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VICTOR AUGUSTUS GRACIOTTO SILVA OS ESCRITOS DE FRANCISCO DE ASSIS E AS CIDADES DO SÉCULO XIII: DIÁLOGOS POSSÍVEIS Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa. Fátima Regina Fernandes Frighetto CURITIBA 2003

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VICTOR AUGUSTUS GRACIOTTO SILVA

OS ESCRITOS DE FRANCISCO DE ASSIS E AS CIDADES DO SÉCULO

XIII: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa. Fátima Regina

Fernandes Frighetto

CURITIBA

2003

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II II

Aos anunciadores do caminho, espíritos de luz, conscientes da Lei e praticantes da

humildade e da caridade, pregadores que dedicam suas vidas à salvação pela palavra e

pelo exemplo.

Para meus pais,

Apolo e Rosa.

Para meu amor,

Juliana.

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III III

AGRADECIMENTOS

Existem muitas pessoas às quais desejo agradecer por terem de algum modo

participado das minhas experiências nestes anos de graduação, principalmente àquelas

que guardo na memória com sorriso estampado e com riso solto.

Gostaria de agradecer aos companheiros da turma do segundo semestre de 1995

do curso de Informática pelos inúmeros cafezinhos na cantina, pelas festas no CEI, os

churrascos no Barigüi, as idas à Ilha. Estes momentos originaram amizades duradouras

e respondem o porquê de ter escolhido esse curso.

Aos amigos e amigas que fiz no movimento estudantil, um muito obrigado pela

vivência política nas eleições, congressos, seminários e greves. Anos agitados e que

acabaram por me apontar o caminho a seguir.

Agradeço pela hospitalidade e carinho dados pela prima Jeane e o Luís, pelos

pais do Pássaro, Harry e Lilian, pelos pais do Buchudo, Zilda e Mário, e pela mãe do

Ramones, Adair.

Uma salva de palmas aos tempos de república, pelo aprender a impor e a ceder,

e aos tempos de Karraspanas, pela diversão e loucura. Grande abraço ao Gordo e ao

Arthur (onde quer que estejam), aos fiéis amigos Buchudo, Maria, Ramones,

Ramoninho, Pássaro, Rordak, Xunxo, Gaúcho e Litrão. Viva la Vita!

Agradeço aos professores e professoras que me ajudaram nessa caminhada, em

especial ao Renan (responsável pelo pontapé inicial), ao Lima (pela maestria de suas

aulas) e à Ana Maria (pela excelência do ensino teórico). Os meus sinceros

agradecimentos àquela que me guiou de forma exemplar tanto na pesquisa dos

programas de iniciação científica quanto na presente monografia: professora Fátima

Regina Fernandes Frighetto. Muito obrigado pela liberdade e pela confiança dada

desde o início.

Aquele abraço aos grandes amigos historiadores Athos, Billy, Turin, Edgar,

Miltinho, Lourival, Rafael, André, Guilherme, Laís, Allan, Hilton, Elder e Fernando.

Valeu pelos churrascos, pelo convívio na Casa da Amnésia, pela realização do jornal

Cesariana, pela concretização da revista Vernáculo, pelo incentivo ao grupo de estudos

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IV IV

Labirinto, pelos trabalhos em grupo, pelas lutas políticas e acadêmicas (Provão, eu não

fiz!) e pelas idas e vindas nos botecos do seu Zé, no Balaio de Frango, no memorável

Roxinho e na Vovó Mafalda.

Agradeço de coração à minha família, minha grande família que se estende de

Curitiba a Maringá.

A minha belle-mère Suely, meu sogro Douglas, ao meu amigo e cunhado

Carlucho, a adorada família Luz - Beto, Cyntia e meus amados Mariah e Matheus - um

muito obrigado por justamente também serem minha família.

Aos meus queridos irmãos, Marquinho e Melissa, e ao meu cunhado Eliandro,

abraços afetuosos.

Aos meus amados pais, Apolo e Rosa, devo a minha vinda, a minha estada, a

minha permanência e a concretização da minha graduação. Com amor lhes agradeço.

À minha amada Juliana destino poucas palavras: o início, o fim e o meio. A

causa de todas as minhas escolhas, o fim que alcancei com elas, e o meio pelo qual

consegui realizá-las.

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V V

Onde há caridade e sabedoria,

não há medo nem ignorância.

Onde há paciência e humildade,

não há ira nem perturbação.

Onde à pobreza se une a alegria,

não há cobiça nem avareza.

Onde há paz e meditação,

não há nervosismo nem dissipação.

Onde o temor de Deus está guardando a casa,

o inimigo não encontra porta para entrar.

Onde há misericórdia e prudência,

não há prodigalidade nem dureza de coração.

Francisco de Assis

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VI VI

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS.....................................................................................................vii

RESUMO....................................................................................................................viii

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................1

2 A NOVA CIDADE......................................................................................................4

3 O NOVO HOMEM...................................................................................................11

3.1 O CITADINO..........................................................................................................12

3.2 O INTELECTUAL..................................................................................................15

3.3 O MERCADOR.......................................................................................................18

4 MOVIMENTOS RELIGIOSOS CITADINOS..................................................... 22

4.1 O MOVIMENTO RELIGIOSO LAICO.................................................................22

4.2 O MOVIMENTO HERÉTICO................................................................................26

4.2.1 A religião cristã cátara ou a heresia cátara aos olhos da Igreja............................28

4.3 O MOVIMENTO FRANCISCANO ENTRE 1209 E 1226....................................31

5 AS PALAVRAS DE FRANCISCO DE ASSIS......................................................40

5.1 ADMOESTAÇÃO..................................................................................................41

5.2 O ESCRITO “ADMOESTAÇÕES”.......................................................................42

5.3 AS ADMOESTAÇÕES DAS REGRAS E DO TESTAMENTO...........................47

6 CONCLUSÃO...........................................................................................................50

REFERÊNCIAS..........................................................................................................52

OBRAS CONSULTADAS..........................................................................................55

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VII VII

LISTA DE SIGLAS

Sdvi - Saudação das Virtudes

Test - Testamento

Adm - Admoestações

RNB - Regra não bulada (1221)

RB - Regra bulada (1223)

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VIII VIII

RESUMO

O discurso proferido por Francisco de Assis significa material rico para a compreensão de um momento crucial da história européia ocidental, cujo desenvolvimento demográfico e econômico teve como conseqüência um poderoso movimento de urbanização. Esta revolução urbana em níveis econômicos (comércio e artesanato), religiosos (laico e herético) e culturais (universidade) do século XII, acabaram por oferecer os elementos que permitiram o surgimento do movimento franciscano no início do século XIII. Por outro lado, Francisco, diante das novidades citadinas, ofereceu uma nova moral, protagonista neste processo de urbanidade. A sociedade medieval urbana apresentou como fruto dessa interação, entre os ideais de Francisco e as mazelas citadinas, um novo modelo de cristão adequado a esse novo território, reeducado através de uma nova maneira de evangelizar, que por fim estabeleceu uma nova sociabilidade entre os citadinos. A problemática de nossa pesquisa girou em torno dos interlocutores possíveis na relação entre os citadinos e a palavra de Francisco. Para tanto, o primeiro passo foi o estudo sobre qual o tipo de cidade palco do movimento franciscano. O segundo passo recaiu sobre os habitantes da cidade, resultando na identificação dos grupos citadinos novos, mercadores e intelectuais, além dos movimentos religiosos tanto laicos quanto heréticos. Conhecer e entender esse quadro urbano tornou possível a compreensão dos diálogos possíveis naquele momento. Com isso, nossa inquirição voltou-se para o discurso de Francisco. Analisamos os escritos de Francisco de Assis como uma documentação que apresenta a opinião de Francisco sobre o mundo em que vive, onde nos preocupamos em recortar as opiniões que caracterizavam uma função educadora, isto é, que objetivasse transformar a opinião do público do qual ela se dirige. Estas opiniões são qualificadas como admoestação, sendo exatamente esta concepção de escrito de autoria de Francisco a nossa documentação principal para este trabalho monográfico. Delimitamos o nosso recorte temporal de acordo com o período em que se registra a datação dos escritos selecionados e sua repercussão enquanto Francisco ainda era vivo, que foram dos anos de 1206 a 1226. Identificar os participantes possíveis desse diálogo foi o objetivo final de nossa pesquisa. A partir de suas admoestações, Francisco educa os frades, que antes de mais nada, eram intelectuais ou mercadores. Adentrando e conhecendo como eles pensam, Francisco consegue conduzi-los a sua salvação. A pedagogia com fins na salvação é o recurso pastoral que transforma, canaliza esses fragmentos culturais do mercador e do intelectual para o mundo espiritual. Por fim, além do intelectual e do mercador, identificamos o herético como o terceiro grupo no qual Francisco de Assis dirige sua palavra de admoestação. Palavras-chave: Francisco de Assis; admoestação; cidade medieval; movimento

franciscano.

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1 INTRODUÇÃO

Em 1208, na pequena igreja de Porciúncula, conhecida também como

Santa Maria Degli Angeli, nos arredores da cidade de Assis na Itália, Francisco

(batizado como Giovanni di Pietro di Bernardone) decide por um estilo de vida

de pregador itinerante, assumindo a missão apostólica de evangelizar imitando a

vida de Jesus Cristo. Quando Francisco vai ao encontro do papa Inocêncio III em

1209 para obter o consentimento de seu modo de vida1, estava acompanhado por

mais onze homens que constituíam seu grupo inicial de pregadores, seguidores

de sua palavra e de seus atos. No final do ano de 1223, o papa Honório III aprova

com bula papal a Regra da Ordem dos Frades Menores2, elaborada por Francisco

em conjunto com os ministros provinciais do movimento franciscano e com o

Cardeal Hugolino (protetor dos franciscanos e futuro papa Gregório IX). Pouco

antes de morrer em 1226, Francisco de Assis ditou seu testamento, reafirmando

aos milhares de frades o modelo de cristão ideal do qual foi exemplo: imitação de

Cristo na pobreza e na humildade.

Neste mesmo período, a sociedade medieval está no auge de suas

transformações. Para Jacques LE GOFF (2001, p. 23-24) Francisco de Assis

nasce no coração do período do grande desenvolvimento do Ocidente medieval,

desenvolvimento demográfico e econômico que tem como conseqüência

espetacular um poderoso movimento de urbanização. Após sua morte, o

movimento franciscano imprime sua condição de referência religiosa para a

sociedade:

morreu a 3 de Outubro, depois de ter ditado o seu Testamento (...) Nessa época, a ordem dos irmãos menores contava já perto de três mil membros e o seu êxito continuava a aumentar. Não havia cidade de certa importância, primeiro na Itália e em breve em toda

1 De acordo com alguns pesquisadores (LE GOFF, 2001; FALBEL, 1995) Francisco

não buscou a aprovação de uma regra para seu modo de vida, mas apenas reconhecimento pela autoridade máxima da Igreja de que não havia nada de errado com esta escolha de vida, isto é, que não era uma heresia. Defini-la como regra indicaria a idéia de uma organização nos moldes das ordens monásticas já naquele momento, fato que parece improvável tanto a Francisco como ao papa Inocêncio III. Mesmo em relação às hagiografias, na hagiografia de Francisco de Assis escrita por Tomás de Celano, a primeira regra mencionada é a de 1221.

2 Encontra-se em vigor nos dias de hoje. O texto original conserva-se no Sacro Convento de Assis.

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a cristandade, que não quisesse ter dentro dos seus muros um convento franciscano. O papado apoiava-o com todos os seus esforços, seguro de poder contar com esta nova ‘milícia’ toda devotada – assim como com a ordem dos irmãos pregadores criada na mesma época por S. Domingos – na luta contra a heresia.” (VAUCHEZ, 1987, p. 252)

A importância do movimento franciscano é ressaltada por Louis

CHÂTELLIER (1995, p. 17) como o primeiro grande movimento missionário

capaz de reunir multidões, que antecipa o molde de atuação de apostolado dos

missionários dos tempos ditos modernos da Reforma e do Concílio de Trento.

Os franciscanos ao povoarem e perambularem pelas cidades, com uma

pregação simples e envolvente a partir de peças de teatro e de pequenas parábolas

direcionadas a especificidade de cada grupo social citadino, significaram

mudanças estruturais na sociedade urbana ocidental tanto em relação a vida

material quanto a espiritual. A sociedade medieval urbana apresenta como fruto

dessa interação, entre os ideais de Francisco e as mazelas citadinas, um novo

modelo de cristão adequado a esse novo território, reeducado através de uma

nova maneira de evangelizar, que por fim estabeleceu uma nova sociabilidade

entre os citadinos.

A nossa pesquisa monográfica buscou questionar justamente a

importância de Francisco de Assis perante esta sociedade em transformação.

Francisco é fruto desse processo evolutivo da cidade, contudo é quando ele deixa

de ser um resultado e passa a ser um agente de transformação, que perguntamos:

por que ele foi importante para esse processo? Qual foi sua participação? Com

quem interagiu? E para quem ou para o que ele foi importante?

Para responder tais questões recorremos, primeiramente, a uma análise do

contexto social da época. Analisamos as cidades medievais, buscando identificar

suas particularidades e características que viabilizaram a expansão do movimento

franciscano, apesar da dificuldade da regionalidade medieva ser distinta e

diversa. Após conhecermos a cidade, entramos nos estudos referentes aos

habitantes da cidade. Observamos suas características principais e as suas

manifestações coletivas de acordo com seus interesses em comum.

As análises proporcionaram as respostas das perguntas iniciais,

provocando outros questionamentos dirigidos a reflexões mais verticalizada,

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principalmente em relação aos interlocutores possíveis na relação entre os

citadinos e a palavra de Francisco, isto é, para quem se dirige os ditos de

Francisco? Somente para os frades? Outros religiosos poderiam ser os

destinatários? Para quais grupos citadinos pode estar voltado o discurso de

Francisco?

Nossa inquirição voltou-se para o discurso de Francisco. Analisamos os

escritos de Francisco de Assis como uma documentação que apresenta a opinião

de Francisco sobre o mundo em que vive, onde nos preocupamos em recortar as

opiniões que caracterizavam uma função educadora, isto é, que objetivasse

transformar a opinião do público do qual ela se dirige. Estas opiniões são

qualificadas como admoestação, sendo exatamente esta concepção de escrito de

autoria de Francisco, a nossa documentação principal para este trabalho

monográfico.

Delimitamos o nosso recorte temporal de acordo com o período em que se

registra a datação dos escritos selecionados e sua repercussão enquanto Francisco

ainda era vivo, que é dos anos de 1206 a 1226.

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2 A NOVA CIDADE

Após a ruína do Império Romano as cidades ocidentais evoluíram para um

quadro de enfraquecimento econômico e cultural devido ao deslocamento do eixo

comercial da Europa para a Ásia, onde o domínio do Mar Mediterrâneo passou as

mãos do Islã. Segundo Henri PIRENNE (1964, p. 9-48) o século IX é o marco de

uma economia em regressão e isolada, acarretando uma economia de consumo

caracterizada por um quadro de pobreza, baixa circulação monetária e

predominância da atividade agrícola e da comunicação terrestre. As sucessivas

invasões do Islã ao esvaziar o mar de seus tráficos acaba também por esvaziar as

cidades européias de seus comerciantes, reduzindo-as as cidades episcopais.

Este retrato urbano pessimista aos olhos de Pirenne é trabalhado por

Fernand BRAUDEL (1998, p. 92) com cores mais alegres. Para esse, os séculos

VIII e IX apresenta uma reanimação das trocas no mar Mediterrâneo, que

repovoa-se de navios permitindo que litorâneos ricos da margem do Islã e os

pobres da margem européia tirassem vantagem disso. O destino das cidades

italianas se realizam nas regiões ricas do Mediterrâneo, nas cidades do Islã ou

Constantinopla, onde é possível obter as cobiçadas moedas de ouro que permitem

adquirir as sedas de Bizâncio para revendê-las no Oeste europeu. Esse progresso

torna-se compreensível devido as condições desfavoráveis da economia descrita

por Henri Pirenne, que forçou os pequenos aglomerados italianos a lançar-se

“desesperadamente nos empreendimentos marítimos”, mas também, contrariando

o que nos diz Pirenne, explica-se pelas ligações precoces e preferenciais com o

Islã nutridos por tais aglomerados, evidência que o comércio a grande distância

permaneceu ativo durante todo o período, com a diferença que os mercadores não

mais se fixavam nas povoações européias, mas freqüentavam as feiras e outros

locais em caráter temporário.

Saindo da fronteira mediterrânica, a predominância da atividade agrícola e

da comunicação terrestre no interior do continente europeu propiciou a expansão

das fronteiras européias internas da floresta e dos pântanos. “Os vazios do seu

espaço recuam diante de seus camponeses desbravadores; os homens, mas

numerosos, põem a seu serviço as rodas, as asas dos moinhos; criam-se vínculos

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entre regiões até então estranhas uma às outras; há abertura; inúmeras cidades

surgem ou reanimam-se no cruzamento dos tráficos e este é certamente o fato

crucial. A Europa enche-se de cidades.” (BRAUDEL, 1998, p. 79)

Entretanto, se as invasões germânicas gradualmente povoaram o Ocidente,

favorecendo uma reaglutinação de populações urbanas perceptíveis no século X,

é a crise proveniente das invasões escandinavas que aceleram a ordenação do

comércio e da administração das cidades, de modo a favorecer cidades populosas

e com defesas eficientes.

Entre os séculos XI e XIII temos o que BRAUDEL (1998, p. 78-83)

conceitua como a “primeira economia-mundo”, onde a Europa conhece seu

verdadeiro Renascimento, dois ou três séculos antes do tradicional Renascimento

do século XV, marcada pela passagem da economia doméstica para uma

economia de mercado nas cidades que compreendem o eixo comercial entre os

Países Baixos e o norte da Itália. As feiras de Champagne no século XIII

caracterizam o encontro das rotas terrestres Norte-Sul, a cristalização maior dessa

economia-mundo.

A estas cidades do século XII e XIII devemos considerar o grau de

subordinação que elas mantém com os poderes políticos vigentes. Variando de

região para região, temos que na Inglaterra elas eram subordinadas ao poder real,

na França eram subordinadas aos condes e senhores locais, na Alemanha as

cidades da Liga Hanseática eram autônomas como também a maioria das cidades

italianas (estas conhecidas como comunas). Contudo, podemos identificar uma

interdependência entre os citadinos e os poderes externos à cidade:

cidades e mercadores aspiravam ao controle de seus próprios negócios, mas precisavam e desejavam a proteção do Estado quando estavam longe. Reis e nobres não viam com agrado a conduta altiva dos cidadãos e alarmavam-se com a propensão destes para formar associações juramentadas, especialmente as comunas do século XII. Tais manifestações pareciam subversivas e ameaçadoras, mas ao mesmo tempo a aristocracia recorria às cidades não só para obter suprimentos, como também para cobrar os tributos com que era paga a proteção política e para conseguir empréstimos junto aos comerciantes. (LOYN, 1997, p. 90)

Segundo Jacques LE GOFF (1992, p. 3-6), entre o período de 1150 à 1330

temos a constatação que as cidades significaram uma revolução quantitativa,

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devido ao crescimento em número de habitantes e de cidades, e uma revolução

qualitativa no sentido da interdependência entre mercadores e Estado, relação

trabalhada por Norbert ELIAS (2001, p. 153-159; 221-266) como um processo

civilizacional e que Fernand Braudel aponta como resultado do aumento das

tensões e precipitação das trocas provocadas pela cidade, uma aceleradora de

todo o tempo da história. (LE GOFF, 1992, p. 4).

Ao falar em revolução, Jacques Le Goff trabalha com a idéia que a partir

do século XII podemos identificar uma nova cidade, cuja característica principal

e diferencial deve-se ao fato de ser policêntrica, isto é, um aglomerado de cidades

que foram se sobrepondo em termos espaciais, mas apresentando diferenças

culturais presas ao contexto histórico do aparecimento e desenvolvimento de

cada uma. “A nova cidade medieval, portanto, fez-se principalmente a partir de

uma implantação anterior, cidade galo-romana, mosteiro da Alta Idade Média,

castrum do começo do feudalismo, entre o século IX e X. A história muda, mas

faz-se sempre no mesmo local. Daí as ilusões da continuidade.” (LE GOFF,

1992, p. 33) Logo, encontramos no Ocidente cidades que se diferem em sua

natureza, onde a nova cidade convive com as velhas. Vale lembrar que para

nosso estudo é a cidade que surge a partir do século XII que nos interessa.

E o que caracterizaria esta nova cidade, além de sua policentria?

Primeiramente, as muralhas. Juntamente com elas, as portas de acesso que são

circundadas por mercados, albergues e conventos mendicantes, espaços que

viabilizam a observação e a captura do que entra e do que sai dos muros da

cidade. Em segundo, temos a manifestação de três poderes, segundo Jacques LE

GOFF (1992, p. 34) análogos as três funções indo-européias de Georges

Dumézil, que são: o religioso, representado pela Igreja e sua presença espacial e

ideológica; o econômico, que seria o complexo de mercado; o político, no papel

da nobreza, do rei e do papa. Por terceiro, a cidade apresenta um caráter

campestre, possuindo pequenos pomares, jardins e cultivos, localizados de forma

caótica entre as divisões da cidade que são três: paroquial, uma outra voltada para

o mercado e os quartiers (análogo ao que chamamos de bairros nos dias de hoje).

Por último, a presença religiosa aparece como meio de identificar o crescimento

urbano e caracterizar a mudança da natureza citadina. O aumento de uma rede

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paroquial antiga indica um crescimento da cidade, contudo o surgimento de uma

nova rede paroquial revela que também houve uma transformação na natureza da

cidade.

Os conventos mendicantes protagonizam uma nova rede paroquial voltada

para duas preocupações: a heresia e o dinheiro. Diferente das ordens monásticas

que mostravam-se isoladas e fixas em seus mosteiros, as ordens mendicantes

respondiam ao perfil da nova cidade e se adequavam a mobilidade dos citadinos.

Não se encontravam ligados a um território como no caso da paróquia, com isso

moviam-se entre as ruas e praças construindo uma identidade com o coletivo dos

citadinos. “O espaço de Francisco e dos irmãos torna-se uma rede de cidades e a

estrada entre elas (...) Seu apostolado os leva a utilizar ou a criar novos espaços

comunitários nas cidades, em particular para a pregação. Esse novo lugar da

palavra urbana é freqüentemente a praça, recriando um espaço cívico ao ar livre,

sucedendo a desaparecida ágora e o fórum antigo. (LE GOFF, 2001, p. 189). A

esta preocupação com a comunicação pela palavra, alia-se a novidade da

confissão, que influía na vida interior e na casuística moral dos fiéis, sendo que a

“lembrança ativa do Cristo torna-se um motor essencial da vida espiritual (...) a

confissão e a pregação põem em primeiro plano o exame de consciência que é em

primeiro lugar rememoração.” (LE GOFF, 2001, p. 196). Duas outras diferenças

destacam-se entre as ordens monásticas e as mendicantes, a morte e o ideal de

pobreza. Apesar do choque inicial com a hostilidade do clero paroquial, ambos se

adaptaram com o novo contexto, sendo que as ordens mendicantes obtiveram

tanto o apoio do papado quanto o favor do poder monárquico (no caso da França)

que favoreceu a crescente implantação de conventos mendicantes ao longo do

século XIII.

Em linhas gerais, a nova cidade medieval dos meados do século XII deve

ser considerada a partir de quatro viés: o econômico, o institucional, o social e o

cultural.

O fenômeno urbano e o sistema feudal sugerem o questionamento sobre

qual seria a relação entre a cidade e o feudalismo. A cidade assimilada à um

poder feudal como a senhoria? A cidade seria um fenômeno anti-feudal? Ou a

cidade pode ser pensada como um entrave territorial no sistema feudal, isto é, um

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sistema urbano aliado ao feudalismo? Para Jacques LE GOFF (1992, p. 55-78)

estes três posicionamentos não respondem à questão. A cidade não é uma aliada

ao feudalismo, mas parte integrante que caracteriza uma simbiose entre cidade e

sistema feudal, isto é, a aceitabilidade dos senhores feudais em relação as cidades

e adaptação dos burgueses ao modo de produção senhorial, em outras palavras,

um sistema feudo-burguês.

Nesse sistema feudo-burguês, a cidade comporta-se de forma dual: ativa e

passiva. A cidade ativa é marcada pelo desenvolvimento comum e em conjunto

do artesanato com o comércio, configurando o caráter produtivo da economia

citadina. O consumo urbano caracteriza, por sua vez, a cidade passiva, um centro

de consumo principalmente de necessidades que surgem com a economia urbana-

medieval: a carne e o vinho. (LE GOFF, 1992, p. 76-77).

O movimento que conduziu os citadinos a conquistarem seus direitos de

liberdade e a constituírem os fundamentos institucionais da cidade, iniciou-se no

século XI com um desenvolvimento acentuado e caótico da cidade. Em um

segundo momento, entre a metade do século XII e o início do século XIV

observa-se uma organização e consolidação jurídica desse desenvolvimento. A

liberdade pessoal (universitas, termo que exprime a realidade ideológica da

cidade-corporação), o direito de associação, o direito de jurisdição (terem seus

próprios juizes), a propriedade coletiva (manifestação e definição da comunidade

urbana: cofre, selo, sino e imóveis), são os quatro fundamentos do caráter

institucional da cidade desenvolvidos por meio de lutas sociais.

O fundamento base, a liberdade pessoal, significa uma oposição ao

arbítrio de um superior, onde o citadino julga-se livre na medida que as

obrigações impostas são definidas via contrato ou meio legal, substituindo a

determinação arbitrária e unilateral daquele que tem o poder e ao qual ela

depende. Ser livre é poder discutir os limites de sua submissão, tendo um estatuto

definido de direitos e deveres. As cartas forais respondem a essa noção de

liberdade, só que pensada a partir de dois aspectos: privilégios econômicos e a

instituição de um conselho eleito.

O esquema trifuncional – oratores, bellatores, laboratores – enquadra o

trabalhador urbano juntamente com o camponês, como laboratores, provocando

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a necessidade de uma esquematização que funde ideologicamente seu lugar na

sociedade, que seria as artes mecânicas, esquema que totaliza sete ofícios

clássicos: tecelagem, arquitetura, navegação, agricultura, caça, medicina e teatro.

Nos meados do século XII são introduzidos dois novos ofícios urbanos e que se

justificam como trabalhadores: o mercador, aquele que vende o tempo; o

intelectual, aquele que vende o saber. A hierarquia corporativa excluí os grandes

mercadores (escapam dos entraves corporativos como fixação de preços e

salários) e a massa de trabalhadores que não pertencem a corporações. (LE

GOFF, 1992, p. 79-122).

Esta nova sociedade urbana apresenta uma estratificação social que

incorpora a burguesia e um setor terciário que engloba o proletariado artesanal,

mas que deixa escapar parcelas numerosas de pobres e marginais. Jacques LE

GOFF (1992, p. 169) pinta essa nova sociedade da seguinte forma: “clérigos por

toda parte, os nobres estão sobretudo fora da cidade, os pobres estão igualmente

por toda parte, nas cidades, mas também nos campos e nas estradas. Burgueses,

só os há nas cidades. A originalidade da cidade medieval é a burguesia.”

Por fim, o viés cultural compreende o controle do espaço que é pensado

por Jacques LE GOFF (1992, p. 193-226). em duas etapas: o vivido e a imagem.

O vivido significa as experiências urbanas que cristalizaram-se em espaços

específicos. Logo, temos as escolas laicas e as universidades, que favorecem a

promoção de línguas vulgares, o acesso à escrita e a proliferação dos ofícios de

direito. A praça representando o lugar de encontro entre a cultura erudita e a

popular, formadora de opinião e por isso local dos exempla3 e dos jograis,

também caracterizando o ponto de encontro entre a cultura mercantil, a

eclesiástica e a cavaleiresca. Por sua vez, a imagem, ou melhor, o imaginário da

cidade é composto por quatro tendências: a ideologia escolástica da cité, a

historiografia legendária, o patriotismo urbano e o folclore urbanizado.

Ora molde, ora moldada, esta nova cidade significava um território que

trazia os males dos campos misturado com males citadinos, território onde a

pobreza se fixa e junto dela os franciscanos. O movimento franciscano surgem

desta nova estrutura urbana e apresenta intensa interação com ela, mais

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propriamente com os habitantes da cidade. Os citadinos serão o público leigo no

qual o discurso franciscano se volta, por isso nos voltemos também para eles,

buscando compreender as várias faces do homem que vivia na cidade.

3 Definir exempla por LADURIE e Dicionário

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3 O NOVO HOMEM

O homem medieval é o homem da mitologia cristã, envolvido numa luta

entre o bem e o mal, um maniqueísmo que mesmo recusado e condenado pelo

cristianismo, acabou por ser entendido como a existência de um Deus superior e

de dois exércitos inferiores, os anjos e os demônios. Dessa antropologia cristã

surge duas concepções de homem: o homo viator, o peregrino em potencial ou

simbólico que tange o aspecto de ser errante, isto é, não estável; e o homem

penitente, que assegura a salvação da alma a partir da penitência e da confissão.

(LE GOFF, 1989, 12-14)

A cidade, além de abranger entre seus muros essas duas concepções de

homem medieval, apresenta novos personagens: o citadino, o mercador e o

intelectual. O citadino, um imigrado recente, um antigo camponês, um homem

que vive entre muros. O mercador inaugura uma nova ética do trabalho e da

propriedade, onde ao nascimento opõe o talento. E o intelectual é aquele que

trabalha com a palavra e a mente e não com a mão.

Ícones da novidade que a cidade representa no Ocidente medieval, estes

três tipos de homens medievais apresentam uma relação de interdependência com

os frades menores, que sugere pensarmos os franciscanos como interlocutores

entre estes novos homens e os velhos homens – o nobre, o eclesiástico e o

camponês.

É ao citadino que se dirige especificamente o apostolado eficaz das ordens mendicantes, que se encarregam da sua consciência e da sua salvação e que, por vezes, se intrometem até, sem demasiada discrição, nos assuntos da casa, nos seus negócios, no seu foro íntimo (...) O ingresso dos mestres das ordens mendicantes na universidade de Paris provoca uma grave crise: esses mestres são os introdutores de novidades intelectuais e, por isso mesmo, são muito apreciados pelos estudantes mas, na sua qualidade de membros de uma ordem religiosa, recusam-se a entrar no jogo corporativo (...) A situação do mercador é mais ambígua do que a do intelectual (...) os frades das ordens mendicantes procuram justificá-lo, apoiando-se no Purgatório (... )a linha de demarcação entre mercador e usuário é vaga. (LE GOFF, 1989, p.20-21)

Conhecer estes três tipos de homens que respiram o ar da cidade significa

o início da compreensão do que foi o movimento franciscano aos olhos do seu

público.

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3.1 O CITADINO

O citadino habita, ou em uma Babilônia, ou em uma Jerusalém. O inferno

e o paraíso são duas visões de uma mesma cidade, onde o que muda é quem está

olhando para ela. Esta dualidade é trabalha por Jacques ROSSIAUD (1989, p.

99-100) a partir de questionamentos sobre o que há de comum entre o mendigo e

o burguês, entre o clérigo e a prostituta, entre os habitantes de uma cidade e de

outra, entre os citadinos do século XIII e os do XV.

A resposta que ele obtém, primeiramente, é que eles convivem em um

mesmo espaço, assim não podem ignorar uns aos outros e acabam por se

integrarem em torno do dinheiro e de normas de convivências novas e

específicas.

Em segundo, o citadino é o camponês que imigrou. O que os diferencia?

Jacques Rossiaud propõe pensarmos que a diferença é cultural. A cidade imprime

uma cultura diferenciada, mas haveria diferenças culturais de cidade para cidade?

A natureza da cultura seria idêntica para todas as cidades, o que mudaria seria a

gradação dessa cultura, isto é, a cidade vence as barreiras regionais medievais

constituindo um sistema homogêneo da cultura citadina, que apresenta-se em

menor ou maior complexidade de teia de relações (cidades maiores apresentam

maior densidade e intensidade de relações entre os seus habitantes e instituições,

provocando ainda uma propagação que repercutiria nas cidades menores

promovendo um efeito encadeado de crescimento, que justificaria o caráter

homogêneo da cultura citadina apesar das diferenças de tamanho entre elas).

Concordar com Jacques Rossiaud é possível se considerarmos que a cidade no

qual ele se refere é aquela cidade nova (tópico estudado nesta monografia)

proposta por Jacques Le Goff, que surge a partir do século XII e convive com as

antigas cidades. Há diferença de natureza da cultura entre as cidades antigas e as

cidades novas. Contudo, se considerarmos somente estas novas cidades, é

admissível a proposta de Jacques Rossiaud do caráter homogêneo da cultura

citadina no Ocidente.

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Logo, limitando a idéia de Rossiaud às cidades novas de Le Goff, temos

que a cultura citadina desenvolveu-se durante dois séculos, construiu estruturas

específicas e pode ser pensada como espaço onde forma-se uma nova

mentalidade, que incorpora o respeito e convívio com a diversidade de pensares e

hábitos regrados pela construção de leis comuns. Por essa lógica, a cidade foi

espaço da revolta e contestação (movimento religioso laico e heresia), da

liberdade (trabalhadores assalariados), da riqueza (mercadores), da pobreza e da

salvação das almas.

Habitar na cidade significa estabelecer relações com o dinheiro e com a

solidariedade (as comunas são um exemplo), que acabam reduzindo os meios de

sobrevivência àqueles vinculados a rapina, o poder e a caridade. O citadino vive

com diferentes, seja dividindo quartos, seja sendo vizinho de condições e ofícios

diversos, a cidade coage o citadino a conviver com a diversidade.

A dependência do mercado e os convenientes e inconvenientes de estar

fechado entre muros – por um lado a segurança, por outro o contágio tanto físico

quanto mental – resultam dessa condição preliminar de toda cultura urbana de

começar a viver na promiscuidade e aceitar o confronto com gente estranha aos

seus costumes e à sua língua. (ROSSIAUD, 1989, p. 102).

Outro fato relevante diz respeito a reavivação de uma memória

genealógica das linhagens por volta do século XII. Esta geração de vastos

parentescos artificiais responde a uma aspiração por parte da burguesia de uma

linhagem solidária e com parentes ativos e generosos. Sonha com aquilo que não

tem, com aquilo que a cidade não favorece que se tenha devido a sua economia e

ambiente que exerce uma função destruidora dos laços familiares. Contudo, essa

mentalidade mercantil que molda sensibilidades e comportamentos

desagregadores, apresenta na figura dos franciscanos o elemento agregador,

respondendo as aspirações burguesas.

As sociabilidade entre os citadinos podem ser observadas ao trabalharmos

a questão da vizinhança. Ser vizinho eram possuir uma identidade com o bairro,

poder enquadrar o jovem em um grupo (jogos, patuscadas e alaridos) e legitimar

casamentos e uniões.

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Justamente no bairro é que encontramos as confrarias, associação

preocupada em partilhar responsabilidades e exercer proteção recíproca, mas

principalmente significava reconhecimento das profissões ou guildas, além de

serem acusadas de representarem foco de rebelião e de desvio herético. “Mas,

mal conquistaram as cidades, as ordens mendicantes compreenderam o partido

que podiam tirar desses pequenos núcleos de consenso e acolheram-nos ou

fomentaram a sua formação.” (ROSSIAUD, 1989, p. 112).

O movimento franciscano ao interagir com estas organizações leigas,

acabam mesclando sua proposta religiosa de vida com as aspirações dessas

organizações, resultando na promoção da inserção do citadino em uma rede de

solidariedade entre pessoas que não eram iguais e em acordos entre iguais,

minimizando as contradições e fomentando uma cultura comum.

Esta sociabilidade característica das confrarias reforçavam o apego dos

citadinos à sua maneira de viver e também recompensavam aqueles que

trabalhavam. O trabalho é bandeira assumida pelo movimento franciscano,

inclusive os novos trabalhos citadinos que respondem a nova moral dos

mercadores.

Mas a ética legitimadora é, antes de mais, a dos grupos dominantes e os homens das artes manuais, que trabalham materialmente, são desprezados pelos ricos e pelos intelectuais (...) o trabalho já não é obstáculo à salvação e os artesãos e os mercadores já não duvidam nem da sua dignidade, nem da sua função social (...) é melhor trabalhar inutilmente do que ser ocioso inutilmente (...) daí as invictivas dos clérigos contra os usurários – ociosos – , que lucram ou engordam dormindo (...) a desconfiança cada vez mais notória em relação à mendicidade, sobretudo voluntária. (ROSSIAUD, 1989, p. 117)

O citadino dessa nova cidade medieval protagoniza a construção lenta e

desigual de uma urbanidade que “os obrigavam a viver em paz, a dominar a sua

violência ou o seu medo, a libertar-se da sua loucura, a exprimir a sua adesão ou

a sua obediência” (ROSSIAUD, 1989, p. 120).

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3.2 O INTELECTUAL

O termo intelectual, ao designar não uma qualidade mas uma classe de

pessoas, surge no final do século XIX com o Manifeste des intellectuels. No

entanto, esse vocábulo caracteriza um tipo de homem que, nos séculos medievais,

trabalhava com a palavra e com a mente, não vivia de rendimentos da terra nem

era obrigado a trabalhar com as mãos, e tinha consciência de sua diversidade em

relação às outras categorias humanas (BROCCHIERI, 1989, p. 125)

No século XI, as instituições monásticas e a língua latina favoreciam uma

uniformidade de contexto essencial para um intelectual, além de ser um fator

organizador. No século XII e início do XIII, as cidades assumem papel

preponderante para os intelectuais, propiciando uniformidade cultural e espaço de

atuação. Junta-se o desenvolvimento homogêneo promovido pelo percurso

doutrinal – devido a estrutura de ensino – com a diversidade do ambiente –

decorrente da relação entre a escola e o poder político do papado e do rei.

Mariatereza BROCCHIERI (1989, p. 133-134) busca definir o intelectual,

inicialmente, como aqueles que apresentam consciência de fazerem um trabalho

diferente daquele que executa a maioria dos homens, tendo sempre em vista a

transmissão das suas teorias. Com o advento de Aristóteles e Averrois, o

intelectual assume uma nova imagem, que considera a diversidade do

pensamento – respeita a obra, não mutila ou oculta por ser discordante – em

contraposição àquela idéia tradicional da cultura cristã como uma unidade global

– imposição do cristianismo como a única verdade a todos.

O intelectual medieval distingue-se não tanto em relação a um contexto

histórico ou de atividade, mas sim por modelos culturais, isto é, a distinção está

entre a cultura do campo e a citadina. O campo significa para o intelectual o

estudo solitário, resguardado e sereno. A cidade, o envolvimento na vida política

e no trabalho. Petrarca e o monge S. Bernardo de Claraval viam a cidade como

uma Babilônia, assumem, então, exemplo de intelectuais que primam por uma

cultura camponesa. S. Boaventura justificava sua opção urbana pela abundância

de pessoas não dispersas, e por isso suscetível de colher mais frutos com os

sermões. Não por acaso, Francisco de Assis encontra-se entre um e outro. Não

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somente em termos cronológicos, mas principalmente devido ao fato que a opção

urbana caracteriza a originalidade franciscana ao romper com o modelo que

condicionava as ordens regulares até então, de renunciarem ao mundo e se

isolarem no campo.

O intelectual tem na universidade o seu correspondente institucional. As

universidades do século XIII apresentam uma penetração de franciscanos, que

segundo Jacques LE GOFF (1988, p. 82-84), apesar de constituírem parcela

daqueles que se distanciavam das posições de Francisco de Assis, hostil à ciência

(obstáculo à pobreza, ao despojamento e à fraternidade com os humildes),

acabaram por atrair estudantes “sensíveis às vantagens do ensino dos

Mendicantes, mais ainda ao brilho de suas personalidades e à novidade de certos

aspectos de sua doutrina”. Le Goff trabalha com a questão na novidade

franciscana diante da universidade como um paradoxo da “dupla participação em

uma ordem, por mais novo que fosse seus estilo, e simultaneamente em uma

corporação, por mais clerical e original que fosse.” Os intelectuais chocavam-se

com a concepção de pobreza que regia o universo franciscano, ainda mais que os

intelectuais tinham na universidade a corporação que legitimava-os como

trabalhadores, como detentores de um ofício reconhecido pela sociedade.

Sobre esta questão, Jacques Le Goff diz que a pobreza é o elemento que

distingue o intelectual do franciscano:

A pobreza resulta do ascetismo, que é recusa ao mundo, pessimismo em relação ao homem e à natureza. Por essa perspectiva, já se fere o otimismo humanista e naturalista da maioria dos universitários. Mas, acima de tudo, a pobreza entre os dominicanos e os franciscanos tem por conseqüência a mendicância. Aqui, a oposição dos intelectuais é absoluta. Para eles, não se pode viver a não ser do trabalho. Nesse aspecto, eles representam a atitude de todos os trabalhadores da época, os quais, apesar de tudo que já se afirmou, eram na maioria hostis às novas Ordens devido à mendicância. A mensagem de São Domingos e de São Francisco de Assis se vê obstaculizada. (LE GOFF, 1988, p. 85)

Acreditamos que a pobreza seja elemento de distinção, entretanto a

pobreza pregada e vivida por Francisco não significa a recusa do mundo e da

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natureza, pelo contrário, é a afirmação da presença divina em todas as criaturas e

a transformação do mundo para que ele inclua em vez de excluir4.

Sobre a mendicância, abrimos um parênteses, para salientar que a pobreza

franciscana não se fundamenta no ato de mendigar. Hans KÜNG (2002, p. 132-

133) afirma que a pobreza de Francisco é “uma vida absolutamente desprovida

de posses, não só para o membro individual da irmandade (como nas ordens

anteriores), mas também para a comunidade como um todo (...) os irmãos deviam

trabalhar duro no campo: só deviam mendigar numa emergência” e conclui

“Francisco não queria uma ordem mendicante”.

As mudanças decorrentes após a morte de Francisco de Assis podem

justificar as críticas dos intelectuais, contudo em vida de Francisco, o movimento

franciscano seguia uma pobreza voluntária aliada a um trabalho voluntário.

Voltando a relação entre intelectuais e franciscanos, Cherubino Bigi

(SABEDORIA, 1999, p. 666-677) afirma que o estudo entendido como atividade

intelectual deve ser analisado considerando a dialética “entre a ‘sabedoria da

carne’ ou ‘sabedoria desse mundo’ de um lado (SdVi 10) e a ‘sabedoria do

espírito’ de outro lado”. Francisco acredita que o estudo conduz a dois caminhos

antagônicos, por isso ele não orienta o estudo para a teoria e a doutrina, mas para

a busca constante de realizar em vida o sentido de existir de Cristo para ser sua

imagem e semelhança. Assim, o estudo da teologia somente é benéfico e assume

significado positivo e aceitável se estiver servindo ao espírito.

O teólogo é mencionado por Francisco de Assis, em seu Testamento,

condicionado ao espírito. “E devemos honrar e respeitar todos os teólogos e os

que nos ministram as santíssimas palavras divinas como a quem nos ministra

espírito e vida.” [Test 13] (ASSIS, 1996, p. 168). O intelectual é bem quisto por

Francisco como aquele que possibilita caminho para a salvação da alma, sendo

servo da sabedoria do espírito. Mas o intelectual almeja a posição de

4 Jacques LE GOFF (2001, p. 23-39) trabalha com essa questão, defendendo a

particularidade de Francisco ver o mundo de forma otimista. Essa mudança de opinião sobre o papel da pobreza entre os intelectuais e os franciscanos, ao nosso ver, refere-se ao fato o estudo sobre os intelectuais (1988) de Le Goff é da década de 1950, sendo que na edição utilizada no nosso estudo o próprio autor reconhece que alguns pontos estariam defasados, e ao nosso ver, a questão da pobreza franciscana representar uma ortodoxia na qual os intelectuais se opõem por estarem na esteira do da razão aristotélica (naturalista e humanismo), é um desses pontos.

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trabalhador, que recebe por aquilo que faz como ofício. Aceitar a novidade

atrativa dos franciscanos está condicionada a escolher entre o estudo que leva a

sabedoria do mundo, ou o estudo que leva a sabedoria do espírito.

Os intelectuais que adotaram a cidade como habitação e a universidade

como corporação encontraram nos franciscanos local de aconchego espiritual por

um lado, tensão e conflito devido ao dinheiro, símbolo do mundo material, por

outro.

3.3 O MERCADOR

De acordo com Aron GUREVIC (1989, p. 165-167) a mentalidade dos

mercadores distinguia-se da dos cavaleiros, do clero e dos camponeses, sendo

que a visão de mundo formada gradualmente na consciência da classe mercantil,

evoluiu opondo-se a visão de mundo dos outros estratos da sociedade feudal.

No século IX, o mercador prende-se a imagem dos vikings: guerreiro,

conquistador, saqueador, navegador, colonizador e comerciante. Depois, no

século XI, o mercador é útil ao rei e ao nobre, mas situa-se fora do sistema

trifuncional. A ética dominante mantém as ocupações urbanas e o comércio

condicionados a ideologia da Igreja, onde o camponês desconfiava e o nobre

desdenhava dos mercadores. O mercador assume as características de um

estudioso do outro, pois necessita conhecer e analisar para fins comerciais os

costumes dos lugares onde chega. A imagem negativa do mercador – pária da

sociedade – mostra sinais de mudança por volta do século XII e torna-se evidente

no século XIII, quando a Igreja apoia políticas que deslocam do campo para a

cidade o seu foco de ação doutrinário através das ordens religiosas mendicantes.

Contudo, a imagem do mercador ainda era contraditória e tomada por

preconceitos.

Esse caráter contraditório da posição do mercador medieval é constantemente revelado na pregação dos frades mendicantes. Não nos esqueçamos de que o fundador da Ordem dos Franciscanos, Francisco de Assis, provinha de uma família de ricos mercadores de tecidos. Dominado pela idéia de pobreza evangélica, Francisco de Assis rejeitou o patrimônio e rompeu com a família, fundando uma confraria que depressa se transformou em ordem monástica. Perante o crescente descontentamento do povo

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devido à riqueza da Igreja, da nobreza e das classes altas da cidades – descontentamento que agrava as heresias – a Igreja acha oportuno tomar sob a sua proteção as ordens mendicantes e incorporar o movimento na estrutura oficial. Pretendia que ‘os nus seguissem Cristo nu’ sob a sua égide e não no seio dos movimentos heréticos. A pregação das novas ordens colocava os ricos perante um dilema moral.” (GUREVIC, 1989, p. 168).

Para Aron Gurevic os franciscanos são o signo desta contradição sobre a

imagem do mercador.

A usura e o usurário, condenados pela Igreja oficialmente5 em 1179, eram

práticas dos mercadores, por isso falar de usurários era o mesmo que falar de

mercadores. Eram acusados de comercializar a demora no pagamento, ou seja, o

tempo. Assim, roubavam o tempo, “patrimônio de todas as criaturas e, por isso,

quem vende a luz do dia e a calma da noite não deve possuir o que vendeu, isto é,

a luz e o repouso eternos” (GUREVIC, 1989, p. 168-169).

Os pregadores retomavam incansavelmente os exempla6 sobre os

usurários, que tinham o efeito de justificar o ódio contra o usurário nutrido pelo

público citadino em geral, destacando os exemplas que descreviam o

desmascaramento dos usurários, escândalo remediado somente com a reparação

total do prejuízo causado, isto é, doação de seus bens adquiridos pela usura para

os pobres ou para a Igreja.

A ética da acumulação, leia-se ética do mercador, marca conflito tanto

com a doutrina religiosa, quanto com as tendências fundamentais da aristocracia.

Exemplo clássico é o poema anônimo Uma nova disputa breve entre o Poupador

e o Gastador, onde o mercador assume o papel de gastador e o cavaleiro,

aristocrata, o de poupador. Aron GUREVIC (1989, p. 171-178) cita esse exemplo

para iniciar uma reflexão sobre o sistema trifuncional, onde afirma que no século

XIII, esse “esquema arcaizante” entrara já em nítida contradição com a realidade

social, sendo que a pregação dos frades já reconhece uma variedade profissional

e de classe de população.

5 A prática de usura fica proibida para os cristãos. Os judeus, por serem considerados

infiéis, logo não cristãos, continuavam a realizar usura (a proibição não os alcançavam). Ver em GUREVIC (1989, p. 168).

6 Aron GUREVIC (1989, p. 169) define exempla como histórias curtas incluídas nos sermões e relacionada com o folclore ou a literatura do passado, tendo ainda um ensinamento edificante.

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Aron Gurevic recupera as concepções de Bertoldo de Ratisbona,

franciscano contemporâneo do século XIII, que pensa a sociedade da época a

partir de nove categorias. Três superiores e hierárquicas: sacerdote; monge; juiz

leigo (imperador, rei, senhor feudal). Seis inferiores e não hierárquicas (relações

horizontais): confeccionador de roupas e sapatos; artesão que utiliza instrumento

de ferro (joalheiros, ferreiros, pedreiros); mercador; vendedor de alimento e

bebida; camponês; médico; e ator. Na população urbana, cinco talentos

organizam esse esquema social: a pessoa, no sentido do livre arbítrio que ela

exerce – é a liberdade da cidade; a vocação, que seria o serviço ou ofício que

cabe a cada pessoa; o tempo de vida; os bens terrenos; e as relações com os

outros. Estes valores são os dons cuja utilização se tem de responder perante

Deus, e exprimem uma predominância da ética mercantil, onde o homem tem que

se preocupar em exercer bem sua vocação, aproveitar seu tempo de vida e

preocupar-se com os bens que conquista. Enriquecer extrapola a consciência dos

mercadores e atinge o citadino já no século XIII.

O estudo e a educação respondem a uma exigência da economia do século

XIII, onde a instrução e a preparação para lidar com a leitura, a escrita e a

matemática, provocam o surgimento de muitas escolas leigas. As novidades

intelectuais do universo mercantil como a mentalidade aritmética, escritos em

língua vulgar e em línguas estrangeiras, o conhecimento dos costumes e

instituições dos diferentes povos, caracterizam a interação entre a mentalidade

mercantil e a do intelectual, fato observável pela semelhança da concepção sobre

o tempo. “O tempo subjetiva-se, ‘humaniza-se’ e a necessidade de o ‘tornar seu’,

de o possuir, é sentida igualmente pelos homens de negócios e pelos cientistas, os

poetas e os artistas, que medem o tempo em função da aquisição do saber, de

modo a ‘de dia para dia, nos irmos transformando naquilo que não éramos antes.”

(GUREVIC, 1989, p. 188). A reorganização do espaço da cidade resulta em uma

nova concepção sobre o tempo (HARVEY, 1994, p. 44-46). O tempo muda de

valor, de patrimônio de Deus para patrimônio dos homens.

Esse perfil de agente transformador da sociedade apresenta um outro lado,

o perfil herético do mercador. A heresia acompanha a classe mercantil. O ideal

de “preço justo” e “lucro moderado” pregoado pelos frades contradiziam a

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realidade, onde a religiosidade do mercador é condicionada a sua sede de lucro, e

aí está sua ética.

Henri PIRENNE (1967, p. 176) salienta essa mentalidade aberta para a

heresia como um espírito laico que aliava-se ao fervor religioso de forma intensa.

O misticismo que no século XI os faz tomar partido pelos reformadores

religiosos que combatem a simonia e o casamento dos padres, é o mesmo

misticismo que no século XII propaga o ascetismo contemplativo dos beguinos e

dos begardos, e também responsável no século XIII pelo acolhimento entusiasta

que receberam os Franciscanos e os Dominicanos. “Mas é este misticismo

burguês também que aí assegura o sucesso de todas as novidades, de todos os

exageros e de todas as deformações do sentimento religioso. A partir do século

XII, nenhuma heresia se manifestou que não tivesse logo encontrado adeptos.

Bastará recordar aqui a rapidez e a energia com que se propagou a seita dos

Albigenses”.

O mercador juntamente com o intelectual, caracterizam o novo tipo de

homem que habita a nova cidade de meados do século XII. Encarando esse

quadro como uma teia de novidades, tanto o movimento franciscano quanto o

movimento religioso laico e ainda o movimento herético, apresentam-se como

interlocutores dos grupos citadinos. Cabe agora conhecer em detalhes estes três

movimentos, que às vezes se distinguem e outras vezes se confundem.

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4 MOVIMENTOS RELIGIOSOS CITADINOS

A Ordem dos Frades Menores não é um movimento que se distingue de

tantos outros que surgiram no final do século XII. Ao contrário, os franciscanos

trazem consigo semelhanças com esses outros movimentos religiosos, pois

ambos são frutos de uma ampla reforma religiosa que cobriu os anos de 1050 a

1226. Analisar a ordem dos franciscanos necessita trilhar esse período permeado

de heresias e de movimentos religiosos laicos, que oferece as estruturas sociais e

políticas onde nasce Francisco de Assis e surge o movimento franciscano.

4.1 O MOVIMENTO RELIGIOSO LAICO

A crise religiosa no século XII teve sua origem no século anterior, onde

um conjunto de reformas foram efetuadas no corpo eclesiástico. O papa Gregório

VII (1073-1085) representa o grupo reformador daquela época, que efetuou

diversas medidas contra a simonia e a dependência do papado em relação a

famílias ricas romanas ou ao imperador. Isolamento do clero e a valorização da

função sacerdotal, controle dos cargos eclesiásticos, imposição do celibato do

clero em instituições como os mosteiros e definição nítida dos direitos e

responsabilidades do papado, são algumas das medidas reformadoras

implantadas que buscavam uma volta para a ecclesia primitiva dos apóstolos.

Viver segundo o santo Evangelho (...) era nos alvores do século XI, uma idéia nova(...) No final do século XI, um certo número de movimentos religiosos tinham fixado para si mesmos ambições assaz próximas: Papas reformadores como Gregório VII ou Urbano II, pregadores populares como Robert d’Arbrissel ou eremitas como Estevão de Muret tinham difundido na cristandade o ideal da vida apostólica, isto é, um retorno à vida da Igreja primitiva (...) a de uma comunidade em que ‘os crentes tinham um só coração’ e punham em comum tudo o que possuíam. (VAUCHEZ, 1987, p. 253)

Entretanto, as reformas não resultaram em uma volta a igreja dos

primeiros séculos cristãos, mas promoveram uma centralização dos poderes na

cúpula papal, um fortalecimento que distanciou o leigo da Igreja.

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os movimentos evangélicos populares tenderam a constituir seitas à margem da instituição oficial ou foram contagiados pelas teses dualistas dos cátaros (...) Entre uma Igreja desejosa, antes de mais, por desenvolver as suas estruturas e de acentuar a sua preponderância sobre a sociedade, e as aspirações religiosas de numerosos fiéis cada vez mais críticos face aos clérigos e aos monges, cavara-se um fosso que não parava de se aprofundar. (VAUCHEZ, 1987, p. 254)

A busca por uma vida apostólica como estava escrito nos Evangelhos irá

fomentar expressões religiosas novas, formando um cenário onde o antigo e o

novo estarão lado a lado. Essa simultaneidade provocará crises de cenobitismo e

de prosperidade em relação ao monasticismo, crescimento da religiosidade laica,

heresias frutos da liberdade de interpretação do Evangelho e o aparecimento de

liturgias e literaturas que divergiam da ortodoxia eclesiástica.

O cenário exigia modelos e alternativas religiosas de uma vida apostólica,

sendo esse o papel que os Valdenses, os Humiliati, os leigos de Metz, os

Católicos Pobres e os Vaudois representaram, tendo em comum a interpretação

dos Evangelhos conforme suas experiências de vida e a pregação dessas livres

interpretações.

No século XII, a história de renúncia extrema se tornara em algo de

parecido com um culto. Se optar por uma pobreza voluntária e seguir uma vida

apostólica de renúncia não era vista com maus olhos pela Igreja, quando esses

movimentos religiosos interpretavam o Evangelho apoiados em suas concepções

pessoais e compartilham com outros, a Igreja se sentia ameaçada. A pregação era

o perigo que a Igreja via nesses grupos.

A estrutura eclesiástica tinha com um de seus pilares o controle sobre o

conhecimento. O estudo das Escrituras e dos escritos feitos por pessoas ilustres

era uma exclusividade da Igreja. Esse conhecimento era restrito, condicionado a

poucas pessoas e em sua maioria pertencentes ao clero. Quando esses grupos

mostraram a intenção de popularizar esse conhecimento, pregando na linguagem

corriqueira do cotidiano e realizando traduções vernáculas dos Evangelhos, a

Igreja necessitou frear esse impulso laico, retomando o controle do

conhecimento, que era sujeito à autoridade papal e à hierarquia eclesiástica.

Os Valdenses, no Terceiro Concílio de Latrão, foram negados de pregar

pelo papa Alexandre III que condicionou a pregação somente se fosse concedida

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pelos padres locais. O clero, por sua vez, não aceitava esse livre pensar sobre os

Evangelhos, muito menos que os Valdenses eram os escolhidos por Deus para

pregar. Criticava-os pela sua falta de conhecimento de latim e a sua errônea

interpretação das Escrituras, revelando o preconceito que o clero nutria em

relação aos iletrados. A preocupação do papado, nesse primeiro momento, era no

sentido de submeter esses grupos à hierarquia eclesiástica proibindo-lhes a

pregação, sendo que a desobediência era entendida com demonstração de

oposição a ortodoxia e do não reconhecimento da autoridade papal, acarretando

na qualificação de herético.

Diferente de Alexandre III, o papa Inocêncio III mudará a atitude em

relação a esses grupos. Ao invés de realizar perseguições e medidas coercivas,

Inocêncio III aplica uma política de aproximação e unificação entre esses grupos

e a Igreja.

Os Católicos Pobres de Durand de Huesca, era um grupo de Valdenses

que se reconciliaram com a Igreja em 1208, representando a primeira tentativa

realizada pela Igreja para criar uma forma de organização para uma comunidade

de pregadores mendicantes. Os membros eram instruídos e letrados em latim,

realizavam pregações contra a heresia e também para os “burgueses”,

reconheciam a hierarquia eclesiástica e se submetia à autoridade papal.

Em 1212, um grupo de valdenses do Languedoque conhecido por

Vaudois e dirigido por Bernard Prim, comprometeu-se a obedecer a autoridade

papal e episcopal. As suas pregações também eram voltadas contra seitas

heréticas.

Os leigos de Metz, um dos grupos mais extremistas de valdenses, surgem

em 1199, tendo como membros pequena nobreza ao serviço do império.

Acusados de ler as Escrituras em uma tradução francesa que tinham realizado e

de desobedecer o bispo de Metz. Inocêncio III reconhecia o perigo de traduções

vernáculas e da insubordinação à hierarquia eclesiástica, entretanto o papa

relutou em taxá-los como heréticos. Atuou de forma que se comprovassem com

certeza, após um estudo detalhado de seus escritos, que esse pequeno grupo

apresentava claras diferenças doutrinárias. Essa preocupação de Inocêncio III

provavelmente se deve a sua política de abertura, no sentido de tentar

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compreender o que leva esses grupos a tais atitudes e como eles poderiam ser

adequados para os fins da Igreja.

Os Humiliati foram outro grupo que foram excomungados em 1184 por

desobedecer a proibição de pregar imposta para os leigos. Mas, em 1201

obtiveram sua aprovação pelo papa para o seu modo de vida. Localizados na

Lombardia, seus membros eram na maioria vindo das camadas superiores da

sociedade, mantinham estreita relação com as cidades e continham elementos

laicos, eclesiásticos e monásticos. Enquadravam-se em três ordens: a ordem

terceira, composta por leigos que viviam em grupos familiares, “este grupo laico

movia-se no âmbito da fraternidade, uma organização que, ao proporcionar

auxílio e benefícios mútuos numa atmosfera de piedade, correspondia às

exigências e incertezas da vida urbana”; as ordens primeira e segunda,

“composta por padres, e leigos solteiros, tantos homens como mulheres, que

viviam vidas ascéticas e separadas em comunidades religiosas em conformidade

com uma espécie de regra inicialmente não reconhecida por qualquer

autoridade”. Em sua maioria, as três ordens englobavam um forte elemento de

nobreza e de patriciado urbano, sendo letrados no sentido de que sabiam ler o

latim. (BOLTON, 1983, p. 73-74)

Inocêncio III, seguindo sua postura de compreender esses grupos,

reconhece à ordem primeira dos Humiliati como comunidade religiosa regida por

seu ordo canonicus, à ordem segunda confere o estatuto de religiosi e para a

ordem terceira a aprovação quanto ao seu modo de vida somente. Entretanto,

para a ordem terceira é concedido o privilégio de pregar.

Apesar das dificuldades levantadas pela hierarquia, as atitudes papais em

relação a esses grupos mostravam uma gradual abertura da Igreja, principalmente

em relação aos Católicos Pobres e os Humiliati. Eram grupos de pregadores que

viviam da mendicidade e foram os primeiros a serem acolhidos pela Igreja tendo

essas características. As ordens mendicantes dos franciscanos e dos dominicanos

seriam as próximas a serem acolhidas no seio da Igreja.

“Francisco de Assis se encontra na esteira deste evangelismo popular (...)

não se encontra nele nem ambição prometeica nem aspiração panteísta, mas o

desejo ardente de se tornar semelhante ao Crucificado e de permitir a cada cristão

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fazer o mesmo(...) não havia aos seus olhos outro caminho senão o de uma

fidelidade literal – o que não quer dizer estreita – ao Evangelho.” (VAUCHEZ,

1987, p. 254). Quando Francisco de Assis, em 1210, procura a aprovação para o

seu modo de vida perante Inocêncio III, nem o modo de vida, nem a atitude do

papa de permitir a continuidade do movimento, se mostram como uma novidade.

Movimentos religiosos laicos anteriores apresentaram modos de vidas similares e

Inocêncio III assumira políticas semelhantes, objetivando a unidade na Igreja.

4.2 O MOVIMENTO HERÉTICO

A heresia medieval contrasta com os períodos anteriores, que eram

centrados no interior do corpo eclesiástico e não transpunham para a sociedade

laica. O fator de diferenciação encontra-se justamente no caminho inverso, a

heresia medieval se coloca oriunda da sociedade laica por meio de grupos

organizados no meio urbano e rural. A heresia alcança outra amplitude,

assumindo o significado de “quebra da ordem divina e social alicerçada sobre a

fides” (FALBEL, 1976, p. 15), cobrindo assim tanto as doutrinas contrárias a

ortodoxia, quanto os questionamentos em relação aos erros e desvios da

instituição eclesiástica provenientes da intervenção no poder secular em nome de

sua missão espiritual.

Os discursos que criticavam a ética eclesiástica acusando-a de um

desvirtuamento da religião fundada por Cristo, eram feitos pela parcela urbana da

sociedade laica, apresentando uma estrutura organizacional que consistia em um

coletivo consciente das críticas que defendiam como também das propostas que

ofereciam para a sociedade. Não se colocavam contra a Igreja, pelo contrário,

assumiam o papel de reformadores dela atuando em concordância com o corpo

doutrinário eclesiástico, ao ponto de se apoiar nele para sustentar a oposição a

certas práticas da Igreja. O discurso destes grupos defendiam a volta de um estilo

de vida de Cristo e dos apóstolos, recuperando a partir dos Evangelhos a imagem

de um passado cristão alicerçado na prática da pobreza, da humildade e da

caridade. Os desvios apontados são justamente o abandono destas práticas,

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acentuado por intervenções eclesiásticas no mundo secular em prol do acúmulo e

concentração de terras, bens materiais e do saber intelectual.

As diversas heresias encontradas nos séculos XII e XIII seguem a

tendência principal em diferenciar o movimento de fora da Igreja e aqueles de

dentro da Igreja. Considerando o espaço medieval dividido em rural e urbano,

salientado que em cada destes espaços encontramos outra divisão que pode ser

posta em termos gerais como regiões de sociabilidade clero e laica, a definição de

heresia como “quebra de ordem divina e social” permite relacionar a ordem

divina com o teológico e doutrinário, enquanto que a social com o popular.

Logo, tem-se dois grupos gerais de heresias: as de cunho popular e social e as de

cunho teológico doutrinário7.

O movimento herético dualista - manifesta-se a partir do século XII de

forma intensa – chamado de cátaro (puros) ou albigense (região de Albi no sul da

França) responde ao grupo herético que sintetiza tanto a heresia de cunho popular

quanto a dogmática.

7 Segue-se uma pequena sistematização das principais heresias surgidas no século XII:

1) Pedro de Bruys, século XII, heresia entre o período de 1112/3 e 1132/3. Local: nasceu em Cantão de Rosans, Alpes, pregação em lugar para lugar até chegar em Provença. Característica: atinha-se aos Evangelhos, rejeitava a Igreja em seus aspectos materiais, inclusive a hierarquia, defendia a ecclesia spiritualis fundamentada somente na fé dos Evangelhos. Petrobrusianos rejeitavam e condenavam a cruz como símbolo tradicional do cristianismo (temos associação com as teorias heterodoxas de Cláudio de Turin e de Agobardo de Lyons, e certas correntes cátara da França Meridional.). 2) Monge Henrique, século XII, heresia entre 1116 a 1145 (henriqueanos presença até 1152). Local: Le Mans, diocese do Bispo Ildeberto de Lavardin, pregação com apoio popular, incitando contra condes e clero. Toulouse, em 1139 continuou a difundir sua heresia com apoio do conde da cidade. Languedoc em 1145. Características: vícios do clero chamando a atenção do povo contra eles; sua posição perante o matrimônio e a redenção das prostitutas. Influenciado por Pedro de Bruys, acata as características dele defendendo uma Igreja Espiritual, livre de toda a materialidade e ao mesmo tempo evangélica. 3) Tanquelmo, século XII, assassinado em 1115. Local: Holanda atual, cidades de Utrecht, Bruces e Antuérpia7. Heresia combatida por São Norberto de Xanten, fundador da Ordem Premostratense. Características: antieclesiástico, negação dos sacramentos da Igreja. 4) Eudo de Stella, apresentado no Concílio de Reims em 1148. Local: bretão de origem, capturado pelos Arcebispo de Reims. Característica: hostilização de igrejas e mosteiros, não tinha fundo teológico, dava respostas aos problemas sociais da região. Louco. 5) Arnaldo de Bréscia, nasceu em 1100 e morreu por volta de 1153. Local: Roma, depois Paris (1141), Zurique, Roma (1144). Característica: matiz político-social (disputa em torno da constituição republicana e confirmação do Senado em Roma), adepto pobreza apostólica, ataque a Igreja material, formulação da separação dos poderes temporal e espiritual. 6) Hugo Speroni, heresia mencionada em 1184 no Sínodo de Verona. Nasceu em Piacenza, estudou em Bolonha, função de consul em 1164. Características: recusa em aceitar toda a organização eclesiástica, todo o poder religioso e sacramental, eliminando assim todas as ordens da cristandade e toda separação entre clérigos e leigos. Antecipa elementos do protestantismo e das idéias de Calvino.

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4.2.1 A religião cristã cátara ou a heresia cátara aos olhos da Igreja

Apesar de termos somente a visão dos vencedores sobre a comunidade

cátara, é válido compreendermos como esta escolha religiosa manifestou-se aos

olhos da Igreja, quais as características, o modo de vida e o de pensar daqueles

cátaros que propunham uma religião também cristã, mas tendo como referência

a vida de Jesus, o protagonista dos Evangelhos, e não a instituição Igreja católica.

Iniciemos nossas reflexões com uma das definições sobre o cátaro ou

homens bons, eram assim chamados entre si, por um contemporâneo do século

XIII:

São homens como os outros! Sua carne, seus ossos, sua forma, seu rosto são exatamente os dos outros homens! Mas eles são os únicos a seguir os caminhos de justiça e de verdade seguidos pelos apóstolos. Não mentem. Não tomam o bem de outrem. Mesmo se encontrassem, em seu caminho, ouro ou dinheiro, não os “levariam”, a menos que alguém lhos desse de presente. Consegue-se melhor a salvação na fé desses homens que são chamados de heréticos do que em qualquer outra fé que seja [III, 122] (LADURIE, 1997, p. 105)

A designação de bons cristãos era utilizada para aqueles que acreditavam

nos dogmas cátaros, mas principalmente àqueles que praticam tais dogmas,

também chamados de perfeitos. Homens como os outros, com a diferença de

seguir uma moral cristã praticada pelos apóstolos de Jesus, os cátaros

fundamentam-se na dualidade.

O mundo material era território de sofrimento e de maldade, criado por um

deus mal, enquanto que o mundo espiritual, criação do deus bom, podia ser

alcançado pelo homem caso seguisse a crença cátara e expiasse os seus erros e

pecados a partir de uma vida de pobreza e renúncia de tudo que não fosse divino

(isto é, o mundo material). Esse modo de vida acarretaria na salvação da alma,

pois o cátaro deixaria de transmigrar sua alma de homem para homem, ou de

homem para animal, passando para o mundo espiritual. A dualidade encontra na

reencarnação o mecanismo que dá credibilidade para salvação da alma a partir

da fé na crença cátara. A conversão ao catarismo como um perfeito põe fim a

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expiação da alma no mundo material, logo fim da transmigração/reencarnação e

passagem para o mundo espiritual.

A conversão à crença cátara dava-se a partir do consolamentum. O

consolamentum era uma cerimônia entendida como um batismo espiritual, que

marcava a passagem do crente cátaro para o perfeito cátaro, sendo que ao estar

no leito da morte esta cerimônia vinha com o fim de tornar o crente um perfeito e

assim salvar sua alma. “Afora o consolamentum e a ordenação, os cátaros tinham

dois outros sacramentos: a penitência e a quebra do pão. Esta era uma espécie de

comunhão, pois não acreditavam na transubstanciação.” (FALBEL, 1976, p. 41).

E ainda temos a endura, ministrada para aqueles que estavam na hora da morte,

que de acordo com Emmanuel LADURIE (1987, p. 283) significava um jejum

suicida feito após o consolamentum.

Os camponeses de Montaillou sabem, portanto, preparar-se para a morte próxima, com pleno conhecimento de causa, com a condição de que a doença lhes deixe um mínimo de consciência. Aceitam com espírito responsável os riscos inerentes ao consolamentum: em outras palavras, as perspectivas de uma dolorosa endura (posterior à heretização); ela acrescentará aos sofrimentos naturais, devidos à doença, os tormentos da fome e, nos mais duros, da sede.

Estes sacramentos cátaros eram os elementos dos quais a Igreja julgavam

como heresias, no sentido de oposição ao catolicismo, principalmente a questão

da transmigração das almas e da transubstanciação (eucaristia).

De forma geral, seriam esses os elementos que caracterizam a heresia de

caráter teológico doutrinário. O cunho de contestação do poder hegemônico

religioso da época aparece quando analisamos a questão da pobreza e renúncia

material, que engrossava o coro daqueles descontentes com a riqueza da Igreja

em contraposição a pobreza do mundo laico.

O desprezo pela riqueza e a crítica a uma sociedade preocupada em

acumular e consumir bens materiais, conforme Emmanuel LADURIE (1997, p.

153), se colocam presentes entre os pastores. “Com as riquezas que dará Satã,

você jamais estará satisfeito, qualquer que fosse a quantidade que delas

possuísse. Aquele que possuir desejará possuir sempre mais. E você não terá

descanso nem destino, pois este mundo não é do domínio da estabilidade; e tudo

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o que Satã produz não faz mais que passar e destruir-se.” Junto a isso, tem-se a

seguinte tipologia de pobreza: pobre (pauper) é o mendigo migratório ou

sedentário, mas também é o rústico que não tem uma ostal no sentido completo

do termo, nem qualificação artesanal, e ainda pode ser o chefe de família, isto é,

de uma domus, que perdeu sua casa e posses, destruída ou confiscada pelos

inquisidores, enfim, aqueles das zonas inferiores da sociedade rural; pobre de

condição; pobre esmolável. (LADURIE, 1997, p. 451)

A questão de uma hostilidade à riqueza revela a pobreza da aldeia de

Montaillou, onde os aldeões parecem estar ciente de uma situação que não pode

ser modificada (de deixar de ser pobre), levando ao discurso que não se deve,

então, ser rico. Questiona-se a pobreza, mas não como meio para ascender

socialmente e materialmente, mas como modelo de ser.

o valor salvador da esmola feita às igrejas ou aos particulares: esse valor é afirmado pelas teorias oficiais da Igreja e pelas carências pungentes do pauperismo; mas também pela propaganda real dos padres da região, amplamente aceita e difundida no meio dos nativos. Desde que se creia na sobrevivência da alma e na existência de outro mundo (e essa crença é professada pela grande maioria de nossos rurais), é-se atingido pelo problema da esmola. (LADURIE, 1997, p. 459).

A pregação dos cátaros reverbera estas concepções sobre a pobreza e a

riqueza, sendo exercida de forma teatral e voltada para um público específico. A

forma principal de pregação seria o exemplum8, um relato autônomo localizado

no tempo e no espaço, sua extensão (em texto escrito) oscila em torno de dez a

vinte linhas. Facilmente compreendido e retido, agradável de ouvir, tem por

objetivo elucidar, explicar ou completar, ilustrando-o, um ensinamento cristão.

O tabelião Authié faz o trajeto em lombo de mula, enquanto seus dois companheiros andam a pé. Foi Raymond Pierre, sempre serviçal, quem emprestou e preparou a mula para o pregador. De resto, Jacques Authié é pregador no sentido pleno do termo, pois durante toda essa viagem prega do alto de usa mula, enquanto Pierre Maury lhe faz as vezes de ouvinte ou de incentivador; e Pierre Montanié, de figurante mudo. Essa pregação “eqüestre” de Jacques Authié representa uma boa amostra do tipo de sermão de estilo folclórico, mas de teologia cátara impecável, que os militantes albigenses haviam aperfeiçoado para uso do povo dos pastores. (LADURIE, 1997, p. 107-108)

8 Ladurie diz que esta definição é de Raymond Cantel e Robert Ricard: Dictionnaire de

spiritualité, t. IV-2, Paris, Beauchesne, 1961, pp. 1891-1892. Também cita Jacques Le Goff, que trabalhou sobre os exemplum.

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Aqueles que dominam o escrito são retransmissores orais do livro ao

público. Com isso, o bem é absorvido não pelos olhos, mas pelos ouvidos: tem-se

ou não se tem o entendimento do bem. Daí a importância da memória, visual e

auditiva, tão como o sucesso dos exempla.

A doutrina cátara percorria de domus (casa/família) para domus e não de

indivíduo para indivíduo, cabendo aos pastores, que percorriam de aldeia em

aldeia a costura da teia de cumplicidades heréticas e de linhagem. Junto com essa

rede de difusão no campo, as feiras comerciais que centram a economia urbana

no século XIII, são um ponto de encontro cômodo para crentes e perfeitos

cátaros. (LADURIE, 1997, p. 115). Assim, o catarismo movimentava-se tanto na

fixidez das domus como na fluidez das feiras, caracterizando sua ampla extensão

no território ocidental e uma identidade original presa a um momento e

regionalidade específica, no caso, “o catarismo é, originalmente, uma heresia

balcânica, italiana, mediterrânea; chegou às regiões de oc por uma viagem de

leste a oeste. Inscreve-se na parcialidade costumeiras da alta Ariège que, no

essencial, ligam-se ao mar interior” (LADURIE, 1997, p. 364).

Contudo, no início do século XIII, o movimento de expansão do catarismo

é confrontado pela Ordem Dominicana – incumbida de perseguir, julgar e

converter os heréticos cátaros – e ameaçado pela Ordem Franciscana, cuja

pregação era voltada às mesmas classes em que se apoiavam os cátaros. Assim,

estanca-se o crescimento da religião cátara, seja pelas fogueiras da Inquisição,

seja pelas armas dos cruzados, ou ainda, pela mensagem franciscana, semelhante

à cátara, só que permitida pela Igreja. O fervor herético de cunho popular, que

contestava a riqueza e os pecados da Igreja, são redirecionados para o movimento

franciscano, movimento que funciona como apaziguador das tensões entre a

Igreja e os citadinos.

4.3 O MOVIMENTO FRANCISCANO ENTRE 1209 E 1226

Nachman FALBEL (1995, p. 3-30) olha para a Ordem dos Menores, em

seus anos iniciais e enquanto Francisco ainda era vivo, como uma pequena

comunidade em um primeiro momento, seguido por uma expansão e que culmina

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em um grande comunidade. Em todos esses momentos, os ideais e atitudes da

ordem se colocam como reformadores para a Igreja. Isso não significa que ela

atua em oposição ao corpo eclesiástico, ao contrário, um dos ideais de Francisco

é a obediência, ao ponto de não contrariar as mais simples opiniões e posições ao

clero e ao papado.

A originalidade de Francisco reflete nesses posicionamentos, em um modo

de vida inspirado nos evangelhos, não fugindo dos campos, nem das cidades,

combatendo os males da avareza, do orgulho e da violência com o exemplo e a

prática de uma vida de pobreza e humildade9.

A pequena comunidade é centralizada em seu fundador. Francisco de

Assis, graças a sua personalidade e carisma, estabelece uma relação com os

irmãos de disciplina e obediência naturais, uma espontaneidade que conserva os

ideais e princípios puros. A pregação e mendicidade desse pequeno grupo

implicou em um aumento gradual, ao ponto de se caracterizar como uma

expansão da ordem.

O crescimento do número de irmãos e a expansão para outras regiões

levou a um enfraquecimento da comunidade. A geografia medieval, de

comunicação lenta e demorada, prejudicou o contato íntimo que a pequena

comunidade desfrutava, perdeu-se o dinamismo e a unidade centrada em

Francisco, levando também a uma perda da pureza dos princípios.

Com a formação de uma grande comunidade e a perda de uma “disciplina

natural” (FALBEL, 1995, p. 195), tem-se um quadro orgânico com um poder

centralizador que necessitava-se de estabilidade e fixação. Após a morte de

Francisco, o poder central resolve impor uma disciplina, por meio de

supervisões. Elias de Cortona10, que assume a direção da Ordem logo após a

morte de Francisco, tem como alicerce de seu governo justamente esse tipo de

conduta.

9 Michel MOLLAT (1989, p. 116) apresenta uma análise mais detalhada sobre essa

originalidade. 10 Nachman FALBEL (1995, p. 31-48) analisa Elias de Cortona, desde o momento que

assume, passando por suas ações na direção da ordem, e culminando nas tensões internas, percursoras das tensões entre as facções dos espirituais com os conventuais.

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Em uma organização ampla, o fundamento econômico impõe-se com maior facilidade e o movimento passa a ser rico, principalmente quando a Ordem torna-se popular e passa a receber as doações típicas do homem medieval, que quer assegurar salvação para sua alma no mundo post-mortem. Lutar contra essas doações exigia um espírito de desprendimento material nem sempre encontrado entre os responsáveis pela Ordem. (FALBEL, 1995, p. 195).

Elias de Cortona representa o início do fim para alguns franciscanos. A

explicação para tal fatalismo se explica por sua conduta, aceitando privilégios

eclesiásticos e ostentando uma ambição por riquezas. Entretanto, a ordem estava

sujeita à mudanças antes mesmo de Francisco morrer. A intervenção da Igreja e a

própria dinâmica das estruturas sociais da sociedade medieval daquele momento

promoveram tensões à Ordem desde o seu início.

As universidades representam um elemento de análise da distância entre o

movimento franciscano em seus primeiros tempos e após a morte de Francisco.

contemporâneo do impulso das escolas e das universidades, tinha igualmente entrevisto os riscos que o gosto pelos estudos podia fazer correr à sua fundação (...) acentuando os estreitos elos existentes entre a ciência, a riqueza e o poder. Numa época em que os livros valiam muito e eram ainda assimilados a tesouros, o simples fato de os possuir não se arriscaria a colocar os irmãos ao lado dos ricos e a conduzi-los à presunção, dando-lhes a ilusão de ter resposta para tudo?(...) Saído da sociedade urbana mais avançada e mais refinada do seu tempo, nela condena pelo seu comportamento o orgulho e a avareza, e propõe um modo de vida alternativo baseado na recusa desta ‘sociedade de consumo’(...) Num mundo em que se afirmavam duas formas novas de poder – o dinheiro e o saber –, o Pobre de Assis remava conscientemente contra a corrente da evolução (...) disse Francisco: ‘Deus chamou-me a caminhar na senda da humildade e mostrou-me o caminho da simplicidade (...) O Senhor disse-me que queria fazer de mim mais um louco no mundo e Deus não quer conduzir-vos por outra ciência a não ser essa.’ (VAUCHEZ, 1987, p. 258).

Os ideais franciscanos de pobreza e humildade renunciavam ao estudo,

por este promover apego ao material (a posse de livros, por exemplo) e ambição

de conhecimentos e de estruturas para tal (como um saltério), que não condiziam

com o modo de vida mendicante. Francisco não tolerava que o estudo conduzisse

as idéias e ações dos homens, contrariando a própria Igreja ao fundamentar até

mesmo sua regra em fragmentos do Evangelho em seus sentidos literais.

Numa época em que, sob a influência da exegese monástica, a Igreja considerava a Escritura como ‘uma floresta de símbolos’ e um conjunto de textos tão difícil e rico de significações ocultas, que só os clérigos formados nas disciplinas do arcano eram

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capazes de desvendar o seu sentido velado. Francisco inova radicalmente, recusando toda a interpretação alegórica da Palavra de Deus (VAUCHEZ, 1987, p. 255).

Entretanto, a concepção que Francisco tinha sobre os estudos foram aos

poucos sendo contestada e mudada. Se antes os irmãos eram em sua maioria

iletrados, com a expansão do movimento membros letrados fazem pesar a

balança para o estudo e a teologia. As universidades ao longo do tempo

fortificaram a tendência de fixação e estabilidade da Ordem dos Menores.

Além de trabalhar com essa relação entre conhecimento e sociedade,

Francisco elabora também em relação a riqueza material. Ele condena a vontade

de possuir, que deve ser combatida, pois defende que não é a riqueza a causa dos

males sociais, mas sim o espírito de apropriação. “Para ele, tratava-se menos de

recusar, a priori, toda a forma jurídica de propriedade (em 1213 aceitou que o

conde Orlando de Chuisi lhe desse a localidade de La Verna para aí estabelecer

um eremitério) do que de aniquilar em si mesmo o espírito de apropriação.”

(VAUCHEZ, 1987, p. 256).

Francisco tinha compreendido que o apego aos bens deste mundo conduz fatalmente à violência (...) ‘Se possuíssemos bens, teríamos de defendê-los.’ (...) Mas, consciente das ambigüidades da pobreza voluntária, queria que os irmãos partilhassem com os miseráveis as esmolas que recebiam e no seu Testamento recordou a necessidade de trabalhar com as próprias mãos – não para ganhar um salário mas para não estar a cargo de ninguém –, sendo a mendicidade admitida apenas em caso de necessidade. (VAUCHEZ, 1987, p. 257).

A pobreza e a violência, seria para Francisco, resultados de uma

desigualdade de riquezas, onde uns tem muito e outros nata têm.

alguma coisa que se podia reivindicar como seu arriscava-se com efeito a afastar o homem de Deus conferindo-lhe um sentimento de poder e de autonomia (...) Isto porque a posse da moeda não confere apenas uma sensação de poder ilusória, falseia igualmente as relações entre os homens e situa os que a possuem ente os opressores. Em conformidade com as idéias econômicas do seu tempo, o filho de Pietro Bernardone estava convencido de que a quantidade de dinheiro disponível no mundo era constante e que, ao enriquecer ou acumular riqueza se empobrecia os outros. (VAUCHEZ, 1987, p.257).

O corpo eclesiástico mantinha uma estrutura piramidal e hierárquica, cujas

bases era o carisma e o poder: a crença exercia o carisma e a obediência conferia

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o poder. (BOFF, 1985, p. 5-10). A imposição da obediência era instrumento

dogmático para assegurar a unicidade, que por sua vez potencializava o efeito

carismático da crença católica. A fé na salvação da alma é o fruto e o fim

principal gerado pela crença e obediência.

Francisco de Assis, ao buscar reconhecimento de seu modo de vida

perante o papa Inocêncio III, evidencia o andar de mãos dadas da crença e da

obediência. O simples fato de declarar que queria as bênçãos papais para imitar a

vida de Jesus, através de uma pobreza voluntária e uma pregação evangélica, era

uma dura crítica a Igreja. Entretanto, crer em Jesus ao ponto de querer imitá-lo

passo a passo, significa possuir um fervor religioso, uma fé na crença católica,

que colocava Francisco a mercê da obediência que garantia a unicidade – o poder

– da Igreja. Era inconcebível crer sem obedecer, Francisco dá um passo a frente

submetendo-se a obediência ao papa, Inocêncio III, seguindo uma política

planejada e já em andamento, dá um passo atrás, reconhece a crença de Francisco

como direita, reta, enfim, ortodoxa. A ambigüidade de Francisco de Assis toma

corpo devido a esse movimento, da contestação (devido ao modo de vida) à

submissão (obediência ao papa), contudo não podemos relevar a parcela de culpa

que cabe a Inocêncio III (ao invés de uma heresia, reconhece como concordante

com a opinião da Igreja) neste caráter ambíguo de Francisco.

Essa dissecação da primeira intervenção do papado em relação a

Francisco, se fez necessário para compreender o papel da Igreja e as suas

possibilidades em questões de aprovação de regras e modos de vida apostólicos.

Entre duas possibilidades, de absorver o movimento no seio da Igreja ou liquidá-

lo como herético, Inocêncio III reconhece o movimento11. Ele via em Francisco e

em seus irmãos um instrumento auxiliar para as suas intenções reformistas de

grande vulto, e é de supor que acreditasse na retidão e na pureza dos ideais

franciscanos. Entretanto, coloca o Cardeal Ugolino de Ostia no seio do

11 “Inocêncio III era avesso à criação de novas ordens.” (FALBEL, 1995, p. 12).

Conforme o autor, a atitude de Inocêncio III foi cautelosa, permitiu a existência do movimento aprovando oralmente a regra, sendo pressionado pelo cardeal João de São Paulo. Outros autores pensam diferente (KÜNG, 2001, p. 132-135), atribuindo a Inocêncio III uma política de consentimento e promoção de novas ordens religiosas, barrada pelo IV Concílio de Latrão em 1215.

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movimento, sendo que assume a função de conselheiro, mediador e apaziguador

no movimento, atuando nas questões internas quando necessário.

André VAUCHEZ (1987, p. 261) salienta que a “divergência de pontos de

vista que era quase inevitável entre aqueles – os ministros franciscanos, o papado

– que eram sobretudo sensíveis às necessidades imediatas da Igreja (escalada das

heresias, insuficiências do clero, ignorância religiosa dos leigos) e que

procuravam fazer-lhes face utilizando para tal essa ‘massa de manobra’

providencial que era a ordem dos irmãos menores e, por outro lado, o fundador,

que, sem ignorar estes problemas, via para além deles.” Fácil notar a tensão

existente nesse momento, onde as forças atuantes travam uma luta para por fim a

ambigüidade do movimento franciscano.

O papado tinha no cardeal Ugolino a pessoa responsável para apaziguar os

conflitos internos da Ordem, entendendo que Francisco mantinha em seus ideais

uma austeridade exagerada. Tal intervenção objetivava conduzir a expansão do

movimento e controlá-lo para não permitir a sua transfiguração em heresia.

O contexto urbano que propiciou o crescimento dos irmãos em número e

em diversidade, trouxeram consigo a contestação para o próprio interior do

movimento franciscano. Soma-se ainda a intervenção da Igreja, que facilita o

contestar de ideais franciscanos. Desenvolvimento tenso, cuja dinâmica impôs à

Ordem Franciscana um risco a sua própria originalidade.

Esta originalidade deve-se a aptidão do movimento franciscano de

adequação a realidade do tecido urbano. Retomando a concepção de Jacques LE

GOFF (1987, p. 229) que “a cidade é pagã, há que convertê-la”, onde a cidade

no século XIII traz os vícios do tradicional mundo rural, como o orgulho e a

inveja, que se mesclaram com os novos vícios citadinos, a avareza, a luxúria e a

gula. Por essa perspectiva, a cidade nada mais é que uma pecadora. Talvez por

isso Francisco propõe dois bastiões para converter a cidade: a humildade em

contraponto ao vício do orgulho; a pobreza à avareza.

“Diante de uma sociedade onde o dinheiro tendia a aumentar o poderio

daqueles que possuíam e a desconsiderar mais ainda aqueles que dele estavam

privados, Francisco e Domingos tiveram o papel de proclamar o valor humano do

pobre e sua sacralização através do modelo de Cristo.” (MOLLAT, 1989, p. 117).

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Francisco de Assis era um citadino, sendo natural que sua mensagem fosse bem-

vinda pelas pessoas das cidades, permitindo-lhes encontrar uma satisfação

apostólica para as suas necessidades espirituais, pois compartilhavam, em certa

medida, experiências comuns. As atitudes de Francisco perante os mais inválidos

e marginalizados, como do beijo no leproso, sintetiza o papel fundamental dos

franciscanos: sociabilizá-los.

Assim, o episódio mais significativo e, por essa razão, um dos mais célebres da vida de Francisco é o do beijo no leproso: foi preciso que ele dominasse uma tremenda repugnância. Aí está a novidade: a estima ao pobre a ao aflito por seu valor espiritual e humano próprio, e não mais na qualidade de instrumento , ainda servil, da salvação do rico. (MOLLAT, 1989, p. 117).

Antes dos mendicantes, temos um clero secular incapacitado em lidar com

esse mundo urbano, seja por serem poucos, ou por terem pouca instrução. Por

outro lado, o monaquismo é um instrumento do papado que não surte efeito nas

cidades, pois sua renúncia do mundo acabou por distanciá-lo dos problemas

citadinos, desse modo, também das soluções. Os franciscanos ao aparecer como

um novo apostolado, também apresentaram uma maleabilidade propícia à

dinâmica citadina.

Essa relação existente entre os mendicantes franciscanos e a sociedade

urbana se expressa até mesmo na forma em que eram nomeados. Designados

com a linguagem corrente que qualificava as camadas inferiores da sociedade,

Minores, os Menores levam esse empobrecimento até a perda do nome. “[...]o

irmão Mendicante, Menor ou Pregador toma emprestado o nome de seu patrão

celeste e apenas a indicação de sua cidade de origem permite identificá-lo. Ele se

perde na multidão anônima dos pobres.” (MOLLAT, 1987, p. 119).

A interação entre os franciscanos e o mundo urbano se apresentam antes

mesmo de ocuparem as próprias cidades. Eles se estabelecem nas cidades a partir

de um planejamento, cuja ocupação era antecedida por uma planificação,

misturando-se a ocupação da Ordem com o próprio início da urbanização da

cidade. Essa organização e urbanização planejada, é posto por Jacques LE GOFF

(1987, p. 232) como o melhor meio de referenciar a rede urbana na época.

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As Ordens parecem assim ter ’quadriculado’ todo o espaço urbano da cristandade a tal ponto que o mapa dos conventos mendicantes se confunde com o mapa urbano e que o ‘critério mendicante’ pode surgir como o melhor meio de referenciar a rede urbana numa época em que o vocabulário urbano é muito incerto e as definições da cidade muito vagas.

Os mendicantes iam ao encontro do rico e do indigente, inclinando-se

especialmente por estes últimos. É possível observar uma lógica de causa e efeito

entre o dinamismo urbano com suas conseqüências sociais e a influência dos

frades no plano da pobreza. “os Mendicantes se integram ao tecido social urbano;

nele, foram procurar os modelos da pobreza mais aguda para oferecer aos mais

deserdados o reconforto de uma reintegração.” (MOLLAT, 1989, p. 120).

Apesar da economia urbana12 oferecer um terreno à ação dos franciscanos,

estes não moldaram suas instituições nas estruturas das cidades, nem nas

estruturas eclesiásticas. Construíram um elo entre o princípio da fraternidade,

próprio da Ordem dos Menores, e as solidariedade horizontais que eram

características entre os pobres.

“Quando determinados pregadores se dirigem diretamente aos pobres, é

para aconselhar-lhes paciência na atribulação e tentar convencê-los das vantagens

espirituais que podem extrair de sua situação e da dignidade, diante de Deus, de

sua função de oração na comunhão dos santos.” (MOLLAT, 1989, p. 125). A

pregação tinha um papel importante não só para os franciscanos como para o

povo. Os frades conseguiam se aproximar do povo através de seus discursos,

com uma palavra nova que se articulava nas pregações de forma objetiva e

específica.

“Esforça-se por lhe falar dos seus problemas específicos e distingue

auditórios segundo as suas actividades socio-profissionais, o seu ‘estado’

(sermones ad status): sermões para os clérigos, para os universitários, para os

negociantes, os artesãos, os camponeses, etc. Recorre a narrativas que divertem,

apela para a fábula ou para a vida do dia-a-dia: os exempla.” (LE GOFF, 1987, p.

12 Para exemplificar um pouco mais esse novo cenário urbano, Michel MOLLAT (1989,

p. 118) apresenta um interessante contraste: “também era nobre o pobre cavaleiro a quem Francisco deu o equipamento novo em folha do qual estava tão orgulhoso; comparado ao episódio de São Martinho em Amiens, o caso reflete uma tonalidade econômica diferente: na sociedade da penúria do Baixo Império, Martinho só ofereceu a metade do seu casaco; uma sociedade de abundância relativa, Francisco dá tudo.”

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234). Ao conviver com os pobres, os vadios, os comerciantes, os universitas13,

entre outros, eles desenvolveram técnicas que respondem a esse convívio

diversificado e de experiências em comum.

A este discurso adequado para a pregação no meio urbano, temos que

atentar para a sua qualidade. Tendo em vista a vocação-missão do frade de pregar

pelos locais por onde transita, o que qualifica os seus sermões é justamente, ao

nosso ver, certos escritos de Francisco de Assis.

Utilizando escritos específicos de Francisco, os franciscanos obtém tanto

um modelo a ser seguido, quanto um manual que exorta, instruí, conforta e

sustenta o frade em sua caminhada.

13 Jacques LE GOFF (1987, p. 228) define assim: “a palavra que está na moda é

universitas, que designa o conjunto dos cidadãos da cidade, dos homens de um ofício e, nomeadamente, do novo ofício intelectual que aparece nas escolas urbanas.”

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5 AS PALAVRAS DE FRANCISCO DE ASSIS

Os escritos de Francisco de Assis estão contidos nas fontes franciscanas14

como um conjunto distinto, fundamentado nos escritos cujo autor é

comprovadamente Francisco de Assis. Produzidos entre o período de 1209 e

1226, poucos foram feitos do próprio punho de Francisco, a maioria foram

ditados por ele, sendo que os encarregados de escreverem os ditados não eram

sempre os mesmos, alternando-se a estética do texto. Com isso, a data de cada

escrito revela a evolução do pensamento de Francisco no decorrer daqueles quase

vinte anos, sendo que o período onde se registra a maior quantidade de escritos é

o que vai de 1220 a 1226.

Os escritos de autoria de Francisco foram organizados em vinte e oito

documentos, dos quais selecionamos: Admoestações; Regra não bulada; Regra

bulada; Fragmentos de outra regra não bulada; Testamento. Esta seleção adotou

como critério os escritos que tinham a função de educar o irmão franciscano, por

isso esse primeiro recorte responde as regras de conduta.

Esta preferência se deve ao fato de privilegiarmos as relações de

interdependência entre o movimento franciscano e os grupos sociais citadinos do

mercador e do intelectual. O pretendente a irmão franciscano era, na maioria das

vezes, um mercador ou um intelectual. Francisco é o fundador do movimento e

filho de mercador. Antônio de Pádua, para citar mais um exemplo, era sacerdote

e passou doze anos estudando em um mosteiro agostiniano próximo a Lisboa

antes de se converter a irmão franciscano. Assim, Francisco quando prega o seu

modo de vida para os outros irmãos, está falando com ex-mercadores ou ex-

intelectuais, presos muitas vezes na mentalidade específica de cada um desses

grupos. As normas e regras de vida para os franciscanos apresentam respostas

14 Estes documentos encontram-se compilados na obra São Francisco de Assis

organizada pelo Frei Ildefonso SILVEIRA (OFM) e por Orlando dos REIS. A parte que contém os documentos citados acima, baseia-se na edição crítica de Kajetan ESSER (OFM) titulada como Die Opuscula des Hl. Franziskus non Assisi, que foi traduzida por Frei Edmundo Binder (OFM) com o título de Escritos de S. Francisco. Esta obra caracteriza uma tradução que conservou-se fidedigna aos documentos originais, salientando que é considerada referência para os estudiosos e pesquisadores em termos de língua portuguesa.

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para os anseios desses grupos, daquilo que os afligem e os fazem abandonar suas

antigas vidas de egoísmo material e orgulho intelectual.

Diante dos documentos selecionados, realizamos um segundo recorte

temático que delimitasse mais precisamente esta função educadora do discurso de

Francisco. Entre as normas reguladoras selecionamos aquelas que são

caracterizadas como admoestação, conceito familiar a Francisco de Assis e

presente nos documentos.

5.1 ADMOESTAÇÃO

A palavra admoestação aparece em vários escritos de Francisco de Assis,

cujo significado é expresso pelos verbos moneo e admoneo, como pelo

substantivo admonitio, termos que em linha bem gerais seriam sinônimos de

exortar/exortação e corrigir/correção. Além de significar um conceito relacionado

a estes termos, a palavra admoestação também remete-se a um dos escritos de

Francisco conhecido como Admoestações 15

.

Neste tópico, a nossa preocupação está em explicitar o significado

pedagógico do termo admoestação. Tal entendimento é necessário tanto para

analisar o escrito Admoestações quanto os demais fragmentos dos outros

documentos selecionados. Fechado esse parênteses, voltemos ao nosso propósito.

Nos escritos de Francisco os termos que designam a palavra de

admoestação correspondem a uma ação (moneo) – trazer à memória, admoestar,

pregar, persuadir – ou o resultado dessa ação (admonitio) – o ato de trazer à

memória, de admoestar, de pregar, de persuadir.

Conforme Martino Conti (ADMOESTAÇÃO, 1999, p. 23-33), tais

correspondências revelam a função de pastor que Francisco desenvolve no

interior do movimento franciscano, afastando os irmãos menores de tudo aquilo

que não é conforme à sua vocação-missão, e, ao contrário, colocar em suas almas

15 Conhecido com o nome de Admonitiones, de acordo com a análise crítica de K.

ESSER em Opuscula Sancti Patris Francisci Assistencis, Grottaferrata 1978, p. 58; e também pelo nome Verba admonitionis conforme a análise crítica de I. BOCCALI em Opuscula S. Francisci et Scripta S. Clarae Assisiensium, Assis 1978, p. 2. (ADMOESTAÇÃO, 1999, p. 23).

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tudo quanto é conforme ao querer de Deus, à vida segundo o espírito e às

disposições da Igreja.

Para Francisco, admoestação é uma forma de pregação de caráter pessoal,

uma “pregação-admoestação” cujos objetivos eram de instruir (pregação que

propunha uma reorientação da conduta do frade da carne para o espírito) , de

confortar (pregação que visa revigorar a fé dos frades) e de sustentar (pregação

orientada para o cuidado dos enfermos espiritualmente).

Assim, as palavras de admoestação têm significado “pedagógico-

salvífico”: quem as pronuncia está investido da função de responsável pela fé e

pela vida dos frades na comunidade franciscana. Francisco de Assis singularizou

admoestação como modo de educar os seus frades, um recurso pastoral oferecido

aos ministros para afastar os frades do que é falso e instaurar em sua alma o que é

conforme à sua “vocação-missão”.

Exposto o significado da admoestação como conceito familiar a Francisco,

cabe entender as admoestações de acordo com a forma que está sendo utilizada

nos escritos. Analisaremos em um primeiro momento as Admoestações e em

segundo momento as partes da Regra bulada, Regra não-bulada e do Testamento

onde estão contidas admoestações.

5.2 O ESCRITO “ADMOESTAÇÕES”

Composta por 28 admoestações, o escrito sob o nome de Admoestações é

considerado a carta magna de uma vida em fraternidade. Sob o ponto de vista

espiritual, elas ocupam um lugar de primeiro plano nos escritos de Francisco, um

speculum perfectionis. Revelam também os traços da personalidade de Francisco:

a simplicidade no falar e profundidade no pensar, profundo conhecimento de si e

alma humana, e experiência no conduzir e educar.

Sua composição tem origem no contexto das assembléias capitulares, bem

como no colóquio que Francisco tinha com seus frades. Algumas dessas

conversas, num segundo momento difícil de precisar, teriam sido recolhidas por

ele próprio ou por outros como palavras de admoestações do santo Francisco.

Sobre os destinatários, sabe-se que não são somente os próprios frades menores,

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mas abrange todos os religiosos que tendem a uma maior perfeição cristã.

(ADMOESTAÇÃO, 1999, p. 27-29)

As Admoestações apresentam um perfil de ensinamentos e um outro que

remete-se às bem-aventuranças evangélicas. Essa divisão é encontrada na análise

da maioria dos autores que trabalha com o tema, contudo não vamos nos prender

a ela, e sim procederemos preocupados em compreender a mensagem educadora

da admoestação, como também identificar os possíveis destinatários, isto é, para

quem ou para quais grupos se dirige a admoestação.

O primeiro tema abordado diz respeito a eucaristia e refere-se a primeira

admoestação: Do corpo do Senhor. Martino Conti relaciona este tratado sobre a

eucaristia com outros documentos da época, onde Francisco teria se servido do

Tractatus de Corpore Domini atribuído ao Pseudo-Bernardo, que seria uma

resposta à carta de Honório III, Sane cum olim (1219), a respeito da reverência

devida ao corpo de Cristo. (ADMOESTAÇÃO, 1999, p. 29) Martino Conti

utiliza a expressão “cruzada eucarística” para que possamos visualizar que o

tema abordado por Francisco responde a um debate fervoroso da época.

Francisco se posiciona no debate reconhecendo o sacramento da eucaristia

(pão e vinho – corpo e sangue) e defendendo a necessidade do indivíduo que crê

no espírito e na divindade em participar desse espírito; não só crer, mas ser

crente.

A eucaristia coloca-se com uma questão, que ao ser afirmada e reafirmada,

transparece uma preocupação com algum tipo de intervenção que vem a seu

prejuízo. Identificamos nos cátaros um desses interventores. A crença cátara

negava a transubstanciação, isto é, para eles o sacramento eucarístico não existe.

“Que a sua carne tivesse sido crucificada não tinha nenhuma importância.

Acreditar que, ao comer o seu corpo escondido no pão, o fiel se unia a Deus, para

um cátaro não passava de um absurdo” (SOUZA, 2001, p. 260).

Considerando a importância da eucaristia como o sacramento que significa

a comunhão entre o espírito e a matéria, que cabia ao sacerdote a função de

concretizar tal comunhão, temos que admoestar sobre o corpo de Cristo nesse

contexto é mais do que instruir e orientar os irmãos franciscanos sobre a

eucaristia, significa posicionar-se em relação aqueles que a estão contestando.

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De igual modo são hoje em dia réprobos todos aqueles que – embora vendo o sacramento do corpo de Cristo que, pelas palavras do Senhor, se torna santamente presente sobre o altar, sob as espécies de pão e vinho, nas mãos do sacerdote – não olham segundo o espírito e a divindade, nem crêem que se trata verdadeiramente do corpo e do sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo [Adm1]. (ASSIS, 1996, p. 60)

Francisco deixa claro a mensagem: não crer na eucaristia é o mesmo que

negar as “palavras do Senhor”, o Evangelho, significa a condenação da alma. Ao

nosso ver, aos religiosos fica a orientação (para aqueles ignorantes sobre o

assunto) e a reorientação (para os duvidosos), caracterizando o tipo de

admoestação de instrução. Em relação aos cátaros, a admoestação não foge do

caráter instrutivo, é uma reorientação, só que não para duvidosos, mas para

opositores.

As admoestações segunda, terceira e quarta (Adm 2-4) enfatizam a

obediência, questão fundamental para educar os religiosos para com a hierarquia

eclesiástica. A mensagem é uma admoestação de instrução, onde obedecer é

entregar sua vontade a Deus, submeter a hierarquia, suportar perseguições como

também não considerar proprietário de cargo algum dentro do movimento (o

cargo de prelado, por exemplo).

A admoestação quinta e sexta são também instrutivas, todavia indicam

reflexões para com grupos específicos da sociedade.

“Entretanto, as criaturas todas que estão debaixo do céu, a seu modo,

servem e conhecem e obedecem ao seu Criador melhor do que tu.”[Adm 5]

(ASSIS, 1996, p. 62). A natureza separada do homem remete a uma questão

presente na época de Francisco, onde a natureza é considerada alheia do mundo

espiritual, Deus é deus dos homens e não das criaturas. Francisco adverte que não

há glória no fato do homem ser imagem e semelhança de Deus, e sim no ato de

servir, conhecer e obedecer a Deus como fazem as criaturas da natureza. Ao

incluir a natureza no mundo espiritual, Francisco admoesta os cátaros e demais

crenças dualistas, que viam na natureza o mal. A admoestação dirigida aos

cátaros continua no segundo parágrafo:

De que, então, podes gloriar-te? Mesmo que fosses tão arguto e sábio a ponto de possuíres toda a ciência, saberes interpretar toda espécie de línguas e perscrutares engenhosamente as coisas

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celestiais, nunca deverias gabar-te de tudo isso, porquanto um só demônio conhece mais das coisas celestiais e ainda agora conhece mais as da terra que todos os homens juntos, a não ser que alguém tenha recebido do Senhor um conhecimento especial da mais alta sabedoria. Do mesmo modo, se fosses mais belo e mais rico que todos, a até operasses maravilhas e afugentasses os demônios, tudo isso seria estranho a ti nem te pertenceria nem disto te poderias desvanecer. [Adm5] (ASSIS, 1996, p. 63)

Francisco ressalta que a glória está em nossas fraquezas. O conhecimento

da ciência, a beleza ou a riqueza material seria forças reconhecíveis pela

sociedade, contudo a mensagem é justamente que a glória está na fraqueza e não

na força das coisas do mundo. O que nos interessa são as qualidades

mencionadas por Francisco como ilusões que não glorificam, qualidades estas

que caracterizam os perfeitos cátaros. Ao exortar que a perfeição está em

reconhecer como uma dádiva as fraquezas que Deus concebeu ao homem ao

invés daquelas qualidades, é possível atribuir esta admoestação àqueles perfeitos

cátaros ou aos seus admiradores.

Na sexta admoestação, Francisco está preocupado com aqueles que se

esquecem de imitar Cristo. “É pois uma grande vergonha para nós outros servos

de Deus, terem os santos praticado tais obras, e nós querermos receber honra e

glória somente por contar e pregar o que eles fizeram.”[Adm 6] (ASSIS, 1996, p.

63). Relevante questionarmos para quem se volta essa advertência. Pensamos que

não se dirige somente para os frades franciscanos, mas também para outros

religiosos que são reconhecidos por serem pregadores, por exemplo, os

dominicanos. Com isso, Francisco realça aquilo que diferencia os franciscanos

perante os demais braços da Igreja: seguir nu o Cristo nu.

A sétima admoestação diz respeito sobre os religiosos doutos, que tem no

conhecimento teológico um meio de adquirir riqueza ou superioridade perante o

outro, ou ainda: “são ainda mortos pela letra aqueles religiosos que não querem

seguir o espírito das Sagradas Escrituras, mas só se esforçam por saber as

palavras e interpretá-las aos outros” [Adm 7] (ASSIS, 1996, p. 64). Francisco

admoesta orientando os religiosos que o que importa é interpretar de acordo com

o olhar espiritual, isto é, não é a razão que conduz para o entendimento das

”sagradas escrituras”, mas a percepção do espírito presente nelas. A

admoestação-instrução é voltada para o crescente número de letrados que

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adentram no movimento franciscano, proveniente geralmente dos celeiros de

intelectuais das ordens regulares como a de cluny, cister e agostiniana.

Nas admoestações oitava, nona e décima primeira, nota-se a continuidade

da preocupação de Francisco com problemas particulares da vida em

fraternidade. A inveja aparece como prática comum para os religiosos e que deve

ser evitada (Adm 8), a caridade, por sua vez, é apresentada por Francisco com

uma nova intenção e sentido: seria a concretização do amor fraternal (Adm 9).

Tolerar o mau exemplo de alguém (Adm 11) é a orientação de Francisco para

com os irmãos que se escandalizam com o pecado.

Um outro conjunto de admoestações apresenta o particular de tratarem do

corpo, termo que seja aparecendo como carne, seja como corpo, seja ainda como

eu, ambos têm um triplo significado: sentido de organismo físico como antítese

da alma; como tudo aquilo que se refere ao corpo ou às coisas terrenas feitas para

interesse próprio; e a vontade obstinada que se opõe ao bem e contraria a Deus –

o princípio antidivino do homem. Não há uma distinção rigorosa em relação a

estes três sentidos, sendo que, se percebe a ressonância comum dos três onde

quer que os termos estejam empregados nos escritos.

No Admoestações, o termo corpo aparece na décima, décima segunda e

décima quarta admoestação.

Na décima quarta admoestação Francisco fala sobre a pobreza como uma

escolha, uma ação voluntária de se desprender dos bens materiais. Para tanto,

admoesta da necessidade de não se importar com as agressões que o corpo

recebe, pois o “pobre de espírito odeia a si mesmo” [Adm 14] (ASSIS, 1996, p.

66).

A décima admoestação identifica o corpo como inimigo, que permite o

pecado. “Porquanto cada um tem sob o seu domínio o inimigo, isto é, o próprio

corpo, por meio do qual ele peca” [Adm 10] (ASSIS, 1996, p. 65). Assim, o

corpo é visto separado do espírito, o homem seria o conjunto corpo mais alma,

sendo que a orientação de Francisco é para manter sobre controle o corpo e ter

cautela para com ele.

Esta questão aparece novamente na décima segunda admoestação, onde o

espírito divino rivaliza com o corpo: “se Deus por meio dele operar alguma boa

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obra, e ele não o atribuir a si, pois o seu próprio eu é sempre inimigo de todo

bem” [Adm 12] (ASSIS, 1996, p. 65). Francisco localiza o mal no próprio

homem, no corpo, deixando transparecer que o bem está presente também no

homem, na alma. Por outro lado, Francisco ao isolar o mal no corpo acaba por

responsabilizar unicamente o homem pelo pecado que pratica e pelo mal que

existe no mundo, isentando a natureza de qualquer mal. Lembrando a questão do

dualismo, considerar que o mal está presente no homem exclusivamente, é

apresentar um dualismo aplicado ao homem (corpo/alma) contrapondo o

dualismo cátaro entre o mundo material (natureza e o corpo) e mundo espiritual

(alma e o paraíso).

Pode-se identificar um grupo de admoestações constituída por uma série

de bem-aventuranças. De acordo com Martino Conti, são virtudes capazes de

qualificar o clima espiritual da fraternidade franciscana e o próprio modo de os

frades irem pelo mundo para anunciar a palavra de Deus. (ADMOESTAÇÃO,

1999, p. 30).Caracterizam admoestações que tem o intuito de revigorar a fé

(admoestação-conforto) ou socorrer os enfermos de espírito (admoestação-

sustento). No caso, as virtudes que animam, confortam e por vezes socorrem os

irmãos franciscanos em suas jornadas, são: paciência (Adm 13); pobreza (Adm

14); espírito de paz (Adm 15); pureza de coração – castidade (Adm 16);

humildade (Adm 17, 20 e 24); compaixão para com o próximo – misericórdia

(Adm 18); renúncia dos bens materiais (Adm 19); silêncio interior (Adm 21);

ponderação e calma (Adm 22); correção fraterna (Adm 23); amor para com os

enfermos (Adm 25); obediência e respeito (Adm 26).

Por fim, as admoestações vigésima sétima e vigésima oitava finalizam o

opúsculo, onde Francisco conjuga virtudes e vícios como forma de apontar o

caminho (Adm 27) e do compromisso de exercer os bens concedidos por Deus,

manifestando-os em obras e sem esperar recompensas (Adm 28).

5.3 AS ADMOESTAÇÕES DAS REGRAS E DO TESTAMENTO

Outras admoestações de Francisco são encontradas na Regra Bulada, na

Regra não bulada e no Testamento.

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Tais admoestações mantém sua concepção pedagógica, que se destoa do

caráter legislativo dos escritos citados acima. Os três escritos preocupam-se em

conter aquilo que regula a Ordem Franciscana, apontando as obrigações e o que é

permitido ou não para o irmão franciscano. A admoestação preocupa-se em

educar o frade, a finalidade é educá-lo para alcançar a salvação da alma ou

proporcioná-la para outros.

Analisaremos neste tópico as admoestações em si, não nos preocupando

com as correlações existentes com o texto em que está inserida. Primeiramente,

identificaremos as admoestações encontradas na Regra Bulada (RB), em segundo

na Regra não Bulada (RNB), e por fim o Testamento (Test).

As admoestações encontradas na Regra Bulada (RB 2,17; 3,10; 9,3; 10,7)

caracterizam uma forma de pregação que podem ser qualificadas como uma

exortação pastoral. Com a finalidade pedagógica-salvífica, esta admoestação-

pregação busca incitar os frades a ficarem firmes na fé e na vocação, educá-los

na disciplina dos apóstolos e reconduzir ao caminho certo os que se desviaram

dele.

Francisco admoesta no capítulo segundo com o objetivo de colocar a

vontade de Deus em suas almas. “Eu os admoesto e exorto a que não desprezem

nem julguem os homens que virem usar vestes delicadas e coloridas, tomar

alimentos e bebidas finas, mas, antes, julgue e despreze cada qual a si

mesmo”[RB 2,17] (ASSIS, 1996, p. 133). A preocupação está em desarmar o

frade de um caráter contestador ou de crítico social, cuidando com a reputação do

franciscano humilde e penitente. No capítulo terceiro a preocupação se repete:

“aconselho, admoesto e exorto a meus irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo que,

ao irem pelo mundo, não discutam, nem porfiem com palavras, nem façam juízo

de outrem” [RB 3,10] (ASSIS, 1996, p. 134). Desse modo, Francisco busca

afastar os frades de tudo aquilo que não é conforme sua vocação missão.

No nono capítulo, Francisco volta-se para os cuidados com o público alvo

dos sermões. “Também admoesto e exorto os mesmos irmãos a que, nos sermões

que fazem, seja a linguagem ponderada e piedosa, para utilidade e edificação do

povo” [RB 9,3] (ASSIS, 1996, p. 137).

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Já no décimo, Francisco atenta para a vida segundo o espírito. “Entretanto,

admoesto e exorto em Jesus Cristo, Nosso Senhor, que os irmãos se preservem de

toda soberba, vanglória, inveja, avareza, cuidado e solicitude deste mundo,

detração e murmuração” [RB 10,7] (ASSIS, 1996, p. 138).

No que diz respeito sobre a admoestação na Regra não Bulada, o capítulo

quinto oferece admoestações que tem o objetivo de instruir o frade para

reorientar aqueles que andam segundo a carne, a fim de que andem segundo o

espírito.

E se acaso virem que um deles vive segundo a carne e não espiritualmente, conforme corresponde à retidão de nosso gênero de vida, tratem de adverti-lo por três vezes. [RNB 5,5] E se em alguma parte houver entre os irmãos um irmão que não queira viver espiritualmente mas segundo a carne, os irmãos seus companheiros o admoestem com humildade e prudência, o advirtam e repreendam. [RNB 5,7] (ASSIS, 1996, p. 144).

A admoestação apresenta-se como um recurso pastoral que visa melhorar

a vida dos irmãos franciscanos.

Por fim, o Testamento como um todo pode ser concebido como uma

admoestação, assumindo o significado e a função de um discurso de despedida.

“E não digam os irmãos: ‘Isto é uma outra regra’, porque isto é um recordação,

uma admoestação, uma exortação e meu testamento, que eu, Frei Francisco, o

menor de todos, deixo para vós, meus irmãos benditos, a fim de que possamos

observar mais catolicamente a Regra que prometemos ao Senhor” [Test 11, 34]

(ASSIS, 1996, p. 170).

Francisco afirma que o testamento é uma admoestação, recurso de

instrução, conforto e sustentação para educar o irmão franciscano. Ao negar que

seja uma outra regra, está recusando o rótulo para o testamento de um texto

legislativo, prefere exaltar o perfil pedagógico de seu último escrito. A esta

preferência, salientamos a necessidade de refletir sobre as intenções de

Francisco: atribuindo ao testamento a concepção de admoestação, não seria uma

outra regra, mas a mesma regra, as mesmas intenções e objetivos, mas como uma

linguagem que caracteriza uma pedagogia para a salvação?

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6 CONCLUSÃO

A novidade do discurso proferido por Francisco de Assis significa

material rico para a compreensão de um momento crucial da história européia

ocidental, caracterizado por uma dinâmica ora de produto ora de produtor entre a

cidade e o discurso franciscano. A revolução urbana em níveis econômicos

(comércio e artesanato) e religiosos (movimento religioso laico e heresias) do

século XII, acabam por oferecer os elementos que permitem o surgimento do

movimento franciscano no início do século XIII. Por outro lado, Francisco

oferece para as novidades citadinas uma nova moral como resposta as

necessidades espirituais e sociais decorrentes de todas aquelas transformações

urbanas.

As análises sobre a cidade e seus habitantes viabilizaram identificar e

caracterizar os possíveis interlocutores. O primeiro passo foi o estudo sobre qual

é o tipo de cidade palco do movimento franciscano e quais os grupos que ela

apresenta ou mesmo se destaca no tecido social, que permitem a interlocução

entre Francisco e o destinatário de seus ditos.

Concluímos que o florescimento do movimento franciscano ocorre em um

tipo específico de cidades: aquelas que surgem no a partir do século XII e que se

situam principalmente no eixo da economia-mundo que vai do Norte da Itália aos

Países Baixos, mas não só, pois os franciscanos acompanham as cidades de

cunho comercial e mercantil, seja ela neste eixo ou periférico a ele.

Estudar os habitantes daquele tipo de cidade, resultou na identificação dos

grupos citadinos novos, mercadores e intelectuais, dos movimentos religiosos

tanto laicos quanto heréticos. Conhecer e entender esse quadro urbano tornou

possível a compreensão dos diálogos possíveis naquele momento.

Francisco dialoga através de seus escritos com intelectuais, mercadores,

clérigos, mesmo que estes sejam frades, pois a cultura do intelectual, do

mercador, do clérigo se faz presente no irmão franciscano.

A partir de suas admoestações, Francisco educa esses frades, que eram

antes intelectuais, mercadores ou clérigos, em sua maioria. Adentrando e

conhecendo como eles pensam, Francisco consegue conduzi-los a sua salvação.

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A pedagogia com fins na salvação é o recurso pastoral que transforma, canaliza

esses fragmentos culturais do mercador e do intelectual, que no todo formam a

cultura citadina, para o mundo espiritual. É controlando o corpo que o homem

consegue que sua alma se sobressaia, é controlando os anseios e vícios da cultura

citadina é que o frade obtém a salvação.

Mas Francisco não restringe sua pregação-admoestação somente para os

ortodoxos, dirige-se para os grupos que contestam a Igreja, que denunciam o

desvio do clero ou se opõe aos sacramentos pilares da fé católica. Por meio de

admoestações, Francisco de Assis propõe educar também o herético,

apresentando diluído em suas exortações questões que dialogam principalmente

com os cátaros.

Identificar os participantes possíveis desse diálogo foram o objetivo final

de nossa pesquisa: o intelectual, o mercador e o herético constituem os três

grupos para qual Francisco dirige sua palavra de admoestação. Contudo, este

resultado último, que traz certo alento, também aponta para um trabalho de maior

fôlego, que adentraria ainda mais neste discurso de Francisco, a admoestação, e

buscaria uma compreensão de recortes mais específicos.

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