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Page 1: O Método Dialético Na Introdução à Critica Da Economia Política

o MÉTODO DIALÉTICO NA "INTRODUÇÃO À CRÍTICA DAECONOMIA POLÍTICA"

Raimundo Portela Filho *Carmem Almeida Portela**

RESUMO

Abordagem do método dialético na perspectiva do texto marxiano"Introdução à Crítica da Economia Política". Conclui-se que Marxnão formulou uma metodologia bastante desenvolvida em seuspormenores e que apenas ulteriormente a tarefa de tematização maiselaborada e detalhada de tal método foi trabalhada, por exemplo, pelofilósofo Georg Lukács, por intermédio da dialética da particularidadeou lógica da particularidade.

Palavras-Chave: método dialético; Marx; Lukács; totalidade; singular;particular; universal abstrato; universal concreto; dialética daparticularidade.

SUMMARY

Approach of dialectical method occording to the view of the marxiantext "Introduction to the Criticism of Political Economics". It isconc1uded that Marx has not formulated a well developedmethodology in its details and the task of a more elaborated anddetailed treatment of such a method was worked on1ylater, for instance,by philosopher Georg Lukács, by means of dialectics of particularityor logic ofparticularity.

Key-words: dialectical method; Marx; Lukacs; totality; singular;particular; abstract universal; concrete universal; dialectics ofparticularity.

1 INTRODUÇÃO trabalho de Marx, no transcorrer dosquais ele estudou detidamente uma vas-ta literatura sócio-econômica e formu-lou os alicerces de sua própria teoriaeconômica.

O livro em tela, que deveria sero primeiro de uma série de "Cader-nos", foi publicado emjunho de 1859.

A obra "Para a Crítica da Eco-nomiaPolítica" constitui um marco re-levante na formação da economiapolítica marxiana, tendo sido escritaentre agosto de 1857 e janeiro de 1859.Ela foi o resultado de quinze anos de

* Professor Adjunto, Mestre, do Departamento de Filosofia da UFMA** Professora Auxiliar, Especialista, do Departamento de Filosofia da UFM

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o seu autor pretendia publicar o segun-do caderno pouco depois, no qual tra-taria de questões ligadas ao capital.Entretanto, pesquisas efetivadas leva-ram-no a modificar seu plano inicial.Agora, em lugar de seis livros planeja-dos, a obra deveria constar de quatrotomos sobre o capital. Ao invés de "ca-dernos periódicos" Marx elabora "OCapital", em que retoma as teses bási-cas de seu escrito "Para a Crítica da

Economia Política". Além disso,no prefácio à primeira edição de "OCapital", a propósito da relação entreas duas obras, diz Marx que o conteú-do de "Para a Crítica da EconomiaPolítica" se encontra resumido no pri-meiro tomo de "O Capital". Menciona-se aqui a relação entre as duas obrascitadas de Marx, todavia não constituiobjetivo deste artigo realizar um estudocomparativo das mesmas 1•

A "Introdução à Crítica da Eco-nomia Política" foi descoberta em 1902entre os manuscritos deixados por Marx,e publicada pela primeira vez por KarlKautsky na revista "Die Neue Zeit" em1903. A denominação "Introdução àCrítica da Economia Política" não é doseu próprio autor, mas se refere aonome com que foi publicada pela pri-meira vez e que se tomou tradicional.Tal texto não foi preparado para publi-cação e Marx alude a ele no prefáciode "Para a Crítica da Economia Políti-ca" como um esboço, um delineamen-to em largos traços, suscetível de maiordesenvolvimento. Conforme suas pró-prias palavras:

"Suprimo uma introduçãogeral que havia esboçado,pois, graças a uma reflexãomais atenta, parece-me quetoda antecipaçãopertub aria os resultadosainda por provar, e o leitorque se dispuser a seguir-meterá que se decidir a ascen-der do particular para ogeral. "(MARX, 1974, p.l34).

Tem-se nesse artigo o objetivode abordar o método dialético marxianobaseando-se naquele que é considera-do o texto em que Marx maislongamente aborda questõesmetodológicas, a saber, a "Introduçãoà Crítica da Economia Política."

Marx articula o texto supra men-cionado em quatro itens. Nos dois pri-meiros ele mais usa o método dialétioodo que o tematiza. Desse modo, eleaplica o método no tratamento dos pro-blemas da produção, consumo, distri-buição e troca em uma determinadaépoca histórica, em um momento dadodo processo histórico total, ou seja, aépoca da sociedade burguesa(bürgerliche Gesellschaft). No terceiroitem ele trata mais especificamente dequestões de método e assim explicita oprocedimento empregado nos dois pri-meiros; já o quarto item constitui umesquema iridicador de pesquisas ulteri-ores.

A seguir, procede-se a uma aná-lise e comentários acerca dos itens 1 a3, já aludidos, da Introdução de 1857,

ICr. ROSDOLSKY, Rornan. Génesis y Estructure de El Capital de Marx. México: Siglo Veintiuno Edtores, 1989.

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sem que se tenha a pretensão de umexame exaustivo, escolhendo-se comoreferenciais teóricos fundamentais paratal inquirição a dialética ou lógica daparticularidade assim como a aborda-gem ontológica do ser social desenvol-vidas por Lukács. Efetiva-se,outrossim, uma exposição concisa dealgumas concepções de três filósofosaqui selecionados - Lênin, Karel Kosike Lukács - , concernentes à dialéticamarxista no século XX. Por último te-cem-se algumas conclusões.

2 ANÁLISEMETODOLÓGICA DOSITENS 1 E2

Os filósofos e economistas pré-marxianos pressupõem como ponto departida, como gênese da História, ohomem natural, o indivíduo, enquantoeste constitui o ponto de chegada, oresultado, o produto do processo histó-rico, segundo Marx. Os pré-marxianosnão se questionam como se efetiva aindividuação. Contudo, a individuaçãonatural produz apenas fragmentos, fra-ções de um todo. Marx considera en-tão que o homem não nasce indivíduo,mas se faz indivíduo, como ser e sujei-to histórico que ele é.

Segundo Marx, os profetas doséculo xvm, nos quais se apoiam oseconomistas clássicos Smith e Ricardo,imaginam o indivíduo do século xvmcomo um ideal que teria existido nopassado; consideram-no não como umresultado histórico, mas como ponto departida da história, visto que o conside-ravam como um indivíduo conforme ànatureza, de acordo com a representa-ção que tinham da natureza humana,

que não se originou historicamente, masfoi posto como tal pela natureza. Defato, o indivíduo do século xvm é:

"(:.) produto, por um lado,da decomposição das for-mas feudais de sociedade e,por outro, das novas forçasde produção que se desen-volvem a partir do séculoXVI (..)" (MARX, 1974,p.l09).

Quanto mais se retrocede naHistória, mais dependente aparece oindivíduo e, por conseguinte, tambémo indivíduo produtor, e mais amplo éo conjunto a que pertence. ArgumentaMARX (1974b, p.ll O) que:

"A produção do indivíduoisolado fora da sociedade- uma raridade, que podemuito bem acontecer a umhomem civilizado transpor-tado por acaso para umlugar selvagem, mas levan-do consigo já, dinamica-mente, as forças dasociedade - é uma coisa tãoabsurda como o desenvol-vimento da linguagem semindivíduos que vivam jun-tos e falem entre si. "

Assim, a individuação é uma"especificação histórica" que teve iní-cio a partir da sociedade burguesa, sen-do o indivíduo anteriormente uma fraçãoda história como atesta MARX (1974,p.ll0):

"Só no século XVIII, na so-ciedade burguesa, as diver-sasformas do conjunto social

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passaram a apresentar-se aoindivíduo como simples meiode realizar seus fins priva-dos, como necessidade exte-rior.

CHASIN (Cf. 1978, p.71ss), fun-damentando-se em Lukács, consideraque a supressão teórica do caráter só-cio-histórico do homem, que não admi-te mediações sociais entre o homemindividual e o todo, é operada emdois níveis. No primeiro, ela realiza-seao nível ontológico da história concretacomo manifestação da rejeição em seadmitir, mesmo como simplesconstatação factual, a determinaçãoclassista dos homens na sociedade. Nosegundo, ela efetiva-se logicamente. Aesse respeito LUKÁCS (1965, p.l02)sustenta que:

"No contexto destas con-trovérsias desempenha umimportante papel a dialéticado universal e do particu-lar na sociedade; o parti-cular é aqui precisamentea expressão lógica das ca-tegorias sociais da media-ção entre os homensindividuais e a sociedade. "

Com efeito, nas formas unilate-rais de abordagem desse problema daindividualidade - social idade opera-setão somente com as categorias da uni-versalidade e singularidade, prescindin-do-se de ou desconsiderando-se acategoria da particularidade, enquantopara LUKÁCS (1965, p.l 02):

"O movimento do singularao universal ou vice-versa

está sempre mediado peloparticular; é um membroreal de mediação tanto narealidade objetiva quantono pensamento que refletede modo aproximadamenteadequado esta realidade. "

Chasin, seguindo a linha do pen-samento lukacsiano, admite que con-trapor o indivíduo isolado de maneiraimediata ao todo social tanto traduz umadeterminada necessidade ideológicacomo acarreta uma mistificação teóri-ca. Daí ser necessário a existência deexistências sociais mediadoras, ou seja,particulares, entre a existência do todosocial e a do indivíduo isolado.

A individuação é, com efeito,mais do que a simples imagem empíricaimediata, que identifica corpo e indiví-duo. Se ocorresse tal identificação,qualquer animal seria um indivíduo, umavez que todo animal possui corpo. Noentanto, a individuação humana suben-tende, pressupõe totalidade, no sentidode um complexo ordenado de relaçõesem processo e não uma simples somade partes que resulta num todo, bemcomo integração coerente, plena e cons-ciente de algo que se põe no mundo ese auto-rege, se auto-dirige.

No que se refere à produção emgeral, Marx sustenta que ela é umaabstração razoável (Cf. MARX, 1974,p.110), na medida em que enfatiza aidentidade da identidade, desprezandoa identidade da não-identidade ou iden-tidade da diferença, esquecendo-se as-sim das diferenças essenciais. Mascomo os traços comuns de um fenô-meno sócio-histórico como é o da

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produção constituem um complexo decomplexos, isto significa que a produ-ção na totalidade concreta de uma dadaépoca, por exemplo, a produção bur-guesa moderna, põe-se de modo distin-to daquele em que se põe na totalidadeconcreta de outra época, por exemplo,a produção feudal medieval.

A abstração razoável é pelomenos uma abstração justificável, fun-damentada na identidade da identida-de, na homogeneidade, na ênfase aostraços comuns, ao passo que uma abs-tração irrazoável seria meramenteespeculativa, subjetivista. Entretanto,sendo a abstração razoável um com-plexo composto de complexos, ela nãoé ainda capaz de dar conta de como seconstituem estes complexos nem decomo podemos atingir a essência realda natureza e da função de tais com-plexos. Assim, a abstração razoável épara Marx uma etapa necessária, sebem que não suficiente, da via, do ca-minho verdadeiramente científico, do"método científico exato" - expressãoesta que ele emprega no item 3 da "In-trodução" - faltando a tal abstração aconsideração do heterogêneo, das di-ferenças, das especificidades, das "de-terminações diferentes e divergentes".E esta não consideração ou esqueci-mento da diferença significa precisa-mente a operação de supressão ou aeliminação da própria realidade viva eobjetiva, porquanto constata-se que arealidade é ela mesma dinâmica,mutável, contraditória, constituída deidentidades e diferenças, sendo que asdiferenças constituem aquilo que pos-sibilita as contradições. Isto conduzMarx a dizer ironicamente contra aque-

les que realizam tal eliminação ontoló-gicaque,

"este esquecimento [da di-ferença] é responsável portoda a sabedoria dos éco-nomistas modernos que pre-tendem provar a eternidadee a harmonia das relaçõessociais existentes no seutempo." (MARX, 1974,p.lll).

Marx formula outrossim umconjunto de assertivas que revelam quepara se estudar, para se lidar com qual-quer fenômeno sócio-histórico, tem-sede levar na devida conta as relaçõesentre o todo e as partes, isto é, tem-sede relacionar o fenômeno em tela, queconstitui a parte, com o todo sócio-his-tórico, com o todo da existência social,entendendo-se a sociedade como umcomplexo composto de complexos e atotalidade como um complexo ordena-do de relações em processo. Um pro-cesso sócio-histórico, por sua vez, nãoconstitui algo acabado, pronto, imutá-vel, mas algo dinâmico, mutável, umcomplexo de processos. Além disso, umcomplexo não existe isoladamente, se-parado e independente dos demais com-plexos, porém numa ação recíproca comos outros complexos e o todo.

Desse modo, a categoria da to-talidade assume uma posição central nametodologia dialética marxiana para oconhecimento da totalidade do proces-so histórico. É fundamental em Marxque ele não unilateraliza o conhecimen-to dos elementos de uma totalidade atra-vés da captura apenas dos seus traçosidênticos ou comuns, mas procura sa-

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car as "diferenças dentro de uma uni-dade" ou então "a unidade do diverso",como ele diz no item 3 da "Introdu-ção".

1 ANÁLISEMETODOLÓGICA DOITEM 3

Este item tem por título "O Mé-todo da Economia Política" e nele Marxtrata mais pormenorizadamente da pro-blemática metodológica.

Marx irá conceber dois momen-tos do método. O primeiro momento éo caminho de ida dos singulares, dasexistências unitárias ao universal abs-trato, à generalização indeterminada ouainda à abstração razoável, esta jámencionada no item 1da "Introdução".

Os economistas vulgares, ado-tando uma metodologia empirista, par-tem do todo que aparece como umgrande caos - população - e procuramdeterminar com precisão como este todose compõe e se constitui. Produz-se umconjunto de abstrações razoáveis queretêm o que há de comum para evitarrepetições. Os componentes ou ele-mentos são organizados com voz abs-trata, permitindo-se estabelecer umconjunto de abstrações.

Marx não considera que a abs-tração razoável seja o coroamento, afinalidade da ciência, mas admite queela seja somente um aspecto de umprimeiro momento do método. Ela nãoé ainda ciência, porém descrição demateriais. Ela elimina as diferenças ouespecificidades, constituindo-se numconjugado de traços comuns ou identi-dades, e no elemento mediador para se

atingir a concreção, "a síntese de mui-tas determinações, isto é, unidade dodiverso" (MARX, 1974, p.122).

Assim, Marx critica, por um lado,o empirismo, que parte da realidadeimediatamente dada de dados empíricospara a obtenção de generalizações anível de universal abstrato. SegundoMarx, o conhecimento que se encon-tra a nível de universal abstrato aindanão é a teoria. Esta não é obtida a par-tir da visão imediata do empírico - uni-lateral e aparente - para se atingir aformulação de ilações ou generaliza-ções. A própria indução empirista podeser especulativa; o que rege, o que diri-ge o conhecimento é o objeto real exis-tente. O autor da Crítica da EconomiaPolítica critica, por outro lado, o idea-lismo hegeliano, senão vejamos:

"No primeiro método, a re-presentação plenavolatiza-se em determina-ções abstratas. (...) Por issoé que Hegel caiu na ilusãode conceber o real comoresultado do pensamentoque se sintetiza em si, seaprofunda em si, e se movepor si mesmo (..) (MARX,1974, p.122-3).

Uma vez caracterizado o primei-ro momento do método, Marx passa atratar do segundo, a saber, o caminhode volta, "a viagem de modo inverso"da abstração razoável ao concreto, douniversal abstrato ao universal concre-to. "O método cientificamente exato"é, para ele, o que parte do abstrato echega ao concreto. O universal con-

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ereto contém todas as diferenças, sen-do num primeiro momento uma abstra-ção (universal abstrato) que contémtodas as semelhanças ou traços co-muns. O concreto pensado constitui aapropriação do real pelo pensamento,a expressão teórica do concreto real.No que conceme ao concreto pensadoquestiona e argumenta CHASIN (1981,p.60):

"Será o concreto pensadoum composto de abstra-ções? [1m entrançado demuitas 'madeixas', cadauma destas sendo um feixede generalidades, compos-to este também de mil fiosgenéricos? Sim e não. Não,se as generalidades foremmeras generalidadesindeterminadas. Sim, se aoinverso, as generalidadesforem generalidades deter-minadas, ou seja, delimita-das no conteúdo e naextensão. Mas, o que é umageneralidade determinada,senão a particularidade?O que permite ler as pala-vras de Marx do seguintemodo: o concreto é concre-to porque é a síntese demuitas generalidades de-terminadas, isto é, de par-ticularidades. O que valedizer, evidentemente, sínte-se de especificações, emediações, dado que o con-creto é unidade do diver-so. "

Com efeito, Chasin admiteque as determinações a que Marx

alude são as generalidades determi-nadas ou particularidades.

Lukács atribui papel fundamen-tal no processo de concreção do co-nhecimento à categoria daparticularidade:

"Na particularidade, nadeterminação, naespecificação, esconde-se,pois, um elemento de críti-ca, de ulterior e mais con-creta determinação de umfenômeno ou de uma lega-lidade. É umaconcretização crítica me-diante o descobrimento dasmediações reais para cimaou para baixo nas relaçõesdo universal e do singu-lar." (LUKÁCS, 1965.p.126)

Isto porque,

"A ciência autêntica tomada própria realidade ascondições estruturais esuas transformações histó-ricas, e quando formula leisestas abarcam sem dúvidaa universalidade do pro-cesso, porém de tal modoque se pode sempre des-cender desta legalidadeaté os fatos singulares davida, ainda que, certamen-te, isto ocorra amiúde atra-vés de muitas mediações.Estas é precisamente adialética, concretamenterealizada, do universal, doparticular e do singular. "(LUKÁcs, 1965, p.98).

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A tese central da dialética se-gundo o filósofo russo Lênin (1870 -1924), consistia em que a realidade erauma totalidade dinâmica em desenvol-vimento, uma unidade de opostos, comoum organismo em evolução permanen-te e que somente conceitos ou juízosconcretos poderiam ser válidos comoconhecimentos da realidade. Assimcomo a realidade é uma conexão uni-versal, também para ele, no esforço dese conhecer, deve-se considerar o con-texto infmitamente variado de todos osconceitos em sua evolução. Lênin sus-tenta que os conceitos com os quais opensamento dialético opera se carac-terizam pela propriedade de elasticida-de, ou seja, não estão fixados parasempre, admitem a possibilidade dedeterminações opostas. Ele admite quea elasticidade aplicada objetivamente,de modo a refletir a generalidade doprocesso material e sua unidade, édialética, é o reflexo correto da eternaevolução do mundo. (Cf. ROD, 1984,p.267 - 277).

Na sua obra "Cadernos Filosófi-cos", escrita nos primeiros anos da Pri-meira Guerra Mundial, Lênin realiza

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2 ALGUMASCONCEPÇÕES SOBRE ADIALÉTICA MARXISTANO SÉCULO XX

Expõem-se a seguir, de maneirasuscinta, alguns aspectos das concep-ções de três filósofos aqui seleciona-dos - Lênin, Karel Kosik e Lukács - arespeito da dialética marxista no sécu-10 XX.

4.1 Lênin

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uma cuidadosa e cada vez mais pro-funda compreensão crítica da dialéticahegeliana, que resulta numa clara re-cusa de todo o marxismo tal como semanifestara até então. De acordo comLênin:

"Não se pode compreenderplenamente O Capital deMarx e, em particular, seuprimeiro capítulo se não seestudar atentamente e senão se compreende toda alógica de Hegel . Por con-seguinte, após meio século,nenhum marxista compre-endeu Marx l " (LÊNINapud LUKÁCS, 1979, p.31)

E ao tratar da relação entre OCapital e uma filosofia dialética geral,Lênin assevera:

"Mesmo que Marx não nostenha deixado uma Lógica[. ..} ele nos deixou poréma lógica de O Capital [...}.Em O Capital, aplica-se auma mesma ciência a lógi-ca, a dialética, a teoria doconhecimento (não precisatrês palavras: são a mesmacoisa) do materialismo, querecolheu de Hegel tudo oque nele há de precioso e odesenvolveu ulteriormen-te. " (LÊNIN apud LUKÁCS,1979, p.32)

Lukács considera grande méritode Lênin ter sido o único marxista desua época a rejeitar decididamente odomínio filosófico da lógica e dagnosiologia que se apoiam em si mes-

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mas, que são necessariamente idealis-tas, retomando pelo contrário, como nosapresenta o texto supra citado, à con-cepção hegeliana originária da unidadeentre lógica, gnosiologia e dialética, po-rém traduzida em termos materialistas.

Observa ainda Lukács que Marx,na Introdução à Crítica da EconomiaPolítica, não admite a unidadeestabelecida no aludido trecho de Lênin;que Marx distingue claramente entre sia ontologia e a gnosiologia, mas vê exa-tamente na ausência dessa distinção umadas fontes da ilusão idealista de Hegel.

Ao ressaltar a relevância, atuali-dade e necessidade de uma pesquisaprofunda sobre o Lênin filósofo, sus-tenta LUKÁCS (1979, p.32 - 33):

"De qualquer modo, mesmose no exame da obra filosó-fica de Lênin tivéssemos defazer essas ou semelhantesobjeções de detalhe à suasuperação da dialéticahegeliana e ao uso que delafez para levar adiante o mar-xismo, - uma leitura críticaglobal do Lênin filósofo é, ameu ver, uma das pesquisasmais importantes, atuais enecessárias, tendo em vistaas deformações de toda es-pécie a que foram submeti-dos os seus pontos de vista[ ..] As circunstâncias histó-ricas desfavoráveis impedi-ram que a obra teórica emetodológica de Lêninagisse em extensão e pro-fundidade. "

4.2 Karel Kosik

O filósofo tcheco Karel Kosik,nascido em 1926, em sua obra"Dialética do Concreto", publicada nadécada de 60, examina as mistificaçõesdo mundo da pseudoconcreticidade, queconstitui o mundo da reificação, dasaparências enganadoras, dos precon-ceitos. Em tal mundo a verdade e o errose confundem, a ambigüidade se gene-raliza. Face a isto o conhecimento hu-mano necessita discemir no real, a cadapasso, a unidade dialética da essênciae do fenômeno. Por isso, Kosik enfati-za o caráter totalizante do conhecimen-to.

Kosik sustenta que a dialéticatrata da "coisa em si", porém esta nãose manifesta imediatamente ao homem,sendo imprescindível realizar um esfor-ço e um détour para chegar a sua com-preensão.

Segundo Kosik, o mundo dapseudoconcreticidade constitui:

"O complexo dos fenôme-nos que povoam o ambien-te cotidiano e a atmosferacomum da vida humana,que, com a sua regularida-de, imediatismo e evidência,penetram na consciênciados indivíduos agentes, as-sumindo um aspecto inde-pendente e natural (. ..) "(KOSIK, 1989, p.lI).

Logo após esta caracterizaçãodo mundo da pseudoconcreticidadeKosik elenca os elementos de tal mun-do e admite que semelhante mundo "éum claro-escuro de verdade e engano.O seu elemento próprio é o duplo senti-

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do." (KOSIK, 1989,p.11)Kosik considera que é tarefa

precípua da filosofia o esforço paradescobrir a estrutura da coisa e a "coi-sa em si". As diversas tendências filo-sóficas fundamentais são somentemodificações desta problemática fun-damental e de sua solução em cada eta-pa evolutiva da humanidade. Como aessência da coisa, a estrutura da reali-dade, a "coisa em si", o ser da coisa,não se manifesta direta e imediatamen-te, a filosofia é uma atividade humananecessária, indispensável.

"Neste sentido a filosofiapode ser caracterizadacomo um esforço sistemáti-co e crítico que visa a cap-tar a coisa em si, a estruturaoculta da coisa, a descobriro modo de ser do existen-te."(KOSIK,1989,p.14).

o conceito da coisa é compre-ensão da mesma, e compreender a coi-sa significa conhecer a sua estrutura.A principal característica do conheci-mento, de acordo com Kosik, consistena decomposição do todo. Para ele adialética não atinge o pensamento defora para dentro, nem de imediato, nemconstitui uma de suas qualidades, sen-do que o conhecimento é a própriadialética em uma das suas formas. O"conceito" e a "abstração", em umaconcepção dialética, têm o significadode método que decompõe o todo parapoder reproduzir espiritualmente a es-trutura da coisa e, assim, compreendera coisa.

O pensamento dialético tem queefetuar a destruição da pseudo-

concreticidade para conhecer adequa-damente a realidade, para atingir aconcreticidade. Segundo Kosik, estepensamento é ao mesmo tempo um pro-cesso, no decorrer do qual, sob o mun-do da aparência se desvenda o mundoreal, por trás do fenômeno, a essência,sem negar a existência ou a objetivida-de daqueles fenômenos, mas destruin-do a sua pretensa independência,demonstrando o seu caráter mediato,derivado.

Conforme Kosik, Marx apossou-se da concepção dialética de totalida-de, purificou-a das mistificaçõesidealistas e fez dela uma das categori-as centrais da dialética materialista. (Cf.KOSIK, 1989, p.34). Além disso, parao filósofo tcheco, a categoria da totali-dade concreta é na filosofia materialis-ta principalmente e, em primeiro lugar,a resposta à pergunta: que é a realida-de ? E só em segundo lugar e, comoresultado da solução materialista à pri-meira questão, ela pode ser um princí-pio epistemológico e uma exigênciametodológica.

Segundo Kosik:

"(..) totalidade não signi-fica todos os fatos. Totali-dade significa: realidadecomo um todo estruturado,dialético, no qual ou doqual um fato qualquer(classe de fatos, conjuntode fatos) pode vir a ser ra-cionalmente compreendido.Acumular todos os fatosnão significa ainda conhe-cer a realidade; e todos osfatos (reunidos em seu con-

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junto) não constituem, ain-da, a totalidade. Os fatossão conhecimento da rea-lidade se são compreendi-dos como fatos de um tododialético (..) se são enten-didos como partes estrutu-rais do todo. (...) Sem acompreensão de que a rea-lidade é totalidade concre-ta - que se transforma emestrutura significativa paracada fato ou conjunto defatos - o conhecimento darealidade concreta não pas-sa de mística, ou a coisaincognoscivel em si."(KOSIK, 1989, p.35- 36).

A dialética, de acordo comKosik, não pode conceber a totalidadecomo um todo já feito e formalizado,que determina as partes, uma vez quea gênese e o desenvolvimento da tota-lidade pertencem à própria determina-ção da totalidade, o que, sob o ponto devista metodológico, envolve oquestionamento de como surge a tota-lidade e quais são as fontes internas doseu desenvolvimento e movimento.

"A totalidade não é umtodo já pronto que se re-cheia com um conteúdo,com as qualidades das par-tes ou com as suas relações;a própria totalidade é quese concretiza e estaconcretização não é ape-nas criação do conteúdo,mas também criação dotodo. " (KOSIK, 1989, p.49- 50).

A totalidade concreta como con-cepção dialético - materialista do co-nhecimento do real constitui, para Kosik,um processo indivisível, cujos momen-tos são os seguintes:

"(. ..) a destruição dapseudoconcreticidade, istoé, da fetichista e aparenteobjetividade do fenômeno,e o conhecimento da suaautêntica objetividade; emsegundo lugar, conheci-mento do caráter históricodo fenômeno, no qual semanifesta de modo carac-terístico a dialética do in-dividual e do humano emgeral; e enfim o conheci-mento do conteúdo objeti-vo e do significado dofenômeno, da sua funçãoobjetiva e do lugar históri-co que ele ocupa no seio docorpo social." (KOSIK,1989, p.52).

De acordo com Kosik, o proces-so do abstrato ao concreto, enquantométodo materialista do conhecimento darealidade, constitui a realidade concre-ta, "( ...) na qual se reproduz idealmentea realidade em todos os seus planos edimensões" (KOSIK, 1989, p.30). Des-se modo, o processo do pensamento nãose restringe a transformar o todo caóti-co das representações no todo trans-parente dos conceitos, uma vez que nodecorrer do processo o próprio todo ésimultaneamente esboçado, determina-do e compreendido.

Kosik culmina sua análise sobrequestões de método assim caracterizan-do a dialética:

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(..) é o método da reprodu-ção espiritual e intelectual darealidade, é o método do de-senvolvimento e daexplicitação dos fenôme-nos culturais partindo daatividade prática objetivado homem histórico. "(KOSIK, 1989, p.32).

4.3 Georg Lukács

Em seções anteriores deste arti-go já foi salientada a relevância não sólógica como ontológica da categoria daparticularidade, que desempenha papelfundamental no processo de concreçãodo conhecimento, na perspectiva abor-dada pelo filósofo húngaro GeorgLukács (1885 - 1971), exposta em suaobra "Prolegômenos a uma estéticamarxista", escrita ao longo dos anos 50e publicada pela primeira vez em 1963.

O rico aparelho categorial daobra lukasiana supra citada está clara-mente relacionado com a problemáticaontológica e antecipa temas e soluçõesde sua obra ulterior "Ontologia do SerSocial". Nesta, a idéia fundamental é ade que as categorias da ciência social,e particularmente da economia políti-ca, são primeiramente categorias darealidade social. O conhecimento dasrelações sociais se define, por conse-guinte, como descoberta das categori-as sociais reais.

A parte da "Ontologia do SerSocial" que conceme mais diretamen-te ao tema deste artigo é a primeira -A Situação Atual dos Problemas - ,capítulo quatro - Os PrincípiosOntológicos Fundamentais de Marx - ,

seção dois - Crítica da Economia Polí-tica.

Na "Ontologia do Ser Social"Lukács se orienta pelo método esbo-çado por Marx na "Introdução à Críti-ca da Economia Política". O filósofohúngaro interpreta a dimensãometodológica presente na "Crítica daEconomia Política" marxiana como ummétodo de crítica ontológica, que impli-ca um recurso constante à totalidade eà história, com o objetivo de mediatizaros fatos empíricos, de retirar deles aaparência de fetiches isolados ou decoisas naturais.

Lukács considera que o Marxda maturidade escreveu relativamentepouco a respeito de questões gerais defilosofia e ciência. No que se refere àIntrodução à Crítica da Economia Polí-tica, LUKÁCS (1979, p. 35) asseveraque:

"(...) não se pode dizer queesse escrito tenha efetiva-mente influído sobre a con-cepção que se elaborouacerca da essência e dométodo da doutrina marxis-ta. Não obstante, esse es-boço resume os problemasmais essenciais daontologia do ser social e osmétodos resultantes para oconhecimento econômico,enquanto campo centralpara esse nível da existên-cia da matéria. "

Observa ainda Lukács que, doponto de vista metodológico, Marx se-para nitidamente dois complexos, a sa-ber: o ser social, que existeindependentemente do fato de que seja

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ou não conhecido corretamente; e ométodo para captá-lo no pensamento,da maneira mais adequada possível.

Ao comentar o item 3 da Intro-dução de 1857, que trata do método daeconomia política, Lukács admite queMarx rompe duplamente com um modoidealista de conceber as coisas:

"Em primeiro lugar, é pre-ciso compreender que ocaminho, cognoscitivamen-te necessário, que vai dos'elementos' (obtidos pelaabstração) até o conheci-mento da totalidade concre-ta é tão - somente o caminhodo conhecimento, e não aque-le da própria realidade. Esteúltimo, ao contrário, é feitode interações reais e concre-tas entre esses 'elementos',dentro do contexto da atu-ação ativa ou passiva datotalidade complexa. Dissoresulta que uma mudançada totalidade (inclusive dastotalidades parciais que aformam) só é possível tra-zendo à tona a gênese real.Fazer uma tal modificaçãoderivar de deduções cate-goriais realizadas pelo pen-samento pode facilmente -como mostra o exemplo deHegel - levar a concepçõesespeculativas infundadas.[ ..] É claro, portanto, queo método da economia po-lítica - que Marx designacomo uma 'viagem de retor-no' - pressupõe uma coo-peração permanente entreo procedimento histórico

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(genético) e o procedimentoabstrativo - sistematizante(que evidencia as leis e astendências). A interrelaçãoorgânica, e por isso fecun-da, dessas duas vias do co-nhecimento, todavia, só épossível sobre a base de umacritica ontolôgica permanen-te de todo passo àfrente; [ ..]Em segundo lugar, e em es-treita correlação com o quedissemos até aqui, não sedeve reduzir o contraste en-tre 'elementos' e totalidadeà simples antítese entre o queem-si é simples e o que em-si é composto. As categori-as gerais do todo e de suaspartes sofrem aqui uma ul-terior complexificação, semporém serem suprimidasenquanto relação funda-mental: todo 'elemento',toda parte é também aquium todo; o 'elemento' é sem-pre um complexo com pro-priedades concretas,qualitativamente especifi-cas, um complexo de for-ças e relações diversas queagem em conjunto. Essacomplexidade, porém, nãoelimina o caráter de 'ele-mento ': as autênticas cate-gorias econômicas são,precisamente em sua com-plexidade e em sua proces-sualidade, cada uma a seumodo, e cada uma em seuposto, algo de efetivamente'último', algo que pode cer-

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tamente ser ulteriormenteanalisável, mas não ulterior-mente decomposto na reali-dade. " (LUKÁCS, 1979,p.38-40).

Ao salientar a relevância e atua-lidade da ontologia lukasiana assimcomo da inspiração metodológica daobra desse filósofo húngaro, desse modoargumenta COUTINRO (1996, p.148):

<tA ontologia lukacsiana,assim, é uma arma críticacontra a reificação (..) Eme parece inegável a suafecundidade e atualidadenum momento em que , soba cobertura de uma supos-ta 'crise de paradigmas '(entre os quais o marxistaocuparia naturalmente oprimeiro plano), busca-sedefender a fragmentação'pós-moderna' contra oprincípio metodológico datotalidade. A inspiraçãometodológica da obralukacs iana é um antídotoeficaz contra a falsadualidade de formalismovazio e de empirismo cego,que (..) predomina na ci-ência social contemporâ-nea.

3 CONCLUSÃO

Marx critica e procura superartanto o empirismo, que tem como pon-to de partida a realidade imediatamen-te dada, como a dialética especulativa

hegeliana. Ressalte-se aqui que Marxtem para com Hegel uma atitude com-plexa, mesclada de atração para ométodo e de repulsão da metafisica, deaceitação do desenvolvimentometodológico e de rejeição do modocom que o autor da "Ciência da Lógi-ca" aplicou este descobrimento.

O método dialético em Marxengloba a ida e a volta. O caminho deida é o da mudez da singularidade ime-diata à voz da generalidade abstrata,abstração razoável ou ainda universalabstrato. O caminho de volta, por suavez, é "a viagem de modo inverso", apartir da abstração razoável para oconcreto, que é "uma rica totalidadede determinações e relações diversas",ou, dito de outro modo, "a síntese demuitas determinações, isto é, unidadedo diverso".

Marx, em seu principal fragmen-to metodológico - "Introdução à Críti-ca da Economia Política"- publicadopostumamente, busca a apreensão deformas existenciais reais, a reprodu-ção conceitual das existências, a re-produção da lógica do objeto, do real,através da articulação dos conceitos.

Entretanto, a tarefa detematização mais elaborada e porme-norizada do método dialético marxianofoi deixada para ulterior desenvolvimen-to. Para dar um exemplo, o filósofohúngaro Georg Lukács retoma o méto-do dos dois caminhos, que Marxexplicita em linhas gerais na "Introdu-ção à Crítica da Economia Política", edesenvolve a dialética da particularida-de como pedra de toque do processode concreção. Na verdade, Lukács efe-tiva a recuperação, explicitação, amplo

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tratamento e fértil uso da dialética daparticularidade que havia ficado de-pois de Hegel (1770 - 1831) e Marx(1818 - 1883), completamente esque-cida e abandonada durante décadas.

Assim, é Lukács que, ao procu-rar aprofundar o processo deconcreção, lança mão da dialética oulógica da particularidade, que busca asmediações, a especificidade, o peculi-ar, a diferença que institui e determinao efetivamente existente. Com efeito,a particularidade é o instrumentoespecificador de volta, que permiteretomar da abstração ao concreto, jáse encontrando inclusive no caminho deida, desde que a abstração razoável épara ser considerada como generaliza-ção a partir da particularidade. A rela-ção singular-universal atrofia-se,

esclerosa-se, sem a particularidade. Estaé o instrumento de determinação e ocampo de especificação entre generali-dade e singularidade. Em síntese, omovimento que apreende o real é aintegração constelar de singular, parti-cular e universal, ou seja, o processode concreção efetua a reprodução in-telectual da dialeticidade dos três níveisde generalização - singularidade, par-ticularidade, universalidade - que seencontram entrelaçados no real.

Considera-se aqui que a reflexãoontológico - social do Lukács da matu-ridade constitui maneira fecunda eabrangente de resgatar, de recuperarfilosoficamente o ponto de vistamarxiano da totalidade.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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KOSIK, Karel. Dialética do concreto.5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1989.

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MARX, Karl. Para a crítica da econo-mia política. São Paulo: Abril Cul-tural, 1974. (Os Pensadores).

___ o Introdução à crítica da eco-nomia política. São Paulo: AbrilCultural, 1974. (Os Pensadores).

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