v29n57a09

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/25/2019 v29n57a09

    1/12

    130

    Palabras chave: Telenovelas, narrativas de naao,comunidade virtual, metodologa virtual.Descritores: Telenovela. Metodologia em comunica-ao. Comunidade virtual.Recibido: Abril 30de 2010Aceptado:Julho 19 de 2010

    A telenovela como narrativada nao. Para uma experinciametodolgica em comunidade virtual

    O presente texto retoma a questo da reviso daidentidade nacional no cenrio globalizado adotandoduas perspectivas: a terica, atravs da temtica das

    narrativas da nao, explorada por Anderson,Appadurai, Bhabha, Bauman, e outros ( Lopes,2006) e a epistemolgico-metodolgica na temticadas comunidades virtuais formadas pelos movi-mentos migratrios contemporneos. Prope-se queessas duas perspectivas confluam numa experinciametodolgica de investigao emprica que estamosiniciando, qual seja, a recepo da telenovela brasileiranum espao particular e indito: a comunidade virtualde brasileiros em Portugal. Trata-se, portanto, de umaexplorao metodolgica no espao virtual com suas

    implicaes epistemolgicas para a pesquisa em gerale da Comunicao em particular.

    La telenovela como narrativade nacin. Hacia una experienciametodolgica en comunidad virtual

    El presente texto retoma el tema de la revisin de laidentidad nacional en el mundo globalizado adop-tando dos perspectivas: la terica, a travs del concepto

    de narrativas de nacin explorado por Anderson,Appadurai, Bhabha, Bauman y otros ( Lopes, 2006), yla epistemolgico-metodolgica de trabajo en comu-nidades virtuales conformadas por los movimientosmigratorios contemporneos. Se propone la con-fluencia de estas dos perspectivas en una experienciametodolgica de investigacin emprica incipiente, cuales la recepcin de la telenovela brasilera en un espacioparticular e indito: la comunidad virtual de brasilerosen Portugal. Se trata, por lo tanto, de una exploracinmetodolgica en el espacio virtual que tiene implica-

    ciones epistemolgicas para la investigacin en generaly para la comunicacin en particular.

    Origen del artculo

    Este artculo presenta la sntesis de dos fundamentos terico-metodolgicos de un proyecto de investigacinque actualmente est en curso.

    Palabras clave:telenovela, narrativas de nacin, comu-nidad virtual; metodologa virtual.Descriptores: Telenovela. Metodologa en comuni-cacin. Comunidad virtual.Recibido:Abril 30de 2010Aceptado: Julio 19de 2010

  • 7/25/2019 v29n57a09

    2/12

    131

    Maria Immacolata Vassallo de Lopes*

    * Maria Immacolata Vassallo.Brasilera. Doctora en Ciencias de la Comunicacin de la Universidade de So Paulo. Trabajacomo profesora titular en la Escola de Comunicaes e Artes de la misma universidad. Sus reas de investigacin se centranen la epistemologa, la metodologa, la teora de la comunicacin y la ficcin televisva. Correo electrnico:[email protected]

    1. Pontos de continuao,novos pontosde partida

    A fico televisiva, notadamente seu formato cen-tral, a telenovela1, vem se consolidando como objeto

    de estudo importante no campo da Comunicao

    A telenovela como narrativa da naoPara uma experincia metodolgica em

    comunidade virtual

    1.A fico televisiva um gnero de televiso, sendo a telenovela um de seus formatos. Outros formatos ficcionais soa minissrie, a srie, o chamado caso especial, a soap opera, a microssrie.

  • 7/25/2019 v29n57a09

    3/12

    Signo y Pensamiento 57Eje Temtico | pp 130-141 volumen XXIX julio - diciembre 2010

    132

    no Brasil2. Seus mltiplos aspectos tm sidoenfocados, no raramente, atravs de esquemasterico-metodolgicos originais e teis ao avano

    do conhecimento desse objeto. Hoje, os estudosbrasileiros de fico televisiva granjearam reconhe-cimento internacional e perfilam-se aos trabalhos deponta sobre o tema. Entretanto, uma caractersticadesses estudos foi se reforando no tempo e gerando,por assim dizer, um paradigma de pesquisa quetem privilegiado a abordagem semitica e dos efe-itos (menos da recepo) das narrativas televisivas,majoritariamente em estudos de caso, pulverizandoe dificultando a generalizao dos seus resultadosAlm do descaso com as condies de produo

    (dispositivos econmicos, tecnolgicos, de gesto)dessa que a principal indstria cultural dopas, interessa-nos aqui ressaltar nessas pesquisasa ausncia de fundamentos empricos para acompreenso macrossocial da fico televisiva.

    Em funo desse quadro, resolvemos redi-recionar progressivamente nossos estudos sobre afico televisiva para a questo das representaese da construo das identidades culturais, especi-ficamente, da identidade nacional e da intercul-turalidade. So questes-chave para a pesquisa

    de Comunicao no mundo contemporneoglobalizado que exigem srias revises conceituaise metodolgicas.Essa preocupao com o estadoda pesquisa da fico televisiva tambm levou-nosa criar o obitel3, com o objetivo de construir ecomparar dados sobre a produo e a recepo, emnova chave, internacional e intercultural.

    Dentre os aspectos que tm diferenciado aproduo teleficcional brasileira dentro do conjuntodos pases do obitel, talvez o principal seja o fatoda telenovela brasileira, ao longo de seus quase50anos de encontro dirio com o pblico, ter setornado umanarrativa da nao. Consideramos essahiptese4como sendo heurstica em vista da longae profunda construo discursivo-cultural do pascomo comunidade imaginada em que a telenovelase tornou. Para testar empiricamente essa assunoterica, estamos iniciando um estudo de recepovirtualde telenovelas junto a comunidades de brasi-leiros que vivem no exterior. A expectativa que os

    estudos brasileiros de recepo ganhem em inovaoterica e metodolgica uma vez que acreditamos seresse estudo indito. Ele pretende explorar como a

    nao narrada atravs das telenovelas brasileiras recebida e sentida por brasileiros que vivem noexterior. O estudo ser feito dentro de comunidadesvirtuais criadas por brasileiros fora do pas e que,segundo nossa observao, funcionam como espaosde encontro e de socializao de experincias.

    A narrativa ficcional televisiva aparece comoum valor estratgico na criao e consolidao denovas identidades culturais compartilhadas, confi-gurando-se como umanarrativa da nao.Partimosda constituio da identidade tnica do gnero ficcio-

    nal televisivoou, em outros termos, do seu processode indigenizao (Appadurai, 1990), em razo dagrande audincia, preferncia e repercusso datelefico nacional dentro do contexto televisivo dopas. Dessa premissa deriva a hiptese sobre o car-ter nacional da telefico, ou seja, a sua constituiocomognero nacional. O monitoramento feito peloobitel5reafirmou no espao ibero-americano a

    2.Apesar da tardia legitimao acadmica, de 1980 a2005, a mdia de teses e dissertaes sobre teledra-

    maturgia defendidas nos programas de ps-graduaoem Comunicao no pas tem sido de 5 ttulos por ano(1980 a 2005) e desde o ano de 2000 vem se obser-vando um aumento acentuado no tema, chegando mdia de 15 ttulos por ano. Fonte: CETVNECA-USP- Centro de Estudos de Telenovela da Escola de Comu-nicaes e Artes da Universidade de So Paulo.

    3.O OBITEL - Observatrio Ibero-americano da Fico Tele-visiva - uma rede de pesquisa internacional constitudapor nove grupos nacionais de pesquisa, reunidos por umprotocolo metodolgico unificado para o monitoramentoanual da produo de fico televisiva em cada pas, objeti-vando uma anlise comparativa dessa produo no espaoibero-americano. Os resultados desse trabalho foram publi-

    cados nos Anurios OBITEL (2007, 2008, 2009 e 2010)4.De fato, essa hiptese sempre esteve presente ao longo denossas pesquisas sobre a telenovela (Lopes, 2002, 2003 e2004), porm mesclada com outras argumentaes. Trata-se agora de tom-la como foco especfico de estudo.

    5.O Anurio OBITEL (2010) traz o monitoramento compa-rativo dos programas ficcionais de TV em nove pases etem mostrado que a fico nacional que ocupa a lide-rana na faixa do horrio nobre (19h-22h) nesses pases.No trinio 2007-2009, 56% da programao dessa faixa ocupada por produo prpria e Brasil, Mxico e Portu-gal ocupam os primeiros lugares.

  • 7/25/2019 v29n57a09

    4/12

    Maria Immacolata Vassallo de Lopes | A telenovela como narrativa da nao

    133

    ocorrncia desse fenmeno. Isso se deu, por umlado, atravs de uma particular apropriao ouindigenizaoda fico televisiva dentro da tradio

    cultural de outros meios em cada pas (rdio,cinema, teatro, msica), o que tornou a teleficoum denso territrio de redefinies culturaisidentitrias. Por outro lado, o desenvolvimento dacapacidade produtiva das televises nacionais passaa expressar-se pela sua maior ou menor capacidadede deslocar as sries importadas norte-americanasdo horrio nobre e mesmo de disputar a prefernciacom outros gneros produzidos domesticamente6.A esto as origens do que chamamos de contrato

    de recepo e da constituio de um repertrio

    simblico compartilhado7. A fico passa a ser umlugar privilegiado onde se narra a nao, naorepresentada, nao imaginada (Anderson, 1983),

    nao disseminada(Bhabha, 1997, 2001).

    2. Naes imaginadase meios decomunicao

    Ao tomarmos a globalizao como novo para-digma histrico e epistemolgico das CinciasSociais (Ianni, 1994), os resultados deste novo tipo

    de entendimento so visveis na reviso de conceitosimportantes, como os de cultura e nao. Entra emdescrdito a idia de que a cultura de determinadogrupamento tnico possa ser traada a partir doexame de categorias bem definidas capazes de darconta da lgica coesa de um discurso simblicocoletivo. Em oposio a este entendimento, a cul-tura passa a ser analisada como processo dinmico,conjunto de jogos e possibilidades realizados emdeterminados contextos, necessariamente especfi-cos e conectados s inmeras mudanas sociais que

    tm lugar em grupos hbridos. Tambm o conceitode nao passa por uma clivagem crtica, que leva desconsiderao de seu entendimento comonarrativa coesa acerca dos caracteres essenciais dedeterminado grupamento social.

    Dentre os autores cujas contribuies pre-tendemos aprofundar, cabe destacar os nomes deAnderson (1983), Gellner (1983), Smith (1999),Bhabha (1990), Bauman (1999), Appadurai (1990)

    que se impuseram como autores de refernciaquando se trata de abordar questes sobre identi-dade nacional ou cultura nacional. Em geral, estes

    autores consideram que s a partir de uma anliseda nao como artefato cultural, portanto, comorepresentao, ser possvel conceituar a identidadenacional e explicar a sua relevncia nas sociedadescontemporneas, especialmente nos domnioscultural, social e poltico.

    O cerne dos argumentos sustentados por essesautores o de que o estabelecimento de um senti-mento de cultura partilhada entre os membros danao - a identidade nacional - depende, sobretudo,do reconhecimento de um passado comum (que

    pode ser o de uma etnia dominante) sustentadopor tradies inventadas ou reapropriadas(Gellner,1983),mitos fundadores da nao, lendas de tradio

    oral (Smith,1999), verses oficiais da histria danao, etc., no espao geograficamente delimitadodo Estado-nao. Os pensadores que integram estalinha de pensamento, socorrendo-se de fatos da his-tria de naes concretas, procederam a um enqua-

    6.O critrio definidor da capacidade produtivada inds-

    tria televisiva nacional o volume horrio de oferta deprogramas de fico. Com base neste critrio, o monito-ramento do OBITEL, no trinio 2007-2009, permitiu dis-tinguir trs categorias de produtores: 1) os grandes pro-dutores, Brasil, Mxico e Portugal, com uma produode fico nacional entre 4 e 6 mil horas anuais. Conjun-tamente, produziram 50% de todo o universo OBITEL;2) os mdios produtores: Argentina, Estados Unidos eEspanha, com uma produo que varia entre 3 e 4 milhoras anuais; e 3) os pequenos produtoresenquantoo Chile forma o grupo dos pequenos produtores comproduo que oscila entre duas e trs mil horas anuais.Em seu conjunto, esses dados parecem refletir umagrande capacidade televisiva regional, da Amrica Latina,

    na produo do gnero que mais a promove internacio-nalmente a telenovela. Ainda, temos a comprovaoda hiptese do deslocamento da produo importadapara a faixa off prime-timena medida em que os pa-ses latino-americanos foram nacionalizando a fico deseu horrio nobre atravs da telenovela. Sabemos queas implicaes desse fenmeno transcendem o planoeconmico para ganhar um significado propriamentecultural e comunicacional de extraordinria importnciapara esses pases. Fonte: Obitel(2010).

    7.Elaboramos esses conceitos numa pesquisa sobre rece-po de telenovela (Lopes et al, 2002).

  • 7/25/2019 v29n57a09

    5/12

    Signo y Pensamiento 57Eje Temtico | pp 130-141 volumen XXIX julio - diciembre 2010

    134

    dramento histrico do fenmeno do nacionalismoe das condies do aparecimento do Estado-naoque permitiu esclarecer a gnese, a permanncia e

    o alcance da identidade nacional como forma deidentidade coletiva tpica da modernidade, em que anao percebida como um constructo cultural queemergiu de mudanas sociais e polticas associadasa fenmenos como a burocracia, a secularizao,a industrializao e a comunicao de massas nocontexto da poca moderna.

    Assim, o advento dos meios de comunicaode massa imprensa, livro - constituiu um aspectofundamental para a compreenso do contexto emque as pessoas comearam a imaginar a comuni-

    dade a que pertencem como nao. De interessefundamental para os propsitos deste projeto a assuno de Anderson de que as naes e onacionalismo, como artefatos culturais, so, sobre-tudo, o resultado espontneo da interao entre adiversidade das lnguas humanas e o surgimento daimprensa de massas no contexto do capitalismo, porisso mesmo chamado por ele deprint-capitalism.Oautor sublinha que inicialmente o estabelecimentode lnguas vernculas, como lnguas de poder,ocorreu graas s possibilidades da imprensa escrita

    (print-languages) tendo sido fruto de processoslargamente inconscientes resultantes da interacoentre o capitalismo, a tecnologia e a diversidade daslnguas humanas (Anderson, 1983).

    Portanto, resulta importante destacar tersido o aparecimento das novas tecnologias decomunicao - a imprensa diria e a produoliterria de massas - que, no contexto de uma eco-nomia capitalista, tornou possvel imaginara nao.

    A questo a levantar dever ser antes a de saberpor que que narrativas que conferem um signifi-

    cado nao (filmes, romances, canes, lendas detradio oral, verses oficiais da histria da nao,

    etc.) provocam sentimentos de pertencimento nao no processo de divulgao e reproduo doque se pode entender por cultura nacional. Em

    outras palavras, o problema que se nos coloca o de perceber porque as narrativas da nao sosuscetveis de esclarecer o apelo irresistvel e mun-dialmente generalizado identificao com a nao.

    Bhabba (1990), por seu turno, insiste namanipulao ideolgica subjacente s comunida-des imaginadas de Anderson. As contra-narrati-vas da nao que continuamente evocam e apagamas fronteiras totalizantes desta ltima - tanto reaisquanto conceituais - perturbam aquelas manobrasideolgicas atravs das quais se atribuem identida-

    des essencialistas s comunidades imaginadas.A defesa das minorias culturais existentes no

    interior do Estado-nao tem animado grandeparte da discusso em torno da impossibilidade daafirmao de uma cultura nacional homognea.Assunes desta natureza esto igualmente impli-cadas nos modos em que as chamadas polticas deidentidade vieram a ser entendidas pelos autoresque integram esta tendncia do pensamentoface identidade nacional. O princpio por estessustentado quanto s polticas de identidade a

    da promoo das diferenas e no da supressodas diferenas mobilizadas pelo Estado-nao.Subjacente a semelhante princpio,encontra-se aconcepo relacional do conceito de identidade(Hall, 1996; Mouffe, 1994), que, sob a influnciadeterminante de tericos franceses da alteridade(Deleuze, Derrida, Kristeva, Foucault, etc.), vemreclamar que as identidades constroem-se, nofora, mas atravs da diferena (Hall, 1996). Umatal assero implica o reconhecimento de que satravs da relao com o outro, da relao com o que

    no se , que precisamente o que est em falta, asidentidades podem ser construdas.

  • 7/25/2019 v29n57a09

    6/12

    Maria Immacolata Vassallo de Lopes | A telenovela como narrativa da nao

    135

    Bauman (1990) sublinha ainda que o quesepara a uniformidade inerente idia de naoda heterogeneidade das formas culturais dentro

    do Estado-nao sob uma administrao estatalunificada se constitui, ento, como um desafioe um problema, ao qual os Estados nacionaisresponderam com cruzadas culturais destinadas destruio dos mecanismos autnomos dereproduo de unidade cultural. A era em que osEstados-nao se formaram caracterizou-se pelaintolerncia cultural.

    Esta corrente procede assim desconstruodas identidades essencialistas em jogo nas pol-ticas de identidade acionadas tanto pelo Estado-

    nao como pelas minorias culturais que lutampor reconhecimento no seu seio, no intuito dedemonstrar como as fronteiras que separam o'ns' do 'eles' so ideologicamente construdas enegociadas. Semelhantes abordagens procuramassim demonstrar como que as identidadesessencialistas so engendradas de modo a serviras reivindicaes de variados grupos (polticos,tnicos, sexuais, artsticos, religiosos, etc.) numcontexto em que se assiste exploso dos particu-larismos ( Mouffe, 1994).

    Hall (1996), por exemplo, chama atenopara o fato de as identidades parecerem invocara sua origem num dado passado histrico, aoqual se continuam, alis, a referir, quando, defato, falar de identidades falar do uso de recur-sos da histria, da linguagem e da cultura noprocesso em que nos constitumos como seres(becoming) e no no processo em que existimoscomo seres (being). No interessa tanto o quemns somos ou de onde vimos, como aquiloem que nos poderemos tornar ou como que

    temos sido representados e como que isto podeinfluenciar os modos em que nos poderemosvir a representar. Hall (1996) est sobretudopreocupado com o fato de as identidades emer-girem da afirmao de modalidades especficasde poder, apresentando-se, sobretudo, como oproduto da demarcao da diferena e excluso,e no como o signo de identidades primordiais,portanto, essencialistas.

    Na tica de Mouffe, a identidade no podepertencer a uma nica pessoa e ningum, de fato, temuma nica identidade. Em ltima anlise, no exis-

    tem identidades naturais ou originais uma vezque toda e qualquer identidade o resultado de umprocesso de permanente hibridizao e nomadizao.

    Recorrendo terminologia de Bhabha, pode-mos dizer que as estratgias narrativas implicadasnestes discursos possuem um valor performativoque contesta a autoridade tradicional desses obje-tos nacionais de conhecimento. Tradio, Povo,Razo de Estado, Alta-Cultura, entre outros - cujovalor pedaggicoassenta, freqentemente, na suarepresentao como conceitos holsticos de uma

    narrativa de continuidade histrica da nao. Aestratgia narrativa do performativo vem curto-circuitar a estratgia continuista e acumulativa dopedaggico atravs da qual a nao se representacomo um todo contnuo e homogneo, e que seexerce atravs do ensino e da produo de histrias,mitos e outras lendas coletivas (Bhabba, 1990, 2001).

    Neste contexto, tanto histrico quantoanaltico, a televiso nacional parece adquirirconscincia de seu papel crucial juntamente desua prpria fragilidade. Numa sntese extrema,

    podemos pensar o novo papel da televiso segundopelo menos quatro modalidades complemen-tares, que podemos definir como tematizao,ritualizao, pertencimento e participao.

    O primeiro nvel contm seja os elementosmais ostensivos, referenciais e descritivos relativossobretudo dimenso do mostrar e do documen-tar, seja os elementos mais interpretativos, relativos dimenso do narrar e do comentar. Estas duasdimenses, ditas locutivas e ilocutivas dacomunicao, so inseparveis e constituem o nvel

    da tematizao. Aqui, a fico na televiso emergecomo o gnero por excelncia atravs do qual aidentidade nacional representada, e em nossapesquisa em andamento estamos trabalhando essenvel atravs de indicadores culturais(tempo, lugar,contexto, protagonistas, temas).

    O segundo nvel relativo ritualizaodarelao com o meio e diz respeito capacidade dateleviso de sincronizar os tempos sociais da nao,

  • 7/25/2019 v29n57a09

    7/12

  • 7/25/2019 v29n57a09

    8/12

    Maria Immacolata Vassallo de Lopes | A telenovela como narrativa da nao

    137

    tuais? A telenovela brasileira por eles assistida,

    pode ser um fator de mediao na construode uma nova identidade nacional (a naodisseminada de Bhabha)?

    Um passo final no processo de construoda nao, de acordo com Anderson, foi que aimpresso em larga escala de dialetos lings-ticos permitiu aos leitores imaginar os outrosque estavam lendo a mesma literatura. Estascomunidades imaginadas lingisticamentehomogneas serviram como base para o desen-volvimento da nao moderna. possvel que os

    novos targeted media, como a internet, possamfacilitar novos modos de imaginar a nao,isto , desterritorializada, tanto quanto o capi-talismo impresso o fez nos sculos passados?Se olharmos para o rpido desenvolvimentoconceitual das ciberculturas9, acreditamos queesta perspectiva deva ser encarada seriamente.Outro aspecto que as comunidades tnicas queestavam at h pouco tempo geograficamentedispersas, agora podem se tornar comunidadestnicas virtuais concentradas (Elkins, 1997).

    A fim de explorar metodologicamente essaperspectiva, j identificamos uma bibliografiarazoavelmente extensa sobre comunidades virtu-ais10. O que ela traz claramente a necessidadede revisar conceitos e procedimentos metodolgi-cos, uma vez que a pesquisa no espao virtualtraz novos desafios metodologia em geral, eda Comunicao, em especial, em funo daemergncia das novas formas de interao socialmediadas por computador. E, finalmente aquesto de fundo que se coloca para a pesquisa

    de Comunicao a compreenso do conceito devirtual e do fenmeno da virtualidade na socie-dade contempornea11.

    Seguindo Lvy (1999: 47-75) a concepo devirtualidade, admite, no mnimo, trs sentidos: umsentido tcnico, ligado informtica, um segundode uso corrente e de senso comum, e um terceiro,filosfico. Na acepo filosfica, virtual o que

    existe em potncia e no em ato. Neste sentido,

    Levy reconhece ser o virtual um dimenso muito

    importante da realidade. O segundo significado,corrente, pode ser associado irrealidade, emoposio a uma realidade que supe uma presenatangvel (o que tambm pode ser questionado). Arealidade virtualfascina porque, ao mesmo tempo,rene a tecnologia, o intangvel e o potencial,que se manifestam na experincia de imerso.Portanto, podemos identificar nesse autor a vir-tualidadecomo uma qualidade de entidade quedenota seu grau de extrapolao do concreto, ougrau de rompimento com as formas tradicionais

    de ser e acontecer, sendo usualmente associada tecnologia. E o virtual, como dimenso do realmediado ou potencializado pela tecnologia; pro-duto da externalizao de construes mentais emespaos de interao cibernticos (1996).

    4. Pesquisa virtualem Comunicao

    Queremos utilizar a nossa experincia desen-volvida com os estudos de telenovela, parti-cularmente um estudo de recepo em que

    desenvolvemos um protocolo metodolgico demulti-mtodos (Lopes at al, 2002). Dele destaca-mos o mtodo etnogrfico, o grupo de discussoe a entrevista. Trata-se de explorar esses mtodospara sua adaptao on line em funo de suacapacidade de contextualizar os processos de

    9. Howard Rheingold (1993) argumenta que comunida-des virtuais podem ser to importantes para os mem-bros da comunidade quanto as comunidades reais.

    10.No aqui o lugar de listar essa bibliografia (ver Papa-

    dakis, 2004) e outras, mas apenas indicar que dentrodo estado da arte das pesquisas sobre comunidadesvirtuais estamos interessados especificamente nas co-munidades nacionais que vivem no estrangeiro. Sobremetodologias de pesquisa nessas comunidades na-cionais virtuais, as referncias praticamente inexistem.Tambm no temos conhecimento de trabalhos sobreesse tema realizados no Brasil.

    11.O propsito deste texto no fazer a discusso dacartografia semntica do virtual. H uma abundante bi-bliografia ensastica, nacional e estrangeira, sendo Pie-rre Lvy autor bsico de referncia em nossa pesquisa.

  • 7/25/2019 v29n57a09

    9/12

    Signo y Pensamiento 57Eje Temtico | pp 130-141 volumen XXIX julio - diciembre 2010

    138

    recepo para extrair concluses sobre as prticascomunicacionais e culturais dos pblicos.

    Esses desafios podem ser percebidos pelas

    transformaes que a Internet, como novo fen-meno de comunicao hbrida baseada na troca ecombinao das unidades bsicas e-c-m-r12, trouxepara o campo da pesquisa. possvel resumir essastransformaes nos seguintes princpios para a

    pesquisa virtual13:

    1)a pesquisa virtual supe problematizar o uso daInternet como objeto inserido na vida das pessoase como lugar de estabelecimento de comunidades;2)os meios interativos como a internet devem ser

    entendidos simultaneamente como cultura e comoartefato cultural;3) pensar esta pesquisa da interao mediadacomo fluida, dinmica e mvel;4) reconsiderar a noo de campo de estudo parano centrar os fluxos e conexes em nenhum lugarlocalizado ou limitado;5)o desafio da pesquisa virtual est em examinar

    como se configuram os limites e as conexes entreo virtuale o real;6)devido ao deslocamento temporal, a imerso no

    contexto se d de forma intermitente;7)a pesquisa virtual parcial, no totalizante;8)a reflexividade metodolgica outorga protago-nismo relao entre o pesquisador e a tecnologia;9)validade de todas as formas de interao mediadaspela tecnologia para constituir o objeto de estudo; 10)adaptabilidade permanente aos objetivos da pesquisa.

    A tendncia ao deslocamento ou dissoluodo espao objeto de estudo o que passa a serdemonstrado pelos trabalhos etnogrficos na

    internet, a partir da segunda metade dos anos1990, com conseqncias para os desenhos meto-dolgicos dos trabalhos de campo e da coletade dados. As conseqncias desse deslocamentorespondem a estratgias extensivistas pelas quaisse amplia o nmero de casos a observar e se reduza profundidade com que se trata cada caso.

    O papel do investigador, por outro lado, per-mite fazer entrevistas em profundidade, possibilitaa entrada em espaos e reunies e pode registraros dados de forma aberta, pblica e com procedi-

    mentos mais sistemticos.Tambm as interaes informais entre os par-

    ticipantes do grupo so especialmente interessantesde serem observadas porque esto carregadas deconhecimento que a base sobre o qual se constria cultura de uma comunidade.

    As interaes entre o observador e os par-ticipantes permite que o pesquisador participe,observe e pergunte, na forma dupla de colquioinformal e de entrevista formal. O trabalho decampo virtual, sem uma localizao concreta,

    deve adaptar ferramentas e as interaes deinvestigador com os informantes so uma fontede dados central do trabalho. A substituio do

    12.Conforme o modelo clssico de Lasswell, as unidadesbsicas da comunicao so: emissor, canal, mensa-gem e receptor.

    13.Tomamos como fonte principalmente Hine (2004),adaptando suas consideraes sobre a etnografia virtual.

  • 7/25/2019 v29n57a09

    10/12

    139

    espao fsico pelo virtual pode acrescentar maisvalor s interpretaes dos atores com as quaisse possam entender os espaos de significadosque constroem.

    Para Hine (2005), o espao virtual se tornaum meio rico para a comunicao com o aumento

    do nmero de usurios e, conseqentemente, tomado como um lugar privilegiado para apesquisa nas reas humanas. De acordo comessa autora, duas fases caracterizam pesquisasocial em comunicao mediada por computador(cmc): uma primeira, a utilizao de abordagempsicolgica dependendo de mtodos experimen-tais para compreender o potencial da conversamediada por computador. A segunda fase da pes-quisa em cmccorresponde crescente aplicaode abordagens naturalsticas para o fenmeno

    on-line e a subseqente requisio da Internetcomo um contexto cultural.

    Ao pensar a etnografia como uma tcnica quedeve dar conta de uma performance de comuni-dade, a autora tece as seguintes consideraes:

    Ns podemos sugerir, ento, que uma

    mudana metodolgica, a exigncia do con-

    texto on- line como um site de campo etno-

    grfico foi crucial no estabelecimento do status

    das comunicaes de Internet como cultura.

    Enquanto experimentos psicolgicos demonstra-ram sua opacidade, mtodos etnogrficos foram

    capazes de demonstrar sua riqueza cultural.

    possvel ir mais longe e sugerir que nosso

    conhecimento da Internet como um contexto

    cultural est intrinsecamente ligado com a

    aplicao da etnografia. O mtodo e o fenmeno

    definem o outro em um relacionamento de mtua

    dependncia. O contextoon-line definido como

    um contexto cultural pela demonstrao de que a

    etnografia pode ser aplicada a ele. Se ns pode-

    mos estar confiantes de que a etnografia pode

    ser aplicada com sucesso em contextos on-line

    ento ns podemos ficar seguros de que estes

    so, realmente, contextos culturais, uma vez que

    a etnografia um mtodo para entender a cultura.(Hine, 2005, p.8).

    Fato inerente a esse interesse crescente que aInternet significa um contexto cultural e um arte-fato cultural ao mesmo tempo. No mesmo sentido,Schneider e Foot (2005) complementam que a webpode ser vista como um cenrio de estruturas quesuportam a aoon-line, comportando uma miradede dimenses sociais, culturais e polticas. Quantoa questes metodolgicas, os autores indicam que a

    natureza multi-nivelada e hiperlinkada da webfazcom que a identificao e a demarcao de unidadesde anlise nesse ambiente sejam tarefas crticas enecessrias. Nesses termos, os autores interpretamque h uma natureza de co-produo da webnasaes on-line, que podem ser exploradas exami-nando-se objetos da web, como textos, matrias,sitese linkspara outrossites, ainda que a pesquisa devacombinar esses dados com dadosoff-line(entrevistaspessoais, entrevistas de grupo, telefonemas, etc.).

    O conceito de esfera da web de Schneider

    e Foot traz consideraes importantes quanto delimitao da web como objeto de estudo.

    Ns conceituamos esfera da webno simples-

    mente como uma coleo de websites, mas como

    um conjunto de recursos digitais dinmicamente

    definidos estendendo-se sobre mltiplos sites da web

    considerados relevantes ou relacionados a um evento

    central, conceito ou tema, e seguidamente conectado

  • 7/25/2019 v29n57a09

    11/12

    Signo y Pensamiento 57Eje Temtico | pp 130-141 volumen XXIX julio - diciembre 2010

    140

    por hiperlinks. As fronteiras de uma esfera da web

    esto delimitadas por uma orientao de tema com-

    partilhado e de uma estrutura temporal. (Schneider

    e Foot, 2005, p. 158).

    Hine (2005) ainda aponta que quando fala-mos em metodologia, estamos implicitamentefalando sobre nossa identidade e os padressegundo os quais ns desejamos que nosso tra-balho seja julgado. Na mesma direo, ela destacaque as novas tecnologias tornam a questo maisinteressante, fazendo-nos interrogar sobre nossoentendimento e compromisso metodolgico.

    Queremos destacar, finalmente, que este tipode mudana configura uma lgica bem definidaem que a abordagem de novos objetos de estudoleva a uma srie de mudanas metodolgicas,reforando mais uma vez que o mtodo que colocado a servio dos objetos e no o contrrio.

    Referncias

    Anderson, B. (1983).Imagined communities: Refle-xions on the origins and spread of nationalism.

    London, Verso.Anuario obitel(2007).Culturas y mercados de la

    ficcin TV en Iberoamrica. Barcelona: Gedisa. (2008). Mercados globais, histrias nacionais.

    So Paulo, Editora Globo. (2009).A fico televisiva em pases ibero-ame-

    ricanos: narrativas, formatos e publicidade.SoPaulo, Editora Globo.

    (2010). Convergncias e transmidiao da ficotelevisiva. So Paulo, Editora Globo.

    Appadurai, A. (1990). Disjuncture and difference

    in theglobal cultureEconomy. En:Feather-stone, M. Global culture. London, Sage.

    (1997).Modernity at large. Cultural dimensionsof globalization. Minneapolis, University ofMinnesota Press - Open University Press.

    Bauman, Z. (1999).Modernidade e ambivalncia.Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.

    (2001). Modernidade lquida. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Ed.

    Bhabha, H. (1990). (Edit.)Nation and narration.London, Routledge.

    (2001). O local da cultura. Belo Horizonte,

    Ed.ufmg.Elkins, D. (1997). Globalization, telecommunicationsand virtual ethnic communities, en: International

    Political Science Review, vol.18, nm.2.Gellner, E. (1983).Nations and nationalism. Oxford

    (Inglaterra) y Cambridge (Estados Unidos),Blackwell.

    Hall, S. y du Gay, P. (1996). Questions of culturalidentity. London, Sage.

    Hine, C. (2004). Etnografa virtual. Barcelona,Editorial uoc.

    (2005). Virtual methods and the sociology ofcyber-social-scientific knowledge. En: Hine,C. (Edit.).Virtual methods. Issues in socialresearch on the internet, Oxford, Berg.

    Ianni, O. (1994). Globalizao: novo paradigmadas Cincias Sociais, em: Revista Estudos

    Avanadosusp, nm. 45.Lvy, P. (1996). O que o virtual?So Paulo,

    Editora 34. (1999). Cibercultura. So Paulo, Editora 34.Lopes, M. (2003, ene-abr). A telenovela brasi-

    leira: uma narrativa sobre a nao. RevistaComunicao & Educao, num. 25.

    (2004). Para uma reviso das identidades cul-turais em tempos de globalizao en: Lopes,M. (Org.), Telenovela. Internacionalizao e

    Interculturalidade. So Paulo, LoyolaLopes,M. et.al. (2002). Vivendo com a telenovela:

    mediaes, recepo e teleficcionalidade. SoPaulo, Summus.

    Mougge, C. (1994). For a politics of nomadicidentity em: Robertson, G. et al. (eds.),

    Travellers tales: narratives of home and displa-cement. New York,Routledge.

    Newcomb, H. (1999), La televisione da forum abiblioteca, Milano, Sansoni.

    Papadakis, M. (2004) Computer-mediatedcommunities: A bibliography on informa-

    tion, communication, and computational

    technologies and communities of place, sriInternational.

  • 7/25/2019 v29n57a09

    12/12

    Maria Immacolata Vassallo de Lopes | A telenovela como narrativa da nao

    141

    Rheingold, H. (2010) Virtual communities [on-line], disponivel em: http://www.well.com/user/hlr/vcbookintro.html, recuperado: 17de

    agosto de 2010Schneider, S y Foot, K. (2005), Web sphere ana-lysis: An approach to studying online action,em: Hine, C. (Edit.), Virtual methods. Issuesin social research on the internet. Oxford, Berg.

    Smith, A. (1999)Naes e nacionalismo numa eraglobal, Oeiras, Celta Editora.