DOCÊNCIA EM
SAÚDE
CRIMINOLOGIA
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Portal Educação
P842c Criminologia / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012.
132p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-229-9
1. Criminologia. 2. Crime - Delinquência. I. Portal Educação. II. Título.
CDD 364
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SUMÁRIO
1 A CRIMINOLOGIA E A ANOMIA ............................................................................................... 6
1.1 A evolução histórica da criminologia ..................................................................................... 6
1.2 Conceito ................................................................................................................................... 8
1.3 Classificação e objeto da criminologia ................................................................................... 9
1.3.1 CLASSIFICAÇÃO ....................................................................................................................... 9
1.3.2 OBJETO .................................................................................................................................... 10
1.4 A criminologia e as ciências afins ......................................................................................... 10
1.5 Criminalidade e psicanálise .................................................................................................... 12
1.6 Relação do direito penal com a criminologia ........................................................................ 13
1.7 Sociedade criminógena e a conduta delitiva ........................................................................ 15
1.8 Expressão sociológica da criminologia ............................................................................... 17
1.8.1 COMPORTAMENTO DE DESVIO (ANOMIA) ........................................................................... 17
1.8.2 TEORIAS DE DURKHEIM E MERTON EM RELAÇÃO AO COMPORTAMENTO DE
DESVIO (ANOMIA) .............................................................................................................................. 18
1.9 Fatores sociais de criminalidade ........................................................................................... 21
2 CRIME E SISTEMAS DE COMPORTAMENTO CRIMINOSO .................................................. 23
2.1 Crime ....................................................................................................................................... 23
2.1.1 CONCEITO ................................................................................................................................ 23
2.1.2 ELEMENTOS DO CRIME .......................................................................................................... 24
2.1.3 DIVISÃO DO CRIME ................................................................................................................. 24
3
2.2 Classificação dos criminosos (Enrico Ferri) ......................................................................... 25
2.3 Sistemas de comportamento criminoso ................................................................................ 26
2.3.1 COMPORTAMENTO E PERSONALIDADE ............................................................................. 26
2.3.2 SISTEMAS DE COMPORTAMENTO ........................................................................................ 27
2.4 Delinquência juvenil ................................................................................................................ 32
2.4.1 DELINQUÊNCIA JUVENIL (CAUSAS SOCIAIS) ....................................................................... 33
2.4.2 DELINQUÊNCIA JUVENIL (IDADE PENAL E IDADE BIOLÓGICA) ......................................... 35
2.4.3 DELINQUÊNCIA JUVENIL (SERÁ QUE EXISTE SOLUÇÃO?) ................................................ 39
2.5 Homicidas seriais ................................................................................................................... 40
3 VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE ............................................................................................. 42
3.1 Violência .................................................................................................................................. 42
3.1.1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 42
3.1.2 CONCEITO DE VIOLÊNCIA ..................................................................................................... 43
3.1.3 VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE ............................................................................................... 45
3.1.4 AGRESSIVIDADE (CONDUTA VIOLENTA) .............................................................................. 46
3.2 Fatores que causam violência.................................................. ............................................. 47
3.3 Formas de violência ................................................................................................................ 49
3.3.1 VIOLÊNCIA CRIMINOSA .......................................................................................................... 50
3.3.2 VIOLÊNCIA INSTITUCIONALIZADA ......................................................................................... 50
3.3.3 A VIOLÊNCIA POLICIAL .......................................................................................................... 51
3.3.4 VIOLÊNCIA POLÍTICA .............................................................................................................. 52
3.3.5 VIOLENCIA DAS DROGAS ....................................................................................................... 52
4
3.3.6 VIOLAÇÃO URBANA ................................................................................................................ 53
3.4 Violência, medo e insegurança .............................................................................................. 55
3.5 Somos todos violentos ........................................................................................................... 59
3.6 A violência e a expansão global da criminalidade ................................................................ 60
4 VITIMOLOGIA E PENOLOGIA ................................................................................................. 62
4.1 Histórico da vitimologia .......................................................................................................... 62
4.2 Histórico da sociedade brasileira de vitimologia no Brasil ................................................. 64
4.3 A vítima ..................................................................................................................................... 66
4.3.1 CONCEITO ................................................................................................................................ 66
4.3.2 CLASSIFICAÇÃO DE VÍTIMA SEGUNDO BENJAMIN MENDELSOHN ................................... 67
4.3.3 CLASSIFICAÇÃO VITIMOLÓGICA DE HANS VON HENTIG ................................................... 68
4.3.4 CLASSIFICAÇÃO DE VÍTIMAS SEGUNDO GUARACY MOREIRA FILHO .............................. 72
4.4 O papel da vítima no processo penal .................................................................................... 73
4.5 Relação da criminologia e da vitimologia ............................................................................. 74
4.6 A criminologia radical e a vitimologia ................................................................................... 76
4.7 Penologia, criminologia e penas ............................................................................................ 77
5 CRIMINALIDADE E O SISTEMA PRISIONAL......................................................................... 83
5.1 História das prisões ................................................................................................................ 83
5.2 O surgimento dos sistemas penitenciários........................................................................... 85
5.3 O sistema prisional no Brasil ................................................................................................. 87
5.3.1 HISTÓRICO SOBRE O PENITENCIARISMO NO BRASIL ....................................................... 87
5
5.3.2 VISÃO DO PONTO DE VISTA SOCIOLÓGICO SOBRE AS QUESTÕES
PENITENCIÁRIAS .............................................................................................................................. 89
5.3.3 TRATAMENTO NO SISTEMA PENITENCIARIO BRASILEIRO ............................................... 93
5.4 Funcionários do cárcere e a ressocialização do preso ........................................................ 96
5.4.1 FUNCIONÁRIOS DO CÁRCERE .............................................................................................. 96
5.4.2 RESSOCIALIZAÇÃO ................................................................................................................. 97
5.5 Criminosos irrecuperáveis ..................................................................................................... 99
5.6 Realidade do sistema prisional ............................................................................................ 100
5.7 Algumas mudanças no sistema prisional ........................................................................... 102
5.7.1 PRIVATIZAÇÃO ....................................................................................................................... 102
5.7.2 VIDEOCONFERÊNCIA EM PENITENCIÁRIAS FEDERAIS..................................................... 104
5.7.3 MUDANÇAS NO SISTEMA PRISIONAL .................................................................................. 105
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 108
6
1 A CRIMINOLOGIA E ANOMIA
1.1 A evolução histórica da criminologia
Historicamente, o interesse pela etiologia do crime, isto é, a motivação e a
preocupação em saber por que o homem furta, agride, mata, enfim, viola determinadas normas
de conduta social, surgiu desde a antiguidade. Platão via no crime uma doença da alma,
enquanto Aristóteles, em algumas de suas obras, se refere ao crime e ao criminoso.
Na Idade Média, São Tomás de Aquino (1226/1274) considerava a miséria um dos
fatores da criminalidade. No Século XVIII, as obras de Beccaria, com seu esforço renovador, e
as iniciativas de John Howard despertavam imenso interesse pelos problemas jurídico-penais,
abrindo caminho para os estudos criminológicos.
Durante o Século XIX intensificou-se o interesse pela sistemática das pesquisas
criminológicas, notadamente sob o influxo do socialismo. Cesar Lombroso (1978), médico e
professor italiano de psiquiatria, salientava “que a mesma dificuldade que se apresenta no
estudo do crime, dentre os animais em geral, observa-se em relação aos seres humanos
primitivos”.
Certos animais, por exemplo, da mesma espécie, vivem em comum, mas os mais
fortes devoram os mais fracos, isso é comum entre os peixes. É habitual não só o canibalismo
entre os animais, mas o infanticídio e o parricídio. Como exemplo, a fêmea do crocodilo, que às
vezes come seus filhotes que não sabem nadar e ainda há roedores, como a fêmea do rato, que
devora seus filhotes quando molestados.
O canibalismo e o parricídio são encontrados também entre as raposas, cujos filhotes
se devoram e às vezes à própria mãe. Entre os selvagens foram criminalizadas no curso da
civilização, como, por exemplo, o aborto. O aborto premeditado, desconhecido dos outros
animais, foi comum entre os selvagens, tanto nas primitivas tribos orientais, como na América,
por meio de expedientes rústicos, tais como, pancadas redobradas no ventre.
As mesmas causas do aborto tornaram frequente o infanticídio entre os primitivos,
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quando se sacrificava àquele que vinha logo após o primogênito ou o segundo, e de preferência
as meninas, como ocorria na Austrália e na Melanésia. Na Índia, do Ceilão ao Himalaia, o
infanticídio é consagrado pela religião.
No Japão e na China, segundo Marco Polo, o infanticídio era uma forma de reduzir o
crescimento populacional. Da mesma maneira, na América e na África.
Na África, quando as mulheres não podiam criar seus filhos, desesperadas pela fome, os jogava
no rio.
Na Europa, Ásia, África e América havia o hábito de matar os velhos e os doentes.
Além do que, ocorriam homicídios de crianças, mulheres e homens sadios, seja por motivos
religiosos, seja por instintos ferozes. Às vezes, por ira, as disputas conjugais acabavam pelo
assassinato da mulher; o marido, após matá-la, comia o seu coração com um guisado de cabra.
Enrico Ferri (1856 a 1929), penalista e político italiano, professor da Universidade de
Siena, na Itália, embora não contestasse a teoria lombrosiana, destacou outro aspecto na
formação do criminoso:
O homem é um produto do meio social em que vive, uma roda na
engrenagem da convivência, incapaz, por tal motivo, de livre arbítrio, agindo
como autônomo, não possuindo vontade própria e com independência
somente aparente. (FERRI, 1978, p. 36).
Já Rafael Garofalo (1978) destacou que “o crime não era visto apenas pela sua
gravidade, mas também pela periculosidade do agente, com o exame da periculosidade do
criminoso, diante do direito penal.” O autor foi quem batizou a nova ciência com o título da obra,
“Criminologia”, que publicou em 1916. Assim, deve-se a Lombroso, Ferri e Garofalo a
sistematização e o lançamento das bases científicas da criminologia.
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1.2 Conceito
A palavra Criminologia foi empregada pela primeira vez em 1883. É uma ciência que
estuda o fenômeno criminal, a vítima, as determinantes endógenas, que isolada ou
cumulativamente atuam sobre a pessoa e a conduta do delinquente, e os meios labores-
terapêuticos ou pedagógicos de reintegrá-lo ao grupamento social. Ou, ainda, define-se
Criminologia como “ciência empírica e interdisciplinar”, que se ocupa da circunstância da esfera
humana e social, relacionadas com o surgimento, a comissão ou omissão do crime, assim como
o tratamento dos violadores da lei.
A criminologia é um corpo de conhecimento relativo ao crime como fenômeno social.
Inclui o processo de fazer leis, infringi-las e reagir à transgressão das mesmas. Esse processo
possui três aspectos, uma sequencia mais ou menos unificada de interações. Para Nelson
Hungria (1963), a criminologia “é o estudo experimental do fenômeno do crime, para pesquisar-
lhe a etiologia e tentar a sua debelação por meios retificativos ou curativos e preventivos.”
Isto é, o conjunto de observações que, colhidas segundo o método experimental,
pretende assumir o caráter de ciência causal-explicativa, em torno ao fenômeno social e humano
de delinquência. Na definição de Roberto Lyra:
Criminologia é a ciência que estuda as causas, as concausas da
criminalidade e a periculosidade preparatória da criminalidade; estuda
também as manifestações, os efeitos da criminalidade e da periculosidade
preparatória da criminalidade, a etiologia da criminalidade e da
periculosidade preparatória da criminalidade, suas manifestações e seus
efeitos. (LYRA, 1964, p. 39).
Para ele, a criminologia é a ciência social ou não é ciência. Ciência social filiada à
sociologia e não à outra ciência social solta.
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1.3 Classificação e objeto da criminologia
1.3.1 CLASSIFICAÇÃO
Para Orlando Soares, em sua obra “Curso de Criminologia” (1986): “a delinquência é
composta de quatro fenômenos, que são: o crime, o delinquente, a pena e a vítima”. Dessa
forma, o criminologista indica, com descortino, que a Criminologia é ciência que pesquisa as
causas e concausas da criminalidade; as causas da periculosidade preparatória da
criminalidade; as manifestações e os efeitos da criminalidade e da periculosidade preparatória da
criminalidade; a política a opor assistencialmente à etiologia da criminalidade e à periculosidade
preparatória da criminalidade.
A criminologia ainda poderá ser desmembrada em dois ramos, como por exemplo:
Criminologia Geral e a Criminologia Clínica. A primeira é encarada em razão de suas tendências,
dos tipos criminosos e da violência empregada. A segunda, em última instância, tem por
finalidade o estudo da personalidade do delinquente e o seu tratamento. A Psiquiatria Criminal
se restringe à perícia psiquiátrica e à avaliação da responsabilidade criminal. No plano científico,
na verdade, a Criminologia Clínica principia o momento em que finda a Psiquiatria Médico-Legal,
melhor dizendo, onde se abandona o domínio patológico.
O estudo da Criminologia Clínica deverá absorver sua interdisciplinaridade e também
os seguintes temas: Penologia, Direito Penitenciário, exame médico-psicológico e social do
delinquente, classificação penitenciária e plano de tratamento reeducativo do preso, espécies de
tratamento institucional em semiliberdade, etc., métodos de trabalho reeducativo, assim como
pedagógicos, psicológicos, psiquiátricos, sociológicos e, ainda, a execução do processo de cura
reeducativo (labor nos centros de observação, nas casas de reeducação, nos nosocômios de
custódia e assistência psiquiátrica, etc.).
Já segundo Luis Jiménez de Asúa, os três elementos relacionados ao fenômeno penal
– o crime, o delinquente e a pena – constituem o centro das preocupações das ciências penais
no seu todo, ou seja, a denominada Enciclopédia das Ciências Penais:
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a) Ciências Histórico-Filosóficas: História do Direito Penal, Filosofia do Direito Penal e
Direito Penal Comparado.
b) Ciências Causal-Explicativas: Criminologia, Antropologia Criminal, Sociologia
Criminal, Biologia Criminal, Psicologia Criminal e Psicanálise Criminal.
c) Ciências Jurídico-Repressivas: Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito
Penitenciário.
d) Ciências Auxiliares e de Pesquisa: Penologia, Política Criminal, Medicina Legal,
Psiquiatria Forense, Polícia Judiciária Científica, Criminalística, Psicologia Judiciária e Estatística
Criminal.
1.3.2 OBJETO
A Criminologia tem objeto independente e determinado. Sendo uma ciência realista e
não normativa, possui como objeto a dimensão naturalística do evento criminoso.
1.4 A criminologia e as ciências afins
A criminologia é a ciência causal-explicativa composta de quatro ramos sendo eles a
antropologia criminal, psicologia criminal, sociologia criminal e penologia, distinta das ciências
jurídico-repressivas como, direito penal, direito processual penal e política criminal e ainda da
ciência da investigação criminal, compreendendo política criminal, medicina legal, penologia,
psiquiatria forense, polícia judiciária científica, criminalística, psicologia judiciária e estatística
criminal.
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A criminologia é considerada uma ciência do ramo da Sociologia, que trata do crime e do
criminoso, apoiando-se em várias outras disciplinas, tais como:
Biologia, sob o aspecto da biotipologia criminal e estudo das doenças mentais.
Endocrinologia, quanto a influência do bom ou mau funcionamento das glândulas de
secreção interna na conduta do homem.
Genética, quanto à transmissão hereditária, de pais e filhos, de certos caracteres morais
físicos, como a agressividade, ou de um terreno constitucional propício para o
desenvolvimento de certas moléstias.
È importante frisar, que:
Os caracteres morais não se transmitem por hereditariedade e sim pelo
convívio e exemplo, pois a maioria dos psicólogos concorda que o homem
não tem mais moralidade ao nascer do que qualquer outro animal. A criança
é primitivamente amoral e só começa a exibir uma conduta moral na medida
em que atuam sobre ela as proibições e as coações dos maiores. (MIRA Y
LÓPEZ, 1995, p. 89).
A moral penetra então, de fora para dentro, como uma cunha, na criança, sob a forma
de regras de conduta, impostas pela força.
A Psicologia, que embora não tenha o privilégio de explicar as razões que
levam o homem a furtar, a agredir e a matar, contribui com o estudo da conduta ou
comportamento do ser humano. Psicologia Criminal é o ramo da Psicologia que estuda as
manifestações psíquicas, por meio da classificação dos processos psíquicos do homem
delinquente.
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A Psicanálise tem uma estreita relação com a Criminologia ao se ocupar de
problemas básicos e aspectos importantes do fato criminal. Assim, a psicanálise oferece uma
rica gama de explicações para o comportamento delitivo. Sua contribuição criminologicamente
mais significativa das doutrinas psicanalíticas discorre em dois planos, o teórico e o clínico,
trazendo uma sugestiva explicação do delito e do castigo, e uma nova terapia, útil para
determinadas perturbações psíquicas. Psicanálise Criminal é o ramo da Psicanálise que se
dedica ao estudo da personalidade do delinquente, partindo das angústias e dos complexos de
culpa que o afligem, levando-o à procura da bebida, da droga, enveredando pelos caminhos do
crime, para a solução dos seus problemas íntimos.
A Psiquiatria é o estudo de psicoses ou doenças mentais declaradas, revela as
anomalias das personalidades antissociais e perversas.
A Sociologia parte do ponto de vista da influência do meio físico na gênese do
crime e discorre até que momento o crime é um fenômeno da vida sociocultural, por isso que
determinados autores como, por exemplo, Roberto Lyra, liga a Criminologia à Sociologia.
Sociologia Criminal é a ciência que estuda o fenômeno criminal do ponto de vista da influência
do meio social sobre a conduta humana criminosa.
1.5 Criminalidade e psicanálise
A Psicanálise ou análise da psique, foi concebida por Freud, se funda em postulados
científicos e filosóficos, envolvendo conceitos relativos a um novo aspecto da personalidade
humana. A Psicanálise de Sigmund Freud (1856 a 1939) foi recebida friamente na Alemanha,
despertou algum interesse em outros países e teve uma grande aceitação nos Estados Unidos,
onde, por algum tempo, tornou-se o processo de tratamento das neuroses mais usado naquele
país.
Luis Jiménez de Asúa estudou os criminosos e degenerados do inferno de Dante,
comparando-os com àqueles descritos pela Escola Criminológica. Dizia que:
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Cada indivíduo guarda em sua personalidade psíquica a herança psicológica
inteira do criminoso, ao que se supõe a herança selvagem, e sobre as duas
juntas se estabelece a organização recente de ego atual civilizado. (ASÚA,
1898).
Segundo a concepção psicanalítica, a maior ou menor tendência para o crime resulta
de complexos que se manifestam por intermédio do impulso agressivo ou sádico. Uma grande
corrente adota a posição crítica reservada às dúvidas sobre a utilidade e os resultados sobre o
valor da Psicanálise na Criminologia. Já outros defendem sua utilidade principalmente para os
delinquentes sexuais.
A psicanálise poderá ser utilizada criminologicamente na investigação de alguns casos
de delitos. Assim, todas as escolas e métodos psicológicos, as ciências antropológicas e
sociológicas, ajudarão a mostrar o enfoque de alguns delinquentes. A Antropologia, a Biologia
Criminal, e seus aspectos particulares, como a Psicologia, poderão ajudar a reduzir a
Criminologia. Um tratamento psicanalítico exige entrevistas frequentes, longo tempo, impondo ao
paciente uma série de condições, além de alto custo operacional.
1.6 Relação do direito penal com a criminologia
O estudo do Direito Penal pode abranger unicamente seu conteúdo normativo, ou
ainda outras áreas disciplinares correlatas aos fenômenos sociais que integram as infrações e as
penas. Sob o conteúdo normativo, valorativo e interpretativo, o Direito Penal também é
conhecido, como preferem seus estudiosos, como Dogmática Jurídico-Penal, que nada mais é
que a teoria do Direito Penal.
Já a Política Criminal dirige sua finalidade para uma exegese crítica do direito penal
vigente, estabelecendo critérios aptos a torná-lo um ideal de justiça, efetivamente condizente
com a realidade social do meio aplicável. Tem por pressupostos critérios de oportunidade e
atualidade. Precisamente, consiste naquele setor da política que guarda relação com a forma de
tratar a delinquência (refere-se ao conjunto de critérios empregados ou a empregar no
tratamento da criminalidade).
O Direito Penal é definido como uma disciplina jurídica da reação social contra o crime.
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Entende como fatos juridicamente tipificados como crimes, enquanto a criminologia entende
como os pressupostos naturalísticos do crime, considerados como fenômeno individual ou como
de massa. Isso quer dizer que o Direito Penal é uma ciência normativa, que impõe regras de
conduta, eminentemente proibitivas, punindo àqueles que as violam.
O Direito Penal, sendo uma ciência normativa, é a ciência da repressão social ao
crime, por meio de regras punitivas que ele mesmo elabora. O seu objeto, portanto, é o crime
como um ente jurídico e, como tal, passível de suas sanções. Entre o Direito penal e a
Criminologia há uma relação de necessidade, fornecendo os indicadores da criminalidade para
as ações estratégicas.
O movimento criminológico do Direito Penal teve início com os estudos do médico
italiano e professor em Turim César Lombroso, expondo suas teorias e abrindo nova etapa na
evolução das ideias penais. O Direito Penal tem por objeto o estudo das normas penais, com
enfoque sistemático, e a Criminologia possui o encargo de estudar o delito não como fato
jurídico, mas, geralmente, como fato social, visando fortalecer os instrumentos de prevenção e
repressão.
A criminologia ocupa-se de estudar também o crime e o infrator, mas não sob o
aspecto normativo interpretativo e sim sob o prisma sociológico, biológico, natural, englobando
toda a fenomenologia dos delitos e também das penas. A Criminologia é uma ciência causal-
explicativa, tem por objeto a incumbência de não só se preocupar com o crime, mas conhecer o
criminoso, montando esquemas de combate à criminalidade.
Assim, a Criminologia não é uma ciência jurídica, mas pré-jurídica, porque contribui
não só para o aprimoramento da elaboração da norma penal, como para o tratamento adequado
do criminoso e melhor realização da justiça penal. Tanto pelo método quanto pelo objeto o
Direito Penal e a Criminologia não se confundem, constituindo ciências autônomas.
Mas observamos que há enorme influência da Criminologia sobre o Direito penal, no
tocante dos estudos e pesquisas criminológicas, não só do ponto de vista de encarar o ser
humano, como agente do crime, no sentido de que a pena tenha finalidade mais terapêutica e de
ressocialização do que punitiva, como também do ponto de vista da interpretação da natureza da
ação ou omissão criminosa, em função e consideração de determinadas contingências sociais,
isto é, os fatores criminológicos que podem e devem ser neutralizados, pois constituem causas
da criminalidade.
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É importante frisar que Criminologia e direito penal têm que atuar em conjunto para
que permita ao Estado uma política criminal que consiga, efetivamente, prevenir e controlar a
criminalidade. Atualmente, a Criminologia evoluiu para um estágio denominado de Criminologia
Crítica, que procura enxergar não somente os fenômenos do delito, como também
questionamentos sobre fatos relevantes não somente ao autor, mas aos órgãos de controle
social.
Assim, tanto a criminologia como o direito penal estudam o mesmo objeto, qual seja, o
delito. Mas divergem quanto ao método. Não obstante, junto com a Política Criminal se
completam, formando o universo das ciências penais. Colaboram ainda, em um mesmo terreno,
a Medicina Legal e a Criminalística.
1.7 Sociedade criminógena e a conduta delitiva
Valorar a ação humana e definir se algo é indesejável ou não, frequentemente denota
a ideia de um direito distinto do Direito Positivo, ou seja, o direito posto e o imposto pelo Estado,
fundamentado na ideia de que certo e errado são determinados por um padrão eterno, universal
e imutável.
Imaginar um Direito Natural significa conceber uma ordem normativa natural como
expressão da natureza das coisas e adequada à vida prática, ao senso comum, o conjunto de
opiniões e sentimentos que nos são impostos pela tradição e por pressentimento. Por
pressentimentos ou tradição somos levados a definir determinadas condutas como irritantes,
perigosas e até mesmo crime, e a reconhecer que existe gente malvada, irrecuperável, até
mesmo por conta da personalidade voltada ao crime.
Podemos concluir, então, que a sociedade é criminógena, produz e reproduz crime e
violência, promove desigualdade e exploração, intensificando diferenças e promovendo
condições que levam as pessoas a cometerem infrações. A sociedade seria, portanto, um caldo
de cultura da criminalidade, razão pela qual temos os criminosos que merecemos e não
podemos acusar ninguém, pois somos todos culpados.
O crime é primordialmente um conjunto de complexo fenômeno social, reflexo de atos
políticos enraizados em conflitos decorrentes de profundas desigualdades entre grupos sociais e
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classes antagônicas. Não faz sentido imaginar que seria possível identificar apenas uma causa
para o universo heterogêneo da criminalidade. Por exemplo: os roubos praticados nas esquinas,
por meninos pobres, que vivem nas ruas cheirando cola, abandonados à própria sorte, sem
acesso à educação e ao amor de uma família que os respeite, evidentemente expressam esse
contexto social.
É claro que esses crimes são indissociáveis desse quadro social. O mesmo vale para
as drogas, juventude ociosa e sem esperança é presa fácil para os agenciadores do comércio
clandestino. Oferecem vantagens econômicas muito superiores às alternativas proporcionadas
pelo mercado de trabalho. Outros, como os operadores do tráfico de armas, que atuam no
atacado, levando dinheiro no mercado financeiro internacional, não são filhos da pobreza nem da
desigualdade, suas práticas são estimuladas, geralmente, pela impunidade.
Só que a ideia de impunidade é também uma simplificação relacionada com a nossa
disposição em encarar certos atos criminosos como comportamento normal. Por exemplo, a
pirataria (modalidade de crime organizado que o cinema e a cultura popular romantizaram)
praticada há muito tempo, desde quando os navegadores fenícios saqueavam os portos do
Mediterrâneo.
Grandes cidades como Nova York, Boston, Filadélfia e Buenos Aires somente
sobreviveram e se viabilizaram graças à pirataria, ao comércio ilegal sustentado por sua clientela
de receptadores, funcionários corruptos e consumidores que, assim como hoje, não dispensam
os serviços do crime organizado. No caso do narcotráfico é preciso acabar com o círculo vicioso
(traficantes e consumidores de drogas), pois uma ponta alimenta a outra.
Para investigar as causas determinantes da conduta delitiva do homem torna-se
obrigatório o conhecimento não só das causas gerais da criminalidade, como também de noções
básicas sobre a Criminogênese. Trata-se do capítulo da Criminologia que estuda os mecanismos
de natureza biológica, psicológica e social, por meio dos quais se engendram e desencadeiam
os comportamentos delituosos.
Os componentes pessoais de uma conduta delitiva são determinados componentes de
vulnerabilidade, expressando-se por intermédio desse conceito a predisposição à conduta
delitiva provocada pelos fatores sociais, isto é, a presença desses componentes no choque com
uma situação social desfavorável e difícil, que determina a conduta delitiva.
Os itens de vulnerabilidade são representados pelas insuficiências, instabilidade,
17
ausência de ideais, etc. As circunstâncias do crime, a sua gravidade, os motivos determinantes
da conduta do autor integram-se ao lado das condições familiares e sociais.
1.8 Expressão sociológica da criminologia
1.8.1. COMPORTAMENTO DE DESVIO (ANOMIA)
Para que o sistema social se mantenha em equilíbrio é importante que haja uma
padronização dos comportamentos dos seus membros, sem a qual ela entra em processo de
anomia. Em qualquer sociedade do mundo, por mais eficientes que sejam as suas normas de
conduta e bem estruturadas e aparelhadas as suas instituições jurídicas, vamos encontrar
comportamento de desvio, como um verdadeiro fenômeno universal.
Pode variar de intensidade, ou seja, em uma sociedade encontraremos maior
incidência de comportamento anômico que em outra, em algumas haverá a incidência de um tipo
de desvio, mas o fenômeno sempre existirá. Se as leis são boas, bem elaboradas, adequadas
aos interesses sociais e se as instituições destinadas a manter a ordem jurídica são eficientes e
bem estruturadas, em princípio não deveria ocorrer comportamento anômico. Todos deveriam
estar empenhados em manter um comportamento em harmonia com as normas de conduta
social, de sorte a não existir desvio. Mas não é o que ocorre.
É importante distinguir “causa” de “fator”, que são coisas diferentes, mas muito
confundidas. Por “causa” entende-se aquilo que determina a existência de uma coisa: a
circunstância sem a qual o fenômeno não existe, pois o agente é o causador do fenômeno
social, sua origem, princípio, motivo ou razão de ser. Eliminada a causa, o fenômeno haverá de
desaparecer.
Já o “fator”, embora não dê causa ao fenômeno, concorre para a sua maior ou menor
incidência. É a circunstância que, de qualquer forma, concorre para o resultado. Pode-se dizer,
por exemplo, que a pobreza é um fator de criminalidade, porque, segundo estatísticas, a maioria
da população carcerária é constituída de pessoas provenientes das classes sociais mais
humildes. Mas não é certamente a causa de crime, porque há um número muito grande de
18
pobres que não delinquem.
Pode-se dizer, ao mesmo tempo, que o analfabetismo e a ignorância são outros fatores
de criminalidade, porquanto na mesma população carcerária podemos encontrar boa parte de
pessoas analfabetas ou portadoras apenas de instrução primária. Mas não é causa de
criminalidade, porque há milhões de analfabetos no Brasil que não enveredam pelos caminhos
do crime. Devemos nos preocupar com as causas e não com os fatores.
Os fatores que geram a violência no Brasil, e em várias nações mundiais, são dos mais
diversos modelos, havendo situações em que a violência é uma marca que vem sangrando há
gerações, como o racismo, o conflito de religiões, diferentes culturas. E há casos em que ela é
gerada de forma pessoal, quando a própria pessoa constrói fatores que acabam resultando em
situações violentas, como o desrespeito, o uso de drogas, a ambição e até mesmo resultado da
educação familiar. Não adianta combater os fatores sem eliminar as causas. Seria como secar a
árvore daninha, arrancando-lhe simplesmente as folhas, sem cortar-lhe a raiz.
1.8.2 .TEORIAS DE DURKHEIM E MERTON EM RELAÇÃO AO COMPORTAMENTO DE
DESVIO (ANOMIA)
Sociologicamente, pode-se afirmar que comportamento anômico indica desvio de
comportamento ou comportamento desviante, que pode ocorrer por ausência de lei, conflito de
normas ou ainda desorganização pessoal. Sociólogos empenham-se em encontrar as causas do
comportamento anônimo, entretanto, dois sociólogos dedicaram-se particularmente ao estudo da
anomia: Durkheim e Merton. Esses autores desenvolveram, em períodos diversos, uma teoria
sobre a anomia com grande repercussão no meio acadêmico.
O conceito de anomia, como tantos outros conceitos sociológicos, passou por várias
modificações por meio de diversos autores. Durkheim, sociólogo francês, usou a palavra anomia
(falta de lei ou ausência de norma de conduta) pela primeira vez, em seu famoso estudo sobre a
divisão do trabalho social, em um esforço de explicar certos fenômenos que ocorrem na
sociedade.
19
De acordo com a Teoria de Durkheim (2007), “a causa comum está no fato de o
homem ter em princípio desejos ilimitados. Somente a sociedade pode impor regras, ou seja,
colocar limites aos desejos do indivíduo, propiciando um equilíbrio entre as necessidades
pessoais e os meios disponíveis para obter satisfação. No caso de uma brusca mudança das
condições econômicas, os indivíduos perdem as referências anteriores e a sociedade não
consegue imediatamente impor novas regras.
Nessa situação caótica podem desencadear-se os desejos ilimitados, como por
exemplo: o rico que vive uma catástrofe não pode conformar-se com a sua nova realidade e isso
o leva ao desespero. Por outro lado, a pessoa que enriqueceu bruscamente entra em uma
dinâmica de ambição insaciável: entra em luta contínua e árdua e o menor insucesso pode levá-
lo também ao desespero, não conseguindo mais distinguir entre àquilo que deseja obter e
realmente pode obter. Trata-se de uma situação de perda de referenciais.
A teoria da anomia surge com a tentativa de Durkheim de explicar as formas e as
consequências patológicas da divisão de trabalho, principalmente a presente tendência de uma
visão cada vez maior do trabalho ser acompanhada por uma coordenação imperfeita das partes,
com redução da solidariedade social e conflito entre as classes sociais. Tais condições surgiam
quando os indivíduos que desempenhavam funções especializadas na divisão de trabalho não
possuíam entre si uma interação suficientemente estreita e contínua que permitisse o
desempenho gradativo de um sistema de regras e entendimentos comuns.
Na falta de tais regras, ampliando-se a impossibilidade e a incerteza, as pessoas são
dominadas por objetivos contraditórios, de que resulta confusão, realização insuficiente de
funções sociais essenciais e tendências à desintegração social. Enfim, decompõe-se o corpo de
regras comuns, que é o principal mecanismo de regulamentação das normas entre os elementos
do sistema social. Durkheim conceituou tal situação de anomia como ausência de normas.
A tese de Durkheim apresenta muitos pontos verdadeiros no que concerne às
sociedades superdesenvolvidas, contudo o mesmo não acontece em relação às sociedades
subdesenvolvidas, na qual se verifica o maior índice de comportamento de desvio,
especialmente no que tange à criminalidade, entre os menos especializados ou mesmo sem
nenhuma especialização. Por essa razão a Teoria de Durkheim foi contestada por muitos.
Só quarenta anos depois, Robert King Merton, sociólogo americano, escreveu um
artigo famoso de apenas dez páginas, que teve o mérito de estabelecer os fundamentos de uma
20
teoria geral da anomia. Segundo sua teoria:
Em toda sociedade há metas sociais a serem alcançadas, entendendo-se
como metas, em uma sociedade capitalista, o sucesso na vida, sendo esta
traduzida como fortuna, poder, prestígio, popularidade, etc. Para atingir as
metas há os meios (os recursos) oferecidos pela sociedade para alcançar
aqueles objetivos. Os meios existentes são insuficientes, nem estão ao
alcance de todos, acarretando, assim, um desequilíbrio entre os meios e as
metas. (MERTON, 2007, p. 199-200).
Assim, segundo Merton, o insucesso em atingir as metas culturais devido à
insuficiência dos meios institucionalizados pode produzir o que ele denomina de anomia.
Acontece quando o indivíduo não respeita as regras de comportamento que indicam os meios de
ação socialmente aceitos. Surge então o desvio, ou seja, o comportamento desviante. Um
exemplo típico refere-se à criminalidade, mas também podem ser incluídas as faltas
disciplinares, os comportamentos não convencionais e os que demonstram desinteresse pelas
metas culturais. Em todos esses casos, detecta-se a inobservância das regras de conduta social.
Merton classificou os comportamentos de desvio como:
Conformista - conduta seguida pela sociedade (buscam as metas prescritas por
intermédio dos meios institucionalizados), por exemplo: respeita as normas fixadas pela
sociedade;
Ritualista - abandona as metas sociais e inverte os valores quanto aos meios.
Esse comportamento torna-se prejudicial à sociedade. Por exemplo: quando as autoridades
recusam mudanças ou reformas sociais, mesmo sabendo que as instituições e legislações não
estão adequadas às realidades sociais, renuncia às metas, apegando-se aos meios.
Evasão - rejeita as metas culturais e valores (renuncia a tudo que a sociedade
oferece ou determina), como por exemplo: Hippies ou comportamentos autodestrutivos,
alcoolismo e dependentes de drogas.
Rebelião - derruba todos os meios e metas sociais. Manifesta-se nos momentos
21
de grandes crises sociais (buscam novas terras, terrorismo e manifestações violentas. Enfim,
uma nova estrutura social).
Inovacionista - comportamento de desvio mais frequente na sociedade.
Funciona no seu aspecto negativo (são retratadas todas as formas de delinquência) por motivos
econômicos. Para atingir a riqueza recorre ao delito, realizando assim os seus objetivos. Os
inovacionistas adotam a filosofia de que os fins justificam os meios, ainda que não sejam
socialmente aprovados. Procuram vencer na vida sem fazer força. E no aspecto positivo visam
criar novos meios, mais eficientes para realização dos meios sociais, inovações que trouxeram
benefícios à sociedade, desenvolvimento, como por exemplo: a luz elétrica.
O sociólogo investiga a causa em um sentido cientifico e normalmente busca uma
confirmação estatística. O que se pode dizer é que nem os fatores criminológicos individuais,
nem as condições ambientais econômicas e sociais são adequados para justificar qualquer ação
individual. Podem existir algumas circunstâncias nas quais os fatores individuais desempenham
um papel relacionado a um meio social específico (psicopatas), o impulso é mais por fatores
individuais do que sociais. São as desvantagens sociais e econômicas que devem ser objeto de
maior atenção.
A delinquência não é resultado só de fatores individuais, tampouco de um nocivo meio
social, originando-se de uma resposta individual aos estímulos do ambiente socioeconômico que
a circunda. A explicação para a ausência de sucesso de uma satisfatória explicação para a
etiologia criminal ressalta da necessidade de incrementar a investigação interdisciplinar, os
fatores psicológicos e sociais, pois essa investigação é necessária para explorar totalmente a
multiplicidade de fatores individuais e sociais que conduzem ao delito.
1.9 Fatores sociais de criminalidade
O comportamento criminal não pode ser estudado in vácuo, como se fosse um
comportamento à parte. A possibilidade da ação delitiva varia inversamente com as
probabilidades abertas a um indivíduo para a satisfação de suas necessidades por meios
22
legítimos, estabelecendo-se uma correlação entre as inferiores condições de vida, o baixo nível
de educação, desemprego, etc. Portanto, a criminologia passou a ter uma direção voltada para a
realidade e não ao campo de especulação teórica e da discussão acadêmica, ao qual estava
condicionada.
A criminologia pertence ao âmbito das ciências empíricas, significando que seu objetivo
(delito, delinquente, vítima e controle social) se insere no mundo real, do verificável, do
mensurável, e não dos valores. Que conta com um sólido substrato ontológico, apresentando-se
ao investigador como um fato a mais, como um fenômeno da realidade.
23
2 CRIME E SISTEMAS DE COMPORTAMENTO CRIMINOSO
2.1. Crime
2.1.1. CONCEITO
O Código Criminal de 1830 e o Código Penal de 1890 traziam o conceito de crime. Na
legislação atual isso não ocorre. Portanto, o Código Penal não apresenta uma definição de
crime, sendo a questão estudada pela doutrina. Para Fragoso, “crime é uma conduta (ação ou
omissão contrária ao Direito, a que a lei atribui uma pena)”. Conforme Carmignani , “crime é
qualquer ação legalmente punível”. Já para Maggiore, “crime é toda ação ou omissão proibida
pela lei, sob ameaça da pena”.
O crime é um fato típico, antijurídico e culpável, para fins de aplicação de pena. É a
conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal. O crime é,
antes de qualquer coisa, um fato que vem previsto em lei e do qual pode resultar a pena
cominada na regra sancionada. É um fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos
(jurídicos-penalmente) protegidos.
Crime ou delito é a violação da norma contida no texto penal. Tal definição baseia-se
na afirmativa de que todo o direito penal alicerça-se sobre o binômio “delito e pena”. O
comportamento delituoso do homem pode revelar-se por atividade positiva ou omissão. Porém,
para constituir delito, deverá ser ilícito, contrário ao direito e revestir-se de antijuridicidade.
24
2.1.2 ELEMENTOS DO CRIME
Em uma visão inicial e panorâmica do fato típico punível do crime, são elementos do
crime:
Fato típico em si – comportamento humano previsto como infração penal (é o
comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca um resultado (em regra) e é previsto
em lei penal como infração.
Fato antijurídico – contrário ao ordenamento jurídico (é a relação de
contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico).
Culpabilidade – juízo de reprovação (não é característica, aspecto ou elemento
do crime, e sim mera condição para se impor a pena pela reprovabilidade da conduta).
2.1.3 DIVISÃO DO CRIME
Dividem-se os crimes, conforme o Código Penal, em doloso e culposo.
Crime Doloso – é aquele em que o agente quer o resultado ou assume o
risco de produzi-lo. Dolo é a consciência e a vontade na realização da conduta típica,
isto é, a representação e vontade em referência a um fato punível, que o agente pratica
sabendo ser o mesmo ilícito.
Crime Culposo – é aquele em que o agente causa o resultado por
imprudência, imperícia ou negligência. Isto é, a culpa é a prática não intencional do
delito, mediante imprudência, imperícia ou negligência.
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Portanto, a diferença entre eles resume-se em que no crime doloso a pessoa efetua o
ato “com a intenção de causar algum dano a outro indivíduo”, isto é, ela tem o propósito de
cometer o crime e consegue o resultado, pois doloso se origina da palavra dolo, que significa
má-fé, ação praticada com a intenção de violar o direito alheio.
Já quando o crime é culposo significa que o agente do ato não teve a intenção de
praticar o mal, não tinha a intenção de praticar o crime, mas mesmo assim obteve o resultado.
Não havendo intenção de o agente cometer determinado crime, a pena para um crime culposo é
bem menor do que a de um crime doloso.
2.2 Classificação dos criminosos (enrico ferri)
A classificação dos criminosos, feita por Enrico Ferri, considerada em 1885 como a
melhor no Congresso Internacional de Criminologia, em Roma, são as seguintes:
Criminoso louco – os clássicos não concebiam, era, entretanto, classificado
pelos positivistas, que entendiam que não há uma responsabilidade moral e sim
responsabilidade social. Hoje, ao invés de loucos, são doentes mentais.
Criminoso nato – é o tipo instintivo do criminoso, com os seus estigmas de
degeneração indicativos de forte inclinação ao delito, com o seu traço característico essencial e
dominante, a completa atrofia do senso moral.
Criminoso habitual – é aquele que faz do crime uma profissão. Vive para o
delito. Sai da prisão para voltar a delinquir, vive constantemente cumprindo pena.
Criminoso passional – é um homem de sensibilidade exagerada, que o leva a
cometer delito. O criminoso passional confessa amplamente o delito praticado, sinceramente se
arrepende, razão pela qual quase sempre se suicida ou tenta seriamente fazê-lo.
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Criminoso ocasional ou acidental – é aquele que delinque porque surgiu a
ocasião propícia. Débil é o seu temperamento, o seu caráter, e ele facilmente se conduz ao
crime, impedido por transitórias sugestões do ambiente.
2.3 Sistemas de comportamento criminoso
2.3.1 COMPORTAMENTO E PERSONALIDADE
O comportamento criminoso é o resultado de certa característica da personalidade ou,
então, a característica é o resultado de experiências criminosas. Em outras palavras, ou uma
determinada característica da personalidade estava presente no início de uma carreira de
delinquente, ou a característica que se desenvolveu durante a carreira não é manifestada.
O estudo da personalidade, assim, é o estudo dos fatores que determinam a
periculosidade social do réu e a criminologia coloca-se no lugar do Direito Penal como a ciência
que investiga todas as causas do crime, consideradas em seu conjunto, e indica os meios mais
idôneos para eliminá-las.
A criminologia não pode estudar o indivíduo prescindindo da análise do ambiente em
que viveu e agiu, pois são vários fatores, individuais e sociais, que agem e que se influenciam
diversamente, com os mais diferentes resultados. O criminólogo deve propor analisar,
gradativamente, de que maneira o delinquente chega à ação criminosa, não apenas justificar os
motivos por conta própria. Deve atribuir-lhe um valor, assim como também sentir-se levado a
realizá-la. Certo é que o criminólogo deve procurar compreender a ação delituosa de um homem,
buscando os motivos que agiram sobre o seu ânimo.
27
2.3.2 SISTEMAS DE COMPORTAMENTO
A cada variedade de crime corresponde não apenas uma definição jurídica, contida na
lei, mas também um ou mais sistemas de comportamento ou de ação social de estrutura estável,
cujas funções transcendem as necessidades dos infratores, gerando até mesmo benefícios no
sistema social como um todo, usando como referência as definições contidas na lei.
Identificamos vários sistemas de comportamento criminoso, mas examinaremos alguns
contidos no Código Penal, não incluindo todos os atos que a lei proíbe como veremos nos
tópicos abaixo.
a) Crime Violento Contra a Pessoa
Sistema de comportamento criminoso composto de atos envolvendo relacionamentos
que resultam em conflito, lesão física grave ou morte. Incluem formas específicas, como
homicídio, periclitação da vida e da saúde, estupro, sedução, corrupção de menores, todas de
difícil prevenção, uma vez que em geral não são premeditadas, resultam de sentimentos
irracionais, paixões ou medo.
A relação íntima que caracteriza a maioria desses crimes violentos, às vezes, facilita o
trabalho da polícia na descoberta do agressor, mas também dificulta o controle das ações,
frequentemente enredadas em situações de emotividade, como triângulos amorosos,
desavenças, briga por dinheiro e disputas por propriedade, envolvendo pessoas que se
conhecem e até se amam.
b) Crime Ocasional Contra o Patrimônio
Sistema de comportamento criminoso que denota tipos e modalidades de furto, roubo,
extorsão, apropriação indébita, estelionato, etc. quando cometidos de forma infrequente ou
irregular, não raro por gente inexperiente. Os infratores não o fazem no exercício de uma
28
carreira, são pés de chinelo ou menores de idade que assaltam, roubam veículos ou praticam
atos de vandalismo em grupo ou para obter alguma vantagem econômica.
Não se consideram criminosos nem estão suficientemente familiarizados com a
subcultura do crime. As técnicas que utilizam são deficientes e pouco desenvolvidas. Caso
roubem, fazem-no para satisfazer necessidades imediatas, sem planejamento, até por
desespero motivado por situação temporária de penúria, ou então por brincadeira ou aventura.
c) Crime Organizado (Macrodelinquência)
A expressão macrodelinquência é modernamente utilizada para indicar o crime
organizado, envolvendo a prática de ilícitos sofisticados, em que a vítima é a coletividade. Os
delitos são praticados com o emprego da moderna tecnologia e decorrem, basicamente, do uso
abusivo de instrumentos da economia, como, por exemplo, fraude, falsificação de moeda,
lavagem de dinheiro obtido ilicitamente.
É possível conceituar crime organizado como àquele praticado por, no mínimo, três
pessoas, permanentemente associadas, que cometem determinados crimes de forma reiterada,
em consonância com a realidade de cada país. O conceito de crime organizado varia conforme a
visão daquele que o estuda. Segundo Alberto Franco:
O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacional na
medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta
características assemelhadas em várias nações; detém um imenso poder
com base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe
permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca dano
social de alto vulto; tem grande força de expansão, compreendendo uma
gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas difusas; dispõe de
meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intrincado
esquema de conexões com outros grupos delinquenciais e uma rede
subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e
política da comunidade; origina atos de extrema violência; exibe um poder de
corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações.
29
A escassez de recursos, a má distribuição de renda, seguida das desigualdades locais,
regionais e mundiais, atreladas à busca irascível de poder e riqueza fazem proliferar os mais
diversos tipos de atividades clandestinas, irregulares e ilícitas, que encontram, nesse cenário
difuso das relações humanas e no avanço tecnológico mal utilizado, campo fértil para fazer
germinar a semente da criminalidade organizada, que passa a contar com uma série de
elementos que permitem o desempenho racional de atividades ilícitas, voltadas a fornecer à
sociedade bens e serviços de obtenção difícil, por isso mesmo caro e rentável.
O fenômeno do crime organizado não mais é negado pelas agências formais
internacionais, havendo estimativas concretas das cifras que seus negócios movimentam no
mundo. Sistema criminoso importante, mas coberto apenas superficialmente pelo Código Penal.
O crime contra a paz pública, por exemplo, envolve incitação e apologia ao fato
criminoso, formação de quadrilha ou bando, que diz respeito a atividades especializadas, de uso
ou ameaça para recorrer à força, violência, coerção e causar dano ao patrimônio, em geral
praticadas por criminosos profissionais ou gangues, que perpetram crimes como sequestro e
roubo de carga, têm objetivos financeiros e envolve armamento pesado, planejamento cuidadoso
e coordenação precisa. Ou seja, o crime organizado possui estrutura, base, ramificações, poder
e agilidade. Enfrentá-lo exige, no mínimo, organização também.
As organizações criminosas são associações minimamente organizadas por pessoas,
qualificadas, sobretudo, pela busca cada vez maior de penetração social e econômica, assim
como pela obtenção sempre mais ampla de poder, infiltrando-se e confundindo-se com as
estruturas do poder público, não mais atuando paralelamente ao Estado ou com ele disputando
posições, senão passando a agir livremente por intermédio dele.
Definido esse contorno básico das organizações criminosas como ente e do crime
organizado como fenômeno criminológico, surge uma segunda dificuldade, agora ligada às
estratégias de neutralização e combate a essa criminalidade específica. A criminalidade
organizada, especialmente a narcocriminalidade, tem evoluído muito nos últimos tempos,
adquirindo estruturas complexas que dispõem de meios financeiros de origem ilícita e cuja
capacidade operativa supera as das clássicas organizações de delinquentes, razão pela qual os
meios tradicionais de investigação se mostram insuficientes, ao menos para chegar ao coração
das organizações e aproximar-se dos seus chefes.
30
Essas organizações criminosas utilizam meios eficazes para a destruição de provas de
autoria delitiva, possuindo mecanismos modernos, muitas vezes mais sofisticados que os da
polícia, dirimindo-se, assim, de sua culpabilidade. Os integrantes de algumas organizações
criminosas passaram a adquirir equipamentos eletrônicos, geralmente com tecnologia superior
àqueles utilizados pela polícia, que facilmente identificam a presença de microfones ocultos ou
microcâmeras instalados nos ambientes por eles frequentados comprometendo, assim, a
obtenção da prova.
Serão necessárias algumas medidas de cunho político e judicial, de combate ao crime
organizado, configurando uma resposta institucional a esse tipo tão lesivo de criminalidade, pois
é impossível comentar propostas de combate ao crime organizado sem ressaltar a imperiosa
necessidade de se especializar a força policial e, ainda, purificá-la, expulsando aqueles policiais
já viciados e que integram organizações criminosas.
É preciso equipar a polícia, proporcionar seu acesso à tecnologia de ponta, o que
implica no treinamento constante de sua força, sem o que qualquer ação nesse campo do crime
organizado restará ineficaz. Ainda é necessária a especialização do Ministério Público, como já
vem acontecendo em vários estados, com a criação de núcleos especiais voltados ao combate a
organizações criminosas.
Necessário também que o estado abandone os antigos conceitos de crime e criminoso,
passando a adotar uma postura mais agressiva, especializada e ágil para frear essa ordem
criminosa, sob pena de tal inovação corroer as próprias bases do estado, como ocorre em outros
países, como a Colômbia. Várias têm sido as sugestões de medidas para o combate ao crime
organizado. No Brasil, por exemplo, algumas já estão sedimentadas na Lei n° 9.034, de 1995,
enquanto outras são discutidas em projeto de lei, doutrina e debates sobre o tema.
Entretanto, tomando por base o ponto do qual parte o objeto desse estudo entende-se
que nenhuma delas chegará próximo da eficácia, caso se ignore a relevante característica de
conexão do crime organizado com o poder público. Realmente, se tivermos em mente que este
ponto de estratégia é fundamental para assegurar o desempenho, ocultação e impunidade de
suas atividades, qualquer medida que se imagine será facilmente neutralizada, do momento em
que a organização possua uma eficiente rede de conexão com órgãos públicos, capaz de
amortecer, de alguma forma, a atuação das agências de combate.
31
A transnacionalidade é uma das maiores dificuldades no combate à
macrocriminalidade. Os criminosos utilizam países de acordo com os seus interesses e as
facilidades que neles encontram, pois o Direito Penal e a atuação da polícia são limitados pelo
princípio da territorialidade e da soberania dos estados. Estão entre os países preferidos, os
chamados paraísos fiscais, onde o dinheiro ilícito entra e sai com facilidade.
Outra dificuldade no combate a esse tipo de crime resulta do fato de conseguirem os
criminosos adaptar-se rapidamente às constantes mudanças da economia. A estrutura política e
econômica existente está de tal forma montada que oculta e protege essa criminalidade dourada.
Devemos nos conscientizar, enquanto tivermos crimes e criminosos acima da lei, de que nada
adiantará a repressão à criminalidade convencional, pois é a macrocriminalidade que provoca
desníveis sociais, crises econômicas, condições de vida subumanas, causas principais, por sua
vez, da criminalidade comum.
d) Crime de Colarinho Branco
Trata-se de uma categoria não convencional de crimes e criminosos. Ela se distingue
da criminalidade convencional pelo fato de ser integrada por pessoas de alta classe e
respeitabilidade, detentoras do poder político ou econômico, que por isso mesmo, encontra-se
acima da lei. A sociedade geralmente ignora que nos segmentos socioeconômicos mais
elevados há indivíduos e grupos que se comportam de forma criminosa, mas como seguem
padrões de comportamento diferentes das classes inferiores conseguem contornar os
procedimentos concebidos para criminosos sem recursos.
Observamos que existem diferenças entre crime de colarinho branco e crime
organizado. O primeiro são os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; crime da elite, que
atinge a coletividade e abala a estrutura econômica do país. Há desvio de verbas, sonegação
fiscal, fraude em concurso público, expedição irregular de alvarás, licenças, tráfico de influência,
entre outros.
Já o crime organizado é formado por bando ou quadrilha, com vínculo permanente e
estável, possui estrutura, base, poder, agilidade. A estrutura desse crime pode ser rígida e
hierárquica, isolada em relação ao mundo exterior, de estilo nitidamente familiar, como a máfia,
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cujos capôs e tenentes comandam amplas redes de soldados (marginais, policiais, prostitutas,
menores infratores, etc.).
O crime organizado pode ter dimensões de grande empresa (a droga, por exemplo,
possui fases de industrialização, exportação e distribuição, em que entram em cena enormes
somas de capital investido em infraestrutura, laboratórios, matérias-primas caras, vendas
controladas, etc.
Os crimes de colarinho branco são perpetrados por empresários, profissionais e
funcionários do governo, no decurso de suas funções normais. Esse crime não é o meio de vida
nem a carreira escolhida por essas pessoas, mas uma coisa que ocorre em conjunto com suas
atividades legítimas.
Lamentavelmente, a nossa legislação penal ainda é deficiente na configuração e
punição dessa criminalidade, chamada de colarinho branco, sequer dispomos de recursos
técnicos para a sua rápida e eficiente apuração, o que faz crescer o sentimento de impunidade
para os que não são pobres.
2.4 Delinquência juvenil
A delinquência juvenil compreende os comportamentos antissociais praticados por
menores e que sejam tipificados nas leis penais. O significado da expressão delinquência juvenil
deve restringir-se o mais possível às infrações do Direito Penal. Foi usada pela primeira vez na
Inglaterra, em 1815, por ocasião do julgamento de cinco meninos de 8 a 12 anos de idade.
Desde o Código Criminal do Império (1830) já existia uma grande preocupação com a
criminalidade infanto-juvenil. Nelson Hungria (p. 353) acredita que:
O delinquente juvenil é, na grande maioria dos casos, um corolário do
menor socialmente abandonado, e a sociedade, perdendo-o e
procurando, no mesmo passo, reabilitá-Io para a vida, resgata o que é,
em elevada proporção, sua própria culpa.
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Da mesma forma em relação aos adultos, diversas causas endógenas e exógenas
influem sobre a conduta delituosa do menor. Essas causas podem ser de natureza genética,
psicológica, patológica, econômica, sociológica ou familiar. Assim como adultos psicopatas, o
delinquente juvenil com essa natureza é desprovido de sentimentos de culpa ou remorso,
características inerentes às pessoas de bem. São más em suas essências.
2.4.1 DELINQUÊNCIA JUVENIL (CAUSAS SOCIAIS)
É estarrecedor observar que crianças e adolescentes que deveriam estar brincando ou
folheando livros nas escolas trafiquem drogas, empunhem armas e apertem gatilhos sem
qualquer vestígio de piedade. Lógico que não podemos negar que muitas delas são
influenciadas pelo meio social, no entanto, outras possuem inclinação voraz e inata ao crime, em
que as condições de vida miseráveis dos pais, fome, subnutrição, alcoolismo, consumo de
drogas, falta de condições mínimas de higiene e outros aspectos marcam a vida do novo ser
antes do seu nascimento.
Em relação aos fatores criminógenos, de natureza exógena, relacionados ao meio
social, aos aspectos psicológicos e psiquiátricos, que atuam negativamente sobre a criança e o
adolescente, destacam-se:
Família sem coesão;
Pai delinquente e hostil;
Mãe indiferente e hostil;
Famílias numerosas, com problemas econômicos, dentre outros.
Realmente, as nossas crianças e adolescentes se veem desamparados pela
sociedade, que lhe é hostil ou omissa, pela complexidade dos problemas sociais, políticos e
econômicos dos nossos dias. Elas são pessoas em formação, sofrendo muitos problemas
sociais, tanto no âmbito familiar quanto na estrutura social em vigor, que propicia a ausência de
formação, diante dos problemas educacionais e econômicos vividos pelo país, resultando na
violência desenfreada.
34
Sem perspectivas de boa educação escolar e um futuro promissor na área profissional,
e, dificilmente, a construção de um lar harmonioso, os jovens assumem o caminho da
criminalidade, acreditando que terão dinheiro e poder. Esse caminho começa cedo, quando
ainda crianças são espancadas rotineiramente por um pai bêbado, que chega a casa, exaurido
pelo desgaste do trabalho, de pelo menos 12 horas por dia, para ganhar um salário-mínimo no
fim do mês.
Tudo isso influencia os jovens a iniciarem o caminho da criminalidade. Primeiro porque
a criança não nasce totalmente má, nem totalmente boa. A maldade e a bondade são adquiridas
na formação familiar, pois não é necessário questionar que um jovem desencaminhado, em sua
maioria, é vítima de maus cuidados morais e higiênicos, em que vive a maior parte das famílias
que residem nas favelas, resultado da estrutura social e política posta em ordem no país.
Assim, uma infância e adolescência vivida na mais completa miséria, a instabilidade
afetiva, lares destruídos, educação inadequada e desempregos são causas da criminalidade de
jovens no Brasil, já que por não terem formação de personalidade são diretamente influenciados
pela estrutura capitalista imposta no país.
Para Roberto Lyra, “as causas da criminalidade começam e acabam na sociedade.
Para Heleno Cláudio Fragoso (1991, p. 441):
A criminalidade aumenta, e provavelmente continuará aumentando, porque
está ligada a uma estrutura social profundamente injusta e desigual, que
marginaliza cada vez mais a extensa faixa da população, apresentando
quantidades alarmantes de menores abandonados ou em estado de
carência. Enquanto não se atuar nesse ponto, será inútil punir, como será
inútil, para os juristas, a elaboração de seus belos sistemas.
Importante destacar que os crimes cometidos na faixa etária do menor são
consequentes do sistema capitalista implantado no mundo. Vivendo nesse sistema, as pessoas
nunca estão satisfeitas com o que têm, querem sempre mais. A grande jogada do capitalismo é
a propaganda. Outra consequência é a desigualdade social, uns tendo de sobra (porém, ainda
querendo mais), e outros não tendo nada. Essa disparidade social e, em contrapartida, o desejo
incontrolado de consumo causam as manifestações dos atos delituosos.
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Agora, é importante frisar que o desvio dos jovens não acontece somente nas classes
sociais de baixa renda, mas também com àqueles de classe média alta, destinados a um bom
ensino escolar, dispondo de facilidades como automóveis e excelentes vestimentas. Sem limites,
estes se entregam ao crime, geralmente por adquirirem o vício de drogas ilícitas e, em
consequência de tal dependência, furtam acessórios e veículos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente precisa atuar. A Lei 8.069/90 é eficaz, precisa
e muito bem elaborada, entretanto, não é mais possível permitir que fique somente no papel. O
cumprimento desse princípio inclui manter a criança e o adolescente dentro da escola e longe da
criminalidade. A lei é boa, mas para ser eficiente necessita ser aplicada. Para isso é preciso
entrosamento do governo, do legislador, enfim, do Estado e do povo.
2.4.2 DELINQUÊNCIA JUVENIL (IDADE PENAL E IDADE BIOLÓGICA)
Sempre que nos deparamos com crimes bárbaros cometidos por crianças e
adolescentes, somos tomados por um sentimento de grande perplexidade. Isso acontece porque
os seres humanos têm grandes dificuldades em acreditar que existem crianças e adolescentes
genuinamente más. As crianças costumam ser associadas de forma universal à bondade, à
pureza e à ingenuidade.
Reconhecer que a maldade existe, de fato, é uma realidade com a qual não gostamos
de lidar. Ficamos estarrecidos com aquilo que desafia a racionalidade humana e foge à
compreensão do que consideramos ser uma criança ou uma pessoa normal. Na Inglaterra, em
1993, dois garotos de 10 anos assassinaram brutalmente um menino de apenas dois anos de
idade, perto de Liverpool. Ele foi sequestrado, abusado, torturado e morto com golpes de pedra e
ferros na cabeça. Os assassinos tentaram esconder o corpo no fundo do poço, mas forjaram um
desastre de trem e o largaram sobre os trilhos da linha férrea. O bebê foi cortado ao meio.
Esse foi um dos crimes que mais chocou a Grã-Bretanha e o mundo. Os assassinos
foram julgados e condenados como adultos à prisão, por prazo indeterminado. Mas, sob
protestos e indignação populares, em 2001, eles foram soltos de forma sigilosa e com novas
identidades. Essa decisão foi motivo de debates e controvérsias: se a Inglaterra teria sido dura
36
demais em condenar os dois assassinos com idades precoces ou se afrouxou excessivamente
em libertá-los.
Como dois indivíduos de apenas 10 anos, deliberadamente, puderam planejar um
crime com tamanha crueldade? É possível que eles não tivessem a menor ideia do que estavam
fazendo? Será que toda a trama sórdida, requintada de maldade e de total frieza foi fruto de
mentes imaturas e inconsequentes? Compreende-se que, independentemente da idade dos
assassinos, as respostas se resumem ao fato de serem meninos perversos. O certo é que essas
questões servem para reflexão.
Nos Estados Unidos, volta e meia a população defronta com casos que envolvem
crianças e adolescentes que matam de forma impiedosa, como tiroteio em escolas, etc. O Brasil,
infelizmente, também faz parte desse cruel panorama, como o caso que aconteceu em fevereiro
de 2007, um crime monstruoso que chocou todo o país, quando o menino João Hélio Fernandes,
de apenas seis anos de idade, foi arrastado até a morte por mais de sete quilômetros pelas ruas
da Zona Norte do Rio de Janeiro.
O crime ocorreu depois que o carro em que João Hélio se encontrava foi assaltado. A
mãe e a irmã mais velha conseguiram escapar, mas o garoto ficou preso no cinto de segurança,
enquanto os criminosos arrancavam com o carro em alta velocidade. Eles andavam em zigue-
zague com o veículo, tentando se livrar do menino. Após prisão dos cinco envolvidos, constatou
que um deles era menor de idade. Esse crime provocou revolta e mobilizou toda a sociedade
pela sua brutalidade. O Brasil protestou contra a violência e o descaso das autoridades.
O clamor social acaba demandando atitudes por parte de nossos legisladores, com o
intuito claro de dar uma satisfação imediata à sociedade. Não é de hoje que vários projetos são
apresentados com o objetivo de mudar as leis que cuidam de menores infratores, que ao final
caem em esquecimento. Com isso, em resposta a essa comoção, àquilo que estava guardado
na gaveta pulou para a ordem do dia. Entre algumas medidas podemos destacar as seguintes:
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171, de 1993, de autoria de Benedito
Domingues, que visa à redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos.
Projeto de Lei n° 287, de 2000, do deputado Darcísio Perondi, que altera o ECA,
com objetivo de aumentar o tempo máximo de internação de adolescentes que entram em
conflito com a lei.
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O prazo de três anos passaria para oito quando se tratasse de crimes como drogas e
quando houvesse grave ameaça ou violência à pessoa (homicídios e crimes hediondos, como
sequestro, latrocínio e estupro). Esse projeto já foi aprovado pela comissão de Segurança
Pública da Câmara dos Deputados, que ainda está em tramitação e divide opiniões.
Existe uma dificuldade em se estabelecer o momento exato a partir do qual o indivíduo
pode ser considerado responsável por suas ações. O desafio para se fixar uma idade mínima
para a imputação penal é tão complexo que em todos os países do mundo é motivo de muita
polêmica e discussões acaloradas. Para que tenhamos uma ideia do problema, vejamos as
idades mínimas para a responsabilidade penal em diversos países:
Brasil, Colômbia e Luxemburgo (18 anos)
Equador (12 anos)
EUA (em alguns estados, a partir de 6 anos de idade, cabendo ao juiz decidir se
o jovem infrator deverá ser julgado como adulto ou não).
Inglaterra (desde 1967 não tem idade mínima preestabelecida. Uma criança de 10 anos
ou menos pode ser julgada como adulto, dependendo da gravidade do crime e de
acordo com os costumes do próprio país).
Argentina, Chile e Cuba (16 anos)
Austrália e Suíça (7 anos)
A própria ONU, por intermédio de seu órgão destinado à infância e à adolescência (a
UNICEF), recomenda em seu manual que a maioridade penal se inicie entre 7 e 18 anos.
Convenhamos que uma margem de 11 anos, entre a menor e a maior idade penal, demonstra,
de forma clara, toda a incerteza ao redor do tema.
Não podemos esquecer que as necessidades de adotarmos uma idade penal mínima têm como
base a ideia universalmente aceita de que crianças não possuem discernimento sobre o certo e
o errado. Além do mais, elas ainda não desenvolveram controle adequado sobre seus impulsos.
Dessa forma, crianças não podem ser culpabilizadas por suas atitudes ilícitas. A
maioridade penal hoje estabelecida se deve ao fato de que alguns pesquisadores e muitos
legistas abraçam a tese de que durante a adolescência o cérebro está sujeito a intensas
transformações biofísicas. Dessa forma, os comportamentos, impulsivo, imediatista e explosivo
38
dos adolescentes são explicados, em parte, pela imaturidade biológica de seus cérebros, o que
impede que tenham um comportamento plenamente adequado.
Pesquisadores que estudam personalidade infanto-juvenil postulam que algumas
pessoas demonstram de maneira indubitável possuir uma estrutura de personalidade
problemática ainda precocemente. Hoje em dia, um jovem (criança ou adolescente) que
apresenta características como insensibilidade, mentiras recorrentes, transgressões às regras
sociais, agressões, crueldade, etc., recebe o diagnóstico de “transtorno de conduta” (antes
conhecido como delinquência).
Cientistas de diversos países, como do Inglaterra, EUA, Canadá e Austrália, fizeram
testes em crianças e adolescentes com comportamentos frios e transgressores e revelou que
eles apresentam critérios de psicopatias semelhantes aos dos adultos, inclusive com os mesmos
riscos elevados de reincidência criminal. De acordo com esse ponto de vista podemos afirmar
que alguns indivíduos menores de 18 anos, independentemente da maturidade biológica de seus
cérebros, já possuem uma personalidade disfuncional. O comportamento e o temperamento
desses jovens funcionam como os de pessoas plenamente desenvolvidas, que sabem
perfeitamente distinguir o certo do errado e que compreendem o caráter ilícito dos seus atos.
Dessa forma, já deveriam ser responsabilizados e penalizados pelos seus
comportamentos transgressores com o mesmo rigor das leis aplicadas aos adultos. Sem incorrer
em qualquer erro, podemos afirmar que esses jovens são os responsáveis por grande parte dos
crimes brutais, que despertam nossos sentimentos de perplexidade e de repulsa às suas ações.
Importante destacar que os jovens que cometem tais tipos de delitos o fazem em
função de sua natureza fria e cruel. Como não se bastasse, eles são favorecidos por uma
legislação específica que atenua as suas punições, propiciando de forma quase irresponsável a
liberdade precoce e a reincidência criminal. Pelo ECA, o tempo máximo permitido em
internações é de três anos, mesmo que o crime tenha sido de natureza cruel.
Acrescenta-se a isso o fato de que, após ter cumprido as medidas socioeducativas,
seus antecedentes criminais não ficam registrados. Se eles reincidirem após os 18 anos, são
considerados réus primários. Isso implica dizer que suas fichas criminais voltam a ficar limpas,
como se nunca tivessem cometido nenhum delito.
Não podemos contestar que o ECA trouxe avanços, como em relação à violência
contra crianças, ao trabalho infantil, mas sua parte punitiva se mostra excessivamente
39
complacente com menores que comentem crimes graves. O caso a seguir exemplifica de forma
bem clara a deficiência dessas leis:
Em 1999, Rogério da Silva Ribeiro matou o estudante de jornalismo Rodrigo
Damus, de 20 anos, três dias antes de completar 18 anos. Rogério planejou o assalto e o
executou com cumplicidade de mais três indivíduos, todos maiores de idade. O motivo era obter
dinheiro para realizar a sua festa de aniversário. Os três estão presos após terem sido
condenados à pena de 22 anos. Já Rogério, como ainda era menor de idade no dia do crime, foi
punido com medidas socioeducativas. Após um ano e oito meses de internação na Fundação
Casa, Rogério foi solto.
2.4.3. DELINQUÊNCIA JUVENIL (SERÁ QUE EXISTE SOLUÇÃO?)
Por tudo que foi exposto, não há dúvidas de que estamos diante de um grande dilema.
Como observamos a problemática do menor no Brasil não é de natureza jurídica, em grande
maioria é de natureza política e socioeconômica. A recuperação de adolescentes infratores, em
especial quando envolve a privação de liberdade, ainda é o maior ponto fraco da aplicação do
estatuto.
Nossa consciência coletiva está ficando cada vez mais perdida diante de tantos
acontecimentos bárbaros, fazendo com que a sociedade não saiba mais de que lado ficar, para
onde seguir. E, tudo isso, chegou nesse estágio porque os valores fundamentais, previstos na
Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente, estão desacreditados, afinal não
acontecem, parece que não existem.
No Brasil, as maiores cidades do país vivem tendo problemas com seus adolescentes
infratores. O que fazer quando criminosos perversos nesse país são menores de idade? Que
medidas podem ser tomadas para que a sociedade não fique à mercê de jovens de natureza tão
ruim? Reduzir a maioridade penal? Criar novas leis? Ou tentar uma melhor solução?
O Estado da Bahia provou que há solução, por exemplo: a comunidade de atendimento
socioeducativo CASE vem provando ser possível resolver o problema do menor que comete
delitos de uma forma criativa e eficiente. Os garotos recebem educação regular e frequentam
40
cursos de profissionalização de padaria, artefato de cimento, horticultura, informática, artes
gráficas e lapidação, além de atividades artísticas e esportivas.
Mantido pela secretaria do trabalho e ação da Bahia, com apoio de diversas entidades,
é um dos projetos brasileiros mais elogiados pela UNICEF. Os menores vivem em ambiente de
comunidade, em seis casas na sede da CASE, livres, mesmo em um espaço fechado. Dormem
em quartos com capacidade para três adolescentes e recebem tratamento médico e
odontológico. O ambiente e o tratamento em nada lembram a maioria dos explosivos presídios
para adolescentes infratores do Brasil.
É fundamental destacar que a redução da maioridade penal pouco contribui para a
diminuição da violência ocasionada por jovens perigosos, que são maus na sua essência. Os
jovens precisam e podem ser reeducados a qualquer tipo de medida socioeducativa. Contudo,
devemos avaliar a personalidade do infrator, a sua capacidade de entendimento dos seus atos,
os seus sentimentos e a gravidade do crime cometido. Isso levaria a se considerar cada caso
com sua justa individualização.
Os irreparáveis e incompatíveis com o convívio social devem ser rigorosamente
punidos como adultos. Caso contrário, só iremos amargar cada vez mais a infeliz certeza de que
eles não vão parar nunca.
2.5 Homicidas seriais
São indivíduos que cometem uma série de homicídios, com um intervalo entre eles,
durante meses ou anos, até que seja preso ou morto. As vítimas têm o mesmo perfil (prostitutas,
crianças, idosos) e mesma faixa etária, sexo, raça etc. As vítimas são escolhidas ao acaso
dentro desse perfil e mortas sem razão aparente, objeto da fantasia do homicida serial. São
criminosos que matam várias pessoas num período de horas, dias ou semanas, e não passa por
fases e se acalma até precisar matar novamente. Ele pode parar de matar tão rápido quanto
começou.
Para ser considerado um homicida serial é necessário que um assassino faça mais de
três vítimas e que se passe um intervalo de tempo mínimo entre um assassinato e outro. Esse
intervalo varia de acordo com o criminoso com o qual se está lidando, ele pode ser de dias,
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semanas, ou até meses. Quanto mais crimes ele comete, mais se afunda em sua fantasia,
portanto sente cada vez mais vontade de continuar matando. Por isso, um homicida serial
raramente deixa de matar. Na maioria das vezes ele prossegue com seus crimes até que seja
preso ou que morra.
Temos exemplos, como os casos da condessa húngara do século XVI, que adorava
tomar banho em sangue, pois acreditava que assim permaneceria com aspecto jovem. O
número estimado de moças assassinadas para levar a cabo 10 anos de tratamento de beleza
varia entre 40 e 600. Também há o caso de Alexander (Sasha) e Lyudmila Spesivtsev, que
atraía suas vítimas das ruas e estações de trem para sua casa, localizada na cidade de
Novokuznetsk, Sibéria, como crianças de rua, donas de uma aparência agressiva e adulta, mas
desesperadamente abandonadas, famintas e viciadas em cola. Crianças que, em geral, fugiram
de pais bêbados e violentos.
Spesivtsev matou no mínimo 19 crianças de rua, que ele via como detritos da
sociedade, como futuros viciados e prostitutas. Com a ajuda de sua mãe, Lyudmila, ele as
cozinhava e comia. Na prisão, gastou todo tempo sendo submetido a testes psiquiátricos e
escrevendo poesias sobre o demônio da democracia. A mãe internou-se em si mesma e não
emitiu uma palavra desde sua prisão.
O casal Fred e Rosemary foi acusado de matar 10 mulheres e jovens durante um
período de 16 anos, terminado em 1987. Eles gostavam de atrair fugitivas com oferecimento de
carona, alojamento ou trabalho de babá. Depois de dominadas dentro de sua “Casa dos
Horrores”, as meninas eram despidas, amarradas com fita adesiva, estupradas, torturadas e
depois mortas, desmembradas e enterradas. O casal foi preso em sua casa letal, onde foram
descobertos restos mortais também de sua filha de 16 anos.
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3 VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE
3.1 Violência
3.1.1. INTRODUÇÃO
A violência é praticada em diversos episódios. A ideologia autoritária privilegia a
manutenção da desigualdade econômico-social, na qual a ordem ocupa o lugar de destaque. A
crença cega nas autoridades e a edificação do Estado no Brasil seguiram os pressupostos
básicos do autoritarismo que, historicamente, utilizou estratégias de ordenação, racionalização e
exclusão, sobretudo dos pobres, para a edificação de um modelo dominador e agregado das
tensões sociais.
A institucionalização de mecanismos repressivos sobre as camadas excluídas vem de
longa data no Brasil, exemplo disso é a violência do passado, que tinha como última finalidade
do Estado proteger-se por meio de perseguição aos indivíduos indesejáveis, que ameaçavam a
sua segurança. Assim, os hereges foram identificados e punidos como inimigos e criminosos.
Depois, os negros, os índios e os pobres em geral forma culpabilizados como
inferiores, sofrendo penas severas. Os maus-tratos contra os escravos no Brasil mostram que,
para se discutir a violência brasileira, é necessário olhar mais amplamente a nossa história.
Buscar respostas em nosso passado talvez nos leve a entender situações vivenciadas no dia a
dia da maioria da população.
Foi criado, a partir dessa mentalidade excludente, estigmas de cor, religião, raça e
diferenciação social, que absorvidos pela população moldaram um contexto de autoritarismo,
que faz parte da personalidade de todo brasileiro, infelizmente, até os dias atuais. Nossa
sociedade, constantemente envolta por problemas sociais e econômicos, ressente-se de traços
de solidariedade e do referencial de cidadania.
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Cidadania é entendida apenas como direito ao voto e à participação política. Repensar
a participação política e a cidadania está na raiz da discussão da violência no Brasil. Dessa
forma, a violência não é um fenômeno recente. Na nossa história, atos extremamente violentos,
em que muitas das vezes ocorreu a coação da pessoa, foram encabeçados pelo Estado ou
tiveram o seu consentimento. A violência também está presente na vida privada. Estamos
falando da violência doméstica, contra criança e contra a mulher, resultante em maior parte da
incompreensão, falta de diálogo, crise conjugal e situação financeira difícil.
A violência contra a mulher também revela preconceitos que foram se construindo
historicamente, na medida em que o poder passou a ser símbolo de força e frieza. A mulher,
representada a partir de modelos de fragilidade, esteve à margem da participação política e
pública, situação que não se sustenta mais em nossa sociedade atual. A nossa meta a seguir é
discutir questões sobre violência que estão ligadas à criminalidade.
3.1.2 CONCEITO DE VIOLÊNCIA
O termo deriva do latim violentia, ou seja, força ou vigor contra qualquer coisa ou ente.
Dessa forma, violência é o uso da força que resulta ferimentos, tortura ou morte, ou o uso de
palavras ou ações que machucam as pessoas ou, ainda, abuso do poder. A violência é
característica do animal humano, faz parte dele, provém do instinto. Porém, após o longo
processo de civilização do ser humano, conseguimos atenuar o nível de violência do homem,
classificando-o como civilizado.
Civilizado significa capaz de conviver em harmonia com outro ser humano. Para
àqueles incapazes de conviver em harmonia criamos a segregação, ou seja, separação do ser
humano impossibilitado de ser civilizado. Essa solução é o ápice ao qual chegamos para a
solução do problema atualmente, pelo menos do ponto de vista da aprovação social. Segundo o
Dicionário Aurélio, violência “é a ação ou efeito de violentar, de empregar força física, contra
alguém ou algo, ou ainda, intimidação moral contra alguém”.
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Para a comunidade internacional de Direitos Humanos:
A violência é compreendida como todas as violações dos direitos civis, como
a vida, a propriedade, a liberdade de ir e vir, de consciência e de culto.
Políticos, como o direito a votar e a ser votado, ter participação política.
Sociais, como habitação, saúde, educação, segurança. Econômicos, como
emprego e salário. Culturais, como o direito de manter e manifestar sua
própria cultura.
Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como “a imposição de um
grau significativo de dor e sofrimento evitáveis”. Mas especialistas afirmam que o conceito é
muito mais amplo e ambíguo do que essa mera constatação de que a violência é a imposição de
dor, a agressão cometida por uma pessoa contra outra; mesmo porque a dor é um conceito
muito difícil de ser definido.
Violência é um comportamento que causa dano a outra pessoa, ser vivo ou objeto.
Invade a autonomia, integridade física ou psicológica e mesmo a vida de outro. Diferencia-se de
força, palavras que costumam estar próximas na língua e pensamento cotidiano. Enquanto força
designa, em sua acepção filosófica, a energia ou firmeza de algo, a violência caracteriza-se pela
ação corrupta, impaciente e baseada na ira, que não convence ou busca convencer o outro,
simplesmente o agride.
Sendo assim, a violência é um dos temas mais avassaladores, dentre tantos quantos
assaltam nossa preocupação quotidiana, tanto nas ruas e nos campos quanto nas rodovias e
nas cidades. Violência dolosa, violência culposa, violência preterintencional. Violência é o uso
abusivo ou injusto do poder, assim como o uso da força que resulta em ferimentos, sofrimento,
tortura ou morte.
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3.1.3 VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE
Existe uma grande diferença entre violência e criminalidade, pois há crimes que não
são cometidos com violência física e existem atos violentos que não constituem crime, por
exemplo, Luta de Box, Karatê, esportes com golpes violentos que muitas vezes fraturam ou
provocam cortes, mas que não são considerados crimes. Já uma briga de rua tem caráter
violento e se trata de um crime. A violência e criminalidade não são sinônimas. Enquanto a
violência é constrangimento físico ou moral, a criminalidade é a expressão dada pelo conjunto de
infrações que são produzidas em um tempo e lugar determinado, é o conjunto dos crimes.
Quando matematizada objetiva o índice de criminalidade, por exemplo: a escalada
semanal da violência começa na sexta-feira à noite, atingindo o ápice no domingo. Na época do
verão a violência cresce e, consequentemente, os índices de criminalidade aumentam, porque
as pessoas saem mais de casa. Por isso o verão é clima de risco. Então, a criminalidade é o
resultado da violência. Claro que robustecida pela agressividade, sendo essa uma disposição
para o desencadeamento de condutas hostis, destrutivas. E o comércio de drogas está
grandemente por trás disso.
O que vemos também é que há uma guerrilha urbana contra a comunidade e o Estado,
que se caracteriza, por exemplo, por meio de assalto a banco, rapto de pessoas influentes e
mesmo um sequestro relâmpago (tipo de crime em que, sob a mira de uma arma, a vítima, posta
em obediência inquestionável, é rendida e tem seu dinheiro sacado, mediante seu próprio cartão
magnético, em favor do marginal).
Em virtude disso tudo, as grandes cidades estão se tornando um amontoado de
pequenos castelos murados, isto é, mora-se em prisões. O crime evolui com o tempo e a
tecnologia tem auxiliado os marginais e modernizado as condições para a ação delitiva.
Portanto, a tecnologia interfere negativamente na segurança pessoal, robustecendo a
criminalidade, a exemplo da internet na pedofilia.
O aumento da violência e criminalidade é um fenômeno social complexo, do qual ainda
não detemos conhecimento suficiente para identificar com precisão seus fatores, mas sabemos
que existem vários. Afirmamos isso, porque inúmeros casos de violência nem sequer chegam a
serem comunicados às autoridades, de modo que as estatísticas não podem ser consideradas
confiáveis.
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Dessa forma, diante da omissão do Estado surgiram as organizações não
governamentais (ONGs), ligadas a movimentos sociais e a questões relevantes do
desenvolvimento humano. As ONGs vinculadas ao combate e prevenção à violência atuam
diretamente no seio da população, desenvolvendo projetos na escola e nas comunidades,
instaurando nas pessoas o senso de cidadania. O ambiente escolar é o mais propício para a
disseminação de informações porque os jovens levarão seus conhecimentos aos adultos de sua
família, de forma que a semente da cidadania brotará na família toda.
O Estado tem falhado no controle e repressão da violência e a prevenção tem advindo
da própria sociedade organizada. Nesse cenário, a impunidade corrói a estrutura do poder
constituído, taxando-o de incapaz. A população sem perspectiva cede a qualquer proposta
aparentemente de fácil aplicabilidade e que propicie bons resultados, como a pena de morte e a
prisão perpétua.
3.1.4. AGRESSIVIDADE (CONDUTA VIOLENTA)
Atos de destruição e violência acompanham o processo civilizatório desde os albores.
As tentativas de manutenção da paz fundamentaram-se na agressividade ou no temor de
destruição. A agressividade e a violência têm merecido estudos de cientistas sociais, médicos,
psiquiatras e biólogos. Cada um em seu campo vem procurando, por meio de pesquisas, chegar
a uma teoria básica capaz de elucidar o centro de irradiação, o polo nuclear, a causa, enfim, do
comportamento agressivo.
No domínio das Ciências Sociais, a análise tem-se voltado para as dimensões
ecológicas do comportamento. A violência tem sido associada à agressividade como uma de
suas formas de expressão. A agressão apresenta-se sob diversos formatos, individual ou
coletivo, explícito ou sublimado, físico ou psíquico. A cultura desempenha importante função nas
transformações dos impulsos agressivos, modificando-os, orientando-os ou inibindo-os.
No ato violento, na crueldade e no uso da força, o aspecto jurídico é definido como
sendo o constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à
vontade de outrem, isto é, coação. O ser humano nasce violento ou é o ambiente, o meio que o
torna com essa característica, contrária ao direito e à justiça? A violência e a agressividade são
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uma manifestação do medo e da ignorância do ser humano. Sempre tem sido assim desde os
primórdios.
3.2 Fatores que causam violência
Sabemos que são múltiplas as causas da violência, incluindo, de um modo bem
simplista e didático, gene, cérebro, drogas, indicadores socioeconômicos e até mesmo
programação televisiva. Quando falamos em televisão, bem sabemos que é ela muito útil, mas
não é preciso engolir tudo o que nela se vê. É preciso selecionar o que é facilitado por um
simples apertar de botão do controle remoto, aliado à tomada de consciência do que é bom e
não simplesmente prazeroso.
Com isso a televisão, apesar de ter o que presta, também tem o que não presta, como
palavrões, violência, sexo, etc. Em um canal fechado, por exemplo, a escolha é farta,
propiciando excelentes programas que falam da natureza, do meio ambiente, da história, da
ciência, ou seja, há um grande leque de boas opções. Esses canais não dependem do Ibope,
por isso escapam do que os outros não conseguem escapar.
O Ibope está ligado aos índices de público, em canal aberto e, por isso mesmo, à
venda do comercial, que não está obrigatoriamente adstrito aos bons programas. O ser humano
é naturalmente sádico, por isso a violência na televisão faz mal. No olhar, a pessoa começa a se
acostumar e deixar de ficar horrorizada com a violência, que acaba tornando-se natural. Muitas
das reações não são exatamente pensadas, podendo levar o indivíduo a reagir de forma
semelhante ao que viu anteriormente na televisão.
Assim, nesse módulo, vamos indagar toda a causalidade da violência e as possíveis
soluções. Isso ajuda a entender melhor a crueldade e poderá nos ajudar não só a viver, mas a
existir e conviver melhor, pois é para isso que ela existe. Com esperança de que no futuro as
coisas melhorem.
O tema violência voltou a ocupar amplo espaço na mídia brasileira e internacional nos
últimos tempos, seja em decorrência do aumento da violência urbana, seja por causa dos
atentados terroristas contra os EUA. Os fatores que geram a violência no Brasil, e em várias
nações mundiais, são dos mais diversos modelos, havendo situações em que a violência é uma
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marca que vem sangrando há gerações, como o racismo, o conflito de religiões, diferentes
culturas. E há casos nos quais ela é gerada de forma pessoal, a própria pessoa constrói fatores
que acabam resultando em situações violentas, como o desrespeito, o uso de drogas e a
ambição.
Nos últimos anos, a sociedade brasileira entrou no grupo das sociedades mais
violentas do mundo. Hoje, o país tem altíssimos índices de violência, tal como àquelas
praticadas nas ruas, resultando em assaltos, sequestros, etc., a violência doméstica e a violência
contra a mulher, que em geral é praticada pelo marido, namorado ou ex-companheiro. Temos,
ainda, como causa da violência, o desrespeito, a prepotência, crises de raiva causadas por
fracassos e frustrações, crises mentais, como loucura consequente de anomalias patológicas
que, em geral, são casos raros.
Poderíamos dizer também que uma das causas da violência seria o desemprego, a
fome, viver em favelas, o crime organizado, a omissão do poder público, a pobreza, a
desigualdade social, etc. Enfim, são várias as causas que contribuem para esse cenário. A
questão que precisamos descobrir é porque os índices de violência aumentaram tanto nos
últimos anos. Onde estaria a raiz do problema? Como minimizar a escalada da violência?
Investir na educação, gerar empregos, criar e investir em políticas públicas, selecionar, treinar,
remunerar melhor os policiais ou aumentar os números de policiais?
Sabemos que o ser humano, em geral, não comete violência sem motivo. Quando um
cidadão agride o outro, ou mata, normalmente o faz em função de alguma situação que
considerou desrespeitosa, mesmo que a questão inicial tenha sido banal, como um simples
empurrão ou até mesmo um palavrão pode se transformar em desrespeito e produzir violência.
Assim, o desrespeito pode ser causador de violência, pois acumula tensões nervosas
nas pessoas que, mais tarde, explodem sob a forma de agressão. Se o desrespeito é a causa,
podemos então combater a violência diminuindo os diferentes tipos de desrespeito, seja o
desrespeito econômico, social, conjugal e familiar. E, ainda, podar o excesso de liberdades,
principalmente na TV e no sistema educativo do país, pois a vulgaridade praticada nos últimos
anos vem destruindo valores morais e tornando as pessoas irresponsáveis, imprudentes,
desrespeitadoras e inconsequentes.
Precisamos restabelecer a punição infanto-juvenil, tanto em casa quanto na escola.
Isto é, educar nossos adolescentes com mais realismo e seriedade para mantê-los longe de
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problemas, fracassos, marginalidade e violência. Sabemos também que a educação básica é
considerada, de forma quase unânime, como a principal responsável pela pobreza e
desigualdade social no Brasil. Diante disso, precisamos melhorar e muito a nossa educação.
Podemos citar como causa da violência o grande número de pessoas que acabam
buscando refúgio sob viadutos, nas galerias de edifícios e embaixo de marquises, sendo um
caminho fácil à prática criminosa, inclusive por parte dos menores, que vivem sob essas
condições.
O consumismo representa outro fator criminógeno, são os chamados estímulos
publicitários da sociedade capitalista, que têm como único objetivo o lucro individual, sem que
importem os meios empregados e as consequências que daí possa advir. Temos produtos
supérfluos e nocivos à saúde, sem qualquer controle por parte das autoridades públicas, como,
por exemplo, a publicidade insidiosa em torno das bebidas alcoólicas e até o oferecimento nos
supermercados.
3.3. Formas de violência
O homem moderno vive cercado de violência, principalmente a que vem dos meios de
comunicação, como a televisão, que adentra os lares influindo na formação das crianças e
mesmo no comportamento dos adultos. Existe também violência no campo administrativo,
quando há uso indevido do dinheiro público, que não é destinado a obras assistenciais e
prioritárias, mas sim desviado para propagandas do governo que anunciam obras que, apesar de
supervalorizadas, acabam nem sendo concluídas.
Por outro lado, há a violência criminosa, na forma de assaltos frequentes, tráfico de
drogas, tortura e assassinatos. As leis existentes nunca punem suficientemente os criminosos e,
quando isso acontece, eles nem chegam a cumprir as penas, beneficiados por omissão e
indiferença dos próprios legisladores, que nada fazem para mudar esse quadro. Enfim, existem
muitas formas de violência, que vêm degradando os costumes e denegrindo nossa imagem no
exterior, contribuindo para o descrédito de nossas instituições e solapando os valores sociais. A
seguir abordaremos algumas formas de violência, ainda que superficialmente.
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3.3.1. VIOLÊNCIA CRIMINOSA
A prática de crimes em nosso país tem sido corriqueira, diária, incontrolável e
impunível. Praticam-se pequenas ou grandes infrações sem nenhum temor, já que a impunidade
é uma constante em nosso sistema judiciário. Isso sem falar nos chamados desvios de conduta,
inclusive por parte dos próprios profissionais mais liberais.
Os governantes têm sido indiferentes à ocorrência de crimes, parecendo-lhes até
natural o quadro existente. Os fatos se agravam de tal maneira que os crimes graves também
deixam de ser punidos, estimulando a criminalidade violenta que, juntamente com a morosidade
da justiça, contribuem muito para o descrédito da população.
Ninguém se sente seguro em um país em que o perigo é mostrado diariamente pela
imprensa escrita, falada e televisionada, com pessoas sendo vítimas indefesas de crimes nas
ruas públicas. A insensibilidade da população diante de crimes públicos é outro fator que
contribui para o aumento dessa violência criminosa.
3.3.2. VIOLÊNCIA INSTITUCIONALIZADA
As nossas leis são, em regra, mal feitas, mal elaboradas e instituídas sem qualquer
discussão. Por isso mesmo, não chegam a ser aplicadas, pois se ressentem de vícios de origem.
Os nossos legislativos, integrados por homens sem formações e sem escrúpulos, salvo
raríssimas exceções, comportam-se de maneira violenta contra o povo, ao atuarem conforme as
conveniências momentâneas e em função de privilégios de certos grupos de pessoas.
Nossa Constituição já nasceu predestinada a uma revisão para cinco anos após sua
promulgação (art. 3° das Disposições Transitórias). As tentativas de revisão constitucional
constituíram um verdadeiro fracasso, com correntes bastante antagônicas, alimentadas por
grupos econômicos e sindicais que não pouparam violência nas suas manifestações dentro e
fora das casas legislativas, numa demonstração clara de falta de patriotismo.
51
Se as leis feitas padecem de graves defeitos, principalmente na esfera penal, que são
estímulos à criminalidade crescente e violenta, a sua aplicação pelo Judiciário também constitui
em desserviço à causa pública, pois a morosidade da justiça, além de decisões que só
beneficiam políticos e corruptos, tem levado a população ao descrédito dos seus juízes.
Também o Ministério Público, que deveria por princípio ser uma instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, sempre atenta à defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais, conforme o art. 127 da CF está
comprometido seriamente com a política partidária de muitos de seus membros, o que também
precisa ser vedado de modo absoluto em favor da própria instituição e da sociedade.
O Executivo, por sua vez, gasta somas fabulosas em obras faraônicas e em
propaganda, enquanto as prioridades, como saúde, educação, assistência à infância continuam
relegadas. Isso é violência institucional, que nos degrada, oprime e nos enche de desânimo e
desesperança.
3.3.3. A VIOLÊNCIA POLICIAL
A função da polícia, seja civil ou militar, é extremamente delicada, já que o policial
enfrenta diretamente os problemas que lhe surgem, devendo tomar decisões de plano, sem
qualquer possibilidade de exame ou estudo da questão. O policial se depara com o caso
concreto e tem de resolvê-lo na hora e da melhor maneira possível, o que lhe exige bom-senso,
equilíbrio, ponderação, energia e disposição. Ainda que esteja também sujeito a erros, pelo
número de diligências efetuadas até que não decepciona muito.
Quando se fala em violência policial deve-se ter a cautela de verificar que, se ela
existe, deve ser atribuída a uma minoria insignificante em meio ao grande número de policiais
existentes, tanto na polícia civil como na militar, que é muito mais numerosa. Alguns policiais
abusam de suas funções. Existem àqueles violentos, truculentos e até mesmo criminosos, mas
cumpre aos chefes da corporação puni-los com severidade para que os maus exemplos não
frutifiquem. O que não é admissível é que esses “elementos” continuem trabalhando e expondo
sua corporação a críticas indevidas, por mera omissão de seus superiores. Temos que combater
a violência de alguns policiais maus e desonestos.
52
3.3.4. Violência política
Vemos os nossos políticos aspirando ao poder, impondo suas ideias e programas por
meio de métodos pouco honestos e convincentes. A verdadeira política deveria ter como fim
primordial o bem público, mas isso não ocorre em nosso país. Interesses pessoais, de grupos
econômicos ou de partidos são colocados sempre em primeiro lugar, o que é uma violência
contra o povo.
A violência política manifesta-se claramente, não só no Congresso Nacional, onde as
disputas partidárias são evidentes, mas também na distribuição de verbas para entidades
fantasmas e nas negociações partidárias escusas e contrárias aos interesses nacionais. Essa
forma de violência se torna mais acintosa nas programações de televisão custeadas pelo
Estado, em que os políticos conhecidos por sua desonestidade procuram vender uma imagem
que não possuem, já que o povo está cansado de saber dos seus antecedentes.
Mesmo assim há políticos que, aproveitando-se dessas facilidades proporcionadas
pelo erário público, insistem em aparecer e falar. A violência está também na falta de trabalho,
pois enquanto deveriam ser feitas as leis que o país tanto precisa, continuam a ser discutidas
questões de pouco interesse. A cada ano existe novo assunto que toma conta dos debates
políticos, sem que as questões vitais sejam realmente discutidas.
Não deixa de ser também uma violência política o número de assessores mantidos
pelos parlamentares, o que faz do Congresso um logradouro de excesso de funcionalismo.
Muitos desses assessores nunca saíram de suas cidades e nunca trabalharam, apesar de
receberem mensalmente seus vencimentos.
3.3.5. VIOLENCIA DAS DROGAS
O mundo vem sendo perturbado cada vez mais pelo tráfico de drogas, que tem feito
vítimas frequentes, principalmente entre os jovens, que são a presa mais fácil dos traficantes. O
crime de tráfico de drogas em nossa legislação é equiparado aos crimes hediondos. Embora
53
punido com benignidade, tem preocupado as autoridades e recebido a devida atenção, ainda
que não tenha diminuído. Ao contrário, o uso de drogas tem aumentado consideravelmente,
fazendo inúmeras vítimas e propiciando altos ganhos. Como se sabe, é um comércio altamente
rendoso.
Dessa forma, a violência causada pelas drogas e pelo álcool está intimamente ligada à
criminalidade, além do mal causado à saúde da própria pessoa. As drogas causam desequilíbrio
da personalidade, perturbam e alteram a capacidade de entendimento, insuflando a
agressividade e levando as pessoas à prática dos mais diversos crimes, sendo alguns tão
bárbaros e cruéis que só encontram justificativas na anormalidade psíquica de seus agentes. A
criminalidade está associada ao uso abusivo e indevido de drogas, que conduz à violência do
assassínio em virtude da disputa desse negócio ilícito e proibido.
3.3.6. VIOLAÇÃO URBANA
A violência urbana é fato público e notório. Na realidade, atingiu patamares
vergonhosos e insuportáveis, gerando sentimentos de insegurança generalizados e sem
precedentes, que atinge cidadão, moradias, escolas, hospitais e o comércio em geral. Nunca os
assaltantes agiram com tanta ousadia e desenvoltura como na última década. A violência urbana
é uma das maiores causas de morte e sequelas em todo o mundo. Depois das doenças do
aparelho respiratório, as causas exteriores da violência urbana configuram o segundo grupo de
causa mortis.
Quando se fala em violência urbana não devemos relacionar o fato apenas à polícia,
como segurança e prevenção. Há que se lembrar também, e acima de tudo, que os aspectos
nevrálgicos, os mais dolorosos da violência urbana acham-se presente nos serviços de
atendimento de emergência dos hospitais, pronto-socorros e institutos médico-legais. Por isso
mesmo, resta perguntar se a violência urbana é questão só de segurança pública ou também de
saúde pública?
A violência urbana está a dizer algo além do mero crime. Isto é, diz respeito à mudança
de hábitos cotidianos, à exacerbação de conflitos sociais, à adoção de soluções que desafiam o
exercício democrático do poder, à demarcação de novas fronteiras sociais, ao esquadrinhamento
54
de novos espaços de realização pessoal e social, ao sentimento de desordem e caos que se
espelha na ausência de justiça social. Não compreende apenas os crimes, mas todo o efeito que
provoca sobre as pessoas e as regras de convívio na cidade.
A violência urbana interfere no tecido social, prejudica a qualidade das relações
sociais, corrói a qualidade de vida das pessoas. Enfim, a crise de insegurança é geral, atingindo
pobres, ricos, adultos, crianças, trabalhadores, donas de casa. A causa dessa violência urbana
não é somente a miséria, a fome, a pobreza, a falta de moradia ou de investimento na educação,
mas a omissão do Estado (União, Estados e municípios) na seleção, treinamento, remuneração
dos policiais e aumento de seus efetivos.
O tráfico cresceu e ganhou status de negócio, suscitando disputas armadas, guerras
particulares de gangues pelo controle dos pontos de maior lucratividade e investimentos muito
maiores em armamentos eficazes para sustentar a guerra. O combate à violência urbana não
depende somente de medidas sociais, porque ela não é promovida pelos pobres,
desempregados, muito menos pelos favelados. No comando está o crime organizado, quadrilhas
de traficantes e armas, que na ausência do Estado ocuparam os espaços deixados e formaram
um verdadeiro poder paralelo.
A organização é tão forte que muitos chefões continuam no comando mesmo depois
de presos. Esse poder paralelo é mais forte do que admitem as autoridades policiais, não sendo
suficiente para enfrentá-lo a mera criação de um gabinete de gestão pelo Secretário de
Segurança Pública.
É necessária, urgentemente, a valorização dos bons policiais, melhoria das condições
de trabalho dos mesmos, a mudança no estatuto das polícias, reposição do efetivo (que não vem
sendo feita) e a criação de novos métodos de treinamento e reciclagem de grande parte do
efetivo. Os corruptos precisam ser substituídos por bons policiais o mais rápido possível.
Igualmente, é preciso uma ação integrada da União, Estados e Municípios, planejada e
duradoura, pois não haverá reconquistas dos espaços perdidos, muito menos da segurança que
todos almejamos.
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3.4 Violência, medo e insegurança
Como a violência afeta a mente e a vida de todos nós, um dos efeitos mais cruéis da
violência é o medo que se espalha entre as pessoas, sendo a insegurança uma das principais
causas de transtorno mental. Dessa forma, analisaremos os sentimentos de medo e insegurança
diante dos fatos violentos, medo e segregação social.
A violência é um problema presente em nossa rotina diária. É fato público e notório,
que atingiu patamares vergonhosos e insuportáveis, gerando um sentimento de insegurança que
atinge cidadãos, escolas, moradias, hospitais e comércios em geral. Cada um, particularmente,
tem uma história a ser contada. Uns já foram vítima de furto dentro do transporte coletivo ou
assaltados em via pública, outros tiveram sua residência arrombada, seu veículo particular
furtado e encontrado, alguns dias depois, completamente transfigurado: sem motor, sem pneus,
sem aparelho de som, etc.
Quando a pessoa não foi protagonista imediata desses fatos, pelo menos ouviu falar
de fatos semelhantes ocorridos com um vizinho, um parente, uma personalidade pública, que se
torna familiar devido à proximidade no tempo e no espaço que a imprensa escrita e mídia
eletrônica nos proporcionam. Há também àqueles cujas histórias são dramáticas. Viveram
durante certo tempo, por vezes até muito longo, com a vida suspensa, submetidos a maus-
tratos, confinados em cubículos, sem poder ver, ouvir ou falar. Outros, após permanecerem em
um cativeiro, acabam libertados, desfecho que resulta de tensas negociações entre a família e
os sequestradores. Nem todos, porém, têm o mesmo desfecho, culminando na morte da vítima.
Muitos brasileiros acreditam, não sem motivos, que a agressão criminal é hoje mais
frequente e grave do que no passado. Os atos de violência, em qualquer de suas formas, desde
a coletiva, como é o caso da guerra, dos atentados, das violações de direitos, etc., até a
violência individualizada, como os assaltos, os estupros, a tortura, podem ser comparados a uma
espécie de câncer da alma. A violência está dentro do indivíduo e ele procura meios para
exteriorizá-la, independe de classe e condição social, trata-se de algo interno. Isso se transforma
em motivo para atacar homossexuais, prostitutas, empregadas domésticas, torcidas rivais e por
aí vai.
Como podemos observar, a violência tem sido o principal problema mundial. Em todos
os países do globo é perceptível a preocupação governamental com a segurança interna e
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externa dos países, mormente após os ataques de 11 de setembro, quando o World Trade
Center sucumbiu após a colisão de duas aeronaves conduzidas por terroristas, deixando
sequelas psicológicas no povo americano e trazendo a sensação de insegurança,
vulnerabilidade e impotência.
O medo é uma sensação incômoda para a maioria dos indivíduos. Se durante o dia
tememos ser vítimas de assaltos e agressões sem que haja agentes de segurança nas vias
públicas para a devida proteção legal, durante a noite ninguém nos grandes centros sequer quer
se arriscar a sair de casa. A insegurança, o medo e a desproteção não existem somente nas vias
públicas, mesmo em casa ninguém se sente seguro em virtude dos assaltos constantes, o que
desmente nossos governantes quando dizem que estão investindo altas verbas na segurança
pública.
Existem vários fatores que contribuem para potencializar o medo do crime, tais como:
residir em uma cidade violenta, já ter sido vítima de algum crime, isolamento social, etc. Embora
nos dicionários especializados de Sociologia e Ciência Política não haja definições, pode-se
dizer que, no domínio das Ciências Sociais e Humanas, esse sentimento traduz reações de
retraimento, individual ou coletivo, diante de fatos, acontecimentos, situações ou contextos
percebidos como ameaças ou agressões à integridade física, psíquica ou moral dos seres
humanos, ao patrimônio privado ou público, à identidade dos grupos sociais, aos bens coletivos
protegidos pelas leis, aos valores tidos como sagrados e dignos de respeito em comunidades e
sociedades.
Medo é definido no Dicionário Aurélio como “o sentimento de grande inquietação ante
a noção de um perigo real ou imaginário, de uma ameaça, susto, pavor, temor, receio”. O medo
pode matar e isso não é nenhuma novidade na medicina. A ansiedade, que é a versão civilizada
do medo, também mata. Sentimos saudades do tempo em que se podiam deixar as janelas
abertas e portas destrancadas, as crianças brincavam nas calçadas e praças sem qualquer
constrangimento que não fosse àquele decorrente das imposições de seus pais, namorava-se
despreocupadamente à porta de entrada de residências e edifícios de moradias sem o risco de
ser importunado por eventuais agressores criminais, circulava-se a pé, pelas ruas, à noite, com
certa tranquilidade.
Além do mais, havia a rádio patrulha, cuja ronda noturna assegurava sonos
ininterruptos e o sonho de uma vida cotidiana, se não feliz ao menos um pouco mais livre do
sobressalto inesperado da ofensa criminal. Naquela época a polícia era uma instituição confiável,
57
portadora de autoridade e moral. Hoje, vivemos em uma terra sem lei ou onde a lei se funda no
emprego da força física, que desconhece limites.
As pessoas se fecham em suas casas, se protegem com grades e muros,
enclausuradas em condomínios, adquirem sistemas de segurança pessoal e seguros de toda
espécie, achando que assim estão contribuindo para reduzir as taxas de violência. Outras
procuram viver no anonimato, evitam circular nas zonas de perigo, andam acompanhadas,
dirigem com os vidros de seus carros cerrados e não conferem atenção a desconhecidos.
Algumas se armam, ao menor sinal de perigo, e a apontam, chegando a acioná-las. Nesse clima
de convivência social não há solidariedade que se sustente. Ninguém se sente estimulado a
socorrer quem quer que se encontre em situação de risco.
Os medos dominantes na história das sociedades que existiram no passado não são
idênticos aos medos que hoje predominam nas modernas sociedades urbano-industriais. As
reações também variam diante das revoluções, das guerras ou de processos de comoção ou
crise social em face das catástrofes, dos desastres, dos ciclos agudos de fome e miséria, das
ondas de crime e de violência interpessoal ou ainda durante abruptos processos de mudança
social, cujo significado e direção escapam da compreensão dos indivíduos neles envolvidos.
Os sentimentos de medo são compartilhados coletivamente, as reações
individualizadas podem ser de intensidade e alcances diferenciados. Diante das mesmas
ameaças, alguns poderão reagir com manifestações de dor e sofrimento, outros com silêncio,
outros ainda com violência e agressão. Por fim, se as reações têm origem subjetiva, nascem
sentimentos tão profundos no indivíduo que parecem não ser compartilhados com nenhum outro
ser humano. Tendem a ser tornar comportamentos padronizados e objetivos, em uma sociedade
determinada e em momento igualmente certo de sua história, traduzindo a disseminação de
preconceitos contra pessoas ou grupos responsabilizados pelas ameaças ou potenciais
agressões.
O medo não é independente das suas formas de comunicação e de circulação. Circula
por intermédio de gestos, expressões corporais, imagens, símbolos, rituais, textos diversos.
Essas formas estão encarnadas em estórias contadas de geração em geração, falas sobre fatos
e acontecimentos, rumores, depoimentos, testemunhos.
Não raro, também contribuem para potencializar a insegurança e reproduzir a violência
que traz subjacente às narrativas. Como exemplo, temos a narrativa, boca a boca, transmitida
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entre os povos nativos e colonizadores das Américas, no início do século XIX (1791), quando os
negros escravizados revoltados assassinaram impiedosamente parcelas substantivas da classe
proprietária.
Rapidamente disseminou-se por toda a América, Central e Sul, sentimentos de pânico
e terror, que reforçaram os controles repressivos dos brancos contra os revoltosos para evitar a
repetição daqueles fatos. Esses acontecimentos aparecem narrados, aqui e acolá, na literatura
ou no jornalismo em países como Brasil, Argentina e outros.
Os primeiros estudos sobre o medo relacionado à violência criminal surgiram na
década de 1960, nos Estados Unidos, em decorrência da explicação dada pelas pessoas de que
seus medos estariam associados à criminalidade. Incentivados pelo governo, esses estudos
tentavam demonstrar a veracidade dessa relação. Um marco foi a Comissão Katzenback, de
1967, ou Comissão Presidencial, que reclamava da falta de estudos sobre o medo do crime.
As transformações sociais causadoras do medo e da insegurança também foram
postas em evidência por pesquisadores brasileiros nas décadas de 1980 e 1990. Como lidar com
o medo nosso de cada dia? Qual seria a solução? O mais correto seria a busca contínua da
educação e do autoconhecimento? Solução seria em investimento em repressão policial e
policiamento ostensivo? É a melhor saída? Como solução haveria o ataque à má distribuição de
renda e ao desemprego? Estariam corretas porque ambas são fonte de redução de
criminalidade.
Sabemos que, como sempre, isso não vai dar em nada, pois há muita gente envolvida
nesse lado podre da polícia. Correto é que precisamos de reformulação da segurança no país,
de forma imediata, a começar pela maneira como a violência é encara pelas autoridades. A
população precisa sentir que há ordem instituída, que não está à mercê de grupos criminosos,
sendo urgente acabar com essas quadrilhas de criminosos que ameaçam o poder instituído.
Se o cidadão sentir que há ordem em sua cidade será consequência o desarmamento
progressivo. O Estado tem o dever de administrar a insegurança existente e ela sempre irá
existir, de modo a propiciar ao cidadão o mínimo de dignidade humana quando for à rua ou ao
trabalho. Não podemos aguardar a solução dos problemas sociais brasileiros para alcançar um
patamar razoável de segurança.
Faz parte da responsabilidade do Estado reprimir a violência e a repressão policial é a
única forma conhecida de viabilizar a convivência pacífica no modelo democrático. A polícia é a
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instituição criada pelo homem para desempenhar o papel de guardião da sociedade na questão
segurança. A força policial deve ser um instrumento de controle da criminalidade a serviço da
sociedade e por ela constantemente vigiada para que os direitos civis e humanos sejam
respeitados. A violência deve ser coibida pela polícia e não por ela praticada sob o pretexto de
reprimir a violência.
A inexistência ou fracasso da polícia é um fator relevante para o aumento da
criminalidade, vez que fica a sensação de impunidade e de falta de controle social. É nesse
ponto que está a maior falha nas políticas públicas de segurança. Somente a polícia preparada
para o tipo de criminalidade peculiar de cada local é capaz de reprimir eficazmente a violência.
Diante disso tudo é fácil perceber que o fator social não é o único criador de violência e
criminalidade. Enfim, existem várias outras formas de violência que não foram abordadas nesse
capítulo, como àquela contra a criança, no trânsito, na educação, no esporte, etc.
3.5 Somos todos violentos
A verdade é que todos se queixam da violência do próximo, mas poucos procuram
conter a sua própria.
Na família, quantas vezes não praticamos certos atos contra o cônjuge ou nossos
filhos que não deixam de ser formas sutis de violência, já que ofendem, desgostam e
aborrecem? No trabalho também estamos sujeitos a certa agressividade com colegas, de
maneira ostensiva ou velada, ou até mesmo por meio de comentários maldosos e inverídicos
referentes à pessoa de nossos superiores que, por não podermos atingir diretamente, o fazemos
de forma indireta. Por sua vez, sabe-se de casos de superiores ou chefes muitas vezes
tomam atitudes desrespeitosas para com suas secretárias, molestando-as de tal forma que as
obrigam a pedir demissão mesmo necessitando do emprego. No trânsito, como motoristas, nota-
se cidadão que deixa de acatar regras mínimas de circulação, colocando em risco a segurança
das demais pessoas. Pessoas agressivas, sem paciência no trânsito, que por uma
ultrapassagem até matam.
É por isso que o nosso trânsito é o mais violento do mundo, pelo índice de acidentes
com vítimas fatais ou incapacitadas pelo resto da vida. Graças à educação, no seu sentido mais
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amplo e profundo, como conjunto de conhecimentos, de modelos de conduta, princípios, normas
e valores, é que por intermédio de introjeção e da identificação vai ser plasmada a expressão
social e volitiva da personalidade, ou seja, o caráter da pessoa.
Por isso mesmo, durante a puberdade, em que predomina a vida instintivo-emocional,
se a educação liberta o excesso de tendências instintivas, o jovem corre o perigo das reações
antissociais, das práticas inconvenientes e dos devaneios voluptuosos. A educação deve mostrar
ao jovem que a moral, que estabelece as regras que devem reger a conduta individual e social,
não é um código de proibições, mas, ao contrário, uma doutrina destinada a tornar os homens
melhores.
Se todos nós temos um instinto de violência adormecido, o importante é que saibamos
dominá-lo e educá-lo para que não se converta em atos danosos a nossos semelhantes. É
necessário que cada um, pessoalmente, procure domesticar e conter os seus impulsos de
violência. Isso será uma vitória individual que, somada a outra, tornará a sociedade mais
pacífica, melhor para todos. A violência precisa, portanto, ser combatida a partir de uma
resolução pessoal, só assim transformaremos a face da Terra em um paraíso de paz. Sentimos
muito melhor quando vivemos em paz conosco e com os outros.
3.6 A violência e a expansão global da criminalidade
Desde o início do ano 2000 as promessas onipotentes do neoliberalismo entraram em
crise e se registraram em todo o mundo expressões de repúdio e resistência, que chegaram até
a violência explícita. Enquanto isso, pauperização firmemente instalada gerou rápidos processos
de concentração marginal urbana precária, que colocaram à administração e ao controle
situações mais incontroláveis e complexas que quaisquer das conhecidas durante o século XX.
Nasceu uma nova gestão do espaço das cidades em que o Estado não pôde manejar. O campo
delitivo também se globalizou, dando sobradas mostras de poder.
Podemos citar como exemplo quando, em 2006, narcotraficantes brasileiros presos em
São Paulo planificaram e fizeram executar, dando ordens de dentro das prisões, ataques em
massa contra delegacias e estabelecimentos comerciais que geraram um estado de guerra e foi
necessária a intervenção do exército para recuperar e manter o controle da cidade. No Rio de
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Janeiro, também em 2006, ocorreram episódios similares, com dezenas de vítimas inocentes,
que também forçaram a intervenção do exército.
Outro exemplo que podemos citar são grupos islâmicos extremistas que recrutam
militantes de distintos países não islâmicos, inclusive de primeiro mundo, que dominam
tecnologias de pontas e se valem dos recursos da lavagem de dinheiro para financiar suas
operações. Todos seus contatos se fazem por meio da rede e em diversos idiomas e países.
Conceitos como narcoterrorismo da Colômbia ou capitalismo mafioso da Rússia e outros países
estão na ordem do dia e podem ser analisados em qualquer jornal ou informativo. Essas
organizações delitivas complexas evoluíram tanto e têm se mesclado com o mundo dos
negócios.
A América Latina já estava habituada, há mais de uma década, a situações como o
emprego de assassinos de aluguel, exploração infantil generalizada, lavagem de dinheiro
mediante inversões em obras faraônicas, delitos informáticos, tráfico de armas e corrupção de
altos funcionários em níveis grotescos e com impunidade escandalosa. Esses fenômenos
delitivos superam todos os aparatos estatais de controle, desnudando sua ineficiência para
neutralizá-los ou julgá-los. Em conjunto, isso indica que estamos ante um agravamento da
realidade delitiva, que evidencia a ligação entre a deterioração social e seus efeitos da violência,
degradação humana e delito.
À parte, a globalização gerou um fenômeno muito mais complexo que uma mera
sofisticação da criminalidade comum, certas manobras que antes foram delitos contra a
economia nacional são agora condutas lícitas na economia mundial. A magnitude crescente do
delito econômico tende a apoderar-se da economia mundial e a corrupção convencional fica
obscurecida pela corrupção macroeconômica, sem que exista um poder regulador capaz de
controlar essa massa de negócios turvos por cifras astronômicas, das quais dependem já as
grandes economias do planeta.
A retirada do estado das funções de custódia e segurança levou à perda cada vez
maior do controle da ordem pública, enquanto os grupos delitivos aumentavam seu número,
poder e audácia, alcançando, como na Colômbia ou no Brasil, níveis paramilitares capazes de
pôr em xeque as autoridades e gerar situações de ingovernabilidade cada vez mais longas.
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4 VITIMOLOGIA E PENOLOGIA
4.1 Histórico da vitimologia
Ao longo do século passado, o sistema penal evoluiu e funcionou, concentrando-se em
um dos protagonistas do fato delitivo, o autor. A proteção dos bens jurídicos foi assumida p elo
Estado como parte do processo histórico que Foucault chamou de confiscação dos conflitos,
que retirou, gradualmente, dos vitimizados, todo protagonismo, cuja palavra, nos processos
penais , foi emudecida. O ramo criminológico penal, que assumiu o objetivo de investigar e
recuperar o protagonismo das vítimas dos delitos, chama-se Vitimologia, o qual tem exigido,
inclusive, autonomia científica.
A revalidação do papel das vítimas orienta-se não somente a dar-lhes uma melhor
satisfação, mas, também, protagonismo, a fim de que o Direito atenta realmente a seus
interesses e razões, por se tratar de freqüentes titulares exclusivos do bem jurídico agredido.
Essa última tendência é mais recente na Vitimologia e afirma-se nos anos oitenta como resultado
da evolução da Psicologia social, das pesquisas de vitimização e dos movimentos feministas,
assim como da intenção de contrabalancear teórica e político criminalmente certa idealização do
delinqüente como vítima social, resultado da forte predilação anti sistema da Criminologia crítica.
A necessidade de reparar mais eficazmente os prejuízos, mas também a possibilidade
de evitar as soluções puramente punitivas, em uma grande porcentagem dos casos, reavivaram
o interesse em direção à desaminada Vitimologia dos anos oitenta, especialmente na Alemanha,
onde diversos autores enxergaram a possibilidade de solucionar conflitos penais mediante
acordos entre vítimas e vitimizadores.
A vitimologia é uma corrente organizada internacionalmente que tem realizado
importantes congressos, conta com publicações especializadas e uma abundante bibliografia em
diferentes idiomas.
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A Vitimologia como o estudo do papel representado pela vítima, na gênese e nas
conseqüências do crime, era classificada como um capítulo da criminologia.
A Vitimologia consiste em focalizar a personalidade da vítima e saber se ela é mesmo
vítima ou os motivos que proporcionou para se tornar tal.
Sugerindo por exemplo, que o supermercado, adotando o sistema de auto serviço, com as
facilidades proporcionadas ao público quanto ao manuseio dos artigos, facilita com isso o furto.
Outro exemplo, Nos crimes de estelionato (art.171 do CP), em que o emprego do logro,
artifício e ardil denuncia a influência exercida pelo autor com a complacência do lesado, que se
deixa enlear por simpatia, fascínio e atração, exercida pelo estelionatário.
Estelionato é caracterizado pela utilização de um artifício para enganar a vítima, muitas
vezes a própria ganância intrínseca nas pessoas. A ânsia de ganhar dinheiro faz com que a
vítima cometa um erro. No caso de uma população mal instruída, a incidência de sucesso nos
golpes aplicados pelos estelionatários é grande.
Sob certo aspecto, a vítima passa a ser encarada pelo novo estudo não apenas como
sujeito passivo, mas como colaboradora do ato criminoso.
Segundo Guaracy Moreira Filho:
Vitimologia é o estudo científico das vítimas com o intuito de adverti-las, orientá-las, protegê-las e repará-las contra o crime.
É o estudo da vítima no que se refere à sua personalidade, quer do ponto de vista
biológico, psicológico e social, quer do da sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de
vitimização, sua inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos.
Em sua visão mais moderna, a Vitimologia surge com Benjamim Mendelson, em 1947,
através de uma conferência (Um horizonte novo na Ciência Biopsicosocial - a Vitimologia).
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Seus parceiros de estudo e pesquisas, de ontem e de hoje, do velho e do novo mundo, a
partir daí, não mediram esforços para levar aos conflitos do universo das ciências as reflexões
sobre essa nova disciplina no que se refere ao agente vitimizador, sobre a vítima e sobre o
processo de vitimização, em todas as esferas das ciências sociais ou do comportamento
humano.
Por fim, o estudo vitimológico oferece à SBV ferramentas para a diminuição da
criminalidade na medida em que dificulta a ação de criminosos ocasionais, diante de realização
de campanhas que promovem um alerta às possíveis vítimas e auxilia a justiça, não somente em
relação ao julgamento da responsabilidade e culpabilidade do indivíduo, como também
vislumbrando as maneiras de viabilização de uma sistemática recuperacional.
A prioridade da Vitimologia é o estudo do comportamento da pessoa vitimizada, de sua
gênese, de seu desenvolvimento, do estudo do processo de vitimização, na dinâmica entre o
vitimizador e sua vítima, do exame de sua classificação doutrinária. Seu objetivo é criar
condições sócio jurídicas para que ela supere o dano sofrido, restituindo-se integralmente, no
aspecto material e moral, seu prejuízo.
4.2 Histórico da sociedade brasileira de vitimologia no Brasil
A SBV (Sociedade Brasileira de Vitimologia) foi fundada em 28 de julho de 1984, quando
especialistas das áreas de Direito, Medicina, Psiquiatria, psicologia, Sociologia e Serviço Social,
além de outros estudiosos das ciências sociais, uniram-se para consolidar no Brasil os
conhecimentos relacionados com a ciência Vitimologia, que anteriormente era apenas um
capítulo da Criminologia.
Sob a denominação de Sociedade Brasileira de Vitimologia o seu art.1° diz que:
Fica constituída uma sociedade civil sem fins lucrativos, que se regerá pelo presente estatuto, por instruções normativas e por disposições legais aplicáveis.
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A vitimologia é uma ciência nova que teve um desenvolvimento extraordinário desde que
se realizou o I simpósio Internacional, em 1973, ingressando no terceiro milênio com
embasamento teórico respaldado em pesquisa feita nos cinco continentes e objetivos práticos,
de restituição e ressarcimento de dano e humanísticos, de assistência às vítimas.
No início, a Vitimologia foi considerada um campo paralelo à criminologia ou o reverso
da criminologia, mas posteriormente adquiriu maior abrangência e o seu estudo e aplicação
passaram comportar todo o gênero de vítimas de acidentes, havendo correntes da Vitimilogia
que se ocupam da assistência de vítimas de catástrofes naturais.
Desta forma, analisando a Vitimologia, ciência multidisciplinar, verificamos a sua
vinculação com disciplinas como a Psiquiatria, Psicologia, Medicina, Assistência Social,
Psicanálise, além da Criminologia de onde se originou.
O estudo da Vitimologia é abrangente necessitando da colaboração de profissionais de
várias áreas de atuação para atingir uma visão holística da questão, que contribuirá para realizar
o potencial científico e humanístico emergente da vocação natural da Vitimologia. E também, sua
afinidade com a esfera policial, que geralmente tem os primeiros contatos com a vítima e a
comunicação, outro campo multidisciplinar que permeiam outros.
De acordo com a SBV em seu art. 3° de seu estatuto, tem por finalidade:
I – a realização de estudos, pesquisas, seminários e congressos ligados à pesquisa vitimológica;
II – formular questões que sejam submetidas ao estudo e decisão da Assembléia Geral;
III – manter contato com outros grupos nacionais e internacionais, promovendo reuniões regionais, nacionais ou internacionais sobre aspectos relevantes da ciência penal e criminológica, no que concerne à vitimologia.
Seu estudo envolve, o comportamento dos delinqüentes em relação às suas vítimas; o
comportamento de suas vítimas em relação aos criminosos; a responsabilidade das vítimas para
a ocorrência do crime e também, a história do homem criminoso, isto é, o que o levou a praticar
tal crime, fator vitimógeno.
66
4.3 A vítima
4.3.1 CONCEITO
Vítima pode ser pessoa arbitrariamente condenada à morte; pessoa ferida ou
assassinada, ou que sucumbe a uma desgraça, ou morre em acidente, epidemia, etc.
Já em relação à Criminologia, observamos que o estudo do Direito Penal sempre se deu,
até meados da década de 1940, voltado para o estudo do delito, do delinqüente e da pena. A
vítima, o outro componente do contexto criminal, até então não havia sido analisado.
Diante disso, em 1956, Mendelson examinou causas e efeitos dos crimes e deu forma
definitiva às suas idéias e estudos sobre a vítima, caracterizando a Vitimologia como disciplina
criminológica.
È bom lembrar, que alguns criminólogos consideram Hans von Hentig como o verdadeiro
fundador da Vitimologia, sendo também, um dos pioneiros do estudo sobre a vítima.
A vítima pode ser definida sob vários sentidos, no sentido jurídico geral refere ao
indivíduo que é prejudicado de forma direta em decorrência da ofensa ou ameaça ao bem
tutelado pelo Direito.
No sentido jurídico penal (restrito) trata-se da pessoa que diretamente é vítima da
violação da norma penal.
No sentido jurídico penal (amplo) inclui tanto a pessoa como a comunidade que sofreram
de forma direta as conseqüências do delito.
Agora, Vitimizar é desencadear qualquer direito básico do homem, nele incluídos os
Direitos Humanos, os Direitos Fundamentais agasalhados na Constituição e os princípios
densificadores do Estado Democrático de Direito.
67
4.3.2 CLASSIFICAÇÃO DE VÍTIMA SEGUNDO BENJAMIN MENDELSOHN
Segundo Benjamin Mendelsohn as vítimas podem ser classificadas como:
Vítima completamente inocente ou vítima ideal
Trata-se da vítima completamente estranha à ação do criminoso, não provocando nem
colaborando de alguma forma para a realização do delito. Como exemplo, uma senhora que tem
sua bolsa arrancada pelo bandido na rua.
Vítima de culpabilidade menor ou por ignorância
Ocorre quando há um impulso não voluntário ao delito, mas de certa forma existe um
grau de culpa que leva essa pessoa à vitimização. Como exemplo, temos um casal de
namorados que mantém relação sexual na varanda do vizinho e lá são atacados por ele, por não
aceitar esta falta de pudor.
Vítima voluntária ou tão culpada quanto o infrator
Ambos podem ser o criminoso ou a vítima. Como exemplo, temos uma Roleta Russa
(um só projétil no tambor do revólver e os contendores giram o tambor até um se matar).
Vítima mais culpada que o infrator
Enquadram-se nessa hipótese as vítimas provocadoras, que incitam o autor do crime, as
vítimas por imprudência, que ocasionam o acidente por não se controlarem, ainda que haja uma
parcela de culpa do autor.
Vítima unicamente culpada que podem ser: Vítima infratora, ou seja, a pessoa comete
um delito e no fim se torna vítima, como ocorre no caso do homicídio por legítima
68
defesa; Vítima Simuladora, que através de uma premeditação irresponsável induz um
indivíduo a ser acusado de um delito, gerando, dessa forma, um erro judiciário; ou ainda
Vítima imaginária, que trata-se de uma pessoa portadora de um grave transtorno mental
que, em decorrência de tal distúrbio leva o judiciário à erro, podendo se passar por vítima de
um crime, acusando uma pessoa de ser o autor, sendo que tal delito nunca existiu, ou seja,
esse fato não passa de uma imaginação da vítima.
4.3.3 CLASSIFICAÇÃO VITIMOLÓGICA DE HANS VON HENTIG
Segundo Hans Von Henting, as vítimas podem ser classificadas como:
Vítima isolada
A vítima neste caso vive na solidão, não se relacionando com outras pessoas. Em
decorrência desse meio de vida ela se coloca em situações de risco.
Vítima por proximidade
Este grupo de vítimas subdivide-se em: Vítima por proximidade espacial, que se torna
vítima pelo fato de estar em proximidade excessiva do autor do delito em um determinado local,
como ocorre nos casos de furto no interior de um ônibus; Vítima por proximidade familiar, a qual
ocorre no núcleo familiar, como pode ser visto no caso do parricídio, em que o filho mata seu
próprio genitor; e ainda, vítima por proximidade profissional, que geralmente ocorre no caso de
atividades profissionais que requerem um estreitamento maior no relacionamento profissional,
como no caso do Médico.
Vítima com ânimo de lucro
São taxadas dessa forma as vítimas que pela cobiça, pelo anseio de se enriquecer de
maneira rápida ou fácil, acaba sendo ludibriada pelos estelionatários ou vigaristas.
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Vítima com ânsia de viver
Ocorre com o indivíduo que, com o fundamento de não ter aproveitado sua vida até o
presente momento de uma forma mais eficaz, passa a experimentar situações de aventuras até
então não vividas que o colocam em situações de risco ou perigo.
Vítima agressiva
Neste caso a vítima se torna agressiva em decorrência da agressão que sofre do autor
da violência, pois chega um momento que por não suportar mais a agressão sofrida, ela irá
rebater tal ato de modo hostil.
Vítima sem valor
Trata-se da vítima que em decorrência de seus atos não recomendáveis praticados
perante a sociedade, acaba sendo indesejada ou repudiada no meio social em que vive. Por
praticar certos atos não aceitos pela sociedade, este indivíduo vem a sofrer agressões físicas,
verbais, ou até mesmo podendo ser morto. Como exemplo, temos o caso do estuprador ou
assassino que é morto pela sociedade, pela polícia, ou por sua própria vítima.
Vítima pelo estado emocional
Essas vítimas são qualificadas desta forma em decorrência de seus sentimentos de
obcecação, medo, ódio ou vingança que vem a sentir por outras pessoas.
Vítima por mudança da fase de existência
O indivíduo passa por várias fases em sua vida, sendo que ao mudar para certa fase de
sua existência, poderá se tornar vítima em conseqüência de alguma mudança comportamental
relacionada com alguma das fases.
Vítima perversa
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Enquadram-se nesta modalidade de vítimas os psicopatas, pessoas que não possuem limite
algum de respeito em relação às outras, tratando-as de um modo como se fossem objetos que
podem ser manipulados.
Vítima alcoólatra
O uso de bebidas alcoólicas é um dos fatores que mais levam as pessoas a se tornarem
vítimas, sendo que na maioria dos casos acabam resultando em homicídios.
Vítima Depressiva
Ao atingir um determinado nível, a depressão poderá ocasionar a vitimização do
indivíduo, pois poderá levar a pessoa à sua autodestruição.
Vítima voluntária
São as pessoas que por não oporem resistência à violência sofrida, acabam permitindo
que o autor do delito o realize sem qualquer tipo de obstáculo. Casos que exemplificam esse tipo
de vítima são os crimes sexuais ocorridos sem a utilização de violência.
Vítima indefesa
Denominam-se vítimas indefesas as que, sob o pretexto de que a persecução judicial
lhes causaria maiores danos do que o próprio sofrimento resultante da ação criminosa e acabam
deixando de processar o autor do delito. São vistos tais comportamentos geralmente nos roubos
ocorridos nas ruas, nos crimes sexuais e nas chantagens.
Vítima falsa
São taxadas de falsas vítimas as pessoas que, por sua livre e espontânea vontade se
autovitimam para que possam se valer de benefícios.
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Vítima imune
São consideradas dessa forma as pessoas que, em decorrência de seu cargo, função,
ou algum tipo de prestígio na sociedade em que vive acham que não estão sujeitas a qualquer
tipo de ação delituosa que possa transformá-las em vítimas, como exemplo temos um padre.
Vítima reincidente
Neste caso a pessoa já foi vítima de um determinado delito, mas mesmo após ter
passado por tal episódio, não passa a tomar qualquer tipo de precaução para que não volte a ser
vitimizada.
Vítima que se converte em autor
Nesse caso, a vítima que era atacada pelo autor da agressão se prepara para o contra
ataque, como exemplo tem o crime de guerra.
Vítima propensa
Ocorre com as pessoas que possuem uma tendência natural de se tornarem vítimas.
Podendo decorrer da personalidade deprimida, desenfreada, libertina ou aflita da pessoa, sendo
que esses tipos de personalidade podem de algum modo contribuir com o criminoso.
Vítima resistente
Por não aceitar ser agredida pelo autor, a vítima reage e passa a agredi-lo da mesma
forma, sempre em sua defesa ou em defesa de outrem, ou também no caso de cumprimento do
dever. Neste caso há sempre a disposição da vítima em lutar com o autor.
Vítima da natureza
São pessoas, que se tornam vítimas em decorrência de fenômenos da natureza, como
no caso de uma enchente, um terremoto.
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4.3.4. CLASSIFICAÇÃO DE VÍTIMAS SEGUNDO GUARACY MOREIRA FILHO
De acordo com Guaracy Moreira Filho, as vítimas devem ser classificadas como:
Vítimas inocentes
São as pessoas que não contribuem de nenhuma forma para a ocorrência do delito, ou
seja, não há nenhuma participação da vítima na consumação da ação criminosa.
Vítimas natas
Tratam-se das vítimas que contribuem de alguma forma para a eclosão de um crime,
seja por seu comportamento agressivo ou por sua personalidade insuportável.
Vítimas omissas
Neste grupo encontram-se as pessoas que não vivem em integração com o meio social,
pois não participam da sociedade, nem sequer para reclamar de uma violência ou arbitrariedade
sofrida.
Vítimas inconformadas ou atuantes
Ao contrário do que ocorrem com as vítimas omissas, que não buscam relatar às
autoridades competentes seus direitos violados, estas cumprem de forma ativa seus papéis de
cidadãos, pois sempre que são violadas em seus direitos, buscam a efetiva reparação judicial.
73
4.4 O papel da vítima no processo penal
Sabemos sobre o esquecimento a que a vítima foi relegada durante longo tempo.
Podemos dizer que a história praticamente teve três grandes fases em relação à vítima.
Uma fase em que ela era a verdadeira protagonista do sistema criminal, até o grande
período de se esquecimento, principalmente quando o Estado chamou a si a responsabilidade
de resolver, como se pudesse, todos os problemas sociais e jurídicos.
Com isso, ele próprio se encarregaria de instaurar e movimentar os processos criminais
e daria a resposta.
O Estado deixou a vítima de lado, sendo considerada apenas uma colaboradora dentro
do sistema. Semelhante a uma testemunha, ela vem apenas prestar informes dentro do
processo, para a solução de uma determinada causa.
A vítima foi realmente esquecida durante um longo tempo, principalmente após a
Segunda Guerra Mundial, devido os problemas que advieram dos próprios conflitos, do número
de vítimas elevadíssimo e da intensa criminalidade nos grandes centros urbanos, desperta-se
novamente para a vítima.
O problema da vítima passou, novamente a ser motivo de preocupação, e com isso
foram gerados vários encontros no mundo todo, o que culminou entre nós no Brasil com a
criação da Sociedade Brasileira de Vitimologia.
A vítima, apesar de toda essa redescoberta de que se fala hoje em dia, não tem o papel
que deveria ter no nosso sistema processual penal. Pode realizar várias atividades, e são
oferecidas a ela várias perspectivas dentro do processo, mas há muito para ser melhorado.
O que poderia ser feito para melhorar o papel da vítima no processo penal brasileiro?
O primeiro passo seria o de definir a vítima dentro do processo penal brasileiro. O que,
na realidade, a vítima?
O Código de processo penal usa várias expressões: fala em vítima, em pessoa ofendida
e em lesado.
74
A palavra vítima aparece pouco, em alguns artigos apenas. Encontramos maior
referência ao ofendido e a pessoa ofendida, que são utilizadas largamente dentro do Código de
Processo Penal.
Já o termo lesado, é utilizado quase sempre, no sentido da pessoa que sofreu um
prejuízo de ordem civil, de ordem patrimonial, e que tem também, algum espaço dentro do
processo penal brasileiro. Mas é como ofendido que na realidade, se trata a vítima no Código,
como para ativar, como parte dentro do processo criminal.
Para nós, no Brasil, o ofendido é o sujeito passivo da infração penal, mas não só aquele
sujeito passivo imediato, como também o chamado sujeito passivo secundário. Para se ter uma
idéia, imaginemos um crime de estelionato, onde poderíamos ter mais de um sujeito passivo.
Teríamos como sujeito passivo aquele que sofre o prejuízo decorrente do crime de
estelionato, porque tem o seu patrimônio diminuído, mais também teríamos como ofendido e
como sujeito passivo, nesse conceito mais amplo, aquele que tivesse sido enganado e que por
isso também teria sofrido em relação àquela conduta.
Temos um exemplo que é significativo do nosso sistema e é onde nos apegamos para
verificar essa conceituação mais ampla, é o ofendido do crime de penal que tem por objeto o
estudo do crime e de seu autorexercício arbitrário das próprias razões.
Por fim, p processo penal tem por finalidade fazer valer o direito da vítima e uma eficaz
atenção ao respeito a seus direitos fundamentais.
4.5 Relação da criminologia e da vitimologia
Criminologia assim como o termo de vitimologia deriva da junção de duas clássicas
palavras: victima e logos, a criminologia também é palavra composta dos vocábulos gregos
kriminos e logos e é a ciência penal que tem por objeto de estudo do crime e de seu autor, do
ponto de vista causal explicativo, com ênfase à prevenção, criando estratégias ou modelos
operacionais, para a redução da criminalidade.
75
Já a vitimologian nasceu do seio da criminologia, assim como esta adveio do direito
penal.
Em razão disso, a vitimologia adotou a terminologia e metodologia criminológicas,
embora hoje em seu todo, de forma alguma possam ser confundidas. A criminologia, como visto,
é ciência penal que tem por objeto o estudo crime (comportamento desviante de seu agente e,
consequentemente, da pena, ora como resposta do Estado ao infrator, ora como mecanismos de
ressocialização e retorno do condenado retorno do condennado ao convívio social.
A vitimologia, por sua vez, estuda o comportamento da vítima, no processo de
vitimização, sua relação consciente ou inconscientemente, voluntariamente ou não com o agente
vitimizador.
Em suma, a criminologia é ciência do fenômeno criminal,em seu conjunto, enquanto que
a vitimologia estuda a vítima, um dos protagonistas da trama criminosa, e sua relação com o
vitimizador.
No exame das relações entre a criminologia e a vitimologia, vale lembrar que, enquanto
esta tem como objeto o estudo do comportamento da vítima no cenário do crime ou face a um
dano de natureza civil, aquele, a criminologia, pó se tratar de uma ciência causal explicativa,
essencialmente de caráter preventivo, prioritariamente objetiva o oferecimento de estratégias,
por meio de modelos operacionais, de maneira a minimizar os fatores estimulantes da
criminalidade, assim como o emprego de táticas que utilizem fatores inibidores dessa mesma
criminalidade.
Criminologia e vitimologia vivem entre si em perfeita sintonia, face a que, na dupla penal,
agente e vítima podem ser encontrados, consciente ou inconscientemente, em certos casos,
num atuar comum, como se fossem duas forças que se atraem ou se completam.
Enfim, a criminologia cuida do estudo do crime e de seu agente, e suas tradicionais
classificações de delinqüentes,ao passo que a vitimologia estuda o comportamento da vítima,
face ao crime ou a alguma situação de vitimização de natureza civil, buscando ainda, no exame
de sua personalidade, a classificação da vítima, cuja tipologia defluirá de sua participação ou não
na prática do processo vitimizador e na medida dessa participação, bem como ela estende seus
tentáculos, quer prevenindo-as no processo vitimizatório, quer adotando mecanismos de resgate
76
dos danos causados pelo crime ou pelo dano, de natureza civil, oportunizado pelo agente
vitimário.
Sendo assim, demonstrando-se essas diferenças não distanciamos a vitimologia da
criminologia, mas demonstramos sua íntima ligação.
4.6 A criminologia radical e a vitimologia
A partir do início dos anos 70, surge uma verdadeira Anti Criminologia baseada nas
teses de Taylor, Walton e Young, ou seja, a Criminologia Radical, também conhecida como
Criminologia Interacionista, entendendo essa nova perspectiva criminológica que a corrente
tradicional, clássica, conservadora,positivista, esgotara seu ciclo histórico, por se tornar
insuficiente para apresentar soluções para o fenômeno criminal.
Essa Criminologia Radical não se propõe a analisar o crime em si, como resultado de
circunstâncias próprias, mas sim, criticar o ordenamento e buscar respostas para uma
criminalidade tão crescente, de níveis altíssimos. Realmente o que mais interessa é essa
epidemia de criminalidade e não um simples fato considerado em si mesmo.
Ela se distingue de outras criminologias pela natureza do objeto de estudo, pelo método
dialético de estudo desse objeto, pelas teorias gerais sobre sua existência e desenvolvimento,
pela base social de seus compromissos ideológicos, por seus objetos políticos estratégicos e
táticos e por seu programa alternativo de política criminal.
Juarez C. dos Santos, um dos paladinos dessa nova criminologia diz que Criminologia
Radical é:
A crítica sistemática aos conceitos, método e ideologia da criminologia tradicional possibilitou a redefinição do objeto, dos compromissos e dos objetivos da criminologia radical, desde a orientação para o estudo dos criminosos reais, em posição de influência e de poder nos quadros da ordem econômica e política da sociedade capitalista, até a inserção das questões políticas gerais: quem controla e se beneficia da ordem, como é distribuído o poder e a riqueza, como pode ocorrer a transformação social.1981, pág. 44
77
Segundo ele, o compromisso primário da criminologia radical é com a abolição das
desigualdades sociais em riqueza e poder.
Qualquer que seja a espécie de sociedade, em seu seio, encontra-se vítimas de
qualquer natureza.
Vitimas de crimes e abuso de poder, da desigualdade social, da exploração do homem
pelo próprio homem, do desemprego, do salário do trabalhador, das manobras politiqueiras do
estado, da má distribuição de renda, do analfabetismo, do difícil acesso à justiça que com tantas
mudanças, ainda é precário, da violência urbana e rural, do narcotráfico e de tantos outros
processos vitimizatórios,onde estiver presente o homem vitimizador, apesar de ser ele, como
homem, a medida de todas as coisas, haverá vítima, daí, também, onde a criminologia, aí a
vitimologia.
Em resumo, a Criminologia Radical tem por objeto geral as relações sociais de
produção, como estrutura de classes e de reprodução político-jurídica como superestruturas de
controle da formação social, que produzem e reproduzem seu objeto específico de conhecimento
científico: o crime e o controle social.
Vimos então, que tanto a criminologia tradicional como a nova criminologia têm
afinidades profundas com a vitimologia,pois, em qualquer de suas dimensões, busca-se o
exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana.
4.7 Penologia, criminologia e penas
Podemos conceituar a Penologia como a disciplina vinculada à Criminologia que estuda
as penas e suas modalidades de aplicação.
O vocábulo Penologia foi empregado pela primeira vez em 1834 por Francis Lieber,
publicista germânico que viveu nos Estados unidos.
Sobre penologia, Armida Bergamini Miotto, assim se manifestou:
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“O estudo da pena, especialmente pelo aspecto filosófico e pelo aspecto sociológico, adquiriu tal importância que já se sustenta a necessidade de uma ciência autônoma da penalidade. Penologia com objeto próprio, isto é, o estudo filosófico, histórico, científico, jurídico das penas e medidas de segurança, bem como das instituições incumbidas de velar pela efetiva readaptação dos egressos”.
1977, pág. 166.
O objeto da penologia é a pena sob os pontos de vista teórico, abrangendo sua história,
sua psicologia, sua sociologia, sua filosofia, legislativo quanto a sua cominação e judiciário, isto
é, quanto à sua aplicação, incidentalmente, poderá ser abrangido o delinqüente a quem foi
aplicada a pena, ou seja, o sujeito passivo da pena.
A criminologia se mostra como uma área de saber relativamente sistematizada,
explicativa e causal. A diferença que vai entre a ficção abstrata e a dogmática da penologia até
ao território objetivo e experimental da criminologia é bem nítida e esclarecedora. Isto é, assume-
se cada vez mais como uma ciência que conhece as causas e o desencadear de todo o
processo causal que leva à delinquência.
O direito deve deslocar-se da apreciação dos delitos e das penas para o estudo daquele
que comete o delito. Deve analisar os criminosos em suas peculiaridades psico-sociológicas. A
partir desta operação, estabelecer-se-ao penas adequadas a características de personalidade.
O crime que anteriormente era definido como transgressão à lei penal, converte-se em
indício, em manifestação superficial que aponta para a personalidade do criminoso.
Contraria-se também o princípio do direito penal onde “não há pena sem lei”. Pois que a
pena deve basear-se, mais do que na violação de um artigo do CP, no estudo da personalidade
do criminoso.
Segundo os criminólogos, o direito penal teria saído de um estágio embrionário,
rudimentar, de um tempo em que se assumia formas semi selvagens, incivilizadas, para chegar,
depois de lenta evolução, a período em que baseava-se finalmente em métodos científicos.
Nesse período inicial, as penas eram excessivamente cruéis, a tortura era aplicada sem
limites, confundia-se a lei com a religião e o crime com pecado.
79
A sociedade, dizem-nos os criminólogos, regia natural e espontaneamente contra seus
detratores, mas esse tipo de reação social era desordenado, excessivamente cruel e acabava
muitas vezes por voltar-se contra a sociedade mesma, já que a violência acabava por dizimar
parte da população.
Num período intermediário, o direito horroriza-se com a crueldade das penas. Torna-se
mais humano e justo, as penas são aplicadas com maior uniformidade. È o período ético
humanista inaugurado por Beccaria, com o estabelecimento do princípio da proporcionalidade
das penas e dos delitos, da igualdade perante a lei, da não retroatividade da lei penal e da
responsabilidade como fundamento do direito de punir.
Mas se por um lado há um avanço no sentido de humanização, por outro há uma certa
ingenuidade, ignorância até, no entender dos criminólogos. Por prescindir de bases científicas
nas quais se fundamentar, o direito perdeu-se em considerações metafísicas e, principalmente,
descuidou-se de sua tarefa básica de defender a sociedade.
Enfim, o momento tático inicial que inaugura a criminologia traz como efeitos, de um
lado, a promessa de um direito penal que pode conhecer cientificamente o crime e os meios para
seu combate e, de outro, a denúncia de que o direito liberal é ineficaz.
Pena, é a sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma
sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de
um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinqüente, promover a sua
readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade, isto
é, a pena é uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, através de ação penal, ao autor de uma
infração penal, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico
e cujo fim é evitar novos delitos. Isto é, são sanções impostas pelo Estado contra pessoa que
praticou alguma infração penal.
Pena, num sentido amplo, é a sanção que o Estado impõe àqueles que se insurge
contra seu ordenamento jurídico.
As teorias preventivas da pena são aquelas teorias que atribuem à pena a capacidade e
a missão de evitar que no futuro se cometam delitos.
80
Para o direito liberal, a pena, antes de ser útil ou eficaz, devia ser legítima, ou seja,
fundada em lei anterior e aplicada em indivíduos responsável.
A criminologia inaugura a noção de que as penas devem, antes de tudo, ser eficazes.
Sua legitimidade baseia-se não mais em considerações estritamente jurídicas, mas científicas.
Para Magalhães Noronha:
A pena é retribuição, é privação de bens jurídicos, imposta ao criminoso em face do ato praticado.
Para Guilherme de Souza Nucci, pena:
É a sanção imposta pelo Estado, através da Ação Penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes.
2005, pág.335.
O objetivo da pena deve servir para corrigir o indivíduo, para que este não volte a
delinqüir. Busca ainda a pena a proteção da sociedade. A manutenção da paz social e a
proteção dos bens juridicamente tutelados.
As penas aplicadas sobre os delitos que o indivíduo praticou não podem, de maneira
alguma, representar uma vingança da vítima sobre o culpado.
A finalidade da pena é punir o autor de uma infração penal. A pena é a retribuição do
mal injusto praticado pelo criminoso, pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico. A pena tem
dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela
intimidação.
A proporcionalidade entre os delitos e as penas deve ceder lugar a considerações
quanto à modalidade de pena a ser aplicada, de modo a corrigir uma anormalidade e, ao mesmo
tempo, dotar o Estado de meios eficazes na defesa contra estes seus inimigos anormais.
81
Surge a noção de pena indeterminada, graduada segundo o grau de anormalidade do
criminoso. As penas vão ser criticadas por sua ineficácia, pelo seu fracasso em combate a
reincidência. Quanto aos efeitos de intimidação e arrependimento que as penas deveriam
produzir sobre a moral do criminoso, a criminologia vai demonstrar, através de uma observação
da prisão e de sua crítica, que isso não ocorre.
Em razão da própria anormalidade do criminoso, ele não seria intimidável ou capaz de
recuperação por meio de punição.
Um dos maiores alvos da crítica a ser desfechada pela criminologia é o júri popular. O
direito liberal definia a função de julgar como de bom senso, experiência de vida, de moralidade.
Pois a lei, sendo oriunda de um parlamento, é expressão do consenso político, em última
análise, da vontade dos cidadãos, expressa por seus representantes eleitos.
Ainda assim, ao aplicar a lei, o juiz, em razão de seu próprio saber e especialização,
poderia hipertrofiar-se em suas funções.
O júri popular, formado por representantes do povo, seria um elemento de moderação a
impor limites ao arbítrio do juiz.
Deveria ser composto por homens do trabalho ativo, pessoas que se atêm ao lado
prático da vida, contrastando com os próprios juízes, que, por força da profissão, estariam
relativamente afastados dos embates quotidianos.
Ora, o discurso criminológico veiculará outro tipo de visão sobre a atividade de julgar.
O júri popular passa a ser compreendido como um obstáculo a uma compreensão mais
científica do criminoso e do crime. È tornado incompetente para julgar porque não detém um
saber, que só a magistratura togada é capaz de possuir.
Julgar passa a ser uma função técnica, noção essa que se complementa com uma
concepção naturalista e não política quanto a origem das leis.
Elas são frutos da necessidade, determinada pela vida coletiva, de que a sociedade se
defenda de seus detratores, opondo, ao mesmo tempo, no nível individual, um freio aos instintos
e afetos que governam todo ser humano, impedindo-o de livremente decidir sobre seus atos.
82
Qual o fundamento das leis? Qual a legitimidade da punição imposta a quem as
transgride? Com o advento da criminologia, as leis são consideradas como fundamentadas na
necessidade natural de defesa da sociedade.
A questão da legitimidade cede lugar à da eficácia.
O Judiciário pode aparecer como um regulador autônomo e técnico da sociedade,
entendida em sentido genérico, isenta de contradições, cuja lenta evolução fez finalmente com
que se produzisse um saber científico (a criminologia) capaz de armá-la de meios adequados
para sua defesa.
83
5 CRIMINALIDADE E O SISTEMA PRISIONAL
5.1 História das prisões
As prisões têm sido um dos terrenos temáticos mais transitados para a investigação
criminológica, a partir da ótica positivista. Foram necessários enfoques modernos para essa
problemática, a fim de contribuir com a reformulação do controle penal. Sabemos que o cárcere
sempre existiu. Porém, sua finalidade não era semelhante a que temos hoje. Destinava-se à
guarda de escravos e prisioneiros de guerra. Em matéria penal servia, basicamente, para a
custódia de infratores, à espera da punição e do próprio julgamento, para que não fugissem e
para que fossem submetidos à tortura, método de produção de prova antes considerado
legítimo.
Antigamente os réus não eram condenados especificamente à perda da liberdade por
um período determinado de dias, meses ou anos. Eram punidos com morte, suplício, açoite,
amputação de membros, trabalhos forçados, confisco de bens, etc. Para viabilizar a punição
imposta, permaneciam presos durante dias, meses ou anos. O encarceramento era um meio,
não o fim da punição. Nesse contexto, não existia preocupação com a qualidade do recinto nem
com a própria saúde do prisioneiro. Bastava que o cárcere fosse inexpugnável.
Resquícios de prisões medievais estão preservados como museus na Europa. É o
caso das masmorras anexas ao palácio dos Doges, em Veneza, aonde se chega pela travessia
da famosa Ponte dos Suspiros. A partir do século XVIII, a natureza da prisão se modifica. A
necessidade de aproveitar o contingente de pessoas economicamente marginalizadas, o
racionalismo político e o declínio moral da pena de morte, estimulou o desenvolvimento de uma
reação alternativa por determinado período de tempo.
A prisão torna-se, então, essência do sistema punitivo. A finalidade do encarceramento
passa a ser isolar e recuperar o infrator. O cárcere infecto, capaz de fazer adoecer seus
hóspedes e matá-los antes da hora, simples acessório de um processo punitivo baseado no
tormento físico, é substituído pela ideia de um estabelecimento público, severo, regulamentado,
higiênico, intransponível, capaz de prevenir o delito e ressocializar quem o comete.
84
É uma mudança histórica gigantesca, ainda que muitas vezes essas últimas
características só estejam asseguradas no papel, por isso, geralmente, o desenvolvimento da
prisão é associado ao humanismo. Na perspectiva marxista, o surgimento da prisão acontece
não por um propósito humanitário, mas pela necessidade de domesticar setores marginalizados
pela nascente economia capitalista.
Havia um contingente de homens expulsos do campo e ainda despreparados para
assumir seu papel nas cidades. Uma classe perigosa perambulava pelas estradas e a prisão
aparecia como mecanismo de controle social. O sistema punitivo moderno foi construído a partir
da segunda metade do século XVIII. Devido a uma série de críticas à realidade da época,
propõe-se a criação de estabelecimentos especiais para o cumprimento das penas.
Sugere-se alguns critérios de separação de presos, o isolamento noturno para o
condenado e a religião como instrumento regenerativo. Defende-se, também, a criação de
mecanismos de controle externo, hoje consagrados em todo o mundo, pelo menos no plano
formal (a administração de uma prisão é coisa importante para abandoná-la completamente aos
cuidados de um carcereiro).
A contribuição do pensador inglês Jeremy Bentham (1748-1832) é decisiva. Além de
antecipar traços das atuais propostas de privatização do sistema punitivo, sugere a adoção de
um castigo moderado, com disciplina severa, alimentação grosseira e vestimenta humilhante,
tudo com o objetivo de recuperar o criminoso. É uma grande qualidade da pena, que pode servir
para a emenda do delinquente, não só pelo temor de ser castigado novamente, mas também
pela mudança em seu caráter e seus hábitos.
Para Bittencourt (1993, p. 50):
Conseguir-se esse fim analisando o motivo que produziu o delito e aplicando-lhe uma
pena adequada para enfraquecer esse motivo. Uma casa de correção, para atingir
esse objetivo, deve ser suscetível à separação dos delinquentes em diferentes
seções, para que possam ser adotados meios diversos de educação à diversidade
de estado moral.
Em 1791, Bentham proporia a construção do Panóptico, um prédio circular em torno de
uma torre, por onde o interior da cela de cada detento poderia ser visualmente controlado por
vigilância. O edifício era como uma colmeia, cujas pequenas cavidades poderiam ser vistas
85
todas de um ponto central, surgindo, assim, as bases arquitetônicas das prisões modernas e
uma chave para compreender o próprio processo de erosão da privacidade, cada vez mais
profundo.
5.2 O surgimento dos sistemas penitenciários
Desde o século XVI existem as maisons de force, onde eram recolhidos os mendigos,
os vagabundos e as prostitutas, com trabalho obrigatório. Esses estabelecimentos apareceram
em Londres (1550), Nuremberg (1558) e Amsterdam (1598). A prisão como pena que serve de
meio à reeducação deve considerar-se inaugurada na Holanda, nos fins do século XVI, com o
estabelecimento de casas correcionais em Amsterdam, em 1595 e 1597, respectivamente, para
homens e mulheres.
Essas duas prisões, destinadas, em princípio, a ser uma sorte de presídio policial para
vadios, mendigos, prostitutas, transformaram-se depois em penitenciárias. Apareceram, a seguir,
casas com a mesma finalidade em Bremem (1609), Hamburgo (1622) e assim por diante. No
século XVIII surgiram estabelecimentos de detenção na Inglaterra, Alemanha, Holanda e França,
onde não havia qualquer seleção prisional e eram aplicados castigos implacáveis.
O primeiro grande sistema penitenciário foi o da Filadélfia, conhecido como sistema
filadélfico ou pensilvânico, caracterizado pelo rigor externo, absoluto isolamento de dia e de
noite, recebendo o preso, visitas apenas do capelão, do diretor ou guarda da prisão. Era uma
prisão tumular, em vida.
Nos EUA surgiu a reação contra tal sistema, inaugurando-se na Cidade de Auburn o
chamado regime auburneano, em que o isolamento era praticado somente no período noturno,
havendo durante o dia trabalho em comum dos presos. Dessa forma, o sistema de Auburn
acabou prevalecendo nos EUA, onde o isolamento absoluto e as refeições foram, desde logo,
apontados como modalidade de punição cruel.
Na Inglaterra, na segunda metade do século XIX, aparece o mark system, ou sistema
progressivo, criação de Alexander Maconochie. Sob esse sistema, o cumprimento da pena era
dividido em três fases, como veremos a seguir:
86
No primeiro estágio (relativamente curto, aplicava-se o sistema filadélfico);
No segundo estágio (o auburneano);
E, no último, que era a grande inovação do sistema (aparece o livramento condicional)
deferido ao preso de bom comportamento, que passava a viver em liberdade, em lugar
determinado e fiscalizado pela polícia.
Já na Irlanda, Walter Crofton introduziu uma inovação entre a segunda e a terceira fase
do regime progressivo, que era o recolhimento intermediário em penitenciárias agrícolas. A
vantagem do sistema de Auburn em relação ao sistema da Filadélfia estava na possibilidade de
adaptação do preso à rotina industrial, como o trabalho em oficinas, durante oito ou dez horas
diárias, que compensava custos do investimento e dava perfil mais racional ao presídio. Na
Filadélfia o trabalho era artesanal e não remunerado, em Auburn, a organização do trabalho
estava entregue às empresas.
Conhecem-se, assim, três sistemas penitenciários: o sistema Filadélfia consiste em
manter o detento, durante todo o tempo da pena, no absoluto isolamento. Nesse sistema o preso
permanece na cela dia e noite, podendo realizar curtos passeios em pátios. Ali trabalha, por
dispositivo especial, assiste aos ofícios religiosos e à aula. Já no sistema de Auburn, apresenta
como característica o isolamento noturno e o trabalho em comum durante o dia, em silêncio.
Em rigor, os dois sistemas, tal como concebidos, se revelariam impraticáveis pela
quantidade crescente de presos e pelo preço elevado da construção de penitenciárias com celas
individuais. Inflexíveis também, os dois modelos não ofereciam estímulo aos detentos, limitados
a obedecer à rotina de comportamento e trabalho imposta pela administração do presídio e a
aguardar o tempo passar. Por fim, o sistema progressivo ou irlandês, de origem inglesa, teve por
objetivo obter aperfeiçoamento moral do condenado, por meio de sucessivas fases,
paulatinamente alcançadas; sendo a primeira dessas fases o isolamento, por um determinado
período.
Após, passa a realizar, no interior do presídio, trabalhos diversos e de acordo com a
aptidão do detento. Dessa forma, podendo os detentos ser mais bem observados no sentido de
verificar se a terapêutica penal vem atuando sobre os mesmos, em caráter benéfico. Antes de
reconquistar totalmente a liberdade, o sentenciado recebia o benefício do livramento condicional.
87
Diante disso, a partir da Europa, desenvolveu-se o sistema progressivo de cumprimento de
pena, que se importaria depois como o mais adequado aos ideais de regeneração. É esse o
sistema adotado pelo nosso Código Penal.
O Código Penal brasileiro de 1940, que adotou o sistema progressivo, admitiu certas
particularidades, que não se enquadram rigorosamente no sistema idealizado por Walter Crofton.
5.3 O sistema prisional no Brasil
5.3.1 HISTÓRICO SOBRE O PENITENCIARISMO NO BRASIL
Não se conhece exatamente a situação e tipo de tratamento prisional dispensado aos
reclusos na época colonial. Sabe-se, porém, que frequentemente presos a correntes esmolavam
o próprio alimento aos transeuntes. Outras vezes, presos a uma coluna, o famigerado
pelourinho, erguida nas vilas e cidades, os criminosos padeciam de ignomínia ou castigo,
expostos à execração pública.
Em 1551 já se mencionava a existência em Salvador, uma cadeia muito boa e bem
acabada, com casa de audiência e câmara em cima, tudo de pedra e barro, rebocadas de cal e
telhado com telha. Nas cidades e vilas, as prisões se localizavam no andar térreo das Câmaras
Municipais e faziam parte constitutiva do poder local. Serviam para recolher desordeiros,
escravos fugitivos e, evidentemente, criminosos à espera de julgamento e punição. Não eram
cercados por muros, os presos tinham contatos por meio de grades, recebiam esmolas,
alimentos e informações.
As prisões estavam alocadas também em prédios militares e fortificados que com
tempo perderam a função. Nas velhas prisões do Rio de Janeiro não existia tratamento
correcional, elas apenas mantinham os presos em severíssima custódia, com alimentação vinda
principalmente da Santa Casa da Misericórdia, o que ocorreu em 1883. Em 1669 foi autorizada a
construção de um novo prédio para substituir o antigo estabelecimento existente no Morro do
Castelo, construído por determinação de Mem de Sá, logo após a derrota dos franceses e
tamoios, em 20 de janeiro de 1567.
88
O novo prédio, cujo pavimento térreo serviu de prisão, foi o edifício conhecido como
Cadeia Velha, designação que emprestou à rua que o ladeava, mais tarde Rua da Assembleia.
Dessa Cadeia velha saiu o Alferes Tiradentes para pagar na forca o preço de ter sonhado com a
independência, a abolição da escravatura e a república, em 1789.
Próximo ao local onde hoje existe a Praça Mauá havia um sombrio edifício (a Cadeia
de Aljube), mandado construir pelo bispo frei Antonio de Guadalupe, entre 1735 e 1740, e
destinado aos misteres no foro especial, o juízo eclesiástico, ali purgando seus pecados os
padres desobedientes. Mais tarde, o Aljube foi cedido pela igreja para servir de prisão comum
após a chegada da Família Real, em 1808. Era horrível, continha 390 detentos, e cada um
dispunha de uma área aproximada de 0,60 por 1,20 metros.
Em 1831 o número de presos passaria de 500. Em 1856, prestes a ser desativado, o
Aljube seria definido pelo chefe de polícia da corte como um protesto vivo contra o nosso
progresso moral. Um decreto de 1821 marca o início da preocupação das autoridades com o
estado das prisões do país, a intenção era que ninguém seria lançado em masmorra estreita,
escura ou infecta, porque a prisão deveria guardar as pessoas e nunca para adoecer e flagelar.
A Constituição de 1824, além de ter abolido o açoite (mantidos para os escravos), a tortura, a
marca de ferro quente e outras penas cruéis, determinava que as cadeias fossem seguras,
limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas
circunstâncias e natureza dos seus crimes.
Durante a Regência, em 1833, o Ministro da Justiça, Aureliano de Souza, mais tarde
Visconde de Sepetiba, daria o primeiro passo no sentido de encarar-se o condenado não como
um animal, mas como um ser humano, suscetível de regeneração. Em 1920 foi inaugurada a
penitenciária de São Paulo, no bairro do Carandiru, tido como o marco na evolução das prisões e
era visitada por juristas e estudiosos do Brasil e do mundo.
Construída para 1.200 presos, oferecia o que havia de mais moderno em matéria de
prisão, oficinas, enfermarias, escolas, corpo técnico, acomodações adequadas, segurança. Tudo
parecia perfeito. Isto é, a nova penitenciária se encaixava num amplo projeto de organização
social elaborado pelas elites do período, no qual um estabelecimento prisional deveria estar à
altura do progresso material e moral.
Em 1922 os estabelecimentos penais do Rio de Janeiro eram autônomos ou
subordinados ao Ministério da Justiça. A impressão que se tinha, em termos de penitenciarismo,
89
é que o que se vinha realizando deixava ainda muito a desejar. Em 1940 foi editado o Código
Penal, atualmente em vigor, com algumas alterações, como por exemplo, 1977, 1984, 1989.
Outro símbolo da história das prisões brasileiras foi a Casa de Detenção de São Paulo, também
no Carandiru, que chegou a hospedar mais de 8 mil homens, apesar de só ter 3.250 vagas.
Inaugurada em 1956 para presos à espera de julgamento, sua finalidade se corrompeu
ao longo dos anos, pois a Casa de Detenção passou a abrigar também condenados. O governo
estadual anunciava em 2002 a sua desativação, que batizou a iniciativa como o fim do inferno.
Ela ficou conhecida mundialmente pela miséria de seu interior e pela extensa coleção de motins,
fugas e episódios de desmando e violência, sobretudo o massacre dos 111 presos em 1992 pela
Polícia Militar.
5.3.2 VISÃO DO PONTO DE VISTA SOCIOLÓGICO SOBRE AS QUESTÕES
PENITENCIÁRIAS
Vimos que a história das prisões no Brasil expõe a fraqueza e a deficiência do Estado
em gerir políticas públicas de segurança. Mas a legislação define o que deve ser prisão e exibe
requisitos mínimos. Portanto, precisam ser corrigidas as deficiências sociais e institucionais. O
que não pode é continuar com essa fragilidade e a ineficiência do aprisionamento sem uma
perspectiva plena de recuperação dos internos, pois muitos presos reincidem, ou seja, voltam a
cometer novos delitos quando retornam à sociedade livre.
Isso prova a ineficácia da pena privativa de liberdade, que só agrava a exclusão social
dessa parcela da sociedade. De quem deve ser a culpa pelo fato de seres humanos serem
enviados para hediondos depósitos de presos que se tornam as delegacias de polícia e as
penitenciárias? De acordo com a visão sociológica de Edna Del Pomo de Araújo (1997, p. 31):
A grande maioria dos indivíduos que ingressam no sistema prisional nunca foi
socializada, no sentido de se sentirem parte integrante da sociedade e de terem seus
direitos civis respeitados. Ou seja, são os chamados excluídos sociais, cuja
passagem pelo sistema prisional produz a perpetuação de sua marginalização social.
90
Diz ela que o fato de não possuírem recursos materiais suficientes que os possibilitem
uma ascensão social e o consequente ingresso na sociedade de consumo, aliado ao
sucateamento dos serviços públicos e gratuitos, impossibilita a milhares de jovens o acesso à
saúde, educação, cultura e lazer. O sistema econômico, político e social são responsáveis pela
desestruturação familiar, já que introduzem o indivíduo no subemprego e na criminalidade.
A única alternativa para uma parcela significativa da população é a criminalidade e,
diante desse fato, o Estado intensifica sua repressão sobre as camadas mais pobres da
população em um processo denominado por alguns intelectuais como criminalização da pobreza.
As unidades prisionais devem ser espaços onde o interno cumpra sua pena com dignidade e
respeito de forma a prestar serviços à sociedade.
Instituições que valorizam o ser humano e que acreditam que a plena recuperação de
vidas é possível devem servir como um exemplo a ser seguido para todo o país. Isto é, devem
ser espaços destinados à formação de indivíduos que, em busca da reconquista de dignidade,
devem prestar serviços à sociedade, já que cometeram crimes. Não adianta apenas aprisionar
as pessoas, mantendo-as desocupadas. É preciso libertar os indivíduos por meio do trabalho e
da educação, porque os homens que estão presos hoje serão livres amanhã e, caso não tenham
cumprido sua pena em busca da recuperação de suas vidas, provavelmente voltarão a delinquir.
Parcelas significativas da população não têm outra opção senão o caminho da
criminalidade. Diante desse grave problema social, as políticas públicas para área da segurança
foram as de um aumento do aparato estatal coercitivo. Certo é que a miséria provocada pelo
desemprego e a falta de dinheiro não são os únicos motivos que levam indivíduos a praticarem
algum crime.
Estimulados pelos meios de comunicação em massa, que diariamente impõem a
necessidade do consumo, alguns delitos são cometidos com o intuito de obter um ganho material
imediato que possibilite a resolução rápida de seus problemas financeiros. Segundo dados do
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), os indivíduos ficam presos durante anos e, caso
não sejam estimulados com educação e trabalho, não serão recuperados e, consequentemente,
ressocializados.
De acordo com Mariano Ruiz (1984, p. 186):
91
A prisão não é só para conter os homens e nem para fazê-los expiar os seus crimes,
nem sequer para reformá-los somente. O que há de se lograr mediante a prisão é
uma educação nacional, que desperta no recluso o sentimento de comunidade e o
fortaleça, sentimento que é fundamental para que possa desenvolver as aptidões
sociais.
A aptidão para a vida livre não se restringe apenas a não permanecer preso, mas sim,
na observação dos princípios da liberdade que tem seu pressuposto maior calcado nos limites
sociais, políticos e econômicos, próprios de cada ser humano e nos valores, morais e éticos que
todo ser humano livre compreende, aceita e tem interiorizado. Quando Mariano Ruiz falou em
educação nacional quis dizer que o estudo ajuda na ressocialização, pois com estudo encontram
a melhor maneira de compreender valores morais. Por isso, a importância da educação nacional.
Para os sociólogos, os criminosos são criações da sociedade excludente na qual
estamos inseridos. A sociedade civil organizada deve lutar por um sistema prisional que
privilegie ações no sentido de recuperar vidas, com medidas alternativas para os delitos leves e
com atividades socioeducativas para os internos das unidades prisionais brasileiras.
A socialização de indivíduos deve ser a prioridade das políticas governamentais.
Possibilitar que as pessoas tenham oportunidades iguais na vida deve ser o objetivo das
políticas de inclusão social. Punições deveriam ser aplicadas conforme o número de
oportunidades que o indivíduo possuiu durante a vida. Se essa lógica fosse aplicada, o raciocínio
jurídico se transformaria radicalmente, pois os maiores penalizados seriam àqueles que
possuiriam melhores condições materiais de vida e não o contrário.
O apoio familiar e as visitas constituem um fator fundamental para a recuperação e a
valorização de vidas. O apoio familiar constitui-se em elemento fundamental, pois leva ao interno
a intenção de não repetir os erros que o induziram ao cárcere. É importante lembrar que muitos
familiares e companheiras deixam de visitar seus maridos, filhos, pais etc. justamente por falta
de dinheiro para o deslocamento até a unidade prisional.
Alguns internos são oriundos do interior do Estado do Rio de Janeiro, quando não são
de outros estados. Esse fator dificulta as visitas e distancia os detentos de seus familiares, uma
vez que a renda familiar principal é extraída do trabalho masculino, que têm a função de
abastecer as famílias.
92
O serviço social de uma penitenciária é responsável pelo resgate da identidade familiar
dos presos, quando os familiares distantes são contatados, estimulados a visitarem os internos e
a comparecerem durante a manhã para conversarem cerca de uma hora em um espaço
reservado.
Outro aspecto relevante para a recuperação dos detentos são as visitas íntimas, que
cumprem uma função importante no sentido em que a troca de afetos entre o interno e sua
companheira ajuda a aliviar o estresse e a depressão provocados pelo ambiente prisional. Nesse
sentido, é organizado de maneira criteriosa pelo setor de Serviço Social, que cadastra a
companheira do interno e oferece palestras a ambos sobre prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis.
O ser humano é fruto do meio no qual está inserido, mas, a ele, não basta apenas
possuir um meio digno para viver. É preciso que esse indivíduo se sinta parte de um todo mais
amplo, mesmo sendo a totalidade, para a grande maioria da população brasileira, o bem-estar
de sua família e de seus amigos mais próximos. Outro elemento importante é que, mesmo
muitos internos estando cientes da existência da discriminação aos ex-presidiários por parte da
sociedade, eles afirmam que o apoio familiar e dos amigos é o suficiente para superar os
obstáculos do preconceito.
As prisões devem ser espaços de formação de indivíduos que serão reinseridos na
sociedade sob uma nova lógica, a de se sentirem úteis em alguma atividade que estejam
dispostos a realizar e, fundamentalmente, com um suporte psicológico capaz de os fazerem
suportar as mazelas provocadas pela falta de emprego e dinheiro. Assim, no campo social, ou
seja, as assistentes sociais dos presídios trabalham para que a reeducação do infrator seja
prioridade com vistas a capacitá-lo à reintegração social. Dessa forma, a ressocialização do
infrator só será de fato alcançada quando este se integrar no sistema social.
93
5.3.3 TRATAMENTO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
A prisão é frequentemente descrita como o lugar aonde vai se operar uma
transformação na personalidade do preso. Assim, ela teria como virtude possibilitar a reflexão, a
introspecção, o arrependimento. Pela disciplina ela possibilitaria a internacionalização da lei, a
aquisição de valores morais, substituindo um estado de incultura ou uma subcultura por uma
cultura caracterizada pelo respeito à lei e à ordem, pois a pena de prisão é regeneradora. Na
construção dessa imagem enquanto espaço terapêutico aparece com insistência à referência ao
trabalho.
A prisão seria uma espécie de oficina escola onde os presos poderiam curar-se do mal
da ociosidade, admitido como fator que induz ao crime. Uma vida de trabalho e disciplina é, no
entanto, uma exceção ou uma virtualidade nas prisões. O trabalho prisional atende, além disso,
a muitos interesses para além da recuperação do preso. No cárcere tudo se converte em um
bem negociável e isso também ocorre com as oportunidades de trabalho, ou seja, a
possibilidade de estar mais próximo da administração e com isso obter certas vantagens, como o
acesso mais fácil ao mundo lá fora, uma melhor classificação de comportamento, proteção
contra os inimigos na cadeia, boa alimentação, etc.
Além disso, o trabalho nas prisões brasileiras chega a ser privilégio de algumas
pessoas da população carcerária, que atuam como cozinheiros, bombeiros, eletricistas, pintores,
faxineiros lidando com a manutenção da cadeia, ou até funcionários burocráticos, em
substituição àqueles inexistentes.
O preso que trabalha geralmente é aquele que cumpre a menor pena, mais confiável e
menos perigoso do ponto de vista da administração. O trabalho prisional atende a necessidade
da instituição, tanto material, como forma de suprir as tarefas de muitos funcionários que seriam
onerosos para o Estado, quanto de segurança. O preso que labora pode ser usado como um
aliado na instituição, em determinados ocasiões.
O “faxina” (designação do preso que trabalha, na gíria carcerária) é geralmente
escolhido por suas características colaboracionistas. Há também aqueles que trabalham em
favor de seus companheiros como assistentes jurídicos, escrevendo cartas para os que não
94
sabem escrever, etc. Mas o que deve ser ressaltado é que o trabalho é algo a ser compreendido
no jogo das múltiplas forças institucionais: a possibilidade de trabalhar é vista pelo preso como
um privilégio, em virtude dos benefícios secundários que acarreta. Além disso, ela é um
imperativo, do ponto de vista da preservação da sanidade mental, para alguém mantido em
confinamento por longos anos.
Esse talvez seja o único lucro do preso que trabalha a preservação de sua saúde
psíquica. Fora esse aspecto, lucra sempre a instituição, realizando um ideal antigo do
capitalismo (o trabalhador barato, servil, que deseja apenas trabalhar, exigindo muito pouco).
Assim, o fato de um preso trabalhar no cárcere diz pouco sobre suas possibilidades de
reinserção social e muito sobre sua situação no jogo de poder institucional. Não trabalhar pode
significar, por outro lado, apenas não ter tido acesso a esse privilégio.
A crença na eficácia do chamado tratamento penitenciário é algo que dificilmente
poderá ser compartilhado por teóricos ou mesmo autoridades nessa área. Tem sido
exaustivamente demonstrado que a prisão, ao contrário de qualquer efeito recuperador sobre o
deliquente, parece ter sempre como subproduto indesejável a reincidência e a preparação para
uma carreira de criminoso crônico da qual é quase impossível escapar, pois isolado de seus
laços familiares, ao indivíduo preso só resta estabelecer novos laços com possíveis futuros
cúmplices.
Estigmatizado como ex-presidiário frequentemente, retorna ao mundo sem
esclarecimentos ou orientação sobre os documentos de que necessita, ou sobre como conseguir
emprego. Com isso, é presa fácil da polícia num país de desempregados, onde estar sem
trabalho era considerado até pouco tempo como crime (vadiagem) e onde ter estado no cárcere
significa ter uma ficha suja.
O cárcere é uma instituição totalitária que, com o passar dos anos, deforma a pessoa e
acentua seus desvios morais. Reclamar a alguém do tratamento recebido dentro da prisão pode
significar retaliação futura e silenciosa. Há relatos de espancamentos de jovens criminosos nos
EUA, por terem se esquecido de pronunciar a palavra sir (senhor em inglês) quando se dirigiram
a seus carcereiros. No Brasil também acontece dessa forma.
Exemplo é o caso de Fernando Dutra, sequestrador da filha de Silvio Santos, em 2002.
“Ele foi espancado um mês antes, com canos de ferro, por não tratar de senhor o diretor da
95
prisão. O episódio não foi apurado na época, segundo versão oficial, por que a vítima do
espancamento não quis”. (Jornal O Globo, p. 4).
O equilíbrio das penitenciárias é mantido por força de concessões de privilégios e
tolerâncias que acabam estabelecendo focos de poder capazes de submeter todos a uma nova e
inevitável rede de violência. A condição de encarceramento pode até ser melhorada, mas, na
essência, a prisão continuará a mesma, um atentado à condição humana.
Se a prisão degenera não há quem sugira um cenário sem sua presença, os índices de
criminalidade e a necessidade de segregar delinquentes perigosos, capazes de matar, assaltar,
sequestrar, extorquir, etc. conspiram contra essa utopia. Mas a prisão pode ser estrategicamente
reservada para situações em que a liberdade do condenado constitui ameaça concreta, quando
não há alternativa possível. Enfim, tudo se passa como se a prisão produzisse exatamente o
contrário daquilo que seria sua missão primordial, como se ao invés de curar o criminoso ela
agravasse o mal.
Esse fracasso da prisão tem sido admitido até mesmo por autoridades do sistema
penitenciário, policiais, autoridades judiciárias. Críticas existem muitas, tentativas de reformas
são tão antigas quanto a própria prisão. Apesar de tudo isso, o perito encontra razões para
afirmar a eficácia da prisão em seus pareceres, em algum nível o sistema carcerário precisa
desta imagem de eficácia para que se mantenha em funcionamento.
O técnico é funcionário encarregado de fabricar esse sonho, o da eficácia da prisão em
fazer de um criminoso um homem de bem. A fabricação dessa imagem da prisão eficaz aparece
aqui como uma das funções do técnico enquanto funcionário da instituição carcerária. A função
dos sempre fracassados projetos de reforma prisional é também esta, perante a opinião pública
mais esclarecida ou perante a boa consciência dos psicólogos, psiquiatras, etc. É como se
dissessem que a prisão reprime, mas, estamos fazendo o possível para praticar alguma coisa
mais digna, mais edificante, como tratar e recuperar.
Sabemos que uma vida exemplar no cárcere pode apenas significar adequação às
normas disciplinares, nada a ver com a saúde psíquica que certamente seria necessária para
que um indivíduo pudesse, à saída da prisão, reorganizar sua vida, vencer o estigma dos
criminosos e do ex-presidiário, arrumar um emprego, regenerar-se.
96
5.4 Funcionários do cárcere e a ressocialização do preso
5.4.1 FUNCIONÁRIOS DO CÁRCERE
Uma instituição não é algo abstrato que paira acima das cabeças daqueles que nela
trabalham. Ela se reproduz nas diferentes tarefas que a constituem. É assim que cada um, ao
seu modo, do guarda ao diretor do presídio, do psicólogo ao psiquiatra ou assistente social, se
encontra envolvido na tarefa última e mais importante que é a colocação em marcha da
engrenagem carcerária.
Com relação à ética profissional, por exemplo, o que reza a respeito do sigilo
profissional o Código de Ética do Psicólogo:
Art. 25 §1°- É vedado ao psicólogo remeter informações confidenciais
a pessoas ou entidades que não estejam obrigadas a sigilo por código
de ética ou que, por qualquer forma, permitam a estranhos o acesso
ás informações.
§2° - Nos casos de laudo pericial, o psicólogo deverá tomar todas as
precauções a fim de que, servindo à autoridade que o designou, não
venha a expor indevida e desnecessariamente seu examinando.
Em uma situação de exame estabelecido no interior de uma instituição carcerária,
sabidamente os resultados dos mesmos, alguns deles supostamente reveladores, não serão
matéria privativa do técnico e de seu examinando. Ao contrário, poderão ser veiculados no
interior de equipes interdisciplinares, das quais participam inclusive elementos da segurança do
estabelecimento. Serão remetidos ao juiz solicitante ou a outras autoridades judiciárias.
Já os agentes penitenciários que trabalham em estabelecimentos prisionais
desempenham as mais diversas funções, que vão desde cuidar da segurança da penitenciária,
evitar fugas, revistar presos e visitantes, receber documentos referentes às penas, conduzir
presos a audiências e a atendimentos médicos até administração do patrimônio do Estado. Além
97
deles existem também os carcereiros, que são policiais civis encarregados da custódia
temporária de presos, enquanto ocorrem os procedimentos policiais iniciais.
5.4.2 RESSOCIALIZAÇÃO
Ressocialização é socializar-se novamente, isto é, um meio para a reintegração. O
egresso precisa novamente reaprender a viver e conviver em sociedade, aceitando os limites
impostos para que sua presença, seu Ser, sua pessoa sejam aceitáveis outra vez no meio social.
E, claro, subentende-se que esta lição lhe seja dada por intermédio da privação da liberdade,
que é o bem maior da vida de qualquer ser humano.
E a partir do momento em que o réu deixa de ser réu e passa a ser egresso, possível
será concluir que a sociedade o aceitará novamente, pois se pagou por sua má conduta,
obedeceu aos ditames da lei e cumpriu o que em sentença lhe fora determinado. Por que, então,
a sociedade o exclui, priva-o de todos os direitos e lhe impõe uma segunda punição? O Estado
protetor dos direitos das pessoas promulga leis para proteger àquele que precisa se ressocializar
e se reintegrar à sociedade e aí tudo começa a se perder:
A sociedade continua com seus valores perfeitos, acabados, irredutíveis, mutáveis só
em longo prazo;
O Estado cria leis, mas não cria condições de colocá-las em prática, para tornar real o
desespero de uma vida inútil e a ajuda pessoal não existe porque o ser humano, que
poderia ter aprendido valores morais, espirituais mais condizentes à sua sobrevivência
entre seus semelhantes, não teve chance de aprendê-los, melhorá-los, ampliá-los ou
mudá-los.
Os conceitos morais da sociedade são mutáveis, basta olhar para uns 20 anos atrás,
quantos conceitos já não são os mesmos, como por exemplo, a família, quanta coisa mudou!
Mas por que, com relação a um ex-presidiário, que já pagou por seu crime, tudo continua na
estaca zero, inerte como sempre foi? Parece simples a resposta: é preciso um trabalho profundo
por parte do Estado. É necessário que a sociedade esteja envolvida nesse trabalho e que todos,
98
Estado, políticos, profissionais e estudantes de direito, empresários e a sociedade como um todo
estejam voltados para a busca desse objetivo.
A lei é clara, está implícita nos artigos 10 e 18 da LEP, a ideia de que:
Se alguém comete um delito, ser-lhe-á aplicada uma pena, dependendo do crime ele
perderá sua liberdade, desta forma, depois de cumprida a pena, sairá da prisão e,
tendo ele, lá estudado, poderá ter chances de se reeducar, reinserindo-se na
sociedade e, consequentemente, não será marginalizado.
A Lei de Execuções Penais tomou por base a necessidade social de trazer ao preso
condições para que, quando egresso do sistema prisional, participe no seio da sociedade de
todos os seus direitos e deveres, em iguais condições e com as mesmas finalidades que
qualquer cidadão. Não se pode querer ressocializar e reintegrar um egresso do sistema prisional
à sociedade se não lhe dão chance de ter sua autoestima melhorada e ampliada.
Enquanto permanecer na lembrança do povo, ou enquanto alguém insistir em colocar a
expressão ex-presidiário à frente de qualquer qualidade boa que o egresso possa ter, ele
continuará a ser condenado socialmente, à margem de qualquer condição favorável à sua
ressocialização ou reintegração social. Sabemos que o preso marginaliza-se e as prisões são
escolas de aperfeiçoamento para àqueles que tenham algum elo forte com o crime e, pior, é a
melhor escola para o aprendizado negativo àqueles que foram privados de sua liberdade por um
passo em falso ou levados por falsos amigos ou, tristemente, por um momento de infortúnio que
a vida lhes ofereceu.
Muitas vezes cometem-se delitos por estar no lugar errado, na hora errada e com a
pessoa errada. Cai-se e não se levanta mais. Apesar de tudo, existem leis que teoricamente vão
orientá-lo e apoiá-lo para que se reintegre à sociedade. Todos são direta ou indiretamente
culpados pela não ressocialização e não reintegração do egresso no meio social.
99
5.5 Criminosos irrecuperáveis
Existe muita discussão filosófica não só a respeito do direito de punir e de suas
finalidades, utilitárias ou não, como também sobre o livre arbítrio ou o determinismo que levariam
o criminoso a delinquir. Também no que se refere ao fim da pena, se seria realmente defesa
social, castigo, reeducação ou ressocialização, o que não se resolve com a visão em si da
aplicação da pena somente, mas em face de vários fatores circunstanciais, de acordo com o
tempo e o espaço de sua aplicação.
É bem verdade que as penas evoluíram através dos tempos, sendo humanizadas em
muitos aspectos, principalmente em se tratando das penas restritivas de direito, com a prestação
de serviços à comunidade e a limitação de fim de semana por exemplo. Mas, infelizmente,
mesmo com muitas mudanças, há criminosos que são realmente incorrigíveis.
Vimos na análise dos presídios brasileiros que a situação ainda é caótica. Os governos
federais e estaduais abandonam o sistema penitenciário, com isso os casos de reincidência são
grandes. Se o índice de reincidência é altíssimo, como esperar que o condenado seja reeducado
e ressocializado em um sistema penitenciário quase falido? Dessa forma, em um sistema
penitenciário falho, promíscuo, ocioso, retrógrado e quase sempre abandonado, onde os
criminosos tudo podem, os condenados que chegam a cumprir suas penas reincidem ao obter a
liberdade.
A reincidência poderia ser atribuída ao próprio meio penitenciário, que fabrica seus
criminosos, pois esses não recebem qualquer apoio reeducativo, voltam a delinquir com mais
violência. Além dos criminosos produzidos pelo meio, que reincidem perigosamente, temos
aqueles marcados por estigmas pessoais, que foram denominados natos, isto é, têm ausência
total do senso ético-moral em sua personalidade. Àqueles que partem cedo para o crime, cínicos
e imputáveis, irrecuperáveis, que devem ser tratados em reformatório penal, prisão fechada. São
reincidentes genéricos, que passam rapidamente da ideia ao ato delinquencial.
Para melhor ilustrar esses delinquentes podemos dizer que são pessoas marcadas por
um conjunto de características físicas que conservam algumas taras ancestrais. Para esses
indivíduos, que matam inútil e insensivelmente, sem qualquer respeito pela vida de seu
100
semelhante, ou seja, os chamados criminosos irrecuperáveis, por exemplo, psicopatas que
matam, estupram e promovem toda a sorte de barbaridades, serão sempre criminosos
incorrigíveis, não sendo considerados seres humanos.
Exteriormente eles ainda têm uma aparência humana, mas isso faz ou não deles seres
humanos? Poderia ser aplicada a pena de morte? Mesmo que em determinados países muitas
estatísticas demonstrem que a criminalidade não se tornou significativamente menor nos países
em que a pena capital foi adotada. Mas mantidos vivos, continuaram ceifando vidas inocentes,
que seriam úteis à sociedade. Eles, que matam, não teriam o direito de continuar vivendo?
Para profissionais de saúde, alguns presos são irrecuperáveis. Para especialistas em
Direito, eles devem receber tratamento adequado para voltar ao convívio social. O certo é que,
transgressores irrecuperáveis ou de difícil recuperação devem ser acompanhados para o resto
da vida, pois a nossa Constituição é clara: pena de morte é cláusula pétrea.
Há recuperação para esses criminosos? Recentemente o jornal Gazeta noticiou a vida
de Romualdo Costa, que já liderou rebeliões e é um exemplo de que é possível mudar:
Liderava rebeliões na Unidade de Internação Socioeducativa (UNIS), em Cariacica, e
assaltava nas ruas. Um dia reassumiria seu nome de batismo: Romualdo Costa de
Almeida. Hoje, aos 23 anos, mostra que recuperou bem mais do que seu nome, mas
também a sua dignidade. Os tempos de bandidagem – que começaram cedo, aos 11
anos e o apelido da vida no crime – ficaram no passado. Quando não conseguia
fugir, cavava túneis, quebrava e ateava fogo nos ambientes, agredia, fazia rebeliões,
manipulava outros adolescentes. “Fui um dos adolescentes mais complicados que já
passaram pela UNIS. Era agressivo e revoltado porque, ao contrário dos demais
colegas, não recebia visitas, não tinha família. Muitos diziam que o meu futuro era
cadeia ou caixão. Hoje sou casado, tenho uma linda filha e ajudo a mudar a vida de
outros adolescentes. É por isso que afirmo, com convicção: se eu não acreditar que
eles podem mudar, é como se eu não acreditasse em minha própria história. Mas
não sou o único. Há muitas histórias de transformação”, contou.
5.6 Realidade do sistema prisional
Depois de mais de 200 anos de experiência prevalece ainda o sentimento de que a
prisão não recupera, degenera. Limpa ou imunda, transbordando de pessoas, ou
adequadamente ocupada, próxima ou distante, pública ou privada, a prisão é vista como um mal,
101
muitas vezes inútil. Começamos com uma realidade notória, o Brasil registra aumento no índice
de criminalidade e os crimes praticados estão cada vez mais ousados. Expande-se a dificuldade
do Estado em manter a ordem pública em face do crescimento e evolução das organizações
criminosas.
A superlotação das prisões e as condições de detenção – cruéis, desumanas e
degradantes –, cominadas com a falta de controle do Estado, que levam os presos a se
rebelarem, fazerem visitas e agentes penitenciários reféns e tentarem fugir em massa, a falta de
pessoal para uma estrutura prisional completamente destruída e a conivência de alguns agentes
penitenciários e policiais militares que guardam as prisões só fazem denegrir a imagem dos
presídios no Brasil.
Pois é, a situação do complexo prisional brasileiro, com raras exceções, é caótica, ou
seja, a superlotação das unidades, as condições de vida dos presos, o crescimento de
organizações criminosas e da corrupção dentro das prisões, aliado à falta de segurança e juízes
despreparados não permitem que os estabelecimentos carcerários cumpram sua função.
Exemplo foi o que aconteceu com o traficante Luiz Claudio Santana, de 49 anos,
condenado a 141 anos, 2 meses e 20 dias de prisão, que fugiu do hospital onde estava
internado, no Rio de Janeiro. Ele havia conseguido autorização da Justiça para ser operado no
Hospital Espanhol, que é particular. Depois de receber alta, no dia 8 de fevereiro desse ano, ele
deixou a unidade de saúde. Lico, como era conhecido Luiz Claudio, estava sem escolta por
determinação da Vara de Execuções Penais (VEP) do Tribunal de Justiça do Rio. De acordo
com o hospital, a direção da unidade não sabia que ele era presidiário.
A justiça lhe concedeu prisão albergue domiciliar, justificando que ele deveria ser
submetido a uma cirurgia na tíbia e no perônio e que o hospital penitenciário não tinha condições
de tratá-lo. Lico ficou quatro meses em um hospital particular sem escolta policial e o médico que
o internou foi o mesmo que lhe deu alta, não pertencendo ao corpo clínico do hospital. O juiz
Carlos Augusto Borges, que lhe concedeu esse benefício, disse que Luiz Claudio, por ter
descoberto a sua vocação artística no presídio, era considerado regenerado, pois realizava um
trabalho social integrando outros colegas de cela, provando que a ressocialização é possível,
justificou.
102
A prisão albergue domiciliar é um benefício previsto na Lei de Execuções Penais,
quando o detento cumpre pena em sua própria residência e é prevista quando o condenado tem
mais de 70 anos ou é portador de doença grave, o que não era o caso do criminoso acima
mencionado. Isso indica a superlotação dos hospitais penitenciários e a falta de estrutura para
atendimentos dos internos. Por exemplo, a interdição do Hospital Penal Fábio Soares Maciel, no
Complexo de Gericinó, no Rio de Janeiro, tem levado presos para a rede pública de saúde, pois
desde julho de 2010 o Ministério Público constatou a falta de condições do hospital e decidiu o
fechamento.
Outra realidade são os presídios de segurança máxima não terem condições físicas
para manter seus presos, mostrando deficiências na construção, como rachaduras e concreto de
baixa qualidade. É preciso elaborar uma proposta para ampliação e construção de presídios
urgentemente. Tendo em vista a atual situação criminal brasileira, um dos desafios do Brasil foi
elaborar uma política criminal que delimitasse com clareza e racionalidade o futuro de suas
prisões, isto é, combater a criminalidade por meio de estratégias de política criminal.
Porém, apesar de avanços recentes, relacionados com a punição de delitos menos
graves, a tendência das autoridades, pressionadas pela opinião pública e pela mídia, tem sido a
de recrudescer. Seria possível enxergar melhores perspectivas nesse sentido em razão da
política criminal em curso?
5.7 Algumas mudanças no sistema prisional
5.7.1 PRIVATIZAÇÃO
Privatização dos presídios: problema ou solução? Privatização das prisões é subsidiar
certos serviços públicos ao setor privado, desafogando parte do trabalho estatal na condução
dos presídios. A atividade da iniciativa particular deve se resumir na administração do espaço
físico prisional, com a possibilidade de ser empregador do preso.
A privatização foi implantada nos EUA a partir da década de 1980, quando as
penitenciárias estavam superlotadas. A justiça exigia adequação do número de vagas ao número
103
de presos e não havia recursos para gerenciar e construir novos presídios. Foi introduzido
também na Inglaterra, França e Austrália, mas é nos EUA que o processo se revela mais
rigoroso.
O poder público inseriu a iniciativa privada no sistema prisional porque, além da
capacidade alternativa de financiamento, ela tem experiência na gestão de empresas de
segurança e operações hoteleiras. Os empresários prometem não apenas eficiência
administrativa e economia de recursos públicos, mas também condições objetivas para que os
condenados se regenerem.
A experiência norte-americana tem cerca de 150 prisões de administração privatizada
em 28 estados. No Brasil, sempre houve pressões políticas mais amplas de privatização, mas as
experiências são, por enquanto, localizadas, por exemplo, dois estabelecimentos foram criados
como protótipos, a Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Paraná, que foi a pioneira, e a
Penitenciária Regional Industrial do Cariri, no Ceará. Elas são administradas pela Humanista
Administração Prisional S/C Ltda., constituída por duas empresas de segurança patrimonial que
se encarregaram da prestação de todos os serviços, como recursos humanos, segurança,
alimentação, etc.
Essas penitenciárias abrigam presos de bom comportamento, que trabalham em
oficinas instaladas por indústrias locais. Os presos só ficam livres das câmeras quando entram
nas celas. Outra medida eficazmente implantada é o rodízio de funcionários e a proibição de
quaisquer intimidades com os presos, com isso, a corrupção latente nas prisões administradas
pelo governo é barrada. Esse é um exemplo real da utilidade de tal sistema. Existem outros
estados que privatizaram suas penitenciárias, por exemplo, a Bahia.
Assim, a privatização das prisões, válida e eficaz, representa parte da solução desse
problema intrínseco no Brasil, pois admite a participação da sociedade e da iniciativa privada
para colaborar com o Estado na importante função de gerir as unidades prisionais. Porém, é
importante lembrar que num país como o Brasil, carente de recursos para construir e adequar
penitenciárias, a gerência de iniciativa privada é arriscada. As relações entre o poder público e
as empresas são ditadas pelos vícios da corrupção, da falta de transparência e do
favorecimento. Não é raro, por exemplo, que governantes deixem de cumprir obrigações
contratuais com empreiteiras e prestadoras de serviços.
104
5.7.2 VIDEOCONFERÊNCIA EM PENITENCIÁRIAS FEDERAIS
Sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Projeto de Lei 11.900/09
permite o uso de videoconferência em tempo real para o interrogatório de presos, sem que esses
deixem os estabelecimentos prisionais, podendo ser usado quando houver risco à segurança
pública, ou quando da impossibilidade do comparecimento do preso em juízo.
A videoconferência vem aparecendo como uma ferramenta tecnológica para realização
célere e efetiva da prestação jurisprudencial, sendo amplamente debatida entre aqueles que a
apontam como meio legal para o combate à morosidade judicial e aqueles que a taxam de
inconstitucional. Mas, visto com bons olhos, seu principal objetivo é tornar mais célere o trâmite
processual, evidenciando-se como fator preponderante no ato on-line a segurança, tanto dos
magistrados quanto das partes envolvidas e da sociedade durante todo o processo.
Além do mais, existem benefícios quanto à economia no cofre público, poupando
recursos com escoltas e transportes dos presos, uma vez que o Estado tem altíssimos custos
para tal procedimento judicial. O governo criou também, um programa de visitas virtual para
presos das penitenciárias federais. Por videoconferência, os presos e seus parentes podem se
ver, mesmo separados por milhares de quilômetros.
O projeto começou no segundo semestre de 2010 e até o final daquele ano beneficiou
80 presos. Outros 440, dos 551 detidos nas penitenciárias, estavam na fila para o ano seguinte.
O projeto da visita parcial é uma parceria da Defensoria Pública da União com o Departamento
de Penitenciária Nacional. A iniciativa do encontro é do preso, a conversa precisa ser pré-
agendada e os familiares são cadastrados e vão até uma sala onde há equipamento no interior
do presídio. No ano de 2012, 232 presos de um total de 446, ou seja, 52% dos detidos,
realizaram 870 visitas, envolvendo 2.215 familiares.
Os encontros são às sextas-feiras e duram 30 minutos. Eles não podem estar com
punhos algemados, para não constranger a família, ficam com as algemas nas canelas, fora do
alcance da câmera, e um agente penitenciário fica do lado de fora da sala. Acho interessante
esse programa, pois os presídios federais ficam longe dos grandes centros, como por exemplo, o
de Catanduva (PR).
105
Por decisão judicial foram instaladas escutas nas salas reservadas para conversa entre
advogados e presos, nos quatro presídios federais. A OAB é contra o monitoramento de
conversas entre presos e familiares e advogados nas penitenciárias federais de segurança
máxima. Para a OAB, a gravação indiscriminada é uma agressão à intimidade e à privacidade,
além de ferir a inviolabilidade do sigilo profissional e o respeito às prerrogativas dos advogados.
Diante disso, o julgamento para pedidos de visita foi interrompido e não há previsão para ser
retomado.
A polêmica veio à tona porque advogados foram acusados de repassar ordens que
culminaram na onda de violência no Rio de Janeiro em 2010. Certo é que se devem respeitar os
princípios da Constituição, mas temos que levar em conta que nesses presídios federais de
segurança máxima só há criminosos perigosos, considerados irrecuperáveis, como o traficante
Fernandinho Beira-Mar, um dos presos de mais alta periculosidade do país.
5.7.3 MUDANÇAS NO SISTEMA PRISIONAL
Segundo o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do
Ministério da Justiça, o número de presos no Brasil aumentou quatro vezes nos últimos 20 anos,
e de acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2000 e 2010 o número
de presos por envolvimento com o tráfico de drogas passou de 9% para 22% da população
carcerária. Esse aumento ocorreu em face da expansão do narcotráfico.
Diante desses resultados, novas mudanças precisam ser tomadas urgentemente, pois
várias propostas se encontram na Câmara para serem apreciadas e votadas, como o Projeto de
Lei n° 7.824/10, que permite descontar da pena o tempo que o condenado em regime fechado
ou semiaberto dedica aos estudos. Isto é um incentivo para a estruturação do sistema carcerário,
para que haja estudo para os detentos dentro do presídio e, sendo assim, aquele que estiver
preso e estudar poderá ter sua pena diminuída. Essa proposta foi sugerida pelo deputado Paulo
Teixeira de São Paulo, líder da bancada do PT na Câmara.
Concluindo, em relação ao sistema prisional sabemos que as dificuldades são muitas,
que muitas entidades e empresas particulares estão dando passos decisivos para traçarem
novos rumos capazes de mudar a história dos presos, o que se estende ao egresso, pois que
106
essas iniciativas podem ajudá-lo, enquanto presidiário, a conquistar uma chance de continuar
merecendo a atenção daqueles que, na prisão, lhe estenderam as mãos.
Essa iniciativa de mudanças se faz principalmente por intermédio do trabalho, pois é a
maior e melhor orientação que qualquer ser humano precisa ter para levantar-se socialmente,
visto que sem trabalho não há dignidade. Algumas empresas começam a despertar e lançam
pequenos desafios direcionados a ajudar encarcerados, dando-lhes trabalho e aceitando alguns
egressos em seus estabelecimentos. Porém, essa iniciativa ainda é tímida.
Há muito se sabe que o trabalho é a melhor maneira de promover o crescimento
humano. Empresas sem rótulo e com dignidade social são àquelas que contratam presidiários
para trabalharem e desenvolverem suas funções dentro ou fora das penitenciárias, obedecendo
aos regulamentos legais, mas com salário e produtividade. Não basta legislar. Não basta fazer a
lei com artigos tão claros, importantes, necessários. É necessário criar, também e
simultaneamente, condições para que a lei possa ter eficácia. O Estado é inerte e omisso, muitas
vezes por intermédio dos que fazem as leis. A pena de prisão busca a ressocialização do
indivíduo, para que ele encontre condições de ser inserido na sociedade, não voltando a
delinquir. Mas para alcançar esse objetivo é necessário que a permanência no estabelecimento
carcerário seja adequada a esta reabilitação.
Vimos que a melhor maneira de ajudar o egresso é proporcionando-lhe estudo e
trabalho, inteiração com os meios sociais aptos a ampliar seus valores morais e éticos, sua
autoestima, para que todos os segmentos sociais, sem exceção, possam se beneficiar com isso.
O Estado de Minas Gerais, por exemplo, dá ênfase à preparação educacional, profissionalizante
e social dos presos para sua integração no mercado de trabalho e na sociedade.
O objetivo maior é reeducar e reintegrar, respeitando os direitos e a dignidade dos
presos, como caminho para conquistar a proteção social almejada. O desenvolvimento do
trabalho é a forma utilizada pelo Estado de Minas Gerais para que o reeducando possa
melhorar-se profissionalmente, ou mesmo aprender uma profissão e buscar sua sobrevivência
ao terminar o cumprimento de sua pena intramuros.
Muito gratificante é a forma de enxergar aqueles que querem realmente mudar de vida
e que com trabalho eles poderão batalhar por suas chances de sobrevivência. Tendo profissão,
as dificuldades serão menores. Vimos, então, que o Estado de Minas Gerais tomou consciência
de que é necessário haver um trabalho ressocializador, no sentido de encaminhar o reeducando
107
ao mercado de trabalho para, assim, devolvê-lo à sociedade com dignidade e com condições de
sobrevivência.
Quando se percebe que há uma chance de mudar de vida todos querem aprender uma
profissão ou estudar, por exemplo, com cursos profissionalizantes. Em Juiz de Fora essa ideia
está a todo vapor e já se observa mudanças valiosas na Penitenciária José Édson Cavalieri,
onde todos os profissionais (professores, psicólogos, assistentes sociais, agentes penitenciários,
etc.) estão altamente envolvidos na proposta, dando o melhor de si para alcançar êxitos. Enfim,
muitas penitenciárias brasileiras buscam condições para que o preso trabalhe. Minas Gerais deu
um passo à frente. Várias são as sugestões de medidas para o combate à criminalidade, como
providências de cunho administrativo (o aumento do número de vagas e a construção de
penitenciárias). Basta torná-las realidade!
108
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