Diálogos do Fórum DRSEdição 9
Ano 2
Abril/2013
Luciano Martínez
Diego Piñero
Alex Barril
Alberto Adib
Ruralidade na América do Sul: história, presente e futuro das políticas
públicas para a região
Coordenador Executivo do Fórum DRSCarlos Miranda
Assessor Técnico do Fórum DRSBreno Tiburcio
Assessor Técnico do Fórum DRSHeithel Silva
Assistente Técnico do Fórum DRSRenato Carvalho
Jornalista André Kauric
Projeto Gráfi co e EditoraçãoPatricia Porto
Secretária Executiva Tatiana Cassimiro
FotosPedro Ladeira / Arquivo IICA
Representação do IICA no BrasilSHIS QI 03, Lote A, Bloco F, Centro Empresarial TerracottaCEP 71605-450, Brasília-DF, Brasil.
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ApresentaçãoA série “Diálogos do Fórum DRS” é uma publicação exclusiva do Fórum Perma-nente de Desenvolvimento Rural Sustentável (Fórum DRS). Tem origem na seção “Diálogos”, do Boletim Informativo do Fórum DRS, que brindou durante anos o leitor com entrevistas e debates com personalidades relacionadas ao tema DRS. A série “Diálogos do Fórum” ganhou espaço exclusivo nas publicações do Fórum DRS desde março de 2012.
Em novo formato, a série oferece ao leitor conteúdo rico e exclusivo, com pontos de vista distintos, permitindo que você tenha um panorama mais amplo à respeito dos temas relacionados ao DRS. A interação marca este novo espaço, já que os usuários podem interagir com os participantes dos diálogos por meio do site do Fórum DRS.
Diálogos do Fórum DRSEdição 9
Ano 2
Abril/2013
Luciano Martínez
Diego Piñero
Alex Barril
Alberto Adib
Ruralidade na América do Sul: história, presente e futuro das políticas
públicas para a região
Nesta EdiçãoA nona edição da Revista Diálogos do Fórum DRS dá continuidade aos debates sobre as concepções de Ruralidade na América Latina e suas implicações nas políticas públicas de desenvolvimento rural. Nesse sentido, a presente edição reúne 2 especia-listas, com considerável experiência como gesto-res governamentais – Alberto Adib e Alex Barril, e 2 proeminentes acadêmicos Sulamericanos - Diego Piñero e Luciano Martinez, que fizeram uma refle-xão sobre temas, tais como: o conceito ampliado de rural no mundo contemporâneo, o equívoco da visão que associa o rural a condições de atraso ou o reduz às atividades agropecuárias ou ainda, as suas debilidades institucionais e organizacionais e finalmente, debatem o mundo rural em sua inser-ção nos processos nacionais de globalização.
4 Diálogos do Fórum DRS
ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br
Ruralidade na América do Sul: história, presente e futuro das
políticas públicas para a região
Diego Piñero, professor de Sociologia Rural no Uruguai; Alex Barril, consul-
tor independente no Chile e Luciano Martínez, professor da Flacso, em Quito,
no Equador, discutem, nessa edição, o conceito de rural na América do Sul sob
a óptica de diversos países da região, como Uruguai, Chile, Paraguai, Equador,
Argentina e Brasil. Como lidam os representantes dos Estados da região com
essa questão? Qual a origem histórica do rural nos países que constituem a
região? O rural é subestimado na região? Qual o futuro do campo na região?
Esta e outras perguntas são debatidas pelos especialistas neste Diálogos do
Fórum que foi conduzido pelos consultores do IICA Ivanilson Guimarães e Al-
berto Adib. Leia e conheça mais sobre a formação do conceito do rural na
América do Sul.
ALBERTO ADIB: Vou fazer uma breve introdução para começar abordando
o tema da ruralidade de forma mais geral. Depois podemos falar de detalhes
mais específicos dos países.
Bem, temos visto que os critérios que são utilizados pelos financiadores rurais
variam muito. Cada país tem o seu critério e isso está muito claro. Outro ponto,
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Diálogos do Fórum DRS
corresponde a uma classificação dicotômica muito
clara, associado a pautas conceituais normativas
e isso, também, está muito claro. Mantiveram-se
sem modificação nos últimos 40, 50 anos e têm
contribuído, agora se vê isso de forma clara, a uma
subestimação do rural, identificando a América
Latina como região muito urbanizada, o que afe-
ta muito as decisões políticas. Ou seja, com essa
leitura que se faz do rural, com critérios antigos,
no Brasil principalmente, temos um país muito
urbanizado. Mas pelo o que entendemos do rural
na atualidade, percebemos que não. Os países não
são tão urbanos, porque a ruralidade hoje tem uma
conotação distinta. Eu gostaria que vocês comen-
tassem algo sobre os problemas existentes nes-
sa conotação dicotômica para uma interpretação
mais atualizada da ruralidade
DIEGO PIÑERO - Eu gostaria, em relação
a esse tema da subestimação rural, de voltar
na história. Pelo menos no caso do Uruguai é
importante discutir isso. E a minha pergunta é:
por que o rural está subestimado?
Eu creio que isso tem a ver com o papel que o
rural jogou na história do País. No Uruguai, por
exemplo, o último tiro da guerra civil foi dado em
1904, ou seja, não faz tanto tempo. E a campa-
nha uruguaia, ou seja, o campo uruguaio durante
todo o século XIX foi um campo de guerra, um
campo de enfrentamento entre distintas concep-
ções políticas. E aqueles que lutavam, os que se
enfrentavam, eram os gauchos, liderados pelos
seus patrões, que eram os coronéis, que lide-
ravam os exércitos que se enfrentavam nessa
guerra. Assim, o campo uruguaio, era perigoso
[...] Pelo o que entendemos do
rural na atualidade, percebemos
que não. Os países não são tão
urbanos, porque a ruralidade hoje
tem uma conotação distinta
“
”Alberto Adib
6 Diálogos do Fórum DRS
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andar, pois não era um campo pacífico e, mais
ainda, era um campo de grandes extensões no
qual predominava a pecuária. Só se podia andar
a cavalo, devido as enormes distâncias.
Então, eu acredito que aí nasce uma visão
cultural que ainda temos nos dias de hoje, que
o campo não está associado ao civilizado. O civi-
lizado é a cidade; e o campo, de alguma forma,
representa o não civilizado, a barbárie, aque-
la famosa dicotomia de Sarmiento, o argentino
que escreveu o livro que marcou uma geração,
ao menos no Rio de La Plata, uma dicotomia de
civilização e barbárie. A barbárie do campo e a ci-
vilização na cidade. Eu acredito que esse conceito
permeou a cultura dos uruguaios, não acredito
que só dos uruguaios, mas outros países talvez
tenham vivenciado algo similar.
Então, quando a gente observa a lei de 1946,
que é a lei que estabelece a criação dos centros
povoados no Uruguai, essa ideologia está presen-
te na criação dos centros povoados, nessa lei. E
o que ali é resgatado ou o que se decide é como
se cria os centros povoados, a partir de um meio
que é o campo. O imanente, o que está presente
é o campo e não o rural. Então, a lei cria o urba-
no como civilizado, como o espaço, o lugar, onde
a sociedade se crê como uma sociedade mais
progressista, que pode acessar serviços que a
diferencia do rural. Inclusive, eu diria, muito et-
nocentricamente, é mais europeia. Não sei se
isso é similar para outros países, mas no caso do
Uruguai isso é o que está muito marcado na con-
cepção inicial de como se define o rural. O rural
fica, então, para trás, o rural fica definido como
arcaico, como aquilo que está contra o progresso.
[...] Há processo de reforço na medida
em que o rural se conceitua como
o atrasado e, também, na medida
em que os serviços se instalam
nos centros povoados e as políticas
públicas reforçam isso, ou seja,
efetivamente, o rural vai ficando
atrasado.
“
”Diego Piñero
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Diálogos do Fórum DRS
ALBERTO ADIB - Como esse conceito, hoje,
afeta a política pública?
DIEGO PIÑERO -Como consequência dessa
definição do rural e do urbano, toda a ação do
Estado se centraliza nos povoados e nas cidades,
sobretudo nas zonas econômicas, em especial
nas cidades maiores. Então é como um círculo
vicioso que reforça o atraso, o arcaico do rural.
Porque na medida que os serviços como, por
exemplo, a educação, se instala nas cidades, a
população rural, que está distante dos centros
povoados onde estão os serviços, cada vez vai
ficando mais fora da corrente de modernização.
Portanto, há processo de reforço na medida em
que o rural se conceitua como o atrasado e, tam-
bém, na medida em que os serviços se instalam
nos centros povoados e as políticas públicas re-
forçam isso, ou seja, efetivamente, o rural vai fi-
cando atrasado.
ALEX BARRIL - Continuando com a reflexão
de Diego a respeito da marginalização do setor
rural, eu acredito que no Chile o tema tem re-
lação fundamentalmente com a estrutura so-
cioeconômica em que se deu o desenvolvimento
inicial do país. Talvez um dos mais marcantes no
mundo andino.
A fazenda como estrutura social, econômica
e política, sobretudo nas zonas centrais de Chile,
marcou o predomínio econômico até 1960. Tinha
essa cultura de dominação e de atraso. O pro-
prietário era o dono do poder, o que tinha direito
a voto; e os inquilinos, que eram os peões, es-
tavam absolutamente fora do mundo social. Não
tinham educação, não tinham saúde, não tinham
nada, dependiam do proprietário. Daí se instala
uma conceitualização de um mundo rural igno-
rante, atrasado. Não há interlocução, com exce-
ção dos proprietários que se movem no mundo
político. Se observarmos a conformação da Eu-
ropa, ou aqui ou o governo; são os proprietários.
Com essa visão, além disso, se faz a mudança
política. Esse mundo atrasado é um obstáculo
para conseguir o desenvolvimento do país e, por-
tanto, precisa ser tirado do caminho.
O primeiro processo de reforma agrária no
Chile inscrito no marco de um novo modelo de
desenvolvimento, de substituição de importação
e etc, foi o interceptor para que o campo fosse
uma dificuldade. Latifúndio para o cientista era
um dono de uma propriedade, que dividia fora
dali, vivia na cidade, tinha uma produção abso-
lutamente extensiva, não era moderno. A refor-
ma agrária tem sua primeira intenção no Chile
de modernizar do ponto de vista produtivo, deixar
que o campo seja um estorvo e comece efetiva-
mente a ser um aporte para este país que tem
que se industrializar, que tem que mudar.
Posteriormente, viria a segunda parte para
uma reforma agrária mais inclusiva, que o tema
passa a ser não só da propriedade da terra, mas
também da participação, do acesso a organiza-
ção, do acesso à educação e etc. Eu diria que
isso ficou marcado. E hoje, com o transcurso do
tempo, dos 80 para frente, as mudanças políti-
cas causaram forte migração do campo para a
cidade. Um distanciamento por distintas razões,
não só de cunho laborais, econômicas, mas tam-
bém políticas. Tem uma forma de olhar a polí-
tica na qual o campo não é prioridade, ou seja,
não há força suficiente no âmbito político dos
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setores que representam o mundo agropecuário
para influenciar nesta sociedade. Nem sequer os
empresários tem a capacidade para se impor ou
para demandar com certa força desta política.
Incidem muito pouco.
Hoje a reivindicação, na conjuntura atual dos
empresários no Chile, é o preço do dólar. Ai com
certeza eles reclamam. Como a agricultura está
voltada para exportação, se o preço do dólar cai,
eles são prejudicados e aí se mobilizam para
brigar pelo preço do dólar, não para brigar por
outro. E o mundo da agricultura familiar, dos as-
salariados agrícolas não tem suficiente peso or-
ganizacional nem sequer para debater. Por ai eu
vejo que está essa contradição.
LUCIANO MARTÍNEZ - Bem, seguindo o racio-
cínio dos meus companheiros que falaram sobre
seus países, eu creio que há um quiero no caso
equatoriano, que esta relacionado com essa des-
valorização do mundo rural. Na minha opinião, pa-
rece que, no caso equatoriano, existe um processo
tardio de industrialização que vai gerando uma vi-
são de uma construção do moderno, da moder-
nidade. Isto porque, no caso equatoriano, não se
deu a reforma agrária por fundo. A reforma agrá-
ria de 1964 não gerou um processo de redistribui-
ção da terra e a fazenda ficou intacta. Então, não
foi possível gerar as condições para um proces-
so de industrialização, com um mercado interno,
mas, de qualquer forma, foi sendo construído um
imaginário na sociedade de que o rural era o pior.
Como não houve transformação para a população
rural, esta ficou em condições muito degradadas,
com níveis de vida muito baixo, dependendo ainda,
eu diria, de um modelo de dominação.
Um distanciamento por distintas razões,
não só de cunho laborais, econômicas,
mas também políticas. Tem uma forma
de olhar a política na qual o campo não é
prioridade, ou seja, não há força suficiente
no âmbito político dos setores que
representam o mundo agropecuário para
influenciar nesta sociedade. Nem sequer
os empresários tem a capacidade para se
impor ou para demandar com certa força
desta política. Incidem muito pouco.
“
”Alex Barril
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Diálogos do Fórum DRS
Até hoje no século XXI as pessoas têm no ima-
ginário esse modelo. Uma dependência que faz
com que a população rural pense que tem uma
relação com o proprietário. Isso, por um lado, sig-
nifica uma desvalorização porque eles nunca se
desvincularam dessa relação; e, por outro lado,
foi criado um imaginário de que o importante era
o crescimento das cidades, de ser urbano, pois
ali estava o melhor, ali estava a modernização.
Eu penso que significou um processo importan-
te de migração do campo para as cidades. E, até
hoje, o importante para um jovem campesino é
sair para a cidade, porque ali está o moderno; ali
estão as melhores condições de vida.
Em geral, na sociedade equatoriana, o rural
significa, até agora, um espaço de atraso, de
desvalorização. Então, me parece que isso são
fenômenos estruturais que marcam, não? Isto
de não ter feito uma reforma agrária é chave e
está marcado principalmente nesse processo de
desvalorização do rural que, digamos desde a
metade do século passado pra cá, se acentua e
gera que a população rural e, destacadamente a
mais jovem, o que me preocupa, não veja o espa-
ço rural, as atividades rurais, todas as ações do
campo como de valor para ele.
ALBERTO ADIB - Diego, tem uma coisa que
me chamou a atenção na sua fala durante o Fó-
rum* (*VII Fórum Internacional de Desenvolvi-
mento Territorial, entre os dias 11 a 14 de novem-
bro de 2012, em Fortaleza, e do qual Diego Piñero
participou como palestrante) . O senhor falou de
uma forma muito en passant de que o Uruguai
não está preparado para ter uma discussão so-
bre a ruralidade. Outra ponto que me chama a
atenção é que em toda a América Latina só exis-
tem dois países que estão se envolvendo sobre o
tema ruralidade, quero dizer, efetivamente o Es-
tado está buscando uma forma de se envolver: o
Chile, que iniciou o processo agora mesmo (no fi-
nal de 2012), e o Brasil. Porque o senhor acredita
que o Uruguai não está preparado para o tema?
DIEGO PIÑERO – Não Alberto, o que eu falei é
que acreditava que o Uruguai estava preparado
para uma discussão sobre o tema da ruralidade,
mas olhando do ponto de vista das transforma-
ções, sobretudo no emprego e na localização das
pessoas no campo e na cidade. O que o Uruguai
não está preparado é para uma discussão sobre
a ruralidade em termo da multifuncionalidade
do rural, pois isso é, na minha opinião, uma dis-
cussão muito diferente que possui muitas impli-
câncias e está muito influenciada pela discussão
europeia.
Eu ainda acredito que nos nossos países as
discussões estão muito em termo desse proces-
so de deslocamento entre o rural e o agrícola.
Eu dizia que em nossa história, até muito pouco
tempo, o rural e o agrícola coincidiam, ou seja,
todas as pessoas que viviam no meio rural de-
sempenhavam tarefas agrícolas e, por sua vez,
todos os que desempenhavam tarefas agrícolas
viviam, tinham sua residência no meio rural.
O que aconteceu nos últimos 20 anos é que
houve um deslocamento desses dois concei-
tos. Hoje tem muita gente que vive no meio ru-
ral, porém desempenham tarefas que não são
agrícolas, em torno de 20%, no caso do Uruguai.
Pessoas que residem no meio rural não desem-
penham tarefas agrícolas, senão fundamental-
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mente serviços e algo menos na indústria. Em
segundo lugar, existem muitas pessoas que hoje
desempenham tarefas agrícolas vinculadas a
agricultura e que não possuem residência rural.
Para dar um dado, os 50% dos trabalhadores
assalariados rurais e agrícolas no Uruguai não
recebem no meio rural, senão recebem no meio
urbano e isso porque há uma enorme transfor-
mação nas comunicações e nos meios de trans-
porte. Então, o que acontece? Os trabalhadores
assalariados recebem do meio urbano. Quando
o patrão o necessita, o chama por telefone e lhe
diz: - “você pode vir amanhã? Pois tenho trabalho
em tal e tal coisa”. No dia seguinte, essas pes-
soas sobem nas suas motos, pois hoje as motos
na China custam mil dólares e quem não pode
comprar uma? E como existem boas estradas e o
lugar onde essas pessoas vão trabalhar estão a
15, 20, 30 quilômetros, eles vão até o prédio, tra-
balham ali um dia e voltam ou ficam dois ou três
dias. Além disso, isso está muito apoiado pelos
patrões, porque dessa forma o custo da mão de
obra diminui muito, já que o tempo de trabalho
na agricultura é variável. Se eu tenho um peão
permanente no meu estabelecimento tenho que
pagar o salário dos meses, mas o emprego, eu o
necessito apenas alguns dias do mês. Assim, os
meios de comunicações, as trocas nos meios de
comunicações e de transportes facilitaram essa
fragilidade, o que permitiu aos patrões diminuir
os seus custos em relação a remuneração do
trabalho rural.
Então, isso que estamos apresentando, vimos
notando nos últimos 12 anos, ou seja, nos últimos
20 anos. Nos últimos 5 anos, se acelerou profun-
O conceito de rural foi criado quando
o rural e o agrícola coincidiam e
hoje estão desdobradas, então esse
conceito é velho, portanto, temos que
renovar esse conceito e temos que
repensar o que entendemos hoje por
população rural.
“
”Diego Piñero
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Diálogos do Fórum DRS
damente e a população rural do Uruguai dimi-
nuiu pela metade entre o ano 2000 e 2011, que foi
o último censo realizado. Passou de 9,7% a 5,3%
a população rural, ou seja, já era baixa a popu-
lação rural no ano 2000. Então, entre o ano de
96 e o ano 2000 passamos de 9,7% de população
rural para 5,3%, portanto, esta enorme diminui-
ção gera um problema que antes não tínhamos.
Primeiro, essa população que reside no meio ru-
ral, porém, presta serviços para a agricultura às
vezes, mas presta serviços ou é um comerciante
e reside em um povoado de mil habitantes, como
vamos considerá-lo? Como população urbana
ou como população rural? Esse é um dos pro-
blemas. Uma pessoa que trabalha durante todo
o ano no meio rural e em tarefas agrícolas, mas
reside em um povoado e numa cidade, como va-
mos considerá-lo? Como povoado rural ou como
população urbana? Essas são as coisas que pre-
cisam ser redefinidas. Por que acontece?
O conceito de rural foi criado quando o rural e
o agrícola coincidiam e hoje estão desdobradas,
então esse conceito é velho, portanto, temos que
renovar esse conceito e temos que repensar o
que entendemos hoje por população rural.
ALBERTO ADIB - Eu queria abordar um tema
e depois você pode mesclar com o que ele dis-
se. O mercado do Chile, o que me chama atenção
é que é um país eminentemente mineiro; e na
questão do PIB, na contribuição do PIB agrícola
está em quarto lugar, mas é um país que briga
muito para ser uma potência agroalimentar. En-
tão como convive o Chile? É o primeiro país da
America latina que está preocupado em definir o
conceito de ruralidade, esse é o primeiro, porque
o que estamos fazendo aqui, no Brasil, não é um
movimento iniciado pelo Estado e, sim, um movi-
mento que foi provocado por organizações inter-
nacionais. Eu creio que no Chile acontece algo,
como o senhor vê isso?
ALEX BARRIL - Teria que se detalhar mais
qual é a intenção e a vontade hoje. Existe efeti-
vamente o interesse de entrar nessa área do ru-
ral, da definição. Fundamentalmente os dados
do último censo que foi realizado meses atrás e,
mesmo que não há dados oficiais, claramente vai
mostrar primeiro o crescimento muito menor na
população em geral do que se esperava. Se espe-
rava que de 15 fosse passar para 18 milhões de
habitantes e são 16,5 milhões. E, segundo, houve
uma diminuição, parecido com o que aconteceu
no Uruguai, desse 13% vamos baixar, com certe-
za, para uns 10%.
ALBERTO ADIB – Para quem quer ser potên-
cia alimentar...
ALEX BARRIL – Exato. Então, o Ministério
de Agricultura que tem interesse, tem também
essa contradição. E faço a mesma pergunta que
você: como me explicam isso? Como esse país
com um 10% de população rural vai ser potência
agroalimentária? Eu acredito que será algo fun-
damentalmente instrumental. Não creio que isso
vá (...) e se chegar a se concretizar, essa troca
de conceito vai ser fundamentalmente normativa
para mudar o censo. Ou seja, o próximo censo
será medido com um conceito distinto, mas isso
não vai ter necessariamente implicância e que o
Estado vai ter uma preocupação maior por gerar
políticas.
12 Diálogos do Fórum DRS
ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br
Não existe uma política bem definida na Améri-
ca Latina que permita o ingresso de trabalhadores
estrangeiros por período de tempo permanente. E
isso teve início com os paraguaios. Começou-se
a levar muitos paraguaios para trabalhar no Chi-
le, nos territórios rurais, nos últimos três a quatro
anos, porém, ilegalmente. A migração peruana
também é muito forte, ainda que mais dirigida a
serviços urbanos, mas os paraguaios foram im-
pressionantes nos últimos três anos.
E isso, podemos dizer, motivado por uma visão
de que o sistema salarial, além de ser uma piada,
é outro incentivo perverso para que as pessoas
não trabalhem no âmbito rural. Quando a gente
vê que isso acontece em todos os lugares, per-
cebe que existe uma missão institucionalizada:
Existem coisas que são parecidas. Se analisar-
mos o Chile, o sistema de contratação de força de
trabalho também mudou radicalmente. Hoje em
dia, independe do período que se vive, o aporte do
setor agropecuário em força de trabalho é de 8 ou
quase 9%, o que preocupa. Mas se a gente mede
isso na época da safra, na época da colheita de
frutas, onde a mão de obra aumenta fundamen-
talmente, esse aporte deve subir para 20%. Todas
essas pessoas que vão trabalhar na safra para a
colheita é o mesmo que acontece no Uruguai e em
outros países. E hoje um dos problemas do Chile
é que há uma escassez enorme de mão de obra
para o setor rural e, por iniciativa dos empresários
agrícolas, tem início a discussão de uma política
migratória.
Participantes reunidos durante o VII Fórum Internacional, em Fortaleza.
Da esquerda para direita: Alberto Adib, Alex Barril, Luciano Martínez, Diego Peñero e Ivanilson Guimarães
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Diálogos do Fórum DRS
que a vida mais barata é no campo e, portanto,
os salários são menores, tem que ser menores.
Tem um salário mínimo agrícola e tem um salário
mínimo industrial-urbano. O questionário de ca-
racterização socioeconômica, que é feito uma vez
a cada dois anos regularmente, tem dois valores
para medir a pobreza: um valor para o setor ur-
bano e um valor distinto, mais baixo, para o setor
rural. As pessoas abandonam o campo não só por
questão de moradia, mas também de trabalho,
pois se ganha mais trabalhando fora e isso nos
levou a esses problemas.
É muito complexo porque o tema é que eu não
vejo, hoje, que essa vontade manifestada pelo
governo em pensar em setorizar o rural, esteja
relacionada com alguma mudança de política. Eu
acredito que exista um forte impacto na questão
institucional. O Ministério da Agricultura vê muito
pouco os temas rurais em geral e nessas medi-
ções começa a ficar sem clientela e pode ser que
aconteça, tardiamente, o mesmo que na Argenti-
na, em uma discussão que aconteceu um tempo
atrás: Porque queremos colocar agricultura? Por
que não um Ministério de Economia e Produção
que tenha uma subsecretaria de agricultura?
Eu acredito que ai há um temor político a esse
nível que esta por dentro da discussão. Mas se
não quisesse fazer uma mudança radical, mais
profunda da conceitualização do rural que não
esteja relacionada com a geração de política,
creio que passa por outro lado. Tem que se asso-
ciar a um setor econômico produtivo, agricultura
familiar que tenha produção. Colocar em debate
a importância que uma pessoa tem hoje em dia,
apesar da agricultura estar voltada à exportação,
a importância que tem a agricultura familiar na
produção do alimento e, a partir daí, traçar um
caminho para uma definição; mas assim no ar, eu
não enxergo...
ALBERTO ADIB - Você falou uma coisa muito
interessante. Você não acredita que deve ser de
cima para baixo que se deve buscar a definição
do rural. Deve ser uma construção social e que
a partir daí nasce. Como vê isso? É possível ou
demoraria muito para fazer? Existe organização
suficiente das pessoas para poder se mover e
buscar isso?
LUCIANO MARTÍNEZ - Esse é um tema muito
complexo. O governo está desenhando algumas
políticas que tem muitas potencialidades do pon-
to de vista rural, mas tenho o temor de que isso
não se centralize como um movimento social.
Lamentavelmente, no Equador, o movimento in-
dígena foi declinando e nesse momento, não re-
presenta o que poderia ser uma força vinculada a
agricultura familiar. Assim, acredito que no caso
equatoriano é um drama, pois não há uma conso-
lidação do que poderia ser o capital social, desde
baixo, das organizações. Não tem, por exemplo,
uma organização de agricultores familiares que
podem ser os que recolham essas propostas e
façam sugestões.
Existe por aí umas organizações que tem a ver
com a parte dos consumidores e nada mais. Isso
se está organizando porque existe uma poten-
cialidade muito forte com a parte da soberania
alimentar vinculada a a agricultura familiar, mas
não existe uma organização potente que possa
vincular isso, contudo, isso é uma necessidade,
pois caso contrário, vamos ter o desenho de uma
14 Diálogos do Fórum DRS
ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br
políticas pública muito intencionada, mas que
não se conectam.
Por exemplo, aproveitando o tema salarial no
rural e o urbano, no caso equatoriano tem uma
diferença muito notável em relação ao caso do
Chile e do Uruguai. E é que ainda os assalariados
não foram destituídos de suas terras, quer dizer,
são semi proprietários. Então, ainda tem a resi-
dência, ficam no meio rural, estão aí e não mi-
graram para as cidades, porque teriam um dra-
ma tremendo, imaginem as migrações de todas
as áreas rurais. Mas isso permite às empresas,
sobretudo, as últimas empresas de exportação
de flores e de hortaliças, que se instalaram for-
temente na parte da serra, à aproveitar a mão de
obra local ou indígena que estão próximas. Per-
mite às empresas pagar bem, justamente porque
sabem que de alguma maneira eles conservam,
facilitam e desde ai eles tem seu alimento e etc.
Então, as condições de trabalho são mais baixas
e dessa maneira podem ser competitivos; porque
produzir flores no Equador e competir com Ho-
landa, competir com Quênia e etc. no mercado
mundial é um problema.
No entanto, na parte da costa, aí sim, o poder
de concentração da terra expulsou a mão de obra
e aí foram formados esses povoados de assala-
riados que não possuem nenhuma parcela e que
estão vivendo nesses pequenos povoados que,
além disso, são consideradas cidades porque
tem nada mais do que menos de 5 mil habitantes.
Ou seja, mais de 5 mil habitantes e é uma cidade.
Então é uma quantidade de pequenos povoados
que foram formados, que são cidades-domitórios
onde estão os assalariados que trabalham. Mas
Temos esse desenho, mas eu penso que
há uma debilidade organizativa, então
não há uma possibilidade que se possa
construir. E a pergunta seria: como se
constrói as políticas públicas em nosso
países?
“
”Luciano Martinez
15
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Diálogos do Fórum DRS
isso obedece a um processo de maior ou menor
expropriação dos campesinos, se ficavam com a
terra ou não.
Então no Equador existem esses dois modelos
interessantes: um dos agricultores vinculados e,
outro, dos agricultores que já não possuem terra
e já são mais parecidos ao modelo do Chile e do
Uruguai.
Mas voltando a sua pergunta, acredito que isso
seja um desafio no caso do Equador. Temos esse
desenho, mas eu penso que há uma debilidade
organizativa, então não há uma possibilidade que
se possa construir. E a pergunta seria: como se
constrói as políticas públicas em nosso países?
Essa é a pergunta. E acredito, pelo menos a ex-
periência de Equador, é que são construídas des-
de cima. Perigosamente, advirto. Contratam a
um consultor para que faça o manejo estatístico,
no Ministério se reúnem e dizem por aqui vai o
assunto e pronto, vamos. Mas será esse o cami-
nho para construir políticas públicas em nossos
países?
ALEX BARRIL - Pegando o fio da meada do
que disse o Luciano, no Chile não é como Uru-
guai, que talvez seja mais homogêneo quanto a
esse tema de salário. No Chile, pela sua estrutu-
ra geográfica e pela atividade produtiva, também
acontece essa situação de manutenção com a
agricultura familiar onde não foram despejados
da terra; mão de obra para a indústria, sobretu-
do, no sul com o boom que houve com a pesca de
salmão e tudo relacionado com a salmonicultura
e a possibilidade que tem de competir no mer-
cado internacional. Isso se dá porque os traba-
lhadores da salmonicultura são todos pequenos
produtores agrícolas que vivem, e que resolveram
os temas básico de morada e da comida, e traba-
lham assalariamente período de tempo, diário ou
mensal na salmonicultura, que tem um uso da
mão de obra intensivo e que permite baratear os
custos. Foi por isso que o Chile cresceu em ter-
mos de exportação de salmão a cifras impressio-
nantes. Essa situação não tem nada que ver com
a zona central onde a fruticultura se modernizou
e, como alguém falou, está tudo tecnificado, ris-
co computadorizado e só requer mão de obra no
momento da colheita, então aí a gente viu e vai
trabalhar nesse período de tempo.
IVANILSON GUIMARÃES - Eu queria expor
uma reflexão. No nosso campo do conhecimento
o tema surge a partir de uma necessidade, seja
da sociedade ou estritamente do governo. O sur-
gimento do tema de você discutir o que é o rural
hoje tem uma motivação, eu diria, tem uma mo-
tivação e um objetivo. No Brasil, o motivo de você
discutir a chamada nova ruralidade tem uma fi-
nalidade, tem uma sustentação política, sobre-
tudo sob o ponto de vista da sociedade, que é de
tornar passíveis de atendimento pelas políticas
públicas os segmentos sociais que até então não
eram atingidos por essas políticas. Por isso, eu
acho que, do ponto de vista da motivação, a dis-
cussão no Brasil se justifica por este lado.
E nos outros países da América do Sul, no
caso, eu queria ao mesmo tempo fazer essa co-
locação, mas agregar uma outra, do ponto de
vista da formação dos três países que estão aqui
representados. Vocês têm uma formação extre-
mamente diversa. Por exemplo, tem a formação
do Chile, que teve uma influência europeia; você
tem e acredito que o Uruguai também tenha essa
16 Diálogos do Fórum DRS
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influência; mas nós temos o Equador, que tem
um forte contingente mestiço ou indígena. En-
tão a gente descendo um pouco mais a análise
para formação histórica dos três países, eu vejo
que quando diz assim: “É atrasado?” Eu alegaria
a seguinte questão: a quem interessa essa ima-
gem de permanência do rural atrasado? E se a
gente não faz uma distinção entre o povo exclu-
ído e dos avanços, dos progressos que ocorrem
ultimamente, e as elites rurais. No Brasil exis-
te, secularmente, uma grande vinculação de um
compromisso político das elites rurais com as
elites urbanas, a quem não interessa que esses
segmentos sociais que estão marginalizados ve-
nham à tona; que eles sejam atores. Então, que-
ria fazer essa provocação e, assim, ver se teria
algum sentido do ponto de vista de vocês.
DIEGO PIÑERO - Posso ampliar ou complicar
um pouco mais essa questão? Porque eu acredi-
to que na América Latina, mais particularmente
nos países do cone sul, está acontecendo uma
profunda transformação agrária na propriedade
e na posse pela terra. Estudos recentes nos mos-
tram que, nos últimos 7 ou 8 anos, o que a gen-
te poderia chamar de os países da Cuenca del
Plata, em termos bem compreensíveis, que são a
pampa Argentina, Uruguai, Paraguai, a parte sul
do Brasil, uma parte extensa do Brasil e o les-
te de Bolívia; essa é a Cuenca del Plata que são
enormes planícies que hoje são objetos da cobiça
dos agronegócios e das multinacionais, que es-
tão comprando enorme extensões de terra para
destiná-las a produção de soja, produção de trigo
e produção de grãos no geral e também de gado
de alta quantidade.
Então, essas são empresas que, em muitos
casos, são de sociedade anônimas, cujo o pro-
prietário não sabemos quem é, são fundos de
investimento convocados pelos bancos ou são
fundos de pensão dos países desenvolvidos ou
são juntas de capital, que também não sabe-
mos quem são os proprietários. Eu acredito que
hoje não podemos falar somente das elites de
um país, porque as elites dos países continuam
existindo, mas hoje, além disso, estão essas ou-
tras entidades denominadas, que não sabemos
bem quem são elas, mas são as proprietárias
de grandes extensões de terra e eu acredito que
elas serão as proprietárias da maior parte des-
sas terras que mencionei antes.
Uma das coisas que ocorre é que a proprieda-
de e a gestão se desdobram. Hoje, a propriedade
é de uma sociedade anônima ou de outra enti-
dade e a gestão é feita às vezes por um gerente,
um técnico, um engenheiro agrônomo, um eco-
nomista ou um contador que esta responsável
por ela. Um pouco do mesmo que aconteceu na
indústria. Assim é desenhado o mapa de quem
controla, de quem tem o poder no setor agrope-
cuário.
Eu ultimamente me pergunto: o que vai acon-
tecer com as grandes corporações que reuniam
as elites agrárias que você mencionou? Eu digo:
o que se chama de Associação Rural do Uruguai.
No Uruguai existe a Sociedade Nacional de Agri-
cultura. Bom, não sei se no Equador isso está
acontecendo, mas também tem as associações
que reúnem os empresários, não? Bem, hoje es-
sas sociedades ou associações, que antes era
o lugar no qual se decidia as políticas agrícolas
17
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Diálogos do Fórum DRS
dos países; essas pessoas que estão nesses lu-
gares, de imediato, não vão ser os que controlam
a maior parte da superfície da terra. Haverá ou-
tros que nem se quer residem em nossos países,
mas que são residentes de outros lados e que vão
controlar a terra. Este é um desenho das forças,
das relações sociais em torno da governança do
setor agropecuário.
ALBERTO ADIB - Eu acredito que isso passa
pela região andina.
LUCIANO MARTÍNEZ - Bem, na região andi-
na, eu creio que o tema sugerido aqui implica em
pensar o urbano não apenas no marco do Esta-
do, da nação, mas também da globalização. Acho
que temos que incorporar a variável dessas ten-
dências de globalização para pensar o rural em
nosso país. Não depende somente das políticas
públicas nacionais e, sim, depende também das
estratégias que possuem as empresas interna-
cionais, que estão olhando esses espaços e vão
investir massivamente. Então, penso que esse é
um elemento que não foi discutido e, evidente-
mente, não podemos deixá-lo de lado. Quem vai
definir a estratégia no rural? As políticas públi-
cas do “Buen Vivir” de Correa (referindo-se à po-
lítica adotada pelo presidente do Equador, Rafael
Correa) ou as multinacionais que vão investir em
palma africana para a produção de bicombustí-
vel? Me parece que esse é um elemento que in-
comoda e acho que é importante ser retomado.
No caso do Equador, um dado concreto, todos
temos uma pequena vantagem frente ao restan-
te dos países e é que somos um país pequeno.
Então não dispomos da quantidade de terra que
estas empresas necessitam para investir. Não há
[...] eu creio que o tema sugerido aqui implica em pensar o urbano não apenas no marco do Estado, da nação, mas também
da globalização. Acho que temos que incorporar a variável dessas tendências de globalização para pensar o rural em nosso país. Não depende somente das políticas
públicas nacionais e, sim, depende também das estratégias que possuem as empresas internacionais, que estão olhando esses espaços e vão investir massivamente.
“
”Luciano Martínez
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10 mil, 20 mil hectares. Na Amazônia tem, mas
isso seria um problema de biodiversidade, eco-
lógico, os povos sem contatos e etc., o que seria
um problema terrível. Mas se eles perceberem
que esse espaço é necessário, eles vão tentar.
Então somos salvos por esse lado, mas, de qual-
quer forma, a tendência está presente. Quem são
os empresários das áreas agrícolas? Com cer-
teza capitalista nacionais em parceria com ca-
pitalistas estrangeiros. Quem são os que estão
investindo em bicombustível? Quem são os que
estão investindo nas empresas florestais? Capi-
tal japonês.
ALEX BARRIL - No caso do Chile, eu acredito
que seja muito parecido, talvez. Mudaram a di-
mensão das empresas. A reforma agrária deixou
uma lição. Não é por boa vontade que eles não
estão contra a reforma agrária, que fizeram na
ditadura, não houve uma acomodação outra vez
da terra e voltou o latifúndio tradicional, que po-
deria ter sido previsível. Tem uma grande quanti-
dade de empresas, quase todas sociedades anô-
nimas, poucas familiares, que dirigem 4, 5 ou 10,
em cadeia, fundo ou unidade produtiva. E aí tem
capital.
No Chile, o tema do capital estrangeiro acre-
dito que veio fundamentalmente em hora impor-
tante do ponto de vista, como disse Diego, gre-
mial dos produtores. É muito forte em tudo que
se relaciona com vinicultura. Itália, França, Ale-
manha, Estados Unidos. E a produção de vinhos
é para nichos, portanto não requerem de grandes
viñas, de grandes extensões. A tecnologia permi-
te produzir vinhos de cerca na pré-cordilheira,
com irrigação de gotejamento. Viña de capital
não chileno. As viñas chilenas tradicionais se
mantiveram, estão produzindo com 3 ou 4.
No Chile, o tema é complexo desde o ponto
de vista de investimento do capital. Para mim há
dois pontos de vista: um é a água. Se o Chile não
solucionar o tema do risco, suas possibilidades
de manter a produção agropecuária que che-
gou hoje em dia são muito escassas. Existe um
processo de desertificação no norte que é muito
forte. E aí tem um problema muito sério, que é
a água. Porque a água nas zonas onde se pode
ampliar a agricultura, que é a zona norte, entra
em contradição com as mineiras. As mineiras
são as que hoje em dia usam a água e secaram
os poucos vales que existiam e expulsaram por
essas mesmas vias as comunidades e a popula-
ção indígena aymara, quéchua.
Então, o tema da água, a possibilidade de in-
vestir em água está relacionado também com o
tema da energia, assim como no sul, onde es-
tão as grandes extensões de terras, bosques e
etc. Ali os capitais europeus, estrangeiros no ge-
ral, inclusos chilenos, estão comprando porque
a potencialidade de fazer hidroelétricas é muito
grande. E o investimento vai por essa via e não
pelo tema da agricultura. Então as grandes em-
presas, sobretudo as espanholas , e consórcios.
E essas coisas que estão acontecendo, por
exemplo, na Argentina, que de repente aparece
um senhor, aparentemente filantropo, compran-
do centenas de milhares de hectares de bosque
no sul e fazendo atividade conservacionista, mas
tem que ver com o tema de água, questão de
recursos. Então esse é um tema da água torna
mais complexo o caso nos países.
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Diálogos do Fórum DRS
Uma última colocação que quero fazer diz
respeito às semelhanças e diferenças do caso
paraguaio. Porque é absolutamente certo que o
caso do Paraguai está passando exatamente pelo
o que Diego descrevia ao falar da Cuenca del Pla-
ta com o processo de estrangerização da terra
enorme. E aí, talvez, com muito capital brasileiro
pelo tema da soja no caso do Paraguai. Que gera
um conflito sério na zona da fronteira.
No Paraguai, a população rural ainda é altís-
sima. Não há discussão, algumas vezes sim, mas
tem que se colocar esse tema e discutir a rura-
lidade para ressaltar a importância que tem no
país o rural, o agropecuário. Um país que é es-
tritamente agropecuário. No entanto, ali, o termo
campesino quase não é usado, se ofende quando
se usa esse termo a nível dos produtores. Ali tem
um tema pior, que é o da terra, de como estão
transformando toda a zona de pecuária a custa
de um penadeiro florestal. É impressionante a
quantidade de bosques que colocaram em Pa-
raguai para fazer terra de pecuária. Contradito-
riamente, onde, por exemplo, a água não é um
problema. O Paraguai está no Aquífero Guarani,
e encima do aquífero Guarani, não tem nenhum
problema de água e nem vai ter durante muitos
anos, mas pode ser foco de um conflito sobre
água muito forte se isso chegar a produzir. Mas
aí o tema central de Paraguai, por exemplo, é o
tema da transferência de um setor muito próxi-
mo na costa da soja e a pecuária que começa a
perder espaço, porque tem início o tema florestal
como o Uruguai.
DIEGO PIÑERO - Eu queria dizer que a defini-
ção do rural não é uma questão inocente. A defi-
No Paraguai, a população rural ainda
é altíssima. Não há discussão, algumas
vezes sim, mas tem que se colocar esse
tema e discutir a ruralidade para ressaltar
a importância que tem no país o rural, o
agropecuário. Um país que é estritamente
agropecuário. No entanto, ali, o termo
campesino quase não é usado, se ofende
quando se usa esse termo a nível dos
produtores.
“
”Alex Barril
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estamos numa intenção de definir o rural muito
difícil, porque depende da heterogeneidade dos
países, depende da heterogeneidade da relação
das forças sociais no interior de cada país e, além
disso, se pretendemos redefinir o rural, estamos
tocando interesses diversos. E, por isso, em al-
guns países não há muito interesse em discutir
desde os governos; em rediscutir o tema do rural
ou da ruralidade, porque implica em se dispor a
discutir a distribuição do poder da sociedade; de
como, uma coisa como as políticas públicas, se
distribuem ou como se distribuiu o que a socie-
dade possui. Então, se alguém se propõe a discu-
tir a ruralidade com o fim de rediscutir a redistri-
buição das políticas públicas, está tocando áreas
nição do rural, primeiramente, é uma construção
social. Não preexiste e isso nós concluímos, a so-
ciedade atua na definição do rural. Portanto, po-
demos dar distintas definição do rural segundo
cada sociedade. E a segunda coisa que sempre a
definição do rural vai ser uma arena de conflito,
uma arena de luta; conflito e enfrentamento, por-
que nossas sociedades agrárias não são socie-
dades onde o conflito não existe. São sociedades,
onde o conflito existe e, em alguns casos, muito
forte.
A definição do rural, então, é uma conseqüên-
cia desse conflito e, por sua vez, ajuda a redefi-
nir os termos do conflito. Assim, eu acredito que
A definição do rural, primeiramente, é uma
construção social. Não preexiste e isso nós
concluímos, a sociedade atua na definição
do rural. Portanto, podemos dar distintas
definição do rural segundo cada sociedade.
E a segunda coisa que sempre a definição
do rural vai ser uma arena de conflito, uma
arena de luta; conflito e enfrentamento,
porque nossas sociedades agrárias não são
sociedades onde o conflito não existe. São
sociedades, onde o conflito existe e, em
alguns casos, muito forte.
“
”Diego Piñero
21
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sensíveis. E, por isso, nem todos os governos es-
tarão dispostos a discutir o tema.
LUCIANO MARTÍNEZ - Sim. Eu queria expor
outra perspectiva: com tudo isso, me parece que,
surpreendentemente, tem um processo de va-
lorização do rural que vem desde fora, no sen-
tido que a crise alimentar mundial gerou uma
valorização dos espaços rurais, mesmo que seja
uma valorização perversa e que não vai benefi-
ciar, digamos, aos campesinos, mas de qualquer
maneira, existe um processo de revalorização do
rural, dos territórios rurais, das terras, etc.
O campo rural começa a ser visto por outros
lados: um, a questão da mudança climática, ou
[...] Me parece que,
surpreendentemente, tem um processo
de valorização do rural que vem desde
fora, no sentido que a crise alimentar
mundial gerou uma valorização dos
espaços rurais, mesmo que seja uma
valorização perversa e que não vai
beneficiar, digamos, aos campesinos,
mas de qualquer maneira, existe um
processo de revalorização do rural, dos
territórios rurais, das terras, etc.
“
”Luciano Martínez
seja, a conservação do espaço rural é impor-
tantíssimo e, por esse lado, tem uma revalori-
zação; segundo, por esse processo perverso;
e, três, pela crise dos alimentos. Frente a isso,
essa revalorização que vem desde fora é uma re-
valorização mercantil. Como disse Diego isso é,
por certo, uma mudança na transformação, na
mercantilização global e, em geral, no planeta,
dos recursos naturais da terra. Frente ao qual,
ai sim, o Estado e, sobretudo, as organizações
sociais tem que oferecer uma proposta, porque
senão essa transformação vai varrer a socieda-
de rural; a cultura; a sociedade campesina. Tudo
vai ser completamente desalojado por essa força
perversa da revalorização que vem de fora.
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