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XIX SEMEADSeminários em Administração
novembro de 2016ISSN 2177-3866
COM A FACA E O QUEIJO NA MÃO
ANDRE MATEUS BERTOLINOUNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL (UFFS)CAMPUS [email protected]
ZACARIAS TÁVORAUNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ (UNOCHAPECÓ)CHAPECÓ[email protected]
JULIO ADRIANO FERREIRA DOS REISUNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ (UNOCHAPECÓ)CHAPECÓ[email protected]
JÚLIO ERNESTO COLLAUNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ (UNESPAR)PARANAVAÍ[email protected]
1
COM A FACA E O QUEIJO NA MÃO
Introdução
Como em outras regiões interioranas do Brasil, o Sudoeste do Paraná apresenta
diversos setores econômicos ligados à agropecuária, entre os quais podemos destacar o de
pequenas propriedades rurais. Nessa atividade há grandes dificuldades para manutenção da
sustentabilidade dos negócios que desenvolvem. Considerando que a maioria dessas
propriedades é fonte de trabalho familiar e apresentam formas de produção essencialmente
artesanais há a necessidade de constante inovação, que esbarra em diferentes obstáculos tais
como a tradição, a insegurança, a baixa qualidade, a falta de apoio técnico e financeiro, dentre
outros.
Nesse contexto, há espaço para parcerias com entidades que fomentam processos de
transformação da produção e, desta forma, podem caracterizar oportunidades para geração de
novos negócios, de forma a garantir novas perspectivas não só para a propriedade rural como
também para o desenvolvimento regional.
Diante do exposto, a criação do queijo típico do sudoeste paranaense, denominado
Santo Giorno, demonstra uma alta interação não só entre agentes públicos e privados, mas
também de organismos internacionais. O produto, que surgiu a partir do queijo colonial, teve
como berço as pequenas propriedades rurais da agricultura familiar e mostra-se um
importante vetor para o desenvolvimento da região.
1. Histórico e perspectivas
Francisco Beltrão-PR, segunda-feira, 8 da manhã.
Pedro Mezzomo, então presidente do Círculo Ítalo-Brasileiro de Coronel Vivida-PR, e
Célio Bonetti, diretor da Agência de Desenvolvimento Regional do Sudoeste do Paraná
(AGENCIA), conversavam sobre a realização de projeto de cooperação entre Brasil e Itália
para produção de queijos.
C: - Pedro, há quanto tempo não nos víamos! Que bom receber sua visita! Soube
que vocês estiveram na Itália no ano passado!
P: - Sim, Célio! Fomos ao encontro da família Mezzomo em Beluno. E este ano
foram eles quem vieram para cá.
C: - Que bacana!
P: - Esses dois encontros não ficaram no solo baci e abraci (só beijos e abraços)
como dizem os italianos. Rendeu muitas ideias.
C: - Não diga!
P: - A propósito, essa é a razão da minha visita. Nossos familiares italianos
ficaram impressionados com o potencial leiteiro do sudoeste do Paraná e deram uma
excelente ideia. Sugeriram uma parceria entre a Itália e o Brasil para capacitar queijarias da
região na produção de queijos finos. No mês passado já ministraram um curso de curta
duração com alguns produtores. Foi sensacional! A intenção, agora, é pleitear recursos de
transferência tecnológica e ampliar o projeto, estendendo para outras queijarias e cidades da
região. O que acha de pensarmos sobre esta proposta?
C: - Claro! Parece-me uma excelente oportunidade. Com a capacidade láctea de
que dispomos aqui e o know how dos bellunenses estamos “com a faca e o queijo na mão”
para alavancar esta cadeia produtiva. Avanti! Vamos em frente!
Quando aconteceu o encontro da Família Mezzomo, em Santa Giustina, Província de
Belluno, Itália, ninguém imaginava o surgimento de um projeto que envolveria os dois
territórios e gestaria um produto típico da região sudoeste do Paraná, o queijo fino Santo
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Giorno. A parceria representou a união da grande experiência na produção de queijos dos
bellunenses e a expressiva produção leiteira dos paranaenses.
A atividade leiteira, presente desde o início da colonização da região, tornou-se
importante fonte de renda para as famílias agricultoras, uma vez que as características naturais
e culturais atreladas ao processo de modernização da agricultura favoreceram a produção
leiteira. Também contribuiu para o aumento da produção e da produtividade a ampliação do
mercado de consumidores e das políticas públicas de fomento à produção e ao consumo.
Nesta conjuntura, surgiu uma oportunidade para otimizar a produção do queijo típico
colonial, através desenvolvimento de produtos com tecnologia italiana. Membros da
Associazione Bellunese nel Mondo (ABM), que estiveram no Brasil na ocasião daquele
encontro familiar, articularam ações junto à Província de Belluno/Região de Veneto-Itália e
através de um projeto denominado REDE, coordenado pela AGENCIA, foi possível
conquistar o aporte financeiro e técnico para a realização das etapas de transferência de
tecnologia.
O projeto REDE, direcionado aos pequenos e médios laticínios da região, teve como
principal objetivo o melhoramento da qualidade dos queijos, além de auxiliar no aumento da
capacidade comercial através da produção, valorização e comercialização dos produtos
lácteos, com características das tradições e tipicidades agroalimentares vêneta.
O projeto foi implementado em quatro fases, que envolveram as etapas de
sensibilização, transferência de tecnologia, capacitação na área de produção de queijos de
qualidade e, por fim, o desenvolvimento do queijo típico regional.
2. O Início do Projeto
Nas décadas que antecederam a parceria, algumas queijarias da região sudoeste do
Paraná apresentavam baixa produtividade e cogitavam encerrar suas atividades. A produção
do queijo colonial, até então fabricado de maneira predominantemente artesanal, apresentava
intenso vínculo com a cultura dos imigrantes italianos e com as primeiras gerações de
descendentes que se fixaram na região, contudo, não gerava atrativos entre os mais jovens.
A produção de queijos era a principal atividade de muitos colonos. Seu forte vínculo
com a agricultura familiar evidencia a relevância social dessa atividade para a região. Os
produtores e pequenas organizações, sem acesso a conhecimentos técnicos e recursos
tecnológicos, encontravam-se ameaçados pelos grandes laticínios e fadados ao fim.
Apesar de muitas queijarias atravessarem um momento difícil, o potencial lácteo do
sudoeste do Paraná era expressivo e a região estava entre as maiores bacias leiteiras do país.
Aproximadamente 30 queijarias foram beneficiadas pelo programa. Além do contato
com novas metodologias de produção, a aplicação do projeto oportunizou o repasse de
informações e o debate acerca dos modelos organizacionais da região vêneta, como os
consórcios de queijeiros e transferência de tecnologias italianas para a fabricação de queijos.
Nos anos seguintes, muitos dos pequenos laticínios e queijarias começaram a colher os
frutos da aplicação das novas metodologias abordadas no processo de capacitação, que
resultou na produção de queijos que agradaram os consumidores, especialmente regionais.
Muitos produtores puderam, com isso, obter melhor retorno econômico e viram, nesta
oportunidade, razões para seguir em frente com a atividade.
3. O desenvolvimento do novo produto
O objetivo da parceria entre Brasil e Itália, inicialmente, era de capacitar os produtores
em torno do propósito de melhorar o queijo colonial, bem como disseminar informações sobre
a organização dos negócios, sobre aspectos sanitários e de higiene, além de promover a
3
transferência de tecnologias italianas para a fabricação do produto. Devido ao sucesso da
atividade, as ações de parceria tiveram continuidade, o que possibilitou o desenvolvimento de
mais três fases.
Figura 1: Fluxo do desenvolvimento do produto.
Fonte: Autores
Na segunda etapa do projeto a capacitação foi aprofundada e ocorreu a elaboração
experimental do primeiro queijo a base de leite cru desenvolvido nas dependências de três
queijarias da região.
Apesar de o embrião do novo produto ter se formado na fase anterior, a terceira etapa
do projeto foi o momento de maior importância desde o início da parceria. A partir do queijo
desenvolvido na segunda etapa e da orientação técnica para o rígido controle e
acompanhamento do produto em todas as fases da cadeia produtiva, foram ampliadas as
parcerias, em que a Universidade Federal Tecnológica Federal do Paraná teve um papel
crucial, especialmente no desenvolvimento do fermento autóctone, ou seja, que se origina da
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região onde é encontrado. A receita de sua composição é de domínio público da região
sudoeste do Paraná, adaptado às condições de produção local.
Mas foi na última fase que, de fato, o desenvolvimento do novo produto foi finalizado
e adquiriu forma e identidade. Nesta etapa, uma série de testes foi realizada no fermento
lácteo em condições locais e houve a padronização das etapas de fabricação do queijo. As
amostras do produto foram acompanhadas durante seu processo de maturação por meio de
análises físico-químicas, microbiológicas e sensoriais realizadas em laboratórios. Nesta fase
também foi realizado um processo de discussão da marca e houve o encaminhamento do
registro ao órgão competente. A marca é de domínio coletivo, utilizada, exclusivamente, pelos
laticínios localizados na região em que foi desenvolvido.
Ao final do processo, quatro queijarias estavam aptas à produção do queijo Santo
Giorno, uma vez que apresentavam condições econômicas e estruturais para investir em
maquinários e tecnologias necessárias para o desenvolvimento deste produto.
Em razão da necessidade de finalização dos trâmites para a licença comercial do
produto, o queijo Santo Giorno ainda não foi lançado no mercado. O grande desafio que se
apresenta às queijarias que apostaram no produto, neste momento, é o de desbravar as
potencialidades do negócio e de elaborar estratégias de agregação de valor ao produto, através
produção de um discurso de marketing que valorize o item a partir de sua vinculação com sua
região de origem, como ocorre, por exemplo, o queijo Grana Padano, que é um queijo
italiano típico da Planície Padana, muito popular e valorizado em todo o mundo.
Figura 2: Embalagem do queijo Santo Giorno
Fonte: MARCHI et AL (2014)
4. O Arranjo Produtivo Local (APL) Lácteo do Sudoeste do Paraná no contexto da
Inovação e do Desenvolvimento Regional
A atividade leiteira vem desempenhando um importante papel para a região sudoeste
do Paraná e tornou-se uma das atividades agropecuárias socioeconômicas mais importantes.
A região configura-se como um APL, uma vez que aglomera não somente produtores,
mas diversas empresas de micro, pequeno e médio portes do ramo lácteo, além de
cooperativas e organizações voltadas ao apoio técnico e financeiro no ramo e que interagem
de forma colaborativa em diversos projetos.
Gonçalves, Leite e Silva (2012, p. 833), trazem a seguinte definição para um APL: são aglomerações ou concentrações territoriais e setoriais de agentes econômicos,
políticos e sociais em torno de uma atividade econômica específica, nas quais se
estruturam vínculos e relações de interação, interdependência, cooperação e
aprendizagem, voltadas para o enraizamento da capacitação inovativa contínua, essencial para geração de competitividade e sustentabilidade dos seus membros,
como também para a promoção do dinamismo econômico local da região em que o
APL está inserido, diminuindo as disparidades intra e inter-regionais.
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Adicionalmente, Furlanetto, Cândido e Martins (2011, p. 208) afirmam que um APL
deve promover, além de conexões com o mercado, ainda: a sustentabilidade por meio de um padrão de organização que se mantenha ao longo
do tempo, a promoção de um ambiente de inclusão de micro e pequenos negócios
em um mercado com distribuição de riquezas, e a elevação do capital social por
meio da promoção e a cooperação entre os atores do território.
A região sudoeste é, atualmente, a que concentra maior volume de produção de leite
do Estado do Paraná e apresenta forte vínculo com a agricultura familiar, o que indica a
relevância social dessa atividade.
É inegável o fato de que o grau de complexidade das atividades no contexto rural é
essencialmente mais elevado quando comparado a outros setores da economia. Problemas de
ordem climática, elevado grau de perecibilidade dos produtos e doenças são alguns dos
fatores que contribuem para a instabilidade da produção, já que os recursos tecnológicos não
são capazes de resolver todos os problemas e não estão disponíveis para todos os produtores.
Entretanto, mesmo com a atividade leiteira apresentando um crescimento acentuado, a
instabilidade dos preços e insegurança no retorno econômico tem sido um dos principais
fatores para que os pequenos produtores não invistam na produção leiteira. Em algumas
propriedades que adotam pouca tecnologia, observa-se que os avanços são lentos, pontuais e
apresentam escassos investimentos em áreas fundamentais.
Neste intento, atualmente, o consenso relativo à importância dos APLs como
instrumento para alavancar a economia regional tem sido amplamente difundido, uma vez que
se consolidam como ambientes adequados para a concretização de processos de aprendizagem
e de inovação.
Christensen et al. (2007, p. 49) ressalta que “a inovação sempre ocorre dentro de um
contexto. As forças alheias ao mercado, principalmente o governo e as agências reguladoras,
podem ter papel importante na formatação desse contexto.
De Muylder (2012), traduzindo Berkun, autor da obra The myths of innovation (2007),
afirma que grandes ideias não surgem para aqueles que estavam em um lugar certo na hora
certa e, sim, para aqueles que trabalharam arduamente, correram riscos e fizeram sacrifícios.
A maioria das inovações surge, quando duas ou mais pessoas se dedicam a resolver um
problema bem definido e fazem as coisas acontecerem. Uma pessoa pode ser reconhecida
como o inovador, mas é sempre um time de pessoas dedicadas, que faz qualquer aventura
funcionar.
Neste sentido, a criação do queijo Santo Giorno evidenciou o trabalho coletivo e
colaborativo, através da interação de diversos atores regionais e organizações, com
intervenção de alta tecnologia na cadeia produtiva láctea. Tal processo certamente reflete
direta e indiretamente em todos os elos da cadeia e na qualidade dos produtos.
De maneira geral, a região colheu muitos frutos a partir deste projeto, que atuou,
verdadeiramente, como um divisor de águas para a cadeia produtiva de produtos lácteos na
região sudoeste do Paraná, possibilitando, assim, o impulso de que a região necessitava
expandir seus mercados.
O APL em questão, ao promover o de desenvolvimento do queijo Santo Giorno,
mostrou-se engajado na promoção de ações de qualificação educacional, através de
instituições científicas e tecnológicas, bem como de outros arranjos institucionais que apoiam
a interação e fortalecimento entre diferentes atores no processo de transferência de tecnologia,
garantindo o acesso à inovação por parte de produtores e laticínios e, por conseguinte,
favorecendo, sobremaneira, o desenvolvimento regional.
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5. O mercado de queijos no Brasil e no mundo
Queijo é o nome genérico para um grupo de alimentos fermentados à base de leite com
grande diversidade de sabor, textura e formas (FOX et al., 2000, p. 3). Trata-se de um
alimento milenar e incorporado ao cardápio de muitos países.
O queijo é um alimento de grande comercialização, apresentando vantagens do ponto
de vista tecnológico: um produto de fácil aceitação e elevado rendimento na fabricação, o que
melhora seu escoamento e distribuição no mercado (FURTADO, 1991, p. 11).
As tendências quanto à produção e ao consumo de queijos no mundo, mostram
elevação significativa para os próximos anos, de acordo com o relatório de perspectivas para a
agropecuária (Safra 2014-2015), desenvolvido pela Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab), com base nos dados da Organisation for Economic Co-operation and Development
(OECD) and the Food and Agriculture Organization (FAO). Até 2023, a perspectiva é que a
produção de queijos aumente em 17,6% nos países desenvolvidos e em 25% nos países em
desenvolvimento. O consumo do produto deve aumentar em 10% nos países desenvolvidos e
nos países em desenvolvimento haverá aumento de 21%, conforme observado nos gráficos 1 e
2.
Gráfico 1: Queijo - Produção nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, histórica e estimada, 2001-
2023 – Em mil toneladas. Fonte: OECD/FAO (2014)
Os queijos são consumidos principalmente nos países desenvolvidos e hoje respondem
a aproximadamente 75% do consumo mundial. Entretanto, considerando os dados expostos
no gráfico 1, que demonstra os dados históricos e estimados do consumo de queijo no mundo,
é evidente que há uma projeção crescente no consumo do produto. A perspectiva é de que o
alimento siga a tendência de aumento gradativo de consumo nos países em desenvolvimento,
porém, sem queda de consumo nos países desenvolvidos.
Gráfico 2: Queijo - Consumo per capita países desenvolvidos e em desenvolvimento, histórica e estimada,
2001-2023 – Em kg/ per capita. Fonte: OECD/FAO (2014)
No Gráfico 2 é possível perceber que o consumo de queijos está diretamente
relacionado ao potencial aquisitivo e à renda per capita. Além disso, constata-se que tanto em
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países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento o consumo é progressivo, ainda que
para estes o alimento seja pouco acessível quando comparado a outros itens alimentícios.
Nacionalmente, tal constatação aponta para a necessidade fortalecer a cadeia como um
todo, proporcionando condições para a realização de melhorias na qualidade do leite, que
permita um melhor rendimento no produto final, maior capacitação tanto dos produtores de
leite para boas práticas, como dos transportadores e, finalmente, dos laticínios, a fim de que
inovem suas linhas de produção.
O Brasil é tradicionalmente um grande produtor de leite. A atividade ocupa posição de
destaque no cenário econômico nacional, sendo, atualmente, um de seus principais
agronegócios.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias de Queijos (ABIQ), em
2014, o mercado do queijo movimentou aproximadamente R$ 19 bilhões, que corresponde a
um consumo médio per capita de 5,1 quilos por ano. O consumo de queijos diferenciados
(finos ou especiais) nacionais também se ampliou devido ao incremento da renda e às
mudanças nos hábitos de consumo de produtos com maior praticidade e mais nobres, o que
pode ser observado pelo aumento em sua produção. Os queijos finos representam, atualmente,
30% do mercado brasileiro.
Relativamente aos principais derivados lácteos, as projeções da OECD/FAO estimam
um crescimento de 22,8% do consumo de queijo pela produção brasileira entre o período
2013 e 2023, com aumento de 700,3 mil para 859,7 mil toneladas. A projeção é de que a
produção de queijos ocupe a segunda posição na produção nacional de derivados de leite.
Tabela 1: Brasil - Produção de derivados: perspectivas para 2023 (base: média: 2011-13)
Fonte: Conab (2014).
No Brasil, é possível verificar que a produção, o consumo e as exportações líquidas,
mesmo apresentando perspectiva de significativo crescimento, conforme consta no gráfico
abaixo, ainda se mostra um modesto exportador de queijos, o que demonstra a necessidade de
exploração deste mercado.
Gráfico 3: Brasil. Queijo – Produção, consumo e exportações líquidas, históricas e estimadas, 2001 a 2023
– Em mil t. Fonte: OECD/FAO (2014)
De acordo com a Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento do Paraná
(SEAB), as regiões oeste, sudoeste e a noroeste são responsáveis por quase 80% do
processamento de queijos do Estado.
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O Estado ocupa a terceira posição nacional no cenário da atividade leiteira. No caso da
região sudoeste, a elevada produção de queijos se justifica por seu potencial lácteo, sendo a
que mais cresceu nos últimos anos, em níveis de rebanho e produtividade leiteira no Paraná.
6. Análise do perfil do público participante da análise sensorial do queijo Santo
Giorno
A análise sensorial foi uma das fases do Projeto Santo Giorno. Durante a degustação,
os consumidores provaram dois tipos do queijo, com maturação de 60 e 180 dias. Ao provar o
produto, responderam a um questionário de aceitação, a fim de obter dados para a formatação
e aprimoramento do produto. Essas pesquisas foram aplicadas no Câmpus Pato Branco da
UTFPR, além de outros espaços públicos e supermercados da região.
Todescatto (2014) compilou as informações resultantes das análises sensoriais da
pesquisa aplicada nas dependências da Universidade, que indicaram alguns dados relevantes
no que se referem aos perfis e à intenção de compra dos indivíduos que participaram da
degustação, que contou com a participação de 80 provadores não treinados, entre eles
discentes e servidores da UTFPR. A pesquisadora descreve que foi utilizada uma escala de 5
pontos, com notas variando de Desgostei muito (1), Desgostei (2), Nem desgostei, nem gostei
(3), Gostei (4) e Gostei muito (5).
Na ficha constava um campo destinado à intenção de compra do provador, com quatro
pontos: a) não compraria, b) talvez compraria, c) compraria e d) com certeza compraria. A
pesquisadora verificou que a intenção de compra para os queijos com 60 dias de maturação
apresentou médias entre 3,37 a 3,40, tendendo para a opção de Compraria (3) a Com Certeza
Compraria (4), enquanto para os queijos com 180 dias de maturação apresentou média de 2,08
a 2,96, que de acordo com o código, significam: Talvez Compraria (2) a Compraria (3). Em
relação à diferença observada na intenção de compra, no que se referem ao tempo de
maturação de 60 e 180 dias, destacou que o fato provavelmente se justifica em razão da
população consumidora possuir hábitos de consumo de queijos tradicionais não maturados.
A frequência de consumo de queijos também foi pesquisada na análise sensorial,
sendo que o provador deveria informar se o realizava todos os dias, uma vez por semana, mais
de uma vez por semana, uma vez por mês ou não consumia este tipo de alimento. Sobre este
aspecto, constatou que os provadores são consumidores assíduos de queijo, pois, 36,87%
disseram consumir todos os dias (TD), 48,12% mais de uma vez por semana (MV), e 11,87%
uma vez por semana (UV).
Figura 2 – Frequência de consumo de queijos dos provadores nas análises sensoriais. MV – Mais de uma
vez por semana; TD – Todos os dias; UM – Uma vez por mês; UV – uma vez por semana; NC – não
consome. Fonte: TODESCATO, 2014.
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Outro dado importante da pesquisa foi a verificação da faixa etária dos participantes
da degustação, cujo resultado está exposto na Figura 3 e mostra que a maioria do público, ou
seja, aproximadamente 60%, se enquadra em faixas etárias acima de 25 anos, que pode ser
considerado um público de potencial consumo, pois teoricamente, compõem as classes sociais
consideradas ativas no mercado e com poder aquisitivo para adquirir o produto discutido
nesse caso para ensino.
Figura 3 – Faixa etária dos provadores na análise sensorial dos queijos com 60 dias de maturação. Faixa 1
– Menores de 25 anos; Faixa 2 – de 25 a 35 anos; Faixa 3 - 36 a 50 anos; Faixa 4 – Maiores de 50 anos. FONTE: TODESCATTO, 2014.
Todescatto (2014) observou, ainda, que na análise sensorial dos queijos com 60 dias
de maturação, a maioria dos participantes possuiu idade inferior a 25 anos (43%),
correspondendo a um grupo da população mais jovem. No grupo que abrange a faixa dos 26
aos 50 anos foram inqueridos 54%. Na análise sensorial dos queijos com 180 dias de
maturação, a maioria dos participantes estava na faixa etária de menor de 25 anos (70%), dos
80 provadores, estando esse público fora da classe dos economicamente ativos, o que, na
interpretação da pesquisadora, resulta do fato deste público apresentar menor a acesso a
queijos maturados e finos, que representam um custo mais elevado.
Figura 4: Análise sensorial do produto em supermercados da região Sudoeste do Paraná. Fonte: AGENCIA (2015)
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7. O desafio da eficácia do projeto
A produção de queijos finos, como é o caso do Santo Giorno, visa responder
eminentemente a uma estratégia comercial de manutenção de preços elevados. Sendo assim,
seu público consumidor está projetado para o atendimento a classes mais abastadas
economicamente, o que se coloca como um grande desafio de mercado às queijarias, já que,
historicamente, atingiam uma clientela distinta, consumidora do queijo típico colonial, mais
acessível em termos de custos e restrito do ponto de vista geográfico.
A atual segmentação na produção e comercialização de queijos no Brasil, distante da
valorização das diferenciações e singularidades do produto, a exemplo do que ocorre na
Europa, faz com que os queijos especiais, tidos como de alta elasticidade-renda, sejam
destinados a nichos restritos de mercado, enfrentando, desta maneira, intensa concorrência
com os importados.
Resende (2000) define que o crescimento da cadeia dos queijos finos no país tem
ocorrido de forma bem mais lenta que a dos queijos comuns, pois, além de demandarem
condições de produção e maturação muito específicas, possuem preços bem mais elevados,
sendo seu público-alvo principalmente as classes A e B.
O Anuário da Pecuária Brasileira (ANUALPEC) do ano de 2012 evidencia que, no
Brasil, os queijos finos apresentam-se como uma novidade que alcança somente pessoas com
idade mais avançada ou com maior poder aquisitivo, que têm a oportunidade de conhecer esse
tipo de produto geralmente em viagens internacionais. A cultura nacional ainda valoriza
excessivamente queijos convencionais como os queijos Prato, Minas Frescal e falta o hábito
de consumo de produtos com aroma e sabor mais acentuados.
Por outro lado, diante das restrições de ordem logística, inerentes à importação de
queijos artesanais especiais, a produção e certificação de queijos especiais brasileiros se
mostra uma grande oportunidade.
Para Nonnenmacher (2009), o espaço existente para o crescimento do mercado de
queijos no Brasil, especialmente o de queijos finos, é grande, mas para explorá-lo
adequadamente, exige-se que se conheçam melhor as suas principais características.
O queijo Santo Giorno, por suas características de tipicidade e raridade, evidenciam
atributos que contribuem para o seu destaque no segmento de queijos finos, entretanto, os
laticínios e queijarias se deparam com o grande desafio da modificação do foco do nicho de
mercado, mais restrito e distinto daquele com os quais estavam habituados a comercializar.
Diante disso, a opção pelo desenvolvimento de um produto com tais características,
possibilita vislumbrar um horizonte com diferentes caminhos e direções. Que tal explorá-los?
8. Referências
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Disponível em: http://www.abic.com.br. Acesso em: 05 de jan. 2015.
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FURTADO, M.M. A arte e a ciência do queijo. 2.ed. São Paulo: Globo, 1991.
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de Beltrão. Francisco Beltrão, 2014.
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típico da mesorregião Sudoeste do Paraná. Dissertação apresentada à Universidade
Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR, Pato Branco, 2015.
NOTAS DE ENSINO
Objetivos de ensino
Espera-se o estudo do caso possibilite: a) a discussão sobre as estratégias aplicadas no
desenvolvimento do novo produto; b) o debate sobre o mercado-alvo e sobre as ações
destinadas à agregação de valor à cadeia produtiva; c) a reflexão sobre o contexto de
fabricação do novo produto, bem como sobre as prospecções mercadológicas que envolvem a
produção deste segmento para os próximos anos.
Fontes e os Métodos de coleta
O caso foi construído a partir da realização de uma entrevista semi-estruturada com o
presidente da AGENCIA, entidade responsável pela coordenação e articulação do Projeto
REDE, bem como através da análise de documentos e produções acadêmicas relacionadas ao
desenvolvimento do projeto.
Relações com os objetivos das disciplinas
Recomenda-se que o caso seja utilizado como recurso didático para aulas cujos temas
centrais sejam Estratégia, Desenvolvimento Regional e disciplinas relacionadas. O caso
possibilita reflexões sobre oportunidades de desenvolvimento de novos produtos, agregação
de valor, bem como sobre a dinâmica das relações entre ambiente e mercado consumidor.
Ademais, possibilita discussões sobre oportunidades de negócios no contexto de produção
regional, bem como estratégias de atuação integrada entre entidades, universidades e agências
de fomento na execução de um projeto coletivo.
Possíveis tarefas a propor aos alunos
1 – Estratégia e Inovação: o caso pode ser utilizado na abordagem de disciplinas relacionadas
à inovação e estratégia em desenvolvimento de produtos.
Você está sendo convidado a integrar um grupo de apoio aos estabelecimentos que se
propuseram a desenvolver o queijo “Santo Giorno”, cujo objetivo é refletir sobre a eficácia da
parceria, avaliar as estratégias aplicadas no desenvolvimento do novo produto e contribuir
para a elaboração de estratégias mercadológicas para a comercialização do Santo Giorno. Sua
tarefa é apresentar e debater ideias com os demais membros. Algumas questões e objetivos
nortearão a discussão:
1.1 De acordo com a Associação das Indústrias de Queijos (ABIQ), as características
estruturais do comércio de queijos no Brasil estão caminhando para a tendência do mercado
mundial de queijos, que se pauta na valorização pela tradição na produção artesanal e
fortemente vinculada a uma região geográfica. De que maneira a estratégia de construção do
novo produto corresponde a essa premissa?
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1.2 Como avaliar a relação entre ambiente, recursos e capacidade produtiva no caso em
questão? Quais são as ameaças e as oportunidades?
1.3 Para o presidente da AGENCIA, Célio Bonetti, “o queijo Santo Giorno apresenta
características que lhe são peculiares e exclusivas, o que o torna único. Projeta-se o
desenvolvimento de subprodutos do segmento de derivados lácteos à maneira Santo Giorno,
como por exemplo, requeijão”, argumenta. O desenvolvimento de artigos especiais exclusivos
é uma estratégia viável de agregação de valor para o segmento? De que maneira?
1.4 Com base nos resultados da análise sensorial descrita por Todescatto, no que se refere ao
perfil dos possíveis consumidores do queijo, você diria que o lançamento do novo produto no
mercado sinaliza chances de sucesso. Justifique sua resposta.
1.5 Será desenvolvida uma nova fase do projeto, em que serão elaboradas estratégias voltadas
à exploração do mercado consumidor de queijos finos e para o fortalecimento da marca.
Você, como integrante do grupo gestor deve colaborar com ideias e sugestões que contribuam
para atingir este objetivo.
2 – Sustentabilidade e Desenvolvimento Regional: pedir a leitura do caso aos alunos e
solicitar que se atentem para a dinâmica da parceria e de que forma sua atuação incidiu na
cadeia produtiva da região.
2.1 O que motivou a família Mezzomo a refletir sobre a possibilidade de capacitar as
queijarias do sudoeste do Paraná? Por que a articulação com outros atores regionais foi tão
importante para o desenvolvimento do projeto?
2.2 A união de esforços de atores envolvidos com a promoção do novo produto, de marca
coletiva, poderá projetar toda a cadeia produtiva da região no contexto de queijos especiais.
Como vimos, a aplicação do projeto trouxe resultados satisfatórios em termos de capacitação
de pessoal e melhoramento da qualidade dos produtos das queijarias envolvidas. A
administração pública, as agências de fomento e órgãos voltados ao desenvolvimento regional
têm o papel de interferir no desenvolvimento de uma cadeia produtiva para torná-la mais
competitiva? De que maneira?
2.3 Quais as possíveis vantagens em termos econômicos e sociais que a parceria entre Brasil e
Itália trouxe para a região Sudoeste do Paraná?
2.4 De que forma é possível modificar o padrão produtivo de uma região sem gerar graves
consequências econômicas e sociais?
Possível organização da aula para estudo do caso
Poderá ser adotada seguinte proposta de sequência de exercício, a ser adaptada pelo
professor, de acordo com o seu plano de aula:
1. Leitura do caso e esclarecimento de conceitos básicos sobre os temas que serão abordados,
tendo como sugestão: estratégia, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento regional e
empreendedorismo. ;
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2. Formação de pequenos grupos (de 3 a 4 pessoas) para discussão do caso e desenvolvimento
das questões;
3. Socialização das reflexões dos grupos à classe.
O desenvolvimento das questões propostas não resultará em opiniões similares, nem
em soluções únicas, mas pretende conduzir reflexões que estejam pautadas na compreensão
do caso através da articulação com conceitos teóricos inerentes às áreas a serem abordadas. O
professor poderá instigar um debate acerca dos diferentes pontos de vista, a fim de estimular a
capacidade de análise e argumentação.
Sugestão de Bibliografia:
De Souza, N. de J. Desenvolvimento Regional. São Paulo: Atlas, 2009.
De Oliveira, J. A. P. Pequenas Empresas, Arranjos Produtivos Locais e Sustentabilidade.
São Paulo: Editora FGV, 2009.
Kronemberger, D. Desenvolvimento Local Sustentável: uma abordagem prática. São
Paulo: Editora Senac, 2014.
Montgomery, C. A. O estrategista: seja o líder de que sua empresa precisa. Rio de Janeiro:
Sextante, 2012.
Mintzberg, H.; Lampel, J.; Quinn, J. B.; Ghoshal, S. O processo da Estratégia: conceitos,
contextos e casos selecionados. 4 Ed., Porto Alegre: Bookman, 2006.