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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO Os painéis de azulejos sobre José de Anchieta no Pátio do Colégio, concebidos por Claudio Pastro, interpretados em três perspectivas: do artista, do espaço e do observador CLAUDINÉIA CÁSSIA GENOVEZE Orientador: Prof. Dr. Helmut Renders Dissertação de Mestrado apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós- Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre. SÃO BERNARDO DO CAMPO Setembro / 2015

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Os painéis de azulejos sobre José de Anchieta no Pátio do Colégio, concebidos por Claudio Pastro, interpretados em três

perspectivas: do artista, do espaço e do observador

CLAUDINÉIA CÁSSIA GENOVEZE

Orientador: Prof. Dr. Helmut Renders

Dissertação de Mestrado apresentada em

cumprimento às exigências do Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião, para obtenção

do grau de Mestre.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

Setembro / 2015

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FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Os painéis de azulejos sobre José de Anchieta no Pátio do Colégio, concebidos por Claudio Pastro, interpretados em três

perspectivas: do artista, do espaço e do observador

CLAUDINÉIA CÁSSIA GENOVEZE

Orientador: Prof. Dr. Helmut Renders

Dissertação de Mestrado apresentada em

cumprimento às exigências do Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião, para obtenção

do grau de Mestre.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

Setembro / 2015

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A dissertação de mestrado intitulada: “OS PAINÉIS DE AZULEJOS SOBRE JOSÉ DE

ANCHIETA NO PÁTIO DO COLÉGIO, CONCEBIDOS POR CLAUDIO PASTRO,

INTERPRETADOS EM TRÊS PERSPECTIVAS: DO ARTISTA, DO ESPAÇO E DO

OBSERVADOR”, elaborada por CLAUDINÉIA CÁSSIA GENOVEZE, foi apresentada e

aprovada em ___ de __________ de ________, perante banca examinadora composta por Prof.

Dr. Helmut Renders Alves (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Paulo Augusto de S. Nogueira

(Titular/UMESP) e Profa. Dra. Wilma Steagall de Tomaso (Titular/PUS-SP).

__________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião.

Área de Concentração: Linguagens da Religião

Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e Cultura

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Agradecimentos

Agradeço ao Prof. Dr. Helmut Renders, meu orientador, por ser um porto seguro em águas

turbulentas. Durante a construção da pesquisa mostrou-se um grande incentivador, cuidadoso

em suas análises e sempre paciente frente as minhas incertezas, tornando-se ao final do processo

uma referência de acadêmico a ser seguido.

Desejo agradecer ao Prof. Dr. Paulo Nogueira pois com seu espirito desbravador conseguiu

ampliar meus horizontes e ao Prof. Lauri Emilio Wirth que, com sua habilidade investigativa,

se tornou uma referência de historiador a ser seguida.

Desejo expressar minha gratidão ao suporte econômico recebido pelas instituições CAPES

e IEPG para a construção de nossa pesquisa.

Também agradeço à Universidade Metodista, em especial ao programa de Pós-Graduação

em Ciências da Religião, juntamente com a secretaria do programa, ao quais permitem que o

ambiente acadêmico, instigado pelos professores e colegas, possa ser vivenciado em sua

plenitude.

Agradeço ao artista Claudio Pastro por sua gentileza e atenção para com nosso processo de

construção da pesquisa.

Agradeço a minha prima-irmã Clara que com sua ajuda e apoio fez a revisão ortográfica da

pesquisa.

Finalmente, mas sendo eles os primeiros em minha vida, desejo agradecer ao Magnus e João

Lucas, pelo tempo cedido, pelo auxilio incondicional; pela compreensão das dificuldades, pelas

quais, sem vocês não teria conseguiria transpor; pelo acompanhamento carinhoso em minhas

buscas por documentos e material para a pesquisa e, principalmente, pela confiança em minha

capacidade de empreender tal voo, quando eu mesma não confiava em fazê-lo.

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Dedico esse trabalho ao Magnus e João Lucas, amores de minha vida, sem os quais a

pesquisa e minha vida seriam incompletas.

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Claudinéia Cássia Genoveze. Os painéis de azulejos sobre São José de Anchieta, no Pátio do

Colégio, concebidos por Claudio Pastro interpretados em três perspectivas: do artista, do espaço e do observador. Dissertação de Mestrado, submetido ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo, SP: Universidade de Metodista de São Paulo, 2015.

Resumo

A presente pesquisa objetivou compreender os painéis de Azulejos de José de Anchieta,

compostos por Claudio Pastro e instalados no Pátio do Colégio. Pretendemos, em um primeiro

momento compreender o estilo do artista, identificarmos suas referências: a Arte Bizantina e o

Estilo Românico, juntamente ao seu envolvimento com a Arte do Cristianismo Católico. No

segundo momento, buscamos analisar a representação figurativa de José de Anchieta, na base

do entendimento da Companhia de Jesus com suas regras norteadoras, além de compreender o

desenvolvimento dos jesuítas no Brasil e sua importância. Finalmente, objetivamos identificar

como a figura de José de Anchieta foi apresentada na composição dos painéis de Claudio Pastro,

em distinção e continuidade das narrativas anchietanas gerais da história colonial brasileira e

discursos imagéticas referentes a José de Anchieta que antecedem a obra de Claudio Pastro.

Palavras chaves: Cultura visual religiosa; painéis de azulejos; Companhia de Jesus; José de

Anchieta; Claudio Pastro; Pátio do Colégio de São Paulo.

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Claudinéia Cássia Genoveze. Os painéis de azulejos sobre São José de Anchieta no Pátio do

Colégio, concebidos Claudio Pastro interpretados em três perspectivas: do do artista, do

espaço e observador. Dissertation to obtain a Master in Studies in Religion, submittes do the Graduate Programm for Studies in Religion at the Methodist University of São Paulo. São Bernardo do Campo, SP: Universidade de Metodista de São Paulo, 2015.

Abstract

This research aims to understand the tile panels of José de Anchieta, composed by Claudio

Pastro and installed in the of Pátio do Colégio, São Paulo Brazil. First, we try to understand the

artist´s style as to identify the Byzantine and Romantic Art as his references, beside his general

involvement into Christian Catholic Art. Second, we propose to analize the figurative

representations of José de Anchieta, in dialog with his understanding within the Society of Jesus

and its guidelines, as part of the general understanding of the development and importance of

the Jesuits in Brazil. Third, we identify how José de Anchieta were finally represented in the

panels composed by Claudio Pastro, in its distinction and continuity of the common Anchietan

narratives in Brazilian colonial history and in the imagetic narratives referring to José de

Anchieta prior to the work of Claudio Pastro.

Keywords: Religious visual culture; tile panels; Society of Jesus; Jose de Anchieta; Claudio

Pastro; Courtyard of the college of São Paulo.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Cristo do Terceiro Milênio (_SITE003) ................................................................................. 23

Figura 2 – O Lugar do Encontro – O Coração (PASTRO, 2013, p. 42) ............................................... 27

Figura 3 – Vitral Gertrudes e Cristo (PASTRO, 2013, p. 51) ............................................................... 28

Figura 4 – Cruz de Helfta (PASTRO, 2013, p. 47) ............................................................................... 28

Figura 5 – Capela da Adoração (PASTRO, 2013, p. 49) ......................................................................... 29

Figura 6 – Visão da Cruz (em Aço Vazado) (PASTRO, 2013, p. 46) .................................................. 29

Figura 7 – Igreja dos Quarenta Mártires – Bulgária – 1230 – Iconóstase em Mármore (www.routard.com) ............................................................................................................................... 37

Figura 8 – Pantocrator – O Cristo Do Terceiro Milênio – Claudio Pastro – 1999 (plus.googleapis.com) ............................................................................................................................................................... 40

Figura 9 – Pantocrator – Por isso nos diz São Paulo: “Cristo é a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15). ............................................................................................................................................................... 44

Figura 10 – Pantocrator – Claudio Pastro – Capela dos Jesuítas no Anchietanun – 2006 .................... 44

Figura 11 - Ícone Santo Inácio (_SITE001) .......................................................................................... 47

Figura 12 – Ícone de Santo Inácio com os Exercícios Espirituais (_SITE004) .................................... 49

Figura 13 – Claudio Pastro – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 2 e 3) ................................................................................................ 50

Figura 14 – Claudio Pastro – Inácio de Loyola – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 2 e 3) ......................................................................... 51

Figura 15 – Claudio Pastro – Inicio da Colonização do Brasil – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 7) ..................................................... 51

Figura 16 – Claudio Pastro – José de Anchieta – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 9) ............................................................................... 52

Figura 17 – Claudio Pastro – Antônio Vieira – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 11) ............................................................................. 52

Figura 18 – Claudio Pastro – Alexandre de Gusmão – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 11) ................................................................. 53

Figura 19 – Claudio Pastro – Nossa Senhora Aparecida – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 15) .............................................................. 53

Figura 20 – Claudio Pastro – A Supressão da Companhia de Jesus – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 17) .............................................. 54

Figura 21 – Claudio Pastro – Século 19 – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 19) .......................................................................................... 55

Figura 22 – Claudio Pastro – Século 20 – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 21) .......................................................................................... 55

Figura 23 – Reprodução da capa do jornal A Gazeta de 25 de janeiro de 1954 (_SITE015) ............... 56

Figura 24 – Pia batismal confeccionada em pedra sabão – de 1824 - Museu do Caraça - MG (_SITE005) ............................................................................................................................................ 61

Figura 25 – Cristo Crucificado em madeira século 19, Museu de Arte Sacra de São Paulo (_SITE006). ............................................................................................................................................................... 61

Figura 26 – Igreja da Companhia de Jesus em Salvador, atual Catedral Basílica de Salvador (_SITE007) ............................................................................................................................................ 64

Figura 27 – Antiga Igreja da Companhia de Jesus em Belém do Para. Local de Pregação de Padre Vieira (_SITE008). ................................................................................................................................ 64

Figura 28 – Capela do Pateo do Collegio (fonte da Autora). ................................................................ 65

Figura 29 – Imagem do livro ‘Vida Ilustrada do Venerável Padre José de Anchieta’ datado de 1771 . 70

Figura 30 – Anchieta na Selva – G. Marion – Século 18 ...................................................................... 71

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Figura 31 – Reprodução do baixo-relevo “Na Escola de Piratininga (1554) ” (VIOTTI, 1980, p. 57) 76

Figura 32 – Reprodução do baixo-relevo “O poema latino em honra da Virgem (Yperoig – 1563) ” (VIOTTI, 1980, p. 113) ......................................................................................................................... 77

Figura 33 – Reprodução do baixo-relevo “Desembarcando no Rio de janeiro com os fundadores da cidade” (CARDOSO, 1997, p. 41) ........................................................................................................ 77

Figura 34 – Reprodução do baixo-relevo “O Apostolo e Taumaturgo do Brasil” (VIOTTI, 1980, p. 141) ....................................................................................................................................................... 79

Figura 35 – Reprodução do baixo-relevo “De Reritigba a Victoria (1597) ” (CARDOSO, 1997, p. 68) ............................................................................................................................................................... 80

Figura 36 – Reprodução do tema Poema à Virgem, instalado no Hospital Anchieta no Rio de Janeiro (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 112) .............................................................................................. 80

Figura 37 – Reprodução do tema Ressurreição e Baptismo do Índio Diogo, instalado no Hospital Anchieta no Rio de Janeiro (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 113). ................................................. 81

Figura 38 – Reprodução ciclo de azulejos composto por A. Paim (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 57) ......................................................................................................................................................... 82

Figura 39 – Reprodução ciclo de azulejos composto por A. Paim (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 58) ......................................................................................................................................................... 82

Figura 40 – Reprodução ciclo de azulejos composto por A. Paim (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 59) ......................................................................................................................................................... 83

Figura 41 – Reprodução ciclo de azulejos composto por A. Paim (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 60) ......................................................................................................................................................... 83

Figura 42 – Reprodução ciclo de azulejos composto por A. Paim (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 61) ......................................................................................................................................................... 84

Figura 43 – Benedito Calixto – Poema à Virgem Maria – 1907 ........................................................... 86

Figura 44 – Benedito Calixto – Anchieta e as Feras – 1893 ................................................................. 87

Figura 45 – Benedito Calixto – Evangelho na Selva – 1897 ................................................................. 87

Figura 46 – Vida Ilustrada do Venerável José de Anchieta-animais estão submetidos ao missionário evangelizador ........................................................................................................................................ 88

Figura 47 – Afresco que se encontra na Basílica Superior de São Francisco em Assis, feita por Giotto. Século 13 ............................................................................................................................................... 89

Figura 48 – Veronese, Sermão aos peixes de Santo Antônio - 1580 .................................................... 89

Figura 49 – Benedito Calixto – Na cabana de Pindobuçu - 1920 ......................................................... 91

Figura 50 – Benedito Calixto – ‘Padre José de Anchieta’(1902) .......................................................... 93

Figura 51 – Santinho de Anchieta – Companhia de Jesus .................................................................... 93

Figura 52 – Cândido Portinari – ‘Anchieta’ (s.d.) ................................................................................. 94

Figura 53 – Claudio Pastro – Anchieta e Tibiriçá – 1997 – Pertencente ao Acervo Anchietanun ........ 96

Figura 54 – Claudio Pastro – Anchieta, Painel 500 anos de Evangelização – 1990 – Instalado em Itaici, Centro de Espiritualidade Inaciana ....................................................................................................... 99

Figura 55 – Anônimo – Anchieta – s.d. – Centro de Espiritualidade Inaciana ................................... 100

Figura 56 – Anônimo – Anchieta Escritor – s.d. – Museu do Pateo do Collegio ............................... 100

Figura 57 – Folheto de Missa Comunidade do Pateo do Collegio ...................................................... 100

Figura 58 – S. Takaki – Uma Tarde na Colina de Piratininga – 1966 – Palácio Anchieta, Vitória, ES ............................................................................................................................................................. 101

Figura 59 – G. Giotti – Anchieta Taumaturgo – 1982 – Roma ........................................................... 101

Figura 60 – Ir. Charles de S. Gregório Magno – Ícone do Beato José de Anchieta – 2002 ................ 101

Figura 61 – Parede lateral da antiga igreja do Pateo do Collegio (fonte da Autora). .......................... 104

Figura 62 – Painel concebido por Claudio Pastro (_SITE009). .......................................................... 105

Figura 63 – Altar da Capela do Pátio do Colégio, antes da reforma elaborada por Claudio Pastro. (_SITE014) .......................................................................................................................................... 105

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Figura 64 – Altar da igreja antes da reforma e um desenho de como ficará a área do altar após a conclusão das obras (_SITE016) ......................................................................................................... 106

Figura 65 – Capela do Pátio do Colegio após a reforma concebida por Claudio Pastro (_SITE012) . 107

Figura 66 – Nichos laterais – que estão à direita do observador, na Capela do Pátio do Colégio (fonte da Autora)............................................................................................................................................ 107

Figura 67 – Nichos laterais – a esquerda do observador na Capela do Pátio do Colégio (fonte da Autora) ................................................................................................................................................ 107

Figura 68 – Ao fundo o atrium e a porta central da Capela do Pátio do Colégio (_SITE010, n.d.). ... 108

Figura 69 – Porta lateral da capela do Pátio do Colégio com o símbolo da Companhia de Jesus (_SITE013). ......................................................................................................................................... 108

Figura 70 – São Bento (_SITE002) ..................................................................................................... 113

Figura 71 – O Cristo do Terceiro Milênio – Claudio Pastro (_SITE003) ........................................... 113

Figura 72 – Sacrário – fonte da Autora ............................................................................................... 114

Figura 73 – Símbolo da Companhia de Jesus – fonte da Autora......................................................... 114

Figura 74 – Presbitério da Capela de José de Anchieta – fonte da Autora ......................................... 115

Figura 75 – Eixo central do painel Poema à Virgem – fonte da Autora ............................................. 128

Figura 76 – Eixo central do painel Fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga – fonte da Autora ............................................................................................................................................................. 131

Figura 77 – Eixo central do painel A Evangelização dos índios – fonte da Autora ............................ 134

Figura 78 –– Eixo central do painel O Conflito de Iperuí – fonte da Autora ...................................... 136

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LISTA DE PAINEIS

Painel 1 – POEMA À VIRGEM - fonte da Autora ............................................................................. 117

Painel 2 – A Fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga – fonte da Autora ............................ 118

Painel 3 – A Evangelização – fonte da Autora .................................................................................... 119

Painel 4 – O Conflito em Iperuig – fonte da Autora ........................................................................... 120

Painel 5 – Painel de azulejo instalado atrás do batistério – fonte da Autora ....................................... 121

Painel 6 – Painel de azulejo instalado atrás do ambão –fonte da Autora ............................................ 122

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Sumário

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14

Justificativa .......................................................................................................................... 14

Metodologia ......................................................................................................................... 16

CAPÍTULO 1 - A ARTE SACRA SEGUNDO O ARTISTA CLAUDIO PASTRO ....... 19

1.1. Dados biográficos de Claudio Pastro ......................................................................... 20

1.2. A arte sacra segundo Claudio Pastro ......................................................................... 22

1.3. Ícones, suas cores e fontes na Arte de Claudio Pastro ............................................. 40

1.3.1. As cores na iconografia bizantina ....................................................................... 41

1.3.2. As fontes usadas pela iconografia bizantina e na arte de Claudio Pastro ........... 43

Considerações intermediárias ............................................................................................ 45

CAPÍTULO 2 - A ARTE SACRA NA COMPANHIA DE JESUS E AS REPRESENTAÇÕES DE JOSÉ DE ANCHIETA .............................................................. 46

2.1. A origem da Companhia de Jesus .............................................................................. 46

2.2. O Mural 500 anos da Evangelização do Brasil de 1990, instalado em Itaici- C.E.I. 49

2.3. Padre José de Anchieta ............................................................................................... 56

2.3.1 Práxis evangelizadora de José de Anchieta ........................................................ 56

2.3.2. Biografia de José de Anchieta ............................................................................ 57

2.4 Estratégias da Educação e Catequização Jesuíta No Brasil .................................... 58

2.5 Arquitetura Jesuíta ..................................................................................................... 60

2.6 Iconografia Anchietana ............................................................................................... 67

2.6.1. Anchieta por Benedito Calixto ........................................................................... 85

2.6.2. Anchieta por Cândido Portinari .......................................................................... 94

2.6.3. Anchieta por Claudio Pastro ............................................................................... 96

2.6.4. Retratos de José Anchieta de outros artistas ....................................................... 99

Considerações Intermediárias ......................................................................................... 102

CAPÍTULO 3 - EM DIÁLOGO COM O CICLO DOS AZULEJOS DE JOSÉ ANCHIETA NA CAPELA DO PÁTIO DO COLÉGIO ................................................... 103

3.1. A capela como contexto do ciclo dos azulejos de Anchieta .................................... 103

3.2. O ciclo de azulejos de José de Anchieta ................................................................... 116

3.2.1. Características em comum dos azulejos ........................................................... 117

3.2.2. Estudos dos painéis ........................................................................................... 125

3.2.3. Os painéis interpretados pelo próprio artista e sua teoria da arte sacra: uma conversa. ......................................................................................................... 137

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Considerações Intermediárias ......................................................................................... 142

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 144

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 147

ANEXOS ............................................................................................................................... 152

1. Pedido do Vaticano para a Obra do Cristo do Terceiro Milênio ................................. 153

2. Homilia em São Paulo, Brasil, 3 de julho de 1980, Papa João Paulo II (VATICANO, 1980) ................................................................................................................................... 159

3. 24 de abril de 2014_ Santa Missa de ação de graças pela canonização de São José de Anchieta (VATICANO, 2014)............................................................................................ 165

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INTRODUÇÃO

Da comunidade inaciana do Pátio do Colégio somos integrantes e também de ambiente

escolar/religioso, pois, no momento embrionário da pesquisa, éramos responsáveis pela

coordenação do ensino religioso em um colégio Católico na cidade de São Bernardo do Campo,

São Paulo. Essas atividades nos fizeram perceber os desafios de levar a mensagem

evangelizadora a um espaço no qual os jovens apresentam o próprio código sociocultural.

A figura de José de Anchieta, que aprendeu a falar a língua de seus educandos, as técnicas

adotadas, que se tornaram referências na área educacional, objetivando transmitir a mensagem

para a qual fora designado, atraiu-nos sobremaneira. Ao participar das missas dominiciais, na

Capela de São José de Anchieta, os azulejos estavam ao nosso alcance para serem

contemplados. A contemplação não nos bastava; necessitávamos compreendê-los em sua

narrativa. Sentávamos a cada domingo perto de um painel de azulejo procurando absorver sua

imagem, relacioná-lo com a vida da Igreja. Tentávamos entender um jovem missionário que se

tornou poeta, linguista e, principalmente, desbravador em um país nascente. Juntamente com a

narrativa, as figuras e a composição tornavam-se uma metáfora e necessitávamos buscar as

origens, pois sua complexidade era motivo de atração permanente. Começamos a pesquisar o

estilo e o autor dos painéis de azulejos: o artista sacro Claudio Pastro.

Justificativa A construção da pesquisa que apresentamos: os azulejos sobre José de Anchieta, instalados

no Pátio do Colégio e compostos por Claudio Pastro, mostra-se de significativa importância,

em decorrência de vários aspectos, os quais identificamos em um primeiro olhar: o Brasil é um

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país de predominância católica, tal fato se deve a colonização portuguesa que impôs assim como

sua forma de governo, regras sociais e culturais. Estabeleceu a religião a ser seguida: o

cristianismo católico romano.

José de Anchieta é uma figura que estabelece a conexão entre esses dois pontos, a

religiosidade e a colonização no Brasil, pois aqui estava em uma missão evangelizadora,

solicitada pelo rei de Portugal à Companhia de Jesus, a qual Anchieta era membro, portanto

devemos analisar a figura de José de Anchieta por ser de extrema relevância à formação de

nossa identidade religiosa. Devemos relatar que, quando a composição foi solicitada e elaborada

ao artista Claudio Pastro, José de Anchieta não era ainda reconhecido pela Igreja como santo.

Em um longo processo que durou mais de quatrocentos anos, a figura de Anchieta, apesar de

sua relevância para a colonização e evangelização no Brasil, não recebeu o reconhecimento de

santidade. Buscamos então entender se a composição era uma forma de estabelecer alteridade,

fazendo ressoar uma solicitação que já estava há muito tempo em processo.1

O segundo aspecto a ser observado está no local de instalação dos painéis: na Capela de São

José de Anchieta, no Pátio do Colégio. O local é reconhecido como ponto de nascimento da

cidade de São Paulo, os primeiros tempos de colonização, mas, também, palco de disputas

religiosas e políticas por vários anos. As disputas ocorreram pela posse e administração do

espaço entre a Companhia de Jesus e o Governo Paulista. Somente na década de 1980, o conflito

cessou. Podemos, assim, questionar se a obra composta por Claudio Pastro, em 1999, busca

fazer memória à Fundação da cidade de São Paulo ou apresentar argumentos esclarecedores da

contenda.

O terceiro aspecto a ser observado é a escolha do artista e de seu estilo para a composição

dos painéis. O artista Cláudio Pastro é reconhecido no ambiente cristão católico como um

importante artista plástico, identificado como um artista sacro, sendo o único no país a viver

unicamente para compor obras e projetos para a Igreja. E sendo responsável por projetos no

Brasil; sendo ele o responsável pela concepção da arte visual da Basílica de Nossa Senhora

Aparecida e pela composição do Cristo do Terceiro Milênio, obra encomendada pelo Vaticano,

assim percebemos que entre seus projetos estão obras compostas para o Brasil assim como para

o exterior, além de peças que foram usadas em visita pelo Papa Francisco quando esteve em

visita ao Brasil, na Jornada Mundial da Juventude em julho de 2013 (ZACCARO, 2013).

Juntamente com seus projetos artísticos, Claudio Pastro é um autor bastante profícuo,

auxiliando a retomar ou apresentar a tradição da arte e das imagens para os cristãos católicos.

1 O processo de Canonização de José de Anchieta foi iniciado em 1627 no Rio de Janeiro (VIOTTI, 1980, p. 98) e somente em 3 de abril de 2014 foi reconhecida sua santidade. (Www1.folha.uol.com.br acessado em 19.07.2015)

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Assim o projeto apresenta elementos que necessitam ser descortinados ao observador. Vários

artistas entre eles Benedito Calixto e Cândido Portinari retrataram Anchieta, mas onde está o

diferencial de Claudio Pastro? Como podemos identificar seu recorte histórico? Anchieta;

pertencente à Companhia de Jesus, uma ordem que preza pela formação acadêmica, como tal

ordem e tal identidade podem ser reconhecidas nos painéis? Devemos também nos ater à

pergunta: se essa é uma primeira representação de Anchieta elaborada por Claudio Pastro, como

o artista encontra correspondência com a Companhia de Jesus? Sua representação apresenta

uma tradição dentro da Companhia de Jesus ou estabelece novos termos de representação? Na

continuidade de relevância frente à construção da pesquisa observamos o período de

composição, final do século 20. Seria esse momento para estabelecer um paralelo entre as

primeiras comunidades cristãs, fazendo memória à tradição da arte para o cristianismo católico?

Portanto, entendemos que a relevância da construção da referida pesquisa busca fornecer

respostas aos questionamentos que estabelecem uma conexão entre o início do processo

colonizador e a identidade religiosa atual no Brasil.

Metodologia A nossa pesquisa será construída utilizando-se dos painéis de azulejos de José de Anchieta,

instalados no Pátio do Colégio sendo os mesmos compostos por Claudio Pastro. Objetivamos

compreender os elementos que se tornaram norteadores para a composição como os recortes

históricos escolhidos para servirem de base para a composição de cada painel, entendermos a

relação do painel com o espaço onde está instalado, assim como o estilo do artista para a

elaboração da referida composição.

Podemos afirmar que a figura de José de Anchieta é emblemática2, pois sua identidade vai

ao encontro do início do processo colonizador no Brasil, assim como diversas áreas de atuação,

como dramaturgia, literatura, pedagogia, utilizam-se da figura de José de Anchieta para

demonstrar alteridade no surgimento ou desenvolvimento da referida área no Brasil.

Pretendemos analisar em nossa pesquisa qual figura está descrita nos painéis, escolhemos tal

projeto imagético por entendermos ser de significativa importância para a religiosidade

brasileira compreendermos como o missionário e evangelizador José de Anchieta, mesmo após

quatrocentos e dezoito anos de seu falecimento possa ser entendido, pois uma imagem religiosa

não é somente o assunto ou intenção da composição, mas o contexto de sua implantação e

2 “Nos utilizaremos da expressão emblemática como uma nova forma de linguagem capaz de reunir o elemento figurativo e o elemento reflexivo, a imagem e o conceito, também tendo em vista a persuasão e o convencimento do leitor, do ouvinte e do espectador” (BOMBASSARO apud RENDERS, 2011, p. 51).

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interpretação (ROSE, 2012, p. 55). A composição leva-nos a observar ideais nacionalistas, a

natureza em destaque, e a mensagem religiosa, com uma mediação visual, onde a comunidade

e o observador podem estar relacionados. Pois, como afirma Gombrich estamos sempre sujeitos

a influência do olhar do artista e de sua representação (GOMBRICH, 2007, p. 38).

Para a referida construção da pesquisa utilizaremos como referencial o material elaborado

para o entendimento da cultura visual de Gillian Rose, pois a composição de pinturas e gravuras,

assim como a composição para os azulejos, necessitam de um caminho norteador para sua

análise, buscando compreender a narrativa ali apresentada. As ferramentas metodológicas

indicadas por Rose seguem dois princípios referentes aos locais, (sites) ou perspectivas, e as

modalidades (modalities) ou aspectos que em conjunto contribuem para uma compreensão

crítica das imagens (ROSE apud RENDERS, 2011, p. 18 e 19).

Frente aos painéis de azulejos de José de Anchieta, instalados no Pátio do Colégio e

composto por Claudio Pastro, entendemos haver três perspectivas a serem observadas:

• A primeira perspectiva a ser observada é a de modalidade tecnológica (RENDERS,

2011, p. 19). Trata-se de observar o espaço onde estão instalados os painéis de azulejos. É de

significativa importância o local de sua instalação, onde o observador pode contemplar a

composição, levando-se a relevância de estarem instalados dentro de uma igreja, assim como a

ordem estabelecida para a instalação dos painéis, que se apresentam em um ciclo.

• A segunda perspectiva a ser observada e a de modalidade composicional (RENDERS,

2011, p. 19), onde analisaremos os aspectos da composição, o suporte escolhido, as imagens,

as cores, a figura de José de Anchieta e os recortes históricos que a composição utiliza como

referencial. A correspondência entre imagens, números e formas geométricas, as palavras

presentes nos painéis, a relação entre a imagem e a palavra, todos esses aspectos nos fazem

supor haver uma narrativa imagética de significativa importância na composição.

• A terceira perspectiva a ser observada torna-se referência para questões de produção

(Quem? Quando? Para quê? Por quê?) (RENDERS, 2011, p. 19).

É relevante ressaltar a importância do artista plástico que compôs os painéis de azulejos

dentro do ambiente cristão católico. Sendo seu nome referência dentro da arte sacra católica,

assim devemos nos ater aos questionamentos citados acima, quem compôs, em qual período foi

solicitada a composição? Qual a função? Para qual local a composição foi idealizada para fazer

parte? Por que tal solicitação?

Como os painéis de azulejos de José de Anchieta podem ser observados pela recepção é um

ponto de destaque no processo da construção da pesquisa, pois o artista Claudio Pastro

apresenta-se um defensor da arte sacra, assim entendemos que para o mesmo a arte está dividida

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em planos, superior e inferior, arte sacra e arte religiosa, sendo o ícone uma forma de arte sacra,

Rose afirma que “o ícone cristão paira sobre a fronteira entre o mundo presente e o mundo

futuro como um meio de invocar um Santo” (ROSE, 2012, p. 54). Devemos, então, buscar no

decorrer da construção da pesquisa entender se o artista apresenta José de Anchieta como um

mensageiro do Sagrado ou fonte de aprendizado como acontecem com os processos miméticos

(WULF, 2013, p. 76). Para tal compreensão podemos nos utilizar das primícias apresentadas

por David Morgan referente a piedade do olhar/ver, “pesquisa que apresenta a predominância

de dois caminhos do sujeito de se relacionar tanto com Deus como com o/a próximo/a,

denominados por ele o caminho da empatia ou da simpatia” (MORGAN apud RENDERS,

2011, p. 20).

David Morgan apresenta a distinção entre empatia e simpatia da seguinte forma:

• A empatia permite a compreensão de que todos os seres somos imago Dei sendo essa

afirmação responsável por estabelecer conexões de igualdade em todas as nossas relações

(RENDERS, 2011, p. 21).

• A simpatia é responsável pelo aspecto ou sensação de familiaridade, de aproximação

sem, entretanto, estabelecer conexões de igualdade (RENDERS, 2011, p. 21).

Construir uma pesquisa tendo como figura central José de Anchieta sempre é desafiador,

pois muito já se falou sobre ele, mas a composição elaborada por Claudio Pastro apresenta uma

nova perspectiva imagética que com o auxílio do método proposto por Rose e Morgan,

juntamente a outros autores como Wulf e Gombrich podem oferecer uma oportunidade única

descrita em um ciclo entre a religiosidade e o processo de colonização brasileira.

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CAPÍTULO 1 - A ARTE SACRA SEGUNDO O ARTISTA CLAUDIO

PASTRO

No primeiro capítulo, abordaremos sobre a vida, obra e formação do artista Claudio Pastro,

responsável pela concepção do projeto que será analisado por nós, os painéis de azulejos

instalados na Capela de São José de Anchieta, no Pátio do Colégio. Em um primeiro momento,

apresentaremos uma breve biografia sobre o artista, identificaremos parte de suas obras

elaboradas no Brasil e no exterior. Sem esgotar a contínua produção artística do mesmo,

ressaltaremos suas principais obras objetivando esclarecer a importância de Claudio Pastro

como artista e o reconhecimento de sua arte. Em um segundo momento, nos dedicaremos ao

ciclo dos azulejos de José de Anchieta, como parte da obra de Claudio Pastro. Observaremos

como os azulejos estão em sintonia com o estilo do autor/artista e como outras obras destacam

elementos que podem ser vistos como correspondentes àqueles apresentados no ciclo de

azulejos. Identificaremos também como a arte sacra, tão cara a Claudio Pastro se mostra

presente na obra em sua amplitude estabelecendo assim um paralelo entre a obra de Claudio

Pastro com o ciclo dos azulejos de José de Anchieta; relacionaremos os indícios do que

podemos identificar como característico na arte de Claudio Pastro, nos azulejos e em outras

obras, relacionando inclusive com a literatura escrita pelo próprio artista. No terceiro momento,

pretendemos observar e analisar outros ciclos de arte onde José de Anchieta é o tema central ou

referência, buscando perceber como outros artistas apresentaram Anchieta em seus painéis de

azulejos, telas e esculturas.

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1.1. Dados biográficos de Claudio Pastro

Hoje, após 30 anos de trabalho, podemos dizer que Claudio Pastro é um marco e uma

referência para os católicos, na arte sacra no Brasil e no mundo. Ele tem reavivado a linguagem

imagética cristã, numa época em que a secularização e os modernismos psicológicos e sociais

quase esvaziaram o conteúdo e a forma do ser, do ethos cristão.

Para entendermos melhor a arte de Claudio Pastro, devemos observar sua formação.

Claudio Pastro nasceu em 15 de outubro de 1948, na cidade de São Paulo, cidade que abriga

ainda hoje seu ateliê, de formação católica e humanista, com intenso contato com as irmãzinhas

da Assunção, seu convento era próximo à residência da família de Claudio Pastro. O

monaquismo beneditino foi um ponto central na formação do jovem Claudio. Por intermédio

de Colette Catta conheceu o monaquismo beneditino, vindo a conhecer posteriormente o

Mosteiro Beneditino da Anunciação, em Curitiba, no qual recebeu os primeiros conceitos e

aulas práticas sobre composição de arte com o monge Dom Gérard Calvet. Curitiba também foi

o local onde encontrou de forma mais intensa o ícone bizantino, através do Mosteiro do

Encontro, pertencente também às monjas beneditinas. Seus pais pertenciam ao grupo leigo que

conviviam com as irmãs. Podemos observar que a sobriedade e o conceito de essencial,

deixando o supérfluo ou floreios, próprios dos beneditinos, deixou sua marca na pessoa de

Claudio Pastro e também no artista. Em sua juventude, com o convívio das irmãzinhas da

Assunção aprendeu a refletir sobre a Palavra, como a Lectio Divina (PASTRO, 2004, p. 17).

Nas palavras do próprio artista é assim descrita sua infância:

Nasci em São Paulo, no Brasil, em 1948. De família de origem europeia (do Vêneto, da Galícia e das Ilhas Canárias), herdei uma fé firme, espírito de ordem, respeito, harmonia, garra e amor pela Verdade. Meus heróis infantis foram os santos que testemunharam o Senhor Jesus. Desde cedo aprendi que viver, assim como morrer, mais que um simples ato animal, é nobre. Aprendi a confiar naquele que dá equilíbrio e paz: é Deus que nos ama primeiro, nos dá vida e nos conduz (PASTRO, 2004, p. 16).

Cursando a Ciências Sociais pela PUC-SP, viveu a necessidade de trabalhar para sustentar

seu curso universitário, tornando-se professor de cursos pré-vestibular e madureza, fornecidos

pela Prefeitura de São Paulo. Reconhece que através desse momento adquiriu o pensamento

crítico com o curso de Ciências Sociais e a necessidade do pensamento didático com o,

magistério. O curso de ciências sociais, no entanto, não o agradava, sua aptidão estava clara

para a arte, mas as opções existentes naquele período não eram possíveis para o padrão

econômico da família. Sem recursos econômicos, terminou o curso na PUC-SP.

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Conheceu a Bíblia Pauperum3, identificada como a Bíblia dos Pobres, de grande importância

no período medieval, época em que a grande maioria da população não dominava a leitura e as

imagens traziam o texto para a compreensão do povo. Com a Bíblia dos Pobres, Claudio Pastro

passou a valorizar a iconografia primitiva (TOMASSO, 2013, p. 31).

No contínuo aperfeiçoamento de sua espiritualidade Claudio Pastro começou a participar da

Igreja Russa da Anunciação, de rito eslavo, católica ortodoxa, dirigida por Joan Stoïsser, padre

jesuíta austríaco. Nos anos 80, os imigrantes russos não eram muito numerosos, sendo que

também o rito Ortodoxo era praticamente desconhecido pelos brasileiros. Padre Joan Stoïsser

proclamava em eslavo a Palavra e depois em português para que Claudio Pastro pudesse

acompanhar. O convívio com o Padre Stoïsser com os beneditinos de sua juventude e as

informações recebidas pelo Concilio do Vaticano II, com as já citadas companhias das monjas

beneditinas levaram Claudio Pastro a reverenciar a arte bizantina. Em viagem à Europa foi

tomado de emoção, pela sobriedade e esplendor do estilo românico, onde conseguiu perceber a

força da mensagem teológica. Através de contato com o Padre Francesco Ricci, recebeu o

incentivo para o início de sua caminhada de reconhecimento no ambiente da arte (PASTRO,

2004, p. 16).

Todas essas influências não poderiam ficar guardadas, deveriam ser partilhadas, assim, junto

a outros jovens, fundou a Casa Cultura e Fé4. Foi responsável por toda a parte cultural, projetou

e realizou a capela, onde a missa era celebrada diariamente, além das Laudes, o Ofício,

conferências, palestras, (etc). Esse espaço recebeu o convívio de padres conhecidos como

padres operários, de origem francesa, os padres Michel Cüonot e Jomar Vigneron, foram

importantes para a formação de Claudio Pastro, que em suas próprias palavras: Eles puseram-me em contato com nossas raízes orientais, com o espírito hebraico e a ortodoxia, as origens do Evangelho. Assim aprendi a amar o Oriente, o valor físico da pessoa, do corpo, dos gestos, do encontro e do lugar do acolhimento (PASTRO, 2004, p. 17).

Foi em contato com esses padres operários que posteriormente conheceu em profundidade

os traçados da iconografia bizantina na França, os quais já havia iniciado os estudos em

3 A designação Biblia Pauperum, significa "a Bíblia de Pauper" ou "Bíblia dos Pobres." Ele é utilizado para se referir a um gênero de livros de imagens medievais que procurou retratar narrativas bíblicas de forma ilustrativa para o grande número de pessoas que não têm acesso à educação literária. http://www.fowlerbiblecollection.com/biblia-pauperum.html. Acessado em 24/04/2015. 4 Casa Cultura e Fé: atualmente é conhecida como Núcleo de Fé e Cultura, espaço de encontro entre pessoas que se dedicam ao trabalho cultural e que, na diversidade de culturas que caracteriza o mundo de hoje, buscam um lugar de diálogo. Pertence à Arquidiocese de São Paulo e interage com a Pastoral Universitária na PUC-SP.

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Curitiba. Conheceu a teologia de origem oriental como Pavel Evdokimov e Oliver Clément.

Em Paris iniciou-se em iconografia bizantina com Egon Sendler5. Entendemos, portanto, a

origem da seguinte afirmação: Na língua hebraica, falta uma palavra para expressar o conceito de beleza no sentido estético. Em geral, a Escritura nos fala mais da bondade e do justo intrinsecamente que de sua qualidade extrínseca; assim, há uma estreita relação entre beleza e bondade, entre interno e o externo (PASTRO, 2008, p. 43)

Claudio Pastro é responsável pela construção, idealização e projeto de mais de trezentas

igrejas, no Brasil e no Exterior (PASTRO, 2007, p. 319). Junto a seu caminhar de artista

plástico, é um autor sobre arte sacra bastante profícuo, costuma participar de eventos que

ofereçam conhecimentos básicos sobre arte sacra, ajudando a difundir a fé cristã católica,

sempre apontando para o Ecumenismo proposto pelo Concílio do Vaticano II.

Destacamos alguns dos cursos que colaboraram para a formação de Claudio Pastro; Curso

de Cerâmica na Abbaye Notre Dame de Tournay, Hautes-Pyrénnés, França. Curso de Arte

Românica no Museu de Arte de Catalunha, em Barcelona, Espanha. Curso de Técnicas

Pictóricas, História da Arte, Teoria da Forma e Percepção, Tecnologia e uso das Arenárias e

Materiais Sintéticos, Tecnologia de Incisão, Estética, Sociologia da Arte e Teoria e Método dos

Meios de Comunicação, na Accademia di Bella Arti Lorenzo da Viterbo, Itália.

Utilizaremos a bibliografia que o artista apresenta sobre arte, sendo esta vasta e significativa;

também utilizaremos outras obras do mesmo autor que foram executadas para apresentar a vida

de santos ou santas como forma de entendermos e analisarmos a composição e a força de sua

arte.

1.2. A arte sacra segundo Claudio Pastro

Claudio Pastro é considerado para a Igreja Católica Apostólica Romana, um dos mais

importantes artistas sacros dos séculos 20 e 21. Foi escolhido para executar o Cristo do Terceiro

Milênio. Pedido feito pelo Vaticano, no período do Papado de Bento XVI6. Para esclarecermos

a importância da obra do Cristo do Terceiro Milênio necessitamos estabelecer algumas pontes.

A primeira delas é a relação arte e artista como agentes de uma nova pastoral, a qual foi instruída

na Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium7, responsável por uma reforma litúrgica.

5 Padre jesuíta, nascido na Silésia, em 1923, um mestre na arte bizantina, Padre Sendler dirigiu oficinas de ícone em Meudon e Publier (França) e Siracusa (Itália) por mais de trinta anos. http://www.atelier-st-andre.net/en/pages/presentation/father_sendler.html acessado em 24.04.2015 6 Cópia do Pedido reproduzida no Anexo 9.1 7 O sagrado Concílio propõe-se fomentar a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições susceptíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em

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7. Para realizar tão grande obra, Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas acções litúrgicas. Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro - «O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz» (20) -quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas. Está presente com o seu dinamismo nos Sacramentos, de modo que, quando alguém baptiza, é o próprio Cristo que baptiza (21). Está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta, Ele que prometeu: «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt. 18,20) (VATICANO, 1963).

O contexto de renovação promovido pelo Concílio do Vaticano II e a Constituição

Dogmática Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia tornaram os artistas

colaboradores da liturgia. Quando às portas do terceiro milênio, um movimento ecumênico

tornou-se presente em toda a Igreja, para tal celebração buscou-se uma representação imagética

de Cristo, estabelecido para os Católicos o fundador de sua fé. Para tarefa tão complexa e de

extrema importância para os Católicos, foi escolhido Claudio Pastro, artista plástico inserido

no ambiente católico e dedicado somente à arte sacra. A obra resultante do pedido do Vaticano,

em destaque abaixo, intitulada “O Cristo Evangelizador para o Terceiro Milênio” ou “O Cristo

do Terceiro Milênio, encontra-se em exposição no Vaticano entre as Capelas Sistina e Paulina

(TORRES, 2007, p. 2).

Figura 1 - Cristo do Terceiro Milênio (_SITE003)

Cristo, e fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja. Julga, por isso, dever também interessar-se de modo particular pela reforma e incremento da Liturgia. http://www.vatican.va/archive/ hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19631204_sacrosanctum-concilium_po.html acessado em 24/05/2015.

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Claudio Pastro é o responsável de uma extensa obra iconográfica e arquitetônica. Atualmente

é o idealizador da reforma interna da Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Obra arquitetônica

e religiosa de grande expressão da religiosidade brasileira. Sobre esse importante projeto, o

artista apresentou as seguintes ideias para organização do espaço e ambientação:

No primeiro desenho (em Corte) quis chamar a atenção sobre o “centro”, razão do

edifício: o presbitério com o altar, lugar do memorial.

Na cúpula, como um anel, coloquei a flora e a fauna brasileiras – Deus faz aliança com

esta terra – é AQUI (Brasil) que a “Jerusalém nova desce como Esposa bem adornada”

para desposar seu amado.

Do alto, sobre o altar, desce uma cruz cósmica e dourada (4 lados iguais), símbolo da

vitória pascal, orgulho de seu povo. Sinal da aliança nova, árvore da vida no centro da

praça da Nova Jerusalém, a própria basílica.

Esta forma de cruz bem estudada deve tornar-se um distintivo para o povo brasileiro

como, por exemplo, o Corcovado é para o Rio de Janeiro.

Bíblia Pauperum

Ao longo das paredes das quatro naves, logo acima dos primeiros arcos, o Antigo e

Novo Testamentos fará (de forma elegante) uma cinta com a “história da fé” dos

peregrinos que geração após geração aí virão celebrar e receber, assim, uma educação

permanente da fé. Sob a forma de azulejos, pois fazem parte das tradições ibérica e

brasileira, essas paredes descreverão na linguagem visual (universal) a ESCRITURA.

A “Abside” (que não é côncava) deve receber três grandes painéis (RETÁBULOS) em

azulejos:

o Retábulo 1. Cristocêntrico

o Retábulo 2. As mulheres na Bíblia é também o lugar da “Imagem da Padroeira”

o Retábulo 3. Padroeiras dos estados brasileiros.

A Parede de fundo (entrada da basílica do lado interno) receberia um grande painel (de

azulejos) com a temática “As Mulheres na Igreja” (PASTRO, 2010, p. 251 e 252).

Claudio Pastro apresenta um detalhamento do projeto, não só referente à composição

imagética, mas também uma fundamentação na tradição e na Sagrada Escritura. Estando assim

de acordo com o norteamento da Igreja quanto à arte sacra.

O artista sacro está a serviço da divindade, da comunidade, de sua religião e cultura, não de seus próprios propósitos. Coloca o seu dom em função do objetivo maior. Essa e a razão primeira da arte e do artista sacro. O princípio de arte sacra é o que dá sentido à arte em geral (PASTRO, 2008, p. 16).

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122. Entre as mais nobres actividades do espírito humano estão, de pleno direito, as belas artes, e muito especialmente a arte religiosa e o seu mais alto cimo, que é a arte sacra. Elas tendem, por natureza, a exprimir de algum modo, nas obras saídas das mãos do homem, a infinita beleza de Deus, e estarão mais orientadas para o louvor e glória de Deus se não tiverem outro fim senão o de conduzir piamente e o mais eficazmente possível, através das suas obras, o espírito do homem até Deus (VATICANO, 1963).

O próprio artista se apresenta como fruto do Concílio do Vaticano II8, onde a abertura ou

entendimentos teológicos foram significativos para que a assembleia se tornasse participante

ativa da celebração eucarística. A Constituição Dogmática do Sacrosanctum Concilium é

norteadora para os fiéis e celebrantes.

Para assegurar esta eficácia plena, é necessário, porém, que os fiéis celebrem a Liturgia com rectidão de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam, cooperem com a graça de Deus, não aconteça de a receberem em vão (28). Por conseguinte, devem os pastores de almas vigiar por que não só se observem, na acção litúrgica, as leis que regulam a celebração válida e lícita, mas também que os fiéis participem nela consciente, activa e frutuosamente (VATICANO, 1963).

É importante ressaltar que, apesar de estar vinculado ao Concilio do Vaticano II, buscando

em recentes determinações litúrgicas, (fim do século 20), utiliza representações imagéticas

relacionadas às primeiras comunidades cristãs, faz reverência ao estilo românico, onde

estabelece que a grandeza de Deus está na simplicidade da construção, busca através da tradição

uma forma de expressar a fé. Em Irineu, que repete em seus escritos ‘Há um único Deus, unus

et idem’ encontramos uma afirmação de como a arte está a serviço da fé:

Como, aliás, será tu Deus, se ainda não foste feito homem? Como serás perfeito, se mal acabas de ser criado? Como serás imortal se numa natureza mortal, não obedeceste a teu Criador? Pois em primeiro lugar é preciso que assumas tua condição de homem, e só em seguida te caiba em partilha a glória de Deus: pois não és tu que fazes Deus, aguarda pacientemente a Mão de teu Artista que tudo faz em tempo oportuno, digo, no tocante a ti que és feito. Mostra-Lhe um coração flexível e dócil, e guarda a forma que te deu este Artista, tendo em ti a Água que d’Ele provém, na falta da qual, ao endurecer-te, não receberias a modelagem produzida por Seus dedos. Mantendo essa conformidade, ascenderás à perfeição, porque pela arte de Deus vai ser oculta a argila que existe em ti. Sua Mão criou tua substância; Ela te cobrirá de tais ornatos que o próprio Rei se encantará com tua beleza. Mas se, deixando-te endurecer, repelires Sua arte e te mostrares descontente com o fato de que Ele te tenha feito homem, tua ingratidão para com Deus fará com que rejeites em bloco não só a Sua arte, mas a vida: da natureza do homem. Se, então, Lhe

8 Concilio Vaticano II: XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, foi convocado no dia 25 de dezembro de 1961, através da bula papal "Humanae salutis", pelo Papa João XXIII. Este mesmo Papa inaugurou-o, a ritmo extraordinário, no dia 11 de outubro de 1962. O Concílio, realizado em 4 sessões, só terminou no dia 8 de dezembro de 1965, já sob o papado de Paulo VI

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entregares o que a ti pertence, ou seja, a fé n’Ele e a submissão, receberás o benefício de Sua arte e serás a obra perfeita de Deus. Se, pelo contrário, resistires a Ele e te furtares a Suas Mãos, a causa de teu inacabamento residirá em ti que não obedeceste, não nele que te chamou (IRINEU apud BESANÇON, 1997, p. 145).

Podemos nos utilizar da tradição para nos aproximarmos da compreensão da arte de Claudio

Pastro como em Plotino: o mundo sensível está pendente do mundo inteligível e este lhe

confere uma certa dignidade: “Ele conserva em si a imagem do inteligível” (PLOTINO apud

BESANÇON, 1997, p. 143). Em suas palestras percebemos um contínuo esforço para que suas

imagens sejam compreendidas como forma de oração, utilizando-nos de Gregório de Nissa:

“Como o divino é a beleza suprema e o mais elevado dos bens ao qual tudo o que deseja o belo

se inclina, por isso dizemos que o espirito (nous) formado à imagem da mais elevada beleza

permanece, ele próprio, na beleza...” (GREGORIO DE NISSA apud BESANÇON, 1997, p.

165). Como representação Claudio Pastro reconhece sua arte em um estilo, mas busca, além da

forma e estilo que a arte pode oferecer, uma identificação da fé que vivencia, a fé cristã católica.

Para representar os conceitos da mesma, bebe nas fontes do catecismo da Igreja, nos

documentos dogmáticos e conciliares.

Minha vocação, dádiva, carisma está na raiz de minha história. Há um fio condutor único em minha vida, com pessoas, nomes e lugares que são protagonistas do Espírito que me mantém vivo. Por intermédio dessas pessoas, o Espírito veio ao meu encontro e entregou-me o tesouro da fé, da beleza e do gosto pela vida (PASTRO, 2004, p. 16).

É importante ressaltar que em sua obra, há um mergulho na vida espiritual dos santos e santas

que representa; busca trazer para o olhar do interlocutor a mensagem que o representado

recebeu do crucificado, como podemos observar nas palavras de Agostinho: “Uma relação de

pessoa a pessoa entre Deus e sua criatura, de um lado e do outro estabelece um ato de liberdade

e coloca este existus-reditus no tempo histórico individual e cósmico (AGOSTINHO apud

BESANÇON, 1997, p. 168).

Para Claudio Pastro, como artista, Jesus Cristo é a fonte da eterna beleza: A beleza só aflora

numa perfeita correspondência entre o ser e o fazer. Se sou cristão, batizado, iluminado, então

todo o meu fazer decorrerá daquilo que sou. Fra Angelico dizia: ‘Para pintar as coisas de Cristo,

é necessário ser de Cristo’ (PASTRO, 2008, p. 31). Claudio Pastro apresenta um detalhamento

e imersão em cada projeto, não só referente à composição imagética, mas também uma

fundamentação na tradição e na Sagrada Escritura, como mencionado nos detalhamentos do

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projeto de reforma da basílica de Aparecida. Esses detalhamentos, estão presentes em todos os

seus projetos, como exemplos os projetos de Santa Gertrudes de Helfta e São Bento.

Podemos exemplificar com a vida de Santa Gertrudes de Hefta. O artista aceito o convite

para conceber um projeto para um templo em devoção à santa, pois o antigo foi destruído nos

bombardeios da segunda guerra mundial. Santa Gertrudes é importante para os católicos como

a santa que apresentou a capacidade humana de aproximar-se ou ir ao encontro do coração de

Cristo, (RENDERS, 2011, p. 148) O projeto de Claudio Pastro recebeu o título: ‘ O espaço do

encontro’, no qual o artista evocou dois momentos: no primeiro, a imagem do coração na parede

central do altar, Jesus crucificado com o coração em destaque. A parede concebida como

suporte para o Crucifixo possui parte das pedras remanescentes da igreja original.

Figura 2 – O Lugar do Encontro – O Coração (PASTRO, 2013, p. 42)

Em um segundo espaço, um enorme vitral apresenta Gertrudes e Cristo em um só coração.

Percebemos os preceitos que foram levados em conta no projeto; toda a história geográfica,

política, social e espiritual, fazendo-se presentes na construção do templo, a união da

comunidade em torno do projeto, a tradição mantida com as pedras da antiga igreja e a

experiência mística que tornou a pessoa de Gertrudes uma santa de importância mundial.

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Figura 3 – Vitral Gertrudes e Cristo (PASTRO, 2013, p. 51)

Figura 4 – Cruz de Helfta (PASTRO, 2013, p. 47)

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Figura 5 – Capela da Adoração (PASTRO, 2013, p. 49)

Figura 6 – Visão da Cruz (em Aço Vazado) (PASTRO, 2013, p. 46)

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Em vários momentos de apresentação de suas obras/obra ou em palestras proferidas pelo

artista, nas quais estivemos presentes, uma frase ecoa recorrente: ”As paredes rezam”.

Inferimos então que, para o artista, mais do que a arte de formas e estilos, o importante está na

relação conceito/ mensagem. Aproximando-nos de Agostinho, entendemos que a alma não pode

contar consigo própria para receber a luz sobre Deus que ela não possui. Ela deve recebê-la de

Deus, e essa luz é criada tanto quanto a alma. A iluminação pressupõe, pois, a criação

(AGOSTINHO apud BESANÇON, 1997, p. 170).

Entendemos assim que o local de encontro, o templo, deve permitir o encontro entre a criação

e Deus para que a iluminação possa ocorrer. “Portanto, uma construção não é apenas uma

ocupação de caráter prático, para o uso imediato, mas também é um indicativo do espírito que

ali vive (PASTRO, 2007, p. 51). “Vós sois o edifício de Deus” (1Cor 3,9 apud PASTRO, 2007,

p. 51).

Observamos que, em várias obras, suas linhas alongadas, puras, sem floreios, tentam

alcançar, nas palavras do próprio artista a Jerusalém Celeste; ou o que imaginamos sê-la.

Quando santos são retratados, podemos perceber seu estilo sóbrio, traços firmes, muitas vezes

monocromáticos, sem distrações, informações visuais significativas para que possamos nos

interessar pela reverência do Sagrado, que se apresentou na vida do santo ou santa por ele

retratado. O importante parece ser, aos olhos do artista, a mensagem que o santo traz para o

povo que o segue. Podemos relacionar tal atenção em seu produzir artístico com a informação

contida na Carta Dogmática do Sacrosanctum Concilium: Recordem-se constantemente os artistas que desejam, levados pela sua inspiração, servir a glória de Deus na Santa Igreja, de que a sua actividade é, de algum modo, uma sagrada imitação de Deus criador e de que as suas obras se destinam ao culto católico, à edificação, piedade e instrução religiosa dos fiéis (VATICANO, 1963).

Atentemo-nos, também, à uma continua busca pelas formas geométricas - o círculo,

quadrado, triângulo - em suas obras que remetem aos princípios básicos da beleza. “O

sentimento do “maravilhar-se”, do “tremendum”, vem-nos de uma simples e grandiosa

descoberta: diante da perfeição, da harmonia, da incrível ordenação em tudo, desperta em nós

o Maravilhoso” (PASTRO, 2007, p. 15).

Ressalta-se através dessa afirmação que, para o artista, a obra somente expressa a Beleza que

provém do mistério quando apresenta harmonia e perfeição. Resta-nos agora compreender o

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que para o autor é a harmonia e a perfeição. Para Agostinho a harmonia, a unidade, a igualdade,

o número são fontes de beleza (AGOSTINHO apud BESANÇON, 1997, p. 171)

Em sua obra Guia do Espaço Sagrado, o autor e artista Claudio Pastro traz um longo tratado

sobre seus conceitos de arte, arte sacra e arte religiosa. A arte sacra segundo o autor, principia

com uma simbologia proveniente da geometria, onde círculos, quadrados e espirais são

caminhos de um símbolo, que é o centro gerador, o centro de um ser, do espaço (PASTRO,

2007, p. 17). Assim como Agostinho buscou entender a beleza: A relação do Verbo ao Pai, sendo a fonte do Ser e do Uno, é igualmente a fonte do belo. Quando uma imagem iguala seu modelo estabelece-se entre eles a simetria, a igualdade, a proporção, vale dizer: a beleza (AGOSTINHO apud BESANÇON, 1997, p. 174).

Há toda uma preocupação em busca do sentido místico em relação a números e arquitetura.

Para o autor a expressão “as paredes rezam” é uma verdade, que pode ser apresentada através

de sua linguagem imagética. O templo pode ser descrito com a seguintes perícopes:

O espaço sou eu, o espaço somos nós. E porque somos cristãos. “Vivo, mas não sou mais eu, é Cristo que vive em mim” Gl 2,20” ou o autor/artista se utiliza de João; “A Palavra se fez Carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). É o Mistério da Encarnação em que o Divino desposou a matéria (PASTRO, 2007, p. 21)

Referindo-se ao espaço e ao corpo como uma união mística, faz todo sentido que para o

autor/artista o espaço Celebrativo seja da maior importância, com uma referência simbólica

estabelecida nos tratados e concílios da Igreja, pois a celebração é um memorial que torna o

crucificado presente entre os celebrantes. Assim, utilizando-se principalmente de textos de Odo

Casel (beneditino alemão 186-1848), Pio XII e a encíclica Mediator Dei (1947) a expressão

liturgia9 adquire o seguinte significado: A liturgia não tem caráter de “culto”, de esforço humano em que se busca um contato com Deus por meio de sua oferta e adoração, ao contrário, liturgia é o momento de ação salvífica de Deus sobre o homem, de tal modo que os

9 Liturgia: do grego leitougia, serviço público: leitougos, funcionário; de laos, povo, e érgon, obra). No Novo Testamento, a palavra liturgia é utilizada para designar não apenas a celebração (cf. At 13,2; Lc 1,23), mas também o anúncio do Evangelho (cf. Rm 15,15; Fl 2,14-17,30) e a caridade em ato (cf. Rm 15,27; 2Cor 9,12; Fl 2,25). Em todas essas situações trata-se do serviço a Deus e aos homens” (CIC, N. 1070). “É o exercício do sacerdócio de Cristo, que se manifesta por sinais e se realiza a seu modo a santificação dos seres humanos, ao mesmo tempo que o Corpo Místico de Cristo presta culto público perfeito à sua cabeça” (SC, n. 7). No oriente, a eucaristia é chamada de liturgia. No Ocidente, em contrapartida, denomina-se assim a todas as celebrações que a Igreja considera suas, estão contidas em seus livros oficiais e são realizadas pela comunidade e pelos ministros indicados para cada caso. Em concreto chama-se liturgia à celebração da Eucaristia e dos demais sinais sacramentais e à reza da Liturgia das Horas. Não são celebrações litúrgicas as devoções privadas ou populares como o Rosário e a Via Sacra (DOTRO & HELDER, 2006, p. 98).

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homens, uma vez assumidos no mistério de Cristo presente no rito possam louvar e adorar a Deus “em Espirito e Verdade” (PASTRO, 2007, p. 41).

Sendo a liturgia mensagem que traz o crucificado presente entre a assembléia, o templo e o

espaço onde a mensagem litúrgica é transmitida através da celebração, a arte de Claudio Pastro

se propõe como uma forma de diálogo que ocorrerá entre templo, celebração e assembleia. A

Celebração pode ser compreendida como uma sintonia entre o amor de Deus e sua criação:

“Que ninguém vá imaginar que à origem das obras de Deus acha-se um amor nascido da

necessidade, quando a verdade é que esse amor nasce, isto sim, da superabundância de sua

benevolência” (AGOSTINHO apud BESANÇON, 1997, p. 175).

Como afirma Gregório de Nissa, a arte estabelece o diálogo entre a vida intelectual e a vida

espiritual do homem, levando-o ao encontro do Criador; A imagem significa uma participação sobrenatural na santidade de Deus (. Por isso Gregório compara Deus a “um pintor que floreia sua imagem, transforma--a em sua própria beleza e desvenda nela sua própria excelência” A imagem diz respeito a vida intelectual (nous). E à vida espiritual (pneuma) do homem, os dois componentes da natureza (physis) do homem, no estado em que ele foi criado (GREGORIO DE NISSA apud BESANÇON, 1997, p. 159).

Inserido no estilo de arte de Claudio Pastro está uma distinção muito clara entre arte sacra e

arte religiosa. Em todas as suas obras, o artista/autor faz questão de ressaltar a diferença entre

as duas. Para ele, a arte sacra é fruto de um complexo envolvimento entre a tradição e a Palavra

na Igreja, com suas encíclicas, tradições, normativas e a Palavra. A arte religiosa é fruto de um

momento histórico, particular ou comunitário, que traz à tona a forma de interpretar um dos

aspectos da religião observada por esse grupo ou pessoa. Dessa maneira, tradições populares se

formam, como a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, em que a imagem de Jesus com o

coração exposto é adorado como transformador ou milagroso. Para a arte sacra o Sagrado

Coração de Jesus está embasado em uma longa tradição teológica, a qual nos faz refletir e

observar a mensagem do Crucificado, não é uma imagem renascentista, mas uma imagem cujas

formas alongadas lembram que Jesus esvaiu-se de tudo para pertencer a Deus10. A arte sacra é um sentir com a Igreja. A imagem de culto vem do Mistério em si, de sua transcendência, e dirige-se à própria transcendência. Essa imagem não é fruto da interioridade humana e psicológica. A arte de culto não diz “isso é o Cristo” ou “isso representa Cristo”, mas uma terceira coisa: “aqui está presente o Cristo”. ... O artista que a realiza é um ser humano de fé que vive dos sacramentos da Igreja e serve à ação do Espírito Santo (PASTRO, 2008, p. 83).

10 Palestra proferida em dezembro de 2014, no museu de arte sacra de São Paulo

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“...Outro motivo para que as imagens sejam “sem semelhança” é que, se acaso a relação fosse maior com o objeto representado, elas levariam ao erro idolátrico. Devem ser de pouca elevação e insuficientes, a fim de que ninguém as confunda com as essências celestes e supracelestes (DIONISIO o AEROPAGITA apud BESANÇON, 1997, p. 250).

A Beleza definida por Claudio Pastro é a manifestação do Mistério. Com uma busca

teológica para essa afirmação o autor/artista se utiliza de documentos da Igreja, como carta aos

artistas, de João Paulo II, datada de 04 de abril de 1999, na qual encontramos a seguinte

afirmação: “a beleza é a expressão visível do bem, do mesmo modo que o bem é a condição

mística da beleza” (VATICANO, 1999). Ou na tradição patrística, como por exemplo Santo

Agostinho: “Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! ” (Santo Agostinho em

Confissões apud PASTRO, 2008, p. 43). A Beleza está justificada na Sagrada Escritura: “Enfim,

na Sagrada Escritura a Beleza é a manifestação do divino, de sua glória, do Ser dos seres que é Deus e

dos seres por ele criados. Deus é a beleza, é belo, pois só ele é o Um, o Bom e o Verdadeiro” (PASTRO,

2008, p. 43).

Também podemos encontrar sua referência na Carta Dogmática do Sacrosanctum

Concilium, Sobre a Arte Sacra: É esta a razão por que a santa Mãe Igreja amou sempre as belas artes, formou artistas e nunca deixou de procurar o contributo delas, procurando que os objectos atinentes ao culto fossem dignos, decorosos e belos, verdadeiros sinais e símbolos do sobrenatural. A Igreja julgou-se sempre no direito de ser como que o seu árbitro, escolhendo entre as obras dos artistas as que estavam de acordo com a fé, a piedade e as orientações veneráveis da tradição e que melhor pudessem servir ao culto (VATICANO, 1963) .

Há uma aparente contradição, pois utiliza-se do medieval e se apresenta como representante

do Concilio Vaticano II. Justifica-se por seu trabalho estar fincado também na tradição e

documentos eclesiais, assim a Igreja assume que viveu todos os períodos históricos, culturais,

sociais, políticos e artísticos, que contribuíram para a Igreja atual, que fazem parte de um viver

e sentir a fé hoje.

A Igreja preocupou-se com muita solicitude em que as alfaias sagradas contribuíssem para

a dignidade e beleza do culto, aceitando no decorrer do tempo, na matéria, na forma e na

ornamentação, as mudanças que o progresso técnico foi introduzindo. 123. A Igreja. Nunca considerou um estilo como próprio seu, mas aceitou os estilos de todas as épocas, segundo a índole e condição dos povos e as exigências dos vários ritos, criando deste modo no decorrer dos séculos um tesouro artístico que deve ser conservado cuidadosamente. Seja também cultivada livremente 'na Igreja a arte do nosso tempo, a arte de todos os povos

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e regiões, desde que sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados. Assim poderá ela unir a sua voz ao admirável cântico de glória que grandes homens elevaram à fé católica em séculos passados (VATICANO, 1963).

Com frequência observamos citações de Dionísio, o Areopagita, pois sendo fundamental

para o difícil momento vivenciado pela igreja nos conflitos iconoclastas11, suas observações

referentes ao uso da imagem e conceitos de beleza tornaram-se uma expressão de defesa da arte

a serviço do sagrado: O chamam Belo, Beleza, Amor, Amado. Dão-lhe outro nome divino que convenha a esta fonte de amor e plenitude de graça. Belo e beleza se distinguem e se unem numa só causa que os une... Chamamos Beleza aquele que transcende a Beleza de todas as criaturas, porque estas a possuem como presentes dele, cada qual segundo sua capacidade. Como a luz irradia sobre todas as coisas, assim está Beleza a tudo reveste irradiando-se desde o próprio manancial. Beleza que chama as coisas a si mesma. Portanto, seu nome Kalós quer dizer Belo, que contém em si toda a Beleza. Se chama Belo, pois está embaixo de todos os aspectos... belo eternamente, invariável.... Não é amável em um sentido e desagradável em outro, às vezes Belo e às vezes não; para uns Belo e para outros feio, não. É constantemente idêntico a si mesmo, sempre Belo. Nele estava em grau eminente toda a Beleza antes que ela existisse, ele é sua fonte (Dionísio, o Areopagita, Os nomes de Deus apud PASTRO, 2008, p. 44).

Encontramos em seus textos, repetidas vezes, passagens que reportam a Paul

Evdokimov, consequentemente entendemos ser de significativa importância o teólogo, pois

Claudio Pastro afirma a importância da Assembleia presente no templo, onde Paul

Evdokimov destaca:

Todavia a seu modo, todo crente pode tornar-se ‘monge interiorizado’, e encontrar o equivalente dos votos monásticos, exatamente do mesmo modo, nas circunstâncias pessoais de sua vida, seja ele celibatário ou casado (EVDOKIMOV, 2007, p. 71).

Tal afirmação vem ao encontro do trabalho de Claudio Pastro, onde ele considera

impossível separar arte e liturgia na celebração cristã. O viver cristão para o artista é ser

cristão em sua plenitude, em todos os espaços (PASTRO, 2008, p. 27).

Em seu livro O Evangelho da Beleza, Claudio Pastro afirma: “O sentido de sagrado é

indispensável para entendermos o porquê da beleza” (PASTRO, 2008, p. 15). Entendemos ser

11 Iconoclastia ou Iconoclasmo (do grego εικών, transl. eikon, "ícone", imagem, e κλαστειν, transl. klastein, "quebrar", portando "quebrador de imagem") foi um movimento político-religioso contra a veneração de ícones e imagens religiosas no Império Bizantino que começou no início do século VIII e perdurou até ao século IX. Os iconoclastas acreditavam que as imagens sacras seriam ídolos, e a veneração e o culto de ícones por conseqüência, - idolatria.

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de significativa importância nos atentarmos aos conceitos e aos princípios do estilo bizantino e

ao conceito de beleza, relacionado à arte sacra, elementos indicados pelo artista. O Ícone está

ligado à oração, à contemplação, como afirma Stefano De Fiores: “Rezar é necessário para o

pintor que pinta a imagem, rezar exige-se dos fiéis diante do ícone, rezar é indispensável para

a Igreja inteira” (FIORES apud PARRAVICINI, 2008, p.7).

O iconógrafo como afirma Claudio Pastro é instrumento a serviço da fé, ele deve recitar uma

oração antes de pintar. Em seu livro, Arte Sacra, o artista nos apresenta a Oração do Iconógrafo,

anterior ao século 11:

Senhor Jesus Cristo, nosso Deus, Vós que tendes uma natureza divina e sois sem limites Tomastes um corpo no seio da Virgem Maria para a Salvação do homem! Vos dignastes desenhar o caráter sagrado da vossa face imortal e o imprimiste sobre o santo tecido, que serviu para curar a doença do governador Abgar e clarear sua alma para o conhecimento do verdadeiro Deus! Iluminastes com o vosso santo Espírito o vosso apóstolo e evangelista Lucas, para que pudesse representar a beleza de vossa Mãe puríssima que vos carregou criança sobre os braços, dizendo: “ A graça de quem nasceu de mim derramou-se sobre os homens! ” Ó Divino Senhor, de tudo aquilo que existe, limpai e dirigi a minha alma, o coração e o espírito do vosso servidor (aqui se recita o nome do iconógrafo) Conduzi minhas mãos, para que possa representar dignamente e perfeitamente a vossa Imagem, a de vossa santíssima Mãe e a de todos os santos, para a glória, a alegria e o embelezamento de vossa santíssima Igreja. Perdoai os pecados de todos aqueles que veneram essas imagens, que se colocam piedosamente de joelhos diante delas, prestando, assim, honra ao modelo que está nos Céus. Salvai-nos de todas as más influências e instrui-os com bons conselhos. Vos pedimos pela mediação de vossa santíssima Mãe, do ilustre apóstolo e evangelista Lucas e de todos os santos. Amém (PASTRO, 2002, p. 50).

Entendemos, que a vida do iconógrafo ou do artista que se utiliza de seus princípios, deve

estar ligada à Igreja, à contemplação e a oração. Podemos então apresentar Claudio Pastro como

um artista que segue esses princípios, pois ele afirma: “O artista sacro está a serviço da

divindade, da comunidade, de sua religião e cultura, não de seus próprios propósitos. Coloca o

seu dom em função do objetivo maior. Essa é a razão primeira da arte e do artista sacro”

(PASTRO, 2008, p. 16). Precisamos, agora, estabelecer o princípio norteador da arte sacra. Em

várias obras, com autores diversos, quando se argumenta sobre arte sacra, utiliza-se a seguinte

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frase: “A beleza salvará o mundo” (DOSTOIÉVSKI apud BESANÇON, 1997, p. 223). Resta-

nos a pergunta. Qual beleza será responsável por salvar o mundo?

Podemos iniciar com as reflexões de Tomás de Aquino: “Há de assinalar, antes de mais, que

a beleza coincide com a plenitude do ser, portanto, com o bem e com o verdadeiro. Contudo,

revela-se no mundo exterior, de tal modo que o olho a pode aprender e que ela lhe pode agradar”

(AQUINO apud RUPNIK, et al., 2012, p. 98).

Entendemos que observar a beleza faz parte de um imbrincamento, no qual o interior do ser

se manifesta, ou busca manifestar-se através da apreciação do belo, para aprofundar-se ainda

mais com o bem e verdadeiro determinado por Tomás de Aquino. Assim a beleza não é um

conceito efêmero, mas intenso e fruto de uma busca por encontrar a plenitude. Tal linha de

associação será levada por Von Balthasar, com sua afirmação: “A assunção da perspectiva estética

garantiria à teologia, precisamente, o primado da revelação, a forma experiencial da fé, a unidade

original da consciência com o sensível, com base numa sensibilidade cultural” (VON BALTHASAR

apud RUPNIK, et al., 2012, p. 104).

Percebemos um encontro entre a afirmação de Tomás de Aquino com Von Balthazar, a

preocupação com a beleza não se dá por uma questão plástica, composicional, mas o que traz a

composição para o observador, como a composição pode auxiliar o observador a encontrar o

Sagrado. Essa é a motivação da arte sacra (VON BALTHASAR apud RUPNIK, et al., 2012, p.

105).

Nas palavras de Florenski, a beleza está relacionada à vida espiritual, onde é vivida

precisamente na liturgia. Então: “O caminho para a beleza, é, então, o caminho ascético da

divinização, o caminho que o homem se faz penetrar pelo amor divino, que deixa transparecer

a consubstancialidade de tudo” (FLORIENSKI apud RUPNIK, et al., 2012, p. 114).

Entendemos que a beleza, no parecer desses três grandes teóricos, é uma busca pelo sagrado,

que está interiorizado no homem e vai se descortinando através de um caminhar místico, como

afirma Rupnik: ‘A beleza, mais do que qualquer outro termo, exprime a globalidade e a

integridade da visão de Deus, da criação e da redenção’ (RUPNIK, et al., 2012, p. 119).

Necessitamos, perceber que o sagrado, a liturgia e Deus aparecem constantemente como

relacionados ao termo beleza. Então, a arte que está ligada ao sagrado, que se apresenta na

liturgia, a qual está a serviço do encontro com o Senhor, deve estar embebida dos princípios

citados acima e deles fazer parte. No parecer de Claudio Pastro a arte bizantina e a arte

românica são apontadas como formas artísticas que traduzem de forma mais direta o encontro

entre o Mistério e o homem (PASTRO, 2002, p. 4).

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Necessitamos, nesse momento da pesquisa, entendermos os princípios da arte bizantina e da

arte românica. Utilizaremos como obras norteadoras, A Arte Sagrada no Oriente e no Ocidente

de Titus Burckhardt e Significado nas Artes Visuais de Erwin Panofsky, juntamente com A

Imagem Proibida – uma história intelectual da iconoclastia de Alain Besançon.

Com a afirmação de Burckhardt, provém a seguinte afirmação; “a partir da época em que os

santuários começaram a ser construídos, foi preciso que se subordinassem a uma arte consciente

das leis espirituais” (BURCKHARDT, 2004, p. 98) percebemos que a arquitetura e a arte que

se dispõem ao serviço do sagrado deveriam e devem estar embebidas de conhecimento

simbólico, no qual os signos possam remeter às leis espirituais citadas acima. Segundo o autor

é na ‘Igreja ortodoxa grega que as imagens estão mais diretamente integradas ao drama

litúrgico’ (BURCKHARDT, 2004, p. 99). A liturgia está mais evidenciada na iconóstase,

divisória que separa o Santo dos Santos – o local onde o sacrifício eucarístico é realizado, local

onde somente os sacerdotes são autorizados a permanecer; os fiéis podem somente observar,

no espaço determinado como nave.

Figura 7 – Igreja dos Quarenta Mártires – Bulgária – 1230 – Iconóstase em Mármore (www.routard.com)

O Iconóstase12 segundo os patriarcas gregos divide o mundo dos sentidos do mundo

espiritual. Essa é a razão da disposição das imagens sagradas apresentadas nessa divisória,

12 Iconóstase; dá-se o nome a uma parede divisória entre a nave de uma igreja e o santuário. É ornada de ícones mais ou menos numerosos, segundo uma ordem bem precisa em fileiras sobrepostas (GHARIB, 1997, p. 228).

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lembrando que o homem envolvido por sua racionalidade não consegue se aproximar da

verdade divina diretamente. As imagens, embebidas de símbolos transmitem a capacidade

imaginativa, que se torna a ponte entre o intelecto e as faculdades sensórias. O plano das igrejas

bizantinas possui a seguinte divisão: um coro (adyton), onde é permitido adentrar somente os

sacerdotes e seus auxiliares, como acólitos e diáconos; uma nave (naos), onde toda a

comunidade se faz presente, juntamente com a Iconóstase já citada. Nesse espaço, iconóstase,

três portas se apresentam, representando as fases do drama divino. Pelas portas laterais circulam

diáconos e acólitos, a porta central somente pode ser atravessada pelo sacerdote

(BURCKHARDT, 2004, p. 100).

Na iconóstase, as imagens ali estão instaladas são denominadas ícones. A arte de escrever

um ícone está baseada em uma longa tradição, e toda arte proveniente de uma tradição artesanal

se faz operando através de uma esquematização de cores e formas geométricas, as quais se

tornam acessíveis à decodificação através de uma mediação litúrgica. Como afirma Burckhardt,

‘o método artístico presume, por sua vez, uma disciplina espiritual’ (BURCKHARDT, 2004, p.

104).

Não podemos deixar de citar a chamada guerra iconoclasta na qual iconoclastas e iconófilos

apresentavam divergências frente às implicações da arte representativa. Vários confrontos

ocorreram e neles opositores de ambos os lados apresentavam discursos contrapondo liturgia,

Sagrada Escritura e tradição. Com a argumentação baseada na perícope referente à Encarnação

do Verbo (cf. Jo 1,1), onde Deus não se fez conhecer, sua transcendência não é passível de

representação figurativa, mas a forma humana de Cristo, em seu mistério, está relacionada à

transcendência de Deus. Apesar de duas naturezas, podemos representá-lo por termos vistos e

tocados sua humanidade (cf. Jo 1.14 apud (BURCKHARDT, 2004, p. 112).

Portanto em 787 d.C., o Sétimo Concílio de Nicéia, estabeleceu: (...) a justificação do ícone na forma de uma oração dirigida à Virgem que, como substância ou suporte da Encarnação do Verbo, é também a verdadeira causa de sua figuração: ‘ O Verbo indefinível (aperigraptos) do Pai definiu-se a Si Mesmo (perigraphe), fazendo-se carne por Ti, ó Geradora de Deus. Reconduzindo a imagem (de Deus) manchada (pelo pecado original) à Sua forma primordial, Ele infundiu-lhe a Beleza Divina. Reconhecendo e confessando isto, nós a imitamos em nossas obras e nossas palavras (BURCKHARDT, 2004, p. 113).

Podemos relacionar, através dessa oração, toda a argumentação anterior referente à beleza,

pois contemplando o Ícone, que representa a vontade de Deus manifesta, podemos encontrar a

beleza que é a transcendência de Deus.

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Necessitamos entender agora os códigos das práxis de iconografia bizantina, firmados

inicialmente, em Burckhardt:

O fundamento doutrinal do ícone determina não apenas sua orientação geral, seu tema e sua iconografia, mas também sua linguagem formal, seu estilo. Este estilo é o resultado direto da função do símbolo: a imagem não deve ter a pretensão de substituir o objeto representado, seu original, que a transcende imensamente. De acordo com as palavras de Dionísio, o Areopagita, a obra deve “respeitar a distância que separa o inteligível da sensível” (BURCKHARDT, 2004, p. 116).

Entre os fundamentos citados por Burckhardt assentam-se; os ícones não devem criar ilusões

de ótica, como perspectiva ou profundidade. A perspectiva estabelecida é a perspectiva

invertida, onde o observador é observado pelo ícone; muitas vezes o ícone é translúcido, como

se as personagens recebessem uma luz misteriosa. O dourado na composição é identificado

como ponto de luz, sua correspondência está na Luz celestial; as dobras das roupas que podemos

observar em um ícone, antes de apresentar movimento corpóreo, expressam um movimento

espiritual, é o espirito que os anima. A técnica pictórica segue uma esquematização para que o

ícone possa ser lido em sua função primeira, que é a função doutrinal; para tanto o iconógrafo

deve estar preparado para o seu trabalho através de oração e jejum. Integrando-se

adequadamente a Igreja; pois é fundamental que toda representação esteja de acordo com as

escrituras. Os ícones não recebem a assinatura de seu autor, isso ocorre devido ao princípio de

que a arte de escrever um ícone é uma forma de arte voltada para a reverência ao Sagrado e não

para a reverencia ou a satisfação pessoal do autor (BURCKHARDT, 2004, p. 117 e 118).

Em Panofsky, com sua obra Significado nas Artes Visuais, nos será apresentado o estilo

bizantino retomando o aspecto das proporções, estabelecido no Manual do Pintor do Monte

Atos13, a preocupação geométrica ou a preocupação com as proporções estavam destinadas a

estabelecer a harmonia entre as partes da composição. Podemos entender o conceito das

proporções, observando a figura 8. O Pantocrator composto por Cláudio Pastro mantém o

conceito dos três círculos que devem estabelecer a composição da cabeça. Assim observamos

o primeiro círculo sendo a auréola, o segundo, formado pelo cabelo juntamente com a barba e

finalmente o terceiro, composto pela face de Cristo (PANOFSKY, 2012, p. 115).

13 Cânone do monte Atos, séculos XII e XIII in Trattato di architetura civile e militare de Francesco di Giorgio Martini (C. SALUZZO, ed. Turim, 1841, I)

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Figura 8 – Pantocrator – O Cristo Do Terceiro Milênio – Claudio Pastro – 1999 (plus.googleapis.com)

Os autores Titus Burckhardt e Erwin Panofsky apresentam o estilo bizantino de forma

diferente: onde um (Burckhardt) apresenta os aspectos teológicos inseridos à arte. Panofsky

aborda a questão da geometria e da proporção, mas ambos apresentam a tradição e manutenção

do estilo como uma qualidade presente ao estilo. Besançon, apesar de estabelecer os

movimentos que podem auxiliar na observação do Ícone, afirma que o fato de haver cânones,

um manual a seguir para tal arte permite as falsificações em grande escala. “O Ícone reproduz

cânones” (BESANÇON, 1997, p. 231).

Em nossa opinião observamos que a falsa identidade de uma obra independe de seu estilo.

Besançon afirma: “O Ícone é uma escrita. Ele toma de empréstimos seus temas à Bíblia, aos

apócrifos, à liturgia, à hagiografia, aos sermões dos Pais” (BESANÇON, 1997, p. 221). O autor

apresenta-nos três movimentos, para o procedimento da análise de um ícone. Em um primeiro

movimento, o Ícone apresenta-se acima da arte, sendo um caminho para o encontro com o

Sagrado. No segundo movimento, o Ícone é arte, que torna o observador capaz de perceber o

invisível, uma janela que apresenta a presença que ali atua, compactuando com o olhar do

observador. No terceiro movimento, o Ícone é superior à arte religiosa ocidental, a qual traz em

sua origem e tradição influências pagãs (BESANÇON, 1997, p. 226).

1.3. Ícones, suas cores e fontes na Arte de Claudio Pastro

Tendo como objetivo entender a proximidade do ícone bizantino com a arte de Claudio

Pastro, analisaremos um exemplo no qual essa identificação é mais facilmente percebida.

Escolhemos o ícone intitulado Pantocrator que, por sua tradição demonstra importância para

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ser retratado; onde apresentaremos uma breve análise do ícone, e indicaremos a composição de

Claudio Pastro na qual a referência ao ícone bizantino se faz presente.

Utilizando-nos da obra Os Ícones de Cristo, de Georges Gharib, faremos um breve

comentário sobre sua origem e veneração. Segundo o autor, o Pantocrator está entre as mais

variadas representações de Cristo. Comecemos pelo significado do título Pantocrator, sendo a

tradução mais aceita, a de origem grega, “ Onipotente”. O ícone transmite o dogma criptológico

das duas naturezas - humana e divina - unidas na única Pessoas do Verbo: Filho de Deus e Deus

Ele próprio, consubstancial ao Pai (GHARIB, 1997, p. 91). São conhecidas também

composições em mosaicos e afrescos. O local em que o ícone do Pantocrator pode ser visto é

variável, pode ser observado na nave ou à frente da nave, na cúpula, na iconóstase ou podendo

ser ícones portáteis, dependendo aspecto teológico que queira ser enfatizado com sua

representação. A figura que serve de base para a composição do ícone do Pantocrator é o

Mandilion14: (...) segundo os cânones pictóricos, o Pantocrator e representado quase sempre de busto (...). Caracteriza-se pela aureola crucífera: pela mão direita que abençoa “ a maneira grega” e pela esquerda que segura um livro aberto ou fechado, ou mesmo um rolo. Quando o livro está aberto, o versículo evangélico que nele aparece é, “Eu sou a luz do mundo” (GHARIB, 1997, p. 93).

Podemos compreender que a tradição encontra reflexo na obra de Claudio Pastro, observando a

composição elaborada por ele do Cristo do Terceiro Milênio que acompanha os indícios dos cânones

relatados acima.

1.3.1. As cores na iconografia bizantina

Os cânones estabelecem um ciclo de cores a serem utilizadas na escrita do ícone e cada uma

delas é responsável por uma referência simbólica. Apresentamos uma breve esquematização de

cores para que possamos ler o ícone. Podendo, assim, relacioná-las às cores utilizadas nos

painéis de azulejos de José de Anchieta: o azul e branco.

Branca: é a cor do reino dos céus, da luz divina de Deus, da santidade e da simplicidade. As

pessoas justas – aquelas que eram boas, honestas e viveram pela Verdade - são representadas

nos ícones com vestes brancas. Branco também é a cor dos lençóis da morte, do Cristo na

deposição na tumba e de Lázaro. Segundo Dionísio Aeropagita, branco revela a glória e a

14 Mandilion; nome aramaico e árabe que significa “toalha”. Na iconografia oriental designa o linho sobre o qual Cristo imprimiu milagrosamente os traços de seu Rosto, que mandou ao rei Abgar de Edessa. O Mandilion ficou em Edessa até 944 d.C., quando foi comprado pelos bizantinos e transferido para Constantinopla onde ficou até 1204. Nesse ano, com a conquista de Constantinopla pelos latinos, desapareceu (GHARIB, 1997, p. 288).

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potência do divino, mas também a destruição do mundo terrestre. Após a ressurreição, o Cristo

é sempre representado de branco.

Azul: na cosmogonia, o Deus Criador é cor azul. O Cristo durante os três anos de seu

ministério da verdade e da sabedoria, é representado com o manto externo (himation) azul. De

azul ele inicia os homens nas verdades da vida eterna. Com sua profundidade infinita, o azul é

símbolo do caminho na fé.

Verde: no Cristianismo, o verde é o símbolo da regeneração da consciência. Nas escrituras,

o verde serve como atributo da natureza, exprimindo a vida dada à vegetação, simbolizando

também o crescimento e a fertilidade. Daí ser também o símbolo da esperança. Para o

Aeropagita, o verde é a “a juventude e a vitalidade”

Vermelho: o Aeropagita caracteriza a cor vermelha com as palavras “incandescência” e

“atividade”. De todas as cores, o vermelho é a mais ativa; avança na direção do espectador,

impõe-se, tem movimento.

O vermelho e o branco, cores que traduzem o Amor e a Sabedoria de Deus, são aquelas que

encontramos no Cristo após a ressurreição. O vermelho simboliza também a realidade celeste,

a Ressurreição e a segunda vinda de Cristo. Os serafins, que ficam ao lado do trono de Deus,

também são representados em vermelho. O vermelho indica o Espírito Santo intenso como

Amor, como Fogo que purifica.

Púrpura: essa cor exprime, sobretudo, a ideia da riqueza, pois era um produto de alto custo.

A ideia de riqueza associada aos elementos de magia e religiosos é essencialmente potência e,

como tal, instrumento e testemunha de consagração. Os sacerdotes e reis vestiam vestes de cor

púrpura sendo, portanto, a cor das mais altas dignidades.

Preto: tradicionalmente, o preto se opõe ao branco, assim como as trevas se opõem à luz, o

mal ao bem e a noite se opõe ao dia. O preto, contudo, é o símbolo da luta contra o mal. Em

muitas pinturas da Idade Média, Jesus é representado de preto quando luta contra o demônio,

nas tentações do deserto. O preto também é usado nas vestes dos monges como símbolo da mais

alta ascese, de sua morte para este mundo material. O inferno, no ícone da ressurreição, é preto

assim como a tumba de onde Lázaro é ressuscitado e a gruta embaixo da cruz de Cristo, com a

caveira, símbolo da entrada da morte pelo pecado, da qual Cristo nos livra. A gruta da natividade

de Cristo também é preta para recordar que o Cristo aparece “para iluminar com cores aqueles

que estão nas trevas e na sombra da morte e dirigir nossos passos pelo caminho da paz. ” (cf.

Lucas 1,79). O preto também significa que o menino, como todos os homens, passará pela morte

para nos doar a vida eterna.

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Violeta: o tom violeta, mistura de azul e vermelho, é desde tempos muito antigos o símbolo

do luto. Se pensarmos que o vermelho é o símbolo do fogo espiritual, do amor divino, e o azul

é a verdade terna, o violeta será o símbolo da ressurreição eterna. Durante a semana santa, a cor

da igreja é violeta para simbolizar não apenas o luto pela morte do Cristo, mas também a

preparação para a sua ressurreição.

Marrom: essa cor é uma composição de vermelho, azul, verde e contém preto. Quando

comparado com o preto, parece uma cor viva, mas, às outras cores, mostra-se uma cor morta.

É o reflexo da densidade da matéria, falta o dinamismo e irradiação de outras cores. Assim

encontramos o marrom em tudo que é terreno. Também é a cor símbolo da humildade. Nos

monges e ascetas, marrom é símbolo da renúncia às alegrias da vida terrena e da pobreza.

Amarelo: o Simbolismo do Ouro; o ouro e o sol simbolizam a união da alma a Deus, a luz

revelada aos profanos. O amarelo, o ouro e o sol representam os três graus dessa revelação. O

ouro, pode ser um metal, uma substância que não faz parte da pintura, é difícil de harmonizar

com o sistema de cores do ícone, não obstante, está firmemente estabelecido na prática

iconográfica. Se as cores se expressam como a luz refletida, o ouro é própria luz, pura e genuína.

Visualmente, diz Florenski, a pintura e o ouro pertencem a esferas diferentes de existência e é

exatamente dessa diferença que o iconógrafo faz uso

(http://www.iconografiabrasil.com/Atelie_Theotokos_Pantanassa.htm).

1.3.2. As fontes usadas pela iconografia bizantina e na arte de Claudio Pastro

Segundo Gharib, a inscrição presente no ícone tem por finalidade atentar para a divina

identidade e, ao mesmo tempo, a humana da personagem representada. Habitualmente,

encontramos os diagramas do nome de Cristo IC, XC para Jesus Cristo e do sagrado trigrama

do nome de Deus revelado a Moisés no Sinai: OΩN (‘Eu Sou o Existente’, cf. Êx 3.14). Tais

inscrições estão inseridas nos três braços visíveis da cruz introduzida na auréola. Essas

inscrições são sempre em grego (GHARIB, 1997, p. 94).

Nas composições do Pantocrator (figuras 9 e 10) podemos observar a mesma postura das

mãos, o olhar voltado para o espectador, a formação da auréola, na qual encontramos inscrições

referentes à cruz; a mão direita erguida em sinal de benção e a mão esquerda segurando o livro,

fechado. Percebemos uma similaridade entre a composição bizantina de Cristo e a composição

de Claudio Pastro. Onde as diferenças pertinentes ao estilo e ao suporte para a composição não

mostram um distanciamento do estilo oriental.

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Figura 9 – Pantocrator – Por isso nos diz São Paulo: “Cristo é a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15).

Figura 10 – Pantocrator – Claudio Pastro – Capela dos Jesuítas no Anchietanun – 2006

As composições de ícones, que de forma breve apresentamos necessitam de um

aprofundamento teológico e pictórico para podermos compreendê-los, lembrando que nosso

objeto de pesquisa é o ciclo de Azulejos de José de Anchieta concebidos por Claudio Pastro. O

nosso objetivo é reconhecer que na obra de Claudio Pastro podemos encontrar referências e

influências da arte bizantina.

Entendemos ocorrer essa proximidade não somente pelas similaridades nas composições,

mas nas afirmações do artista nas quais se apresenta como um artista a serviço de sua fé, que

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suas representações estão como uma janela para a contemplação do Sagrado (PASTRO, 2008,

p. 17).

Considerações intermediárias

Entendemos que a arte de Claudio Pastro pode ser apresentada como arte sacra, e que está

em serviço exclusivamente da fé. Estabelecendo um paralelo com o ciclo de azulejos de José

de Anchieta, no Pátio do Colégio, conseguimos identificar elementos correspondentes à

tradição da Igreja, à Sagrada Escritura, juntamente com estilos artísticos que influenciam sua

composição como a arte bizantina e a arquitetura românica. Verificamos também que, além da

produção iconográfica do artista, há preocupação na transmissão de seus princípios

metodológicos, na composição de sua arte, objetivando reavivar no espectador a memória de

uma tradição que nem sempre está ao alcance do observador de sua obra.

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CAPÍTULO 2 - A ARTE SACRA NA COMPANHIA DE JESUS E AS REPRESENTAÇÕES DE JOSÉ DE ANCHIETA

Para compreendermos em sua totalidade o ciclo dos painéis elaborados por Claudio Pastro é

necessário nos aprofundarmos na origem da Companhia de Jesus e elaborarmos uma breve

biografia de José de Anchieta. Objetivamos com esse texto entender o princípio e fundamento

da Companhia de Jesus e o envio de seus missionários ao Brasil.

2.1. A origem da Companhia de Jesus

Inácio de Loyola, sendo de origem da nobreza espanhola e servindo aos senhores de Castela

na Batalha de Pamplona foi ferido na perna pela explosão de obus, deixando-o incapaz para

lutar. Sua convalescença ocorreu na Casa Torre dos Loyola, no País Basco, estendendo-se por

seis meses. Homem acostumado à vida de nobre, entre batalhas e banquetes, ficou entediado

por sua situação física. Desejando distrair o doente, uma parente ofereceu livros religiosos.

Interesou-se pela experiência religiosa em profundidade e desejou desapegar-se da vida que

levara. Inicia seu caminho de conversão como peregrino, chegando à Abadia Beneditina de

Montserrat; desceu as grutas de Manresa e ali ficou por quase um ano, em contemplação e

meditação (SANTOS, 2007, p. 23).

Iniciar a Companhia de Jesus foi um lento processo, pois deveria encontrar companheiros

que partilhassem do mesmo ideal, que enfrentassem as dificuldades para levar a Bandeira de

Cristo por todos os lugares.

Pelo fato de não ser sacerdote, Inácio de Loyola, vivenciou perseguições pela Igreja, uma

vez que não deveria pregar ao povo, a solução foi estudar Teologia na Universidade de Paris.

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Figura 11 - Ícone Santo Inácio (_SITE001) Ícone de Santo Inácio, percebemos que a tradição da arte bizantina já está presente na Companhia de Jesus

O fundador da Companhia de Jesus (1540), por diferentes circunstâncias e experiências, reputou à educação humanística sua admiração e respeito. Com um espirito conciliatório, celebrou as ideias de Santo Tomaz de Aquino, que harmonizavam razão e fé, e alicerçou-se nas ideias de Aristóteles que valorizavam os estudos da lógica, da metafisica, da alma e da ética (KASSAB, 2012, p. 34).

A característica da Companhia de Jesus é levar o catolicismo às outras almas, com

características militares, herdadas de seu fundador: Em verdade, a própria ideologia da Companhia de Jesus, à qual Anchieta pertencia, tinha traços militares quanto à forma de levar a verdade católica a outras almas. (...) e nomeada em Latim ‘Societas Jesus’ pela bula ‘Regimes Militantis Ecclesia’ (1540) do papa Paulo III – em referência à ordem aprovada e recomendada pelo papa Pio II em 1450 – tinha como objetivo primário a difusão da fé cristã. Os jesuítas, ou soldados de Jesus, tornaram-se os principais agentes da Contrarreforma e alguns dos maiores ativistas em prol da causa católica entre povos pagãos no mundo a partir do século XVI (ALVES, 2007, p. 34).

Identificamos duas características primeiras da Companhia de Jesus, a capacidade de

conciliar a fé com o aprofundamento acadêmico, a percepção da necessidade do conhecimento

sem abrir mão da religiosidade cristã católica e sua disposição à defesa da Igreja, em um

momento de convulsões religiosas, quando a Reforma Protestante está em pleno vapor na

Europa, os jesuítas tornam-se defensores da fé cristã católica.

Os primeiros companheiros da Companhia de Jesus foram Simão Rodrigues, Francisco

Xavier e Pedro Fabro. Todos como Inácio de Loyola alunos da Universidade de Paris. Deles

era solicitado pobreza absoluta; renúncia à glória e ao poder mundano; preparo intelectual e

uma vida espiritual que unisse contemplação à ação (SANTOS, 2007, p. 24).

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Todos esses jovens experimentaram a vivência dos exercícios espirituais. Uma forma

elaborada por Inácio de Loyola para a busca do contato com o Transcendente:

O ser humano é criado (para ser feliz), para louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor e, assim, salvar-se. As outras coisas sobre a face da Terra são criadas para o ser humano e para o ajudarem a atingir o fim para o qual foi criado (o de ser feliz). Daí se segue que ele deve usar das coisas tanto quanto o ajudam a atingir o seu fim (o de ser feliz), e deve privar-se delas tanto quanto o impedem. Por isso, é necessário fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é permitido à nossa livre vontade e não lhe é proibido. De tal maneira que, da nossa parte, não queiramos mais saúde que enfermidade, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que vida breve, e assim por diante em tudo o mais, desejando e escolhendo somente aquilo que mais nos conduz ao fim para o qual somos criados, (Sermos felizes e fazermos o outro feliz), (LOYOLA apud KASSAB, 2012, p. 39).

O centro espiritual da Companhia de Jesus está nos Exercícios Espirituais, concebidos por

Inácio de Loyola, durante seus meses em Manresa. É um compendio de sua experiência mística,

transformado no decorrer da Companhia de Jesus em uma forma didática de aproximar-se do

Transcendente. Sua característica é Cristocêntrico, isto é, por ter o mistério de Cristo como seu

centro, Inácio de Loyola acreditava na mudança social através da mudança pessoal (SANTOS,

2007, p. 25).

... qualquer modo de examinar a consciência, de meditar, de contemplar, de orar vocal e mentalmente, e outras operações espirituais, (...). Assim como passear, caminhar e correr são exercícios corporais, chamam-se exercícios espirituais diversos modos de a pessoa se preparar e dispor para tirar de si todas as afeições desordenadas. E, depois de tirar, estar, buscar e encontrar a vontade divina na disposição de sua vida para sua salvação (LOYOLA apud SANTOS, 2007, p. 26).

Os primeiros textos impressos dos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola foram

confeccionados em 1548, pelo impressor Antônio Blado, em Roma, sendo pagos por um nobre,

Francisco de Borgia, Duque de Gandia (SANTOS, 2007, p. 26). Tal fato apresenta outra

característica da Companhia de Jesus, pois segue o caminho da pobreza, não desprezando os

socialmente privilegiados; reconhece que esses são líderes econômicos e políticos, devendo

assim serem instruídos na fé para tornarem o mundo mais justo.

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Figura 12 – Ícone de Santo Inácio com os Exercícios Espirituais (_SITE004) Ícone de Santo Inácio com os Exercícios Espirituais – Ícone instalado em Itaici – C.E.I. – Centro de Espiritualidade Inaciana, reafirmando a proximidade entre a Companhia de Jesus e a arte bizantina.

Importante perceber que o ser humano está inserido no discurso de Inácio de Loyola, O

homem nasceu para ser feliz, não havendo proibições estabelecidas referente aos recursos que

podem utilizar, e a regra do tanto quanto, devem ser entendidos como um facilitador na pratica

da evangelização, pois Inácio afirma: “o homem nasceu para ser feliz”, não escravo de Deus,

portanto os nativos que aqui viviam sendo homens estavam predispostos a felicidade e o tanto

quanto , permitiu aos missionários evangelizadores espaço para estabelecer suas estratégias de

evangelização

Com tal definição (as estratégias lúdicas) tendeu a ter um objetivo fundamentalmente educacional. Este era outro modo pelo qual (...) a (Companhia de Jesus diferia das demais congregações). Os jesuítas, é claro, acreditavam que a instrução era parte integrante de qualquer bom sermão, mas dos três objetivos tradicionais da pregação – ensinar, mover e agradar – os primeiros jesuítas viram o segundo como muito apropriado para eles (KASSAB, 2012, p. 41).

2.2. O Mural 500 anos da Evangelização do Brasil de 1990, instalado em Itaici- C.E.I.15

Através da análise do mural 500 anos da evangelização do Brasil, composto por Claudio

Pastro e instalado no auditório do centro de espiritualidade inaciana, objetivamos, observar de

15 Itaici- C.E.I. – Centro de Espiritualidade Inaciana. http://www.itaici.org.br/ Local estabelecido pelos jesuítas para acolher leigos e religiosos para encontros de reflexão e aprofundamento orientados pelos padres da casa. Durante o mês de dezembro de 1968 a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) pediu que a casa ficasse à disposição de uma de suas Assembleias Regionais. Os superiores jesuítas, numa atitude de discernimento, viram nesse fato, um apelo da Igreja do Brasil. A partir desse momento, todas as Assembleias Regionais da CNBB do Estado de São Paulo começaram a ser realizadas em Vila Kostka, Itaici. E, mais tarde, as Assembleias anuais de toda a CNBB.

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forma panorâmica o desenvolvimento e desafios vividos pela Companhia de Jesus no decorrer

também da formação do Brasil, pois os jesuítas iniciaram sua missão evangelizadora junto ao

processo colonizador português e com exceção do período de supressão da Companhia de Jesus,

(1773 – 1814) nunca deixou de atuar no país. É reconhecida inclusive sua influência

determinante na área de educação, pois em cartas trocadas entre o fundador e os jesuítas no

Brasil ficou claro que Inácio considerará ‘a actividade pedagógica tão essencial a Companhia

de Jesus, como a cientifica e a apostólica da pregação e administração dos sacramentos’

(LOPES apud KASSAB, 2012, p. 37).

Figura 13 – Claudio Pastro – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 2 e 3)

Para fazer memória ao fato da Companhia de Jesus participar da formação do Brasil, com

sua missão evangelizadora, foi solicitado ao artista plástico Claudio Pastro a execução de um

mural no qual, através de uma narrativa imagética, figuras influentes na história da Companhia

de Jesus e seu processo evangelizador neste trabalho receberam destaque. Podemos

acompanhar desde o momento da fundação da Companhia de Jesus, na representação de Inácio

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de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, ordem contemporânea processo colonizador

português, a representação do fundador que observa atentamente o espectador parece nos incluir

no processo histórico (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 4).

Figura 14 – Claudio Pastro – Inácio de Loyola – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 2 e 3)

No recorte ocorrido no Mural referente ao início do processo evangelizador, imagens

retomam alguns aspectos determinantes do referido período, como o sistema de Padroado,

quando a Igreja caminhava junto ao governo, tornando-se uma unidade político/religiosa de

grande força e de imposição. Percebemos essa força nas mãos fortes que carregam bandeiras.

A primeira missa, no Brasil, também é lembrada com os franciscanos ao redor da partícula

eucarística.

Figura 15 – Claudio Pastro – Inicio da Colonização do Brasil – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 7)

No recorte estabelecido para o século dezessete, a figura de destaque é José de Anchieta que,

abraçado a dois índios, faz refletir o empenho da Companhia de Jesus em amparar e proteger

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os indígenas da escravidão colonizadora. Os indígenas apresentados fraternalmente junto a

Anchieta são os chefes indígenas Tibiriçá e Caiubí, batizados e evangelizados pelos primeiros

jesuítas que desembarcaram no país (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 8). Foi de Tibiriçá a

confecção da primeira choupana que dará origem ao colégio da vila de São Paulo de Piratininga

(VIOTTI, 1980, p. 55).

Figura 16 – Claudio Pastro – José de Anchieta – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 9)

No século dezessete a figura ressaltada é o grande orador jesuíta, Antônio Vieira. Na cena

composta observamos o Santíssimo exposto, resplandecente, em mapa do litoral brasileiro e

percebido junto ao orador e em sua mão esquerda percebemos uma folha com a epígrafe “como

a causa, Senhor, é mais vossa que nossa”. Fazendo referência à invasão holandesa ocorrida

naquele período em Salvador (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 10).

Figura 17 – Claudio Pastro – Antônio Vieira – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 11)

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Também, no século dezessete, destaca-se a figura de Alexandre de Gusmão, sacerdote,

diplomata, educador e romancista jesuíta, fundador do seminário de Belém, em Salvador. A

cena estabelece vários momentos da colonização embrenhada com a missão jesuíta

evangelizadora, a presença dos navios negreiros, carregando os africanos para substituição da

mão de obra indígena, as reduções, como uma experiência religiosa importante no sul da

América, havendo em destaque a palavra brasileiro, indicando que a origem do povo brasileiro

será pela integração do indígena, do africano juntamente com o europeu (CIGÕNA &

PASTRO, 1990, p. 12).

Figura 18 – Claudio Pastro – Alexandre de Gusmão – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 11)

No século dezoito, a figura que emerge é a de Nossa Senhora Aparecida, rodeada de peixes,

tendo a cabeça separada do corpo, conforme o relato de seu encontro por pescadores (CIGÕNA

& PASTRO, 1990, p. 14).

Figura 19 – Claudio Pastro – Nossa Senhora Aparecida – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 15)

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Ampliando a cena, observamos que os peixes estão contidos por uma rede composta em um

semicírculo, tendo junto, ao lado esquerdo do observador três religiosos: um beneditino, uma

carmelita e um capuchinho, representando as ordens que unidas aos jesuítas, se destacaram no

processo evangelizador no Brasil. No mural, háuma cena com cores escuras, a qual pode ser

relacionada ao período de supressão da Companhia de Jesus (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p.

16).

Figura 20 – Claudio Pastro – A Supressão da Companhia de Jesus – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 17)

A composição da cena responsável pelo recorte histórico, que nos apresenta o século

dezenove, traz os conflitos religiosos e políticos decorrentes da transição entre o primeiro

império (1822-1831) o período regencial (1831-1840) e o segundo império (1840- 1889). A

figura de destaque ao centro da cena, e que traz o nome Vital, faz referência ao conflito entre

Estado e Igreja, onde D. Vital acabou preso por colocar-se contra o estado. Destaca igualmente

a causa abolicionista; permitenos perceber os dois papas do período; Pio IX responsável por

reunir o Concilio Vaticano I e Leão XIII, com sua Encíclica Rerum Novarum em 1888, a qual

pela primeira vez aborda questões sociais (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 18).

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Figura 21 – Claudio Pastro – Século 19 – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 19)

O século vinte nos é apresentado com vários personagens religiosos, leigos e políticos que

influenciaram o processo de crescimento da igreja e do país. Entre seus destaques estão os

primeiros jornais dedicados a transmitir os princípios cristãos católicos. Ao centro

identificamos d. Hélder Câmara, grande articulador, responsável pela formação da Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e, estando entre os primeiros a afirmar a importância de

a igreja no Brasil preocupar-se com os pobres e desprotegidos (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p.

20).

Figura 22 – Claudio Pastro – Século 20 – Mural 500 anos da Evangelização do Brasil – 1990 – ITAICI C.E.I. (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 21)

Entendemos que o mural 500 anos da Evangelização do Brasil objetivou abarcar não só a

origem da identidade religiosa no Brasil, tendo os jesuítas como exemplo primeiro, mas seu

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processo de formação. Por esse motivo, junto aos jesuítas aparecem outras ordens que

trouxeram importantes contribuições, como aspectos da religiosidade popular brasileira, como

a imagem de Nossa Senhora Aparecida, na trajetória estabelecida pelo mural permitiu-nos

reconhecer que durante esse processo os conflitos também estiveram presentes, assim como a

influência dos acontecimentos políticos.

2.3. Padre José de Anchieta

2.3.1 Práxis evangelizadora de José de Anchieta

Com o texto que agora se apresenta, objetivamos apresentar uma breve biografia de José de

Anchieta. Falarmos de José de Anchieta é falarmos dos primórdios do Brasil. Ambas historias

se mesclam: a colonização do Brasil, junto ao trabalho missionário – evangelizador. Anchieta,

tornou-se figura de destaque. É desbravador em diversas áreas de atuação, conhecido como

linguista, dramaturgo, enfermeiro, pedagogo, mas é sua figura de sacerdote evangelizador que

estabelece uma ponte com o início do Brasil que encontramos hoje, com um povo mestiço, com

o idioma português como língua oficial e de origem católica (VIOTTI, 1980, p. 55).

José de Anchieta sempre foi lembrado por seus feitos. Utilizemos como exemplo a imagem

abaixo; na qual é lembrado como fundador. A imagem é representativa: vemos José de Anchieta

em grande destaque na composição da cena e os indígenas ajoelhados aos seus pés em tamanho

muito menor.

Figura 23 – Reprodução da capa do jornal A Gazeta de 25 de janeiro de 1954 (_SITE015)

Apesar de toda sua importância histórica e religiosa seu processo de canonização demorou

mais de 400 anos:

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A 21 de julho de 1627, presta depoimento no Processo apostólico do Rio de Janeiro, para beatificação do Apostolo do Brasil, um filho de Antônio Luís e Catarina Teixeira, de 75 anos de idade, Frei Mauro Teixeira, beneditino e que, antes de entrar para a Ordem, onde se constituiu fundador do Mosteiro de São Bento, em São Paulo, (...). Nascido em 1552 contava onze anos, na época em que o pai se vira envolvido nestes episódios. (...) ‘Estando o pai dele, testemunha, com o dito padre, com o gentio Tamoio em reféns em Itatiba, junto a Ilha de São Sebastiao, (...) E chegando à dita Aldeia de Itatiba, onde ele estava, o dito padre, primeiro que eles declarassem seu intento, lhes dissera que sabia muito bem o intento que levavam, porém que se desenganassem. Que se o matassem, por sem falta todos eles haviam de morrer, sem ficar algum, porquanto aquele homem fazia as casas de Deus e se morresse não ficaria quem as fizesse. O que vendo o dito gentio desistiram de sua pretensão, porque tinham medo do dito padre pelo terem por feiticeiro (ASV, Congr. Rit., ANCHIETA, nº 314. Fls. 117-118 apud VIOTTI, 1980, p. 99).

Vários foram os impedimentos para a beatificação e canonização de José de Anchieta,

começando pela supressão da Companhia de Jesus e a falta de recursos para levar adiante tal

objetivo. Somente em 1980, com o Papa João Paulo II, Anchieta foi reconhecido como beato e

em 2014, com o Papa Francisco ocorreu sua santificação. Em anexos estão as homilias

proclamadas pelos referidos papas em favor de José de Anchieta (ANEXOS 2 e 3).

2.3.2. Biografia de José de Anchieta

Jose de Anchieta é filho de Juan López de Anchieta, da pequena nobreza espanhola, exilado

em Tenerife, nas Ilhas Canárias. Casou-se com Dª Mência Díaz de Clavijo y Llarena. Juntos

tiveram dez filhos, entre eles Joseph de Anchieta, que nasceu em 1534, em dezenove de março.

Após um início de dificuldades em Tenerife, Juan López conhece a prosperidade. A primeira

providência foi enviar os filhos a estudarem na corte e Coimbra foi a escolha. Aos quatorze

anos de idade, inicia-se no Colégio de Coimbra. José de Anchieta tornou-se um aluno exemplar,

destacando-se principalmente na poesia e apresentando uma devoção cristã intensa. Aos

dezessete anos, torna-se noviço na Companhia de Jesus. Como todo noviço jesuíta participou

dos exercícios espirituais. (CARDOSO, 1997, p. 17 e 18)

Para as terras portuguesas além-mar, estava sendo criada uma expedição jesuíta, a qual no

ano de 1552 partiu de Portugal em direção ao Brasil.

Manuel da Nóbrega já estava na colônia portuguesa, vieram juntar-se a ele os padres Luís

da Grã, Brás Lourenço, Ambrósio Pires e quatro irmãos estudantes, Antônio Blazquez, João

Gonçalves, Gregório Serão e José de Anchieta. A missão desse grupo era auxiliar na missão

evangelizadora iniciada no Brasil. Entre os vários itens que compunham a missão estava levar

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à frente a construção de um colégio na aldeia de Piratininga, conforme a vontade de Manuel da

Nóbrega (CARDOSO, 1997, p. 26).

Ao chegar ao Brasil, ou a quaisquer outras partes do mundo, os jesuítas tiveram que vivenciar a disposição de buscar o melhor, livremente, sem afeições desordenadas. Foi um exercício de liberdade em atender as necessidades locais. Suas opções como missionários e também como pessoas influentes na construção da sociedade colonial, foram banhadas com a espiritualidade inaciana. Eles tiveram grande liberdade nas suas atividades, desde o modo de catequizar, a luta pela liberdade indígena, a fundação de colégios e cidades, a opção pelos aldeamentos, entre outros (SANTOS, 2007, p. 31).

Podemos concordar com Santos quanto ao desapego frente à missão evangelizadora, mas

devemos ser críticos quanto às consequências de tal situação aos nativos da terra. Nóbrega

escreve, em seu Diálogo sobre a conversão do gentio, que os nativos têm as três potências –

intelecto, memória e vontade – da definição escolástica da alma, mas havia a necessidade da

correção da alma selvagem, para que se pudesse acender o “verbo interior” (NOBREGA apud

HANSEN in COSTIGAN, 2005, p. 119).

José de Anchieta foi incumbido de entender e fazer os missionários entenderem a língua

nativa, ação que trouxe mudanças profundas na missão evangelizadora. Entendendo a língua

nativa eram possíveis a catequese e a formação intelectual se não de todos os nativos, mas,

principalmente, das crianças. Nos países católicos, os jesuítas foram os maiores agentes de difusão do ensino humanista. A Ordem tinha 125 colégios em 1574 e 521 em 1640 (...) nesta segunda data, os padres jesuítas tinham, pelo menos, 150 mil alunos (...). No collegio romano tinham 2000 alunos em 1580; e o de Douaí (...) nos Países Baixos, reunia em 1600; 400 alunos de humanidades, 600 alunos de filosofia e 100 alunos de teologia. Os jesuítas ensinavam de graça (DELUMEAU apud KASSAB, 2012, p. 35).

2.4 Estratégias da Educação e Catequização Jesuíta No Brasil

A transcrição de passagens da Sagrada Escritura ou de orações para a língua tupi foi uma

inovação, nem sempre bem recebida pela Igreja. Santos apresenta os motivos de crítica do Bispo

Dom Pero Fernandes e entre os vários itens de desagrado do religioso está o enterro de

convertidos com os prantos indígenas. Hoje entenderíamos todo esse processo como

inculturação, mas, naquele tempo, era considerada heresia. Apesar de todos as dificuldades

encontradas, como a falta de alimento, os conflitos entre as nações indígenas, a falta de recursos

e a perseguição de religiosos contrários à missão evangelizadora jesuíta, percebemos como foi

fundamental a missão jesuíta, no Brasil, pois, apesar da extensão do país, é possível imaginar

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que nos trinta anos iniciais de colonização o ideário religioso jesuíta influenciou a jovem

colônia (RENDERS, 2013, p. 126).

Partiu da vontade de Manoel da Nóbrega a premissa de criar aldeamentos para afastar os

nativos do convívio dos portugueses, que viviam na colônia. A preocupação de Nóbrega era

referente ao exemplo negativo ofertado por esses portugueses e também o conflito com os

mesmos frente à escravidão indígena (ALVES, 2007, p. 35). Nesses aldeamentos, ocorria a

catequização, através de teatros, os chamados autos de fé, em língua tupi, cantigas e danças e a

instrução escolar. Grande parte desse processo somente ocorreu graças a capacidade de José de

Anchieta entender a língua tupi e criar uma gramática para que outros missionários

conseguissem estabelecer um diálogo com os nativos. Na visão dos missionários jesuítas, essa

abertura à pregação evangélica era sinal de um cristão em potencial (RAMIELLI apud

SANTOS, 2007, p. 96).

Essas atividades consideradas pedagógicas, canto, dança, teatro faziam parte da formação e

construção do indivíduo nos colégios jesuítas:

(...) Inácio considerará a actividade pedagógica tão essencial à Companhia de Jesus, como a científica e a apostólica da pregação e administração dos sacramentos. Com o seu ideal do maior serviço de Deus e ajuda das almas, compreendeu o grande contributo que os membros da Companhia poderiam prestar à Igreja, por meio do apostolado educativo duma reforma interior da vida (LOPES apud KASSAB, 2012, p. 37).

Entendemos que o processo evangelizador foi inventivo, porque se utilizava de recursos que

não eram tradicionais de outras ordens, mas não podemos deixar de perceber como isso pode

ter afetado o modo de ser e viver dos nativos, conforme afirma Hansen:

... a poesia em tupi é colonizadora porque catequiza o índio na sua própria língua, que tem seus usos descontextualizados, e não apenas por meio de conteúdos cristãos transmitidos por sua língua como se o discurso fosse um mero instrumento neutro (HANSEN in COSTIGAN, 2005, p. 36).

Compreendemos que a missão evangelizadora se utilizou de elementos pertencente ao modo

de viver e relacionar-se com as divindades dos nativos, estabelecendo novos meios de utilização

dos textos, das danças, da música, tornando o que pertencia ao nativo como uma forma de

dominação e mudança. Alves, entretanto, faz com que percebamos o respeito ou tentativa de

aproximação entre jesuítas e nativos:

É nesses primórdios de atividade catequética no Brasil que notamos o estabelecimento de ritos próprios do Catolicismo indígena e o surgimento de uma identidade religiosa própria, da mesma forma que encontramos diferentes

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ritos católicos espalhados pelo Oriente (tais como o rito copta ou o bizantino) (ALVES, 2007, p. 36).

Os nativos estavam sujeitos à influência europeia e Cristocêntrica, mas a missão

evangelizadora jesuíta acreditava estabelecer uma nova cristandade no Novo Mundo. Para isso

estabeleceram uma série de estratégias que serviram de referências e pesquisas até os dias

atuais, como afirmou Claudio Pastro em sua palestra. Os jesuítas objetivavam levar Cristo a

todos os lugares da Terra, entre esses pontos estava a colônia portuguesa chamada Brasil. É

digno de nota que a missão evangelizadora no Brasil levada à frente pelos jesuítas, entre eles

José de Anchieta, oferecerá auxílio em outras obras evangelizadoras, com sua metodologia, sua

aproximação linguista, utilização de recursos lúdicos, será uma das bases que tornará possível

o Ratio Studiorum – o método pedagógico dos jesuítas que estava a serviço da educação, o

método ainda hoje é norteador para as instituições educacionais jesuítas no Brasil e no mundo

(SANTOS, 2007, p. 38).

2.5 Arquitetura Jesuíta

Iniciaremos a compreender o estilo da arquitetura jesuíta, que não somente se caracteriza por

Igrejas, mas por uma variedade de outros prédios, como os colégios. Para nossa pesquisa

pretendemos compreender o estilo denominado barroco jesuíta. Utilizaremos para tanto

material elaborado pelo artista, Claudio Pastro, tema central de nossa pesquisa, assim como

artigo construído por Lúcio Costa, John Bury e Robert C. Smith, cujos estudos contribuíram

para o entendimento da arquitetura colonial brasileira. “... como um grande projeto

arquitetônico de Portugal, examinando com cuidado as inúmeras ligações a qual tem sempre

vinculado a arquitetura dos dois países em um único estilo Português-brasileiro16 (SMITH,

1997, p. 111).

Afirma Claudio Pastro: “O Barroco da corte espalhou-se pela costa brasileira e nas principais

capitais. É reflexo de grandes nomes do barroco português e tem a riqueza de mestres na

arquitetura, na escultura, na pintura e até na música” (PASTRO, 2010, p. 182). “... há muitas

igrejas e edifícios públicos na América e até mesmo no Brasil construídas neste período que a

posse maior valor arquitetônico”17 (SMITH, 1997, p. 158).

16 as a large architectural of Portugal, examining with care the innumerable links which have always bound the architecture of the two countries into a single Portuguese-Brazilian style 17 There are many churches and public buildings in America and even in Brazil built in this period (colonial) which possess greater architectural merit.

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Entendemos que a arquitetura colonial brasileira estava intimamente ligada à sua metrópole,

mas tornando-se de grande valor arquitetônico. Esse valor arquitetônico não foi somente

copiado da metrópole, mas também adaptado às necessidades e condições encontradas na

colônia. As pedras não eram os mármores, que encarecidos por sua viagem além-mar,

tornavam-se incompatíveis com as condições econômicas dos evangelizadores ou missionários

que aqui viviam, passaram a utilizar pedras ou madeiras encontradas em seu entorno, como

pedra sabão e madeira (PASTRO, 2010, p. 182).

Figura 24 – Pia batismal confeccionada em pedra sabão – de 1824 - Museu do Caraça - MG (_SITE005)

Figura 25 – Cristo Crucificado em madeira século 19, Museu de Arte Sacra de São Paulo (_SITE006).

A arquitetura no Brasil Colonial era de origem portuguesa, de significativo valor

arquitetônico, com elementos que apresentavam a identidade nacional. O que podemos falar da

arquitetura jesuíta? Claudio Pastro vai identificá-la como Barroco Jesuíta: O Barroco Jesuíta reflete bem a formação da própria ordem (ainda se estruturando) e do Brasil Nascente. Será um barroco despojado, com paredes de taipa ou pedras, mas brancas. Os retábulos dos altares bem trabalhados

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terão a flora e a fauna brasileira e o requinte clássico europeu. A técnica arquitetônica será sempre refinada, pois grandes nomes do humanismo europeu, na arquitetura, nas letras, na música, eram convertidos e tornavam-se jesuítas. Se o Brasil tem uma nobreza de espírito, ela se reflete e está “escondida” nessas formas, cores e sons (PASTRO, 2010, p. 182).

Para John Bury, os jesuítas tornaram-se grandes construtores devido a dois fatores, foram os

primeiros a empreender um projeto missionário no Brasil, e o seu projeto de evangelização

ambicionava uma evolução intelectual. Necessário, portanto, não somente construir capelas ou

igrejas, mas espaços que viessem a ser conciliatórios com um ambiente escolar. As

igrejas/capelas deveriam servir como local de estudo e aprendizado. Todo esse processo está

relacionado ao projeto missionário jesuíta de tornar o nativo da terra em um indivíduo

sedentário, pois com o estilo nômade indígena era impossível manter o processo de

evangelização, assim como era de interesse dos jesuítas manter os nativos longe da escravidão

que ambicionavam os portugueses que aqui viviam (BURY, 2006, p. 63). Com efeito, ainda hoje está em uso a expressão ‘estilo jesuítico’ para descrever toda uma fase de arquitetura e decoração do primeiro período colonial, que abrange também obras em conexão direta com os próprios jesuítas (BURY, 2006, p. 64).

Assim como foram desbravadores em seu projeto missionário, criativos em sua abordagem

para a evangelização e educação, os jesuítas deixaram uma tradição arquitetônica. Esse estilo

ou tradição não foi retirado da individualidade de um jesuíta ou arquiteto, mas estabelecido

através de uma instrução acadêmica a Acta Ecclesiae Mediolanensis de São Carlos Borromeu

(1577)18. Entre as alterações propostas por Borromeu está o papel principal da Eucaristia; sendo

a Eucaristia a origem de organização de todo o espaço Celebrativo.

El importante lugar que la Contrarreforma concedió a la Eucaristia tuvo felices consequências em el campo artístico, entre las que destacaron las arquitecturas destinadas a su reserva y exposición. El tabernáculo se convirtió em el centro de referência visual y simbólica de los templos (ESTRELLA, 2014, p. 201).

Como parte de sua forma de evangelizar e servir a Igreja os jesuítas tornaram-se servidores

da contrarreforma, levando sua característica até a arquitetura. Sem perder o objetivo primeiro

que era a conversão dos gentios, a obra de Borromeo trouxe a arquitetura e a arte da

contrarreforma uma funcionalidade dogmática que foi introduzida na Companhia de Jesus

(ESTRELLA, 2014, p. 202).

18 São Carlos Borromeu cardeal hispânico que estabeleceu um tratado sobre a construção e decoração das igrejas pós contrarreforma.

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O processo de perseguição que viria a levar à supressão da Companhia de Jesus não foi

impedimento para que os jesuítas continuassem a construir. Após sua expulsão em 1759, suas

construções passaram por uma fase de abandono, invasão e descaracterização; incluindo o local

do Pateo do Collegio, espaço onde estão instalados os painéis de azulejos de Claudio Pastro.

Em vista da prominência dos jesuítas como aristocracia intelectual e cultural da Colônia, e do consequentemente interesse de seus monumentos, a destruição e desfiguração em larga escala que os atingiu são uma perda lastimável para o patrimônio brasileiro (BURY, 2006, p. 68).

Alguns projetos arquitetônicos sobreviveram ao abandono ou à descaracterização, prédios

de menor importância ou mais antigos. A construção que se mantém melhor preservada é a

Capela de São Miguel em São Paulo. As igrejas maiores ou prédios em espaços centrais e de

datação mais próxima ao início do século 18, foram as principais vítimas de perseguição.

De grandes proporções os jesuítas nos deixaram, por exemplo, o legado das Igrejas da

Companhia em Salvador (1675) e Belém do Pará (1719)

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Figura 26 – Igreja da Companhia de Jesus em Salvador, atual Catedral Basílica de Salvador (_SITE007)

Figura 27 – Antiga Igreja da Companhia de Jesus em Belém do Para. Local de Pregação de Padre Vieira (_SITE008).

Descrita por John Bury, as catedrais de Salvador e Belém são de uma simplicidade

convencional, com nave única (BURY, 2006, p. 74). Essa simplicidade nos projeta a uma

grandiosidade, que podemos fazer referência à grandiosidade de Deus. Nas duas igrejas

observamos a porta principal, cercada por duas portas laterais, “A porta é o próprio Cristo ”

(BURCKHARDT, 2004, p. 132). A constante, construção com três portas e prédios laterais

pode estar relacionada à afirmação anterior de Bury, da necessidade de espaços Celebrativos,

mas que também colaborassem com a missão evangelizadora. Identificamos uma semelhança

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entre as igrejas citadas anteriormente com a Capela de São José de Anchieta, todas tiveram seu

início na necessidade da construção de colégios juntamente com espaços Celebrativos.

Figura 28 – Capela do Pateo do Collegio (fonte da Autora). Identificamos que apesar de não haver as três portas em sua entrada, há três janelas acima

da porta principal. Junto à capela um edifício lateral, que, hoje, abriga um museu.

Estamos de acordo com Bury, referente à inovação da construção jesuíta, e seu

empreendedorismo, onde o espaço está à serviço da fé em missão (BURY, 2006, p. 74)

Entendermos o motivo de chamar-se o barroco colonial como barroco jesuíta, pode estar

relacionado à seguinte observação: Segundo o ilustre pesquisador da história da arte jesuítica, Joseph Braun19, ‘enquanto os jesuítas adotavam o ponto de vista romano, isto é, católico, em todas as questões relativas à doutrina, direitos e rituais da igreja, nos assuntos seculares, que logicamente incluíam os estilos artísticos, sempre respeitavam os sentimentos e ideias das populações entre as quais eles viviam, e às quais, na verdade, eles próprios pertenciam (BRAUN apud BURY, 2006, p. 83).

Prova de tal afirmação é a análise de Robert Smith que as construções jesuítas ou

‘empreendimentos arquitetônicos’ na América Espanhola era diferente da que era concebida

por seus colegas no Brasil (SMITH apud BURY, 2006, p. 83)

19 Pe. Joseph Braun (1857-1947), teólogo jesuíta alemão e historiador de arte.

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Lúcio Costa afirma que o acervo de obras de arte da Companhia de Jesus é dos mais

significativos (COSTA, 2010, p. 59). Lúcio Costa não concorda com o termo estilo jesuítico,

pois segundo ele: A circunstância de se ter iniciado a ação da Companhia em fins do Renascimento, quando os primeiros sintomas do barroco já se faziam sentir, e de se desenvolverem, depois os dois movimentos paralelamente, levou alguns críticos a pretenderem englobar sob a denominação comum de “arte jesuítica” todas as manifestações de arte religiosa dos séculos XVII e XVIII (COSTA, 2010, p. 2).

Para Lúcio Costa, o processo de transição entre renascimento e barroco, junto com sua

natural evolução e desgaste trouxe um novo modo de pensar e apresentar a arte, assim como a

arquitetura, juntamente com o fator de não ser uma ordem tradicional, a Companhia de Jesus

estava livre para criar ou aceitar influencias que melhor se adaptavam a seu projeto missionário

(COSTA, 2010, p. 60). Dialogando entre o nascimento da Companhia de Jesus, com sua rápida

expansão, estando em vários lugares do mundo com seus projetos missionários, podemos

compreender como um único estilo não poderia ser descrito para caracterizar a arte jesuíta

(BURY, 2006, p. 79).

Para Lúcio Costa quando se refere a arte jesuíta ou estilo jesuíta: “ (...) o que se quer

significar, de preferência, são as composições mais renascentistas, mais moderadas, regulares

e frias, ainda imbuídas do espírito severo da contrarreforma (COSTA, 2010, p. 3).”

Esse estilo severo como afirma Lúcio Costa relacionado a contrarreforma pode ser

relacionado novamente a determinação estabelecida por Borromeo, onde: De manera particular se pretendia la limpia visibilidad del celebrante desde todos los punto y la acústica correcta. Al mismo tempo se especificaba caules serían los materiales empleados y se indicaba de nuevo el respeto a las directrices carolinas ya que, al tratarse de um presbitério muy amplio, era recomendable elevar más la Eucaristia y facilitar el acceso del sacerdote al templete de uma forma digna (ESTRELLA, 2014, p. 219).

Conforme Lúcio Costa, o programa das construções jesuíticas era relativamente simples,

sendo dividido em espaço para culto, ou Celebrativo, para o trabalho e para residência (COSTA,

2010, p. 4). Sendo o objetivo da Companhia a doutrina e a catequese, a igreja devia ser ampla, a fim de abrigar número sempre crescente de convertidos e curiosos e localizada, de preferência, em frente a um espaço aberto – um terreiro – onde o povo se pudesse reunir e andar livremente (COSTA, 2010, p. 4).

Costa relaciona as primeiras construções no Brasil, incluímos aqui a choupana ou capela da

Vila de São Paulo de Piratininga, de pouca durabilidade.

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Tais construções foram sendo substituídas por construções de maior perpetuidade, segundo

as instruções recebidas de Roma, mas ainda se utilizava a taipa de pilão, pedra branca e cal.

sendo que em sua exclusividade com uma única nave, uma característica das primeiras igrejas

(COSTA, 2010, p. 31).

Costa também afirma: Na construção de suas igrejas os padres, embora acompanhassem, como os demais religiosos, a evolução normal do estilo de cada época, atuaram em numerosos casos como autênticos renovadores, apoiando e adotando as concepções artísticas mais modernas e “avançadas”, não somente com o barroco ainda classicista da primeira fase da Contrarreforma, quando, fora da Itália, as formas ornadas do primeiro Renascimento ainda prevaleciam, como depois, na época de maior eloquência do estilo barroco, com as inovações, nem sempre aceitáveis, de alguns artistas, mesmo jesuítas (COSTA, 2010, p. 32).

E acrescenta: Vê-se que a arquitetura da Companhia, no Brasil, foi quase sempre inimiga dos derramamentos plásticos, despretensiosa, muitas vezes pobre, obedecendo, em suas linhas gerais, a uns tantos padrões uniformes. E se devêssemos resumir, numa só palavra, qual o traço marcante da arquitetura dos padres, diríamos que é a sobriedade (COSTA, 2010, p. 34).

Lúcio Costa não deixa de fazer memória à construção do que conhecemos hoje como Sete

Povos das Missões, obra que está inserida na missão jesuítica do Paraguai, mas desde o início

da colonização no Brasil foi de interesse de Manuel da Nóbrega sua fundação (CARDOSO,

1997, p. 39).

Entendemos, portanto, que entre as características da arquitetura jesuíta no Brasil, estão, sua

afinidade com a arquitetura portuguesa, sem rejeitar recursos e oportunidades que lhe são

oferecidos por terras que onde viviam em missão.

2.6 Iconografia Anchietana

Nossa proposta para o texto que se segue é analisarmos a narrativa imagética estabelecida

para Anchieta no caminho das artes plásticas. Para tal análise utilizaremos como princípio

norteador o livro Anchieta nas Artes, que foi elaborado como parte das comemorações do 5º

centenário de nascimento de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus e da

qual Anchieta fez parte.

Um primeiro movimento já se destaca: a comemoração acontece em função do aniversário

do fundador da Companhia de Jesus, entretanto o livro aborda as imagens (escultura, pintura,

painéis de azulejos, afrescos, murais, selos, moedas) da vida de José de Anchieta. Entendemos

que a Companhia de Jesus buscou rememorar o aniversário de seu fundador através do trabalho

missionário evangelizador de seu membro mais conhecido no Brasil. Identificamos, portanto,

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que como afirma Joly, uma das funções primordiais da imagem é a função pedagógica (JOLY,

1994, p. 48). Os organizadores do referido livro são os padres jesuítas; Hélio Abranches Viotti

e Murillo Moutinho, responsáveis no Brasil pela Causa de Canonização do Beato José de

Anchieta. O processo de canonização também estava presente como pano de fundo, no

momento da comemoração, tanto quanto visando rememorar o projeto evangelizador

empreendido pelos missionários da Companhia de Jesus no início da colonização do Brasil.

Estaremos apoiados também em material bibliográfico que buscou desvendar o caminho da

Companhia de Jesus com as artes e sua forma de utilizá-la para retratar uma ordem que, no

século 16, era nascente e desbravadora. Como ponto inicial, identificamos que as obras de arte

estão ligadas à biografia do representado, pois como afirma José Alberto Gomes Machado em

seu artigo “As pinturas a fresco da sacristia nova da Igreja do Espírito Santo de Évora”, os

ciclos de arte estão apoiados em bibliografia ou biografia referente ao representado

(MACHADO, 2003, p. 282).

Entendemos que o livro Anchieta nas Arte é de significativa importância, pois contempla o

itinerário da narrativa imagética concebida pelos artistas para a figura evangelizadora,

desbravadora e missionária de Anchieta, estando as artes ali concebidas desde o século 17 até

a metade do século 20, havendo entre esse período uma obra pertencente ao momento da

beatificação de Anchieta. Como afirma Sobral: “Nisso os Jesuítas afirmaram uma das suas

características fundamentais, o primado da significação nas obras de arte, a importância da

doutrinação” (SOBRAL, 2004, p. 395).

Então, identificamos que grande parte das obras contidas no livro foram obras encomendadas

a pintores de destaque no período de sua elaboração/confecção, assim como em seu período

histórico, pintores que são ainda referência na arte brasileira, como Benedito Calixto e Candido

Portinari, retrataram José de Anchieta. Assim como apresentaremos outras obras do artista

Claudio Pastro sobre José de Anchieta. Todas as obras contidas no referido livro e as obras

apresentadas nesse texto, podem estar relacionadas à seguinte afirmação “A arte agrada por

recordar e não por engarnar”, Gombrich (2007, p. 33). Entendemos que a arte foi um caminho

escolhido pelos jesuítas, para que ocorresse uma recordação dos primórdios do Brasil colonial.

Destacaremos as pinturas em particular, por apresentarem especial interesse a nossa pesquisa,

sendo possível relacioná-las ao ciclo dos azulejos elaborados por Claudio Pastro. Como afirma

Gombrich (2007, p. 53):

(...) está precisamente no papel que representam as nossas expectativas na decifração dos criptogramas do artista. Nós nos aproximamos das suas obras com os nossos receptores já afinados. Esperamos receber certa notação, certos símbolos, e nos preparamos para entendê-los.

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Podemos afirmar que no fato de retratar a figura de Anchieta está embutida uma série de

princípios, sua vida como evangelizador, como missionário, membro da Companhia de Jesus,

poeta, escritor, dramaturgo, linguista. Esses indícios ou características buscamos encontrar

entre os vários artistas, pois entendemos ser de importância para a Companhia de Jesus resgatar

as atividades exercidas por Anchieta nos primórdios do Brasil colonial, como uma forma de

fazer memória ao início do processo de evangelização, pois, como afirma Manguel; “os

monumentos e as obras trazem tacitamente a inscrição ‘lembre-se e pense’” (MANGUEL,

2011, p. 273).

Analisaremos as obras que estão ou foram elaboradas no Brasil; no entanto reconhecemos a

importância da composição de baixo relevo para a vida ilustrada de Padre Anchieta, elaborada

por Mastroinni em Roma no ano de 1927 (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 100 e 101), obra

que ilustrou recortes históricos e devocionais da vida de Anchieta, encomendadas para, compor

o livro A Vida ilustrada do Venerável Padre José de Anchieta, lançado em 1771, em Roma.

Em uma das composições a que tivemos acesso, o referido baixo-relevo nos apresenta Anchieta

com a mão direita como a envolver a juba de um leão, a mão esquerda com a palma voltada

para o solo como que o abençoando e a sua frente uma serpente em posição de ataque. Alheio

a todas as ameaças, Anchieta mantém o olhar voltado ao céu. Podemos perceber que a narrativa

apresentada na obra se relaciona diretamente ao tema Anchieta e os animais, pois ao fundo

podemos reconhecer e identificar outros animais. Importante ressaltar que os animais não

pertencem à fauna brasileira, mas está de acordo com o desconhecido para os europeus porque

onde os nativos da América podem ser relacionados ao desconhecido como ameaçadores.

(VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 16).

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Figura 29 – Imagem do livro ‘Vida Ilustrada do Venerável Padre José de Anchieta’ datado de 177120

A referida composição é a primeira identificada com o tema Anchieta e a evangelização

entre selvagens, tema que será retomado, por exemplo, em Benedito Calixto que será

apresentado por nós posteriormente.

20 Livro encomendado pela Companhia de Jesus, contendo ilustrações concebidas em baixo relevo por G. Marion.

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Figura 30 – Anchieta na Selva – G. Marion – Século 18

O material iconográfico apresentado no livro Anchieta nas Artes pode ser dividido em duas

grandes áreas: o Anchieta Evangelizador, missionário, pregador, devoto e a serviço do Senhor

Jesus e de Sua Santa Mãe Maria e o Anchieta milagroso, porquanto sua presença já indicava ou

sinalizava a presença do Sagrado. O livro, datado de 1991, está em sua segunda edição, sendo

a primeira de 1987. Ambas, após a data de sua Beatificação, reconhecida pelo papa João Paulo

II em 1980, quando de sua primeira visita ao Brasil. O material apresentado por Viotti e

Moutinho estava também destinado a rememorar a origem da Companhia de Jesus e seus

primeiros missionários no Brasil. Tendo como base a afirmação de Gombrich (2007, p. 53): A experiência da arte não constitui exceção à regra geral. Um estilo, como uma cultura ou um clima de opinião, cria um horizonte de expectativas, um conjunto de contextos mentais, que registra desvios e alterações com exagerada sensitividade. Ao anotar relações, a mente registra tendências.

Entendemos que a arte contida no livro Anchieta nas Artes esteve e está a serviço de

apresentar a identidade cristã missionária, estabelecida pela Companhia de Jesus nos primeiros

tempos do Brasil colonial. A relação estabelecida entre os jesuítas e as artes são identificadas

desde o início de sua formação, sendo indicado tal fato tanto por José Alberto Gomes Machado

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(2003, p. 283) como por Luís de Moura Sobral (2004, p. 392) Os jesuítas não irão somente

apresentar a vida e o caminhar da fé de seu fundador, como utilizarão da arte para o mesmo

fim, apresentar a vida e o caminhar de fé de outros membros da companhia. Podemos citar

como exemplo Francisco Xavier e Luís Gonzaga (SOBRAL, 2004, p. 387) . Segundo Sobral:

“cedo começou a Companhia a colocar estátuas de santos nas frontarias dos seus templos”

(SOBRAL, 2004, p. 392). Relacionamos que o ciclo dos azulejos de Claudio Pastro está ligado

a uma tradição jesuíta, que, nos espaços destinados às esculturas, ocorreu uma escolha por uma

composição com painéis de azulejos. Entendemos ser da escolha composicional tal diferencial

(escultura/painel).

No século 17, uma nova forma iconográfica tomou corpo na Companhia de Jesus, não

somente cristológica ou mariana; mas o grande destaque deveria ser o enaltecimento dos

homens que compunham a ordem jesuíta (SOBRAL, 2004, p. 387), o que ocorre no ciclo de

painéis de azulejos de Claudio Pastro, instalados na capela do Pátio do Colégio. Podemos

entender assim que a utilização da arte como forma de apresentar traços biográficos ou destacar

feitos evangelizadores estão nos primórdios da Companhia de Jesus. Quando da beatificação

de Inácio de Loyola, já havia sido publicada uma “vida figurada do fundador da Companhia,

(...) composta de setenta e nove gravuras mais um frontispício, obras de Rubens. ” (SOBRAL,

2004, p. 385).

Referente ao tema de ciclo sobre a vida e o caminhar de fé dos homens que fizeram parte da

Companhia de Jesus, há uma decoração encomendada pela companhia para a Sacristia da Igreja

do Espirito Santo, pertencente ao Colégio Jesuíta do Espirito Santo em Évora. A obra demorou

três décadas para ser construída e sua composição remete aos primeiros tempos da Companhia

de Jesus, sua fundação, seu reconhecimento enquanto ordem, seu trabalho evangelizador,

solicitado e apoiado pela coroa portuguesa (MACHADO, 2003, p. 281 e 282). Em um conjunto

de doze quadros, a vida de Inácio de Loyola junto a Companhia de Jesus e também de seus

primeiros companheiros vai se descortinando ao nosso olhar. Para o ciclo a ordem estabelecida

foi:

1. Inácio levita ante um altar com um crucifixo. – Trata-se de uma representação

clássica do misticismo, ligada à biografia de diversos santos.

2. Inácio penitencia-se ante uma cruz. – O tema da flagelação, de ressaibos medievais

ganha importância sobretudo na pintura espanhola, na primeira fase da Idade

Moderna. Neste episódio, como noutros deste ciclo, associam-se as graças

espirituais com o ascetismo corporal.

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3. Episódio não identificado. – Um grupo de personagens eclesiásticos segurando

palmas serve de fundo à cena de primeiro plano, onde um oriental se ajoelha aos pés

de uma figura de negro (Francisco Xavier?)

4. Inácio mergulhado num lago. – É talvez o mais curioso de todos os episódios

representados, dada a raridade iconográfica do tema.

Eis como nos é apresentado numa obra setecentista: “Um homem que ele conhecia tinha

uma relação galante com uma mulher que morava numa aldeia perto de Paris. O que faz Inigo

para o livrar dessa relação? Vai meter-se até o pescoço numa lagoa gelada, que ficava no

caminho por onde devia passar o tal homem e põe-se a gritar: “Onde vais, infeliz? Não ouves

ribombar o trovão? Não vês a espada da justiça divina prestes a atingir-te? Pois bem, (...) vai

saciar a tua paixão brutal: eu ficarei aqui a sofrer por ti até que a cólera do céu seja aplacada! ”

O galanteador, impressionado com aquela atitude tão singular, voltou para trás e mudou de vida

” (RAISEL apud MACHADO, 2003, p. 287).

5. Visão de Inácio na Terra Santa. – Tendo o Peregrino tornado ao Monte das Oliveiras

sem conhecimento dos seus hospedeiros, os franciscanos guardiães dos Lugares

Santos, enviaram um criado armado para trazê-lo de volta a Jerusalém. Este

ameaçou-o com um pau e arrastou-o por um braço. No caminho de volta, Inácio teve

a visão do Cristo da Ascensão, que lhe indicava o caminho, o que lhe trouxe grande

consolação (DALMASES apud MACHADO, 2003, p. 287).

6. Visão de La Storta. – A caminho de Roma, na Via Cássia, Inácio tem a visão de

Cristo com a cruz às costas e junto dEle, o Pai, ouvindo as palavras “Quero que tu

Nos sirvas! ”. Esta famosa visão foi narrada pelo próprio Inácio para a

Autobiografia. Diego de Laynez, que viria a ser o segundo Geral da Companhia,

acrescentou outros pormenores sobre esta visão, tal como os tinha ouvido

diretamente de Inácio, pouco após o evento. Essa variante está também representada

no teto da sacristia, no afresco X.

7. Visão de Francisco Xavier na glória – O mais intencionalmente programático dos

doze quadros. Mostra-nos Inácio, durante a celebração da missa, tendo uma visão

do Paraíso, com um grupo de santos mártires, com palmas, rodeando a figura de

Francisco Xavier. Ao fundo, numa outra visão figurada por uma pequena nuvem, a

alma do Apóstolo das Índias sobe ao céu.

Testemunho da íntima união entre Francisco e Inácio, este episódio é uma arrojada dupla

declaração de santidade. Trata-se de uma visão apócrifa, não recolhida em nenhuma das fontes

e desmentida pelo facto de Inácio ter convocado Xavier a Roma vários meses depois da morte

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deste, que só foi conhecida na Europa bastante mais tarde. A sua inclusão neste ciclo deveu-se

à criatividade apologética dos jesuítas de Évora. Na envolvência contra reformista intensamente

vivida em Portugal, uma tal representação não era isenta de algum risco, pois presumia de uma

santidade que Roma ainda não confirmara e que justamente se pretendia que viesse a confirmar

com presteza. Tal arrojo deveu-se, não só ao poderio dos jesuítas e as suas altas proteções, mas

também à crença generalizada na santidade dos dois fundadores.

8. Episódio não identificado. – Inácio é representado estendido no chão, em lugar

público, vendo-se a sua volta diversos personagens, entre os quais dois frades de

hábito branco e damas. Em primeiro plano, um personagem volta-se para encarar o

observador, criando assim um plano intermédio entre este e a cena. É um recurso de

modernidade, também presente no grande fresco do topo norte da sacristia,

representando a aprovação da Ordem.

9. Visão da Santíssima Trindade. – Tornava-se importante, por motivos de ortodoxia,

incluir uma visão da Santíssima Trindade pelo fundador, já que na famosa visão de

La Storta figuram só o Pai e o Filho. Quer nos seus escritos, quer nas suas graças

místicas, Inácio revelou sempre uma impecável ortodoxia, não obstante os

dissabores que teve com a Inquisição, que o suspeitou iluminado21.

10. Visão de La Storta. – Trata-se da segunda versão do célebre episódio, que completa

a primeira. Inácio recebe de Jesus a certeza de que tudo correrá bem em Roma, para

onde se dirige. São as célebres falas “Em Roma vos serei propicio”22. Ao fundo,

Inácio aparece aos pés do papa Paulo III, que lhe promete a aprovação da nova

Companhia. É bem revelador da mentalidade da época que o próprio Cristo sirva de

intercessor entre o santo quase desconhecido e o Papa, com vista a constituição da

Societas Jesu. É uma vez mais, um episódio cheio de carga ideológica, subjazendo

a mensagem principal que pretende transmitir e que é sempre a mesma: a santidade

de Inácio, cumulado por Deus, com altíssimas graças sobrenaturais.

11. Cura sobrenatural por milagre de São Pedro. – Inácio é figurado no leito, ferido após

o cerco de Pamplona, tendo a visão de São Pedro, por cuja intercessão se curará. Ao

fundo, à esquerda, o pintor representou uma fortificação, para transmitir a ideia do

referido cerco. Esta visão, tida na vigília de São Pedro, tem também uma clara

intencionalidade programática; a presença de São Pedro prefigura a especial

21 Alumbrado, segundo a terminologia castelhana da época, ou seja, visionário místico de suspeita ortodoxia. 22 Na versão do Padre Jerônimo Nadal, a frase teria sido mais simples e em italiano: “Io saro com voi” (DALMASES apud MACHADO, 2003, p. 287)

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dedicação e obediência dos jesuítas ao sucessor do Príncipe dos Apóstolos, marcada

pelo quarto voto.

12. Visão de Nossa Senhora. – Inácio foi gratificado com diversas aparições da virgem.

Aqui, a visão ocorre no próprio quarto de Inácio. O pintor terá querido representar

os austeros aposentos romanos (as camarette) onde Inácio recebeu várias graças

espirituais e onde morreu.

Relacionamos o desenvolvimento apresentado no afresco da Capela do Colégio do Espirito

Santo de Évora para estabelecermos uma ponte com outros ciclos que serão compostos para

José de Anchieta, entre eles o ciclo de azulejos de Claudio Pastro.

Estabelecendo um reconhecimento com a arte jesuíta, podemos identificar o ciclo de baixos-

relevos elaborados por Mastroinni, datados de 1927, que irão compor A Vida Ilustrada do

Venerável Padre Anchieta em Roma. O ciclo contém dez baixos-relevos que estabelecem a

trajetória de José de Anchieta, como membro da Companhia de Jesus, desde sua juventude em

Portugal até sua morte no Brasil. São imagens que remontam a recortes históricos da vida de

Anchieta assim como momentos que envolvem sua mística. A composição do ciclo de baixos-

relevos segue a seguinte ordem (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 100 e 101)

1º. O voto de virgindade em Coimbra (pelo ano de 1550)

A obra nos apresenta o jovem Anchieta frente ao altar, no qual identificamos Nossa Senhora

com o Menino Jesus ao colo, Anchieta em oração com os olhos fixos na imagem. Ao chão,

objetos estão dispostos como se fizessem parte de uma vida que não mais pertencerá ao jovem

Anchieta (CARDOSO, 1997, p. 15).

2º. Na Escola de Piratininga (1554)

A obra nos apresenta Anchieta ao centro do quadro, com a mão esquerda levada ao peito e

a direita estendida com a palma para baixo, tendo a sua direita os colonos portugueses e a sua

esquerda os índios. Os dois grupos em clara atenção a suas palavras. Ao fundo, podemos

identificar a choupana primeira, que reconhecemos como o Colégio da vila de São Paulo de

Piratininga. Toda a obra está ambientada com longas árvores, identificadas como coqueiros;

em algumas delas somente os troncos podem ser vistos, em outras vemos a copa em movimento

ao vento. Abaixo, uma reprodução do baixo-relevo apresentado acima.

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Figura 31 – Reprodução do baixo-relevo “Na Escola de Piratininga (1554) ” (VIOTTI, 1980, p. 57)

3º. Refém em Yperoig (4 de maio de 1563)

A obra nos apresenta Anchieta novamente ao centro do quadro, em uma canoa, como líder

da embarcação. Identificamos Manuel da Nóbrega junto aos membros da embarcação, mas não

nos é possível reconhecer os outros dois participantes. Na praia há dois índios com seus cocares

e um deles empunha uma lança, apresentando uma franca hostilidade (VIOTTI, 1980, p. 95).

4º. O poema latino em honra da Virgem (Yperoig – 1563)

A obra nos apresenta Anchieta também ao centro da cena, encurvado com uma vareta em

sua mão direita, escrevendo na areia e com a mão esquerda segurando parte de sua capa. Um

pássaro pousado em suas costas, pode nos remeter à ideia do Espírito Santo ou dos pássaros

guaras que nas crônicas populares, acompanham Anchieta em suas caminhadas (AMARAL,

1932, p. 1). No céu outras aves são avistadas. No mar, vemos duas embarcações ao longe. Na

praia, atrás de Anchieta, vemos um índio sentado junto a uma criança. Abaixo uma reprodução

do baixo relevo citado.

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Figura 32 – Reprodução do baixo-relevo “O poema latino em honra da Virgem (Yperoig – 1563) ” (VIOTTI, 1980, p. 113)

5º. Desembarcando no Rio de janeiro com os fundadores da cidade (15 de janeiro de 1567)

Vemos novamente Anchieta ao centro da obra, cercado por portugueses, alguns

permanecendo na embarcação, outros se posicionam em terra. A embarcação está com a vela

estendida e percebemos um único indígena junto a rampa pela qual Anchieta está descendo à

terra. Abaixo uma reprodução do baixo relevo citado.

Figura 33 – Reprodução do baixo-relevo “Desembarcando no Rio de janeiro com os fundadores da cidade” (CARDOSO, 1997, p. 41)

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6º. Os empestados da esquadra de Flores Valdez (Rio de Janeiro – 1581)

Na obra, Anchieta nos é apresentado junto a um nobre, possível de ser identificado por suas

roupas. Anchieta com a mão esquerda ao peito, apresenta com a direita os corpos que estão na

praia. Ao fundo vemos três grandes embarcações e próximo à praia uma pequena embarcação

a remo, na qual não é possível identificar o número de pessoas. Este fato está relacionado à

esquadra de Diogo Flores Valdez, destinada a combater os corsários ingleses, desembarcando

no Rio de Janeiro com inúmeros doentes, o que levou Anchieta a iniciar a obra do hospital

Misericórdia no Rio de janeiro (VIOTTI, 1980, p. 193).

7º. Ressurreição e baptismo do índio Diogo (Em Santos, pelo ano de 1584)

A obra nos faz descortinar uma cena milagrosa. Anchieta em pé ao lado de um doente ao

chão, sob uma aparente esteira, o qual ergue sua mão direita como que para tocar a mão

esquerda de Anchieta, e este com a mão direita levada ao peito. Ao fundo, vemos um altar, com

o crucifixo preso a parede, e sob o altar uma escultura de santo que não nos é possível

reconhecer a identidade. Junto à cena de Anchieta e o doente, identificamos quatro figuras

humanas, três delas de indígenas, e um único europeu. Apesar de tal milagre não estar inserido

nos escritos dos biógrafos de Anchieta, Hélio Viotti e Armando Cardoso, conta-se como um

milagre de devoção popular, no qual Anchieta vai ao encontro do indígena, que estando morto,

pede o batismo a Anchieta e retorna a vida (AMARAL, 1932, p. 1).

8º. A sombra dos guarás (Na baia de Guanabara – 1584)

A obra descreve um momento de dificuldade, em uma embarcação no mar. Identificamos

Anchieta de braços erguidos ao céu, junto a outros homens. Uma revoada de aves (entendemos

ser os guarás, referidos no título da obra), protegem os viajantes do sol inclemente. Assim como

o milagre da Ressurreição do índio Diogo, esse fato não é comentado ou apresentado nos

escritos de Viotti ou Cardoso, mas fazem parte da tradição devocional anchietana (AMARAL,

1932, p. 2).

9º. O Apóstolo e Taumaturgo do Brasil

Segundo o dicionário Aurélio, a palavra taumaturgo responde à “que ou aquele que opera

milagres”. Na cena composta para O Apostolo e Taumaturgo do Brasil, temos Anchieta ao

centro da obra, ao seu lado esquerdo, um indígena sentado ao chão, depositando a lança ao solo.

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Várias árvores são apresentadas ao lado esquerdo do observador. Entre as árvores podemos

identificar um indígena escondido. Na penumbra provocada pelas árvores, ao lado direito do

observador uma fera (felino) em estado de observação e aos seus pés uma serpente tem parte

do corpo erguido, mas não demonstra posição de ataque. Todos os personagens que compõem

a cena estão olhando para Anchieta. Ao fundo vemos o mar em calmaria. Entendemos que o

milagre citado deve ser relacionado ao trabalho evangelizador realizado por Anchieta. Abaixo

uma reprodução tendo como base o baixo relevo apresentado acima.

Figura 34 – Reprodução do baixo-relevo “O Apostolo e Taumaturgo do Brasil” (VIOTTI, 1980, p. 141)

10º. De Reritigba à Victoria (1597)

A cena apresentada, na obra, faz referência à morte de José de Anchieta. Seu corpo é

carregado por um grupo de homens. À direita do observador um índio ajuda a carregar a esteira,

na qual Anchieta foi depositado, e tem a cabeça voltada para olhar seu corpo. Ao lado esquerdo

do observador, há um europeu, com os olhos voltados ao chão, segurando a esteira com a mão

esquerda e a direita sobre ao peito. Ao fundo, várias figuras humanas em cortejo, destacando-

se a cruz ao alto do grupo. Um indígena frente ao cortejo tem as mãos postas em oração.

Reritigba foi uma das regiões evangelizadas por Anchieta. Quando de sua morte, os irmãos

solicitaram que seu corpo fosse levado para Vitória e no “Colégio de São Tiago recebeu os

ofícios solenes” (CARDOSO, 1997, p. 68). Abaixo, apresentamos uma reprodução do baixo

relevo descrito acima.

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Figura 35 – Reprodução do baixo-relevo “De Reritigba a Victoria (1597) ” (CARDOSO, 1997, p. 68)

Decorrentes desse ciclo de baixo relevo, há no Brasil uma composição em ciclo de azulejos,

no hospital Anchieta, no Rio de Janeiro, onde o baixo relevo idealizado para o livro ganhou a

forma de painel de azulejo. Apresentamos abaixo dois painéis instalados no hospital Anchieta,

que seguem a composição concebida para o livro A Vida Ilustrada do Venerável Padre José de

Anchieta.

Figura 36 – Reprodução do tema Poema à Virgem, instalado no Hospital Anchieta no Rio de Janeiro (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 112)

Observamos uma semelhança entre a composição proposta por Marion e a composição de

Claudio Pastro para o painel com o mesmo tema, Poema a Virgem, na qual observamos a

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mesma inclinação de corpo do representado e os dizeres na areia estão delimitados da mesma

forma e apresentam uma similaridade de composição.

Figura 37 – Reprodução do tema Ressurreição e Baptismo do Índio Diogo, instalado no Hospital Anchieta no Rio de Janeiro (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 113).

Em Bertioga, litoral de São Paulo, na capela do SESC, apresenta-se também um ciclo de

azulejos composto por A. Paim, datados de 1948, cujos milagres de Anchieta estão descritos.

Como já afirmamos, anteriormente, os milagres não são citados por Viotti ou Cardoso, mas

fazem parte da mística anchietana. O título do painel apresenta o milagre decorrente da presença

de Anchieta, uma narrativa imagética ilustra o acontecimento (VIOTTI & MOUTINHO, 1991,

p. 57 a 61).

Os painéis de azulejos de A. Paim seguem a seguinte ordem:

1º. Querendo provar a castidade do Padre Anchieta, dois irmãos, em Bertioga armaram-lhe uma

cilada, que o apóstolo descobriu, movendo-os ao arrependimento.

A obra é composta com as cores tradicionais dos azulejos portugueses em azul e branco,

Anchieta em pé, com um homem ajoelhado aos seus pés, a beijar-lhe a mão esquerda. Com a

mão direita, Anchieta parece repreender os homens que ali estão junto a ele.

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Figura 38 – Reprodução ciclo de azulejos composto por A. Paim (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 57)

2º. Com uma ordem sua o Padre Anchieta fez um bando de guarás abrigar do sol abrasador a

tripulação do barco em que navegava, no canal de Bertioga.

A cena apresenta Anchieta como líder da embarcação. Ao lado esquerdo da cena, no barco,

podemos identificar quatro indígenas e um sacerdote, Anchieta tem as mãos elevadas ao céu.

Os guarás, pássaros, do título da obra, vem em direção à embarcação, com raios luminosos a

sua volta.

Figura 39 – Reprodução ciclo de azulejos composto por A. Paim (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 58)

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3º. Os moradores de Bertioga viram a Capela em que pernoitava Anchieta encher-se de luz e de

cânticos celestiais.

Na composição da cena, identificamos dois grupos de anjos: quatro ao lado direito do

observador e três ao lado esquerdo do observador. Anchieta está ao lado direito da cena,

olhando para frente, para um altar que projeta raios luminosos em sua direção, tendo na sua

ponta mais alta uma imagem de Nossa Senhora com o Menino Jesus ao colo.

Figura 40 – Reprodução ciclo de azulejos composto por A. Paim (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 59) 4º. Neste lugar, em 1567 o Padre Anchieta, por sua virtude, afastou uma baleia que ameaçava

naufragar a barca em que vinha com outras pessoas.

Anchieta é líder na embarcação, porque está na ponta do barco, no ponto mais alto da

composição, junto com ele conseguimos identificar um indígena, dois sacerdotes e três colonos.

Abaixo do barco, a baleia identificada no título da obra.

Figura 41 – Reprodução ciclo de azulejos composto por A. Paim (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 60)

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5º. Em Bertioga, o Padre Anchieta com uma benção salvou a vida de uma criança que caíra

de uma alta torre.

A figura de maior proporção é Anchieta, trazendo um cajado na mão esquerda e um livro,

tem em sua cabeça um chapéu, está vestindo uma longa túnica, sendo o único a apresentar os

pés calçados. A mão direita está erguida em sinal de benção dirigida ao céu. A criança vem

caindo ao chão; os pais correm ao seu socorro.

Figura 42 – Reprodução ciclo de azulejos composto por A. Paim (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 61)

Portanto, podemos entender que o conceito de ciclo como baixo relevo ou painel de azulejo

já está inserido na tradição iconográfica da Companhia de Jesus. Analisamos que o processo de

ciclo pode estar associado a contar uma história, da primeira à última cena e o espectador pode

estar observando a narrativa (MANGUEL, 2011, p. 234).

Ressaltamos que José de Anchieta ainda não havia sido reconhecido como Beato pela Igreja,

contudo seus milagres já eram representados imageticamente, sendo tal fato recorrente na

Companhia de Jesus. Podemos exemplificar a encomenda ‘vida figurada do fundador da

Companhia de Jesus (...) preparada nos anos imediatamente anteriores à beatificação”. A obra

é composta por setenta e nove gravuras mais o frontispício, obras de Rubens e de Jean Baptiste

Barbe, composição executada para fazer parte da obra Vita Beati P. Ignatii Loiolae Societatis

Iesu Fundadoris, Roma, 1609 (SOBRAL, 2004, p. 386). Entendemos que as composições das obras de Anchieta estão ancoradas pela tradição da Companhia de Jesus, em destacar os feitos missionários e evangelizadores de seus homens (SOBRAL, 2004, p. 387).

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Dos vários artistas que retrataram a vida de José de Anchieta, nos deteremos em Benedito

Calixto e Candido Portinari. Pois identificamos ser de significativa importância analisarmos as

obras compostas sobre José de Anchieta desses dois grandes mestres.

Benedito Calixto, com uma grande trajetória na representação da arte religiosa e também

sobre as figuras de importância nacional, retratou várias cenas ou recortes históricos da vida de

Anchieta, assim devemos voltar nosso olhar para compreendermos sua narrativa.

Candido Portinari que se declarava agnóstico, comunista, diferentemente de Benedito

Calixto um católico atuante.Levantamos a seguinte questão: como um agnóstico percebe a vida

de um homem que viveu para a sua fé?

2.6.1. Anchieta por Benedito Calixto Iniciaremos por identificar a figura de Benedito Calixto no campo das artes, com base no

trabalho de Moises Poletini, “Um estudo das obras sacras de Benedito Calixto”.

O artista Benedito Calixto era original do litoral paulista, de humilde origem. Foi

reconhecido por suas habilidades artísticas em sua terra natal, da qual recebeu ajuda financeira

e incentivos para estudar fora do país. Após estudar em Paris, retorna a sua terra natal recebendo

várias encomendas de significativa importância. Foi responsável por várias obras de arte sacras

e também de figuras nacionais (POLETINI, 2003, p. 8).

Para nossa pesquisa, Benedito Calixto torna-se figura chave para a compreensão da narrativa

imagética de José de Anchieta, pois sobre ele foi responsável por executar várias obras. É de

sua autoria a obra Poema à Virgem, (fig. 46) obra de grande destaque, que retrata as habilidades

e os serviços prestados por Anchieta no processo de colonização. Na imagem, Anchieta está

escrevendo na areia, Anchieta Poeta. Os índios, sentados na areia, observam-no, Anchieta

missionário. A cruz é o ponto mais alto da composição, Anchieta Evangelizador. A referida

obra faz referência à grande dificuldade vivida por José de Anchieta, por estar em cativeiro

pelos índios Tamoios (VIOTTI, 1980, p. 95).

Em sua composição o que podemos observar é a serenidade. Serenidade apresentada, no

mar; nas calmas ondas que vem ao encontro do jesuíta; na postura dos índios, sentados

observando a tarefa executada pelo missionário; na cruz fincada no monte para fazer memória

ao cristianismo apresentado por Anchieta; nos pássaros em revoada vindo ao encontro de

Anchieta; na areia; nas linhas já escritas; na concentração de Anchieta em sua tarefa, a

composição do Poema a Virgem. O referido poema será uma obra gigantesca escrita por ele em

latim, após sua libertação, mas Viotti sobre esse fato narra:

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Nele, no humilde cantor da Imaculada, no contemplativo bardo de Iperuí, que ‘passeando pela praia’, traduzia em maravilhosos versos latinos os puros afetos de seu coração filial, melhor do que em qualquer outro se aplicam em cheio as palavras do Sermão da Assunção de Maria, (...) ‘Os que cá andam desprezados como areia ao longo do mar, considerando a vida da Virgem e imitando-a segundo sua fraqueza, depois se fazem claros no céu como estrelas (VIOTTI, 1980, p. 113).

Entendemos que, como afirma Poletini, Benedito Calixto para compor sua obra tomou

conhecimento das obras anchietanas, deixou-se envolver por sua poética e por ser católico

compartilhou a esperança e a salvação encontradas por Anchieta nas súplicas à Nossa Senhora:

“Pode-se afirmar que na sua formação, o gosto pela pintura, pela pesquisa e a importância da

sua religiosidade foram se fundindo, Calixto se tornou um pintor católico que pesquisa”

(POLETINI, 2003, p. 21).

Figura 43 – Benedito Calixto – Poema à Virgem Maria – 1907

As primeiras obras de Benedito Calixto sobre José de Anchieta têm como tema a

evangelização. A natureza apresenta-se inóspita, sombria, remetendo às dificuldades

encontradas pelos colonizadores e evangelizadores.

Observamos as cores sombrias e a natureza selvagem nas composições de Anchieta e as

Feras e Evangelho na Selva (figuras 47 e 48).

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Figura 44 – Benedito Calixto – Anchieta e as Feras – 1893

Figura 45 – Benedito Calixto – Evangelho na Selva – 1897

As obras de Benedito Calixto, Evangelho na Selva e José de Anchieta23 datam

respectivamente de 1893 e 1897 e retratam as adversidades enfrentadas pelo missionário na

terra desconhecida para anunciar a Cristo.

Em Evangelho na Selva, um felino se posiciona à frente de Anchieta, o qual tem em sua mão

direita um crucifixo e na mão esquerda, um livro aberto. Seu gesto transmite eloquência e o

cumprimento da missão de levar o Evangelho aos nativos da terra desconhecida e enfrentar os

seus perigos. O gesto de Anchieta pode estar relacionado a observação de Wulf; “ onde os

gestos como modo de auto expressão e um modo de representar algo que de outra forma

23 Obras tombadas como patrimônio nacional: Número do Processo: 13996/69; Resolução de Tombamento: Resolução de 16/10/69; Publicação do Diário Oficial Poder Executivo, Seção I, 17/10/1969, pg. 31 Livro do Tombo das Artes: no 1 a 122 do, p. 2 a 5, 20/1/1970 à 13/7/1970.

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permaneceria invisível” (WULF, 2013, p. 122). Entendemos que o gesto de auto expressão

identificado está em Anchieta erguer o crucifixo com o braço direito e manter a postura de

evangelizador e missionário.

É possível também relacionar o tema (evangelização das feras) com as obras compostas por

Marion. Observamos como Anchieta foi apresentado no livro ‘Vida Ilustrada do Venerável

padre José de Anchieta, datado de 1771’, mas que diferentemente, da primeira obra de Marion,

descrita por nós anteriormente, em que os animais, estão representados como ameaçadores, nas

obras de Bendito Calixto se aproximam de uma segunda composição, (também de Marion para

o Vida Ilustrada do Venerável José de Anchieta) onde os animais estão submetidos ao

missionário evangelizador (VIOTTI & MOUTINHO, 1991, p. 46).

Figura 46 – Vida Ilustrada do Venerável José de Anchieta-animais estão submetidos ao missionário evangelizador

Podemos entender que essa obra pode ter sido a inspiração para Benedito Calixto, pois os

animais retratados em suas telas observam Anchieta sem ameaçá-lo.24

Podemos também relacionar a narrativa apresentada nas obras de Calixto com as obras que

representam Francisco de Assis (fig. 50) falando aos pássaros ou Antônio de Lisboa falando

aos peixes (Fig. 51). Falar aos animais é uma narrativa imagética válida para quando os

evangelizadores ou missionários não encontravam dificuldades e adversidades em sua missão

evangelizadora.

24 Conforme Poletini, em 1883 segue para a Europa para estudar, e Calixto foi um profícuo produtor de arte sacra, onde sempre para compor suas telas iniciava com uma ampla pesquisa (POLETINI, 2003, p. 8).

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Figura 47 – Afresco que se encontra na Basílica Superior de São Francisco em Assis, feita por Giotto. Século 13

Figura 48 – Veronese, Sermão aos peixes de Santo Antônio - 1580

Assim entendemos que a obra de Benedito Calixto já possuía uma trajetória no campo da

narrativa imagética, sua narrativa poderia ser compreendida. O artista utiliza-se de uma

forma de expressão a qual os católicos de seu tempo já estavam familiarizados. Tais obras

também podem encontrar correspondência em uma outra obra, intitulada Anchieta

Taumaturgo, de autor anônimo, pintada na Europa no século 17, (VIOTTI & MOUTINHO,

1991, p. 23). Nela Anchieta com a mão direita toca a cabeça de um animal, e tem a mão

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esquerda espalmada virada ao céu; aos seus pés um felino tem a cabeça abaixada como em

sinal de reverência; ao fundo os pássaros formam uma nuvem colorida; uma árvore ao seu

lado esquerdo e um pássaro lhe fazem sombra; a sua direita, as praias do Novo Mundo, com

embarcações europeias, um europeu em posição ereta a sua frente e um nativo, em posição

de inclinação. Analisamos que a obra faz um panorama das missões evangelizadoras e

também coloniais ocorridas nos séculos 16. A obra data do século 17, entendemos ser essa

a primeira imagem conhecida tendo José de Anchieta como temática imagética. Assim,

identificamos que a mensagem contida nas obras Anchieta e as feras, podem estar

relacionadas com uma tradição da Igreja, também como uma forma de apresentar o trabalho

evangelizador realizado pelo missionário da Companhia de Jesus. Assim os ciclos de painéis

de Anchieta concebidos por Claudio Pastro estão apoiados em uma tradição da Companhia

de Jesus, amparado juntamente em uma tradição da Igreja: “O altar dos Jesuítas está, pois,

adornado com uma galeria de santos homens, principalmente mártires (...)” (SOBRAL,

2004, p. 387). Entendemos que os membros da Companhia de Jesus utilizavam-se de

imagens de forma a servir como referência à doutrina católica, a qual estava sendo

apresentada ao povo autóctone do Brasil.

Abaixo, apresentamos a obra de Benedito Calixto, ’ Na cabana de Pindobuçu’, datada de

1920, pertencente atualmente à coleção particular. Tem como base um recorte histórico da vida

de Anchieta como retrata Viotti:

A 9 de junho, véspera de CORPUS CHRISTI, passeavam Nóbrega e o seu companheiro pela praia, quando na linha do horizonte, como que voando sobre as ondas, assomou uma igara, vinda aparentemente do Rio de Janeiro. Percebendo ali uma provável ameaça, resolveram acolher-se quanto antes a cabana de Pindobuçu(...) (VIOTTI, 1980, p. 97).

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Figura 49 – Benedito Calixto – Na cabana de Pindobuçu - 1920

Como afirmou Poletini, Calixto elaborava uma pesquisa para sua composição (POLETINI,

2003, p. 21). Observando a cena composta por Calixto, identificamos uma variedade de

personagens: dois religiosos, um aos pés do altar, levemente inclinado com um livro aberto

em suas mãos; cabelos escuros, sob seus joelhos uma pele de animal como um tapete e podemos

identificá-lo como Anchieta, porque o outro religioso está em pé, com os pés nus, segundo

Viotti, ‘descalço então meio despido(...) lá se foi o velho superior escoltado por Anchieta’;

(VIOTTI, 1980, p. 97), Nóbrega, tem a mão direita junto ao peito e a esquerda erguida ao céu.

Nesse ponto a narrativa histórica diverge da narrativa imagética, Viotti afirma que os jesuítas

se jogaram ao chão e iniciaram a recitar as orações próprias para a celebração de Corpus Christi

(VIOTTI, 1980, p. 97), Calixto introduz na cena um grupo indígena, os quais olham com

interesse o sacerdote que está aos pés do altar; um dos indígenas traz uma corda em sua mão e

podemos entender que seja para aprisionar os religiosos. Toda a composição gestual nos permite

entender a narrativa concebida pelo pintor, pois como afirma Wulf: Gestos específicos são necessários para a encenação e configuração dos rituais. A encenação e a combinação gestos adequados adquirem um significado substancial, especialmente em rituais, nos âmbitos da religião e da política, nas quais o elemento representativo é importante (WULF, 2013, p. 125).

Entendemos que o jogo de gestos e olhares nos traz a mensagem que podemos relacionar a

obra com o momento de perigo vivido pelos jesuítas na cabana de Pindobuçu. No chão da

cabana identificamos alguns objetos indígenas e objetos de origem europeia. Uma fogueira

apagada pode ser vista em primeiro plano. Tal composição parece estar de acordo com as

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composições feitas por Calixto, nas quais o tema Anchieta e as feras lembravam as dificuldades

do processo evangelizador. Podemos relacionar que Calixto inseriu na composição os indígenas

substituindo ou retirando as feras, existentes em outras composições, pois os índios que estão

relacionados ao recorte histórico escolhido para a cena são os tamoios, aliados dos franceses

calvinistas. Assim, os indígenas retratados na cena ameaçavam duplamente os projetos

jesuíticos, impondo uma guerra que ameaçava a dominação portuguesa e a dominação cristã

católica no Brasil colonial (VIOTTI, 1980, p. 99). Entendemos, portanto, a força devocional e

missionária destacada por Calixto em sua obra, pois o momento era de grande instabilidade

para a coroa portuguesa e para a igreja católica25.

Anchieta e Nóbrega como heróis combatentes do processo evangelizador cristão católico

está afirmando ou confirmando a origem do Brasil no qual ele, Benedito Calixto, estava

inserido, de origem colonial portuguesa e predominância católica.

Em continuidade à observação das obras realizadas por Benedito Calixto sobre José de

Anchieta apresentamos abaixo a obra ‘padre José de Anchieta’, datada de 1902, que pertence

ao acervo do Museu Paulista/USP.

José de Anchieta está representado na parte central da obra, ocupando grande parte da

composição, em sua fase de maturidade, ostentando os cabelos brancos. Usa uma túnica preta,

sob a qual percebe-se a glora clerical, no peito leva um crucifixo, na cintura uma corrente com

contas da qual pende uma medalha. Com a mão esquerda segura um livro que está demarcado

por um de seus dedos e traz encostado ao peito; com a mão direita segura com firmeza um

bastão. A cena que se descortina ao nosso olhar é composta por uma paisagem praiana ao fundo,

o céu com nuvens se encontra com o mar e uma montanha, uma revoada de pássaros, vai ao

encontro do jesuíta, talvez os pássaros guarás, que segundo a tradição acompanhavam Anchieta

em suas peregrinações evangelizadoras, (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 8).Na composição

não é possível vermos os pés do jesuíta, pois esta só nos permite observar parte da figura de

Anchieta, mas podemos interpretar que seus pés estavam na areia da praia. Não podemos

relacionar o local exato, mas entendemos que Calixto estabelece uma relação entre a narrativa

25 Invasão dos franceses na chamada França Antártica, (1555-1560). DAHER, Andréa in A viagem de Jean de Lery e a missão de Claude D’Abbeville no Brasil (séculos XVI e XVII), Diálogos de Conversão, org., Lúcia Helena Costigan. 2005, Campinas, Editora Unicamp. Desde os finais da Idade Média, sobretudo a partir do Concílio de Constança (1414-1418), o concílio da unidade, que se fazia sentir um apelo muito forte à reforma da Igreja e a uma renovação espiritual. No séc. XVI, esta renovatio ganha contornos bem definidos com a Reforma Protestante e a Reforma Católica, este último movimento também conhecido por Contra-Reforma. A par do dominicano D. Frei Bartolomeu dos Mártires, também Inácio de Loiola (1491-1556), fundador da Companhia de Jesus, havia de deixar o seu cunho pessoal nestes tempos conturbados. MELO, Antônio Maria Martins. Espiritualidade inaciana, arte e evangelização. In THEOLOGICA, 2ª série, 47, 2(2012) págs. 563-580, repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/13547/1/melo.pdf, acessado em 23.06.2015

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imagética com os relatos coletados sobre a vida de Anchieta; podemos relacionar o livro em

sua mão direita com seu trabalho de poeta, escritor, linguista; seu bastão, com os caminhos

percorridos para evangelizar pela costa brasileira. (VIOTTI, 1980, p. 107 e 141).

Esta obra é de significativo interesse, pois foi a imagem escolhida pela Companhia de Jesus

para a composição de santinho26 de Anchieta que é ofertado aos devotos.

Figura 50 – Benedito Calixto – ‘Padre José de Anchieta’(1902)

Figura 51 – Santinho de Anchieta – Companhia de Jesus

Entendemos que as obras compostas por Benedito Calixto representando José de Anchieta,

foram estabelecidas com uma premissa de pesquisa, na qual a imagem se propõe a uma narrativa

e nela podemos estabelecer o recorte histórico. Analisamos que as composições buscam

ressaltar o cristianismo católico, no início da colonização brasileira, mas como afirma Wulf, “o

26 Estampa com impressão de uma imagem e de uma oração http://dicionariodoaurelio.com/santinho acessado em 26.06.2015

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que vemos como imagem se refere a um exterior que está relacionado com o que é

representado” (WULF, 2013, p. 25). Então analisamos que as obras de Benedito Calixto

também estão relacionadas a um período histórico que buscava entender o processo de

formação nacional.

2.6.2. Anchieta por Cândido Portinari

Abordaremos a seguir a obra de Candido Portinari, intitulada Anchieta, sem data,

pertencente ao acervo do Banco Itaú.

Figura 52 – Cândido Portinari – ‘Anchieta’ (s.d.)

Buscamos compreender um pouco da vida de Portinari: um menino pobre, nascido no

interior de São Paulo, deixou a escola primária, iniciando o oficio de pintor como ajudante,

tornou-se aluno pela escola livre de Belas Artes no Rio de Janeiro, onde recebeu um prêmio,

que foi uma viagem, para conhecer e estudar na Europa. Em seu retorno ao Brasil, inicia seu

processo criativo, que o torna consagrado; como o artista que pintou sua terra, o céu, o campo,

as figuras do trabalho rural, as lembranças da infância de sua origem (MARIANI, 2013, p. 880).

Lembrando que a arte é um fazer, é atividade de fabricação humana, como afirma Mariani,

(MARIANI, 2013, p. 869), podemos entender que a composição elaborada por Portinari para

retratar Anchieta venha carregada de experiências do pintor, onde partilha do modernismo e

também pertence ao Partido Comunista do Brasil, observou Mário de Andrade, Portinari era

‘pouco religioso e muito místico27’ (MARIANI, 2013, p. 881).

27 Mística, segundo uma concepção antiga ligada a Dionísio Areopagita (séc. V), é uma forma de saber sobre Deus resultante de um esforço de despojamento de tudo o que é afirmação positiva de Deus. (Dionísio Areopagita apud MARIANI, 2013, p. 882)

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Todas essas identidades, comunista, agnóstico, de origem humilde fazem parte da forma de

compreender a figura de Anchieta, tendo essa compreensão influenciado na composição.

Podemos entender que a obra também faz referência ao momento de aprisionamento vivido por

Anchieta, no conflito de Iperuí. Pois o jesuíta está com os pés na areia, com o mar ao fundo,

segura um bastão com a mão direita e com a esquerda a tem suspensa como se fosse ao encontro

do bastão, como se pudesse ali apoiar seu braço, levando a identificar a cena onde o jesuíta

estando cativo teria iniciado a composição do Poema à Virgem (VIOTTI, 1980, p. 93).

Diferentemente da obra de Benedito Calixto, na qual as cores suaves e a composição nos

transmitem serenidade, a obra de Portinari, utiliza-se de cores mais sombrias, com o mar mais

acinzentado, o céu nebuloso. Igualmente utilizando tons cinzas, a figura de Anchieta em

destaque no meio da obra, tem características peculiares, como o olhar voltado ao chão, um

bastão em sua mão direita, o braço esquerdo suspenso como em posição de apoiá-lo no bastão;

com uma longa túnica preta, onde a ausência de crucifixo ou qualquer referência religiosa

perturba, pois estamos falando de um homem que dedicou a vida à evangelização. O

cristianismo católico defendido por Anchieta durante a sua vida não está apresentado na cena

composta por Portinari. Podemos associar tal representação por ser Portinari comunista e

agnóstico, não querendo ele utilizar-se de imagens tradicionais religiosas cristãs católicas, em

sua composição. (MARIANI, 2013, p. 882). A cor preta também foi escolhida para retratar os

cabelos do jesuíta, que estão em movimento, assim como as ondas do mar. A face de Anchieta,

está voltada para o chão, assim como, seus pés e mãos. São os pontos mais claros da obra, onde

a luz se destaca. Como afirma Wulf; “Os gestos expressam uma configuração corporal, uma

intenção, interna e uma relação mediada com o mundo” (WULF, 2013, p. 126).

A cabeça inclinada, o braço esquerdo sem apoio, a mão direita segurando o bastão, os pés

nus firmes no chão, o corpo voltado para o observador e de costas para o mar, levam-nos a

entender que todos esses gestos ou sinais podem estar relacionados as dificuldades enfrentadas

em seu período de cativeiro. Podemos relacionar a obra de Portinari com sua expressão de

aridez, o mar revolto, sem sinal algum de natureza, fauna ou flora, somente a aridez provocada

pela areia. Em Gombrich podemos buscar a seguinte afirmação: A experiência da arte não constitui exceção à regra geral. Um estilo, como uma cultura ou um clima de opinião, cria horizonte de expectativas, um conjunto de contextos mentais, que registra desvios e alterações com exagerada sensitividade. Ao anotar relações, a mente registra tendências (GOMBRICH, 2007, p. 53).

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Entendemos que a representação de Anchieta executada por Candido Portinari, não buscava

representar a certeza da fé ou a bravura do jesuíta frente às adversidades, mas tornou-se a

representação do homem que se mantem em pé apesar das adversidades, pois os pés firmes no

chão e a mão direita segurando o bastão são gestos que podem ser entendidos como resiliência

frente às dificuldades. Apesar de não ser possível perceber o rosto em sua plenitude, este

apresenta-se iluminado, não com uma cor provinda do céu, mas com uma cor própria. Seguindo

a explicação de Gombrich: Preferimos sugestão à representação, ajustamos nossas expectativas para usufruir do próprio ato de adivinhar, de projetar. E racionalizamos essa preferência, pretendendo que o desenho deva estar mais próximo daquilo que o artista viu e daquilo que sentiu do que a obra acabada (GOMBRICH, 2007, p. 326).

A obra de Portinari nos permite usufruir da possibilidade de percebermos um homem que

viveu grandes dificuldades, muitas delas superadas, mas que exigiram imensa força para tal

empreitada (MASSIMI, et al., 1997, p. 103).

2.6.3. Anchieta por Claudio Pastro

Identificaremos a seguir duas obras de confecção de Claudio Pastro nas quais a figura de

Anchieta é presente. Na primeira composição, identificamos as figuras de Anchieta e do chefe

indígena Tibiriçá, que se tornando cristão permitiu que sua tribo também assim o fizesse

(VIOTTI, 1980, p. 55).

Figura 53 – Claudio Pastro – Anchieta e Tibiriçá – 1997 – Pertencente ao Acervo Anchietanun

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Na composição de Claudio Pastro, tendo como tema central a figura de Anchieta e Tibiriçá,

identificamos uma composição que se diferencia em relação à composição do ciclo de painéis

de azulejos de José de Anchieta. Iniciando pelo suporte da composição, onde no ciclo instalados

no Pátio do Colégio são os azulejos, na obra Anchieta e Tibiriçá temos a tela como suporte. As

cores são vibrantes, podemos até relacioná-la à flora brasileira. O artista afirma que; Assim como o Criador ama a sua criatura e toma a imagem humana, definitivamente, se encarnando em Jesus, assim os cristãos estão côncios de que uma obra de arte é uma imagem gratuita e lugar de contínua revelação sacramental, pobre matéria escolhida pelo Mistério (PASTRO, 2002, p. 6).

Observando a composição podemos perceber as cores azul e amarelo como predominantes;

identificamos dois homens, ladeando a cruz, ambos têm as mãos firmes segurando-a, a qual

marca exatamente o centro da composição; ao lado direito do observador identificamos

Anchieta, possível a identificação pois, tem uma capa cobrindo-lhe os ombros, na qual do lado

direito sobressai o símbolo da Companhia de Jesus. Ao lado esquerdo do observador,

identificamos um indígena, que em decorrência do título, é o chefe indígena Tibiriçá.

Assim Claudio Pastro escolhe um recorte histórico, repleto de ambivalências, pois segundo

Massimi, para Anchieta, Tibiriçá e sua tribo eram o exemplo concreto da possibilidade de

conversão ao cristianismo (MASSIMI, et al., 1997, p. 112). Todavia, Anchieta apresenta-se,

posteriormente, frustrado em suas expectativas, quando o chefe indígena retoma tradições

antropofágicas. Em carta, Anchieta escreve a Inácio de Loyola, descrevendo sua frustração: Assim (Tibiriçá) manifestou o fingimento da sua fé, que até então disfarçara, e ele e todos os mais catecumentos caíram e voltam sem freio aos antigos costumes. Não se pode, portanto, esperar nem conseguir nada em toda essa terra na conversão dos gentios. Deles e de todos os outros desta nação, não se pode esperar mais do que atrair alguns meninos, filhos deles, e educá-los na doutrina da fé. Mas é de temer em crescendo, depravados pelos exemplos dos pais, se conformem aos seus costumes (ANCHIETA apud MASSIMI, et al., 1997, p. 112).

Esse processo, a dificuldade na manutenção do trabalho evangelizador vai estabelecer novas

bases para o projeto missionário, surgindo os aldeamentos.28

Entendemos que a escolha feita em retratar Anchieta e Tibiriçá juntos, segurando a cruz pode

ser compreendido como um processo que promoveu um novo projeto missionário, em que

atingir os jovens torna-se parte significativa dos missionários jesuítas. Esse projeto leva-nos a

28 O projeto de ação dos jesuítas articula-se em várias direções: antes de mais nada, o empenho na construção da casa, da igreja e da escola para os meninos índios (o Colégio) e no cuidado com a horta (...), além disso ministrar os sacramentos, ensinar e doutrinar a população de índios, colonos e escravos no Colégio ou visitando as casas (MASSIMI, et al., 1997, p. 116).

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ressaltar o local onde está instalada a obra Anchieta e Tibiriçá. O espaço chama-se Anchietanun,

na cidade de São Paulo e é local destinada a missão evangelizadora dos jovens atualmente.29

A figura de Tibiriçá junto a Anchieta será novamente parte de uma composição, quando dos

quinhentos anos da Evangelização do Brasil. Claudio Pastro elaborou uma composição de

18m², narrando em imagens a presença da Companhia de Jesus no Brasil, desde os tempos da

colonização. O mural percorre em sua narrativa desde os primeiros momentos da companhia de

Jesus, com sua fundação e a figura de seu fundador, atravessando os séculos, destacando

recortes históricos e figuras fundamentais em tais momentos (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p.

4).

Segundo Cigõna e Pastro, a figura de destaque no século XVI é a de José de Anchieta, onde

na composição é apresentado abraçando duas figuras, reconhecidos como os índios Tibiriçá e

Caiubí, batizados pelos primeiros jesuítas que desembarcaram no Brasil colonial, em sua

explanação referente a esse recorte, encontramos: A Evangelização autêntica acolhe o diverso. Anchieta abraça os dois índios como abraçando todo o Brasil. A glorificação de Anchieta, simbolizada pelo cocar indígena e um aldeamento (fundação de São Paulo), é a causa do índio (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 8).

Percebemos, então, que a representação de Anchieta elaborada por Claudio Pastro não se

deu inicialmente com o ciclo de azulejos instalados no Pátio do Colégio, mas sua primeira

composição tendo José de Anchieta incluso é o Mural para os 500 anos de Evangelização da

Companhia de Jesus, em 1990. Posteriormente, elabora a composição tendo como tema

Anchieta e Tibiriçá em 1997 e em 1999, compõe o ciclo de azulejos de José de Anchieta para

o Pateo do Colégio. Esse percurso de composições nos faz perceber uma aproximação entre

Claudio Pastro e a Companhia de Jesus, pois nas palavras de J. Ramón F. de la Cigõna, padre

jesuíta coautor do livro Arte em Itaici, ele apresenta Claudio Pastro da seguinte forma: Claudio Pastro é, entre nós, um grande expoente da arte sacra. Claudio Pastro é polifacético: domina as cores e as formas, a pintura e a escultura... E em todas as suas obras revela, de modo surpreendente algo desse mistério infinito escondido nos traços do homem (CIGÕNA & PASTRO, 1990, p. 3).

Assim entendemos que a confecção do ciclo de painéis de azulejos de José de Anchieta, fez

parte de um percurso no qual a figura de Anchieta foi sendo desbravada para o observador das

obras de Claudio Pastro.

29 O Anchietanum surgiu em 1953 e, ao longo de sua história, manteve-se sempre em estado de reflexão para renovar-se na missão de estar a serviço da juventude.http://www.anchietanum.com.br/site/

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Figura 54 – Claudio Pastro – Anchieta, Painel 500 anos de Evangelização – 1990 – Instalado em Itaici, Centro de Espiritualidade Inaciana30

2.6.4. Retratos de José Anchieta de outros artistas

No livro Anchieta nas artes, há uma grande variedade de representações da figura de José de

Anchieta. Apresentaremos algumas que podem identificar traços ou recortes históricos da

pessoa de Anchieta31

Escolhemos por incluir no tópico de iconografia anchietana, algumas obras que estabelecem

um panorama das várias atividades nas quais habitualmente se retratam José de Anchieta

durante os vários séculos da história do Brasil. Tais obras, além das relatadas durante o texto,

fazem parte de uma variada representação, incluindo a iconografia bizantina32, estilo escolhido

por Claudio Pastro como base para sua composição do ciclo de azulejos de José de Anchieta.

30 Centro de Espiritualidade Inaciana http://www.itaici.org.br/ 31 Acreditamos ser de fundamental importância estabelecer uma pesquisa onde possamos relacionar a iconografia anchietana com seu processo de canonização. O processo de canonização de José de Anchieta iniciou-se em 21 de julho de 1627, (VIOTTI, 1980, p. 98) sendo concluído em 03 de abril de 2014, (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/04/1434768-canonizacao-do-padre-jose-de-anchieta.shtml). Entendemos ser um processo de longo período histórico as representações iconográficas de José de Anchieta podem estabelecer um panorama da arte no Brasil durante esse período. 32 Iconografia Bizantina: iconografia bizantina, de acordo com a tradição cristã ortodoxa, desenvolveu-se primeiramente no Oriente. É a forma de arte que se tem usado no cristianismo desde a antiguidade e que se conservou até hoje na Igreja Ortodoxa, como expressão de sua fé. (...)O ícone é uma unidade artística, espiritual e litúrgica que não pode ser separada da fé, oração e vida da Igreja. Anuncia o Reino aqui e agora e o faz presente. Testemunho da Encarnação, o ícone é pintado conforme às normas iconográficas de tradição milenar, remontando a época apostólica. Cf. Pe. Paulo Augusto Tamanini, in; http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/a_iconografia_bizantina.html. Acessado em 29.06.2015.

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Figura 55 – Anônimo – Anchieta – s.d. – Centro de Espiritualidade Inaciana

Figura 56 – Anônimo – Anchieta Escritor – s.d. – Museu do Pateo do Collegio Tal imagem compôs o folheto da missa realizada na Capela Jose de Anchieta, no Pátio do

Colégio, em celebração ao reconhecimento de santificação de Jose de Anchieta, como

apresentamos abaixo:

Figura 57 – Folheto de Missa Comunidade do Pateo do Collegio

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Figura 58 – S. Takaki – Uma Tarde na Colina de Piratininga – 1966 – Palácio Anchieta, Vitória, ES

Figura 59 – G. Giotti – Anchieta Taumaturgo – 1982 – Roma33

Figura 60 – Ir. Charles de S. Gregório Magno – Ícone do Beato José de Anchieta – 200234

33 Pintura comemorativa da Beatificação de Jose de Anchieta – Declarada em 1980 Pelo Papa João Paulo II. 34 No sitio da cúria jesuíta em Roma algumas obras de arte foram destacadas entre todas aquelas produzidas tendo como inspiração Jose de Anchieta, referência importante para nossa pesquisa é o fato de que dois dos azulejos pertences ao ciclo de azulejos de José de Anchieta elaborados por Claudio Pastro configuram entre as obras

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Considerações Intermediárias

Apresentamos indicações do estilo arquitetônico da Companhia de Jesus que, como afirma

Lucio Costa, pode ser definido pela sobriedade (COSTA, 2010, p. 34), tal sobriedade está

relacionada ao período histórico do surgimento da Companhia de Jesus, uma ordem que viveu

a intensidade da Contrarreforma, podendo ser considerada a ponta de lança da Igreja contra

suas dificuldades no período citado. Esse componente da contrarreforma se faz sentir também

em seu trabalho evangelizador, em que se deixando levar a novos continentes, terras por serem

conhecidas e evangelizadas estava prestando um grande auxilio à Igreja Católica. Nesse fluxo

missionário e desbravador encontra-se José de Anchieta, figura que será fundamental para o

processo evangelizador no Brasil, sendo o protagonista da obra o ciclo de painéis de José de

Anchieta no Pátio do Colégio, local de destaque para o processo missionário jesuíta. Devemos

concordar com Bury (2006, p. 68) quando ele afirma que, após a supressão da Companhia de

Jesus, o governo, no Brasil, vai apoderar-se das construções jesuítas muitas vezes,

descaracterizando-as, como foi o caso do Pátio do Colégio, deixando uma lacuna no processo

de construção do conhecimento da arte, arquitetura e desenvolvimento da colonização do Brasil.

A iconografia Anchietana pode ser compreendida como uma forma de estabelecer um

paralelo entre a o país nascente, Brasil e o processo de evangelização empreendido pelos

jesuítas. As imagens encontradas por nós, retratando José de Anchieta, pertencem a um variado

período artístico e com importantes artistas. Percebemos, que, compreender a figura de José de

Anchieta, foi a ambição de vários momentos em nossa história, não somente encomendas da

Companhia de Jesus foram encontradas por nós, mas ilustrações, dedicações imagéticas,

relacionando José de Anchieta a vários espaços públicos, comprovando então nossa análise do

paralelo entre o nascimento do país com a figura missionária/evangelizadora de José de

Anchieta.

destacadas pela Cúria em Roma da Companhia de Jesus entre os inclusos das imagem representativas da figura de Jose de Anchieta http://www.sjweb.info/photo-repository/anchieta/ acessado em 29.06.2015

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CAPÍTULO 3 - EM DIÁLOGO COM O CICLO DOS AZULEJOS DE

JOSÉ ANCHIETA NA CAPELA DO PÁTIO DO COLÉGIO

Nessa terceira parte objetivamos entender os princípios norteadores da arte de Claudio

Pastro. Podemos afirmar que a obra de Claudio Pastro, sua arte, está intimamente ligada à arte

da ortodoxia católica do oriente, onde o estilo bizantino nunca deixou de ser referência. Suas

composições com suas figuras chapadas, sua atenção à expressão do olhar, o simbolismo das

cores e formas estão em sintonia com a arte que provém do estilo bizantino, o ícone (PASTRO,

2007, p. 17 e 18). “O Ícone é um lugar do Espirito, um ponto do cosmos onde o Espírito está

presente, para nos fazer chegar àquilo que o Ícone exprime. ” (P. Gabriel, monge de S. Nicolas

apud PARRAVICINI, 2008, p. 10).

3.1. A capela como contexto do ciclo dos azulejos de Anchieta

A pequena capela inicial erguida pelos índios para os primeiros jesuítas foi substituída por

uma construção mais permanente, como afirma Lúcio Costa, (COSTA, 2010, p. 30). Após a

supressão da Companhia de Jesus, a igrejas e colégios dos jesuítas foram deixados em outras

mãos, grande parte tornou-se propriedade do governo. A capela de Anchieta foi demolida:

É de se imaginar que as pancadas das ferramentas demolidoras da igreja do Pátio tenham doído mais nesses sacerdotes que retomavam uma tradição secular do que no mais ardoroso devoto (...). Decidiram agir para salvar o que pudesse ser salvo das relíquias e obras de arte acumuladas em três séculos. Foram ao bispo, D. Joaquim Arcoverde, e apresentaram a solicitação que nos

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dá notícia o registro lavrado no dia 30 de março de 1896 (...). Os padres Parisi e Giannini visitaram Monsenhor Arcoverde e pediram que, tendo de demolir-se a nossa antiga Igreja do Colégio, se nos fossem entregues os corpos dos nossos padres ali sepultados, (...) e tudo o que se pode recolher como relíquia e lembrança dos homens apostólicos que edificaram a primeira igreja, da qual tomou a Cidade (DONATO, 2014, p. 230).

Figura 61 – Parede lateral da antiga igreja do Pateo do Collegio (fonte da Autora).

Na década de 1940, começam os movimentos organizados pelos jesuítas e por leigos para a

retomada do espaço conhecido como Pátio do Colégio. Em 1970 o espaço tornou-se

oficialmente patrimônio da Companhia de Jesus, como marco histórico e evangelizador, mas,

não estava ali a igreja de Anchieta. Em discurso o prefeito da cidade, Paulo Maluf, lembrou: Graças a Deus, o Colégio já foi reconstruído... Estão faltando a Igreja do Colégio e a Casa de Anchieta (DONATO, 2014, p. 260).

Para fazer memória da origem da Cidade de São Paulo dos missionários evangelizadores foi

assentado ao lado da porta frontal da capela um painel de azulejo:

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Figura 62 – Painel concebido por Claudio Pastro (_SITE009).

A fachada externa retomou seu antigo aspecto de colonial barroco português, que se mantém

ainda hoje. O interior da capela buscou manter e fazer reverência aos poucos elementos

sobreviventes após a supressão, perseguição da Companhia de Jesus e o abandono e descaso

com o patrimônio colonial. Ao fundo, vemos uma grande escultura de Anchieta e uma índia; as

colunas em madeira esculpida; nas laterais, anjos tocheiros e altar em estilo barroco.

Figura 63 – Altar da Capela do Pátio do Colégio, antes da reforma elaborada por Claudio Pastro. (_SITE014)

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Figura 64 – Altar da igreja antes da reforma e um desenho de como ficará a área do altar após a conclusão das

obras (_SITE016)

Em 1999, foi implantado um amplo projeto de reforma que, de acordo com Claudio Pastro,

buscou seguir as orientações do Concílio Vaticano II, A Escultura foi levada ao jardim, os anjos

e as colunas ao Museu do Pátio. No presbitério, temos agora, ao fundo, um grande painel de

azulejos com o símbolo da Companhia de Jesus; um crucifixo datado do século 18 e a sedia. O

altar é um sólido bloco de granito. Toda sua concepção pode ser relacionada à seguinte

orientação:

O que pode voltar a dar entusiasmo e confiança, o que pode encorajar o ânimo humano a reencontrar o caminho, a elevar o olhar para o horizonte, a sonhar uma vida digna da sua vocação, a não ser a beleza? Vós bem sabeis, queridos artistas, que a experiência do belo, do belo autêntico, não efémero nem superficial, não é algo acessório ou secundário na busca do sentido e da felicidade, porque esta experiência não afasta da realidade, mas, ao contrário, leva a um confronto cerrado com a vida quotidiana, para o libertar da obscuridade e o transfigurar, para o tornar luminoso, belo (VATICANO, 1998, p. § 2).

Para que a Assembleia juntamente com o Celebrante pudesse presenciar a seguinte instrução:

O tempo jubilar faz-nos ouvir aquela linguagem vigorosa que Deus usa, na sua pedagogia de salvação, para impelir o homem à conversão e a penitência, princípio e caminho da sua reabilitação e também condição para recuperar aquilo que não poderia conseguir só com as suas forças: a amizade de Deus, a sua graça, a vida sobrenatural, a única onde podem achar solução as aspirações mais profundas do coração humano (VATICANO, 2009, p. § 9).

Foi uma grande mudança de estilo como podemos perceber na sequência de fotos:

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Figura 65 – Capela do Pátio do Colegio após a reforma concebida por Claudio Pastro (_SITE012) Note-se a composição basilical destacada pelo artista e a predominância monocromática da

composição. Na foto, podemos observar o presbitério tendo ao fundo o painel de azulejos com

o símbolo da Companhia de Jesus.

Figura 66 – Nichos laterais – que estão à direita do observador, na Capela do Pátio do Colégio (fonte da Autora)

Painéis de azulejos intitulados Poema à Virgem e a Fundação do Colégio de São Paulo de

Piratininga.

Figura 67 – Nichos laterais – a esquerda do observador na Capela do Pátio do Colégio (fonte da Autora) Painéis A Evangelização e o Conflito em Iperuí.

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Como afirmou Claudio Pastro, a capela de José de Anchieta pertence ao estilo basilical, que

é assim definida por Giulio Argan:

A basílica é a ‘ecclesia’ por excelência: o lugar de reunião de uma comunidade cristã, com espaços distintos para os fiéis e para aqueles que aspiram a tornar-se, mas, não tendo ainda recebido o batismo (catecúmenos), não podem ter acesso ao ritual sagrado (ARGAN, 2010, p. 245).

A capela de São José de Anchieta possuí uma única nave, com nichos laterais onde estão

inseridos os painéis de azulejos de Claudio Pastro, ao chegarmos a porta, a qual divide o espaço

interno (a capela) com o espaço externo (pátio – espaço público) encontramos o átrio, local de

preparação para adentrarmos o Sagrado. Sobre a transposição da porta, afirma Burckhardt:

Toda a ornamentação escultural ou pictórica do portal relaciona-se ao significado espiritual da porta que, por sua vez, se identifica com a função do santuário e, assim, com a natureza do Homem-Deus, que disse de Si Mesmo: “Eu sou a porta: todo homem que por Mim entrar será salvo (cf. Jo 10, 9 apud BURCKHARDT, 2004, p. 125).

Figura 68 – Ao fundo o atrium e a porta central da Capela do Pátio do Colégio (_SITE010, n.d.). Assim percebemos que a mesma concepção de espaço que se abre ao outro e também divide entre espaço interno

(sagrado) e externo (mundo).

Figura 69 – Porta lateral da capela do Pátio do Colégio com o símbolo da Companhia de Jesus (_SITE013). Onde o espaço interno e externo é novamente ressaltado.

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Abordaremos o ciclo dos azulejos de José de Anchieta instalados na Capela do Pateo do

Collegio, projetados e elaborados por Claudio Pastro. Pretendemos analisar como o ciclo de

azulejos de José de Anchieta está em comunhão com o que identificamos estilo do referido

artista. Como já citamos no item 1.1, a arte de Claudio Pastro identifica-se como Sacra, que

pode ser entendido através de: A arte de inspiração verdadeiramente cristã deriva de imagens, de origem milagrosa, do Cristo e da Virgem. Esta arte é acompanhada de tradições artesanais, que são cristãs por adoção, mas que não deixam de ter também um caráter sagrado, pois seus métodos de criação encarnam uma sabedoria primordial que responde espontaneamente as verdades espirituais do cristianismo. Dentro da civilização cristã, somente estas duas correntes – a arte tradicional dos ícones e o artesanato tradicional, além de um determinado tipo de música litúrgica, que evoluiu a partir do legado Pitagórico – merecem a denominação “arte sagrada” (BURCKHARDT, 2004, p. 76).

É de significativa importância a localização dos ciclos de azulejos elaborados por Claudio

Pastro, pois estão instalados dentro da Capela de São José de Anchieta, um local por si

identificado como sagrado. Tal espaço é histórica e socialmente de grande importância, pois foi

o local de nascimento da cidade que hoje conhecemos como São Paulo. Entendemos assim que

tal projeto e sua concepção buscou abordar a origem da cidade, a relação da cidade com os

jesuítas, pois lembremos, Anchieta era membro da Companhia de Jesus e a relação entre

Anchieta e a cidade de São Paulo (RENDERS, 2013, p. 111). Os ciclos de azulejos foram

compostos para a entrada do terceiro milênio, que através de uma Carta Apostólica orientou a

cristandade católica como vivenciar esse período de renovação: A contemplação do rosto de Cristo não pode inspirar-se senão àquilo que se diz d'Ele na Sagrada Escritura, que está, do princípio ao fim, permeada pelo seu mistério; este aparece obscuramente esboçado no Antigo Testamento e revelado plenamente no Novo, de tal maneira que S. Jerónimo afirma sem hesitar: « A ignorância das Escrituras é ignorância do próprio Cristo ».8 Permanecendo ancorados na Sagrada Escritura, abrimo-nos à ação do Espírito (cf. Jó 15,26), que está na origem dos seus livros, e simultaneamente ao testemunho dos Apóstolos (cf. Jó 15,27), que fizeram a experiência viva de Cristo, o Verbo da vida: viram-No com os seus olhos, escutaram-No com os seus ouvidos, tocaram-No com as suas mãos” Por seu intermédio, chega-nos uma visão de fé, sustentada por um testemunho histórico concreto: um testemunho verdadeiro que os Evangelhos, apesar da sua redação complexa e finalidade primariamente catequética, nos oferecem de forma plenamente atendível.9 (cf. 1 Jó 1,1) (VATICANO, 2001, p. § 17).

Como o artista segue uma tradição estabelecida nos cânones da Igreja e na liturgia

entendemos que sua arte está a serviço da fé, como o próprio afirma: Sou um artista sacro: tenho consciência da profunda relação que existe entre liturgia, arte e arquitetura (PASTRO, 2013, p. 6).

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Para a reforma foram concebidos seis painéis de azulejos, quatro contendo imagens que

remetem à vida de José de Anchieta (painéis 1, 2, 3 e 4), dois com textos eclesiais, (painéis 5 e

6). O altar35 também foi remodelado, (figura 77) apresentando uma enorme parede de azulejos

com inscrições douradas que apresentam o símbolo da Companhia de Jesus (figura 76). O

batistério36 foi colocado ao lado direito do altar e o ambão37 ao lado esquerdo. Os textos

eclesiais estão respectivamente atrás desses dois importantes espaços litúrgicos. Todo esse

processo deu-se para que ocorresse um encontro com a liturgia estabelecida após o Concílio

Vaticano II. Em sua palestra proferida na Capela de São Jose de Anchieta, no Pátio do Colégio,

Claudio Pastro afirmou ser aquela (a capela de José de Anchieta) uma das poucas a seguirem

as diretrizes conciliares.

Podemos relacionar esse argumento com a aproximação: O simbolismo do templo cristão repousa na analogia que existe entre o templo e o corpo de Cristo, conforme as palavras do Evangelho: “ E Jesus respondeu, dizendo-lhes: Destruí este templo em três dias eu o reconstruirei! Então os judeus disseram: Este templo foi construído em quarenta e sei anos, e tu reedificarás em três dias? Mas Ele falava do templo do seu corpo (cf. Jó 2,19-21 apud BURCKHARDT, 2004, p. 82).

Detalhe central da obra de Claudio Pastro é a visualização dos dizeres gravados logo ao

entrarmos na capela, pelo lado esquerdo. “Entramos aqui para louvarmos a Deus e saímos para

amarmos o irmão”. Podemos relacionar a frase ao seguinte texto: Jesus Cristo, sumo sacerdote da nova e eterna Aliança, ao assumir a natureza humana, trouxe a este exílio da terra aquele hino que se canta por toda a eternidade na celeste mansão. Ele une a si toda a humanidade e associa-a a este cântico divino de louvor (VATICANO, 1963, p. § 80).

Assim como com o texto abaixo:

35 Altar (do latim alltare, lugar onde se coloca o que é oferecido à divindade): Mesa em torno da qual a comunidade se reúne para celebrar a Eucaristia. Nela se apoiam os vasos sagrados. Junto ao altar permanece o presidente da celebração, secundado pelos concelebrantes e demais ministros desde a apresentação dos dons até a realização da comunhão eucarística. O altar pode ser construído de pedra, mármore, madeira ou outros materiais nobres. Pode ser fixo (nesse caso se recomenda que seja consagrado de modo solene pelo bispo) ou móvel (em tal caso pode ser apenas bento). O altar representa Cristo, altar e vítima. Lembra a mesa da Última Ceia e o altar dos sacrifícios do templo judaico. Porém, sobretudo, antecipa a mesa do banquete dos redimidos no reino do Pai (DOTRO & HELDER, 2006, p. 17). 36 Batistério, Pia batismal ou Fonte Batismal – Recipiente que contém a água para a celebração do Batismo. Ali, pela água e pelo Espírito Santo, os catecúmenos renascem para uma vida nova, morrendo e ressuscitando de forma sacramental com Cristo. As catedrais e as paróquias devem contar com uma fonte batismal. Também é chamada de pia batismal (DOTRO & HELDER, 2006, p. 71). 37 Ambão (do grego anabaíno, ascender, subir): Lugar elevado dentro do presbitério, fixo, dotado de adequado disposição e nobreza, reservado à proclamação das Sagradas Escrituras, ao canto do salmo responsorial e ao precônio pascal. É o altar da Palavra de Deus, não um simples atril do qual se dirigem os sermões. Dali se pode fazer a homilia (embora o lugar mais apropriado seja a sede) e o propor as intenções da oração dos fiéis. Não deve ser utilizado para dirigir cantos, fazer indicações ou anúncios ou guiar a reza de devoções populares (DOTRO & HELDER, 2006, p. 18).

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“É por isto que todos saberão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jó 13,35). Se verdadeiramente contemplamos o rosto de Cristo, amados irmãos e irmãs, a nossa programação pastoral não poderá deixar de inspirar-se ao « mandamento novo » que Ele nos deu: “Assim como Eu vos amei, também vós deveis amar-vos uns aos outros” (cf. Jó 13,34 apud VATICANO, 2001, p. § 42).

Em azulejos brancos e letras azuis, a frase pode ser compreendida como parte de uma obra

que pretende apresentar o cristianismo como uma forma de vida, não somente como uma

referência dogmática ou estética.

O corpo de Cristo é, também, a Igreja enquanto comunhão de todos os santos: símbolo desta Igreja, desta comunidade, é o templo cristão (BURCKHARDT, 2004, p. 83).

Os ciclos de azulejos de José de Anchieta pertencem a um projeto maior, que inclui a reforma

da Capela de José de Anchieta, a fonte batismal, o ambão, o altar e o átrio. Utilizando-nos das

palavras de Claudio Pastro: “A função da arte sacra é indicar, servir, e não tomar lugar do

Mistério. ” (PASTRO, 2004, p. 8). Para ser uma imagem do cosmo, o edifício sagrado é a fortiori uma imagem do Ser e de suas possibilidades, que estão “ exteriorizadas” ou “objetivadas” no edifício cósmico. O plano geométrico do edifício simboliza, portanto, o “Plano Divino”; ao mesmo tempo, representa a doutrina que cada artesão envolvido na obra pode perceber e interpretar, dentro dos limites específicos de sua atividade artística; uma doutrina que era, a um só tempo, secreta e evidente (BURCKHARDT, 2004, p. 87).

Como foi descrito, identificamos que para o autor/artista o seu trabalho está a serviço da

mensagem da Sagrada Escritura; “A imagem é palavra silenciosa e amante. Pastro transforma

a linguagem escrita da Sagrada Escritura em imagens de cores e linhas” (ZAMITH38 apud

PASTRO, 2004, p. 10). O material utilizado transforma-se em luz deífica, não estabelece um

poder de compra ou consumo, mas um meio de transmitir a mensagem salvífica deixada para

nós pela Sagrada Escritura. Suas figuras chapadas remetem ao estilo bizantino, não estão em

função de serem os espectadores, aqueles somos a quem as figuras emergem de uma longa

tradição dogmática para guiar em um mundo onde a busca por beleza tornou-se comercial e

especulativa. O estilo bizantino utiliza-se de materiais como ouro, prata, madeiras nobres, tintas

elaboradas a partir dos elementos da natureza, não para manter-se elitista ou demostrar poder

econômico, mas para transmitir a perenidade estabelecida pela Palavra de Deus. Percebemos

então que a existência da imagem devocional estabeleceu uma associação fixada de ideias

(PANOFSKY, 2012, p. 63).

38 ZAMITH, Dom Joaquim de Arruda Zamith, OSB, Abade presidente da Congregação Beneditina do Brasil.

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Em textos escritos por Claudio Pastro verificamos uma constante afirmação: O iconógrafo pinta, escreve objetivamente o Mistério como extensão da Palavra (da Escritura) ouvida e celebrada... Brota da oração e do jejum, e é essencialmente litúrgica, parte do Mistério Pascal, expressão dos mistérios da fé .... É arte eclesial e objetiva. A lei física da perspectiva inversa: Deus é grande e pequeno sou eu, o espectador... Assim como o Mistério da Encarnação, pelo rebaixamento de Deus, dignifica e recupera a matéria humana, perdida, danificada e feia, o belo só tem sentido como parte do Mistério da encarnação (PASTRO, 2004, p. 15).

A perspectiva inversa apresentada por Claudio Pastro foi estudada e relatada pelo teólogo

Pável Floriênski, através de um tratado escrito por ele em 1927, no qual nos sãos apresentados

argumentos geométricos para justificar a seguinte afirmação que, a perspectiva (do aspecto

renascentista) é um adestramento (FLORIÊNSKY, 2012, p. 93). Para Floriênski a perspectiva

inversa é:

Eis a propriedade daquele espaço espiritual: quanto mais afastada alguma coisa, maior ela fica; quanto mais próxima, menor resulta. Está é a perspectiva inversa. Uma vez reconhecida e, além disso, traçada tão coerentemente, começamos a sentir nossa plena incomensurabilidade com relação ao espaço ... (FLORIÊNSKY, 2012, p. 76).

Em concordância com o conceito de Beleza de Claudio Pastro, podemos relacionar a

afirmação com Gregório de Nissa:

O desejo do Belo que move a esta ascensão jamais cessa de estender-se à medida que avançamos na corrida para o Belo. E somente neste movimento indefinido que o homem encontra sua estabilidade (GREGORIO DE NISSA apud BESANÇON, 1997, p. 165).

Essa afirmação também é encontrada em Floriênski e nela percebemos que a Beleza

transparece como verdade, a verdade intimamente ligada à fidelidade bíblica, fidelidade da

relação expressa na própria criação à imagem de Deus (FLORIÊNSKI apud RUPNIK, et al.,

2012, p. 110)39. A fidelidade expressa por Floriênski, é percebida na obra do ciclo de azulejos

de Claudio Pastro com sua afirmação: “O próprio espaço é por si educativo e orante e deve falar

a todos do mistério que aí se celebra, do presidente da assembléia ao último fiel ou visitante”

(PASTRO, 2008, p. 78). Entendemos o espaço Celebrativo como espaço de abrir-se a Deus,

como afirma Von Baltazar: “Quem não quer ouvir primeiro a Deus nada tem a dizer ao mundo

(VON BALTHASAR, 2010, p. 67). O espaço é relação entre a assembléia e o Mistério que

pode ser apresentado de forma variada através das vestes, da postura corporal, da voz, dos

gestos. Daí a importância de o projeto ser elaborado de forma completa pelo artista e, como já

afirmamos, o ciclo de azulejos é parte integrante de um projeto maior.

39 RUPNIK, Marco Ivan. Artista e teólogo jesuíta esloveno. Diretor do Centro Aletti, Roma.

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Cada projeto de Claudio Pastro é único em sua expressão de fé, relacionada à referência

mística estabelecida na Sagrada Escritura, contudo observamos uma característica, um estilo

que podemos traçar como a tendência a cores sóbrias, em alguns momentos monocromáticos,

suas linhas delgadas, sua busca pela forma. Podemos observar o rosto alongado em Anchieta,

em seu ciclo de azulejos, o mesmo rosto alongado no Pantocrator ou Cristo do Terceiro Milênio,

sendo possível, também, perceber o mesmo traço em várias representações de São Bento

executadas pelo artista.

Figura 70 – São Bento (_SITE002)

Figura 71 – O Cristo do Terceiro Milênio – Claudio Pastro (_SITE003)

O artista faz um mergulho na tradição estabelecida pela Sagrada Escritura, Catecismo da

Igreja e nas tradições para criar uma mensagem destinada a uma comunidade ou a uma

assembléia, tornando-lhes possível compreender a mensagem do Mistério do Sagrado ali

inscrita, uma representação detentora de uma característica particular ao apresentar o Mistério

e sua manifestação através da liturgia.

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Figura 72 – Sacrário – fonte da Autora

Figura 73 – Símbolo da Companhia de Jesus – fonte da Autora

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Figura 74 – Presbitério da Capela de José de Anchieta – fonte da Autora

A capela remodelada por Claudio Pastro tornou-se um espaço de encontro entre um estilo

que contempla a tradição, onde a estrutura arquitetônica basilical, que segundo Argan “é a

ecclesia por excelência, o lugar de reunião de uma comunidade” (ARGAN, 2010, p. 245), com

o estilo de um artista que vivencia e congrega com a Igreja pós Concilium Vaticano II.

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A capela inicial, erguida pelos nativos para os primeiros jesuítas, sendo substituída por uma

construção mais permanente (COSTA 2010, p. 30), tornou-se um exemplo de descaso e

abandono. Após a supressão da Companhia de Jesus, as posses da ordem foram administradas

pelo governo. A Capela do Pátio do Colégio, foi assumida pelo governo paulista, e em

decorrência de abandono e falta de conservação do prédio, acabou ruindo. A nova capela,

construída após um longo debate entre poder público e a Companhia de Jesus, foi retomada em

1970. A edificação buscou identificar-se com a construção anterior, com características como

barroco jesuíta. A reforma de Claudio Pastro, no fim do século 20, veio ao encontro de resgatar

a memória da missão evangelizadora e do colégio que buscaram salvaguardar o nativo da cobiça

colonial portuguesa. Entendemos que, apesar de ser um projeto instalado na virada do século

20, as referências para sua composição estão na tradição da Igreja, na Sagrada Escritura, e na

tradição da própria Companhia de Jesus.

3.2. O ciclo de azulejos de José de Anchieta

Nosso objetivo com a construção dessa pesquisa é a compreensão dos painéis de azulejos

que apresentam de forma imagética a vida de José de Anchieta. A representação imagética

remete-nos para um acontecimento, fato ou emoção: Aquilo que vemos em uma imagem não são apenas formas, cores e composição, ou seja, seus elementos icônicos; o que vemos em uma imagem é aquilo que vemos como40 uma imagem. Ver em41 e ver como42 é possível pela fantasia, pelo poder criativo da imaginação que faz o mundo aparecer e que, portanto, é fundamental para a relação do homem com o mundo. Sem a imaginação, não haveria memórias ou projeções de futuro (WULF, 2013, p. 27).

Para entendermos como ver e percebermos a memória apresentada no ciclo dos painéis,

iremos nos aproximar dos detalhes e relacioná-los aos recortes históricos escolhidos pelo artista.

Em um primeiro momento, abordaremos algumas características comuns aos painéis de

azulejos, para, posteriormente, destacarmos as peculiaridades de cada painel. Buscamos com

essa organização que colabore com o aprofundamento do tema.

Utilizando-nos das imagens dos azulejos de José de Anchieta elaboradas por Claudio Pastro

perceberemos suas características e suas identificações frente ao conjunto da obra do artista.

40 Grifo do autor citado. 41 Idem 42 Idem

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3.2.1. Características em comum dos azulejos

Painel 1 – POEMA À VIRGEM - fonte da Autora

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Painel 2 – A Fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga – fonte da Autora

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Painel 3 – A Evangelização – fonte da Autora

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Painel 4 – O Conflito em Iperuig – fonte da Autora

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Painel 5 – Painel de azulejo instalado atrás do batistério – fonte da Autora

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Painel 6 – Painel de azulejo instalado atrás do ambão –fonte da Autora

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Em todos os panéis de azulejos encontramos as cores azul e branco, as figuras humanas

retratadas apenas em seus contornos assim como a paisagem que as cercam “... frequentemente,

o ícone é translúcido, como se as personagens representadas fossem penetradas por uma luz

misteriosa” (BURCKHARDT, 2004, p. 116). Também afirma que “O azul é predominante no

vitral; é a cor da profundidade e da paz do céu, ..., produz uma iluminação serena e suave”

(BURCKHARDT, 2004, p. 102), “... ou indica o branco como símbolo da luz e da eternidade,

da pureza e da virgindade” (ECO, 2010, p. 108). “ Será um barroco despojado, com paredes de

taipa ou pedras, mas brancas” (PASTRO, 2010, p. 182).

As cores escolhidas estão caracterizadas pela tradição, da Igreja, entre os Jesuítas além das

cores dos azulejos portugueses. Todos os painéis foram elaborados utilizando-se o retângulo,

forma de uma porta ou portal: A caridade é, assim, o reconhecimento do Verbo incriado nas criaturas; estas, pois, só revelam sua real natureza na pobreza e na indigência, isto é, quando despojadas de pretensões e poderes próprios. Aquele que reconhece a presença de Deus no próximo, realiza-se em si mesmo; é assim que a virtude espiritual conduz à união com Cristo, que é o Caminho e a Porta Divina. Ninguém poderá atravessar o Umbral, a menos que se transforme, ele próprio, nessa Porta (BURCKHARDT, 2004, p. 134).

Os painéis estão alojados em nichos, emoldurados por um arco etrusco também conhecido

como arco romano ou perfeito (PASTRO, 2007, p. 18) dando-lhes destaque. Suas posições

remetem à contemplação pois devemos elevar nosso olhar para observá-los. Seu local é o antigo

local dos altares laterais ou da via sacra. Em toda arquitetura sagrada, o nicho é uma representação do “Santo dos Santos”, o lugar da epifania divina, que pode estar representada por uma imagem no nicho, por um símbolo abstrato, ou simplesmente ser sugerida tão somente pela forma arquitetônica, sem que signo algum lhe seja acrescentado (BURCKHARDT, 2004, p. 124).

Destacamos, também, que em cada painel há uma moldura coberta por folhagem; um pássaro

aproximando-se de um fruto, pode ser relacionado à oliva que é considerado o fruto da

esperança:

E a pomba voltou a ele ao entardecer, trazendo no bico uma folha verde de oliveira. Então Noé compreendeu que as águas se haviam retirado da terra (cf. Gn 8, 11).

Podendo também estar relacionada ao sacrifício: Ele saiu, e, como de costume, foi para o monte das Oliveiras, e os discípulos o acompanhavam. Chegando lá, Jesus lhes disse: ‘Rezai para não entrardes em tentação’. Afastou-se deles à distância de um lance de pedra e, de joelhos rezava: Pai se quereis, afastai de mim este cálice! Mas não aconteça como eu quero, mas como vós quereis (cf. Lc 22, 39-42).

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Entendemos que a moldura que enquadra cada painel é uma forma de apresentar-nos os

homens que iniciaram um processo de evangelização, com resiliência e esperança de uma nova

cristandade; “Realmente, ele desejava (Nóbrega), como os jesuítas, a formação de uma Nova

Cristandade em um Novo Mundo...” (SANTOS, 2007, p. 45)

Podemos identificar em cada ponta do retângulo um azulejo contendo o símbolo da

Companhia de Jesus (figura 76). Ressaltaremos a importância dos referidos azulejos com o

símbolo da companhia, pois era proposta de missão desses homens evangelizadores levar o

cristianismo católico a todos os cantos da terra. Relacionamos os símbolos da Companhia de

Jesus com as missões jesuítas que chegaram a Índia, a China, e as Américas, partindo de um

centro norteador europeu (SANTOS, 2007, p. 16). Em 1540, o papa Paulo II aprovou o instituto inaciano, e os jesuítas se lançaram ao Oriente português, sob a batuta de Francisco Xavier (1506-1552). No mesmo século, alcançaram a China onde o padre Matteo Ricci (1552-1610) iniciou adaptação do cristianismo à língua chinesa falada em Macau. .... No mundo atlântico, alcançaram o Congo em 1548, .... Logo se instalaram em Angola, fundando o colégio de Luanda... Ao Brasil eles chegaram em 1549, liderados por Manuel da Nóbrega (VAINFAS, 2012, p. 16).

A composição do ciclo dos azulejos está assim distribuída: quatro painéis com recortes da

vida de José de Anchieta em uma representação iconográfica, um painel com texto da tradição

da Igreja e o último painel com perícope do Evangelho de João, Jo1,1-18.

A beleza, dizia Plotino, é “o acordo na proporção das partes entre si, e delas com o todo (Enéadas, I, 6, 1 apud GILSON, 2010, p. 39). Com efeito, todo ser concreto se compõe de um certo número de partes, e é preciso que essas partes observem uma ordem de determinações recíprocas para que se unam na forma comum que lhes define o conjunto. É a forma do todo que confere unidade às partes e, visto que o uno e o ser são convertíveis, é a mesma unidade que faz deste todo um ser uno e, portanto, um ser. Somente a mediação pessoal destas equivalências pode nos fazer reconhecer a sua realidade e a sua importância para a interpretação do real (GILSON, 2010, pp. 39-40).

De grande destaque o fato de que os painéis que contemplam a vida de José de Anchieta

foram concebidos em número de quatro, pois segundo Humberto Eco:

(Os antigos) raciocinavam, de fato, deste modo: como é na natureza assim deve ser na arte; mas a natureza em muitos casos divide-se em quatro partes (...) Quatro são, de fato, as regiões do mundo, quatro são as qualidades primeiras, quatro os ventos principais, quatro são as constituições físicas, quatro as faculdades da alma e assim por diante ... (Anônimo cartuxo, Tractatus de música plana, ed. Coussemaker, II, p. 434 apud ECO, 2010, p. 76)

E o autor completa:

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Quatro será o número da perfeição moral, tanto que tetrágono será chamado o homem moralmente aguerrido (ECO, 2010, p. 77).

Outro importante destaque é a proporção: os painéis exibem uma proporção em sua

construção iconográfica e na sua disposição dentro da capela. Nos painéis 1 e 2, que estão ao

lado direito do atrium, temos respectivamente representadas uma pessoa (painel 1) e duas

pessoas (painel 2); ao lado esquerdo do atrium, os painéis 3 e 4 apresentam 3 pessoas, formando

posteriormente 4 painéis. Em seu livro Guia do Espaço Sagrado, o artista nos faz um relato de

sua compreensão referente aos números:

Um; O Ser Incriado, Aquele que É, Deus. Todos os demais derivam Dele e, portanto, nas religiões orientais é o número não pronunciado. [...] Dois; é o 1+ o novo 1 = eu, a matéria. [...] Três; é o 1 + o novo 1 + 1 outro = Trindade, comunicação, perfeição, relacionamento. [...] Quatro; São os quatro lados do limite humano ou 2 + 2 = número fechado em si = Terra (PASTRO, 2007, p. 20).

Entendemos, portanto, que sua busca por simetria é uma intenção de nos aproximar dos

fragmentos históricos que se tornaram a base para a composição dos painéis de azulejos. “Ao

se achar um centro de simetria, acha-se o caminho, a orientação, a racionalidade. Neste campo,

costume estético e fundamento teológico davam-se as mãos. A estética da proportio era

verdadeiramente a estética por excelência da Idade Média” (ECO, 2010, p. 83).

Em todos os painéis há uma correspondência entre texto e imagem. Cada detalhe será

apresentado junto ao respectivo painel: sua narrativa textual pode ser observada como forma de

seu estilo; faz união de textos em latim ou grego, por exemplo, seleciona palavras de

significativa importância para a imagem, quando observa não ser harmônico colocar um longo

texto. Podemos afirmar que a narrativa textual está sempre em relação direta com a narrativa

imagética, utilizando poemas, frases ou mensagens deixadas pelos personagens representados,

passagens da Sagrada Escritura ou da tradição da Igreja. Essa relação é uma característica da

arte de Claudio Pastro, como podemos perceber em São Bento, e no Sacrário, juntamente com

o Cristo do Terceiro Milênio (figuras, 73 a 75).

3.2.2. Estudos dos painéis

Painel 1 – Poema à Virgem

Encontramos José de Anchieta cercado pela natureza, mas em isolamento, esté prisioneiro

de um grupo indígena. Necessita de toda sua devoção para ultrapassar aquele difícil momento,

é representado escrevendo na areia com uma vareta.

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Além dos “tragos da morte”, fome e frio, não faltavam dificuldades morais. As índias tentavam, a toda hora, sua castidade, a qual era para todos os selvagens um mistério. Para defender-se, esse homem de 29 anos, no auge da virilidade, persuadido de sua fraqueza, se o auxílio de Deus não o protegesse, fez voto à SSma. Virgem de escrever-lhe a vida em verso, certo de que ela o conservaria isento de toda mancha de corpo e alma. Começou logo a cumprir seu voto. Passeava pela praia e, sem papel nem tinta, compunha os versos de cabeça e os memorizava. É provável que, às vezes, se agachasse na praia e com um pauzinho escrevesse algum verso mais difícil. Daí veio a lenda do poema escrito na praia. Esse particular foi uma confidência de Anchieta ao Pe. Pero Leitão seu antigo aluno (CARDOSO, 1997, p. 35).

À suas costas, estão imagens que podemos identificar como coqueiros, a sua frente linhas

que podem ser percebidas como ondas do mar. Mantém seu braço esquerdo junto ao corpo,

sinal de problemas de saúde que apresentava desde jovem.

O Irmão José entregou-se aos exercícios de piedade com ardor juvenil. Ajudava muitas missas seguidas, cada dia, em jejum e de joelhos. Com isso começou a sentir dores no lado, que apertava com força para poder continuar em sua piedosa ocupação. Contraiu assim grave doença, talvez a tuberculose ósteo-articular, que lhe curvou as costas. Começou a andar pelas enfermarias, sem os médicos saberem o que fazer para curá-lo, por mais esforços que fizessem, em favor de pessoa tão promissora (CARDOSO, 1997, p. 18).

Identificamos que o painel faz referência ao recorte histórico, em que José de Anchieta se

encontra prisioneiro; em sua solidão e aflição busca em sua fé consolo. Essa cena foi

amplamente retratada, o que a diferencia são as características composicionais de Claudio

Pastro, com sua influência da arte bizantina, utilizando da luz que provém do azulejo branco

para transmitir uma iluminação à cena: “A luz é a natureza comum que se encontra em todo

corpo, celeste ou terrestre (...) A luz é a forma substancial dos corpos, que, quanto mais

participam dela, mais possuem realmente e dignamente o ser” (São Boa Ventura apud ECO,

2010, p. 100). Suas vestes em movimento, com sua capa, a faixa lateral e a alva, remetem ao

sacerdócio. Todo seu corpo está em concentração, em atitude de concepção para o Poema,

apenas suas vestes balançam. “ As dobras das roupas, cujo esquema também deriva da

Antiguidade grega, expressam não um movimento físico e sim um ritmo espiritual; não é o

vento que enfuna os tecidos, é o espirito que os anima” (BURCKHARDT, 2004, p. 117). Seus

pés estão nus, “nossos pés afirmam nossa presença” (MANGUEL, 2011, p. 101). Podemos

então compreender que os pés descritos por Claudio Pastro no painel, anunciam a presença de

Anchieta na terra recém conquistada como anuncia também a presença jesuíta. Trecho do

Poema à Virgem: “Amando a tua virtude, renunciamos ao vício, e em ti tivemos, aspirando ao

teu olhar”. O Poema à Virgem é uma declaração de amor à Virgem Maria, uma obra grandiosa

com quase seis mil versos; é um prolongado êxtase de admiração, amor, arrependimento,

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anseio, petição de pureza, que só se pode explicar por uma espécie de exaltação mística

(MORAES apud ANCHIETA, 1988, p. 15).

Podemos encontrar correspondência de tal texto em: Visitadora de Minha ‘Alma É bom tudo expressar, mas não bastam ao crente língua, lábio e mãos, nem vigo da mente. / Mais louco seria eu do que alguém a contar quanta vaga açoitou os litorais do mar. / Quantos males abrange ou o mar ou a terra, quantos vomita o inferno em vasa que os encerra, tudo espera tu, sem que nunca lhe vede tua destra, ao que sofre, o auxilio que te pede. / Para calar o mais de teus claros portentos, de teu materno amor ilustres monumentos, visitaste-me a mim, quando o pego do vício me arrastava e engolfava em negro precipício. / Visitaste-me a mim, quando mísero nada se me dava de pena ou salvação lucrada. / Visitaste-me a mim, quando já nem dons do alto, nem amor de meu Deus me davam sobressalto. / Visitaste-me a mim... e eu por ti não chamava, pois, precisar de ti, mísero, não julgava. / Visitaste-me: a mim tu primeira chamaste, e eu muito me calei, rústico, surdo traste. / Ai, pobre! Quanta vez bons desejos me ardiam, e tuas inspirações meu coração pungiam! / Mas virtude e vigor de um amor que estimula, bondosa mãe, que chama, eram notícia nula! / Mas enfim tua voz penetrou-me os ouvidos: foram negrores meus por tua luz vencidos. / De sob a carga ergueste a Minh ‘alma caída: voltou-me por teu meio a salvação e a vida. / Se agora o céu, e se então eu te ouvi, se volto à vida e vivo, eu devo tudo a ti! / A vida por ti dada há de ser, por ti, forte e desconhecerá a sempiterna morte. / Assim me mandam crêr de teu filho a bondade, o teu suave amor, tua fiel piedade. / Ao lado desse amor, do poder teu me ajudo: o poderoso Deus quis que pudesses tudo (ANCHIETA, 1988, p. 23).

Podemos utilizar também uma análise feita por Paulo Edson Alves Filho em sua dissertação

sobre Tradução e sincretismo nas obras de José de Anchieta: “Amemos todos a Santa Maria,

abrigando-a em nossos corações, para que detenha o demônio, esmagando-o, desviando-nos do

mal” (ALVES, 2007, p. 190).

A cor azul, como já observamos, somada as figuras brasileiras, os coqueiros ao fundo, as

ondas da água permitem-nos traçar uma linha transversal. A mão direita que, supostamente

escreve parte do Poema à Virgem, é o eixo central do painel. Conforme figura 78.

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Figura 75 – Eixo central do painel Poema à Virgem – fonte da Autora

Painel 2 - Fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga.

Precisamos primeiramente identificar o recorte histórico escolhido, para o segundo painel.

O fato que dá origem à representação descrita imageticamente está relacionado à Fundação do

Colégio de São Paulo de Piratininga:

A 25 de janeiro de 1554, dia da conversão do Apóstolo das Gentes, pela manhã, após uma última e breve jornada, chegava à nova Aldeia de Piratininga um grupo de treze ou quatorze religiosos da Companhia de Jesus (...) O primeiro ato realizado foi a missa inaugural, celebrada na cabana e, como se deve supor, pelo primeiro superior da casa, Padre Manuel de Paiva...) Descreve igualmente a casa. Quatorze passos de comprimento por dez de largura. Feita de pau-a-pique: de esteios de madeira com paredes de paus trançados, revestidas de barro. Cobertura de sapé e por porta uma esteira de canas. Nenhuma divisão interna, desconhecida entre os índios. Serviu a princípio de dormitório, de enfermaria e sala de aulas, de refeitório e de cozinha. E nos primeiros dias, de capela. De cama serviam as redes, de cobertores a fogueira. Providenciara essa construção o Pe. Nóbrega que, de caminho para maniçoba e na volta para São Vicente, visitara essa aldeia nos últimos meses de 1553, iniciando aí oficialmente a catequese (VIOTTI, 1980, p. 55 e 56).

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Observamos José de Anchieta junto a Manuel da Nóbrega, cada um dos representados com

um livro na mão. Nas mãos de Anchieta o livro contém as palavras TUPAN NHÉNGA –

entendido como Palavra de Deus. Compreendemos que Anchieta foi responsável por

sistematizar a gramática da língua tupi, tornando-a uma língua escrita (ALVES, 2007, p. 148).

Nóbrega apresenta-nos o livro com a palavra 𝐸𝑣𝑎𝑛𝑔𝑒𝑙𝑖 (Evangeliū). Escrita em latim a

palavra deveria ser Evangelium, mas o artista utiliza o acento grego – acima da letra U para

trazer a sonoridade m, portanto sabemos que ocorreu uma transcrição da Sagrada Escritura para

os índios que aqui viviam, sendo essa uma das responsabilidades de Anchieta. Anchieta dedicou-se à elaboração, tradução e adaptação de literatura cristã para a língua tupi durante os quarenta e quatro anos que passou no Brasil, até sua morte, em 1597. Com os importantes registro etnográfico, além de sua Arte, deixou um legado imenso de cartas destinadas a diversos integrantes da Sociedade de Jesus na Europa, nas quais descreve pormenores do cotidiano jesuítico, da fauna, da flora e dos costumes dos gentios do Brasil quinhentistas (ALVES, 2007, p. 57).

Anchieta e Nóbrega seguram a cruz com suas mãos, com a esquerda e a direita

respectivamente; a cruz divide o painel ao meio: podemos entender que a Cruz de Cristo uniu

ou aproximou os dois mundos, europeu e americano:

Sendo assim, não se trata de inventar um « programa novo ». O programa já existe: é o mesmo de sempre, expresso no Evangelho e na Tradição viva. Concentra-se, em última análise, no próprio Cristo, que temos de conhecer, amar, imitar, para n'Ele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história até à sua plenitude na Jerusalém celeste. É um programa que não muda com a variação dos tempos e das culturas, embora se tenha em conta o tempo e a cultura para um diálogo verdadeiro e uma comunicação eficaz. Este programa de sempre é o nosso programa para o terceiro milénio (VATICANO, 2001, p. §29).

Entendemos que a tradição relacionada na Carta Apostólica pode estar relacionada ao projeto

evangelizador levado à frente por Nóbrega e Anchieta, pois a Fundação de São Paulo de

Piratininga partiu de um desejo de Nóbrega, que percebera a necessidade de resguardar os

índios do convívio e da exploração dos portugueses que aqui viviam, sendo esses considerados

por Nóbrega um exemplo inadequado de cristão. Seu projeto foi entregue ao jovem Anchieta,

que contava com apenas dezenove anos (VIOTTI, 1980, p. 63).

Os dois homens, trajam a tradicional veste sacerdotal, apesar de José de Anchieta nesse

momento ser irmão, ou seja, leigo e Nóbrega, sacerdote. Ambos apresentam uma semelhança

fisionômica e possuem a mesma dimensão no painel, também estão representados como

pertencentes à mesma faixa etária, o que sabemos ser incorreto, Anchieta era um jovem, como

já citamos, e Nóbrega um idoso. “ Correndo desde o extremo da praia, mais do que permitiam

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suas forças, já que Nóbrega, sobretudo envelhecido e doente, mal podia ter consigo, (...). ”

(VIOTTI, 1980, p. 97)

Entendemos que semelhança entre os representados se justifica por estarem a serviço da fé

e viverem para a fé:

A criação, tal como as palavras de um livro, remete-nos, pela sua ordem e harmonia, para o seu Criador e Senhor” (Atanásio, contra os pagãos 3; PG 25,69). Disso deriva uma avaliação da beleza como símbolo. O belo é aquilo que recorda Deus e que o revela, que o comunica, e a beleza é um mundo penetrado pelo Espírito, que revela Deus, que comunica a sua vida e a mantém (RUPNIK, et al., 2012, p. 81).

Nesse painel, os dois jesuítas representados também estão com os pés nus, e posicionados

na mesma direção, uma postura de igualdade poderíamos observar. “A representação dos pés

muda de sentido no decorrer da longa história da arte. No início da Idade Média, toda vez que

pés são mostrados em posições iguais, lado a lado, conferem ao personagem majestade e

equilíbrio, sugerindo sabedoria e virtude” (MANGUEL, 2011, p. 100).

Ao fundo, vemos pequenas linhas entrecruzadas que remetem à construção original de pau-

a-pique e taipa, do colégio fundado pelos jesuítas em 1554. Identificamos uma série de figuras

e uma correspondência em números, que entendemos ser de significativa importância, pois ao

centro temos a cruz, com dois homens, que podem ser entendidos como as paredes da choupana

representada; o telhado está concebido em duas águas, que pode ser identificado como a

construção colonial tradicional; os fios que amarram os madeiros formando a cruz são em

número de três e quatro; cinco espirais contornam o telhado. Contudo obtemos a sequência

numérica: 1, a cruz, dois homens, três e quatro, fios na cruz e cinco, espirais. Usando como

referência os números da forma como é compreendida pelo artista, obtemos: Um; O Ser Incriado, Aquele que É, Deus. Todos os demais derivam Dele e, portanto, nas religiões orientais é o número não pronunciado. Dois; É o 1+ o novo 1 = eu, a matéria. Três; É o 1 + o novo 1 + 1 outro = Trindade, comunicação, perfeição, relacionamento. Quatro; São os quatro lados do limite humano ou 2 + 2 = número fechado em si = Terra. Cinco; É 1 + 2 + 2 ou a relação entre os seres Incriados e criados, a lei. Para os hebreus corresponde aos cinco dedos da mão perfeita e não mutilada pela lepra. É o número do Pentateuco, a Torah (PASTRO, 2007, p. 20).

Compreendemos assim que toda sua composição está baseada na tradição, por apresentar

uma proposta para a cruz e a espiral; Espiral, é o símbolo, por excelência, da vida em movimento. Uma pedra jogada com força na água gera uma espiral, a vida. Cruz, surge do encontro de círculos formando um novo ponto. É o mais elementar sinal da presença do homem há milhares de anos antes de Cristo. Era comum que as pessoas assinassem e se assinalassem com uma cruz (PASTRO, 2007, p. 17).

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Figura 76 – Eixo central do painel Fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga – fonte da Autora

Painel 3 – A Evangelização dos índios

No terceiro painel, identificamos uma divisão ao centro, com uma palmeira com sete grandes

folhas dividindo a cena. Ao lado esquerdo do observador, está Anchieta; ao lado direito do

observador, dois nativos da terra, podemos sugerir serem eles, o Cacique Tibiriça e sua filha a

Índia Bartira. “Pela força, pela bravura, pela estreita aliança com os portugueses, se destacava

entre eles Tibiriça. ” (VIOTTI, 1980, p. 57). Há uma composição similar ao painel dois, na qual

a simetria é mantida, o mundo europeu com Anchieta e a palmeira e o mundo colonizado com

os nativos e atrás deles as folhas de bananeira. Ultrapassando o centro do painel, uma folha de

papel é apresentada por Anchieta aos nativos, contendo os seguintes dizeres: “Oré rub Ybakype

tekoar / I moetépy ramon nde rera toikó / T’our nde Reino t’onhemon hang nde remyba”.

Encontramos em Alves, uma tradução aproximada do texto acima: Pai nosso, que estais no céu,

Santificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso Reino. Não nos deixe cair em tentação”

(ALVES, 2007, p. 185). Entendemos, portanto, que a oração deixada por Jesus serve como

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ponto de união entre os dois mundos que agora estão frente a frente. Como afirma Santos: “Ao

passar para a cultura indígena o Evangelho de Jesus Cristo, os missionários tinham como

referencial, é claro, a sua própria. Os indígenas, nesse processo, tinham sua cultura exposta à

influência da europeia” (SANTOS, 2007, p. 58). Concordamos com Santos que a cultura

indígena se tornou influenciada pela cultura europeia, mas percebemos também o avanço que

se deu frente à tradição da época quandose determinava que a Sagrada Escritura fosse

transmitida em latim: “A utilização do tupi para veicular a mensagem católica antecipou em

alguns séculos o conceito contido no discurso de 1965 do papa Paulo VI destinado a tradutores,

na qual ele afirmava que as línguas vernáculas se haviam tornado vox Ecclesiae, ou seja, a voz

da Igreja” (ALVES, 2007, p. 50). Com o aprendizado buscou-se uma ação efetiva para a

evangelização: “Desde a infância acontecem processos miméticos, que permitem, em estreita

relação com os outros homens, incorporar os mundos externo, interno e social” (WULF, 2013,

p, 76).

Os nativos apresentados no painel identificamos como um casal, o jovem, em primeiro

plano, traz com a mão direita a cruz ao peito e a jovem (pois os seios estão representados

iconograficamente) carrega em sua mão esquerda um vaso como oferenda. Destacamos como

significativo a altura das pessoas representadas, Anchieta junto ao jovem nativo são

representados com a mesma dimensão, enquanto a jovem nativa possui uma dimensão um

pouco menor. Indicando um reconhecimento de humanidade, feitos a “Imagem e Semelhança

de Deus” (cf. Gn. 1, 26-28). Os pés estão nus, mas diferentemente do segundo painel há uma

diversidade de posições, podemos relacionar: “Mais importante ainda, os pés representam nosso

pacto com a terra, a promessa de pertencermos a algum lugar, por mais que possamos ter nos

extraviado” (MANGUEL, 2011, p. 100).

Os jesuítas acreditavam estar em um novo mundo, com um projeto de cristianização que

poderia ser aplicado a todos os seus habitantes: “ ... desejavam os jesuítas, a formação de uma

Nova Cristandade em um novo Mundo” (SANTOS, 2007, p. 45). Destaca-se também a

representação da natureza brasileira, com suas folhas de bananeiras.

Uma relação numérica se evidencia nesse painel: três pessoas, cinco folhas na palmeira ao

lado de Anchieta; na palmeira ao centro, sete folhas e seis folhas de bananeira. Novamente, o

conceito de números entendidos pelo artista. Três; é o 1 + o novo 1 + 1 outro = Trindade, comunicação, perfeição, relacionamento / Cinco; é 1 + 2 + 2 ou a relação entre os seres Incriado e criados, a lei. Para os hebreus corresponde aos cinco dedos da mão perfeita e não mutilada pela lepra. É o número do Pentateuco, a Torah. Seis; é o 2 + 2 + 2, ou seja, a trilogia da matéria, do egoísmo, dos números fechados (criados) mal. / Sete; São os elementos da natureza criados pelo Um

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e, portanto, perfeito. É o número da plenitude. A menorá (castiçal hebraico) tem sete velas, símbolo do Espirito Santo (PASTRO, 2007, p.18).

É significativo que, ao lado do evangelizador, o número das folhas esteja relacionado a um

conjunto de livros da Sagrada Escritura, do lado dos nativos o número relacionado esteja ligado

à matéria. Atente-se que a planta (palmeira) que divide o painel corresponde ao número da

perfeição. Esse encontro de nativos e europeus pode estar relacionado à simbologia do número

três, pode ser entendido então como levar a mensagem da perfeição àqueles que ainda não o

conhecem. Através da oração do Pai-Nosso, Anchieta apresenta a proposta do Reino para os

nativos como se assim revelasse o rosto de Cristo:

Jesus revela o rosto de Deus Pai, “ misericordioso e compassivo” (Tg 5, 11), e, com o envio do Espírito Santo, torna patente o mistério de amor da Trindade. É o Espírito de Cristo que actua na Igreja e na história: é preciso permanecer à escuta d'Ele para reconhecer os sinais dos novos tempos e fazer com que a expectativa do regresso do Senhor glorioso se torne cada vez mais ardente no coração dos fiéis. Por isso, o Ano Santo deverá ser um único e incessante cântico de louvor à Trindade, Deus Altíssimo. Podem ajudar-nos estas palavras poéticas de S. Gregório de Nazianzo, o Teólogo: “Glória a Deus Pai e ao Filho, / Rei do universo. / Glória ao Espírito, digno de louvor e todo santo. / A Trindade é um só Deus que tudo criou e cumulou: o céu de seres celestes, e a terra de terrestres. / O mar, os rios e as fontes, Ele encheu-os de seres aquáticos, tudo vivificando com o seu Espírito, para que toda a criatura entoe hinos ao seu sábio Criador, causa única do viver e da duração dos seus dias. / Mais do que qualquer outra, louve-O sempre a criatura racional como grande Rei e Pai bom” (VATICANO, 1998, p. § 9).

Concluímos o terceiro painel, servindo-nos da carta de Anchieta, enviada a Inácio de Loyola:

Todos estes obedecem a um só senhor, têm horror a comer carne humana, contentam-se com uma só mulher, (...). Não crêem em nenhuma idolatria ou feiticeiro, e avantajam-se a muitíssimos outros nos bons costumes, de maneira que parecem muito próximos da lei da natureza (ANCHIETA apud SANTOS, 2007, p. 96).

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Figura 77 – Eixo central do painel A Evangelização dos índios – fonte da Autora

Painel 4 – O Conflito de Iperuí

Para compreendermos a narrativa imagética da composição estabelecida por Claudio Pastro,

necessitamos identificar o recorte histórico que lhe deu origem. Assim está narrado: Velejando com próspero vento da Ilha de São Sebastião para o Norte, aportam ‘aos primeiros lugares dos inimigos ... chamados Iperuí’, na véspera da festa de São José ante portam latinam, isto é a 5 de maio de 1563. Nessa fronteira os inimigos vinham aportar, nos diz Anchieta, todos os Tamoios da Guanabara, para seus assaltos à Capitania de São Vicente. E acrescenta que Iperuí distava ‘pouco mais ou menos vinte léguas’ das povoações dos portugueses. Isto é da mais próxima, que era Bertioga. A 7 de maio, após uma troca de reféns no dia anterior, reconhecidos os jesuítas por uma antiga escrava tamoia de São Vicente, desembarcam em Iperuí, (...) Como cordeiros indefesos se metiam Nóbrega e Anchieta ao alcance das mandíbulas desses lobos vorazes (ANCHIETA apud VIOTTI, 1980, p. 95).

É o momento de percurso até Iperuí, que está representado no painel. Há três pessoas no

barco: Nóbrega, carregando o Ostensório, com as mãos cobertas, pois toca o Sagrado; sua

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cabeça está inclinada e fixa o olhar em direção a Anchieta, que está em reverência com as mãos

descobertas, postas em oração; cabeça inclinada e olhos cerrados e um nativo, menor em

estrutura corpórea e com penas na cabeça; suas mãos não estão definidas, vemos as mãos, mas

não os dedos e a face não estão representados. O nativo sem face está representado como

inimigo ou que ainda não conhece ou reconhece a importância da presença do Ostensório43, que

carrega a partícula de Cristo vivo. Podemos empreender a análise de que o nativo não participa

do momento místico que envolve os jesuítas. Manguel afirma: “Somos julgados pelo nosso

rosto”, utiliza-se do estudo de Aristóteles para propor tal afirmação. No estudo De partibus

animalum, ele escreve: Se considerarmos o alto e o baixo, aquilo que é superior e mais nobre tende a estar no alto; se considerarmos frente e costas, ele tende a estar na frente; se considerarmos direita e esquerda, tende a estar na direita” (ARISTÓTELES apud MANGUEL, 2011, p. 119).

Sobre o barco, três aves, com diferentes formas de representação nas asas: uma delas tem

traços em suas asas, outra apresenta asa com risco e outra lisa e a última com uma das asas

junto ao corpo e a outra estendida ao espaço. Relacionamos tal descrição com a afirmação do

artista quanto à variedade e à maravilha da fauna e flora brasileira (PASTRO, 2007, p. 252).

Na representação do painel há um texto: “não se vende em praça este pão de vida, porque é

comida que se dá de graça. ” Está relacionado à passagem encontrada no livro de Jó 8, 12, sendo

a base para o Poema a Santa Inês:

Do mesmo modo que Jesus, aguardando com ansiedade, Santa Inês anuncia o pão da vida, que é preciso comer para alcançar a luz, a graça da vida nova aceitando Cristo, a luz do mundo (cf. João 8:12), ideia expressa tanto na repetição da palavra lume, quando da palavra graça, nos versos abaixo, que se inicialmente é ambígua, tem em seguida a sua ambiguidade desfeita: Não se vende em praça Este pão da vida, Porque é comida Que se dá de graça. Ó preciosa massa! Ó que pão tão novo Que, com vossa vinda, Quer Deus dar ao povo! O doce bolo, Que se chama graça! Quem sem ele passa

43 Ostensório, ou custódia, é uma peça de ourivesaria usada em atos de culto da Igreja Católica Apostólica Romana para expor solenemente a hóstia consagrada sobre o altar ou para a transportar solenemente em procissão. A sua utilização é uma manifestação artística do dogma católico da transubstanciação em que a hóstia consagrada torna-se corpo de Cristo e da consequente adoração que é lhe devida como presença real de Deus.

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É mui grande tolo. (MARQUES, 1999, p. 154)

Figura 78 –– Eixo central do painel O Conflito de Iperuí – fonte da Autora Encontramos dois modos de perceber o outro, o nativo descrito por Nóbrega:

Começamos a visitar as suas Aldeias quatro companheiros que somos, e a conversar com eles familiarmente, apresentando-lhes o Reino do Céu se fizerem o que lhes ensinamos. (...). Aonde chegamos somos recebidos com muito amor mormente dos meninos a quem ensinamos. Já sabem muitos as orações e as ensinam uns aos outros, de maneira que, dos achamos mais seguros, bautizamos já cem pessoas (NOBREGA apud SANTOS, 2007, p. 96).

Entendemos ser esses os nativos representados no terceiro painel, aquele que aceita o

cristianismo católico, e recebe a evangelização. O que diz Nóbrega sobre os nativos que não

aceitaram o cristianismo católico: Poderosa era essa nação dos Tamoios. Seu território, abrangendo para o interior o Vale do Paraíba, se estendia da Ilha de São Sebastião para o Norte

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até o Cabo Frio. (...). De 1560 em diante multiplicaram os bárbaros suas incursões guerreiras, à cata de prisioneiros para os festins canibalescos, semeando por toda parte morte, saque e incêndios (NÓBREGA apud VIOTTI, 1980, p. 93-94).

É importante lembrar que esse período no Brasil colonial é um momento de confronto entre

os luteranos que dominaram a chamada França Antártica (atual Rio de Janeiro) e os católicos

portugueses, minoria em formação militar. A união dos franceses luteranos com a nação

Tamoio era de grande preocupação para os portugueses e também para os jesuítas, que

percebiam ser esse confronto uma ameaça ao seu projeto evangelizador (VIOTTI, 1980, p. 95).

O quarto painel é significativo por evocar o número três, representação da Santíssima

Trindade (Pai, Filho e Espirito Santo). Três pessoas representadas e três aves no céu.

Percebemos também a importância do numeral quatro: são quatro ondas abaixo da embarcação,

quatro linhas no manto de Anchieta. Retomando à importância dos números para o artista,

entendemos o três a relação da Santíssima Trindade apresentada sob o mistério da fé, a qual

está na Partícula no Ostensório; o quatro a terra, o limite humano, a necessidade de aceitar o

mistério da fé e a dificuldade que a terra a ser evangelizada apresentava (PASTRO, 2007, p.

18). A insegurança do mar, os leva para o aprisionamento, que fará com que Anchieta vivendo

grandes dificuldades componha o Poema à Virgem. Isso ocorre devido a proposta

evangelizadora, iniciada com a Fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga, projeto que

foi levado à frente por Anchieta, com sua habilidade para o estudo das línguas (MARQUES,

1999, p. 147) estabelecendo comunicação com os nativos, sendo levado por Nóbrega para Iperuí

por esse mesmo motivo.

O conjunto de painéis elaborados por Claudio Pastro é um ciclo que nos traz a simbologia

do círculo, que para o artista é a primeira manifestação do centro (PASTRO, 2007, p. 17). Ciclo

que pode ser entendido como centro de reflexão:

Aquilo que os simples não pudessem entender através da escritura deveria ser aprendido através das figuras; o objetivo da pintura, diz Honório de Autun, como bom enciclopedista que reflete a sensibilidade de sua época, é tríplice: ela serve, antes de tudo, para embelezar a casa de Deus (ut domus tali decore ornetur) para revocar a vida dos santos e, finalmente, para o deleite dos incultos, já que a pintura é a literatura dos laicos, pictura est laicorum litteratura (HONÓRIO DE AUTUN apud ECO, 2010, p. 41).

3.2.3. Os painéis interpretados pelo próprio artista e sua teoria da arte sacra: uma conversa.

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Em junho de 2014, Claudio Pastro proferiu uma palestra na Capela de José de Anchieta, a

qual fazia parte das celebrações da Santificação de São José de Anchieta. Cujos tópicos centrais

eram a reforma da capela, a figura de Anchieta e seus companheiros jesuítas.

Descreveremos abaixo alguns esclarecimentos oferecidos por Claudio Pastro para a sua

concepção da reforma e a importância da mesma, sendo essa explanação de supra importância,

pois junto à reforma concebida pelo artista, está a confecção dos painéis de azulejos de José de

Anchieta, tema central dessa pesquisa.

Para nossa pesquisa, a palestra apresentou um encontro entre a composição estabelecida por

Claudio Pastro, baseada na tradição da Igreja, na Palavra e as características arquitetônicas

estabelecidas pela Companhia de Jesus no Brasil. A reforma, antes de tornar-se um exemplo de

modernidade ou buscar um novo exemplo de como construir uma igreja foi uma afirmação do

caminho percorrido pela Igreja, desde de suas primeiras comunidades cristãs, suas

transformações sociais, culturais e também as tecnológicas.

Claudio Pastro iniciou a apresentação ressaltando a importância da capela de São José de

Anchieta para a cidade de São Paulo e para o Brasil. A capela está localizada no espaço que foi

designado pelos jesuítas como o Colégio de São Paulo de Piratininga, posteriormente Vila de

São Paulo de Piratininga, espaço que originou a cidade de São Paulo. A comunidade fundante

desse espaço foi a Companhia de Jesus, companhia fundada por Santo Inácio de Loyola, no

século 16, na Espanha. É importante ressaltar que os homens, pertencentes à Companhia de

Jesus estavam em missão evangelizadora e entre eles estava Anchieta, um jovem de dezenove

anos, que atendeu a uma vocação.

Anchieta não conheceu essa igreja, quando aqui viveu. Ele e seus companheiros, habitavam

uma choupana, como ele mesmo descreve, construída pelos índios para ele com quatorze passos

de comprimento e dez passos de largura, construída pelos índios para eles. Anchieta a descreve:

“ nessa choupana vivíamos tudo, era capela, dormitório, enfermaria, escola, era tudo”. Ele

chamava essa choupana de: “Estábulo de Belém. ” Assim se manifesta o proposito de trabalhar

com os índios, diferente do que se pensava e se pensa que eles (jesuítas) vieram trabalhar com

os colonos e com a corte. A função de Anchieta e de seus companheiros era colocar o propósito

jesuíta aqui, nessa terra. É bom não esquecer que Santo Inácio os mandou para cá e a companhia

de Jesus estava nascendo. O começo da Companhia de Jesus era o começo do Brasil também.

Por que Anchieta e seus companheiros vieram até aqui? Vieram com um projeto dos jesuítas,

que é o próprio projeto cristão. Que projeto é esse?

1. Anunciar o Senhor Jesus. Não vieram para converter colono. Vieram para anunciar

Jesus.

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2. Vieram para realizar o pedido de Jesus: “Ide a todos os povos e batizai-os em

sangue”.

Claudio Pastro apresenta Anchieta e os jesuítas missionários do século dezesseis da seguinte

forma: “ Para Anchieta e companheiros, sua vocação se desenvolve aqui. Chegou aos dezenoves

anos, depois de ter cursado o Colégio de Coimbra, dos quatorze aos dezenove anos. Chega

doente. Vieram para responder ao chamado de sua vida, enquanto ele se relaciona com os outros

ele deve responder a sua vocação. Ele não era linguista, teatrólogo, poeta, enfermeiro, sapateiro.

Mas precisou aprender para cuidar dos índios. Não era padre, sempre foi leigo, no final da vida,

fizeram-no padre, por questões da época. A Igreja somente permitia que um padre se tornasse

provincial. Eu diria mais uma coisa, doente ele esqueceu a doença, eram tantos afazeres que

vive sua vida doente. Foi sendo a partir do estar fazendo. Foi vivendo sua vocação de jesuíta e

de homem, ir sendo. Essa relação de ser/fazer vai moldando-o, enquanto molda os outros a sua

volta. O cristianismo, a liberdade cristã fez desenvolver sua humanidade enquanto aceita a

humanidade alheia. Vai vivenciar o confronto de culturas. Europeia/Indígena, um elemento é

comum tanto para a europeia como indígena o fato de Ser. Caem as barreiras tanto europeias

quanto indígenas. ”

Claudio Pastro estabelece um diálogo entre a missão jesuíta apresentada na figura de

Anchieta, a reforma da Capela e a sua própria trajetória como artista. Posiciona-se como um

vocacionado. Sua vocação estaria, segundo ele, envolta na linguagem do silêncio, das cores e

formas, que revelam algo, que se manifesta em sua vocação, deixando através de sua arte o

mistério que lhe chama e para à qual foi chamado, dedicar a vida à arte. Para o artista, cada um

tem sua vocação, à qual corresponde com uma resposta ao chamado. No caminho de sua

vocação na vida, ocorreu uma confluência com a fé que ele declara ter recebido. A vocação

supõe uma resposta a um chamado a um mistério, que quando se cruza com a fé, chama-se

postura. O artista esclarece: “a postura é o centro da vocação de artista com a fé que eu recebi;

postura cristã que não é minha mas deve ser de todos os cristãos. É estar em Presença De, aqui

ou em qualquer lugar. Nós não vivemos a solidão do ser, mas em Presença De. Detalhando o

que o artista designa estar em Presença De, é o Absoluto, o nome que designamos como Ser,

d’Aquele que identificamos como o nome de Deus. Sendo o templo, local onde agora estamos

em Presença De, e essa atitude (de estarmos em Presença De), participar do Mistério Pascal,

nesse lugar, nos faz levar ao mundo em que vivemos a continuidade Dessa Presença. Entrar

aqui é entrar no Mistério aqui presente, do outro, do invisível aqui presente. Nós vivemos em

Presença do Invisível, d’Aquele que nos salvou a vida, assim como a nossa vocação. Somos

convidados aqui a entrar num templo. A palavra templo significa separado. Esse lugar não

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corresponde com a porta para fora. Estamos aqui no lugar da Presença”. Nesse momento, o

artista faz um convite para que venhamos a conhecer essas paredes, essas pedras:

“Esse é o projeto desses homens (jesuítas) que é o projeto cristão. Ser chamado à vida é ser

chamado cristão. Enquanto celebramos o mistério somos lançados para a escatologia (para o

fim dos tempos). Esse lugar é o lugar onde fazemos a experiência de celebrar o mistério

buscando o que Deus nos projetou, para o fim dos tempos; fazemos, então, um círculo, o fim é

o princípio do mistério. Os cristãos não celebram debaixo de árvore, ponte...mas constroem

espaço celebrante. A proposta evangélica, do evangelho, a proposta evangélica é eclesial, toma

forma, portanto o espaço é um corpo”. Aqui o artista faz referência à Sagrada Escritura, “

Também vos digo: se dois dentre vós, na terra, pedirem juntos qualquer coisa que seja, esta lhes

será concedida por meu Pai que está nos céus. Porque, onde dois ou três estão reunidos em meu

nome, ali estou Eu no meio deles. “ (Mt 18, 19-20)

E continua sua apresentação: “Esse templo, recebe o corpo de Cristo, que somos nós, esse

(o templo) torna-se um templo vivo que é Cristo. Templo para nós agora é o corpo de Cristo,

que habita esse lugar. Corpo que habita esse lugar tornando-se o Corpo que Celebra o Mistério

Pascal que somos nós, comunidade cristã. Essas paredes têm de refletir a beleza desse mistério,

a realidade desse mistério. As paredes refletem o nosso corpo e a nossa fé. ”

O artista faz reflexões sobre a arquitetura da Capela de São José de Anchieta. “Exteriormente

o Pátio como todos os edifícios coloniais pertencem ao estilo colonial português, apresentando

linhas sóbrias, geométricas, com a torre, a cruz e o telhado em duas águas. Isso tudo é uma

antiga herança do casario romano que se apresenta em toda Europa Mediterrânea; não há

novidade externamente, internamente sofrerá influência. ”

O artista descreve as três influências que o templo atual receberá:

A primeira influência faz referência ao primeiro milênio; o arquiteto recontou o estilo

basilical, edifício da realeza, da nobreza que somos nós. O Rei que aqui se apresenta

evidentemente é o Cristo. O arco existente em toda plenitude basilical é um memorial dos arcos

de triunfo. Arco do triunfo indica uma vitória. Há um grande arco, que corresponde ao arco do

altar, que é a vitória, instrumento de salvação que passa a ser a própria cruz. A cruz do altar é

o único elemento que está ligado ao século dezessete, o resto passa a ser novo. O altar, local de

pronunciamento, local em que se reúne uma assembleia para escutar o pronunciamento, é uma

referência às primeiras comunidades cristãs. Os arcos intermediários sempre existiram no estilo

basilical. Estilo basilical é o mais primitivo. Posteriormente os cristãos criaram o estilo basilical

em forma de cruz (a partir do século quatro). Os blocos (arcos) laterais serviam aos advogados,

ninguém ousava falar diretamente para o juiz, senador; os advogados eram os intermediários

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entre a assembleia e o juiz /senador. A porta é passagem para dois mundos. Passagem para os

cristãos (Pascal) / Arco na frente diferentemente mundo interno/externo. ”

Continuando sua explanação acompanhamos agora a segunda influência:

“Nesses blocos não havia advogados como os romanos, ou diáconos das primeiras

comunidades, mas santos, que são agora nossos advogados; as pessoas distanciaram-se do

centro da celebração. Na igreja colonial, havia para a nobreza balcões, para que pudessem

participar da celebração em local privilegiado. O clero estava separado do povo por degraus ou

pequenas construções que eram designadas local de comunhão, pois para lá o povo se dirigia

para receber a Comunhão. Assim antes do Concilio do Vaticano II, o povo não era celebrante,

mas observador. “

Vejamos agora as descrições da terceira influência, já sob a influência do artista sacro e de

seu estilo:

Estamos agora no terceiro milênio, + ou – 2.000, nas reformas litúrgicas após O Concílio

Ecumênico do Vaticano II, chegamos atrasados em torno de 40 a 50. Essa Igreja foi uma das

que ousou reformar de acordo com o Concílio Ecumênico do Vaticano II. O Missal44 que

usamos hoje, é do rito instituído pelo Papa Paulo VI45, até o período Barroco será do Papa Pio

V46. Esse espaço é a Jerusalém Celeste, que desceu do céu e em conjunto com a assembleia

forma a nova Jerusalém. Na nova Jerusalém, o protagonista é a assembleia. A assembleia cristã

celebra junto com o sacerdote, passa a ser o corpo de Cristo. O altar é o altar de Cristo.

Sacerdote Vítima Altar Cristo

Entendemos o motivo pelo qual, mesmo com ritos diferentes, durante dois séculos, uma

tradição que nunca se perdeu foi beijar o altar. É Cristo, o mistério, o coração do corpo que aqui

se reúne. Lugar de memorial da nova aliança. Celebração Pascal é sempre atual não é o Cristo

de 2000 anos. O Cristo vivo se faz presente na Eucaristia. Junto ao altar encontramos também

44 Missal Livro de altar que contém os textos eucológicos, as monições e as indicações para a celebração da Eucaristia. 45 O Papa Paulo VI (em latim: Paulus PP. VI; em italiano: Paolo VI), nascido Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini (Concesio, 26 de setembro de 1897 – Castelgandolfo, 6 de agosto de 1978) foi o Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana e Soberano da Cidade do Vaticano de 21 de junho de 1963 até a sua morte. Sucedeu ao Papa João XXIII, que convocou o Concílio Vaticano II, e decidiu continuar os trabalhos do predecessor. Promoveu melhorias nas relações ecumênicas com os Ortodoxos, Anglicanos e Protestantes, o que resultou em diversos encontros e acordos históricos. 46 Papa São Pio V, (nascido Antonio Ghislieri, Michele O.P.; Bosco, 17 de janeiro de 1504 — Roma, 1 de maio de 1572), foi papa de 7 de janeiro de 1566 até a sua morte. Nascido da família nobre Ghisleri. Nascido no norte da Itália, ingressou aos 14 anos na Ordem Dominicana e fez uma brilhante carreira eclesiástica, como bispo, cardeal, sob o título de Santa Maria Sopra Minerva, inquisidor-mor e por fim Papa. Foi beatificado no dia 1º de maio de 1672 e foi canonizado no dia 22 de Maio de 1712

Vítima Altar Altar Altar

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a Sedia – que popularmente conhecemos como a cadeira do Celebrante, datada dos primeiros

milênios e continuou após o Concílio do Vaticano I.

Jerusalém Celeste ou Nova Jerusalém são conceitos comumente citados por Claudio Pastro,

em seus livros, palestras ou conversas. Necessitamos então identificar o que para o artista

Jerusalém Celeste significa. Em suas palavras: A beleza é um acontecimento: Deus Conosco, Jesus vivo em seus mistérios, isto é, em cada celebração pascal da Igreja. Jesus não é alguém do passado e nem fala ao meu coração, mas, sim, fala objetivamente no Mistério celebrado. Se o mistério cristão é o único belo, a beleza, então, é o lugar de culto será igualmente belo, pois que é justo e verdadeiro. Esse espaço é o espaço da nova Jerusalém, onde, concretamente (não “faz de conta”), antegozamos o paraíso, a Jerusalém celeste (PASTRO, 2008, p. 69).

Por meio de sua explanação, juntamente com a literatura produzida pelo artista, ficou claro

a nós, que sua produção artística está destinada a ser uma forma de vivenciar e aprofundarmos

a fé. Justificarmos a afirmação através da observação de sua atividade artística voltada

unicamente ao serviço da liturgia, através de projetos que direcionam a reforma ou construção

de igrejas, sua iconografia interna, os objetos litúrgicos47 e as vestes, utilizadas pelo Celebrante

e auxiliares de altar. Claudio Pastro é o único artista plástico brasileiro dedicado exclusivamente

à produção da arte cristã. A importância dada ao projeto assumido pelo artista, seu

envolvimento com a comunidade faz transparecer sua preocupação com o espaço Celebrativo.

“O próprio espaço é por si educativo e orante e deve falar a todos do mistério que aí se celebra,

do presidente da assembleia ao último fiel ou visitante” (PASTRO, 2008, p. 78).

Considerações Intermediárias

Entendemos que a reforma da Capela do Pátio do Colégio não ocorreu sem divergências. O

Prof. Dr. Percival Tirapeli, fez uma critica a reforma em um artigo de jornal, o título do artigo

é Reliquia Escanteada, afirmando: Já não se veem mais as colunas do século 17 que adornavam o interior da igreja do Pátio do Colégio. Desde a última semana, quando a primeira etapa da reforma do local foi concluída, azulejos dourados e placas de granito tomaram o lugar do altar colonial, datado de 1680. Em estilo barroco português, as quatro colunas do altar são alguns dos únicos vestígios da antiga igreja do Colégio dos Jesuítas e dos poucos objetos de valor histórico que restavam na construção atual. "As únicas peças originais que sobraram estão sendo retiradas", diz Percival Tirapeli, professor do Instituto de Artes da Unesp e um dos maiores

47 Objetos litúrgicos nome genérico para designar todos os elementos materiais utilizados durante as funções litúrgicas, como os vasos sagrados ou as vestes litúrgicas (DOTRO & HELDER, 2006, p. 78)

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especialistas paulistas em arte sacra. "Não se trata de decoração, é um documento histórico. Isso só pode ser um capricho." (_SITE017)

Entretando no ciclo de azulejos de José de Anchieta, descortinou-se ao nosso olhar a

intima ligação entre a arte de Claudio Pastro com a arte em estilo bizantino, assim como sua

composição está apoiada na tradição da Igreja e na Sagrada Escritura. A reforma da Capela no

Pátio do Colégio, que está interligada à concepção do ciclo de azulejos, está intimamente ligada

com a premissa de estabelecer uma conexão com o espaço, que é o marco zero do nascimento

da cidade de São Paulo e a Companhia de Jesus. Durante vários anos, esse espaço esteve em

poder do governo paulista. Somente no fim do século vinte, retornou às mãos da ordem,

portanto entendemos que o projeto de reforma da capela e o projeto de composição para o ciclo

de azulejos serviram para que a comunidade pudesse desvendar e reconhecer o trabalho

desbravador e evangelizador de José de Anchieta e da Companhia de Jesus.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa foi construída utilizando-se da composição do ciclo de azulejos de José de

Anchieta, instalados no Pátio do Colégio e composto por Cláudio Pastro. Buscamos

compreender a relação da figura de José de Anchieta com o espaço e o artista que compôs os

painéis. Concluímos que, em um primeiro aspecto, a figura de José de Anchieta retratada no

ciclo de azulejos foi estabelecida como uma fonte de memória do processo missionário e

evangelizador da Companhia de Jesus, não somente pelos recortes históricos, mas pela

composição, que utilizou de composições anteriores.

Apesar de reconhecido como de fundamental importância para o nacionalismo brasileiro, a

canonização de José de Anchieta foi um longo processo. Percebemos que os painéis não foram

concebidos para retomar ou avançar no processo de sua canonização, estão embasados em uma

tradição estabelecida na Companhia de Jesus, a de apresentar seus membros nas igrejas da

companhia, mesmo antes do reconhecimento por parte da Igreja, da Santidade ou Beatitude dos

retratados, como ocorreu anteriormente com Inácio de Loyola e Francisco Xavier.

José de Anchieta foi retratado por vários artistas de grande importância para a arte brasileira,

sendo a iconografia anchieta imensa e de grande importância para, compreendermos a forma

de retratar a religiosidade brasileira, no decorrer dos séculos da história do Brasil, assim como

torna-se uma fonte de conhecimento sobre a história da arte no Brasil, tornando-se, entretanto,

necessário um estudo diretivo para podermos nos aprofundar no tema.

A composição dos painéis de azulejos, apresenta a conexão entre José de Anchieta, a

Companhia de Jesus e o processo colonizador e missionário, embrionário no Brasil do século

16, os recortes históricos contemplaram as fases iniciais desse período. Os painéis que fazem

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memória a anteriores representações, estabelece também nova forma de olhar, onde a igualdade

de proporções e a identidade nacional, através da fauna e flora, sem a representação das feras,

pode ser entendida como um rompimento com os discursos clássicos jesuítas, como por

exemplo as obras de Benedito Calixto.

A escolha pela representação de José de Anchieta nasceu em decorrência de uma tradição e

o reconhecimento de seu trabalho missionário e evangelizador, assim como em outras vertentes

como poeta, pedagogo, linguista e dramaturgo. A composição instalada no Pátio do Colégio

apresentou-se como uma estratégia de rememorar o espaço, que pertenceu à Companhia de

Jesus, sendo o Pátio do Colégio o local de fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga,

originando posteriormente a cidade de São Paulo, mas que em decorrência da supressão da

Companhia de Jesus no século 18, passou para as mãos do Estado, sofrendo abandono, e

retornando à Companhia de Jesus nos finais do século 20. Entendemos, portanto, a necessidade

de rememorar o espaço fundante da cidade de São Paulo, e a de seus fundadores, entre eles José

de Anchieta, figura central da composição, responsável pelo crescimento e manutenção do

colégio fundado pelos jesuítas em meados do século 16.

A Companhia de Jesus estava em desenvolvimento quando iniciou o processo missionário

no Brasil, o que possibilitou experiências inovadoras para seu projeto evangelizador, como

utilizar-se de aspectos da cultura autóctone, da dança e da música, além de conhecer e transmitir

dogmas cristãos católicos na língua nativa dos indígenas, que permitiu o crescimento e

expansão da missão evangelizadora. Tal inventividade encontra correspondência no fato do

fundador da Companhia de Jesus reconhecer a importância da fundamentação intelectual

juntamente com o humanismo como estratégia evangelizadora. Assim, Inácio de Loyola

estabelece para a ordem Companhia de Jesus regras que permitem uma moderada autonomia a

seus missionários, para que esses analisem qual deve ser o melhor processo no projeto

evangelizador.

A escolha do artista sacro, Claudio Pastro, deve-se a um estreitamento de relacionamento

entre o artista e a Companhia de Jesus. Ele foi o responsável pela composição de um Mural

sobre os 500 anos da Companhia de Jesus no Brasil, no qual em uma narrativa imagética,

estabelece uma cronologia dos destaques jesuítas no processo evangelizador brasileiro,

apresentando no referido mural a figura de José de Anchieta. O artista também compôs uma

tela para o instituto da Companhia de Jesus dedicada a evangelização dos jovens, tendo como

tema central a figura de José de Anchieta. O estilo de Claudio Pastro, é de grande importância

no ambiente cristão católico, também é familiar à Companhia de Jesus, a referência da

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iconografia bizantina pode ser observada em obras tendo o fundador da companhia como

referência.

A composição dos painéis de azulejos buscou retratar recortes históricos correspondentes ao

trabalho desbravador, missionário e evangelizador de José de Anchieta, é importante destacar

que os recortes escolhidos não estão relacionados com os chamados milagres, narrando fatos

da ação humana de José de Anchieta, sem deixar de ressaltar a importância da convicção do

retratado de ser um humilde servidor de Cristo. O artista utilizou de um estilo que remonta ao

bizantino para sua composição, sem deixar de ressaltar as características da arquitetura jesuíta,

com suas cores azul e branco. A capela apresenta uma nave central, com nichos laterais, espaço

onde foram instalados os painéis de azulejos, alguns painéis apresentam frases ou inscrições,

tradição própria da iconografia bizantina, mas que foi utilizada pelo artista como uma expressão

de fragmentos da memória da Companhia de Jesus ou de José de Anchieta, permitindo ao

observador desvendar pedaços do início da formação colonial. Toda arte necessita de elementos

mediadores para sua fruição, a arte proposta por Claudio Pastro impõe um conhecimento prévio

das tradições da Igreja, da Sagrada Escritura assim como dos códigos por ele estabelecido, sem

os quais a plena compreensão é dificultada, reconhecemos assim que se apresenta uma

dificuldade de compreensão da representação imagética composta por Claudio Pastro a grande

parte dos observadores.

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ANEXOS

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1. Pedido do Vaticano para a Obra do Cristo do Terceiro Milênio

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2. Homilia em São Paulo, Brasil, 3 de julho de 1980, Papa João Paulo II (VATICANO, 1980)

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3. 24 de abril de 2014_ Santa Missa de ação de graças pela canonização de São José de Anchieta (VATICANO, 2014)

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