CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA
CELSO DE ASSIS PACHECO NETO
A TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA À CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS
CURITIBA
2018
CELSO DE ASSIS PACHECO NETO
A TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA À CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS
Projeto de monografia como requisito parcial à aprovação na disciplina de monografia I, no segundo semestre de 2018, na Faculdade de Direito de Curitiba.
Orientadora: Professora Doutora Luciana Pedroso Xavier
CURITIBA
2018
CELSO DE ASSIS PACHECO NETO
A TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA À CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formadas pelos
professores:
Orientador: ____________________________________
Professora Doutora Luciana Pedroso Xavier
____________________________________
Professor Membro da Banca
Curitiba, de de 2018
RESUMO
O presente trabalho pretende demonstrar primeiramente a evolução histórica dos contratos, sendo abordado ao longo do tempo como as condições originais dos contratos passaram a ser flexibilizadas, em função da ocorrência de fatos supervenientes após a celebração dos mesmos. Desse modo, foi contemplada a transição do princípio pacta sunt servanda como único, para sua conjugação com a nova cláusula rebus sic standibus. Em seguida, foi comentado sobre a prevalência do interesse público nos contratos administrativos e os pressupostos da teoria da imprevisão neste campo do Direito. Por fim, concluiu-se o trabalho com uma análise das sessões referentes à alteração de contratos nas Leis de licitações brasileiras, desde 1986 até o Projeto de Lei 6814/17 ainda em discussão. O objetivo é demonstrar que a imprevisibilidade e a segurança jurídica devem ser tratadas de maneira prática para efetivar as políticas públicas de investimentos do país. Para tanto, estão sendo criados mecanismos que visam a resolução eficiente de eventuais divergências entre as partes nas hipóteses de imprevisão, pois a função social do contrato se dá quando o mesmo é concluído, ou seja, quando o objeto da avença é entregue para o Poder Público.
Palavras-chave: imprevisão, contratos administrativos, interesse público, revisão contratual.
ABSTRACT
The present study intends to demonstrate first the historical evolution of the contracts, being approached over time as the original conditions of the contracts began to be flexibilized, due to the occurrence of supervenient events after the celebration of the same. Thus, the transition from the principle pacta sunt servanda as sole, to its conjugation with the new rebus sic standibus clause was contemplated. Then, it was commented on the prevalence of public interest in administrative contracts and the premises of the theory of unpredictability in this field of Law. Finally, the study was concluded with an analysis of the sessions regarding the alteration of contracts in the Laws of Brazilian biddings, from 1986 until Bill 6814/17 still under discussion. The objective is to demonstrate that unpredictability and legal certainty must be handled in a practical way to implement the country's public investment policies. To this end, mechanisms are being created to efficiently resolve possible disagreements between the parties in the hypotheses of unpredictability, since the social function of the contract is given when it is concluded, that is, when the object of the agreement is handed over to the Power Public. Key words: unforeseen, administrative contracts, public interest, contract review.
FIGURA
Figura 1 Matriz de Riscos – Edital de Licitação 351/2018 da Sanepar ................................... 48
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 8
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONTRATOS .................................................. 10
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ...................................................................................... 10
2.2. A PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ........................................................................................................ 23
2.3 DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA ............................................................... 25
2.4 DO PRINCÍPIO REBUS SIC STANDIBUS OU TEORIA DA IMPREVISÃO ................ 28
3 INFLUÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ....... 31
4 PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ................................................................................................. 33
5 REVISÃO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ............................................... 34
5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ...................................................................................... 34
6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 52
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 54
8
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem o intuito de, identificados os preceitos das cláusulas
pacta sunt servanda e rebus sic stantibus, descrever a aplicação da teoria da
imprevisão em revisões de contrato, com o fito de não afastar o cumprimento de sua
função social. Após breve entendimento da evolução histórica dos contratos, inicia-
se a análise dos mecanismos de acompanhamento do feito acordado, ensejando no
cumprimento do desiderato em sua essência, em detrimento de detalhes
inicialmente avençados, os quais, eventualmente podem sofrer alterações, devido a
superveniências.
As motivações para o surgimento dos fundamentos pacta sunt servanda e
rebus sic standibus, a fim de tornar explícito o contexto da aparição do pensamento
de que os contratos devem ser cumpridos, independem da manutenção de todas as
condições firmadas entre as partes.
Ainda é exposta a razão da mudança que trouxe maleabilidade em possíveis
condições adversas. Enfatizou-se os contratos cujos objetos são complexos, tais
como obras de engenharia, em que comumente acontecem revisões contratuais.
Será abordada a aplicação de ferramentas citadas nas recentes legislações, tais
como a matriz de risco, utilizada em contratos celebrados no âmbito do RDC
(Regime Diferenciado de Contratações- Lei n° 12462/11) e pela Lei das Estatais (Lei
n°13303/16). Tal instrumento foi implementado para que a segurança jurídica do
contrato fosse fortalecida com a definição da titularidade dos ônus decorrentes de
imprevistos durante o contrato.
O nascimento do princípio pacta sunt servanda e da cláusula rebus sic
stantibus estará presente ao longo do texto para que seja verificado o momento em
que passa a vigorar a obrigatoriedade do cumprimento dos contratos, ainda que,
primeiramente, não haja subordinação do adimplemento à condição das partes.
Posteriormente, entendendo o contexto histórico, será verificada a razão da
mudança que trouxe flexibilização em possíveis condições adversas.
9
É válido ressaltar que o conteúdo deste trabalho se baseia na prática jurídica
brasileira, ou seja, atentará somente aos problemas e possíveis soluções que sejam
compatíveis com a legislação pátria, com a contemporaneidade nacional, deixando
de lado assim teorizações importadas em respeito à prática social do país.
10
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONTRATOS
Ao longo do trabalho se desenvolverá uma pesquisa que retrate a evolução
dos contratos, desde suas definições e conceitos primordiais até a abordagem do
princípio pacta sunt servanda que posteriormente é complementado pela cláusula
rebus sic stantibus, trazendo-os ao contexto dos contratos administrativos.
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
De acordo com Claudia Lima Marques (2005), 1‘’ a ideia de contrato vem
sendo moldada, desde os romanos, tendo sempre como base as práticas sociais, a
moral e o modelo econômico da época. O contrato por assim dizer, nasceu da
realidade social.’’
Ou seja, o conceito de contrato se desenvolve de acordo com as mudanças
de paradigmas da sociedade de cada época, conforme a sociedade reagia perante
as mudanças econômicas, políticas e sociais do país.
Segundo MAUSS. 2, As trocas e acordos, em sociedades primitivas e arcaicas
eram realizadas entre grupos de pessoas, pois as circunstâncias daquela época não
eram desenvolvidas suficientemente para permitir tratos entre indivíduos. Nesse
contexto, não havia simplesmente a cessão de uma dádiva, mas a relação era mais
abrangente, em que o líder de um clã ou tribo podia oferecer ou aceitar, em troca de
prestígio, as mais diversas gratificações. Por exemplo, eram oferecidos banquetes,
mulheres, crianças, festas, feiras e outros, para outra tribo da qual se desejasse uma
relação de respeito, de autoridade, de aceitação da condição de domínio de
determinado espaço. Desse modo, desenvolvia-se uma relação geral e permanente
entre tribos.
Outra questão a ser destacada é que as trocas não ocorriam somente com bens e
riquezas materiais, mas transcendiam a coisas sem valor econômico agregado
definido, com valor simbólico, envolvendo em certos casos crenças e espiritualidade
das partes. Desse modo, os contratos continham, às vezes, elementos místicos, que
1 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 37 2 MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão nas sociedades arcaicas. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Editora Cosac & Naify, 2003, Página 191- 200.
11
formavam um sistema de prestações totais acordado, não se atendo a explicitar o
trato por regras ou formalidade.
Tempos depois, a partir do advento do Direito Romano, as avenças passaram
a ser realizadas também entre indivíduos. Começaram a surgir formatações
contratuais mais próximas das utilizadas contemporaneamente. Algumas
modalidades de contrato persistem até hoje. Pode-se citar os contratos de compra e
venda, de locação, mandato e sociedade empresarial. Nos primórdios do Direito
Romano, havia uma diferenciação entre pacto e contrato. Os pactos eram acordos
informais, enquanto os contratos preconizavam o aceite das condições através de
uma causa civilis, gerando necessariamente uma obrigação jurídica, ao contrário do
pacto.
Enfatiza-se também que os canonistas foram precursores da ideia de que
para um acordo ser constituído, bastava a declaração das vontades das partes.
Iniciaram a adoção dos princípios referentes ao consensualismo e da autonomia da
vontade 3.O consensualismo, este que é caracterizado pela vontade das partes
como quesito suficiente para o cumprimento do contrato, teve seu início no final da
idade Média, implementado durante Idade Moderna.
Como visto, o excesso de formalidade, comum no início do Direito Romano,
foi aos poucos sendo substituído por modos mais simples de pactuar. O
consentimento passou a ser suficiente para a celebração do acordo. (GOMES, p.35)
O crescimento do comércio do período clássico favoreceu o desenvolvimento
de novos conceitos, mais adequados para as circunstâncias ali vividas. Surgiu a
necessidade de figuras contratuais mais flexíveis. Até então, eram adotadas as
modalidades em que o nexum e a stipulatio constituíam a base do acordo. Porém, a
rigidez desses contratos limitava a ação prática da execução ou entrega do objeto. O
cumprimento do que havia sido combinado, devido às intransigências intrínsecas ao
contrato, acabava por convergir a uma série de dificuldades porque, em tese,
necessariamente, o acordo deveria ser realizado exatamente como combinado.
3 GOMES, Orlando. Contratos. 25ª ed. Rio De Janeiro: Forense, 2002, p. 5
12
No período clássico, o nexum e a stipulatio foi aos poucos dando espaço a
acordos mais flexíveis, em que excepcionalmente, celebrava-se um contrato formal,
chamado de contrato literal, com o credor registrando a dívida do devedor.
Na tendência de flexibilização, surgiram os contratos reais, de um lado o
contrato de mútuo, correspondente ao empréstimo de coisas fungíveis, prescindindo
da formalidade demasiada do nexum; de outro lado, o depósito; o comodato; e o
penhor, considerados como a entrega da coisa sem a cessão da propriedade,
gerando-se o dever de restituição após a entrega.
Gaio classificou os contratos em verbais, reais, literais e consensuais. Cada
um desses tipos contratuais possuía procedimentos específicos, com sua própria
tutela processual e suas respectivas formas e ações contratuais típicas.
Durante o II século d.C, a regra de que os pactos não geravam obrigações foi
sendo atenuada, sendo reconhecida a obrigatoriedade de determinados pactos,
como os adjetos; os pretorianos; e os legítimos.
Os pactos adjetos constituíam direitos e obrigações suplementares, com força
obrigatória e eram realizados no ato da constituição do contrato de compra e venda.
Esses pactos são considerados acordos que modificam certos requisitos
contidos em um contrato preexistente, podendo atenuar ou acentuar as obrigações
do devedor. Os contratos podiam ser estabelecidos tanto durante, como
posteriormente à celebração.
Os pactos pretorianos eram acordos unilaterais, quando havia a solicitação da
parte supostamente lesada para que o pretor ratificasse o acordo, em que se firmava
o compromisso de respeito a todas as convenções, desde que as mesmas não
contivessem fraude, ilegalidade ou dolo.
Finalmente, os pactos legítimos surgiam a partir das constituições imperiais,
no qual as partes convocavam um árbitro para a solução de eventual lide.
Já durante o período justiniano, o acordo de vontades já bastava para gerar
obrigações, não sendo mais necessário o acréscimo de elemento objetivo, o que
13
fomentou em uma considerável mudança nos procedimentos de análise de um
contrato, o que foi utilizado posteriormente como alicerce para a otimização do
consensualismo e a consagração do princípio da autonomia da vontade.
Pelo exposto, pode-se observar que a evolução do Direito Romano contribuiu
com relevância para construir o alicerce do sistema moderno de contratos, posto
que, nessa época nasceram tipos contratuais utilizados até a atualidade. Além disso,
lançou as bases do consensualismo e da autonomia da vontade, premissas
fundamentais para o Direito Contratual, que nos séculos XVIII e XIX atingiu seu
pleno desenvolvimento.
Após a queda do Império Romano, o Direito Germânico passou a
preponderar. Os contratos mantiveram um grande apego ao simbolismo e aos
rituais. As transações eram realizadas sem a utilização da moeda e raramente
haviam celebrações de contratos, já que a comunidade convivia apenas em núcleos
familiares, não havendo relações comerciais com frequência.
A compreensão de que a obrigatoriedade tinha origem no contrato e não na
vontade das partes, permaneceu do século XII ao XVII, pois os contratos eram
considerados espécimes definidos, onde as partes o incorporavam quando
ansiavam determinadas implicações jurídicas.
Deste modo, não obstante a escolha de participar do contrato ou não
coubesse exclusivamente às partes, o contrato não era conduzido conforme o
interesse de uma das partes, mas com o fito de alcançar uma justiça comutativa no
contrato, o que demonstra que a normatização dos acordos consistem em um
instrumento de equilíbrio, paz e justiça social, corroborando a afirmativa feita
previamente de que a verdadeira fonte das obrigações não era a vontade das
partes, mas sim o contrato.
O crescimento do mercado ensejou maior celeridade às relações contratuais
e as tornou menos complexas, viabilizando assim a adoção de determinados tipos
de acordos que somente vinculariam as partes caso tivessem validade e não
modificassem os elementos primordiais dos contratos. O desenvolvimento do
14
comércio também propiciou o nascimento de outros tipos de contratos, que viabilizou
o surgimento de transações financeiras e operações de crédito.
Depois da queda do Império Romano, o Direito Germânico passou a
prevalecer. As relações de simbolismo e rituais no surgimento das obrigações ainda
eram fortes. As trocas eram realizadas sem utilização de moeda e havia poucas
celebrações de contrato, pois a sociedade convivia em núcleos familiares, com
atividades comerciais escassas.
Deste modo, a escolha de contratar ou não, embora coubesse
exclusivamente às partes, a sua condução não ocorria conforme o interesse de uma
parte ou de outra, mas com o fito de alcançar uma justiça comutativa no contrato,
razão pela qual a normatização dos acordos consistiam em um instrumento de
equilíbrio social, de paz e justiça. Esse fato corrobora a afirmativa feita
anteriormente, de que a fonte das obrigações não era a vontade das partes, mas sim
o contrato.
Essa estruturação do contrato viabilizou a troca de riquezas na sociedade, o
que permitiu com que o formalismo preponderante no Direito Romano e durante a
Idade Média fosse deixado de lado para conceber que a vontade das partes
propiciaria o nascimento de uma relação de obrigações, estabelecida com o
aparecimento do pensamento liberal e com os desdobramentos da Revolução
Francesa.
Aos poucos o formalismo foi perdendo espaço para a palavra que, uma
vez empenhada, ganhava força de lei. O Direito Canônico contribuiu para a doutrina
da autonomia da vontade. As obrigações eram ajustadas apenas pelo
consentimento das partes. Os canonistas atribuíam uma condição sagrada em
respeito à promessa verbal. Desse modo, passou a ser considerado pecado o
descumprimento das condições pactuadas. As solenidades características da época
Romana, tipicamente formais, foram substituídas pela simples promessa, que criava
a obrigação por si só. A valorização da palavra com força de contrato fortaleceu o
catolicismo, pois a fé cristã se disseminava por meio da oratória.
15
Assim, a Igreja defendia que o simples pacto faria surgir a obrigação
jurídica, a qual possuiria força obrigatória a partir do ato do homem, popularizando o
princípio ex nudo pacto nascitur, ou seja, quando a palavra era dada
voluntariamente, a obrigação moral e jurídica ocorria para o indivíduo de maneira
implícita. Desse modo, estabelecia-se o contrato como um instrumento abstrato e
como padrão jurídico4.
Na Alemanha do século XVII, representando a escola Naturalista, Kant
apud Marques5 defendeu que “a autonomia da vontade seria o único princípio de
todas as leis morais e dos deveres que lhes correspondem”.
O naturalistas defendiam que a manifestação de vontade seria fonte das
obrigações, e que as mesmas deveriam obrigatoriamente ser cumpridas, com força
de lei, cujos deveres decorreriam naturalmente do empenho da palavra. Apenas
outra manifestação de vontade poderia alterar o acordo inicial.
Houve também forte influência das teorias econômicas do século XVIII. O
liberalismo econômico pregava a ideia de igualdade, ditada pela Revolução
francesa, em que a liberdade de condições do contrato serviria para todas as
pessoas, independente de sua posição social, tornando o mercado justo e seguro.
Houve também a contribuição do modelo capitalista, com a influência do
desenvolvimento comercial, com simplificação nas relações de troca de mercadorias.
Um dos exemplos dessa facilitação é a criação da moeda, que permitiu o surgimento
das operações de crédito, não sendo mais o escambo a única modalidade de
atividade comercial. Assim, a garantia do cumprimento do contrato passou a ocorrer
por meio do repasse de valores monetários, inferindo às transações segurança
jurídica para o credor, mesmo em casos de entregas futuras das mercadorias.
O surgimento do Modelo de Contrato Moderno, sofreu grande influência
de Rousseau, que criou a Teoria do Contrato Social, a qual compreende o contrato
como instrumento de validação da autoridade do Estado, isto é, o contrato nasce a
partir do momento em que os indivíduos abrem mão de parcela de sua liberdade 4 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 43 5 KANT, Kritk der Praktischen vernunft Apud Reale/Nova p. 60 citado por Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 44
16
natural, para adquirir a liberdade civil, com zelo ao bem comum, constituindo um
acordo de vontades e obrigações entre os cidadãos que fazem parte de um
determinado estado6.
O contrato não deve ser compreendido como o nascimento do que é o
pactuado entre os indivíduos, mas como o pilar de toda a autoridade. Vale assim
dizer, que o contrato não define as condições pactuadas por assim estipular o
direito, mas porque o direito passa a ter validade por se originar de um contrato7.
Durante o desenrolar da Revolução Francesa, os burgueses objetivavam
modificar a organização do poder ilimitado dos monarcas, defendendo os princípios
de justiça, equidade e liberdade, para conquistar mais riquezas, em especial bens
imóveis. O Contrato, com isso, acabou se fortalecendo, pois o seu uso possibilitou
aos burgueses sucessos na aquisição das propriedades da monarquia decadente.
Deve-se ressaltar que com o advento da autonomia da vontade, o
conteúdo do contrato não mais era discutido em termos de justiça interna.
Gradualmente prevaleceu a ideia de que havia igualdade de condições entre as
partes na celebração do contrato, o qual seria naturalmente justo devido ao
consenso, fruto da vontade das partes. O juiz não desempenharia mais o papel de
analisar no contrato questões de igualdade ou justiça.
Em 21 de Março de 1804, passou a vigorar o Código Cívil Francês ou
Code, e repercutiu em todo o mundo como um marco do Direito. O Código Civil
Brasileiro de 1916 também foi influenciado por ele, pois os ideais liberais ali
propostos fizeram valer preponderantemente a autonomia da vontade, mantida
assim até a conclusão da revisão da legislação cível brasileira, marcada com a
publicação do Novo Código Civil em 2002, apesar das tendências em outro sentido
ocorridas em outros países, assim como a promulgação da Constituição Federal de
1988 e o Código de Defesa do Consumidor.
O Código Civil francês – Code – em seu artigo Art.1134 determinava que:
6 RIBEIRO, Paulo Silvino. "Rousseau e o contrato social"; Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/rousseau-contrato-social.htm>. Acesso em 07 de setembro de 2018. 7 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.46
17
“... Les convéntions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les
ont faîtes.”, traduzido por Reale8 como: “As convenções legalmente formadas têm
lugar das leis para aqueles que as fizeram”.
Tal artigo merece a citação pelo fato de representar o marco da
autonomia da vontade como valor jurídico supremo, sendo notória a resolução das
divergências entre leis de diferentes regiões no antigo regime feudal. O
reconhecimento da igualdade dos indivíduos perante a lei contribuiu com a
diminuição da desigualdade social.
Dois aspectos da liberdade correspondentes à época da Revolução
Francesa devem ser comentados. O primeiro se refere à possibilidade de decidir
contratar ou não, ainda tendo as partes o direito da escolha de parceria e de qual
tipo de negócio seria realizado. O segundo se refere à liberdade de definir as
condições do pactuado, podendo as partes discutir livremente os termos e conteúdo
do contrato.
É importante salientar que a vontade somente poderia ser considerada
válida para constituir obrigações entre as partes, somente em caso de, entre elas,
haver livre consentimento, além de não conter qualquer tipo de vícios intencionais,
como coação ou fraude. Essa vontade consciente e sem vícios estaria apta a
associar as partes do contrato conforme o interesse comum das partes, constituindo
a obrigatoriedade dos contratos, respeitando o princípio pacta sunt servanda.
Em seguida, surgiu a necessidade de remodelar a teoria contratual, dob
apelo social em virtude da busca de proteger as classes economicamente mais
vulneráveis, o que fez com que o contrato, sofresse alterações com foco na função
social, como já mencionado.
Após a Revolução Francesa, com o advento da Revolução Industrial, os
resultados advindos da implementação da autonomia da vontade e da liberdade
contratual, passaram a ser mais nítidos, com a exploração da riqueza conquistada.
Com isso, no final do século XVIII a sociedade se desenvolveu de tal maneira que as
estruturas econômicas e sociais tiveram que sofrer modificações relevantes, com
consequências importantes para o Direito, com ênfase nos contratos.
O célere aumento da produção agrícola e de minérios, aliado à ampliação
da infraestrutura para o transporte dos itens produzidos, forçou o desenvolvimento 8 REALE p. 90, apud Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.46
18
industrial significativamente, voltando-se as atenções para o setor fabril em
detrimento da produção agrícola.
O desenvolvimento acelerado da industrialização impactou em mudanças
relevantes, que causaram uma queda nas atividades agrícolas, especialmente as
artesanais e familiares, e por outro lado uma ascensão do empresariado,
provocando uma polarização de classes distintas, quais sejam: os detentores dos
meios de produção e os proletários.
Apareceram naturalmente, conflitos entre classes, pois os interesses
diferentes faziam convergir para a concentração do poder econômico do
empresariado e à exploração desmedida dos trabalhadores, que desempenhavam
as suas atividades em condições abusivas, demonstrando que, na realidade, a
igualdade preconizada na legislação não se verificava na prática.
Devido às desigualdades, a classe proletária reagiu, manifestando-se
contra os abusos. Surgiram assim os primeiros movimentos sociais, apoiados pelos
pensadores da época. A Igreja teve participação na discussão, defendendo uma
doutrina social em suas encíclicas, com vistas a uma mudança cultural, em que a
moral individual deveria dar espaço a uma ética social, e o Estado deveria
salvaguardar o bem comum, protegendo a sociedade, em especial as classes mais
fracas, por meio da prática da cidadania.
O aumento da produção industrial, com as atividades manufatureiras em
série impulsionou a produtividade, reduzindo os custos e o tempo requerido dos
trabalhadores, ocasionando grande disponibilidade de produtos no mercado,
gerando a sociedade de consumo. Essa mudança gerou alterações também nas
esferas contratuais, pois como o volume de transações aumentou, era necessária
agilidade nas negociações. Foram criados então modelos contratuais padronizados,
para que situações semelhantes fossem contempladas com celeridade. A produção
em massa forçou que também os contratos fossem elaborados em massa, e não
mais se estudando os casos individualmente9.
Os termos dos contratos padronizados eram decididos pelo vendedor, o
que fatalmente resultou em limitação da liberdade contratual, já que ao consumidor
restava apenas o direito de escolher assinar ou não determinado contrato, sem
9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro Volume III – Contratos e Atos Unilaterais 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p.4
19
domínio das condições do acordo. Essa forma fragilizou o equilíbrio contratual,
permitindo aos empresários inseriram cláusulas abusivas perante o contratante.
A partir do fim da Primeira Guerra Mundial surgiram novos conflitos entre
classes, obrigando o Estado a adotar uma postura mais rígida, chegando a intervir
nos contratos com o fim de diminuir a força do individualismo, passando a atuar em
função da sociedade, para manter a ordem pública e procurar restabelecer a
normalidade das atividades econômicas. O Estado iniciou a tomada de medidas
assistencialistas, criando órgãos governamentais jurídicos e sociais com a
institucionalização de direitos trabalhistas, previdência social e oferta de recursos em
sistema de crediário para impulsionar o consumo.
O Estado passou a ter maior participação como interventor dos contratos,
determinando procedimentos de controle e fiscalização e mais tarde, com a
elaboração de leis que restringiam a liberdade individual em favor da função social,
até chegar a ditar os termos e condições de alguns contratos, prática essa
denominada de dirigismo contratual. Carlos Roberto Gonçalves10 , referindo-se aos
artigos 421 e 422 do Código Civil diz que:
“O contrato tem uma função social, sendo veículo de circulação de riqueza,
centro da vida dos negócios e propulsor da expansão capitalista. O código
Civil de 2002 tornou explícito que a liberdade de contratar só pode exercida
em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores
primordiais da boa-fé e da probidade.”
Pelo exposto, o dirigismo contratual acaba por substituir a prevalência da
autonomia da vontade por regras que a limitam, no sentido de assegurar o equilíbrio
e a justiça dos contratos.
Constatou-se que a liberdade individual, agora limitada, correspondia a
apenas ao aspecto formal, sem atingir o material. Em decorrência da concentração
da oferta de produtos, bens e serviços no poder de um reduzido número de
empresas, a escolha do parceiro contratual acabou por sofrer grande impacto, pois
com os monopólios e oligopólios, a falta de concorrentes muitas vezes impossibilita
mais de uma alternativa como solução, levando o contratante à simples aceitação
das convenções nos termos proposta pela outra parte.
10 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro Volume III – Contratos e Atos Unilaterais 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p.4
20
Enquanto as alterações do Direito ocorriam mundo afora entre o final do
século XIX e início do século XX, consolidando o princípio da função social dos
contratos, no Brasil, essa cultura começou a ganhar corpo apenas com o advento da
promulgação da Constituição Federal de 1988. Nela, foi enfatizado que era na
pessoa humana que se baseava o fundamento do Estado Democrático de Direito.
Entre seus objetivos constam a sociedade livre, justa e solidária, conforme citado no
seu artigo 3º, inciso I. Esse preceito fomenta alterações nas relações contratuais,
com garantia da função social da propriedade e a defesa do consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor, vigente desde 1990, estabeleceu
regras no sentido de preservar contratantes eventualmente vulneráveis, procurando
impedir propostas e cláusulas lesivas, devido ao excesso de ônus a uma das partes.
O contrato, necessariamente, deve respeitar a boa-fé objetiva, passando a ser
permitida a interferência do poder público, inclusive, na alteração do contrato
privado.
Vale lembrar que a autonomia da vontade, ainda se revela presente nos
contratos atuais. Porém, não possui mais integralmente a característica original, em
que a liberdade individual era plena. Hoje esse princípio é associado com novos
preceitos, previstos na Constituição Federal e nas legislações infraconstitucionais.
A atuação do estado liberal em decorrência da aplicação do conceito de
função social deu lugar a contratos, que além de satisfazer aos interesses
particulares, devem cumprir as diretrizes que protegem a sociedade, garantindo o
exercício de atividades econômicas de forma que o contrato deixou de ser um
instrumento voltado exclusivamente para a satisfação dos interesses puramente
individuais, conduta típica do Estado liberal, tendo de cumprir também sua função
social, bem como a diretriz constitucional de que a atividade econômica deveria ser
exercida de forma organizada e sustentável.
Segundo LOBO11, recentemente, houve a implementação dos
fundamentos do Estado Social, em que a intervenção do Estado nas relações
comerciais privadas, antes preservada para casos excepcionais, passa a ser
utilizada via de regra. Obedece-se a priorização da função social do contrato em
detrimento da sua tradicional função individual. Nessa época, a administração
pública prescindiu de prerrogativas de soberania para realizar investimentos públicos 11 LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito Civil - Contratos. 1ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p.22
21
mediante contratos. Tal fenômeno foi considerado como uma evasão do Direito
Público para o Privado.
No campo do contrato administrativo, a legislação brasileira teve forte
influência do Direito Francês, cita PELEGRINO 12 que o Estado, pelo fato de
defender o interesse público, deveria ser tratado como parte privilegiada nos
contratos. Para tanto, ao Estado são conferidos direitos superiores ao do contratado
particular, havendo expressa vantagem unilateral do contrato, por meio das
cláusulas exorbitantes, conhecidas assim por justamente exorbitar as regras de
direito comum.
É importante observar que no Direito Privado, o consumidor do serviço
das empresas é a parte mais vulnerável por não possuir domínio sobre a elaboração
dos termos e condições dos contratos. Já no Direito Administrativo, a parte
vulnerável são as empresas particulares que são contratadas pelo Poder Público, do
mesmo modo não tendo influência sequer sobre a descrição do objeto ou definição
de seus próprios deveres e direitos.
Tal desigualdade fere os paradigmas do estado Democrático de Direito, assim como
o princípio da tutela da confiança, segundo Ricardo Gesteira Ramos de Almeida13.
Deveria, portanto, haver um esforço em coibir eventual abuso de direito por parte da
Administração, porém, os julgados nos tribunais brasileiros, na medida em que se
aplica o regime jurídico do contrato administrativo da cláusula exorbitante, causam
em muitas ocasiões lesões significativas para o contratante particular.
Opondo-se ao princípio das cláusulas exorbitantes, também denominada por
CRETELA 14 como cláusula de privilégio, a legislação francesa criou o '"fato do
príncipe", referente a todo ato emanado do Poder Público que onera o contrato
administrativo a ponto de impedir a sua execução. Por ele a oneração, chamada
álea administrativa, desde que insuportável, impedindo a execução do ajuste, obriga
o Poder Público a compensar os prejuízos da outra parte a fim de dar continuidade à
12 PELEGRINO, Carlos Roberto. Os Contratos da Administração Pública. Artigo publicado Rio de Janeiro: 1990, p.86 13ALMEIDA, Ricardo Gesteira Ramos de. Da incompatibilidade entre as cláusulas exorbitantes do contrato administrativo e os paradigmas do Estado Democrático de Direito. O princípio do Estado Democrático de Direito e o princípio da tutela da confiança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2441, 8 mar. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14466>. Acesso em: 8 set. 2018. 14CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo, 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1978.
22
avença ou, na impossibilidade de prosseguir, procede a rescisão com as devidas
indenizações.
Na ocorrência de fatos imprevistos que causem ônus excessivo ao particular
contratado, como alteração das leis fiscais ou de leis sociais, ou até mesmo novas
exigências da administração decorrentes de seu direito de modificação unilateral,
pela álea administrativa, o prestador tem direito de ser integralmente indenizado.
Na França, a teoria do "fato do príncipe", abrangia todo e qualquer ato de
autoridade pública, que viesse a onerar, direta ou indiretamente, o contratante
particular, fora dos riscos normais e previsíveis, cabendo a responsabilidade do
pagamento de todos os prejuízos à Administração.
A teoria vigiu até 1949, quando o Conselho de Estado passou a limitar sua
aplicação unicamente nos casos em que o ônus decorria a partir de fato gerado pela
administração concedente. As demais situações, em que o prejuízo era gerado por
fatores estranhos ao contrato, a hipótese era remetida para a teoria da imprevisão15.
Anteriormente ao Estado de Direito não existia nenhuma lei que submetesse
o Estado ao ordenamento jurídico. Com o Direito Administrativo, os súditos, aqueles
que simplesmente deveriam observar condescendentemente às ordens do
soberano, passaram a cidadãos, perto do início do século XIX,, quando se firmou
que a ação do Estado nas suas relações contratuais seria regulada pelo Direito
Administrativo, assim passando a vigorar os direitos dos administrados, outrora
apenas súditos.
Porém, numa visão crítica do advento do Direito Administrativo, Gustavo
Binenbojm16 considera:
A associação da gênese do direito administrativo ao advento do Estado de
direito e do princípio da separação de poderes na França pós-revolucionária
caracteriza erro histórico e reprodução acrítica de um discurso de
embotamento da realidade repetido por sucessivas gerações, constituindo
aquilo que Paulo Otero denominou ilusão garantística da gênese. O
surgimento do direito administrativo, e de suas categorias jurídicas peculiares 15 MEIRELES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo, 9 ed., São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 172/173. 16 BINENBOJM, Gustavo, Uma teoria do direito administrativo, 1ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 11.
23
(supremacia do interesse público, prerrogativas da Administração,
discricionariedade, insindicabilidade do mérito administrativo, dentre outras),
representou antes uma forma de reprodução e sobrevivência das práticas
administrativas do Antigo Regime que a sua superação. A juridicização
embrionária da Administração Pública não logrou subordiná-la ao direito; ao
revés, serviu-lhe apenas de revestimento e aparato retórico para sua
perpetuação fora da esfera de controle dos cidadãos.
Não é leviano afirmar que o Direito Administrativo, devido à sua herança do
Absolutismo, conforme Almeida17, “que já nasce marcado pelo "gene" da
imperatividade, sob um ideário claro de desigualdade entre o Poder "Público" e os
indivíduos”.
Portanto, vale dizer, que o nascimento do Direito Administrativo justificava a
quebra da isonomia, sob o argumento de que o interesse público deve prevalecer
sobre os interesses particulares, tal qual, nas relações entre o soberano e seus
súditos, os interesses do primeiro tinham supremacia.
2.2. A PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
É importante ressaltar que o que diferencia os contratos privados dos
contratos Administrativos, é a implementação do princípio da supremacia do
interesse público sobre o direito privado. Vale dizer, que havendo nos contratos
administrativos eventuais conflitos entre o interesse público e os interesses privados,
é imprescindível que seja dada primazia ao interesse público, pois é ele que tem a
função de salvaguardar a coletividade.
Vale citar o entendimento de CRETELLA18 no que concerne às cláusulas
exorbitantes:
17ALMEIDA, Ricardo Gesteira Ramos de. Da incompatibilidade entre as cláusulas exorbitantes do contrato administrativo e os paradigmas do Estado Democrático de Direito. O princípio do Estado Democrático de Direito e o princípio da tutela da confiança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2441, 8 mar. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14466>. Acesso em: 8 set. 2018. 18CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo, 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1978.
24
Os contratos públicos da Administração, ao contrário, pelas características
especialíssimas de que se revestem, estão sujeitos a regime autônomo,
típico, que "ultrapassa", "derroga" ou "exorbita" as normas do direito comum,
o que é evidente, porque as pessoas administrativas, quando contratam, não
se encontram na mesma situação dos simples particulares: outras as
finalidades, outras as condições, outro o regime jurídico. "Cláusulas" que
escapam ao direito comum, chamadas exorbitantes ou derrogatórias,
inserem-se nos contratos administrativos, dando-lhes fisionomia peculiar,
diversa da que revelam os contratos do direito privado. No contrato
administrativo, fica o Estado em posição privilegiada, visto que se acham, em
jogo, fins de interesse público.
Deve-se enfatizar que este princípio impôs aos contratos Administrativos a criação
das cláusulas exorbitantes ou derrogatórias, que ultrapassam a função das normas
de direito privado, já que para o direito público é indispensável salvaguardar o bem
comum, fazendo com que a Administração passe a assumir uma posição
privilegiada no Contrato Administrativo, recebendo prerrogativas exógenas ao direito
privado, de rescindir unilateralmente o contrato e punir a empresa particular que não
cumpre com a sua obrigação contratual.
Nos Contratos Administrativos, é indispensável a presença de uma pessoa jurídica
de direito Público, no caso, a Administração que tem como função a consecução de
interesses públicos e que sempre deve assumir uma posição privilegiada em relação
ao contratado, tal posição privilegiada se manifesta com a presença das cláusulas
exorbitantes, que não poderiam estar presentes nos contratos privados já que
ultrapassam os limites de suas regras, o que ensejaria em abuso ao direito dos
particulares.
Não obstante à grande importância dada ao princípio da supremacia do interesse
público, vale frisar que a sua aplicação não é absoluta, já que os direitos individuais
nunca devem ser prescindidos da Administração, cabendo a ela sempre respeitar os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, não podendo colocar os direitos
individuais em risco, equiparando o interesse individual e o público quando
necessário.
25
2.3 DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA
O princípio pacta sunt servanda, também conhecido como princípio da
força vinculante dos contratos durante o Direito Romano, era compreendido como lei
entre as partes do contrato, isto é, os contratos não deveriam sofrer qualquer tipo de
intervenção externa e deveriam ser cumpridos do mesmo modo como pactuado no
momento da celebração do contrato. Vale ressaltar ainda que o Pacta Sunt
Servanda foi, durante a efervescência do pensamento liberal (tomada do poder pela
burguesia e deterioração do Estado Monárquico), retomado para que a vontade,
como manifestação contratual de indivíduos, tivesse a devida validade e o acordo
fosse sempre cumprido em respeito a própria deliberação das partes.
É importante salientar que a obrigatoriedade dos contratos não é em todo
absoluta, já que deve-se considerar que o princípio pacta sunt servanda vincula as
partes do objeto avençado nos limites determinados pela lei, sempre respeitando os
princípios basilares do contrato, como a boa-fé e o da igualdade.
Como entende VENOSA19:
Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento
deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a
cumprir o contrato, ou a indenizar pelas perdas e danos. Não tivesse o
contrato força obrigatória estaria estabelecido o caos. Ainda que se busque o
interesse social, tal não deve contrariar tanto quanto possível a vontade
contratual, a intenção das partes.
Deve-se entender que a partir do momento em que são cumpridos os
requisitos de validade do contrato, as obrigações que surgem em consequência
devem ser fielmente cumpridas por suas partes. Os contratantes, uma vez que
determinaram certos termos e condições do contrato, não podem mais alterá-los, em
virtude do princípio da intangibilidade dos contratos, intrínseco ao pacta sunt
servanda. O compromisso firmado por simples promessa cria uma força vinculantiva
a tal que o acordo deveria ser exatamente cumprido, conforme o combinado.
19 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. 18º ed. São Paulo: Editora Atlas, 2018, p.18
26
Nesse sentido, ressalta VENOSA20 ‘’Decorre desse princípio a
intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar unilateralmente o conteúdo do
contrato, nem pode o juiz, como princípio , intervir nesse conteúdo.’’
O pacta sunt servanda era a ferramenta que assegurava aos
contratantes, a maior autonomia possível, limitados aos desejos transformados em
obrigações das partes, permitindo-se ocorrer uma economia livre e descentralizada.
O liberalismo pregava a abstenção da intervenção do Estado nas relações entre os
indivíduos. Conforme MARQUES21, ‘’se o indivíduo era livre e tinha a possibilidade
de auto-obrigar, tinha direito também de defender-se contra a imputação de outras
obrigações, para as quais não tenha manifestado a sua vontade.’’
Como explica LOBO22,
Radicam no princípio da força obrigatória os dois principais efeitos
pretendidos pelas partes contratantes: a estabilidade e a previsibilidade. A
estabilidade é assegurada, na medida em que o que foi pactuado será
cumprido, sem depender do arbítrio de qualquer parte do contrato ou das
mudanças externas, inclusive legislativas. A previsibilidade decorre do fato de
o contrato projetar-se para o futuro – futuro antecipado -, devendo suas
cláusulas e condições regular as condutas dos contratantes na presunção de
que permaneceriam previsíveis.
Pelo exposto, a estabilidade e a previsibilidade são efeitos que a força
obrigatória deve trazer como resultado do pacto. Por isso, são considerados
imprescindíveis para garantir a segurança jurídica dos contratos.
Ou seja, o contrato era intangível, devido à obrigatoriedade das partes no
cumprimento de todo o conteúdo contratual, não sendo possível a aplicação de
qualquer revisão judicial do mesmo. A função do juiz, que também tinha vínculo com
o contrato, era unicamente representar com objetividade o que a lei claramente
20 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. 18º ed. São Paulo: Editora Atlas, 2018, p.18 21 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.49 22 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.49
27
designava. Segundo Montesquieu, o juiz era somente a boca da lei – ‘’la bouche de
la loi.’’ Conforme AZEVEDO23:
Com o fito de corroborar a validade do princípio da obrigatoriedade,
muitos juristas debateram se a sua fundamentação poderia transcender o conceito
da vontade, encontrando além de argumentos referentes ao cumprimento do
contrato social em si, também a avaliação das consequências para aqueles que
descumprissem sua palavra, perdendo assim a confiança de eventuais futuros
parceiros contratuais.
Vale frisar que o princípio pacta sunt servanda foi proveitoso para os
burgueses que praticavam reiteradamente diferentes tipos de transações, pois
garantia maior segurança a elas e obstava qualquer tipo de intervenção externa.
Diante disso, percebe-se que o princípio foi útil à ascensão dos burgueses, na
medida em que as transações eram feitas com maior celeridade, já que não sofriam
qualquer intervenção e não poderiam ser modificadas.
A única limitação ao princípio pacta sunt servanda, dentro da concepção
clássica, trata-se da exceção por caso fortuito ou força maior, mencionada no artigo
393 e parágrafo único do Código Civil. Vale citar o artigo 393 do Código Civil e fazer
um breve comentário sobre a definição de caso fortuito e força maior:
‘’Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de
caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles
responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato
necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
O caso fortuito é considerado como uma eventualidade causada por
humanos, devendo ser imprevisível e inevitável. Um exemplo de caso fortuito seria
uma greve ou uma guerra, que impediria o cumprimento de uma obrigação. Já a
força maior é compreendida como um evento causado por forças da natureza, tais
como terremotos, tempestades, os raios, tsunamis, etc.
23AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O direito pós moderno e a codificação. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p.57-58
28
Como anteriormente mencionado, o contrato era compreendido como lei
entre as partes, mas não como uma categoria geral dos contratos, isto é, não é
aplicável a todos os indivíduos, é aplicado restritamente às partes daquele
determinado contrato, ou seja, deve-se dizer que o contrato vincularia apenas as
partes que celebraram o acordo, não podendo vincular terceiros.
Para LOBO 24, o princípio pacta sunt servanda teve seus limites mais
restringidos, visto que com o surgimento do Estado Social, a função do juiz ganhou
mais importância na revisão dos contratos, o que no início foi veementemente
criticado, por acreditarem ser nocivo à segurança garantida pela previsibilidade dos
contratos.
O princípio máximo da obrigatoriedade dos contratos aos poucos perdeu
o seu caráter absoluto, a ele permeando um novo conceito, conhecido por rebus sic
standibus, ou Teoria da imprevisão, que constitui exceção ao pacta sunt servanda.
Por outro lado, é válido salientar que a força obrigatória permanece indispensável
para a consecução da segurança jurídica almejada nos contratos.
2.4 DO PRINCÍPIO REBUS SIC STANDIBUS OU TEORIA DA IMPREVISÃO
Antes de iniciar a conceituação sobre a cláusula rebus sic standibus, ou,
sinonimamente, a chamada Teoria da Imprevisão, mostra-se indispensável entender
ao atinente à origem desta cláusula. Como cita GONÇALVES25:
‘’Essa teoria originou-se na Idade Média, mediante a constatação, atribuída a
NERATIUS, em torno da aplicação da condictio causa data causa non secuta, de
que fatores externos podem gerar, quando da execução da avença, uma situação
diversa da que existia no momento da celebração, onerando excessivamente o
devedor. Como o contrato devia ser cumprido no pressuposto de que se
conservassem imutáveis as condições externas, essas modificações na situação de
fato implicariam a modificação igualmente, da execução. Essa cláusula difundiu-se
24 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.49 25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3º ed. São Paulo Editora Saraiva, 2007, p.169
29
resumidamente como rebus sic standibus, sendo considerada implícita em todo
contrato comutativo de trato sucessivo.’’
Não obstante, vale considerar que RODRIGUES JÚNIOR26 comenta que
a teoria da imprevisão teve origem já no Código de Hamurabi, por volta do século
XVIII, que permitia a revisão do contrato no caso de acontecimentos imprevisíveis e
extraordinários na colheita, o que estava disposto em sua lei 48:
‘’ se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo
ou destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no campo, ele não
deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não
pagar juros por esse ano’’
Durante o fim do século XVIII, época que foi marcada pelo avanço do
Liberalismo, a cláusula rebus sic standibus foi esquecida até o seu ressurgimento
após o fim da Primeira Guerra Mundial, que causou uma grande oscilação na
economia da Europa, especialmente na França, onde surgiu a lei Failliot, de 21 de
Maio de 1918, que passou a permitir a revisão dos contratos acabados antes da
guerra pois a execução desses contratos se tornou excessivamente onerosa.
A cláusula rebus sic standibus é compreendida como a possibilidade de
realizar uma revisão contratual quando houver um fato superveniente imprevisível
durante o curso do contrato, gerando mudanças na forma em que o contrato seria
executado, podendo ocorrer que uma das partes se situe em extrema dificuldade e
em onerosidade excessiva e a outra enriqueça sem causa.
Vale dizer, que a teoria da imprevisão, como é também chamada a cláusula,
só poderá ser aplicada quando seja considerada impossível a previsibilidade por um
homem médio, ou seja, não deve haver a probabilidade do homem médio ter
conhecimento do que pode sobrevir ao contrato.
É importante fazer uma boa pontuação acerca dos requisitos de aplicação da
Cláusula rebus sic standibus: O primeiro requisito é que haja acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis durante a execução do contrato; o segundo, que o
26RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão 2ª ed. - São Paulo: Atlas, 2006. p. 33.
30
contrato seja a prazo ou de duração, ou seja, deve ser um contrato de execução
diferida ou sucessiva; O terceiro é que haja onerosidade excessiva para uma das
partes em detrimento à vantagem indevida da outra; e finalmente, quando for
impossível a previsão por um homem médio de um acontecimento superveniente
que possa vir a modificar as condições e os termos do contrato.
Faz-se mister citar o entendimento de LOTUFO et al 27 sobre a Teoria da
Imprevisão:
‘’Quando circunstâncias inesperadas interferem no ciclo das projeções
estimadas pelo risco e pela circunstância razoável do esperado, poderá suceder o
fim precoce do contrato, pela asfixia da sua chance de sobrevida. As partes são
livres para renegociar os efeitos das cláusulas alteradas e caso isso não ocorra,
estão legitimadas a recorrer ao Judiciário em busca da solução para o conflito
contratual, na forma do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.’’
É importante demonstrar que, na realidade, o princípio pacta sunt servanda e
a cláusula rebus sic standibus não são em todo conflitantes e não devem ser
considerados isoladamente um do outro. Atualmente podemos dizer que eles são
interdependentes e impulsionam a celebração dos contratos, já que ambos servem
como proteção de acontecimentos exteriores ao contrato que possam alterar
significativamente os termos e condições do pacto, impedindo que, por um lado,
uma das partes esmoreça de suas atribuições e, por outro, não haja injustiça
referente à onerosidade excessiva. Isto é, pode-se dizer que o princípio pacta sunt
servanda e a cláusula rebus sic standibus atuam paralelamente com o fito de
adimplemento contratual.
27LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore, como coordenadores; e demais autores. Teoria Geral dos Contratos. São Paulo Editora Atlas, 2011, p.649-650.
31
3 INFLUÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
A influência do Código Civil nos Contratos Administrativos é demonstrada no
artigo 54 Lei 8.666/93 que dispõe que os contratos administrativos são orientados
por suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, com aplicação supletiva dos
princípios da teoria geral dos contratos e as disposições do direito privado.
É importante demonstrar a importância da aplicação do princípio da boa-fé nos
contratos administrativos, já que a Administração é detentora de prerrogativas, em
decorrência do princípio da supremacia do interesse público, que permite a criação
das cláusulas exorbitantes ou derrogatórias aplicadas somente aos contratos
públicos. Por ser detentora de prerrogativas, faz-se mister que a Administração
mantenha uma conduta exemplar e de boa fé, devendo sempre que possível
cumprir os contratos de acordo com o que foi pactuado durante a celebração,
podendo excepcionalmente, alterar ou rescindir o contrato, quando houverem fatos
supervenientes. Eventuais alterações não poderão prejudicar o administrado e nem
ser motivo de abuso por parte do poder público, exigindo da outra parte execução
além da inicialmente previstas sem reequilíbrio financeiro.
Diz o artigo 422 do Código Civil que "[...] Os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da
probidade e da boa fé".
Segundo BORGES28, como a Administração sempre anseia o menor custo
para as licitações, de acordo com o princípio da economicidade da Administração,
ela acaba deixando de observar princípios da boa fé e probidade abordados
precedentemente e os preceitos da teoria geral dos contratos, como o instituto
do enriquecimento sem causa disposto no artigo 884, o abuso do direito disposto no
artigo 184 e da onerosidade excessiva disposta nos artigos 478 ao 480.
O Abuso do Direito, como exposto pelo artigo 187 do Código Civil: ‘’Também
comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo, excede manifestamente os
28BORGES, Alice Gonzalez. Reflexos do Código Civil nos Contratos administrativos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público nº 9, Fevereiro/Março/Abril, 2007. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com.br\redae.asp>. Acesso em 10/09/2018.
32
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons
costumes’’
O Abuso de direito é compreendido como o ato realizado com a utilização da
má fé, com a intenção de lesar a outra parte. Pode-se dizer, observando grande
parte dos contratos da Administração Pública, que não há o respeito ao interesse
público verdadeiramente, que há interesses secundários em jogo, em que os
administradores buscam levar desenfreadamente mais recursos aos cofres públicos,
prejudicando ou não os contratados, violando o princípio da boa fé.
É importante abordar ao atinente ao enriquecimento sem causa, que é um
princípio geral de direito universal, disposto no artigo 884 do Código Civil: ‘’ Aquele
que sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o
indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários’’
O limiar entre o direito público e o direito privado se torna muito tênue,
aproximando-se os institutos previstos no Direito Civil, dos relativos ao Direito
Administrativo, tais como cláusulas exorbitantes, que possuem aplicação a fim, de
manter o equilíbrio econômico-financeiro.
BORGES29,, ainda menciona:
[...] que se anuncia uma verdadeira reviravolta na interpretação
desses contratos, bafejada pelos novos princípios. A jurisprudência de
nossos tribunais encontrará respaldo cada vez maior, dentro do próprio
direito privado, para conter os desvios éticos e verdadeiros abusos do
comportamento dos poderes públicos nas relações com seus contratados,
com apoio nos amplos desdobramentos dos princípios da boa fé, do abuso
de direito e do enriquecimento sem causa, que agora enriquecem nosso
Código Civil.
29BORGES, Alice Gonzalez. Reflexos do Código Civil nos Contratos administrativos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público nº 9, Fevereiro/Março/Abril, 2007. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com.br\redae.asp>. Acesso em 10/09/2018.
33
4 PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
RODRIGUES JUNIOR30, entre outros autores, cita Gaston Jèze, que apresenta 3 pressupostos aplicáveis ao Direito Administrativo, quais sejam:
Em primeiro lugar, é necessário que se encontre na presença de um evento independente da vontade das partes contratantes; em particular da vontade da administração. Se não, trata-se do fato do príncipe. Isso é o que se denomina entre a álea econômica e a álea extraordinária. Em segundo lugar, é preciso que o evento não possa ter sido previsto pelas partes contratantes; senão não existe imprevisão (imprevisão quanto ao evento propriamente dito). Finalmente, é preciso que o evento tenha por consequência sido modificado de maneira relevante a economia do contrato, ou seja, ocasionar para o contratante, cujas perdas ultrapassarem todas as previsões que fossem possíveis no momento do contrato (imprevisão quanto à importância das consequências).
RODRIGUES JUNIOR propõe a classificação dos pressupostos em: formais, subjetivos e objetivos.
No primeiro tipo, os pressupostos formais, são avaliadas as questões relativas a suporte negocial, forma e momento da arguição e ônus da prova.
A seguir, os pressupostos subjetivos se relacionam a legitimidade para sua arguição e qualidade da parte legítima.
Por fim, os pressupostos objetivos dizem respeito a requisitos de aplicabilidade e colocação como forma de revisão ou resolução de contratos.
30RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão 2ª ed. - São Paulo: Atlas, 2006. p. 248-251.
34
5 REVISÃO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
A legislação brasileira teve influência da doutrina européia, em especial da
francesa, alemã e italiana.
Como ilustração às dificuldades em relação a se manter previsibilidade em
obras complexas, cita-se um dos artigos mais conhecidos do Código Civil Italiano,
um dos mais citados na jurisprudência referente à revisão de contratos daquele país.
Trata-se do artigo 1664, intitulado Caráter oneroso ou dificuldades na execução, cujo
preceito atualizado consiste em:
“Quando, por efeito de circunstâncias imprevisíveis, se verifiquem aumentos
ou diminuições do custo dos materiais e da mão-de-obra que impliquem um
aumento ou uma diminuição superior a um décimo do preço global acordado,
o adjudicatário ou o fornecedor podem pedir a revisão desse preço. A revisão
só pode ser concedida no que respeita à diferença que excede a décima
parte.”
Em 1990 a redação deste mesmo artigo era:
"Se no curso da obra se manifestam dificuldades de execução derivadas de
causas geológicas, hidrológicas ou similares, não previstas pelas partes, que
tomam notadamente mais onerosas a prestação do construtor, este tem
direito a uma compensação eqüitativa".
O objetivo de mencionar tal artigo é demonstrar que as questões de
imprevisibilidade em obras públicas concorrem via de regra para incertezas devidas
a geologia, hidrologia e semelhantes, as quais somente serão suficientemente
conhecidas durante a obra. Na fase anterior, referente aos projetos, são efetuados
estudos amostrais para que as incertezas diminuam, porém a imprecisão do projeto
sempre estará presente, em maior ou menor grau.
A legislação brasileira caminha na busca de soluções, para que, tanto a
segurança jurídica quanto o justo direito ao reequilíbrio financeiro estejam presentes
nos contratos de obras públicas.
35
A seguir é mostrada de modo simplificado a trilha percorrida no tema de
Alteração de Contratos desde a primeira publicação do Decreto-Lei Federal nº
2300/86; sua republicação em 1987; a nova Lei 8.666/93 que revogou o Decreto-Lei
2300/86; a Lei Federal 12.462/11, criada para acelerar obras urgentes do Governo
federal; a Lei das Estatais, como é conhecida a Lei Federal 13.303/2016 e,
finalmente; o Projeto de Lei 6814/17, que tramita desde 2013 no Congresso
Nacional, cujo conteúdo pretende substituir a Lei 8.666/93 em vigência atualmente.
A fim de possibilitar o confronto das redações das leis ao longo de 1986 até a
proposta de lei de 2017 para licitações, a seguir, segue transcrita na íntegra a
sessão III - Da Alteração dos Contratos, constante do CAPÍTULO III – Dos
Contratos, referente à revisões contratuais, na lei Federal 2300/1986, que dispunha
sobre licitações e contratos da Administração Federal:
“Art. 55. Os contratos regidos por este Decreto-lei poderão ser alterados nos
seguintes casos:
I - unilateralmente, pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor
adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de
acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por
este decreto-lei;
II - por acordo das partes:
a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;
b) quando necessária a modificação do regime de execução ou do modo de
fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade nos termos
contratuais originários;
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de
circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial;
d) para restabelecer a relação, que as partes pactuaram inicialmente, entre os
encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa
remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do
inicial equilíbrio econômico e financeiro do contrato.
§ 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais,
os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até
36
25% do valor inicial do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de
equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos.
§ 2º Se no contrato não houverem sido contemplados preços unitários para
obras ou serviços esses serão fixados mediante acordo entre as partes, respeitados
os limites estabelecidos no parágrafo anterior.
§ 3º No caso de supressão de obras ou serviços, se o contratado já houver
adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos, deverão ser pagos pela
Administração pelos custos de aquisição, regularmente comprovados.
§ 4º No caso de acréscimo de obras, serviços ou compras, os aditamentos
contratuais poderão ultrapassar os limites previstos no § 1º deste artigo, desde que
não haja alteração do objeto do contrato.
§ 5º Quaisquer novos tributos ou novos encargos legais que venham a ser
criados, alterados ou extintos, após a assinatura do contrato e, comprovadamente,
reflitam-se nos preços contratados implicarão na revisão destes para mais ou para
menos, conforme o caso.
§ 6º O acréscimo ou redução de tributos e novas obrigações legais que se
reflitam, comprovadamente, nos preços contratados, implicará na sua revisão, para
mais ou para menos, conforme o caso.
§ 7º Em havendo alteração unilateral do contrato, que aumente os encargos
do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento o equilíbrio
econômico-financeiro inicial.”
Na republicação da Lei Federal 2300/86, em 27 de Julho de 1987, o
texto do artigo 55 permaneceu o mesmo em toda a Seção II, exceto os artigos 5º ao
7º, que foram aglutinados em apenas dois, com as seguintes alterações,
representadas em negrito as inclusões e entre parênteses as exclusões:
“[...]
§ 5º Quaisquer (novos) tributos ou (novos) encargos legais que venham a
ser criados, alterados ou extintos, após assinatura do contrato e,
comprovadamente, (de comprovada repercussão) reflitam-se nos preços
contratados(,) implicarão (a) na revisão destes para mais ou para menos, conforme o
caso.
37
§ 6º O acréscimo ou redução de tributos e novas obrigações legais que se
reflitam, comprovadamente, nos preços contratados, implicará na sua revisão, para
mais ou para menos, conforme o caso.)
§ (7º) 6º Em havendo alteração unilateral do contrato, que aumente os
encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o
equilíbrio econômico-financeiro inicial, sendo que as alterações de que tratam as
alíneas "c" e "d" do item II deste artigo e seus §§1º e 4º restringem-se aos
casos de força maior efetivamente comprovada.”
Pode-se concluir, pelas pequenas modificações efetuadas, que a
preocupação maior era com a segurança jurídica dos contratos, pois procurou-se
apenas deixar mais clara a condição de restrição daquilo que poderia ser
considerado imprevisível, com a inclusão da expressão: casos de força maior
efetivamente comprovada.
Lembre-se que a lei 2.300/86, assim como as subsequentes, até hoje, tratam
sob uma única regulação, tanto aquisições de bens comuns, catalogados, como
aquisições de bens e serviços complexos, como obras públicas de características
complexas, sendo exceção apenas o RDC, elaborado exclusivamente para obras e
publicado em 2011.
A lei 8.666/93 revogou o Decreto-Lei 2.300/86. Representam-se, do mesmo
modo as inclusões em negrito e as exclusões entre parênteses, as seguintes
alterações na redação da Seção III - Da Alteração dos Contratos, do Capítulo III -
DOS CONTRATOS, do artigo 65, análogo ao artigo 55 do decreto revogado:
“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as
devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - [...]
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição
de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada
a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro
fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens
ou execução de obra ou serviço;
38
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre
os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa
remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do
equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de
sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências
incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou,
ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe,
configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
§ 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições
contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços
ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do
contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o
limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.
§ 2o Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites
estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:
I - (VETADO)
II - as supressões resultantes de acordo celebrado entre os
contratantes.
§ 3º (2o) Se no contrato não houverem sido contemplados preços
unitários para obras ou serviços, esses serão fixados mediante acordo entre
as partes, respeitados os limites estabelecidos no § 1o deste artigo (anterior).
§ 4o (3º) No caso de supressão de obras, bens ou serviços, se o
contratado já houver adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos,
estes deverão ser pagos pela Administração pelos custos de aquisição
regularmente comprovados e monetariamente corrigidos, podendo caber
indenização por outros danos eventualmente decorrentes da supressão,
desde que regularmente comprovados.
39
§ 4º No caso de acréscimo de obras, serviços ou compras, os
aditamentos contratuais poderão ultrapassar os limites previstos no § 1º deste
artigo, desde que não haja alteração do objeto do contrato.)
§ 5o Quaisquer tributos ou encargos legais (que venham a ser) criados,
alterados ou extintos, após a assinatura do contrato, bem como a
superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da
apresentação da proposta, de comprovada repercussão (e
comprovadamente reflitam-se) nos preços contratados, implicarão a(na)
revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.
§ 6o Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os
encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por
aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial (, sendo que as
alterações de que tratam as alíneas "c" e "d" do item II deste artigo e seus
§§1º e 4º restringem-se aos casos de força maior efetivamente comprovada).
§ 7o (VETADO)
§ 8o A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de
preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou
penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele
previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias
suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam
alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila,
dispensando a celebração de aditamento.”
Como é possível observar diante das alterações ocorridas na Lei 8.666/93 em
relação à lei 2.300/86, revogada, é que a preocupação dos legisladores parecia ser
essencialmente sobre valores financeiros e prazos, buscando definir com mais
clareza de que se tratam de marcos contratuais com a finalidade de se constituir
como parâmetro para cálculos de reajustes. Também à expressão força maior foram
acrescentados: na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém
de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do
40
ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe,
configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Isso demonstra claramente a tentativa de que a questão da imprevisibilidade
ser tratada com segurança jurídica era uma preocupação crescente para o Poder
Legislativo.
O tema referente a alteração dos contratos, diferentemente do Direito Privado,
desperta interesse nas contratações administrativas. Nesse campo, a modificação
unilateral se aplica sem ferir os demais princípios e são fixados limites para o acordo
consensual. Segundo JUSTEN FILHO31 são várias questões disciplinadas pelo
artigo 65. A alteração do contrato reflete uma competência discricionária do Poder
Público, isso não significa no entanto que as alterações podem ser impostas como e
quando aprouver a Administração. Ao contrário, essa competência, não lhe
assegura o direito de alterar em qualquer circunstância, somente em casos atípicos.
Mesmo que consensual, deve-se evitar a modificação do contrato como regra
geral. Havendo necessidade, a mesma não deve ser radical, nem tampouco, frustrar
os princípios de obrigatoriedade e isonomia.
A alteração unilateral não prescinde do consenso. Na verdade, a lei, impõe, a
alteração consensual em determinadas hipóteses. JUSTEN FILHO, exemplifica a
recomposição da equação econômico financeira quando a alteração é unilateral, de
modo consensual, pois tal recomposição exige acordo entre as partes.
No caso de alteração unilateral, presume-se que após a assinatura do
contrato, é revelada circunstância anteriormente não conhecida acerca da execução
das obrigações pactuadas, a qual, soluciona, o objeto de modo mais adequado
tecnicamente, concorrendo à uma melhoria qualitativa.
A Lei 8666.96 também admite que a administração modifique o objeto de tal
modo que o valor inicial do contrato seja modificado, em função de aumento ou
diminuição quantitativa do objeto.
31JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Rev. , atual e ampl – São Paulo. Editora: Revista dos Tribunais, 2015. Página 522.
41
Conforme jurisprudência (RESP 666.878/RJ, 1º Turma, rel. Min. Denise
Arruda, J. 12.06.2007, DJ, 29.06.2007):
‘’1. É licito à Administração Pública proceder à alteração unilateral do contrato em duas hipóteses: (a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica; (b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência do acréscimo ou modificação quantitativa do seu objeto. ‘’ 2. [...] 3. O poder de alterar unilateralmente o ajuste representa uma prerrogativa à disposição da administração para concretizar o interesse público. Não se constitui em arbitrariedade nem fonte de enriquecimento ilícito. 4. A modificação quantitativa do valor contratado ‘’ acréscimo/supressão’’ deve corresponder, em igual medida à alteração das obrigações dos sujeitos da relação jurídica. (A Administração Pública e particular), ou seja, a variação do preço deve guardar uma relação direta de proporcionalidade com o aumento/ diminuição do objeto, sob pena de desequilíbrio econômico-financeiro, enriquecimento sem causa e frustração da própria licitação;
A lei ainda possibilita a modificação de regime de execução ou do modo
fornecimento no caso de obras, a execução em regime de empreitada global, pode
ser proposta no lugar da execução sob regime de empreitada unitária, porém não
pode ser imposta. Necessariamente, essa definição deve ser realizada de comum
acordo entre as partes, no inciso II, alínea ‘’c’’, é prevista a alteração das condições
de pagamento, que podem ser relacionadas às condições da execução do contrato,
desde que não atinja o conteúdo econômico. Na sequência, a alínea ‘’d’’, disciplina a
alteração para promover a recomposição do equilíbrio econômico financeiro.
Sobre o parágrafo 2º, do artigo 65, que define as limitações para as
alterações, pode-se afirmar que o mesmo tem sido tema de discussão e polêmica
em torno da sua interpretação. JUSTEN FILHO32 comenta que existem os
defensores de que nenhuma modificação poderia ultrapassar o limite do parágrafo
1º, mas ele discorda. Explica que a recomposição da equação econômico-financeira
não está sujeita a limites de valor, podendo-se admitir, se conveniente a rescisão do
contrato. Sobre acréscimo ou supressão, cita que ‘’o Parágrafo 2º refere-se à
vedação à acréscimo ou supressão. Examinando o elenco do inciso I, identifica-se
claramente que a hipótese se configura no caso da alínea ‘’b’’, esse é o dispositivo
que trata de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto. A redação do
parágrafo 2º tem clara e inquestionável em relação com o disposto, na alínea ‘’b’’ do
inciso I.’’
32JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Rev. , atual e ampl – São Paulo. Editora: Revista dos Tribunais, 2015. Página 522.
42
JUSTEN FILHO conclui que aplicar a redação do parágrafo 2º, em casos de
inadequação do projeto, resulta em desfecho descabido. Ou seja, não sendo
possível manter-se a solução técnica proposta na celebração do contrato, em
determinados casos, pode ser necessária a indispensável alteração com valor
superior a 25%, ou a rescisão do contrato.
A Lei Federal 11462/11, que Institui o Regime Diferenciado de Contratações
Públicas – RDC, é regulamentada pela Lei 8.666/93.
Porém, na sua Subseção I - Do Objeto da Licitação, da Seção II - Das Regras
Aplicáveis às Licitações no Âmbito do RDC, prevê no:
“Art. 9o Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá
ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente
justificada e cujo objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições:
[...]
§ 4o Nas hipóteses em que for adotada a contratação integrada, é vedada a
celebração de termos aditivos aos contratos firmados, exceto nos seguintes casos:
I - para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso
fortuito ou força maior; e
II - por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor
adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública,
desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado,
observados os limites previstos no § 1o do art. 65 da Lei no 8.666, de 21 de junho de
1993.
§ 5o Se o anteprojeto contemplar matriz de alocação de riscos entre a
administração pública e o contratado, o valor estimado da contratação poderá
considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e as contingências
atribuídas ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pela entidade
contratante.”
Duas novidades dessa lei merecem destaque. A primeira se refere à
contratação da obra sem projeto executivo concluído, nos chamados regimes semi-
integrado e integrado de contratação. A segunda é a alusão à matriz de alocação de
riscos, que tenta dividir as responsabilidades dos riscos da obra entre o contratado e
43
a Administração. É importante salientar que a partir de estatísticas do Ministério do
Planejamento, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) elaborou estudos,
divulgados no dia 12 de julho de 2018, em que se constatou que, há 2.796 obras
paralisadas no país. Dessas, 517 são de infraestrutura, principalmente na área de
saneamento básico, que inclui serviços de água e esgoto. Esses números
evidenciam que a questão da imprevisibilidade ainda deve ser mais debatida no
Brasil.
Por fim, a Lei Federal 13303/16, que dispõe sobre o estatuto jurídico da
empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na sua Seção II - Da
Alteração dos Contratos do CAPÍTULO II - DOS CONTRATOS, em analogia ao
artigo 65 da Lei 8666/93 teve as seguintes alterações, representadas, igualmente, as
inclusões em negrito e as exclusões entre parênteses:
“Art. 81. Os contratos celebrados nos regimes previstos nos incisos I a V do
art. 43 contarão com cláusula que estabeleça a possibilidade de alteração, por acordo
entre as partes, nos seguintes casos:
(I – unilateralmente pela Administração:)
[...]
(II – por acordo das partes)
[...]
§ 8o É vedada a celebração de aditivos decorrentes de eventos
supervenientes alocados, na matriz de riscos, como de responsabilidade da
contratada.”
Pode-se observar que as alterações da lei 13.303/2017 resumem-se
praticamente à inserção da matriz de risco no artigo 81, que trata das Alterações
Contratuais, mantendo toda a redação da Lei 8.666/93, artigo 65, e à exclusão de
diferenciação entre proposição de alteração unilateral ou por acordo entre as partes.
O artigo 81 prevê os casos e condições de alteração de contratos de
empresas públicas ou de economia mista, sendo que seu inciso I dispõe sobre
alterações qualitativas, com redação idêntica à do artigo 65 da Lei 8.666/93. De
44
acordo com GUIMARÃES33, tais alterações somente são aceitáveis se houver uma
dificuldade superveniente, cuja identificação ocorra somente após a celebração do
contrato e requeira a alteração, sem a qual haveria impossibilidade de execução do
objeto. Segundo o autor, não se prestam à correção de falhas ou complementações
de detalhes de projeto ou plano de obra, que deveriam constar do conjunto de
elementos que instruem o certame, porém por algum motivo foram omitidos.
As alterações qualitativas também não podem descaracterizar o objeto. A
relação lógico-causal entre o objeto descrito no edital e o efetivamente executado
deve ser mantida, sem modificar sua finalidade.
O inciso II, que dispõe sobre as alterações quantitativas, permite a
modificação dos valores previstos originalmente em função de modificações
causadas por aumento ou diminuição das quantidades definidas para o objeto do
certame.
As condições de aceite são as mesmas da Lei 8666/93 já comentadas.
Ressalta-se que as partes devem entrar em consenso para realizar os acréscimos
ou supressões necessárias.
Esse inciso prevê que as alterações sejam apenas de ordem quantitativa, não
ensejando obrigatoriamente na alteração de outras condições contratuais. Desse
modo, o objeto permanece com suas características essenciais, sem mudança de
sua natureza. No entanto, é possível que elas influenciem no prazo, que pode ser
prorrogado. Dessa maneira, tanto a alteração de quantidade quanto do prazo podem
provocar eventual desequilíbrio da equação econômico-financeira, nesse caso
havendo necessidade de aditamento também para esses quesitos, com fulcro no
inciso IV do artigo 81.
A fixação de preços unitários para obras em que deve ser realizada a
alteração, caso o contrato não o tenha previsto, deverá ocorrer, em consenso entre
as partes, observados os limites do parágrafo 1º, ou seja, 25% ou 50%, dependendo
do caso.
33GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das Estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/ 2016. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017, p.266
45
O parágrafo 4º traduz que a responsabilidade civil do Estado, que
GUIMARÃES34, entende: ‘’consiste no dever jurídico imposto ao poder público em
responder pela reparação dos prejuízos de ordem material em materiais provocados
por ações ou omissões, sendo elas, lícitas ou ilícitas. ‘’ Pode, portanto, ser
necessário indenizar o particular por outros danos que eventualmente tenham sido
causados pelas supressões efetuadas, se tais danos forem devidamente
comprovados. Sobre a garantia, é direito do particular, ter a garantia reduzida na
mesma proporção do valor suprimido.
Assim como, na lei 8666/93, o mesmo inciso IV, prevê a possibilidade de
alterar o regime de execução da obra. Essa modificação, exige, a constatação
técnica de que os termos originariamente previstos não podem ser aplicados ao
contrato em questão e ainda de que decorreu de circunstâncias imprevisíveis,
quando da elaboração do edital, ou devido a fatos supervenientes.
A deliberação da mudança de regime por parte do Poder Público, não exime o
contratado de aceitar o novo modo de execução, sendo indispensável a sua
anuência. Nesse caso, a convergência da vontade de ambas as partes é
fundamental.
O inciso V, admite a alteração das condições de pagamento previstas
originalmente no contrato desde que, acompanhada de medidas que mantenham o
equilíbrio econômico financeiro da contratação. Conforme JUSTEN FILHO35, essa
alteração prevista na lei ‘’não atinge o conteúdo econômico devido ao particular, mas
circunstâncias acessórias relacionadas às condições de sua realização.’’
O inciso VI prevê que, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou
previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da
execução do ajustado ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do
príncipe, configurando aléa econômica extraordinária ou extracontratual, o equilíbrio
econômico financeiro do contrato deve ser mantido.
34GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das Estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/ 2016. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017, p.89 35JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Rev. , atual e ampl – São Paulo. Editora: Revista dos Tribunais, 2015. Página 525.
46
GASPARINI 36 ensina que caso fortuito se refere a ‘’acontecimento
imprevisível e irresistível causado por força externa ao Estado, do tipo do tufão e da
nevasca’’; cita como exemplos de força maior, greve ou grave perturbação da
ordem; conceitua fato do príncipe como ato ou fato da autoridade pública- é toda a
determinação estatal, positiva ou negativa, geral e imprevisível ou previsível, mas de
consequências incalculáveis, que onera, extraordinariamente ou que impede a
execução do contrato e obriga a Administração Pública a compensar integralmente,
os prejuízos suportados pelo contratante particular’’.
Todas as alterações contratuais são celebradas, por meio de termo aditivo,
embora a lei não expresse claramente sobre o instrumento utilizado para formalizá-
las.
Nos Parágrafos 5º e 6º é reconhecida como razão para alteração a variação
da carga tributária, que impacte nos encargos do contratado, devendo a
Administração Pública remunerar eventuais aumentos de tributos. Ainda pode-se
citar o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, que corrobora esse preceito:
‘’ XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e
alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure
igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam
obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o
qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à
garantia do cumprimento das obrigações. ‘’
Cabe lembrar que meros reajustes inflacionários, podem ser concedidos por
meio de procedimentos mais simples, a apostila prevista, no parágrafo 7º do artigo
81 da Lei 13303/16.
Por fim, o Parágrafo 8º, dispõe sobre a vedação de alterações decorrentes de
eventos supervenientes alocados na matriz de riscos do edital, que tenham sido
definidos como de responsabilidade da contratada. É importante citar o artigo 42 da
mesma lei, que, fixa um conteúdo mínimo para a cláusula de matriz de riscos. Nela
devem constar os fatos cuja imprevisibilidade existe, no entanto podem ser
36GASPARINI, DIOGENES. Direito Administrativo 13º edição. São Paulo : Editora Saraiva, 2008. Páginas 1115; 808 e 800.
47
conjecturadas hipóteses de ocorrerem, e a qual parte caberá a responsabilidade de
cada item apontado. GUIMARÃES37 menciona que:
“um desses elementos diz respeito a listagem de possíveis eventos supervenientes à
assinatura do contrato, impactantes no equilíbrio financeiro da avença, o que poderá
exigir do particular um exercício de “futurologia”, sem contar a possibilidade de as
propostas apresentadas por ocasião da licitação conterem uma “gordura” nos preços
ofertados como medida de proteção do licitante.”
A seguir, a fim de ilustrar, apresenta-se matriz de riscos constante de um edital de
obra da empresa de economia mista Companhia de Saneamento do Paraná –
Sanepar, com abertura prevista em 08/11/2018:
37GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das Estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/ 2016. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017, p.273
48
Figura 1 Matriz de Riscos – Edital de Licitação 351/2018 da Sanepar
Percebe-se que a matriz é elaborada de acordo com experiências em
contratos anteriores e procura elencar situações em que havia recorrência de
pedidos de aditivos por parte de contratados, porém não havia um protocolo para as
respectivas soluções. Nela cada risco listado se aloca a uma ou ambas as partes, e
se relaciona a um respectivo procedimento de mitigação.
49
Finalmente, o projeto de lei 8814/2017, que institui normas para licitações e
contratos da Administração Pública e pretende revogar as Lei nº 8.666/93, a Lei nº
10.520/2002, e dispositivos da Lei nº 12.462/2011, em seu artigo 101, análogo ao
artigo 65 da Lei 8666/93, possui indícios de que a caminhada em direção a uma boa
formulação que solucione, ou ao menos diminua os prejuízos decorrentes da
questão da imprevisibilidade, ainda será longa e cheia de empecilhos.
A base dessa proposta de lei continua sendo as leis anteriores, mesmo
identificados os problemas em se utilizar as mesmas leis para aquisição de objetos
absolutamente diversos nas licitações. A comparação do seu teor nas partes
pertinentes a alterações de contratos não será abordada aqui na sua totalidade, mas
será chamada a atenção para alguns aspectos relativamente inovadores que por
enquanto foram contemplados.
O primeiro é o critério de limitação do valor dos aditivos, que nas leis
anteriores se restringia ao parágrafo primeiro de todas elas, que agora vem
acompanhado de um parágrafo subsequente que, por sua característica muito mais
restritiva pode causar mais dificuldades no desenrolar das obras.
A seguir reproduz-se a redação proposta:
“§ 1º Nas hipóteses do inciso I do caput, o contratado é obrigado a aceitar, nas
mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões, que se fizerem nas obras,
nos serviços ou nas compras, de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial
atualizado do contrato, sendo que, no caso de reforma de edifício ou de equipamento,
o limite para os acréscimos é de 50% (cinquenta por cento).
§ 2º A aplicação dos limites estabelecidos no § 1º deverá ser realizada
separadamente para os acréscimos e para as supressões, salvo nos casos de
supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.
§ 3º A extrapolação dos limites estabelecidos no § 1º, quando decorrente de erro
grosseiro no orçamento do projeto, ensejará apuração de responsabilidade do
responsável técnico.”
O parágrafo primeiro segue idêntico em todas as leis, desde a lei 2300/86 e
permanece na proposição do PL6814/17. A produção do texto referente
50
aparentemente advém de reiterada jurisprudência do TCU, o qual afirma no acórdão
1.536/2016, que:
“[...] a jurisprudência deste Tribunal é pacífica no sentido de entender, como regra
geral, para atendimento dos limites definidos no art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei 8.666/1993,
que os acréscimos ou supressões nos montantes dos ajustes firmados pelos órgãos e
pelas entidades da Administração Pública devem ser realizados de forma isolada,
sendo calculados sobre o valor original do contrato, vedada a compensação entre seus
valores. Nesse sentido, podemos citar os Acórdãos: 1.733/2009, 749/2010,
2.059/2013, 2157/2013, 2.064/2014 e 1.498/2015, todos do TCU-Plenário e
4.499/2016-TCU-2ª Câmara.”
Ou ainda, em seu acórdão 2819/2011, que:
“[...]... o TCU possui firme entendimento acerca dos limites de alteração previstos
no art. 65, §1°, da Lei 8.666/1993, mais precisamente, de que, na elaboração deste
cálculo, não pode a Administração valer-se da compensação entre acréscimos e
decréscimos, devendo as alterações de quantitativos ser calculadas sobre o valor
original do contrato, aplicando-se a cada um desses conjuntos, individualmente e sem
nenhum tipo de compensação entre eles, os limites do dispositivo legal.”
Mais um conceito novo foi introduzido no PL 6814/2017, a partir da
exclusão de algumas situações da definição de alteração contratual. São citadas a
seguir:
“[,,,]§ 10. Não caracterizam alteração do contrato e podem ser registrados por
simples apostila, dispensando a celebração de aditamento:
I – a variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto
no próprio contrato;
II – as atualizações, as compensações ou as penalizações financeiras
decorrentes das condições de pagamento previstas no contrato;
III – as alterações na razão ou na denominação social do contratado;
IV – o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu
valor corrigido.”
51
Assim como previsto desde o RDC, na lei 12.462/11, o artigo 19 do PL
6814/17 também insere a matriz de riscos como ferramenta obrigatória para que as
consequências da imprevisibilidade não causem problemas no acompanhamento
das obras públicas.
Nesse caso, o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar
taxa de risco compatível com o objeto da licitação e os riscos atribuídos ao
contratado, de acordo com metodologia predefinida pela entidade contratante.
A lei dita que a matriz de alocação de riscos deverá, por meio do
estabelecimento da responsabilidade de cada parte contratante, ser utilizada como
mecanismo com a finalidade de afastar a ocorrência de eventuais sinistros, e para
que os seus efeitos sejam mitigados.
Finalmente, chama a atenção, no PL 6814/2017 o seguinte texto, presente no
artigo 101:
“§ 13. Excetuam-se aos limites percentuais estabelecidos neste artigo as mudanças
contratuais consensuais de natureza qualitativa que atendam cumulativamente aos
seguintes requisitos:
[...]
V – a motivação da mudança contratual deve ter decorrido de fatores não previstos e
que não configurem burla ao processo licitatório;”
A menção da palavra burla, citada inclusive também em outro artigo da
proposta de lei, faz transparecer nitidamente que o princípio da boa-fé e da
moralidade não estão sendo admitidas integralmente em seu conceito mais
profundo, pois as leis devem ditar as regras do que deve ser realizado, e não entrar
no mérito do que não deve ocorrer.
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6 CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente trabalho permitiu verificar que a flexibilização
de termos e condições contratuais vem sendo matéria de discussão há mais de
2000 anos. Não obstante, a tentativa de reunir dois princípios, quais sejam, pacta
sunt servanda e rebus sic stantibus, conflitantes e ao mesmo tempo fundamentais,
não tem logrado sucesso pleno no campo do Direito Administrativo, especialmente
no que diz respeito aos contratos de obras de engenharia com a administração
pública, visto o considerável número de obras públicas paralisadas no Brasil.
Sempre existiu a intenção de normatizar os processos referentes às
aquisições da Administração a fim de torná-los semelhantes às transações do
mercado aberto, com o revés de se manter a prevalência do interesse público. Essa
tarefa tem sido dificultada pela resistência da Administração Pública, órgãos de
controle e fiscalização e o próprio Judiciário de usar o princípio da boa-fé e
moralidade, pois os recentes episódios de corrupção acabam por influenciar os
legisladores e fiscalizadores, contaminados pela ideia de que a presunção de
inocência pode macular os processos licitatórios.
No Brasil, cada lei criada com a finalidade de regulamentar as licitações prevê
uma seção especificamente sobre a alteração contratual. Mas, apesar de sucessivas
revisões das leis, o mesmo texto é literalmente copiado com ínfimas inserções ou
modificações.
O resultado da falta de uma análise mais profunda pelos legisladores são
redações confusas, criadas sobre textos antigos, que podem continuar a ser motivo
de serem levados aos tribunais conflitos judiciais entre o poder público e seus
administrados. No caso da Administração, há que se levar em consideração que em
cada litígio envolvendo contratos referentes a investimentos em obras públicas, não
há perdas somente para a empresa contratada, mas o interesse público, o ente que
a lei procura proteger com maior cuidado, acaba por ser o mais prejudicado. Como
citado, na expectativa da conclusão de processos judiciais concernentes a licitações
de obras, muitas vezes, grandes investimentos são paralisadas e volumes
consideráveis de recursos financeiros são desperdiçados.
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Por fim, a reincidência dos casos de litígio nas contratações de obras
complexas gera um clima de descrédito da Administração Pública por parte da
população prejudicada. A solução para tais entraves, gerados pela dificuldade em
resolver a questão da imprevisão nos contratos ainda não foi encontrada
definitivamente, devido a dificuldade em se colocar em prática instrumentos que
garantam a segurança jurídica. Porém, os recorrentes problemas observados nas
contratações estão passando por severas discussões, para que no futuro, os
procedimentos das novas convenções estejam de tal modo resolvidos que permitam
que o Poder Público invista seus recursos de maneira fluente, sem os óbices
atualmente observados devido a insuficiência de clareza nos critérios e definições
referentes a alterações de contratos.
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