reprodução

dos desejos que são incutidos em todas as sociedades. Já as subjetivações constituem-se nas

formas de relação com si e com o mundo em determinado contexto histórico. Segundo Silva

(2008) Portanto, cada formação história, será marcada por uma experiência subjetiva singular,

por conseguinte definindo nossos modos de ser, pensar, sentir. “Hoje em dia, podemos dizer

que os meios de comunicação de massa exercem este poder de captura sobre nossos modos de

existência, definindo nossas escolhas e nossos gostos”. (SILVA, 2008 p 40,41)

Dessa forma, o modo de subjetivação capitalístico refere-se à reprodução de desejos

incutidos, presente em todas as sociedades e determinam nosso modo de pensar, sentir, agir e

se relacionar com o mundo. No cenário atual, não apenas a mídia tem exercido esse papel, como

também o avanço das tecnologias, permitiu novas formas de comunicação e interação. Portanto,

novos modos de subjetivação.

No entanto, o poder se apresenta de forma radicular ele reflete no corpo, no inconsciente,

na subjetividade. Isso afeta diretamente sobre as maneiras de perceber, amar, e criar. A vida

passa a ser anulada de autonomia, visto que existem vários mecanismos de modulação da

existência. O sexo, a linguagem, a comunicação, a fé, entre outros, tudo se tornou mecanismos

de controle e monitoramento. Nenhum espaço está preservado dos poderes. Como aponta,

Pelbart (2008) e Silva (2008).

“[...] a subjetividade como essencialmente fabricada e modelada pelo

social, ou seja, fabricada e modelada pelos processos de subjetivação

característicos de uma determinada formação histórica”. (SILVA, 2008 p 41)

“O próprio poder se tornou "pós-moderno", ondulante, acentrado,

reticular, molecular. Com isso, ele incide mais diretamente sobre nossas

maneiras de perceber, de sentir, de amar, de pensar, até mesmo de criar. Se

antes ainda imaginávamos ter espaços preservados da ingerência direta dos

poderes (o corpo, o inconsciente, a subjetividade), e tínhamos a ilusão de

preservar em relação a eles alguma autonomia, hoje nossa vida parece

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integralmente subsumida a tais mecanismos de modulação da existência. Até

mesmo o sexo, a linguagem, a comunicação, a vida onírica, mesmo a fé, nada

disso preserva já qualquer exterioridade em relação aos mecanismos de

controle e monitoramento”. (PELBART, 2008 p 1)

Como aponta Guattari (1985), “O inimigo se infiltrou por toda parte”, tanto na

participação material, exploração da força de trabalho, e inconscientemente, onde reforçam

passivamente os modos de dominação – “[...] maldição, do roubo, da preguiça, da doença, etc.

Eles reproduzem por contra própria, objetos institucionais alienantes [...]” (GUATTARI, 1985

p 12, 13) Como aversão a pobreza e ao pobre, reforçando os valores mistificados pelos poderes.

Onde se preza o patrimônio, e desvaloriza a vida. O ser humano, assim como a natureza, é

tratado como – objetos descartáveis.

Toda sociedade cria o seu conceito do que é natureza, portanto, é criado pelos homens,

sendo assim, não é natural. Porque o ser humano, que não se reconhece como parte do meio,

age como dominador (homem) e objeto (natureza). Então, a natureza deve existir para a

contínua exploração, enquanto essa minoria, portadora dos meios de produção se beneficia, e a

maioria é descartada.

Além da valorização do mundo maternal e familiar, quando somos confrontados com

uma realidade completamente dicotômica, do que realmente acontece. O rebaixamento do sexo

feminino, assim como a sexualização, são alguns exemplos “[...] e ainda por cima à promoção

de um ideal de amor mítico, uma mágica do conforto e da saúde que mascara urna negação da

finitude e da morte” (GUATTARI, 1985 p 13) “Nunca o poder chegou tão longe e tão fundo no

cerne da subjetividade e da própria vida”. (PELBART, 2008 p 1) Cabe dialogar com Guattari

(1985) e Gonçalves (2006).

“O tira e o juiz internos são talvez mais eficazes do que aqueles dos

ministérios do Interior e da Justiça. A obtenção deste resultado repousa sobre

o desenvolvimento de um antagonismo reforçado entre um ideal imaginário,

que inculcamos nos indivíduos por sugestão coletiva, e uma realidade

totalmente outra que os espera na esquina. A sugestão audiovisual, os meios

de comunicação de massa, fazem milagres! Obtém-se assim uma valorização

fervorosa de um mundo imaginário maternal e familiar, entrecortado por

valores pretensamente viris, que tendem à negação e ao rebaixamento do sexo

feminino [...] (GUATTARI, 1985 p 13)

Além disso, a expressão dominar a natureza só tem sentido a partir da

premissa de que o homem é não-natureza...Mas se o homem é também

natureza, como falar em dominar a natureza? Teríamos que falar em dominar

o homem também...E aqui a contradição fica evidente. Afinal, quem dominaria

o homem? Outro homem? Isso só seria concebível se aceitássemos a ideia de

um homem superior, de uma raça superior, pura – e a História já demonstrou

à farta as consequências destas concepções. (GONÇALVES, 2006, p 26)

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Segundo Guattari (1985), o capitalismo não explora apenas a força de trabalho e o meio

ambiente, mas de acordo com seus interesses manipula as relações de produção, na economia

desejante dos explorados, podem ser – objeto, conforto material, status social, entre outros. "A

relação entre os indivíduos, os grupos e as classes é algo que está ligado à manipulação dos

indivíduos pelo sistema capitalista. Os indivíduos enquanto indivíduos, são fabricados por este

sistema para responder aos imperativos de seu modo de produção”. (GUATTARI, 1985 p 22).

Por isso, a luta revolucionária – assim como a prática educativa, objeto de estudo é base

para uma nova estruturação social. Deve emergir não apenas nos níveis das forças aparentes,

como melhores condições de vida. Mas também, em um nível mais subjetivo, contaminado pelo

capitalismo - “[...] nível do individuo, do casal, da família, da escola, do grupo militante, da

loucura, das prisões, da homossexualidade, etc.)” (GUATTARI, 1985 p 20).

2.5.5 Subjetividade X Subjetivação

O conceito de subjetividade é a criação de um novo território existencial, nem fixo e

nem imutável, mas em constante produção. “[...]: estamos sempre construindo novos territórios

e desmanchando aqueles que não dão mais conta da nossa experiência no mundo”. (SILVA,

2008 p 41) Enquanto que a subjetivação se refere ao contexto histórico, político, econômico

(entre outros) em que estamos inseridos, que propicia emergência de modos de pensar, ser,

amar, agir, criar, no mundo.

Portanto, a educação em um contexto contemporâneo que deve se ater a contrapor-se

“[...] a uma cultura de homogeneização e de dissolução que fez tábula rasa de todas as diferenças

e valores, na circulação integral, na equivalência de todas as trocas, [...]” (PELBART, 2008 p

9). Permitindo, outro tipo de produção de subjetividade – territórios existenciais.

Segundo Silva (2008) essas produções de novos territórios podem variar entre dois

extremos, ou produzindo alienação, quando a prática educativa torna-se reprodução mecânica

de valores voltados para o individual, a posição social, num culto narcisístico de si, ‘dentro do

eu’. Ou seja, modo de subjetivação capitalístico. Pois “[...] os processos de subjetivação

expressam determinados valores e que estes valores orientam nossos modos de existência e

nossas estratégias de produção de conhecimento”. (SILVA, 2008 p 41).

Porém se ao contrário disso, a educação for libertadora, impulsiona a ato de criar – “[...]

Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma

experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em

que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade”. (FREIRE,

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2002 p. 13) “[...] onde os valores estão voltados para a alteridade (num processo de invenção

de novas coordenadas de produção subjetiva que decidam em favor da afirmação e da expansão

da potência do outro) [...]” (GUATTARI apud SILVA, 2008 p 41)

Por isso, é essencial o questionamento de Guattari (1992) da neutralidade, tanto da

técnica, estética e ético-política. Dessa forma, permitindo a criação de multiplicadores de

transformação. Que se reconhecendo em coexistência com alguém, e com o meio – primeiro

em nível de território, e posteriormente, em interrupta desterritorialização, permitindo a

expansão da potencialidade do outro e criação de novos caminhos possíveis.

"A luta deve ser levada em nossas fileiras contra nossa própria polícia interior".

(GUATTARI, 1985 p 24) “Melhor dizendo: se não se montar uma máquina revolucionária

capaz de se fazer cargo do desejo e dos fenômenos de desejo, o desejo continuará sendo

manipulado pelas forças de opressão e repressão, ameaçando, mesmo por dentro, as máquinas

revolucionárias”. (DELEUZE, 1992 p 29)

2.5.6 Intercessores

“A subjetivação é a produção dos modos de existência ou estilos de vida”. (DELEUZE,

1992 p 142) O que compreendemos por civilização é aquilo que nos coage por dentro e por

fora. É resultado de um progressivo silenciamento do corpo, de seus impulsos, desejos,

movimentos, ruídos – um adestramento civilizatório. Contudo, esses corpos silenciados, não

aguentam mais a docilização que lhes foi imposta e cristalizada. Nas escolas, fábricas, no

exército, prisões, hospitais, entre outros.

Isto, Pelbart (2008) denomina como uma mutilação – biopolítica. Em mais uma

mortificação sobrevivencialista.

“[...] o que é que o corpo não aguenta mais? Ele não aguenta mais

tudo aquilo que o coage, por fora e por dentro. Em primeiro lugar, o

adestramento civilizatório [...] de que modo o que chamamos de civilização é

resultado de um progressivo silenciamento do corpo, de seus ruídos, impulsos,

movimentos... Em segundo lugar, o que o corpo não aguenta mais é a

docilização que lhe foi imposta pelas disciplinas, nas fábricas, nas escolas, no

exército, nas prisões, nos hospitais, pela máquina panóptica...E por último, [...]

a mutilação biopolítica, a intervenção biotecnológica, a modulação estética, a

digitalização bioinformática do corpo, o entorpecimento sensorial que esse

contexto anestésico lhe inflige... mais é a mortificação sobrevivencialista [...]

(PELBART, 2008 p 11,12)

Por isso, os intercessores termo forjado por Deleuze (1992) são essenciais. Mas o que

isso seria? A criação, sem eles não há obra. “Podem ser pessoas – para um filósofo, artistas ou

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cientistas, para um cientista, filósofos ou artistas – mas também coisas, plantas, até animais [...]

Fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar seus próprios intercessores”.

“O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores. Sem

eles não há obra. [...] É uma série. Se não formamos uma série, mesmo que

completamente imaginária, estamos perdidos. Eu preciso de meus

intercessores para me exprimir, e eles jamais se exprimiriam sem mim: sempre

se trabalha vários, mesmo quando isso não se vê.” (DELEUZE, 1992 p 156)

Segundo Passos (1999), “esta noção explicita a maneira particular de produzir a

diferença a partir da intercessão entre termos [...] o sentido aqui é interceder. O intercessor é

um agente de interferência ou intervenção, um agente de alterização”. É pela diferença entre os

termos que a intercessão acontece. Isso significa, que quando um elemento de fora atinge seu

campo, sendo dessa forma possível produzir mudança, a partir dessa desestabilização. Não pelo

prazer, e sim por absoluta necessidade.

“Um elemento de fora do sistema atravessa este campo, permitindo

mudanças no que se tomava como uma identidade ou natureza no que se

tomava como uma identidade ou natureza, produzindo uma desestabilização”.

(PASSOS, 1999 p 71)

Deleuze (1992) aponta que as possibilidades de criação são diferentes segundo o modo

de sua expressão, mas todas devem se opor a conformidade, sendo assim a produção de

mercado. Por isso, a prática educativa demanda que ao ensinar se aprenda, e desperte sonhos,

utopias, objetivos, ideias tanto no educando como no educador. Entende-se que ambos são

aprendizes, mas o que o educador possui é a técnica – ato de criar estratégias que estimule a

ruptura e provoque a criação. Cabendo conversar com Freire (2002):

“As possibilidades de criação podem ser muito diferentes segundo o

modo de expressão considerado, nem por isso deixam de comunicar entre si,

na medida em que todas juntas devem opor-se à instauração de um espaço

cultural de mercado e de conformidade, isto é, de produção de mercado”.

(DELEUZE, 1992 p 164)

Por isso, “[...] toda prática educativa demanda a existência de

sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina existência

de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de

métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função de seu caráter diretivo,

objetivo, sonhos, utopias, ideais”. (FREIRE, 2002 p. 28)

Uma vida envenenada pelas instituições que incute valores mistificados gera a incerteza

tanto a posição social e também nas relações de produção – a escola, hierarquia, exército,

submissão, família, rebaixamento da mulher, desprezo pelo meio ambiente e separação do ser

com meio – a natureza. Como mostra, Guattari (1985)

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“[...] a escola, a hierarquia, o exército, o aprendizado da fidelidade, da

submissão, da modéstia, o gosto pelo trabalho, pela família, pela pátria, pelo

sindicato [...] Agora, toda a sua vida ficara envenenada em maior ou menor

grau pela incerteza de sua condição em relação aos processos de produção, de

distribuição e de consumo, pela preocupação com seu lugar na sociedade, e de

seus próximos”. (GUATTARI, 1985 p 13)

Pelbart (2008) aponta que se soubéssemos enxergar as potências, no entendimento do

inacabamento do ser – por meio da experimentação, sem coibir, domesticar e insensibilizar, e

por fim propagar os desígnios do poder – pressa, produtividade, institucionalidade. Dessa

forma, resultando em soluções simplórias e sem eficácia. Pois não atinge nem em nível de

subjetividade, e nem coletivo – o povo.

“Isso poderia ser especialmente marcante no âmbito da educação, se

soubéssemos enxergar esses “seres ainda por nascer” no tateamento que lhes

cabe viver, na experimentação que deveria ser seu direito, na aposta em sua

indeterminação, sem coibi-los ou apenas domesticá-los, sem insensibilizá-los

para tudo aquilo que não serve a nossos desígnios de poder, de pressa, de

produtividade, de institucionalidade, com todas suas blindagens e formatações

e soluções prontas”. (PELBART, 2008p 12)

“Um criador é alguém que cria suas próprias impossibilidades, e ao mesmo tempo cria

um possível”. (DELEUZE, 1992 p 167) O que deve ser observado é o processo de produção

de agenciamentos de desejo, a partir dos traços coletados em nível de subjetividade. Isso

possibilita descobrir o que impede e o que possibilita a potencialidade transformadora.

Segundo, Guattari (1995):

"Coletados traços de singularidade de um processo de produção de

agenciamentos de desejo no interior dos quais se analisa o que emperra e o que

possibilita sua potencialidade transformadora". (GUATTARI, 1985 p 8)

Portanto, a invenção surge de uma demanda, seu surgimento é fruto de uma perturbação,

uma necessidade o que coloca a reinvenção de si e do mundo, e com o mundo. “Não possuem

fundamento ou direção previsível, mas têm sempre seu surgimento ocasionado por uma

perturbação”. (NOGUEIRA FILHO, 2012 p 37)

Segundo Pelbart (2008) faz-se necessário despir-se de tudo o que pretende representar

ou conter. O que Deleuze&Guattari (2004), apontam como sendo um corpo-sem-órgãos, uma

variação do que Perbart (2008) denomina como biopolítico. É aquela “[...] vida desfazendo-se

do que a aprisiona, do organismo, dos órgãos, da inscrição dos poderes diversos sobre o corpo,

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ou mesmo de sua redução à vida nua, vida-morta, vida-múmia, vida-concha.” (PELBART, 2008

p 14).

Por isso, é preciso “[...] explorar a performance não como repetição mecânica, mas

implicando um agenciamento com fluxos de diversas ordens. Produção de subjetividade”.

(NOGUEIRA FILHO, 2012 p 20) “Um livro é um tal agenciamento e, como tal, inatribuível. É

uma multiplicidade [...]”. (DELEUZE&GUATTARI, 1995 p 10,11) “É a arte, não a mídia que

pode captar o acontecimento: por exemplo, o cinema capta o acontecimento [...]” (DELEUZE,

1992 p 199).

O aprendizado não consiste em transferir conhecimento, como aponta Freire (2002).

Consiste em propor a reinvenção de novas formas de existir, novas regras de funcionamento.

Aprendiz-artista, pois não esgota a repetição mecânica ou uma regra definida. Entende-se como

inacabamento, o processo de aprendizagem é permanente, assim como desaprendizado também.

O artista não abandona sua condição de aprendiz, assim como deve se propor o educador, frente

aos educandos. Como aborda Nogueira Filho (2012):

“O aprendizado da arte não se esgota na aquisição de respostas e de

regras cognitivas. (...) O aprendiz-artista não é aquele que repete

mecanicamente uma mesma resposta ou uma regra definida, mas aquele que é

capaz de reinventar-se permanentemente, inventando simultaneamente novos

mundos. A aprendizagem da arte desenvolve-se numa tensão permanente entre

a invenção de problemas e a solução de problemas. O direito ao inacabamento

aponta para um processo de aprendizagem permanente, mas também de

desaprendizagem permanente, pois o verdadeiro artista é aquele que jamais

abandona sua condição de aprendiz”. (KASTRUP apud NOGUEIRA FILHO,

2012 p 117).

O contato com o estético – pintura, dança, canto, organização de projetos, cinema,

música, esporte, etc. Sem estar engendrado nas práticas educativas clássicas, mas deixando que

se escape o desejo, os movimentos. Aquele corpo silenciado precisa transpor a sua forma, em

um descodificação dos fluxos, códigos.

“O fato de que as crianças possam exprimir-se pela pintura, dança,

canto, organização de projetos comuns, etc..., sem que o conjunto destas

atividades seja sistematicamente recentrado sobre finalidades educativas

clássicas (integração à sociedade e respeito aos pólos personológicos e

familiares), permite ao desejo delas escapar, numa certa medida, da

modelagem da libido que tende a se sujeitar a política capitalista da

descodificação generalizada dos fluxos". (GUATTARI, 1985 p 54)

“É evidente que a arte não detém o monopólio da criação, mas ela leva ao ponto extremo

uma capacidade de invenção de coordenadas mutantes, de engendramento de qualidades de ser

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inéditas, jamais vistas, jamais pensadas”. (GUATTARI, 1992 p 135) Por a arte ser a construção

de si, com o mundo, ela é indispensável na prática educativa e deve ser estimulada. Pois ela, é

por si só um ato de resistência que resiste a morte. Como ponta Deleuze (1992).

“O ato de resistência possui duas faces. Ele é humano e é também um

ato de arte. Somente o ato de resistência resiste à morte, seja sob a forma de

uma obra de arte, seja sob a forma de uma luta entre os homens”. (DELEUZE,

1999 p 14)

Guattari (2001), também aponta para a responsabilidade e engajamento de todas as

posições que possam intervir nas psíquicas – individuais e coletivas. Na educação, saúde,

cultura, esporte, arte, mídia, moda, etc. “É eticamente insustentável se abrigar, como tão

frequentemente fazem tais operadores, atrás de uma neutralidade [...] pretensamente fundada

sobre um controle do inconsciente e um corpus científico”. (GUATTARI, 2001, p 9)

Deleuze (1992, 1999) aponta que escrever – criar deve surgir em função de um povo

que está por vir e ainda não possui linguagem. A criação não é comunicar-se, mas resistir.

Entre os signos, acontecimentos, a vida, o vitalismo. Pode eclodir em uma linha de desenho,

escrita, música. Esses organismos não morrem, mas resistem. A obra de arte é um ato de

resistência.

“Escreve-se em função de um povo por vir e que ainda não tem

linguagem. Criar não é comunicar, mas resistir. Há um liame profundo entre

os signos, o acontecimento, a vida, o vitalismo. É a potência de uma vida não

orgânica, a que pode existir numa linha de desenho, de escrita ou de música.

São os organismos que morrem, não a vida. Não há obra que não indique uma

saída para a vida, que não trace um caminho entre as pedras”. (DELEUZE,

1992 p 179)

“Qual a relação entre a obra de arte e a comunicação?

Nenhuma. A obra de arte não é um instrumento de comunicação. A obra de

arte não tem nada a ver com a comunicação. A obra de arte não contém,

estritamente, a mínima informação. Em compensação, existe uma afinidade

fundamental entre a obra de arte e o ato de resistência. Isto sim. Ela tem algo

a ver com a informação e a comunicação a título de ato de resistência”.

(DELEUZE, 1999 p 13)

2.5.7 Devir

Por Devir, traduz resistência. Isso é desviar da norma. “[...] devir universal animal: não

tomar-se por um animal, mas desfazer a organização humana do corpo, atravessar tal ou qual

zona de intensidade do corpo, cada um descobrindo as suas próprias zonas, e os grupos, as

populações, as espécies que o habitam”. (DELEUZE, 1992 p 21)

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Aqueles que navegam pelas linhas de fuga, fazem do pensamento uma potência mutável

– potência nômade, engrenagem de “máquina de guerra”. Isso significa deslocar a história, sua

desnaturação permanente. Seu “devir mulher”. Como propõem Guattari (1985).

“Os navegantes das linhas de fuga, tribo da incerteza, fazem do

pensamento· uma "potencia nômade", engrenagem de "máquina de guerra".

Guerra que e necessariamente vitoriosa, pois que e a afirmação dos

deslocamentos da historia. Isto e irremediável e não tem nada a ver com

progresso, tampouco com cafetões. Não há nada de mais sublime no humano

do que sua desnaturação permanente. Seu "devir mulher". (GUATTARI, 1985

p 9)

Guattari (1985) aponta para o fato que o devir corpo feminino, não deve ser associado à

categoria mulher, tal como é lida socialmente – no casal, na família, etc. E sim, em oposição à

ordem social que a rebaixa – como instância cuidadora ou objetificação do seu corpo. Portanto,

tudo o que quebra as normas, rompe com a ordem estabelecida, é um – devir. Com a devir

homoafetivo, devir mulher, etc.

"[...] o devir corpo feminino não deve ser assimilado à categoria

"mulher" tal como ela é considerada no casal, na família, etc. Tal categoria,

aliás, só existe num campo social particular que a define! [...] A oposição

homem/mulher serve para fundar a ordem social, antes das oposições de classe,

de casta, etc. Inversamente, tudo o que quebra as normas, tudo o que rompe

com a ordem estabelecida, tem algo a ver com a o homossexualismo ou com

um devir animal, um devir mulher, etc”. (GUATTARI, 1985 p 36)

Um exemplo disso é, “Pensar a favela de fora dela, é inexoravelmente, compreendê-la

de forma homogeneizada, associá-la aos símbolos que a acompanham e estabelecê-la num

ambiente de pertencimento a sociedade de fato, mas não de direito [...] construções de imagens

sobre os seus moradores por esta mesma via, pelo mesmo processo impresso no espaço de

morada. É torná-los cidadãos marginais”. (GONÇALVES, YAZBEK apud SILVA, 2016 p 23)

Pelo constante silenciamento de seus corpos, a favela é, portanto, um devir. Por sua

compreensão de forma homogeneizada, sem enxergar a dimensão como cada problemática,

atinge tanto em níveis sociais, mas os tornando reféns das vulnerabilidades ambientais que são

expostos – como a falta de saneamento básico, o descarte de resíduos em lugares inapropriados,

gerando uma mais uma área de instabilidade, de responsabilidade da saúde pública.

Em vista, a ineficiência do Estado em suprir as condições mínimas para se viver em um

ambiente ecologicamente equilibrado, a luta revolucionária deve ser caucionada por uma

mobilização. Primeiro, a necessidade – o segundo passo, consiste em cartografar, acompanhar

como flui a produção de vida já existente. “Numa cartografia, pode-se apenas marcar caminhos

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e movimentos, com coeficientes de sorte e de perigo. É o que chamamos de esquizoanálise,

essa análise das linhas, dos espaços, dos devires”. (DELEUZE, 1992 p 48).

E a partir dessa demanda, traçar os pontos, em linhas. Trata-se de conectar os pontos

aparentemente díspares para que se tracejar uma linha. Uma linha contínua e interrupta, que

muda, agencia-se com o contato com outras linhas, formando assim – uma rede. Essa rede pode

ser denominada, como mobilização.

Isto é, participação, uma mobilização com gestão participativa. O entendimento de

multiplicidade – é compreender-se com indivisível e inacabado, isso significa que a mudança

ocorre no agenciamento com outro múltiplo. A partir disso, e da demanda – já em cada nível

de subjetividade – produz a criação, traçar um novo território, e um outro eu. Para isso, deve-

se considerar o desejo, as linhas de fuga. Cabendo dialogar com Deleuze (1992) e Silva

(2016):

“Por isso, não há revolução conforme aos interesses das classes

oprimidas se o desejo mesmo não tiver tomado uma posição revolucionária

mobilizando as próprias formações do inconsciente. Pois de qualquer modo o

desejo faz parte da infraestrutura”. (DELEUZE, 1992 p 30)

“[...] mobilização requer um agir comum, com diálogo, comunicação,

troca, construção de consensos. Requer, ainda, o entendimento de ter um

objetivo comum a ser atingido e que isto envolve deveres. Mobilizar-se é ainda

ato de adesão voluntária, em que se torna parte do processo de mudança

desejado. É participação”. (SILVA, 2016 p 32)

A invenção vem de inventar a solução para algum problema que coloca o mundo em

devir. Ao inventar a si e o mundo, em uma perspectiva ética, estética e política, para produção

em um plano coletivo, isto é, com responsabilidade pelo todo – coletivo e natureza, organismo

e meio, se compõem, constrói, interage, conecta, produz, cria. Por isso, faz-se necessário, captar

as potências – as máquinas de guerra para que criem outra coisa ao mesmo tempo, capazes de

criar linhas de fuga – para traçar estratégias assertivas em um plano, primeiramente local, mas

que pode expandir em uma dimensão global. Como aborda, Pelbart (2008) e Nogueira Filho

(2012):

“Mesmo a guerrilha, ou a guerra revolucionária, só podem fazer a

guerra se criam outra coisa ao mesmo tempo. [...] capazes de mapear a natureza

das forças atuantes no presente: a linha de fuga que cria [...]” (PELBART, 2008

p 18)

“A invenção é, antes de tudo, invenção de problemas, é a invenção

de problemas que coloca o mundo em devir, é o primeiro passo para a invenção

de si e do mundo. Ao devir, segue-se a produção de formas cognitivas,

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imbricada à produção de mundos e planos coletivos de sentido”. (NOGUEIRA

FILHO, 2012 p 36)

As máquinas de guerra não tem nada ver com os símbolos das representações semióticas

já estabelecidas e condicionadas como gatilho nos inconscientes – como a de violência, mortes,

explosão, bombas. Mas ao contrário, essas máquinas não têm guerra como objeto – mas sim a

expansão das linhas de fuga “[...] pode ser um movimento artístico, científico, ideológico, sob

a condição de que trace um plano de consistência, uma linha de fuga criadora – preservando o

privilégio da afirmatividade” (PELBART, 2008 p 18).

Daí a importância de captar essas máquinas de guerras na prática educativa “[...] em

uma alternativa perpétua em um alerta e uma generosidade de todos os dias, em uma

responsabilidade aparentemente administrativa e pedagógica (quer dizer, na realidade,

duplamente política) [...]” (FOCAULT, 1996 p 78) Por isso, é “[...] urgente desfazer-se de todas

as referências e metáforas cientistas para forjar novos paradigmas que serão, de preferência, de

inspiração ético-estéticas”. Portanto, esquizoanalítica. (GUATTARI, 2001, p 8)

Deleuze (1992) aponta que devem fazer passar os fluxos, sob os códigos sociais que

canalizam, barram e inibem o desejo. . “O que denunciamos são todos os temas da oposição

homem-máquina, o homem alienado pela máquina..., etc”. (DELEUZE, 1992 p 30, 31) Com

isso, fornecer "Instrumentos para novas mutações, novos "agenciamentos coletivos de

enunciação", nova subjetividade, novas "linhas de fuga", nunca iguais àquelas que os geraram".

(GUATTARI, 1985 p 8) Portanto, despertar a potencialidade do devir, por meio de uma prática

educativa esquizoanalítica.

Dado o exposto, todas as instituições de ensino devem atuar no sentido de estimular em

sua prática educativa as potencialidades, as máquinas de guerra – devir mulher, devir criança,

devir planta, devir animal – para dar voz e autonomia, para a construção conjunta de práticas

de micropolítica que atendem a nível ético, estético e político, mas também com produção de

subjetividade.

Dessa forma, engendrar maneiras de maquinar – produzir, novas sensibilidades, novas

inteligências de existência – novo território existencial. Despertando um gigante rizoma de

revoluções moleculares. Como aponta Guattari (1985)

"Um empreendimento educacional não poderia circunscrever o modo

válido seu campo a questões de técnicas de aprendizagem ou de socialização.

Ele coloca de imediato toda uma série de problemas micropolíticos".

(GUATTARI, 1985 p 50)

“[...] mas de uma prática micropolítica que só tornará sentido em

relação a um gigantesco rizoma de revoluções moleculares, proliferando a

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partir de uma multidão de devires mutantes; devir mulher, devir criança, devir

velho, devir animal, planta, cosmos, devir invisível...- tantas maneiras de

inventar, de "maquinar", novas sensibilidades, novas inteligências da

existência, uma nova doçura". (GUATTARI, 1985 p 138, 139)

2.5.8 Revolução molecular

O entendimento de integração de todos os elementos múltiplos é revolução molecular.

Portanto, tudo é natureza e reconhece-se, pertence, conecta e está conectado, interagindo. Por

isso, tudo deve ser tratado com responsabilidade, não haverá saída da crise ecológica senão for

pensada a reorientação da produção de bens materiais e imateriais. Mas, não só as forças

visíveis, mas principalmente nos domínios de sensibilidade, de inteligência e de desejo.

Para que haja uma verdadeira revolução política, social e cultural, a partir da produção

da subjetividade, da criação de novos territórios existenciais. Faz-se necessário despertar a

máquina revolucionária.

“Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala

planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política,

social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e

imateriais. Essa revolução devera concernir, portanto, não só as relações de

forcas visíveis em grande escala mas também aos domínios moleculares de

sensibilidade, de inteligência e de desejo”. (GUATTARI, 2001, p3)

Conforme em Nogueira Filho (2012), Deleuze & Guattari diferencia a realidade em dois

níveis que apesar de distintos, são inseparáveis. O molar, das formas visíveis; e um molecular

– onde ocorrem os agenciamentos. A invenção de novos territórios existenciais é sempre

resultado da tensão entre as formas antigas – que ocorrem no nível de produção de subjetividade

– portanto, molecular.

No momento que essa mudança atinge o campo molar – visível, ele ganha feições mais

distintas de cada com a singularidade, produção de existência. Cabe então, o organismo tornar-

se de outra forma, uma re-singularização, mas antes é preciso romper com qualquer outra

definição do que se entende, e criar-se ao criar novas formas de existir. “Quando reverberam

no plano molar, as afecções ganham consistência e sentido, passando a configurar novas formas

históricas que não podem ser previstas a priori, mas devem ser examinadas em suas

singularidades, a posteriori” (DELEUZE E GUATTARI, apud NOGUEIRA FILHO, 2012 p

35).

Guattari (1985), define a revolução molecular como uma invenção de si com o mundo

interagindo em todas dimensões. A leitura molecular coloca em contato as subjetividades –

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singulares de fluxos sociais, materiais e de signos – criando áreas-de-vazio-ou-deserto entre

zonas-de-opacidade, criando espaço aos “fluxos esquizos” – isto é, criar novas formas de

inteligir/sentir com o mundo; “gagueira na linguagem” – rompendo os códigos da linguagem

que estratificam o povo pelo conhecimento. Ou seja, aprisionam o conhecer, como um poder.

"[...] o que seria uma leitura molecular?" [...] colocam em contato

subjetividades - constelações singulares de fluxos sociais, materiais e de signos

- criando uma área-de-intimidade-e-desejo onde um e outro se

metamorfeseaiam. Nunca paralelamente. Há também entre nós zonas-de-

opacidade necessariamente internas/externas, criando áreas-de-vazio-ou-

deserto, "fluxos esquizos", "pensamento sem imagem", "gagueira na

linguagem". (GUATTARI, 1985 p 9)

A prática educativa deve-se opor a essa estratificação, as palavras de ordem do plano

molar, mas deve se preocupar em criar novos códigos, novas formas de linguagem, participativa

e que se transformam em linhas de fuga, - desterritorialização, devir-mulher, devir-minonitário,

- potência nômade. Isto é, constante produção de vida, de existir, inteligir. Ao acesso ao real,

no agenciamento, adquirem-se novas alianças, forças, armas – em constante metamorfose.

Estabelecem diversas conexões, subjetividade. Onde se produzem palavras-de-desordem.

Como aponta Guattari (1985)

“Se, de outro modo, reconheço netas áreas-de-vazio a condição do

movimento, a leitura se torna a produção de contato com "fluxos esquizos",

que vão-se transformando em "linhas de fuga" ou de "variação", "coeficiente

de desterritorialização", "devir mulher", "devir minonitário", "potência

nômade", enfim, produção de história. Liberta para o acesso ao real, adquiro

novas forças, novas armas, me desnaturo. Nunca sou o mesmo. [...]

Metamorfose. Leitura molecular onde se produzem palavras-desde-a-

desordem”. (GUATTARI, 1985 p 9)

Por isso, a educação deve se dirigir em buscar alianças despertando potências que

protestam. “Precisamos de aliados. E temos a impressão de que esses aliados já existem, que

eles não esperaram por nós, que tem muita gente que está farta, que pensa, sente e trabalha em

direções análogas [...]” (DELEUZE, 1992 p 34).

Guattari (1985) aponta que a saída desse impasse, é através de lutas efetivas – a partir

de uma demanda. E para que ela seja imediata, deve se desenvolver não só na educação, mas

na prática médica, militante, familiar, conjugar, entre outros. “Nesse sentido, a máquina de

guerra não tem absolutamente por objeto a guerra; ela tem por objeto um espaço muito especial,

espaço liso, que ela compõe, ocupa e propaga”. (DELEUZE, 1992 p 47).

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2.5.9 Revolução Molecular: Princípios

Guattari (1985), no livro Revolução Molecular: pulsações e políticas do desejo,

estabelece que nada se resolve sem agenciamentos altamente diferenciados. Apenas dessa

forma as máquinas revolucionárias podem mudar sua forma, para começarem a emergir – isso

implica em consistência. Ou seja, por objeto a destruição das relações de explorações

capitalistas, representado pelo Modo de subjetivação, atualmente.

E uma ruptura entre os valores mistificados e tipificados e voltados para micropolíticas

contra esses valores – do falo, poder territorializado. Isso requer o entendimento de integração

e de responsabilidade entre as subjetividades, e todos os elementos que compõem o cenário. A

Revolução Molecular se inicia na interação das multiplicidades, na prática educativa ambiental

cabe utilizar os 8 (oito) princípios forjados por Guattari (1985).

O primeiro princípio molecular – consiste em “não atrapalhar”. Como diz Deleuze, “é

preciso não mexer-se demais para não espantar os devires.” (PELBART, 2008 p 13). A

esquizoanálise ocupa-se por mapear o território, isto é sem interferir as produções de vida, já

existentes. Trata-se de cartografar, isto é acompanhar os processos, sem criar um cenário

imaginário, a ser taxado como verdade incontestável (decalcomania).

O ato de lecionar torna-se secundário. Cabe ao agir técnico, com o agir estético,

evocar a ruptura, saída do território para contínua desterritorialização. Atrelado à

intervenção, criação, mudança, e a formação de resistência, que são devires. Devir refere-

se à ruptura e o desviar da norma, do padrão.

O segundo princípio consiste em “Quando alguma coisa acontece isto prova que alguma

coisa acontece”, ou seja, antes de imaginar o que ou por quê, alguma coisa acontece, faz-se

necessário acompanhar os processos, para não impedir a produção de vida que possa vir a

surgir. E assim, acabar reduzindo a realidade em hipóteses incompatíveis com a realidade.

Assim, na educação o papel do educador não é ser o porta-voz, é sim dar voz aos educandos.

2)"Quando alguma coisa acontece isto prova que alguma coisa

acontece" [...] os agenciamentos que só se exprimem pelos sistemas

dominantes de semiotização, manifestam-se por outros meios, que não

enganam. Eles não têm necessidade alguma de porta-voz, de intérpretes.

(GUATTARI, 1985 p 139,140)

Guattari (1985) define o terceiro princípio como "A melhor posição para se escutar o

inconsciente não consiste necessariamente em ficar sentado atrás do divã", do ponto de vista

educacional, é o educador não estabelecer uma relação verticalizada frente aos educandos. É a

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melhor maneira de ensinar-aprender, é através das trocas, da experimentação, da prática ética,

estética e política, no agir. Em direção, a expansão das multiplicidades, como potências e não

como replicadoras.

O quarto princípio é "O inconsciente molha os que dele se aproximam". O inconsciente

é uma fábrica, produção. E todas as dimensões se conectam, e se transformam no passo em que

se agenciam. Portanto, “[...] torna-se então impossível ficar neutro, pois esta escolha de matéria

arrasta em seu curso todos aqueles que encontra no caminho”. (GUATTARI, 1985 p 140)

Portanto, caráter indispensável da impossibilidade da educação ser neutra.

O quinto princípio é "As coisas importantes nunca acontecem onde esperamos". Isto é,

o processo esquizoanalítico é medido pela variedade de heterogeneidade entre as

multiplicidades rizomáticas. Dessa forma, o ensino não deve colocar todos os educandos em

uma mesma equivalência, para extrair um elemento favorável aos sistemas capitalistícos – que

os adestra e inibe seus desejos, movimentos, colocando-o a reproduzir mecanicamente

conceitos e teorias que não provocam mudança, e sim acomodação, aceitação. Como aponta,

Guattari (1985):

[...] A riqueza de um processo esquizoanalítico vai se medir pela variedade e

pelo grau de heterogeneidade destas espécies de transferências rizomáticas, de

maneira que mais nenhuma espécie de semiologia significante, de

hermenêutica universal ou de programação política poderá pretender traduzi-

las, colocá-las em equivalência, teleguiá-las para finalmente extrair delas um

elemento comum facilmente explorável pelos sistemas capitalísticos.

(GUATTARI, 1985 p 140)

O sexto princípio corresponde à questão da transferência por ressonância subjetiva, ou

seja, o encontro de linhas com linhas que se agenciam, se rompe e provoca mudança, e quanto

as transferências maquínicas (educador – educando) – produzem novos agenciamentos, ao

invés de estereotipar ou reduzir os educandos.

“[...] - as transferências por ressonância subjetiva, por identificação

personológica, por eco de buraco negro;

- transferências maquínicas (máquinas-transferência) [...] que produzem novos

agenciamentos em vez de representar e decalcar indefinidamente antigas

estratificações”. (GUATTARI, 1985 p 141)

O sétimo princípio é “Nada é adquirido de uma vez por todas”, portanto, no que se

refere à prática educativa o educador não deve ter o papel de transferir conhecimento, e nem

reduzir o educando a um objeto fixo, imutável. Mas, deve compreender é “Tudo é uma

questão de consistência de agenciamento e de reagenciamento”. (GUATTARI, 1985 p 141)

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"Nada é adquirido de uma vez por todas" [...] Um buraco negro pode

esconder um outro! Nenhum objeto pode ser designado por uma identidade

fixa; nenhuma situação é garantida. (GUATTARI, 1985 p 141)

O Oitavo e último princípio é uma provocação "toda ideia de principio deve ser

considerada suspeita" – ou seja, observar, agenciar para depois concretizar a elaboração teórica.

A base teórica deve ser a experimentação.

“A elaboração teórica é tanto mais necessária e deverá ser tanto mais

audaciosa quanto o agenciamento esquizonalítico tomar a medida de seu

caráter essencialmente precário”. (GUATTARI, 1985 p 141)

Dessa forma, preservando a heterogeneidade de seus componentes para aperfeiçoar as

máquinas de guerra – que se expandem suas linhas de fuga, na escrita, poesia, teoria, “[...]

permitindo-lhes superar etapas decisivas nos processos de destruição-reconstrução dos sistemas

sociais atuais. [...] desenvolva-se uma nova disponibilidade, uma nova sensibilidade a alianças,

a conjunções imprevisíveis, inimagináveis". (GUATTARI, 1985 p 73)

2.6 ESQUIZOANÁLISE: PERSPECTIVA TÉCNICA, ESTÉTICA, ÉTICO-POLÍTICO

NA EDUCAÇÃO

A esquizoanálise na prática educativa é uma alternativa, um caminho possível, porque

ela explora as dimensões da técnica, estética, ética-política. Mas, antes de tudo, é preciso

acreditar num mundo. Forjar novos territórios, mergulhar em uma multiplicidade, através de

uma conversa ou de um livro, desterritorializar, resgatar. Entender-se como conexão com fluxos

heterogênicos, que são linhas. Essas linhas se conectam a tantas linhas, a ponto de se formar

uma rede.

Nas favelas, por exemplo, elas representam “[...] espaços de mobilização “que se produz

a luta política por melhores condições de vida, que se ampliam processos autônomos e

participativos e acima de tudo, constrói-se a afirmação da identidade.” (SILVA, 2016 p 21) Por

isso, devir favela, uma obra de arte, onde constroem em osmose o objeto da arte (o meio,

natureza), e o artista-pintor-inventor, a partir da produção da subjetividade, necessidade. Cria-

se a arte, o artista e uma nova pintura, um novo olhar, de se enxergar no mundo, ou melhor,

pintá-lo.

Tanto na pratica educativa, mas assim como em todas as outras diversas áreas de

conhecimento, técnica – seja com a alfabetização, com a saúde. Em qualquer dimensão técnica

deve ser exercido um trabalho específico para desafiar os grupos populares, despertar a máquina

de guerra. Em todas as dimensões da subjetividade, reformulando um novo olhar ético, estético

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e político. Não há como ser neutro, é preciso mover-se politicamente por mudanças. Como

aponta, Freire (2002)

“Trata-se, na verdade, não importa se trabalhamos com

alfabetização, com saúde, com evangelização ou com todas elas, de

simultaneamente com o trabalho específico de cada um desses campos desafiar

os grupos populares para que percebam, em termos críticos, a violência e a

profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta. Mais ainda, que sua

situação concreta não é destino certo ou vontade de Deus, algo que não pode

ser mudado”. (FREIRE, 2002 p. 30)

A arte resiste em uma perspectiva estética como também simbolizando uma ruptura,

uma perturbação – até mesmo a morte como afirma Deleuze (1992), mas o povo não pode se

ocupar de arte. Antes, o povo necessita criar seus próprios meios, suas linhas de fuga para sanar

algo. Isso é uma maneira de reencontrar algo da arte, ou que a arte reencontre o que faltava.

A arte é o que resiste: ela resiste à morte, à servidão, à infância, à

vergonha. Mas o povo não pode se ocupar de arte. Como poderia criar para si

e criar a si próprio em meio abomináveis sofrimentos? Quando um povo se

cria, é por seus próprios meios, mas de maneira a reencontrar algo da arte [...],

ou de maneira que a arte reencontre o que lhe faltava. (DELEUZE, 1992 p 215)

Por isso, o educador deve despertar o movimento em sua fala, uns dos instrumentos

utilizados no seu agir técnico, que o educando viaje de encontro com seu pensamento. A fala,

a interação dos educandos, também é essencial, pois é uma forma de avaliar a apreensão do que

foi absorvido por ambos. Portanto, a linguagem deixa de ser um aspecto territorial, mais social,

na expansão dos conhecimentos para além da sala de aula. Cabendo dialogar com Freire (2002)

e Nogueira Filho (2012)

“Neste sentido, o bom professor é o que consegue, enquanto fala,

trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é

assim um desafio e não uma “cantiga de ninar”. Seus alunos cansam, não

dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento,

surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas. (FREIRE, 2002 p. 32)

Na prática educativa – “[...] inclui “verificar se há apreensão do

conhecimento”, passando por avaliar as ações e a fala do outro. Responder a

dúvidas eventuais implica em externalizar seu pensamento através da fala, e,

novamente, em avaliar a apreensão do conhecimento. A função da fala deixou

seu aspecto territorial, tornando-se cada vez mais social. Antes, a fala que não

deveria ser dita – o que implica em todos os engenhos para postergar o

compartilhamento do conhecimento”. (NOGUEIRA FILHO, 2012 p 67).

Freire (2002) aponta que o melhor discurso é aquele exercido da prática. Portanto, toda

criação supõe de uma necessidade afetiva “[...] não pode ser compreendida como um elemento

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original próprio e autônomo isolado das condições reais de existência, como um fato que não

pode ser modificado ao curso do desenvolvimento”. (VIGOSTSKI, apud NOGUEIRA FILHO,

2012 p 78,79)

“O melhor discurso sobre ele é o exercício de sua prática. É

concretamente respeitando o direito do aluno de indagar, de duvidar, de criticar

que “falo” desses direitos. A minha pura fala sobre esses direitos a que não

corresponda a sua concretização não tem sentido”. (FREIRE, 2002 p. 37)

Às vezes, só temos consciência no meio do combate. Como no caso do enfrentamento

de lixo no Morro dos Prazeres, no Rio de Janeiro, em 2010 – provocado pelo deslizamento de

sedimentos. A partir dessa ruptura, medidas efetivas precisavam urgentemente ser tomadas, ou

implicava diretamente na perda de mais moradores, da história de luta e sobrevivência.

Foi necessário, captar as potências, deslocar a história, tracejar um novo caminho, para

sobreviver com dignidade. E essa ação, ainda forma um ciclo autossustentável por meio da

coleta seletiva – a partir da mobilização comunitária, e do trabalho – em uma perspectiva

técnica, estética, ética e política, que transformou a problemática – descarte inadequado de lixo,

em renda para suprir outras demandas da comunidade.

Então, é indispensável mobilizar, “[...] nomear as potências impessoais, físicas e mentais

eu enfrentamos e combatemos quando tentamos atingir um objetivo, e só tomamos consciência

do objetivo em meio ao combate. Neste sentido, o próprio Ser é político”. (DELEUZE, 1992 p

111)

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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1.1 Análise do ponto de vista esquizoanalítico/ambiental do enfrentamento de lixo no

Morro dos Prazeres, RJ.

Será tomada para exercício de análise a dissertação de João Silva (2016), que aborda em

sua defesa de mestrado "A importância da mobilização comunitária no enfrentamento da

questão do lixo, no Morro dos Prazeres". Isto aponta para a ferramenta técnica – educação

ambiental – capaz de captar/romper/resgatar com as noções sobre meio ambiente, e seu cuidado

e suas responsabilidades, porque tudo se conecta e interage, por isso pode ser compreendido do

ponto de vista esquizoanalítico.

O Complexo do Morro dos Prazeres situado na cidade do Rio de janeiro, RJ, no bairro

de Santa Teresa. Atualmente, ele é formado por duas comunidades - Morro dos Prazeres e

Morro do Escondidinho, com histórias parecidas, mas com realidade bastante distintas. O foco

do estudo foi – o Morro dos Prazeres. E no caso, em específico é assim como a estética mais

que um ato político, antes disso, vem de uma necessidade. Isto é, um ato de resistência.

Deslocar a história, e criar outros possíveis. Além de promover a discussão sobre a força

da mobilização comunitária do Morro dos Prazeres, - intervenção, lutas efetivas.

A partir de um trabalho de desterritorialização para sua territorialização. A conexão entre as

multiplicidades fez com que o agenciamento sanasse a problemática ambiental, em uma

perspectiva local, mas que atinge todos os níveis de subjetividade. E trata-se de uma forma de

inspirar outras favelas e territórios.

3.1.2 O estudo

O estudo de caso buscou descrever qualitativamente os aspectos que direcionaram para

a prática que vem sendo exercida pelos moradores, através do dispositivo – método “café com

conversa” foi possível compreender e até mesmo, vivenciar a história da comunidade, pela fala

dos moradores.

Em 2010, após sofrer um desastre natural, e que depois disso vinha sofrendo pressões

para a remoção total dos habitantes, sem promover ações de prevenção por parte das autoridades

governamentais. – ou seja, isso mostra a impossibilidade da neutralidade, quando as instâncias

do poder apresentam soluções desumanas e sem a menor efetividade prática.

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Por iniciativa de moradores, surge o Projeto ReciclAção – ação comunitária na favela,

realiza coleta seletiva de materiais recicláveis e promove educação ambiental a partir da

mobilização. E segue as diretrizes da Lei 12.305/2010, que instituí a Política Nacional de

Resíduos Sólidos. Seu funcionamento opera através de um ciclo autossustentável de

reciclagem, através do recebimento da doação de materiais recicláveis descartados pelos

moradores em ecobags.

O material é vendido para recicladoras parceiras, e o dinheiro é revertido para a

manutenção das ações de educação ambiental, e financiamento de melhorias na favela. –

Iniciativa de moradores, que atuam com micropolíticas sociais para sanar uma problemática,

no caso – através da conscientização ambiental, a partir da educação, e do resgate e transferência

de conhecimentos de antecessores – códigos, representatividades que a partir da produção de

subjetividade, criam novos territórios existenciais.

Novas formas de existir com o meio, e reconhecer-se como parte integrante, e por isso,

responsável – um eterno criador da sua obra, da história, que constrói a si, a partir da construção

de novas formas de existência partindo do seu território. Como o morador, citado na pesquisa

pelos moradores, e que em sua homenagem a Praça, recebe seu nome, João Tutéia. E também

a Madre Maria dos Prazeres, que deu origem ao nome da favela. Ela subia para rezar missas e

ensinar aos moradores como não serem expulsos.

Com o estudo, foi possível perceber acompanhando os processos – através tanto de

documentos oficiais, mas principalmente pela fala dos moradores. E com isso, possível fazer

uma construção histórica e política, e quanto contribui/contribui a mobilização comunitária pós-

desastre na favela. E para a construção estratégias, novos possíveis – novos territórios

existenciais.

Segundo Nogueira Filho (2012) ao falar, o humano consegue tornar o objeto de sua

cognição, no ato de perceber a si mesmo, para agir sobre si. Portanto, “[...] a fala descreve o

ambiente e solicita ajuda. Posteriormente, descola-se do final da atividade para seu início, e

passa a ter a função de planejar a ação, moldando a”. (NOGUEIRA FILHO, 2012 p 74)

“Além disso, ao falar, o humano consegue se tornar objeto

de sua própria cognição, percebe a si mesmo para agir inclusive

sobre si mesmo. E mais, a capacidade de controlar o

comportamento de outra pessoa incorpora-se à sua atividade”.

(NOGUEIRA FILHO, 2012 p 74)

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Quanto à questão do lixo – conscientização/responsabilidade – quanto à destinação dos

resíduos sólidos e ações para lutar contra a remoção. Através da maximização das potências –

produção da vivência das multiplicidades, em agenciamento. Isso mostra como o povo não

precisa de um porta-voz ou interlocutor, mas reconhecer-se como sendo parte de algo que faça

sentido, que desperte a vontade da verdade, de lutas e emancipação, por meio de linhas-de-fuga.

“[...] o quanto esta ação de mobilizar e participar vem colaborando

para a construção das estratégias dos moradores para o enfrentamento da

questão do lixo e para as demais lutas por soluções que se estabeleçam como

alternativas à remoção e para construção de respostas às demandas oriundas

do lixo. [...] produção de vivência destes sujeitos.” (SILVA, 2016 p 20,21)

Silva (2016) opta pela adoção dos termos favela, morro e território, “[...] com o intento

de localizá-lo como espaço de lutas e de construção de alternativas à precariedade das políticas

a ele dirigidas”. (SILVA, 2016 p 20,21) E também para o conceito de que a favela seria uma

"zona de sacrifício" socialmente construída.

Por isso, na prática educativa esquizoanalítica entende por intervir, não apenas –

denunciar e naturalizar. Silva (2016) aponta que o Morro dos Prazeres, assim como boa parte

das favelas do Rio de Janeiro, tem características de zonas de sacrifício, que são territórios

ocupados pela população mais pobre e onde tem maiores agravos ambientais. Isso fez com que

a favela supracitada achasse um meio de transformar o vilão, que era o lixo em protagonista.

“[...] moradores de favela enfrentem dificuldades na luta por políticas

públicas que atendam às suas necessidades, sobretudo, diante da pressão social gerada

pela pecha de despossuídos que envolve estes atores”. (SILVA, 2016 p 53,54)

Assim como, o conceito de natureza, não é natural, como aponta Gonçalves (2006), o

que entende se por favela são representações sociais estereotipadas – de signos, código – ilegal,

violenta, amorfa, precária, desordenada, sem governo, entre outros. Contudo, essas condições

é a consequência da ausência de políticas públicas que tenham efetividade, de acordo com a

heterogeneidade, de cada território. Então as favelas são estigmatizadas, e reduzidas de todo

seu contexto histórico de luta e resistência. Como aponta, Silva (2016)

“Os signos de cidade informal, ilegal, violenta, amorfa, precária,

desordenada, sem governo, apartada da cidade formal, excluída e suja,

encontram-se impressos nas favelas desde o seu nascedouro e constituem-se,

também, em marcas negadoras de direitos aos seus habitantes - os favelados –

que carregam em si os mesmos os sinais dos espaços em que vivem [...]”

(GONÇALVES apud SILVA, 2016 p 24)

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Esta representação é bem estruturada pelo Modo de subjetivação capitalístico, formas

de perceber, sentir, amar e criar, diante do contexto histórico. Do qual, reproduzem valores

estereotipados, e reducionistas sobre o de fato ocorre nas favelas. Essa noção mistificada é

difundida tanto pelo Estado – pela sua ausência, como também historicamente tenta resistir e

criar alternativas, caminhos possíveis para suprir a demanda da comunidade. Esse empirismo

da vivência, da experimentação, do afeto, do pertencimento, significação, história e identidade.

Em 2007, a adoção da terminologia "Complexo", sob a segunda gestão do César Maia,

as polícias Civil e Militar do Estado do Rio de Janeiro, utilizam para delimitar esses territórios

sendo áreas de criminalidade e consequentemente repressiva ação policial. “[...] polícias Civil

e Militar do Estado do Rio de Janeiro e as Forças Armadas fazem uso da terminologia

“Complexo” [...] espaços ocupados por conjuntos de favelas em suas intervenções [...] o uso da

terminologia Complexo com uma dimensão mais ampla sobre estes territórios como áreas de

criminalidade local e, consequentemente, como espaços da ação repressiva policial”. (SILVA,

2016 p 27).

Como aponta Silva (2016), uma das inúmeras formas do Estado, de silenciar a favela.

Outra ação tomada por para sua invizibilização foi “[...] Prefeitura do Rio de Janeiro, intimou

a empresa Google a retirar o nome “favela” de seu mapeamento na cidade”. (SILVA, 2016 p

28).

Silva (2016) aponta como as favelas destituídas de seu valor histórico e cultural,

começaram a receber obras do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC e as Unidades

de Policia Pacificadora - UPP, visíveis estratégias para preparar as favelas, como pontos

turísticos – favela mercadoria. Exemplo disso, foi à construção no teleférico do Alemão, no

Complexo de Favelas do Alemão.

“Porém, a resistência local mantém o nome do Morro dos Prazeres em todas as suas

ações, para marcar que ele é uma favela com características, história e cultura que são

unicamente suas”. (SILVA apud SILVA, 2016 p 30) Criar novas estratégias, vem da resistência,

categorizando uma nova luta para mudanças efetivas a partir da desconstrução desse cenário,

em novo território.

Silva (2016) também elucida que mobilização acontece quando a coletividade possui

um objetivo comum, com intuito de gerar ganhos e soluções para todos de forma coletiva e

participativa. Isso requer fazer projeções futuras sobre o que se necessita e na contínua

construção de planos/ideias que direcionem a coletividade para o caminho. Não é ser porta voz

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– trata-se de dar a voz. “[...] construída de forma participativa e com a finalidade de atingimento

da resolução de uma demanda social coletiva”. (SILVA, 2016 p 32).

A esquizoanálise como intervenção na prática educativa tem o objetivo de maximizar

as potências, acompanhando processos, e não interferindo. E na favela esse tipo de ação tem

um vasto campo de aplicação, sobretudo no reconhecimento de pertencimento e de identidade

de cada multiplicidade construída e em construção. Freire (2002) nos direciona para uma

posição, do qual não há como assumir-se neutro – se assim for, é estar do lado do opressor.

Portanto, criar condições ético-estéticas de produção de vida. “[...] trouxe a necessidade

dessa favela buscar as brechas dentro deste sistema para ultrapassar os degraus e estabelecer

um novo paradigma para a questão do lixo na favela”. (SILVA, 2016 p 54) Além do

rompimento de representações reducionistas e estereotipadas da favela como um ambiente

insalubre, e marginalizada.

O trabalho além de contar com fontes bibliográficas e registros oficiais históricos, conta

também com grande influência, encima dos depoimentos dos moradores, que relatam e

demonstram como a luta e mobilização comunitária, através de proporcionar uma melhor

qualidade de vida e de respeito pelo meio ambiente é algo feito pelos moradores desde sua

concepção – origem.

Silva (2016) entende que só é possível apresentar a favela, de dentro dela. A partir da

construção feita pelo povo, narrada pelo seu povo, por meio de sua vivência, das trocas e do

contato com concreto, com a realidade específica em cada favela. Com essa narrativa

possibilitar um olhar mais humano, além da frieza de dados estatísticos oficiais.

“[...] entendemos que só podemos apresentar o Morro dos Prazeres

se o fizéssemos a partir de dentro dele, a partir do seu povo, com o seu povo,

pelo seu povo, com uma narrativa que possibilitasse uma visão para além da

frieza dos números contidos nos dados oficiais”. (SILVA, 2016 p 56)

3.1.3 Apresentação do território

Para esse mergulho através de memorias e histórias, é a apresentada a Cris dos Prazeres

(Zoraide Gomes), uma pernambucana, que mora no Morro dos Prazeres há 31 anos, e que

mostra através de seus relatos o quanto sente orgulho em ser moradora dessa favela. Ela nos

insere e nos localiza dentro desse território, e relata a história de cada lugar e a relação dos

moradores que marcaram a trajetória do Morro dos Prazeres.

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Como homenagem de grafite do Seu Zé Bernardo, antigo morador, falecido em 2011,

que dizia "É um prazer está nos Prazeres", frase essa que se popularizou entre a comunidade e

se transformou em uma forma de desejar boas vindas. Uma das representatividades

responsáveis por culminar a semente da conscientização, tanto ambiental, mas como ética-

estética e política, foi o João Tutéia. Ele trabalhou - técnica/ética e criou estratégias para que o

lixão perto de sua casa sumisse e se transformasse em uma área de lazer para as crianças. Isto

implicando em uma nova perspectiva estética - no contexto favela.

João Tutéia proponha que em troca das pessoas das jogarem lixo no local, ele dava

plantas medicinais. Então, ao mesmo tempo em que conscientizava outros moradores a respeito

do despejo dos resíduos, e a importância da sua correta destinação. E de forma ética-estética,

ela atuava politicamente para melhorias estéticas e qualidade de vida, como também instaurava

um olhar humano, participativo e solidário. Essa atitude reflete nos dias de hoje, o local onde

ele limpou e cuidou, é mantido pelos moradores que entenderam a importância disso para a

coletividade.

E como homenagem, a local recebeu seu nome, Praça João da Tutéia. Isso mostra a vida

e a identidade do Morro dos Prazeres. A partir da perturbação – destino dos resíduos. A história

desloca-se a por gerações, através do entendimento de integração entre todos os elementos –

técnico/estético/ético-político, na invenção/intervenção para melhorias para comunidade.

Outra figura de extrema influência na comunidade é a Eliza Brandão, presidenta da

associação de moradores do Morro dos Prazeres, que é a Associação Sociedade Amigos do

Morro dos Prazeres – SAMP. Ela apresentou as necessidades do Morro, assim como os

caminhos percorridos e os entraves na solução de outros problemas enfrentados pela

comunidade.

A moradora mais antiga é a Dona Maizé (Maria José), neta de escravos, com 96 anos

na época da pesquisa. “[...] que guarda carinhosamente na memória. Histórias que foram

construídas ao longo de sua vida, histórias vividas. Ela expressa o orgulho e a felicidade de ali

morar”. (SILVA 2016, p 59)

Outro símbolo é a Dona Branca, uma senhora que se inspirou em seu João Tutéia, e

criou uma horta comunitária em um antigo lixão, junto com amigas. Dentre tantos outros nomes

significativos, responsáveis por plantarem a semente da conscientização, e vemos os frutos

amadurecendo hoje em dia.

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“[...] muitos destes sujeitos sociais acabam exercendo a liderança na comunidade e

trabalham com os demais moradores sobre a importância da participação e da mobilização

comunitária para a conquista e garantia de serviços e políticas que os atendam [...]”. (SILVA

2016, p 59).

3.1.4 O DESASTRE – A Ruptura

Em 2010, o desastre culminou em inúmeras consequências – de ordem molecular,

rizomática. Como a perda de inúmeras vidas inocentes, habitacionais e como também a caráter

de resistência, em face do tratamento das instâncias de poder, que dotaram medidas para apagar

e inviabilizar a favela, desprezando dessa forma, toda sua história, cultura. Então, além dos

“[...] deslocamentos de sedimentos provocaram o desmoronamento de mais de uma dezena de

casas, trinta e quatro pessoas morreram e muitas ficaram desabrigadas [...] (SILVA, 2016 p 64)

de acordo com depoimentos coletados por Silva (2016) os moradores relataram o descaso e a

repreensão da Prefeitura. Sra. E, relatou:

“A gente está aguardando para que ele [o prefeito Eduardo Paes,

acorde. [...] Aquilo ali para mim me soou como indignação, uma forma de

descaso total. E senti assim, chegou a equipe da Defesa Civil, tudo, com latas,

marcando as casas, numerando as casas. Eu me senti como se a gente fosse

uma boiada que estava sendo marcada para o abate. Sabe? [...]Foi por um

desastre natural e por falta da atuação deste próprio poder que decretou a

remoção. Não se levou em conta a história da comunidade, tudo que já

aconteceu, o que acontece e o que pode acontecer nesta comunidade. A

comunidade toda é uma cultura para o nosso país, o nosso Rio de Janeiro. Uma

cultura que não se apaga”. (Depoimento da Sra. E., apud SILVA 2016, p 67)

Nos inúmeros depoimentos coletados por Silva (2016), os moradores relatam a

displicência da Prefeitura em relação à precariedade do atendimento das necessidades, e a

inexistência de diálogo entre o município e os moradores. Como relata o Sr. O:

“Não existe relação nossa com o Estado [...] Você acha que o prefeito

vai nos atender? Ele nem conhece a favela. [...] O cara nem sabe aonde fica.

Então é utopia achar que o prefeito vai te atender [...] Ele nem sabe quem é

você. ” (Depoimento do Sr. O., apud SILVA, 2016 p 67,68)

Embora essa notória participação do Estado no suporte e investimento de medidas

assertivas, frente às mortes e as perdas, e os impactos gerados, posteriormente. Ainda assim, a

transferência de responsabilidade foi atribuída à topografia, e a natureza dos moradores – no

descarte inapropriado de resíduo.

Sendo que, a coleta deve ser provida pelos munícipios que não oferecem uma coleta

suficiente – visto a demanda. Então, pela sua ausência e total omissão, provoca essa com

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diversas brechas para transformar as favelas em áreas-de- sacrifício, pois não possuem a menor

efetividade, e nem são pensadas, para que tenha. Transformando, esse território, em uma área

vulnerável, suscetível as ações do intemperismo – diferentes condições climáticas, portanto, em

uma área de risco.

Silva (2016) denuncia a ineficiência da coleta de lixo nas favelas, que seguem para os

córregos e rios, encostas, logradouros e o mar, queimados ou enterrados, e outros destinos.

Apontando pelo que foi relatado moradores, o descaso do serviço publico, frente à falta de

diálogo que favorece o aparecimento dos lixões e consequentemente as chances de um desastre.

“[...] denuncia que nas favelas o serviço de limpeza está presente,

mas não é eficiente. [...] seguem para os córregos e rios, encostas, logradouros

ou o mar [...] parte deste lixo também é queimado, enterrado e/ou tem outros

destinos que não os apresentados pela companhia de limpeza [...]” (Relatório

Rio como vamos, 2013 apud Silva, 2016 p 83)

Ou seja, além das inúmeras outras precariedades da comunidade – como questões

habitacionais, saneamento básico, entre outras políticas públicas. Segundo, a própria

Constituição Federal Brasil, expressa no capítulo VI, art. 225, onde “Todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, e essencial á sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para presentes e futuras gerações”. É nítida a transferência de responsabilidade do

Estado e desrespeito com a favela, sua história, resistência, o povo – devir favela.

3.1.5 PÓS-DESASTRE – Transmutação

Dada à ineficiência do governo na doação de práticas que produzissem mudança,

partindo do ponto de vista das complexidades geradas e as já-existentes. A partir dessa

necessidade – pós-desastre, da ruptura, da perturbação, há criação. O devir favela vive em cada

morador, em cada história para sobreviver – com dignidade.

Cada multiplicidade então, por meio do agenciamento – maximiza sua potencialidade,

ao mesmo que a desperta no outro. O organismo e meio se transformam, pois se

constroem/desconstrói. Reconhece seu território, como parte integrante dele. Em uma relação

meio e organismo – ser e natureza, que se integra a uma ética-estética, de compromisso voltado

para si e com o mundo.

Segundo Silva (2016) os moradores então via coletivo da comunidade, a PROA,

juntamente da com a associação dos moradores - SAMP, e com o auxílio de parceiros externos,

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começaram o movimento de mobilização local. Com intuito de cobrar diálogo e políticas contra

a remoção, além de contribuir para fortalecimento da luta local. “[...] movimento de reunir

sujeitos por um objetivo comum, a ação política e de reivindicação”. (FERREIRA apud SILVA,

2016, p 88)

Em 2011, com a parceria feita com o Centro de Promoção da Saúde – Cedaps – Centro

de promoção da saúde e o Unicef e o Massuchesetts Institue of Tecnólogy - MIT, parceria com

o coletivo da comunidade, o grupo PROA, a SAMP, foram realizados mapeamento de riscos

socioambientais que ampliou a visão sobre diversas questões e demandas na favela. Uns dos

maiores era o lixo, posteriormente de esgoto/saneamento; riscos de deslizamento; calçadas e

escadas; habitações em más condições, postes e fiações. A Sra C. relata como foi realizada a

pesquisa.

“[...] onde entendemos que era muito mais produtivo convidar os

jovens a pensar a comunidade em que ele mora. [...] Foram 26 jovens que

nunca se olhavam e começaram a fotografar e discutir as questões de

acessibilidade, o descarte do lixo. [...] Este mapeamento lançou mão de uma

tecnologia que se utilizava de uma pipa grande [...] pipa é tão da natureza e da

cultura da favela que talvez se tivesse sido feito o mapeamento com drone não

teria feito tanto sucesso [...] Precisamos construir estratégias para enfrentar esta

questão. [...] uma tecnologia para trabalhar a educação do morador para pensar

o lixo como poluente e potencialmente danoso. Através do mapeamento os

jovens se viram dentro do processo de ser responsável por construir soluções.

O desejo destes jovens após o mapeamento é que dá origem ao diagnóstico

participativo sobre a questão do lixo que se apresenta como problema real na

comunidade. (Depoimento da Sra C., apud SILVA 2016, 89)

A partir da perturbação – o desastre, além da displicência da Prefeitura que ainda propôs

medidas sem efetividade, inviabilizando a luta histórica da comunidade. Através desse

constante silenciamento tanto de seus corpos como de sua história, mostrou como a mobilização

social – ação/intervenção é responsável por criar mobilizadores sociais, despertar potências, dar

voz e autonomia para o povo atuar como agente transformador. “[...] o processo de mobilização

comunitária traçado no viés da educação ambiental, tendo o lixo como foco das ações a serem

desenvolvidas” (SILVA, 2016 p 90).

Além de denúncias e reflexão, foi preciso – agir. Tal agir, tanto tecnicamente, mas

mover-se politicamente, isto é, tomar uma decisão, se posicionar. Vidas e toda uma cultura

construída historicamente poderiam ser destruídas. Daí a impossibilidade da suposta

neutralidade. Esse agir técnico/político – o mapeamento dos riscos ambientais contou com um

agir inseparavelmente estético, visto que as imagens foram coletadas – não com drone – mas

com uma pipa, que representa a cultura da favela.

As imagens foram registradas por 26 jovens moradores, e nenhum deles de conheciam,

e que depois da pesquisa – da sua realidade e da sua participação, eles se viram como

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responsáveis em criar soluções – implicando em agir tanto ético como político. Ou seja,

territorializa para depois construir um novo território existencial e sua contínua

desterritorialização.

Segundo os dados de Silva (2016) de uma pesquisa participativa feita pela Cedaps –

Centro de promoção da saúde – (2013), em que foi feita uma representação gráfica com base

nas respostas obtidas pelos moradores, se gostam de morar no Morro. O resultado da pesquisa

“[...] foi a de 95% dos moradores do Morro dos Prazeres gostam de morar no território, tendo

85% destes moradores concordam totalmente” (SILVA, 2016 p 89).

Esses dados apontam como é fundamental reconhecer-se como parte integrante do meio,

mas que isso traz responsabilidades e como a coleta participativa, unido à educação ambiental

é importante na promoção de um ambiente saudável e condições mais dignas de vida, além de

criar uma rede alternativa autossustentável e solidária que traz benefícios para toda a

comunidade, através da demanda dos moradores. Então, a partir de uma perspectiva local,

atinge a produção de subjetividade de cada potência. Isto é, estratégias para resistir e continuar

resistindo.

O Grupo PROA feito por moradores, surgiu em 1998. Seu primeiro objetivo foi

trabalhar a prevenção do HIV/Aids e DST e atualmente atua em diversas causas, como para a

promoção do ambiente saudável. “[...] coletivo de grupos comunitários que atuam no Morro

dos prazeres em que se reúnem periodicamente para traçar as ações conjuntas sob temas que

eles elegem como prioritários, a partir das demandas trazidas pelos moradores”. (SILVA 2016

p 97).

Desde o início conta com a participação de parcerias que facilita na execução de

estratégias para criação de práticas efetivas, como o apoio da Cedaps – Centro de promoção da

saúde. Do qual, oferece assessoria técnicas para apoio às atividades e no auxílio no Mapeamento

que possibilitou enxergar de forma mais ampla, e pensar em soluções para o enfrentamento do

lixo.

O projeto já mencionado, o ReciclAção que promove educação ambiental, coleta

seletiva -e, por conseguinte, um ciclo autossustentável com parcerias externas, que traz retorno

para ações de acordo com a demanda de seus moradores. E além da conscientização, também

formam multiplicadores, que levam essa cultura criada na favela para outros territórios,

mostrando um caminho possível.

Se feito em uma dimensão técnica – criar instrumentos, estética – em específico nas

favelas que são representadas por tipificações como um ambiente insalubre, violento, sujo.

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Primeiramente, trata-se de localizar a demanda, e propor meios de produção de vida, a partir

das necessidades específicas de cada território. Isso consiste, em cartografar o ambiente,

acompanhando os processos.

Com isso, foi possível traçar quais os caminhos possíveis. Primeiro, conscientizar.

Como? Bombardeando a favela com informações, com ações e práticas educativas e depois

disso, ação – a coleta seletiva. Dessa forma, permitindo o surgimento de um novo território, em

todas as dimensões ética, estética e política. Isso fez que a construção de todo esse projeto, fosse

lapidado pelas mãos de todas as multiplicidades, potências inseridas nesse território. Como

relata em seu depoimento a Sra C.

“O ReciclAção é uma tecnologia que a gente construiu na favela e que

pode ser usada em diferentes lugares. Hoje, os moradores levam este

aprendizado principalmente para sua família, mas em seus vários outros

espaços para além da favela ele também leva esta cultura. A gente segurou a

bandeira da educação, inicialmente, pois era o que nos era possível.

Bombardeamos a favela de informações, com ações educativas e somente

depois, a gente foi para a ação prática de fato, que é a coleta seletiva”.

(Depoimento Sra. C., apud SILVA, 2016 p 98)

Na pesquisa de Silva (2016) aponta que o Projeto ReciclAção é reconhecido como uma

tecnologia social desde junho de 2015. A partir da mobilização social, foi possível criar um

ciclo autossustentável e proporcionar o desenvolvimento local, visto que a gestão pública não

pode sanar. Na página da Fundação Banco do Brasil, aparece sendo seu objetivo geral:

“OBJETIVO GERAL Contribuir com a erradicação dos riscos socioambientais

em territórios vulneráveis por meio da articulação e do fomento ás políticas

públicas, da mobilização social e do investimento no desenvolvimento

territorial, a partir de um mecanismo autossustentável”. (Fundação Banco do

Brasil apud SILVA, 2016 p 99)

3.1.6 ReciclAÇÃO e Esquizoanálise

A ReciclAção promove tanto um ciclo autossustentável, mas principalmente

promove os moradores como sujeitos dotados de uma responsabilidade ética, estética e

política. Depois de ações e práticas educativas na favela e das bolsas ecobags – espalhadas

na comunidade. Nelas os moradores depositam os materiais recicláveis, esses resíduos

então são levados para duas recicladoras parceiras.

Com esse recurso – proveniente das vendas, têm-se, portanto um fundo financeiro.

Dos quais são voltados para ações e necessidades locais de cunho socioambiental. Além

de ampliar a conscientização e educação ambiental e da importância da mobilização

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comunitária. Assim como, o projeto foi essencial para salvar vidas, não apagar a história,

e promover soluções através de práticas efetivas, que atendem a uma demanda da região,

dando autonomia e possibilidade de criação de diversas potências. Como podemos ver na

imagem abaixo que mostra como se opera esse ciclo. (MOOTIRO MAPS apud SILVA,

2016 p 100):

Figura 1 – Imagem do ciclo autossustentável do ReciclAção. Fonte: SILVA (2016)

Então, por meio da cartografia do território – um dos princípios do rizoma. Com isso,

foi possível despertar diversas potências dentro da comunidade, para criar um novo caminho, a

partir da necessidade de permanecer, e resistir. Através do agenciamento entre essas

multiplicidades, que se reconhecendo como parte daquele território, também implicava em

responsabilidades – consigo e com o todo – coletividade e a natureza.

Segundo os depoimentos obtidos por Silva (2016), a percepção do Morro passou por

uma transformação em relação ao descarte dos resíduos sólidos. O resultado disso é não ter

mais lixões ativos na comunidade, em resposta as ações dos moradores, por meio das ações

educativas propostas. Isso reforça a importância da produção dessas “máquinas de guerra”,

através da mobilização comunitária, um verdadeiro ato de deslocamento da história, onde se

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produz a mudança, e não a reprodução mecânica de teorias que são distantes da realidade, e

convencem que a realidade não pode ser mudada.

Portanto, ações como o ReciclAção, assim como a proposta da esquizoanálise na

educação como uma intervenção, remete a criação de novos códigos, de uma outra linguagem

que reverbere os valores mistificados pela minoria detentora dos meios de produção e

comunicação, assim como os aparelhos de repressão – o Estado. Ainda, mais se tratando do

cenário – favela. Por isso, a devir favela. “A esquizoanálise tem um único objetivo, que a

máquina revolucionária, a máquina artística, a máquina analítica se tornem peças e engrenagens

umas das outras” (DELEUZE, 1992 p 36).

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho buscou apontar a Esquizoanálise, como uma ferramenta prática que pode ser

inserida na educação como uma intervenção tanto técnica, mas fundamentalmente ética, estética

e política. Visto que, somos o resultado de todas as interações – tanto a nível molar e molecular,

e não algo indivisível, e tipificado. Isso permite a melhor compreensão em ser a natureza, e não

dominador sobre ela, como um recurso que deva ser preservado para a contínua exploração.

A partir dessa perspectiva, foi abordado o apanhado histórico da educação ambiental,

desde seu surgimento, e em políticas até os dias atuais e o que se entende pela mesma. E também

uma abordagem da importância quanto ao consumo consciente e como os 3R’s, podem ser

usados na prática educativa ambiental. Posteriormente, a partir do questionamento feito por

Guattari (1992), apontando a Esquizoanálise como uma articuladora entre o técnico, estético,

ético-politico.

Nos resultados e discussões, é realizada a análise da dissertação de mestrado de João

Silva (2016), sob ponto de vista da esquizoanálise. A partir da mobilização, da necessidade em

agir, da educação ambiental, a comunidade conseguiu reverter o vilão (o lixo – resíduos

sólidos), em uma fonte de renda em medidas para o benefício da favela, pelo coletivo – criando

novos territórios existenciais e dando autonomia para mobilizadores sociais.

Com o trabalho então, foi possível apontar algumas pistas para uma educação ambiental,

a ser repensada em uma perspectiva além de técnica, mas com direcionamento estético, ético e

político, voltada para a mudança, transformação e mobilização. E isso, demonstra as limitações

do estudo e possibilita um campo de construção na continuidade da exploração dessa pesquisa

– voltadas para o paradigma da produção da diferença.

4.1 A esquizoanálise como proposta de intervenção na educação ambiental

A esquizoanálise “Trata-se, em todo caso, de instaurar outra relação com a vida, e

precisamente com esta vida "antes" que ela tenha ganho uma forma, ou com a vida que

justamente se livrou de sua forma, ou com uma dimensão da vida aquém ou além da forma que

tende a adquirir” (PELBART, 2008 p 13).

Por isso, aprender–ensinar deve ser encarado do ponto de vista rizomático, formas

alianças, despertar potências, reconhecer-se como múltiplo que se transforma em cada

encontro, e reconhece outra potência, no outro – agenciamento, para criar um novo caminho

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contra o silenciamento de seus devires. Sendo assim, coordenar a mente e corpo, fazendo o

meio e organismo entrar em sintonia.

Segundo Nogueira Filho (2016), aprender-ensinar deve se estabelecer de modo

divergente e rizomático, a aprendizagem não pode ser submetida a seus resultados, mas

compreendendo a heterogeneidade, no nível das multiplicidades que se diferenciam ao inventar

a si e o mundo.

Essa aprendizagem em contínua desaprendizagem é o que chama de política da

invenção. Em relação ao agir técnico – é o esforço permanente de reconstruir-se e reinventar

uma experimentação permanente. Com intuito, de garantir novas formas de subjetividade, de

mudar a cartografia do coletivo.

“[...] e o aprender a aprender, para continuar aprendendo e inventando

a si e ao mundo (...) o processo de aprendizagem não é submetido a seus

resultados, e permite-se a continuidade do operar da cognição no nível das

multiplicidades, do coletivo. Faz-se bifurcar a cognição, mantendo-a de modo

divergente e rizomático, diferenciando-se de si mesma. Este aprender a

aprender – que, paradoxalmente, é aprender a desaprender – constitui o que

Kastrup denominou de “política da invenção”. Em relação à técnica, seria aqui

um esforço por uma experimentação permanente, de modo a assegurar a

criação de novas formas de subjetividade, de transformar a cartografia do

coletivo. ” (KASTRUP apud NOGUEIRA FILHO, 2012 p 35,36)

Portanto, “[...] aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico

do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar

para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito”. (FREIRE, 2002

p. 28) “Tudo isto, as linhas e as velocidades mensuráveis, constitui um agenciamento”.

(DELEUZE&GUATTARI, 1995 p 10).

“Para que haja disciplina é preciso, pois, que haja possibilidade de formular, e de

formular, e de formular indefinidamente, proposições novas”. (FOCAULT, 1996 p 30) “A

cognição não deixa de estar relacionada ao projeto de organização, estabilização do sentido do

mundo na forma de representações mentais (os símbolos mentais) [...]” (PASSOS, 1999 p 73)

“É preciso tomar a obra por inteiro, segui-la e não julgá-la, captar suas bifurcações,

estagnações, avanços, brechas, aceitá-la, recebe-la inteira. Caso contrário não se compreende

nada”. (DELEUZE 1992 p 108) “É na prática com a matéria, na criação de novos mundos, que

produzimos novas formas de conhecer e de pensar”. (NOGUEIRA FILHO, 2012 p 37).

Sendo assim, a esquizoanálise na prática educativa se insere na intervenção e

mobilização das máquinas de guerra – devires para tomada de posição, através do estímulo da

produção da subjetividade – que podem ser dadas através dos intercessores – como arte, a

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música, a dança, escrita, poesia, esporte, qualquer formas de expressão de linhas de fuga, que

só surge da perturbação. E, é a mudança que provoca o deslocamento da história, a evolução.

Isso significa constante produção de subjetividade, através dos agenciamentos.

“A lógica de um pensamento é o conjunto das crises que ele atravessa, assemelha-se

mais a uma cadeia vulcânica do que a um sistema tranquilo e próximo do equilíbrio”.

(DELEUZE, 1992 p 106) E o que dará consistência a esse pensamento que se reverbera nos

níveis molar e molecular, é a necessidade de mudar, que põem o sujeito a agir, que o mobiliza

começar, dar o primeiro passo e não desistir. Resistir. Como aponta, Nogueira Filho (2012),

Pelbart (2008)

“E é o sentido que vai colocar em relação a consciência e a vida,

estabelecendo relação entre as incitações vitais que põem o sujeito a agir, e o

que é constantemente tornado sua ação imediata”. (NOGUEIRA FILHO, 2012

p 76,77)

“[...] mas de recriar um corpo que tenha o poder de começar, [...] A

vida é este corpo, insiste ele, desde que se descubra o corpo em sua força de

gênese, por um lado, e desde que ele se libere daquilo que pesa sobre ele como

determinação –”( PELBART, 2008 p 15)

“O ideal é que, na experiência educativa, educandos, educadoras e educadores, juntos,

“convivam” de tal maneira com este como com outros saberes [...] vão virando sabedoria”.

(FREIRE, 2002 p. 24) A fala é um plano de ação que se preparada para dar estímulos de modo

a enfrentar os problemas que emergem.

Dessa forma, aumentando a percepção e ação. Conforme inventa continuamente, tanto

a si como o mundo, afetado por agenciamentos, o sistema cognitivo vai assumindo diversas

configurações no campo da subjetividade, em relação aos códigos, signos, dados já-dados,

estabelecidos, para criar um novo território. Tanto no nível molar, como molecular. Como

aponta Nogueira Filho (2012)

“O sistema cognitivo vai, então, vai assumindo diversas configurações

(ou códigos) conforme sua interação com o meio, conforme inventa

continuamente a si e ao mundo. E, se ele é afetado, é afetado em/por

agenciamentos”. (NOGUEIRA FILHO, 2012 p 63)

“A fala proporciona maiores possibilidades de ação. A cognição se

envolve em vários atos preliminares, utilizando métodos “indiretos”.

Utilizando palavras para criar um plano de ação específico, procura e prepara

estímulos de modo a torná-los úteis para enfrentar os problemas que emergem.

Assim, cresce, com a fala, o hiato entre percepção e ação”. (NOGUEIRA

FILHO, 2012 p 74)

Portanto, trata-se da construção de posturas em escalas individuais como coletivas –

tanto nas práticas cotidianas – agir técnico, como no seio familiar, conjugal. Na educação, isso

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se aplica em não se tratar mais de formas determinadas, nem de regras coercitivas – mas

facultativas, que conduza ética-estética na produção de existência ou estilos de vida, portanto,

esquizoanalítico.

Como aponta Deleuze (1992)

“Não se trata mais de formas determinadas, como no saber, nem regras

coercitivas, como no poder: trata-se de regras facultativas que produzem a existência

como obra de arte, regras ao mesmo tempo éticas e estéticas que constituem modos

de existência ou estilos de vida [...]” (DELEUZE, 1992 p 123)

A prática pedagógica (agir técnico) do ponto de vista da esquizoanálise implica em não

interferir, e sim cartografar. Traçar as linhas, para formar uma rede – isso é mobilização,

intervenção. Linhas de fuga, máquinas de guerras – arte, poesia, cinema, fotografia, dança,

multiplicidades e cada uma com sua heterogeneidade, e se conectam e permite o movimento,

ou seja – a ação. Isso requer ao educador uma experimentação constante de existência, e

produção de vida, de forma estética, visto que quando ensina-aprende, ambos são seres em

osmose e mutação constante.

Isto é, compreensão de rizoma, fazendo com surjam novos territórios existenciais, ideias

jamais pensadas, desperte a potencialidade, em não se entender como melhor que o outro –

competidores. Mas, ambos são potências, resistência, aliados – coletivo. Dessa forma, a

educação deve promover o estímulo à criação, a desterritorialização, devir, resistência – que

vem da necessidade, para saber qual é essa necessidade, faz-se necessário, identificar a

demanda. Isto é, em nível de produção de subjetividade e dos agenciamentos.

Para isso, necessita de criação e da voz do povo, e em se reconhecerem como parte da

natureza, e por isso, com responsabilidade técnica, estética, ética-política. A mudança é

possível desde que não nos deixem convencer, que é impossível. Antes de tudo, é preciso

acreditar, e acreditar no mundo. Como mostra, Deleuze (1992) e Freire (2002):

“Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o

mundo, nos despossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar

acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos

espaços-tempos, mesmo de superfície ou volumes reduzidos. [...] É ao nível de cada

tentativa que se avaliam a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a

um controle. Necessita-se ao mesmo tempo de criação e povo”. (DELEUZE, 1992 p

218)

“Falo da resistência, da indignação, da “justa ira” dos traídos e dos

enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões

éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas”. (FREIRE, 2002 p. 39)

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Portanto, podemos concluir, no caso do Morro dos Prazeres e na problemática da

comunidade quanto ao – descarte dos resíduos sólidos, com a educação ambiental, a partir da

esquizoanálise, em uma perspectiva técnica – mapeamento – para enxergar a dimensão e

também visualizar outras demandas, e com isso inserir os jovens, na sua história, e mobilizá-

los, pois a partir dessa experiência eles sentiram-se responsáveis.

Ou seja, agir com a cultura da favela, e também propondo uma mudança estética da

comunidade. E indissociável, de uma perspectiva ética e politica, visto que esse estudo e veio

de uma necessidade – em oposição aos assujeitamento do Estado, com desrespeito da toda luta

histórica de resistência da comunidade.

Em meio a esse cenário, era preciso agir. Através da mobilização comunitária, com as

sinalizações massivas, em postes, vielas – e com ações educativas. Foi possível, integrar a

comunidade quanto à importância da coleta seletiva tanto para um ciclo autossustentável e

também de se entender como parte do meio, intervindo, atuando, questionando, aprendendo.

Deslocando a história, evoluindo em direções mais humanas e solidárias, porque tudo se

conecta e nós somos o resultado de todas essas interações, por isso, devemos tratar tudo com

responsabilidade, respeito e afeto.

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