ANALISANDO OS IMPACTOS
LOGÍSTICOS DA ENTRADA DE
VENEZUELANOS EM RORAIMA
MAIRA IWATO DE OLIVEIRA (FATEC SJC)
Irineu de Brito Junior (USP)
Felipe Enne Mendes Ribeiro (FATEC)
Ciclos migratórios sempre fizeram parte da história dos seres humanos
que, enquanto nômades, partiam com frequência para fugir da
escassez de alimentos. Em tempos modernos, tais movimentos
migratórios possuem a mesma motivação, porém causas diferentes.
Por conta da instabilidade econômica e política, a Venezuela sofre com
uma hiperinflação, aumento da violência, protestos antichavistas e
muita insegurança. Por esses motivos milhares de pessoas têm fugido
de uma crise humanitária que o governo venezuelano nega existir e
não enfrenta adequadamente (HRW, 2017). Tal situação fez com que o
Brasil se tornasse um destino atraente para imigrantes venezuelanos.
Logo, faz-se necessário analisar as medidas que podem ser adotadas
pelo Brasil a fim de minimizar os efeitos da imigração venezuelana no
norte do país, especialmente na cidade fronteiriça de Pacaraima,
conciliando as necessidades da população local às dos imigrantes. O
objetivo deste artigo é comparar as ações adotadas por países em
desenvolvimento que acolheram estrangeiros no passado recente, tais
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como Líbano, Turquia e Jordânia, buscando alternativas para que a
sociedade brasileira possa absorver os impactos causados pela
imigração. O método adotado para este trabalho é um estudo de caso.
Foram observadas as similaridades entre os dois movimentos
migratórios, na Síria e na Venezuela, e suas consequências.
Palavras-chave: Roraima, Impactos logísticos, Imigração, Pacaraima
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1. Introdução
Estamos vivenciando a era com o maior nível de deslocamento populacional involuntário da
história. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, 65,3
milhões de pessoas em todo o mundo deixaram suas casas no ano de 2015. Entre estas estão
quase 21 milhões de refugiados e 10 milhões de expatriados (ACNUR, 2015). Quando uma
crise se inicia, muitas pessoas procuram ajuda em países vizinhos aos seus, efetuando viagens
pendulares para fazer compras ou buscando emprego em cidades fronteiriças. Isso ocorre
devido à escassez de produtos básicos, altos índices de desemprego e o desabastecimento que
afetam seus países de origem.
Desde 2013, a Venezuela enfrenta dificuldades estruturais, principalmente em consequência
da corrupção e a diminuição nos preços dos barris de petróleo (RUIC, 2016). A crise da
Venezuela afeta até mesmo aqueles que ainda têm dinheiro, pois o país apresenta severa
escassez de produtos e trabalha sob a forma de racionamento, limitando o número de itens que
cada cidadão pode comprar (COSTA, 2016). Mudanças no cotidiano das cidades da fronteira
entre Brasil e Venezuela refletem o agravamento da crise, como o aumento do fluxo de
venezuelanos adentrando o país, seja para fazer compras, receber atendimento médico ou para
tentar uma vida nova no Brasil. Esta situação traz desafios econômico-sociais sem
precedentes ao estado de Roraima e regiões próximas (CANINEU, 2017). Logo, o objetivo
geral deste trabalho é analisar os possíveis problemas que Roraima irá enfrentar em termos de
Cadeia de Suprimentos, requisição de Ajuda Humanitária e Logística, focando principalmente
nos sistemas de abastecimento de víveres, medicamentos e produtos hospitalares na cidade de
Pacaraima, em Roraima.
A ferramenta utilizada no presente trabalho é o um estudo de caso baseado em dados
estatísticos e comparações entre duas situações distintas de imigração: a chegada de
venezuelanos no Brasil e a migração de refugiados sírios que rumaram para países de
fronteira, pois, como afirmam Branski, Franco e Lima (2010), o estudo de caso tem por
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finalidade explicar, investigar ou expor fenômenos atuais que fazem parte de seu próprio
contexto, através de uma coleta de dados qualitativa.
O objetivo específico deste artigo é destacar as similaridades entre os dois movimentos
migratórios, observando o impacto logístico que causam nas cidades que recebem imigrantes.
O restante do trabalho é estruturado a seguir. A seção 2 apresenta uma revisão da literatura
trabalhada e a seção 3 mostra a metodologia de pesquisa. Em seguida, a seção 4 demonstra a
definição do problema.
2. Revisão de literatura
A revisão de literatura destina-se a apresentação dos conceitos sobre a logística humanitária, o
projeto esfera utilizado no estudo e as muitas denominações para migrações. O estudo é
baseado em relatos, reportagens, artigos e estudos de caso relacionados ao tema proposto.
2.1. Projeto Esfera e a logística
O Projeto Esfera, lançado em 1997, busca desenvolver um conjunto de padrões mínimos de
sobrevivência utilizados para prestar assistência humanitária de qualidade a pessoas em
situação de emergência (THE SPHERE PROJECT, 2011).
O Projeto apresenta cinco setores-chave:
1. Padrões comuns a todos os setores (gestão do projeto);
2. Abastecimento de água, saneamento e promoção da higiene;
3. Segurança alimentar, nutrição e ajuda alimentar;
4. Refúgio, assentamento e artigos não alimentícios;
5. Serviços de saúde.
A logística humanitária auxilia na execução de todos estes setores chave, pois esta é
responsável pelo transporte, armazenamento e distribuição dos recursos. Segundo Nogueira,
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Gonçalves e Novaes (2014), a logística humanitária tem o objetivo de salvar vidas e amenizar
o sofrimento de pessoas vulneráveis.
2.2. Migrante, imigrante, refugiado e “other groups of concern”
As migrações internacionais possuem diversas denominações, tais como emigração,
imigração, refúgio, fluxo migratório, deslocamento, etc. (ARAÚJO, 2014). Define-se
migração como um processo qualquer em que pessoas atravessam uma fronteira internacional,
independentemente da extensão percorrida, da composição do grupo de pessoas ou das causas
(OIM, 2009). Segundo Cortes (2004), refugiados são pessoas que partem do seu país de
origem por motivos de guerra ou perseguição e, por esse motivo dificilmente conseguem
regressar a seu país. Já os imigrantes deixam seus países por opção com o objetivo de se
estabelecer em outro, de forma temporal ou permanente, buscando melhores condições de
vida. A legislação brasileira reconhece como refugiadas “as pessoas que foram obrigadas a
sair de seus países devido à violação generalizada de direitos humanos” (ACNUR, 2010).
Existe ainda uma denominação utilizada pelas Nações Unidas para classificar pessoas que não
se encaixam nem como refugiadas, nem como imigrantes. São as denominadas Other
Groups/Persons of Concern. Esta abrange ex-refugiados, pessoas que tiveram o pedido de
asilo rejeitado ou aguardam por resposta e até mesmo populações dos países hospedeiros
(UNHCR, 2016). O atual perfil dos venezuelanos no Brasil pode ser enquadrado nesta
denominação, pois segundo Canineu (2017), o governo venezuelano não reconhece a
existência de uma crise humanitária e isto impede que sua população se enquadre no perfil de
refugiados adotado internacionalmente.
2.3. A situação dos refugiados em países em desenvolvimento
Segundo Awad (2014), os desafios da crise humanitária na Síria preocupam os países
vizinhos que, apesar de não serem países ricos, tornaram-se destino de refugiados. O Líbano,
a Turquia e a Jordânia são alguns dos países que mais acolhem refugiados sírios. No entanto,
cada um procura formas de conter a chegada e a permanência dos imigrantes para não
sobrecarregar o atendimento de sua população local.
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Na Jordânia, até 2015, a chegada de refugiados fez sua população aumentar em 25%,
elevando as taxas de desemprego e de pobreza (AWAD, 2014). O país modificou sua política
de assistência humanitária para conciliar as necessidades dos refugiados e da população local,
passando a negar assistência médica gratuita, reduzir serviços de educação e limitar
empréstimos aos refugiados (BALSARI; ABISAAB, 2015).
Na Turquia o aumento populacional foi de 10% até 2015 e os sírios são recebidos como
hóspedes temporários, não como refugiados. Na Palestina, a principal preocupação da
população está relacionada ao equilíbrio demográfico. Já o Líbano anunciou um visto especial
com duração de seis meses para cidadãos sírios. Em muitos casos, o mercado de trabalho
destes países é reservado apenas para cidadãos locais e o racismo e discriminação tornam-se
consequências alarmantes da imigração forçada (AWAD, 2014).
Em geral, observa-se que os países procuram se proteger e impedir a chegada de imigrantes
para defender os interesses internos. Para piorar ainda mais, Awad (2014) afirma que a
atuação de organismos internacionais serve apenas para prevenir que os refugiados se dirijam
às nações mais ricas, fontes da maior parte da receita de doações destas entidades. Em todos
os casos, nota-se que o interesse principal dos países é manter certa distância dos refugiados,
pois a integração definitiva desta população é tarefa extremamente onerosa e difícil.
2.4. Refugiados e imigrantes no Brasil
Moreira (2012) investiga as decisões políticas do Estado em relação aos refugiados,
destacando que, apesar de o Brasil se relacionar com refugiados desde 1947, suas decisões
políticas tiveram enfoque em uma regulação imigratória restritiva e voltada para a segurança
nacional, não dando a devida atenção à condição de vida que os refugiados teriam. Silva
(2013) corrobora com esta afirmação, mostrando que o Estatuto Brasileiro dos Estrangeiros
contradiz as diretrizes da doutrina dos direitos humanos do Estatuto dos Refugiados, causando
ambiguidade e agravando o consenso entre os atores políticos que lidam com as migrações.
Silva (2013) afirma também que o aumento da demanda de solicitações de refúgio está muito
além da capacidade atual no Brasil em termos de recursos humanos, estruturais e de serviços
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públicos, agravados ainda mais pelo estranhamento cultural e a falta de inserção dos
imigrantes no mercado de trabalho.
3. Metodologia
Segundo Branski, Franco e Lima (2010), para se construir uma pesquisa usando o estudo de
caso, é necessário realizar as cinco etapas que são: delineamento da pesquisa; desenho da
pesquisa; coleta de dados; análise dos casos; e elaboração de relatórios.
A delimitação da pesquisa, destacando o tema, o objetivo e as questões de análise
trabalhadas foi apresentada nas seções 1 e 2. Com base no levantamento bibliográfico
realizado na seção anterior, foram criadas as seguintes proposições para este artigo:
Integração dos refugiados com a população local;
Análise das diferentes políticas migratórias e suas consequências;
Reflexos da imigração nos serviços oferecidos à população;
Monitoramento da situação dos refugiados.
O padrão de pesquisa foi construído a partir desses quatro pilares. As fontes de pesquisa
foram notícias disponíveis na internet, publicações de organizações de ajuda humanitária,
dados estatísticos e artigos que abordam movimentos migratórios em geral.
4. Estudo de caso de Pacaraima
Esta seção tem como objetivo discutir a atual situação da Venezuela, citando fatos que levam
sua população a sair do país.
4.1. A situação da Venezuela
Segundo a imprensa internacional, a Venezuela encontra-se atualmente em estado de colapso.
Seus problemas estruturais tiveram início em meados de 2014, em consequência de uma
severa crise financeira ocasionada pela queda da renda petroleira e também da crise política
instaurada desde 1989 (ALBERTO; BANDEIRA, 2002). A crise financeira pode ser definida
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como circunstâncias nas quais instituições ou ativos financeiros se desvalorizam
imprevistamente (PEREIRA, 2008).
Na Venezuela o salário mínimo é de 27.092 bolívares, ou aproximadamente R$ 130,00. Em
2015, sua inflação fechou em 180,9% e o Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta uma
alta ainda maior até o final de 2017, podendo chegar a 2.200% (FOLHA WEB, 2017). De
acordo com Merke, Feldmann e Stuenkel (2016) os níveis de pobreza no país aumentaram de
27% em 2013 para 73% em 2015. A situação é ainda pior para os hospitais do país; 51% dos
centros cirúrgicos não estão funcionando e 78% dos hospitais apresentam escassez de
remédios (OSPINA, 2017). Muitos venezuelanos providenciam transporte até o Brasil em
busca de atendimento. Desta forma, diversas gestantes atravessam a fronteira para dar à luz,
pois estas relatam que, para dar à luz na Venezuela, primeiro é preciso providenciar todo o
material necessário para um parto, como seringa, gaze, algodão, linha para costurar, máscara,
entre outras coisas (ESTARQUE, 2016).
4.2. O trajeto Venezuela-Brasil
O acesso da Venezuela até o Brasil é feito principalmente pela fronteira entre Pacaraima e
Santa Elena de Uairén. De acordo com a Polícia Federal, mais de 100.000 venezuelanos
ingressaram pela fronteira de Roraima em 2016, porém muitos outros podem ter adentrado o
território brasileiro ilegalmente devido à vasta extensão da fronteira que possui 2.200
quilômetros (FOLHA WEB, 2017).
Segundo Costa e Brandão (2016), nos últimos anos houve um aumento de 7.000% no número
de pedidos de entrada por parte dos venezuelanos em todo o Brasil, sendo que 37% destes
pedidos foram feitos em Roraima.
Os imigrantes que desejam permanecer no Brasil devem fazer o pedido de refúgio junto ao
Conselho Nacional de Refugiados, que recebeu 2.630 solicitações entre 2015 e 2016
(CONARE, 2016), dentre as quais, apenas seis foram deferidas (ESTARQUE, 2016). Por
outro lado, os imigrantes que optam por não solicitar o documento correm o risco de
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deportação. Em 2016, 76 venezuelanos foram deportados de Roraima (COSTA; BRANDÃO,
2016). Ademais, o auxilio a estrangeiros também pode ser visto com maus olhos pela
população local, uma vez que esta já enfrentava adversidades antes mesmo da chegada de
refugiados.
4.3. O município de Pacaraima
De acordo com estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano de 2016,
Pacaraima possuía uma população de 12.144 habitantes. O município foi criado em 1997, se
situa ao norte do estado de Roraima (Figura 1). Desde o começo, Pacaraima já apresentava
diversos problemas estruturais antes mesmo da chegada dos venezuelanos. O Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade é de 0,650 (2010), muito abaixo da média
nacional de 0,744. Ademais, a incidência de pobreza é de 54,3%.
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Figura 1- Mapa de Pacaraima, Roraima
Fonte: IBGE Cidades (2015)
5. O desabastecimento da cidade de Pacaraima, a falta de infraestrutura e o aumento da
criminalidade
O município de Pacaraima não possui ferrovias nem hidrovias, concentrando todo o seu fluxo
sob o sistema rodoviário. Ademais, por estar localizada dentro da Reserva Indígena de São
Marcos, a região não dispõe de boa infraestrutura urbana. O único acesso asfaltado da cidade
é a rodovia BR-174 que se estende desde a fronteira com a Venezuela até Manaus, passando
pela capital do estado, Boa Vista.
Até meados de 2014, devido à desvalorização da moeda venezuelana em relação ao real, a
cidade de Santa Elena de Uairén, na fronteira com Pacaraima era conhecida como um
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movimentado centro de turismo de compras (LEON, 2014). Atualmente, devido a escassez
que acomete o país vizinho, brasileiros e venezuelanos concentram todas as suas compras na
cidade de Pacaraima. Isso gera grande impacto na movimentação de mercadorias e na
economia da cidade, gerando inflação. A desordem causada pelo aumento do fluxo é visível
principalmente no centro comercial, onde o trânsito é caótico e o aumento da demanda fez
com que até lojas de roupas e farmácias passassem a comercializar arroz e outros
mantimentos consumidos por venezuelanos (TOLEDO; KNAPP, 2016). Logo, quase todo o
estoque de alimentos consumido na cidade vem de outras localidades.
O crescimento desse fluxo migratório impôs uma série de desafios ao estado de Roraima
como um todo, culminando em uma grave crise financeira (BANDEIRA, 2017). O fluxo sem
precedentes de venezuelanos tem pressionado ainda mais o sistema público de saúde de
Roraima. A diretora do Hospital Geral de Roraima, Marcilene Moura, afirma que o hospital
que aproximadamente 80% dos pacientes atendidos são venezuelanos. (CANINEU, 2017).
Em Pacaraima, a alta procura no posto de saúde já impacta a oferta de medicamentos, tais
como: antigripal, cremes, pomadas, anti-inflamatório, antifúngico e antialérgico
(ESTARQUE, 2016). Segundo profissionais da saúde, os venezuelanos costumam chegar ao
hospital em condições de saúde extremamente precárias, pois não recebem tratamento
adequado nem medicamentos na Venezuela. Muitos vêm em busca de tratamento para
malária, tuberculose, HIV/AIDS e pneumonia. Em 2016, houve também um aumento de
274% do número de casos de malária diagnosticados em venezuelanos dentro do estado, em
comparação com o ano anterior (ESTARQUE, 2016).
6. Ajuda humanitária
É evidente que tal crescimento populacional trará graves consequências para a cidade.
Segundo o governo de Roraima, o número de venezuelanos que já atravessaram a fronteira
chega a 30 mil. Visto que a população do estado de Roraima era de cerca de 500 mil
habitantes, os venezuelanos representam atualmente 6% da população total do estado
(TOLEDO E KNAPP, 2016).
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Este trabalho apresenta o cenário hipotético em que os 30.000 venezuelanos que adentraram o
país recebam cestas básicas mensalmente. Segundo o Manual do Projeto Esfera (2011) a
desnutrição pode resultar em um problema de saúde pública e é a causa número um de mortes
entre pessoas vulneráveis, seja direta ou indiretamente. A falta de alimentos pode trazer
consequências a curto e a longo prazo tais como: queda da imunidade, deficiências
intelectuais e de desenvolvimento, doenças cardíacas, etc.
Baseando-se ainda no Projeto Esfera, o patamar mínimo de alimentação de uma pessoa deve
consistir em 2100 calorias por dia. Considerando que a cesta básica é calculada para famílias
constituídas por quatro membros, em média, estima-se que 7500 cestas básicas por mês
seriam o mínimo necessário para ajudar os 30.000 venezuelanos que vivem atualmente em
Roraima. Isso significaria um custo mensal de R$ 2.786,18, baseados no preço médio da cesta
básica divulgado pelo Departamento Intersindical de Estudos Econômicos (DIEESE, 2017),
referente a março de 2017 na capital Boa Vista.
É nesse contexto que se faz necessária intervenção de organizações de ajuda humanitária ou
do próprio governo com o propósito de suprir as necessidades básicas do imigrante
venezuelano.
7. Análise e discussões
Ações foram tomadas para que as cidades recebam ajuda do governo federal. A maioria das
medidas é em caráter emergencial e de curto prazo, tais como a decretação de estado de
emergência em dezembro de 2016 por conta da superlotação dos hospitais nas cidades de
Pacaraima e Boa Vista. Esta foi a primeira evidência de que Roraima não tem estrutura física
para atender a demanda por consultas, internações e medicamentos para brasileiros e
venezuelanos (ESTARQUE, 2016).
O governo brasileiro criou também o Gabinete Integrado de Gestão Migratória (GIGM), com
a função de ajudar venezuelanos situados em Roraima. Este programa busca identificar
imigrantes aptos a serem inseridos no mercado de trabalho e prover a assistência social
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(FELIX, 2016). Estas medidas diferenciam-se totalmente das medidas adotadas por países
que acolheram os sírios. Turquia, Líbano, Jordânia e Palestina contaram com ajuda da
comunidade internacional para organizar acampamentos para os refugiados, dos quais 1.8
milhões foram assistidos pelo Alto Comissariado da ONU (AWAD, 2014).
Observa-se também uma abertura modesta e aceitação da imigração na capital de Roraima,
Boa Vista. A cidade conta com um abrigo no bairro de Pintolândia e conta com a comunidade
religiosa para prover alimentos aos venezuelanos. A prefeitura de Boa Vista também provê
educação às crianças estrangeiras. Em 2017, 408 crianças venezuelanas foram matriculadas
em escolas da rede municipal de Boa Vista (COSTA, BRANDÃO; 2016).
8. Conclusões
Durante muitos anos o processo de imigração internacional em massa no Brasil não foi
motivo de preocupação. No entanto, a partir de 2010, o país voltou a ser considerado local de
destino daqueles que fogem da pobreza em seus países de origem.
Por conta de uma severa instabilidade econômica e política, a Venezuela sofre com uma
hiperinflação, aumento da violência, protestos antichavistas e muita insegurança. O
agravamento contínuo da crise humanitária na Venezuela faz com que seus habitantes
busquem alternativas de vida em países como o Brasil, devido a facilidade de atravessar a
fronteira na cidade de Pacaraima, Roraima.
A presença de venezuelanos alterou completamente a rotina dos moradores de Pacaraima. O
crescimento desse fluxo migratório impôs uma série de desafios ao estado como um todo,
culminando em uma grave crise financeira que afeta o dia-a-dia dos moradores provocando
desordem, escassez de mantimentos, aumento de preços e superlotação e de hospitais.
(BANDEIRA, 2017).
O governo do estado afirma que esta prestando auxílio ao imigrante, com atendimento médico
e alimentação. A administração diz, no entanto, que não pretende estabelecer um local de
acolhida. Todas as medidas tomadas pelo governo são de caráter emergencial e provisório.
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Isto indica que a situação dos venezuelanos em Roraima não será normalizada, a menos que
haja intervenção de organizações de ajuda humanitária internacional (ESTARQUE, 2016).
Neste contexto, o estado necessita de ajuda humanitária para auxiliar no controle dos
imigrantes, pois já demonstra indícios de potencial rompimento de sua cadeia logística de
abastecimento. Como afirmam comerciantes da cidade, já está difícil conseguir comprar
produtos não perecíveis dentro do estado e alguns são obrigados a comprar produtos do sul do
país (COSTA, 2016).
Neste contexto é possível afirmar que o Pacaraima tenderá ao colapso em consequência do
aumento no número de estrangeiros na cidade, da falta de estrutura para a integração dos
estrangeiros, o prolongamento da crise econômica na Venezuela e ausência de ajuda
humanitária proveniente de organismos internacionais. O presente trabalho aborda um estudo
hipotético sobre a sobrecarga em termos monetários que os imigrantes venezuelanos podem
trazer sobre o estado de Roraima. O presente estudo sugere que estado como um todo,
necessitaria de, no mínimo, 7.500 cestas básicas por mês somente para atender aos
venezuelanos que já se instalaram no Brasil. Esta quantidade de alimentos representaria um
gasto mensal de aproximadamente R$ 2.786,18. As discussões giram em torno das políticas a
serem adotadas para evitar que a situação dos venezuelanos continue prejudicando a
população local e chegue ao ponto de causar o desabastecimento do município fronteiriço de
Pacaraima, visto que este não possui autossuficiência na produção de alimentos, dependendo
totalmente de mantimentos provenientes da capital. Outro agravante para o município é o fato
de Pacaraima possuir apenas um acesso rodoviário por onde deve passar toda a carga de
suprimentos para a cidade.
Assim, conclui-se que o aumento constante de demanda deve culminar na adoção de medidas
mais radicais para o controle e a permanência de estrangeiros na região, assim como foi feito
nos países em desenvolvimento que acolheram refugiados após a Primavera Árabe. Outro
caminho seria a intervenção de organismos internacionais de ajuda humanitária acostumados
a lidar com este tipo de situação.
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REFERÊNCIAS
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http://www.unhcr.org/figures-at-a-glance.html> Acesso em: 27 abr. 2017.
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AWAD, Ibrahim. Migration in the Mediterranean: Human Rights, Security and Development Perspectives
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BALSARI, Satchit; ABISAAB, Josyann; HAMILL, Kathleen; LEANING, Jennifer. Syrian refugee crisis:
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BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As políticas neoliberais e a crise na América do Sul. Revista Brasileira de
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