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YOUTUBE: DISPOSITIVO QUE CONVOCA CRIANÇAS
CONTEMPORÂNEAS AO CONSUMO
Darcyane Rodrigues de Melo (PPGEDU/ULBRA)
Introdução
No Brasil, alguns canais do YouTube apresentados por crianças ultrapassam o número de
dois milhões de inscritos. Esses dados indicam grande mobilização de crianças assistindo a
vídeos de outras crianças na internet. Muitos dos conteúdos expressos nos vídeos incluem a
apresentação de brinquedos, passeios, composição de looks e visibilidade de marcas.
Interessa-me ampliar as discussões sobre o YouTube como dispositivo que interpela as
crianças contemporâneas ao consumo. Este estudo está inserido no campo teórico dos Estudos
Culturais em Educação, de viés pós-estruturalista. O referencial teórico utilizado está
fundamentado no conceito de dispositivo, conforme a teorização foucaultiana, e nos conceitos
de cultura do consumo e consumismo, conforme Bauman, (2001, 2008) Costa, (2009, 2010)
Momo, (2009, 2010, 2012) entre outros. O material que constitui o corpus de análise trata-se
de um conjunto de dezesseis vídeos disponíveis no YouTube, protagonizados por uma
YouTuber infantil, que será denominada neste trabalho como J.S, a convite da franquia
Monster High. A franquia Monster High compõe bonecas inspiradas em monstros lendários e
de filmes de terror. É um dos brinquedos mais populares da fabricante Mattel.
As análises estão divididas em três eixos temáticos, a saber: o protagonismo infantil; a
cultura participativa; a aliança das crianças com a franquia. Os resultados apontaram ser
notável que as crianças ganharam uma centralidade, tornando-se participantes ativas em suas
culturas através de espaços informais como o YouTube. O YouTube, portanto, está cada vez
mais familiar às crianças e a participação delas nessa mídia permite que se expressem e
ocupem o lugar de alguém que tem voz. As crianças que se tornam ídolos em espaços como o
YouTube promovem a interatividade com outras crianças em espaços presenciais, através de
encontros com fãs, e também em espaços virtuais, mediante comentários, feedbacks e
diálogos entre elas. A franquia multimídia Monster High, presente nos vídeos analisados,
indica a formação de aliança com a criança Youtuber, pois esta é incentivada a criar seus
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próprios vídeos, com temáticas que propagam cada vez mais a marca e estimula outras
crianças a fazerem o mesmo, convocando crianças ao desejo de reciclar suas vontades de
consumir.
Discurso do consumismo e o Youtube como dispositivo de consumo
Economistas do século XIX salientavam que o consumo ocorria por “necessidade”,
caracterizando a fase da “solidez”1, porém essa prática foi sendo descartada e o consumo
passou a ser impulsionado pelo desejo, dando lugar à fase “fluída”2. Na atualidade, além do
desejo, dá-se lugar ao “querer”, necessário para manter a demanda do consumidor.
(BAUMAN, 2001)
É relevante pensar que essas mudanças que provocaram alterações na forma dos
sujeitos conduzirem suas vidas têm origem a partir de discursos que foram se constituindo
sobre o consumo, conforme cada período e cada diretriz do Capitalismo. Segundo Hall
(2009), Foucault acreditava que cada período produzia formas e práticas de conhecimento,
objetos e sujeitos.
O discurso, argumenta Foucault, constrói o assunto. Ele define e produz os
objetos do nosso conhecimento. Ele governa a forma com que o assunto pode
ser significamente falado e debatido. Ele também influencia como ideias são
postas em prática e usadas para regular a conduta dos outros. (HALL, 2009,
p. 36).
Bauman (2008) descreve dois tipos de sociedades relacionadas a regras de mercado: a
Sociedade de Produtores e a Sociedade de Consumidores. A sociedade moderna configurava a
de produtores, em que o desejo humano era de um ambiente confiável e seguro. Bens
adquiridos eram protegidos da depreciação e o poder era caracterizado pela disciplina. Na
sociedade de consumidores, as estratégias de poder são modificadas e apresentam-se de forma
sutil. Segundo Foucault (1980, apud HALL, 2009) o poder nunca é monopolizado por um
centro, e sim implantado e exercido como uma rede. Essas relações de poder abrangem todos
1Bauman (2001) em seu livro Modernidade Líquida utiliza como metáfora o estado de sólido para descrever as
características da Modernidade. 2 Na obra de Bauman (2001), Modernidade Líquida, a Pós-Modernidade/Modernidade Líquida é comparada a
fluídos ou líquidos que não mantém sua forma com facilidade e estão sempre prontos para mudar. Essas são
razões para considerar fluidez ou liquidez como metáfora de quando se quer captar a natureza da presente fase na
contemporaneidade.
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os níveis sociais. O poder produz coisas, discursos, induz ao prazer e a formas de
conhecimento. Grandes estratégias de poder dão lugar a vários e localizados circuitos e efeitos
pelas quais o poder circula.
Na pós-modernidade3, o poder produtivo manifesta-se através da vida em torno do
consumo, orientada pela sedução, por desejos crescentes, por um querer volátil. (BAUMAN,
2001). As leis mostram-se mais amigáveis ao consumidor e “as autoridades não mais
ordenam; elas se tornam agradáveis a quem escolhe; tentam e seduzem” (BAUMAN, 2001, p.
83).
Outra mudança perceptível na pós-modernidade é a ampliação dos tipos de
mercadorias vendáveis. Bauman (2008) chama a atenção para as pessoas como um tipo de
mercadoria que, ao mesmo tempo, são o produto e o marketing, são os bens e seus próprios
vendedores.
É importante salientar que um comprador em potencial deve identificar-se com
determinada mercadoria e, para isso, alguns mecanismos são essenciais, tratam-se de
estímulos às emoções consumistas que convoca a reciclagem dos desejos. Esses estímulos
podem ser acionados através de dispositivos. De forma ampla, Marcello (2004) e Silva
(2014), estudiosas da obra de Foucault, destacam o conceito de dispositivo pelo autor:
[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,
instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis,
medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas,
morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são elementos do
dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes
elementos... [e entre estes] existe um tipo de jogo, ou seja, mudanças de
posições, modificações de funções, que também podem ser muito diferentes,
[cuja finalidade] é responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto,
uma função estratégica dominante (FOUCAULT, 1996, p. 244-245).
3Na obra de Bauman, Legisladores e Intérpretes, o autor explica sua inquietação com o termo pós-modernidade,
utilizado em suas primeiras publicações. Com o tempo, este termo foi lhe causando inquietude e ele denominou
de líquido-moderno a forma emergente de vida, que era moderna de uma maneira diferente daquilo que
havíamos testemunhado antes.
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De acordo com a citação acima, Marcello (2004) entende que as práticas discursivas e
não discursivas contribuem para a construção do dispositivo. E para Silva (2014),o dispositivo
refere-se ao modo como elementos se vinculam para atingir um objetivo.
Neste estudo defendo o YouTube como um dispositivo de consumo que reforça o
consumismo entre as crianças. Esta ferramenta tecnológica criada em 2005 para a postagem
de vídeos na web, vem refletindo culturalmente na formação de identidades contemporâneas e
constituindo novas maneiras de ser sujeito na pós-modernidade, incluindo os infantis. O
YouTube, estimula as pessoas a postarem vídeos, transmitirem suas opiniões, bem como
compartilharem suas produções e receberem feedbacks dos vídeos postados.
Dornelles (2012) ressalta que não é possível deixar de problematizar as consequências
de artefatos culturais que fazem parte da cultura infantil, tais como internet, desenhos, filmes,
etc., pois mesmo o entretenimento direcionado para as crianças é produtivo, haja vista ser
espaços de poder e de políticas que transformam sujeitos, controlam, regulam e governam a
infância, produzindo desejos e prazeres:
Atualmente, também são produzidos, além dos espaços de shopping, novos
artefatos de consumo e lazer para as crianças como parques temáticos, os
resorts, os clips de músicas e filmes e, também, a todo momento se
reorganizam, os museus, a mídia, as lojas de departamento, os estádios
esportivos, etc., para atender este novo consumidor infantil. Nesses espaços,
se fabricam o prazer, os desejos, as emoções, as descobertas e as perturbações
da infância contemporânea. [...] Ou seja, inventam-se novas formas de
disciplinamento não só sobre os corpos das crianças, mas também sobre seus
desejos [...].(DORNELES, 2012, p. 94)
Nesse contexto as crianças passam a ser vistas de forma diferente daquelas da
modernidade, pouco atrativas ao consumo, elas são notadas como consumidores em potencial
desde muito cedo. Nessa mesma direção, para Costa (2009), as crianças de hoje nascem
dentro da cultura consumista e são pressionadas a querer mais, ser mais. Desde pequenas são
desencorajadas pelas estratégias contemporâneas de marketing a manter ligações duradouras
com qualquer objeto de consumo.
Momo (2012) salienta que na contemporaneidade somos interpelados por muitas
informações e imagens vindas de diversos meios, pela globalização de mercadorias, de modos
de vida e de costumes e somos atraídos por ofertas de bens de consumo cada vez mais
passageiros. Com a tecnologia, velocidade e a fugacidade daquilo que nos é apresentado para
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consumir, o resultado para o sujeito é a insatisfação, a obsolescência e a sensação de que
sempre há algo que ainda não foi adquirido.
No caso das infâncias, são os ícones infantis mercantilizados que constituem o valor
dos artefatos. Se os ícones se caracterizam pela provisoriedade, instantaneidade e
efemeridade, as crianças se influenciam por esses modos de viver de forma provisória,
instantânea e efêmera (COSTA e MOMO, 2010). Muitos Youtubers infantis propagam os
ícones infantis mercantilizados, através da apresentação de brinquedos e bonecos em voga na
mídia televisiva, fantasias, composição de looks relacionados com seus personagens favoritos
que chegam até as crianças através de telas de computadores, tablets e smartphones,
instigando nelas o desejo e a busca de satisfação.
Segundo Ignácio (2009), o valor não está no objeto em si, mas nos significados que
remete a quem o possui. O objeto passa pelo crivo de sua importância e seu significado social
para o grupo a que o sujeito está inserido. Portanto, as crianças adquirem certos produtos para
se sentirem parte dos grupos com os quais se identificam, sugerindo que o ato de consumir
está hoje relacionado à identidade.
As informações e as imagens originárias do YouTube são diversificadas e os vídeos
feitos por Youtubers geralmente expressam opiniões, dicas sobre algo com que se identificam,
críticas sobre assuntos cotidianos, mobilizando assim, milhares de seguidores.
O espaço de interatividade que o YouTube oportuniza traz à tona outro entendimento,
o da Cultura Participativa que, segundo Jenkis (2009), demarca as alterações de perfil de
consumidores de mídia, destacando que não são mais silenciosos e invisíveis, mas que
passaram a ser “barulhentos e públicos”, uma vez que os consumidores não só assistem aos
meios de comunicação como compartilham entre si ao que assistem.
Ao tratarmos da pedagogia midiática, não podemos mais imaginá-la como
um processo em que os adultos ensinam e as crianças aprendem. Devemos
interpretá-la como um espaço cada vez mais amplo, onde as crianças ensinam
umas às outras e onde, se abrissem os olhos, os adultos poderiam aprender
muito. ( JENKINS, p. 284, 2009)
YouTube convocando crianças pós-modernas ao consumo
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A internet trouxe às crianças contemporâneas novas formas de entretenimento, uma delas
é assistir a vídeos no YouTube. Os temas de interesse das crianças vão desde desenhos
animados, filmes, músicas, games até vídeos produzidos por Youtubers infantis. Uma
pesquisa realizada através de um site de buscas na internet sobre os Youtubers infantis
brasileiros indicou que o canal de uma menina de 11 anos tem grande índice de visualização.
Em abril de 2015, uma matéria na internet com o título: “Quem são os Maiores Youtubers
Mirins do Brasil”, enfatiza:
A mineira J.S., é a maior Youtuber Mirim do Brasil, ela tem dois canais no
YouTube. E além de ser famosa na internet, já participou de comerciais na
TV, programas e outros. O primeiro de seus canais que já é verificado pela
plataforma, contém mais de 116 milhões de visualizações e tem mais de 312
mil inscritos. Nele, a Youtuber faz vídeos falando sobre seu universo de
brinquedos, personagens preferidos, viagens (vlogs) e brincadeiras.
(MANOELA ANTELO E BIBI: Vídeos, notícias, informações e muito mais,
2017).
Um ano depois, em abril de 2016, outra matéria envolvendo a Youtuber em questão
mostra a evolução de seu canal:
Quando dizem que o YouTube é uma plataforma democrática para todos os
públicos, não estavam excluindo as crianças, que além de assistirem aos
vídeos da rede, também criam seus próprios canais. Recentemente, J. S, de 10
anos, fez uma super festa para comemorar 1 milhão de inscritos em seu canal
principal do YouTube. (CONHEÇA 10 CANAIS DE YOUTUBERS
MIRINS, 2017)
Passados mais um ano, o número de inscritos dobrou, atualmente possui mais de dois
milhões de inscritos em seu principal canal. Assim, serão analisados vídeos protagonizados
por esta criança que é destaque entre os youtubers infantis do Brasil.
Cada vídeo da série apresenta assuntos diversificados envolvendo a franquia Monster
High. Como já mencionado, os assuntos incluem desde dicas de como se tornar uma Youtuber
de sucesso, até ensinamentos sobre como criar looks, enfatizando a visibilidade da marca.
A Youtuber analisada faz parte do grupo de pessoas comuns que se destacaram na web e
hoje chama a atenção inclusive da mídia comercial, haja vista ser convidada para participar de
vários programas midiáticos. Tal constatação vem ao encontro das afirmações de Jenkis
(2009) que constatou que o YouTube é a primeira plataforma a direcionar tanta atenção ao
papel das pessoas comuns na mídia, com faixas etárias diversas.
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Para que eu possa demonstrar de forma mais detalhada a ação do YouTube como um
dispositivo que convoca as crianças contemporâneas ao consumo, as análises estão
organizadas em três eixos temáticos: o protagonismo infantil, a cultura participativa e a
aliança das crianças com a franquia. Cabe ressaltar, como afirma Dornelles (2012), que o
entretenimento, mesmo o direcionado para as crianças, é um espaço de poder e de políticas
que transformam sujeitos e governam a infância, produzindo nas crianças desejos e prazeres.
Protagonismo Infantil
Na modernidade, apostava-se na durabilidade dos bens e trocar um brinquedo ou
identificar a necessidade de uma roupa nova eram atitudes tomadas por um adulto. Nessa
época as crianças faziam parte da lista dos chamados “consumidores falhos”, que no
entendimento de Bauman (2008), são aqueles indivíduos que não tem potencial de compra,
tampouco participação ativa nos mercados de consumo. Porém, a partir do momento em que o
discurso sobre consumo foi alterado, novas formas de viver a infância surgiram.
Assim, a criança passa a ser vista como um consumidor em potencial e as estratégias
de marketing com foco na criança vão sendo ajustadas.
Nos vídeos postados pela Youtuber infantil de 11 anos, a cada produção é possível
identificar a importância de sua voz e os possíveis reflexos que traz para outras crianças. Ela
não só provoca o desejo pelo consumo em outras crianças, através dos vários artefatos da
franquia Monster High que ela possui enquanto fã e consumidora - e que fazem parte dos
temas e produção de seus vídeos -, como ela mesma pode ser compreendida como uma
mercadoria que atrai milhões de crianças desejando ser como ela.
Uma fã da menina, ao comentar um de seus vídeos, demonstra encantamento por ela e
ressalta que está aprendendo as técnicas e regras ensinadas para fazer vídeos:
Comentário: “J.S eu te sigo desde que era pequena e eu tbm sou
muitooo sua fã quando chego da escola eu vo la e vejo se vc postou videoskk.
meu sonho é ser famosa gosto de cantar e interpretar tenho um canal no
YouTube se chama Lupi para meninas passa lá”.
Neste comentário identificamos o que Baumam (2001) sinalizou sobre o mundo dos
consumidores, que os objetos sedutores nunca têm fim e comprar significa uma norma que faz
parte de uma “política de vida”. As compras, por sua vez, não se referem apenas a itens como
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comida, vestuário, automóveis, uma vez que também se almeja comprar imagens e exemplos
de vida que gostaríamos de seguir.
Na web é possível observar que muitas crianças querem adquirir uma imagem de
sucesso e, em consequência de pedidos dos fãs, a Youtuber pesquisada fez alguns vídeos
ensinando técnicas de gravação.
Dicas sobre som, iluminação, cenário e enquadramento foram ensinadas no YouTube,
como é possível observar nas falas abaixo transcritas dos vídeos da série:
“As dicas de hoje são sobre som e iluminação, são duas coisas
muito importantes, sonzinhos, barulhinhos e a luz, aquela luz amarela assim,
no seu rosto, fazem uma grande diferença, se você souber posicionar a luz e
o lugar tiver quietinho, vai ficar ótimo o vídeo![...]Hoje para gravar os
vídeos eu uso os refletores que são de estúdio mesmo e eles são realmente
muito bons, mas com o tempo você vai conseguindo estas coisas,[...]”
“O legal de você gravar no seu quarto é porque assim, a pessoa se
sente mais na sua casa, sabe, à vontade, porque o seu quarto é uma
intimidade grande sabe, então a pessoa se sente mais íntimo, mais amigo
seu.”
“Hoje eu gravo com um tripé, mas antes minha mãe gravava na
mão, minha mãe também grava na mão de vez em quando, mas não muito.”
Algumas das crianças inscritas no canal da Youtuber posicionam-se, emitem
comentários e reforçam a ideia de que também buscam protagonizar cenas de suas infâncias,
escolhendo vivenciá-las sendo Youtuber e deixando emergir as suas vozes dessa forma.
Comentário 1: “...to aprendendo a cortar vídeo e vou fazer alguma coisa
para posicionar a câmera, sei colocar musica de fundo escrever no vídeo colocar foto
de capa de perfil e tal to seguindo tds as suas regras e to me esforçando muitooo”.
(grifo meu)
Comentário 2: “muito boas as dicas esta me ajudando bastante !! continua
com esse quadro aqui no canal J.S eu amei e tenho certeza que não só eu mas todo
mundo beijos”.
Os vídeos da Youtuber supracitada identificam o profissionalismo que as gravações
envolvem, consoante se constata por meio das dicas de iluminação, enquadramento e cenário,
edições de vídeos etc., o que permite inferir que esse preparo e rotina para disponibilizar
vídeos semanalmente a seu público pode ser interpretado como uma forma de trabalho.
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Receber convites para propagação de marcas e ter milhões de seguidores no YouTube4 já
garante a essa criança uma remuneração, fazendo dessa “brincadeira” um “trabalho” que lhe
rende um salário e a torna protagonista da sociedade de consumidores.
Cultura Participativa
Os vídeos apresentados pela menina sobre o tema que envolve a franquia Monster
High é uma convocação para a interatividade entre as crianças. Ao iniciar a série de vídeos
que promete ensinar como ser uma youtuber de sucesso, a youtuber infantil em questão
explica que dará dicas de como ser uma delas e que ao final de cada vídeo, com as referidas
dicas, as crianças poderão enviar seus vídeos para serem analisados pela franquia Monster
High, ressaltando que as que fizerem os melhores vídeos serão graduadas.
“Vocês vão ser graduadas, graduadas, não vai ser legal?Na escola
Monster High de como ser um youtuber, gente eu to muito feliz, muito feliz
mesmo, porque vocês meus alunos vão ser graduados se vocês passarem nas
provas viu!?”
Nessa mesma série de vídeos, as crianças são incentivadas a tornar-se youtubers de
sucesso com a promessa de que os autores dos melhores vídeos definidos a critério da
franquia teriam um encontro presencial com a Escola Monster High, bem como com a própria
menina que protagoniza os vídeos. Ao total, serão doze vencedoras.
“Vocês vão gravar vídeos, participar de desafios. Esses doze
desafios, sempre vai ter uma ganhadora e no final de tudo, as doze meninas
vão se encontrar comigo e eu vou encontrar vocês, vai ser o máximo.”
Em vista disso, as crianças consumidoras desses vídeos são estimuladas a interagir
através de comentários sobre os vídeos que acabaram de assistir, dando dicas, fazendo
perguntas, elogiando, sugerindo novos vídeos e até participando de concursos que vendam a
elas a possibilidade de se tornarem famosas no YouTube.
Comentário 1: “Oi J.S!!! Adorei o vídeo continua essa série e vc vai
bombar !!!! kkk Beijos monstruosos e eletrizante pra vc”
4O YouTube é uma ferramenta que permite a monetização mediante análise dos vídeos criados, estuda a
viabilidade e em seguida aprova ou não a monetização. . (https://www.youtube.com/account_monetization)
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Comentário 2: “J.S acabei de ver um vídeo novo da MaisaSilva
avisando sobre a Escola de YouTubers Monster High. Vou ver os vídeos da
'Prof' Julia, e me esforçar para me sair muito bem. ;) ;) ;) ;) :-*”
Essa facilidade de interatividade na mídia, provocada pela tecnologia, permite também
ultrapassar os espaços virtuais. No exemplo abaixo, o relacionamento entre a youtuber e seus
fãs iniciou pela internet e se expandiu para um encontro presencial, com data marcada.
A Escola Monster High chega ao fim e já estou super ansiosa para a formatura dia
31/10. Para participar você deve fazer um vídeo mostrando o seu quarto!!! O site
para enviar o seu vídeo é o: http://youtuber.monsterhigh.com . O vídeo mais
criativo vai ser escolhido para ganhar o prêmio: participar de um encontrinho
super bacana comigo.
As fãs da menina youtuber e vencedoras dos melhores vídeos do concurso “Você
Youtuber” tiveram a oportunidade de encontrá-la pessoalmente no evento da franquia
Monster High, além de vivenciarem as atrações promovidas pela marca. Abaixo segue o
relato de uma youtuber vencedora, que também fez um vídeo em seu canal sobre o evento:
Hoje vim mostrar para vocês como foi o encontrinho com a J. S na Escola
Monster High "Você Youtuber" realizado na Mattel Brasil. Encontrei a J. [...] Foi
um dia maravilhoso com aulas, dicas, fantasia, maquiagem, brincadeiras, música,
dança, desafios, presentes lindos e muito mais! (ME FORMEI EM MONSTER
HIGH, 2017)
Em tempos de YouTube, é possível concluir que as crianças não aguardam
passivamente para assistir aos programas governados pela mídia comercial, elas escolhem ao
que assistir, interagem com seus ídolos e participam nas redes sociais e fora dela. Na pós-
modernidade, as crianças também são parte ativa da mídia e, nesse entendimento, as palavras
de Jenkis são bastante oportunas, quando esse afirma que as crianças ensinam.
Aliança com a franquia
A youtuber J.S que desde seus primeiros vídeos divulgados no YouTube já verbalizava
sua admiração pelas bonecas Monster High, agora passa a divulgar a marca e todos os
produtos que fazem parte da franquia, como já citado anteriormente, através da série “Você
Youtuber” que conta com dezesseis vídeos. Os vídeos partiram de um convite da Escola
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Monster High para que a menina pudesse ensinar outras crianças a como ser Youtuber, convite
este que foi estratégico devido à quantidade de inscritos que o canal dela possui destinado ao
público infantil.
“ Hoje eu também to muito feliz, porque eu tenho uma novidade para contar
para vocês, e é muito legal. Assim, várias pessoas ficam me mandando mensagens
nas redes sociais, nos comentários, enfim, mensagens. Ficam me pedindo paraeu
gravar vídeos com dicas de como ser Youtuber e eu achei muito legal esta ideia e
aproveitando que eu já estou de férias e também o convite que eu recebi da Escola
Monster High de dar dicas fantabulosas para vocês eu vou gravar este vídeo e
vários outros vídeos , vai ser o máximo. Eu vou dar várias dicas e espero que vocês
gostem, que vai ser muito legal.”
A aliança com a franquia fica em evidência a partir do momento em que a Youtuber
verbaliza que a proposta de criar um concurso para formação de YouTubers foi motivada pela
franquia, como podemos observar na fala a seguir:
Oi Pessoal! Estou muito feliz em anunciar para vocês, que fui convidada
pela ESCOLA MONSTER HIGH para ensinar como ser um YouTuber. Se você
quer criar o seu canal ou aprender coisas novas para incrementar os seus vídeos
aproveite as minhas dicas divididas em 4 episódios: 1. Seja Você Mesmo; 2. Som e
Iluminação; 3. Cenário e Enquadramento; 4. Dicas de edição.”
O dispositivo específico (o de consumo) que opera na mídia (YouTube) trata-se de uma
estratégia, uma nova dinâmica de compras, como relembra Bauman (2008), em que primeiro
os produtos são criados para que depois sejam encontradas suas aplicações ao consumidor. O
YouTube passa a ser um espaço de mudanças, como argumenta Dornelles:
[...] Esses mesmos espaços exigem de seus consumidores determinados
modos de se comportar, vestir, utilizar materiais e viver as práticas infantis.
Ou seja, inventam-se novas formas de disciplinamento não só sobre os corpos
das crianças, mas também sobre seus desejos, que precisam ser regulados e
normatizados para estarem conforme o espaço frequentado, nos quais é
imperativo consumir determinados produtos veiculados pela publicidade
(DORNELES, 2012, p. 94).
A cada cenário dos vídeos, uma boneca, um acessório é visualizado por outras crianças e a
convocação de reciclagens de vontades e desejos torna-se mais forte.
Dentre os cenários que a menina Youtuber utiliza para gravar seus vídeos, alguns deles
apresentam diversificados produtos da franquia Monster High. Seguindo a cronologia dessa
série de vídeos analisada, os primeiros inseriram a boneca Draculaura como personagem.
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Neste, ela insere a boneca chamada Frankie. Não se trata de mostrar somente uma boneca,
uma mochila. No vídeo com o título “Crie um look com duas cores! Prova da Frankie #2”, no
cenário constam nichos na parede, com vários produtos da linha, além da boneca em destaque
- Frankie. A própria menina veste uma camiseta com as personagens da franquia, além de usar
acessórios como laço no cabelo e um fone de ouvido que estampam as personagens. Quatro
mochilas e mais de dez bonecas estão presentes no cenário. O vídeo gerou
82.880 visualizações e 560 comentários, a destacar um deles: “Faz um vídeo mostrando tudo
TUDO que vc tem da monster high!”
A divulgação da marca acaba propagando discursos para que as pessoas consumam,
além de estar sempre renovando estratégias de mercado, como as alianças que se formam com
as franquias, com o objetivo de vender cada vez mais os seus produtos, numa visão que
potencializa as crianças enquanto consumidoras.
Algumas considerações
Através deste estudo é possível afirmar que o discurso do consumismo, que faz parte
do período pós-moderno, tem a tendência de vender e interpelar os sujeitos para a compra das
mais variadas coisas, que vão desde bens tangíveis até a compra de exemplos de vida, fazendo
com que os corpos sejam governados por esta estratégia de mercado.
A mídia tem o papel fundamental neste processo e o YouTube é considerado um
dispositivo que interpela crianças ao consumo, pois sentem-se seduzidas pelos produtos
midiáticos que são postos em circulação nos vídeos, além de consumirem desejos e
identificações pela própria protagonista dos vídeos ora analisados. O canal em que as crianças
se inscrevem também se torna um objeto de consumo e elas passam a interagir cada vez mais
com a tecnologia.
Por fim, observa-se uma mudança na própria forma de ser criança na
contemporaneidade. É conveniente para a sociedade de consumidores que elas sejam ouvidas,
ganhando cada vez mais voz e espaço.
Referências
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