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INSS - Instituto Nacional do Seguro Social Analista do Seguro Social com formação em Serviço Social 1 Serviço Social como profissão. ............................................................................................................... 1 1.1 Dimensão histórica e teórico-metodológica. ............................................................................................ 1 1.1.1 Concepção, gênese e institucionalização do Serviço Social no mundo e no Brasil. ......................... 11 1.1.2 Significado social da profissão. ........................................................................................................... 21 1.1.3 O(a) assistente social na divisão sociotécnica do trabalho. ............................................................... 22 1.1.4 O movimento de reconceituação na América Latina, em particular no Brasil. .................................. 28 1.1.5 A renovação profissional: vertente modernizadora, a vertente da reatualização do conservadorismo e a vertente da intenção de ruptura. .................................................................................................................... 31 1.1.6 Análise crítica das influências teórico-metodológicas e as formas de intervenção construídas pela profissão em seus distintos contextos históricos. ............................................................................................. 36 1.1.7 Questão social e suas manifestações na contemporaneidade. .......................................................... 39 1.1.8 O Serviço Social na contemporaneidade. .......................................................................................... 46 1.1.9 Movimentos sociais contemporâneos. ................................................................................................ 60 1.1.10 Mudanças no mundo do trabalho e as suas repercussões no trabalho profissional do(a) assistente social. ................................................................................................................................................................ 63 1.1.11. Regulamentação do exercício profissional - Lei n° 8.662/1993 e alterações. ................................ 68 1.2 Dimensão técnico-operativa. .............................................................................................................. 72 1.2.1 Proposta de intervenção na área social: planejamento, planos, programas, projetos e atividades de trabalho. ............................................................................................................................................................. 72 1.2.1.1 Estratégias, instrumentos e técnicas de intervenção: abordagem individual, técnica de entrevista, abordagem coletiva, trabalho com grupos, em redes e com famílias, atuação na equipe multidisciplinar e profissional (relacionamento e competências), visitas domiciliares e institucionais. Pareceres, laudos e opiniões técnicas conjuntos entre Assistente Social e outros profissionais - Resolução CFESS nº 557 de 15 de setembro de 2009; ............................................................................................................................................................. 78 1.2.1.2 Uso de recursos institucionais e comunitários. ................................................................................ 96 1.2.2 O Serviço Social na Previdência Social. ........................................................................................... 101 1.2.2.1 Trajetória histórica. ......................................................................................................................... 105 1.2.2.2 Artigo 88 e 89 da lei nº 8.213/1991. ............................................................................................... 121 1.2.2.3 Ações profissionais: socialização das informações, fortalecimento do coletivo, assessoria e consultoria. ...................................................................................................................................................... 122 1.2.2.4 Instrumentos técnicos: pesquisa social, parecer social; e avaliação social para concessão do Benefício de Prestação Continuada - BPC e da Aposentadoria da Pessoa com Deficiência. (Portaria Interministerial MDS/INSS nº 02 de 30 de março de 2015 - DOU 19 de Abril de 2015 e Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU nº 1, de 27 de Janeiro de 2014 - DOU de 30/01/2014). ....................................... 124 1.3 Dimensão ético-política. .................................................................................................................... 129 1.3.1 Código de Ética Profissional dos(as) Assistentes Sociais. Resolução CFESS nº 273 de 13 de março de 1993, e alterações. ..................................................................................................................................... 130 1.3.2 O projeto ético-político do Serviço Social e suas implicações no agir profissional. ......................... 137 1177892 E-book gerado especialmente para MARIA JOSE BRITO DE CARVALHO

08 conhecimentos especificos

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  • INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

    Analista do Seguro Social com formao em Servio Social

    1 Servio Social como profisso. ............................................................................................................... 1 1.1 Dimenso histrica e terico-metodolgica. ............................................................................................ 1 1.1.1 Concepo, gnese e institucionalizao do Servio Social no mundo e no Brasil. ......................... 11 1.1.2 Significado social da profisso. ........................................................................................................... 21 1.1.3 O(a) assistente social na diviso sociotcnica do trabalho. ............................................................... 22 1.1.4 O movimento de reconceituao na Amrica Latina, em particular no Brasil. .................................. 28 1.1.5 A renovao profissional: vertente modernizadora, a vertente da reatualizao do conservadorismo e

    a vertente da inteno de ruptura. .................................................................................................................... 31 1.1.6 Anlise crtica das influncias terico-metodolgicas e as formas de interveno construdas pela

    profisso em seus distintos contextos histricos. ............................................................................................. 36 1.1.7 Questo social e suas manifestaes na contemporaneidade. .......................................................... 39 1.1.8 O Servio Social na contemporaneidade. .......................................................................................... 46 1.1.9 Movimentos sociais contemporneos. ................................................................................................ 60 1.1.10 Mudanas no mundo do trabalho e as suas repercusses no trabalho profissional do(a) assistente

    social. ................................................................................................................................................................ 63 1.1.11. Regulamentao do exerccio profissional - Lei n 8.662/1993 e alteraes. ................................ 68 1.2 Dimenso tcnico-operativa. .............................................................................................................. 72 1.2.1 Proposta de interveno na rea social: planejamento, planos, programas, projetos e atividades de

    trabalho. ............................................................................................................................................................. 72 1.2.1.1 Estratgias, instrumentos e tcnicas de interveno: abordagem individual, tcnica de entrevista,

    abordagem coletiva, trabalho com grupos, em redes e com famlias, atuao na equipe multidisciplinar e profissional (relacionamento e competncias), visitas domiciliares e institucionais. Pareceres, laudos e opinies tcnicas conjuntos entre Assistente Social e outros profissionais - Resoluo CFESS n 557 de 15 de setembro de 2009; ............................................................................................................................................................. 78

    1.2.1.2 Uso de recursos institucionais e comunitrios. ................................................................................ 96 1.2.2 O Servio Social na Previdncia Social. ........................................................................................... 101 1.2.2.1 Trajetria histrica. ......................................................................................................................... 105 1.2.2.2 Artigo 88 e 89 da lei n 8.213/1991. ............................................................................................... 121 1.2.2.3 Aes profissionais: socializao das informaes, fortalecimento do coletivo, assessoria e

    consultoria. ...................................................................................................................................................... 122 1.2.2.4 Instrumentos tcnicos: pesquisa social, parecer social; e avaliao social para concesso do

    Benefcio de Prestao Continuada - BPC e da Aposentadoria da Pessoa com Deficincia. (Portaria Interministerial MDS/INSS n 02 de 30 de maro de 2015 - DOU 19 de Abril de 2015 e Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU n 1, de 27 de Janeiro de 2014 - DOU de 30/01/2014). ....................................... 124

    1.3 Dimenso tico-poltica. .................................................................................................................... 129 1.3.1 Cdigo de tica Profissional dos(as) Assistentes Sociais. Resoluo CFESS n 273 de 13 de maro

    de 1993, e alteraes. ..................................................................................................................................... 130 1.3.2 O projeto tico-poltico do Servio Social e suas implicaes no agir profissional. ......................... 137

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    1.3.3 Projeto profissional - rumos ticos e polticos do trabalho profissional na contemporaneidade. .... 150 2 Estado, Polticas Pblicas e Direitos Sociais no Brasil. ................................................................... 154 2.1 Estado: Conceito e mudanas na organizao do Estado moderno. Estado e governo. Dominao

    racional legal com quadro burocrtico. Os quadros e meios administrativos do Estado. .............................. 154 2.2 O Estado de Bem-estar social e cidadania. As crises do Estado de Bem-estar social. A noo de

    cidadania regulada, no Brasil. ......................................................................................................................... 182 2.3 As diferentes conceituaes de polticas pblicas. O processo de elaborao de polticas no Estado

    moderno. ......................................................................................................................................................... 203 2.4 Regimes polticos. Principais correntes ideolgicas da poltica no sculo XIX: liberalismo e nacionalismo.

    A construo dos Estados nacionais. Principais correntes ideolgicas da poltica no s- culo XX: democracia, fascismo, socialismo e comunismo. Neoliberalismo, contexto poltico e econmico atual. .......................... 216

    2.4 Mobilizao, organizao e participao social nos processos de gesto das instituies estatais: conselhos de direitos, conferncias e outros fruns. Mecanismos legais e institucionais de ampliao, diversificao e garantia de direitos individuais, coletivos e difusos. ............................................................. 240

    2.5 Polticas e os Programas da Seguridade Social: sade, previdncia e assistncia social (organizao, gesto, financiamento, reformas e controle social). Poltica de Educao e trabalho e emprego, no Brasil. 273

    2.6 Lei n 11.340, de 7 de agosto de 2006 (cria mecanismos para coibir a violncia domstica e familiar contra a mulher). ............................................................................................................................................. 301

    3 Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 e atualizaes. ...................................... 308 3.1 Ttulo I - Dos Princpios Fundamentais. ............................................................................................... 309 3.2 Ttulo II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais. .............................................................................. 309 3.3 Ttulo VIII Da Ordem Social. 3.3.1 Captulo I e II. ............................................................................... 316 4 Realidade Social Brasileira. ................................................................................................................. 321 4.1. Lutas de classes. Desigualdades econmicas e sociais. Debate sobre as causas da desigualdade

    brasileira. Multidimensionalidade da desigualdade e pobreza. Discriminao e pobreza. ............................ 321 4.2. Desenvolvimento urbano brasileiro: o crescimento das cidades e os desafios urbanos. Questo rural e

    fundiria. .......................................................................................................................................................... 345 4.3 Dinmica e estrutura demogrfica do Brasil. Mudana no perfil demogrfico. Impactos das mudanas

    demogrficas nas polticas sociais. ................................................................................................................ 356 Questes .................................................................................................................................................... 373 Questes Complementares ...................................................................................................................... 417

    Candidatos ao Concurso Pblico,

    O Instituto Maximize Educao disponibiliza o e-mail [email protected] para dvidas

    relacionadas ao contedo desta apostila como forma de auxili-los nos estudos para um bom desempenho

    na prova.

    As dvidas sero encaminhadas para os professores responsveis pela matria, portanto, ao entrar em

    contato, informe:

    - Apostila (concurso e cargo);

    - Disciplina (matria);

    - Nmero da pgina onde se encontra a dvida; e

    - Qual a dvida.

    Caso existam dvidas em disciplinas diferentes, por favor, encaminh-las em e-mails separados. O

    professor ter at cinco dias teis para respond-la.

    Bons estudos!

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    1. SERVIO SOCIAL COMO PROFISSO

    Fundamentos Histricos, Tericos e Metodolgicos do Servio Social Utilizamos neste tpico as ideias de Lopes1 que, baseado em autores renomados na rea do Servio

    Social, prope rever a questo do Servio Social no Brasil, suas prticas e formas de organizao, sua influncia nas polticas pblicas e como esta, atravs da distribuio de renda desigual, contribuem para a manuteno da acumulao capitalista - o capital sob domnio de poucos.

    1.1 Dimenso histrica e tericometodolgica: O Assistencialismo Conceito O conceito de assistencialismo estabelece uma linha tnue com o conceito de assistncia, podendo

    muitas vezes esses ser confundidos ou mesclados. O assistencialismo teve seu incio em torno de 3000 a.C., quando era praticado no mundo antigo pelas confrarias, em especial as Confrarias do Deserto.

    Em algumas de suas expresses, o assistencialismo agregado a uma dimenso espiritual. O assistencialismo visto como uma tcnica voluntria e espontnea de doao, ajuda ou favorece

    s populaes menos favorecidas, uma ao filantrpica, na qual se procura proporcionar uma vinculao dos assistidos aos que realizaram tal benfeitoria sob o sentimento de gratido, vnculo e tutela. Ao ser

    1 Texto base adaptado de LOPES, L. H. M. Fundamentos Histricos, Tericos e Metodolgicos do Servio Social.

    1. Servio Social como profisso 1 Servio Social como profisso. 1.1 Dimenso histrica e terico-metodolgica. 1.1.1 Concepo, gnese e institucionalizao do Servio

    Social no mundo e no Brasil. 1.1.2 Significado social da profisso. 1.1.3 O(a) assistente social na diviso sociotcnica do trabalho. 1.1.4 O movimento de reconceituao na Amrica Latina, em

    particular no Brasil. 1.1.5 A renovao profissional: vertente modernizadora, a

    vertente da reatualizao do conservadorismo e a vertente da inteno de ruptura.

    1.1.6 Anlise crtica das influncias terico-metodolgicas e as formas de interveno construdas pela profisso em seus distintos contextos histricos.

    1.1.7 Questo social e suas manifestaes na contemporaneidade.

    1.1.8 O Servio Social na contemporaneidade. 1.1.9 Movimentos sociais contemporneos. 1.1.10 Mudanas no mundo do trabalho e as suas repercusses

    no trabalho profissional do(a) assistente social. 1.1.11. Regulamentao do exerccio profissional - Lei n

    8.662/1993 e alteraes.

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    desenvolvido pelo Estado, suas aes visam retribuio por parte dos assistidos, perdendo a inteno de ser um direito, devendo ser retribudo eleitoralmente.

    O assistencialismo parte de uma concepo do senso comum, sem profissionalizao, para o qual as aes tidas como de assistncia no so compreendidas ou entendidas como um direito social e um dever do Estado, mas sim como uma prtica paternalista e burocrtica, reduzindo os servios e aes prestadas a repasses e concesses apenas. Essa ao no percebida muitas vezes pelos indivduos, pois eles se veem como um objeto de determinada ao e no mais como seres sociais, dotados de capacidades e valores.

    As aes assistenciais expressam, portanto, uma forma de acessar um determinado bem, expresso da benesse, atravs da doao intencional, que estabelece uma relao que apresenta duas pessoas ou partes distintas: um doador e um receptor. Essa relao, mesmo que permeada de boas intenes, acarreta a dependncia, pois a relao de apadrinhamento pressupe uma dvida, um devedor que mesmo em longo prazo dever pagar sua dvida.

    Em sntese nas prticas assistenciais, a necessidade se constitui em um objeto de ajuda, em uma dificuldade a ser eliminada, num problema a ser resolvido, sem finalidade.

    Esse conceito busca justificar a criao de servios e instituies, pois se verifica na ajuda a melhor forma de realizar certa benfeitoria. Tem-se como instituies criadas durante esse perodo as casas de apoio, asilos, albergues, orfanatos, criados como forma de eliminar algumas demandas sociais por meio de aes do Estado ou mesmo dos servios ou instituies privadas, sem apresentarem o carter de dever ou de incluso, apenas como forma e meio de apaziguar situaes que demonstravam alguma disfuno a ordem social vigente.

    Desses assistidos esperava-se a submisso e dependncia, a sua no articulao ou organizao, era pretendida apenas sua dominao e subordinao.

    Alguns filsofos da antiguidade, tais como Aristteles, Plato, Sneca e Ccero, refletiram sobre as aes assistencialistas e, atravs de seus estudos verificaram a necessidade de propor uma racionalizao a essas aes. So Toms de Aquino (1224-1274) organizou a doutrina crist, situando a caridade como um de seus pilares. No sculo XVII, So Vicente de Paulo, na Frana, trouxe de volta o modelo de confraria para o assistencialismo. Com a Revoluo Francesa, a base da assistncia foi deslocada, sendo posicionada como um direito do cidado e um dever de todos de prest-la.

    Os tericos clssicos (sculos XVII e XVIII) acreditavam que os homens so movidos por paixes que provocam desejos materiais que poderiam possibilitar conflitos entre eles. Consideravam que o poder no nascia do homem e sim de Deus e, portanto, a vontade divina deveria ser a base de todos os direitos. Nessa concepo, surge a necessidade do Estado controlar e atender ao bem comum.

    Os clssicos consideravam que o homem vive em competio pela honra e pela dignidade, est em constante processo de comparao e sempre se julga mais capaz de exercer o poder pblico do que os que esto no poder. Essas concepes geram conflitos que podem ameaar a paz.

    Da Idade Mdia at o sculo XIX, a assistncia era encarada como forma de controlar a pobreza e de

    ratificar a sujeio. A assistncia aqui o assistencialismo, pois ainda havia um confuso entre estes conceitos.

    Essa busca de acesso aos bens de consumo coloca o indivduo em constante conflito entre o espao que ocupa na sociedade e o que deseja alcanar, provocando uma busca por acumulao de bens. Tal comportamento pode ter por consequncia imediata o aumento da violncia, a complacncia com a guerra e a morte.

    O sistema capitalista implica convivncia constante com a distribuio de renda desigual e a moral

    judaico-crist de caridade e distribuio de bens. Essa contradio abrandada pela representao coletiva de que, se o indivduo se esforar, ter condies de acumular bens e melhorar sua condio social, implicando uma busca constante de bens materiais, que acirra o esprito competitivo, necessrio manuteno do sistema.

    Nesse contexto, o assistencialismo surge como uma possibilidade de abrandar conflitos, uma vez que desperta o sentimento de gratido. A relao de benemerncia vincula o assistido ao benemrito, seja ele pblico ou privado, abrandando assim os conflitos, uma vez que o indivduo passa a perceber o explorador como benfeitor. Tal prtica dificulta a percepo das polticas de assistncia como um direito do cidado e um dever do Estado.

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    As primeiras formas de assistencialismo no Brasil A histria do assistencialismo no Brasil se confunde com a prpria organizao do estado brasileiro,

    ao nos reportamos com a primeira organizao geogrfica, as capitanias hereditrias, verificamos que, conforme um decreto de Dom Joo III, o rei de Portugal estabeleceu que o Brasil fosse dividido em quinze grandes reas geogrficas que seriam administradas por doze famlias portuguesas e que estas terras continuariam a pertencer a Portugal. Alm disso, essas famlias teriam direitos, amplos poderes e poucos deveres, e, em contrapartida, o rei teria a garantia da colonizao sem precisar fazer investimentos, j que sua maior preocupao era com o comrcio nas ndias. Atravs deste processo, garantir-se-ia a submisso coroa portuguesa.

    Por outro lado, a populao nativa brasileira jamais teria direito a qualquer terra. Os senhores feudais, que eram donos absolutos da terra e de tudo que ela produzisse, ofereciam favores aos trabalhadores das terras, o que era considerado como caridade e no como uma forma de trabalho.

    O assistencialismo continua durante o perodo da escravido, quando os senhores tinham poder absoluto sobre os escravos, sendo estes sua propriedade privada. Utilizava-se de meios como a prtica religiosa obrigatria, por meio da qual os escravos frequentavam as capelas e eram obrigados a servir a f religiosa catlica. Tal atitude era apresentada como uma forma de justificar o direito s torturas e aos maus-tratos. Os escravos eram obrigados a se adequar realidade de seus senhores, apropriando-se de sua cultura, hbitos, crena e religio. Apesar de no serem remunerados por suas atividades, os escravos muitas vezes recebiam presentes, que eram importantes para preservao da imagem de bondade dos patres.

    O processo no foi diferente nas relaes de produo agrcola, em que imigrantes e nativos eram explorados, no recebiam salrios dignos e tinham vinculao de consumo na prpria fazenda. Para manter esta situao, os detentores do poder pagavam o salrio, que mal dava para os empregados manterem-se, forneciam crdito como uma forma de preocupao e assistncia, alm de relaes de apadrinhamento que causavam dependncia e falsa sensao de aceitao do empregado no seio da famlia do patro. Essas situaes e esses pequenos presentes serviam para abrandar conflitos e revoltas trabalhistas.

    As prticas assistencialistas, mesmo com a evoluo do contexto histrico brasileiro, continuaram. J

    no incio do processo de industrializao, exatamente no governo de Getlio Vargas, manobras assistencialistas permeavam a administrao, vista a ampliao da classe trabalhadora devido a essa mesma industrializao. Nesse perodo, foram criadas as legislaes trabalhistas, pois se verificou que no se poderia atenuar os conflitos sociais apenas pela a fora. Criou-se desse modo, um pacto, pacto de natureza populista, com uma mentalidade de direito. O direito, nesse caso, era expresso atravs da doao de bens e benefcios, a fim de evitar a revolta dos trabalhadores.

    Esse pacto consistia na oferta gratuita de direitos trabalhistas em troca da passividade dos trabalhadores enquanto classe, impedindo a luta por direitos, abafando suas lutas, alm de passar a imagem de Getlio como um presidente comprometido com o povo. Porm, esse pacto, mesmo na forma de uma poltica ou legislao, no rompia com o carter assistencialista impresso nessas aes, pois elas nada mais eram do que uma forma de atenuar os conflitos entre as classes sociais.

    Acredita-se que uma das mais expressivas formas de assistencialismo expressas no Brasil se deu a partir da criao, em 1942, da Legio Brasileira de Assistncia LBA, no governo Vargas, sob a influncia de Darcy Vargas e com uma roupagem do primeiro damismo, sendo o primeiro damismo a institucionalizao do assistencialismo na figura da mulher do governante.

    Tal ao assistencialista perdura at os dias atuais, porem com uma nova feio. Tem-se em todo Brasil os Fundos de Solidariedade que nada mais so do que uma LBA sob uma nova roupagem. Os Fundos proporcionam, at os dias de hoje mesmo com todo o evoluir das polticas sociais pblicas , o assistencialismo nu e cru. Muitas instituies polticas e partidrias se utilizam desse como forma de arrebanhar votos, voltando s velhas prticas.

    Com esse breve relato histrico, percebemos que o assistencialismo no Brasil sempre foi utilizado como forma de abafar os conflitos entre explorados e exploradores, servindo para mascarar situaes precrias de trabalho e acmulo de capital nas mos de poucos.

    Formas de assistencialismo Historicamente, as primeiras formas de assistencialismo observadas eram estabelecidas pelas igrejas,

    como um dever moral, fundamentadas sob a tica da ajuda e da solidariedade.

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    A Igreja Catlica foi a instituio religiosa que mais se destacou nas aes assistencialistas. Ao assumir esse papel, desenvolvia prticas humanistas e voluntrias a fim de abafar possveis conflitos sociais. Tais prticas podem ser notadas em diferentes contextos, como no caso dos asilos, internatos e orfanatos para crianas e jovens, hospitais, ou em equipamentos de segregao social, como os hospcios, leprosrios ou os dispensrios de tuberculose.

    Marca com forma ou expresso do assistencialismo a filantropia. A filantropia entendida como uma prtica humanitria na qual se realiza a doao material ou em espcie como forma de desenvolvimento de um trabalho social. Ela encarada como uma forma de desenvolver e promover uma mudana social sem a interveno do Estado.

    So expresses ainda do assistencialismo, a solidariedade, a caridade, o apadrinhamento, a benemerncia, como tambm, o primeiro damismo, por meio de aes das primeiras-damas em fundos sociais de solidariedade.

    Expressa-se tambm como forma de assistencialismo, a assistncia dispensada por algumas instituies e organizaes, desprofissionalizadas e com carter apenas caritativo.

    Pode-se exemplificar algumas aes assistencialistas em nosso cotidiano, como a doao de roupas e brinquedos atravs de campanhas; doao de sopa para pessoas em situao de rua; apadrinhamento de crianas e idosos em perodos especficos; entre outras.

    Observam-se hoje diferentes grupos assistencialistas distribuindo alimentos nas ruas, garantindo a subsistncia dos indivduos nas vias pblicas, sem se aliarem cobrana de polticas de insero desses indivduos nas aes em atividade nos municpios e nos estados; ou, ainda, programas governamentais de transferncia de renda que no conseguem prever, a mdio ou longo prazo, capacitaes para o trabalho, ou expectativa de insero em programas de gerao de emprego, perpetuando programas de distribuio de cestas bsicas, roupas etc.

    Verifica-se que tais aes, que permearam e ainda permeiam a sociedade brasileira, confundem-se, muitas vezes, com as polticas sociais e as polticas pblicas, com a assistncia social, que um direito e um dever do Estado, visto que muitas das vezes, tais aes ainda so enxergadas com um carter de no direito. Essas prticas dificultam, ainda, a implantao e implementao de polticas pblicas, a incluso social, o protagonismo dos sujeitos sociais e o resgate de cidadania dos segmentos vulnerabilizados, pois so enxergadas apenas como uma prtica em si e no como uma poltica de acesso aos mnimos sociais.

    A Revoluo Industrial A Revoluo Industrial teve incio na segunda metade do sculo XVIII, na Inglaterra, com a transio

    da manufatura e cultura artesanal para a mecanizao dos sistemas de produo, encerrando a transio entre feudalismo e capitalismo, a fase de acumulao primitiva de capitais e de preponderncia do capital mercantil sobre a produo. Completou ainda o movimento da revoluo burguesa iniciada na Inglaterra no sculo XVII.

    Esse perodo passou a ser considerado a Idade Moderna, definida como a busca de alternativas para melhorar a produo de mercadorias. O crescimento populacional incentivou a burguesia detentora do capital, na poca, a buscar maior produo a menores custos.

    Salienta-se que este sculo possua vrias particularidades. Foi um sculo marcado pelo grande avano tecnolgico nos meios de transportes, com a inveno da locomotiva e dos trens a vapor; o advento das mquinas. Com as mquinas a vapor, principalmente os gigantes teares, revolucionou-se o modo de produzir, substituindo o homem nas suas funcionalidades.

    No foram s os avanos tecnolgicos que marcaram esse sculo, mas sim os reflexos que esses avanos proporcionavam sociedade. A baixa nos custos das mercadorias, acelerava o ritmo de produo, fazia crescer, na mesma escala, o desemprego e a insatisfao.

    O trabalhador passou a ser considerado tambm como mquina, passvel de regulagem e ajustes. Ao se substituir as ferramentas por mquinas, substituindo o ser humano e sua energia pela energia

    gerada por uma mquina, configurou-se a Revoluo Industrial, processo esse que veio a revolucionar a histria atravs da evoluo que ele imprimiu revoluo e evoluo tecnolgica.

    As primeiras expresses do desenvolvimento da produo industrial tiveram incio na Idade Mdia, com o desenvolvimento da manufatura, atravs de atividades de cunho domstico e artesanal.

    A manufatura, mencionando-a dentro desse contexto, era resultante do processo de ampliao da produo e do consumo de determinadas mercadorias, pela qual o pequeno produtor, nesse caso o arteso, a fim ampliar e aumentar a produo, introduziu-se nos modos de produo industrial realizando, domesticamente, uma parte da produo. Logo aps esse fato, vendo que eram insuficientes essas relaes de partilha, surgiram as primeiras fbricas.

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    Com o surgimento dessas, uma nova relao se introduzia, a relao de trabalho e de assalariamento. A produtividade aumentava em longa escala, sendo fruto dessa diviso chamada de diviso social e tcnica do trabalho, que delimitava papeis, aumentava a produo e reduzia a participao do trabalhador em todas as etapas da confeco da mercadoria.

    No perodo de maquinofatura trabalho realizado j por mquinas o trabalhador passou a ser regido pelo tempo e funcionamento da mquina, quando a gerncia de seu prprio corpo era realizada por algum fora dele. nessa coisificao e desumanizao do trabalho que a Revoluo Industrial se consolidava.

    A particularidade da Revoluo Industrial ocorre exatamente na Inglaterra porque, nesse perodo, ela

    vivia uma situao privilegiada, pois possua grandes reservas de carvo mineral em seu subsolo, fonte de energia para movimentar mquinas, como tambm grandes reservas de minrio de ferro, principal matria-prima utilizada nesse perodo. Era privilegiada, tambm, no contingente de mo de obra disponvel, motivada pelo processo do xodo rural para os centros urbanos, o que ampliou o mercado consumidor ingls.

    A Inglaterra industrializou-se cerca de um sculo antes das outras naes, pois contava com particularidades que a favoreciam. O grande acmulo de capital, de mo de obra e matria-prima vinham a privilegiar sua ascenso enquanto nao industrializada e evoluda tecnologicamente.

    Outro fator relevante era o modelo de Estado, pois a Inglaterra convivia, desde 1688, com a Revoluo Gloriosa, um modelo de estado liberal. Essa particularidade fazia com que a Inglaterra vivenciasse esse modelo estatal um sculo antes da Revoluo Francesa.

    A Revoluo Industrial poderia tambm ser chamada de Revoluo fabril, pois uma de suas caractersticas era a concentrao dos trabalhadores em fbricas. Essa caracterstica produzia uma separao, que se pode dizer uma separao entre classes sociais, aspecto esse particular ao trabalho em si o trabalho, desde essa poca, caracterizado como elemento de fundao para as relaes, separando o capital dos meios de produo (instalaes, mquinas, matria-prima) do trabalho.

    A Revoluo alcanava patamares que iam alm do cho da fbrica. A evoluo gerada por esta proporcionava o desenvolvimento.

    Mesmo com o desenvolvimento das cidades, a vida dos que vivenciavam essa realidade no acompanhava o ritmo das engrenagens das mquinas. A situao para os camponeses e artesos era difcil, vivenciando uma realidade que no evolua, s involuia. A partir das ideias advindas da Revoluo Francesa, as classes dominantes procuraram apaziguar os nimos, pois verificavam que outro tipo de revoluo poderia surgir e acabar com seus sonhos dourados e enriquecedores. Para tal, criou-se a Lei Speenhamland, que garantia, subsistncia mnima ao homem incapaz de se sustentar pela ausncia do trabalho.

    Em consequncia desse aumento da produo, cresceu a concorrncia que ameaava o capital. Para tanto, foi encontrada uma soluo: a formao de cartis e associaes, que originou o capitalismo monopolista.

    Surgiram, nesse contexto, as grandes corporaes, que objetivavam o agrupamento do capital e garantiam sua expanso com muito mais impacto. A administrao passa dos capitalistas individuais para setores administrativos que so responsabilizados pela circulao do capital, da fora de trabalho e sua mercantilizao.

    A necessidade de aumentar o consumo para fazer girar a produo trouxe a proposta de expandir o mercado para dentro da vida familiar, que at ento se autogeria em suas necessidades de alimentao e vesturio. O capitalismo comeou a industrializar alimentos e vesturios, o que levou dependncia toda a vida social. Para tanto, desprezou a capacidade de produzir os alimentos e objetos necessrios para a vida cotidiana (cultura de subsistncia) no contexto domstico, e supervalorizou a capacidade de consumir os produtos oferecidos no mercado.

    As fbricas do incio da Revoluo Industrial eram insalubres e priorizavam a produo, sem considerar a necessidade de preservao das condies de vida e de trabalho da classe trabalhadora. Os salrios eram baixos e ocorria a contratao de mo de obra infantil e feminina, com jornadas que chegavam a dezoito horas dirias. Funcionavam em ambientes com pssima iluminao, abafados e sujos.

    Os trabalhadores, incluindo mulheres e crianas, eram sujeitados a castigos fsicos, no possuam direitos trabalhistas ou qualquer outro benefcio. Por outro lado, a situao de desemprego gerava uma condio de extrema precariedade, levando o trabalhador a aceitar as pssimas condies de trabalho.

    Mesmo com um sistema que gerava a dependncia pelo medo da perda do trabalho, ocorreram muitas manifestaes de denncia e revolta para que fossem suscitadas mudanas nas condies de trabalho. Uma das mais expressivas manifestaes ocorridas nesta poca foi o Ludismo, uma forma de manifestao e expresso por parte dos trabalhadores que consistia na quebra de mquinas. Os ludistas

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    invadiam fbricas e destruam seus equipamentos como forma de protesto e revolta pela situao em que viviam.

    Tambm foram consequncias do processo de Revoluo Industrial a poluio ambiental e sonora, o xodo rural, alm do desemprego, que ainda um problema nos dias atuais.

    As fases da Revoluo Industrial A Revoluo Industrial, mesmo sendo um movimento nico, tomou em seu evoluir rumos diferenciados

    que podem dividi-la em fases. A primeira fase da Revoluo Industrial aconteceu entre os anos de 1760 a 1850. Nesses anos a

    Inglaterra, primeira a aderir a esse novo modelo produtivo, liderava todo o processo de industrializao. As particularidades expressas pelo seu desenvolvimento tcnico-cientfico foram significativas, pois ela foi terreno das primeiras mquinas confeccionadas em ferro e que utilizavam o vapor como fora motriz.

    J a segunda fase se iniciava logo na dcada de 1850, marcada pela acelerao do processo de industrializao, uso de novas tecnologias e matrias primas, descoberta de novas fontes de energia, entre outros.

    A terceira fase da Revoluo industrial ocorreu logo aps a Segunda Grande guerra, quando a economia internacional comeava a passar por profundas transformaes. Essa nova fase apresenta processos tecnolgicos decorrentes de uma integrao fsica entre cincia e produo, tambm chamada de revoluo tecnocientfica.

    O processo de modernizao ps Revoluo Industrial O processo de modernizao ocorrido ps Revoluo industrial acelerava o ritmo da produo

    industrial. Marcaram esse contexto o boom de inovaes tecnolgicas, a evoluo no processo de transformao

    da matria-prima, uso de mquinas mais evoludas e automticas, com menor uso da fora humana. A evoluo nem sempre gera uma apropriao completa por parte de todos os partcipes desse

    processo. Com a acelerao do processo evolutivo dos modos de produo, pensava-se em modos de se obter mais lucro e gastar menos. Para tal, um reordenamento geral foi elaborado e estabelecido, no qual os trabalhadores passavam por um processo de especializao de sua mo de obra, pela qual s tinham responsabilidade e domnio sob uma nica parte do processo industrial, no tendo mais cincia do valor da riqueza por eles produzida. Isso gerava lucro.

    O trabalhador passava agora a ser assalariado, vendendo sua fora de trabalho; porm seu salrio nem sempre condizia com o que ele produzia. Essa mudana s pde ser concretizada pelo modelo de sociedade dividida em classes distintas e pelo controle que essas tinham do processo de produo da economia.

    Com essa diviso de tarefas e papeis, o controle e acesso matria-prima eram monopolizados, o que favorecia a burguesia.

    Durante o sculo XX, outros pensamentos permearam o sistema capitalista. As ideias do industririo Henry Ford e do engenheiro Frederick Winslow Taylor vieram a somar evoluo industrial. Com uma metodologia que otimizava o tempo e tinha como premissa a eficincia do processo produtivo, agilizava-se as respostas que essas teriam para o mercado e consequentemente, o lucro seria maior.

    Diz-se que vivenciamos atualmente uma quarta Revoluo industrial. Em diferentes pases, o processo de modernidade no parou; a cada dia o avano tecnolgico substitui

    a necessidade de mo de obra trabalhadora e exige um nvel de especializao dessa mo de obra nem sempre disponvel para atender as demandas.

    Nessa nova relao de trabalho, a mo de obra excedente v-se obrigada a buscar novas vias para subsistir, subalternizando as condies de produo e de trabalho.

    A famlia perde a capacidade de suprir suas necessidades mnimas e bsicas de subsistir, sofrendo um enfraquecimento, demandando uma atuao do Estado, que tem uma funo reguladora das relaes sociais.

    O Estado, a servio do capitalismo, cria equipamentos sociais e regulatrios que enquadram e fragmentam as relaes sociais. Seus aparatos servem, tambm, como modo de alienao e submisso.

    Na expanso do capitalismo, novas necessidades e novos servios surgem para responder s demandas da vida capitalista, e a cada necessidade um servio oferecido, num processo de mercantilizao de todas as aes da vida dos indivduos.

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    O advento do capitalismo O sistema capitalista surgiu e concretizou-se como sistema econmico durante o sculo XVI, com as

    prticas industriais e mercantis no continente europeu. Como modo de produo, o capitalismo passou a se assentar em relaes sociais de produo

    capitalista, marcadas fundamentalmente pela compra e venda da fora de trabalho. Esse sistema relaciona-se com a produo. A produo uma atividade social na qual se estabelece

    a cooperao entre os homens, porm essa relao depende do nvel dos meios de produo. Ela ainda reproduz a condio de existncia humana atravs de meios materiais: produo social = relao social.

    O capital o determinante de todo processo de vida e suas relaes. Ele pode ser expresso por mercadorias e dinheiro. O capital, portanto, se expressa sob a forma de mercadorias: meios de produo e meios de vida necessrios para a reproduo da fora de trabalho.

    Entende-se por mercadoria um objeto til, que tem uma utilidade dentro do processo reprodutivo, com valor de uso, com uma grandeza social. sabido que nem toda mercadoria capital.

    O capital propriedade do capitalista, como tambm o trabalho fora de trabalho vendida ao empregador pela classe trabalhadora. O capitalista monopoliza os meios de produo e de subsistncia.

    Toda relao existente no capitalismo supe uma condio de assalariamento. A condio de assalariamento intimamente ligada venda da fora de trabalho do proletariado. Esta trocada por valores, mesmo estes sendo diferentes do que os trabalhadores realmente deveriam receber a que est a criao do antagonismo e da desigualdade, pois nessa relao extrada a mais-valia, que no apropriada por aqueles que esto do outro lado da esteira.

    A histria do capitalismo a histria das classes sociais, o elemento definidor do capitalismo, seu trao distintivo a posse, de maneira privada, dos meios de produo por uma s classe e a explorao da fora de trabalho daqueles que no a detm.

    Considerando seu processo de desenvolvimento, pode-se dividir o capitalismo em trs fases: capitalismo comercial, industrial e financeiro.

    A primeira fase do desenvolvimento do capitalismo em muitas literaturas confundida com a Revoluo Industrial. Essa fase caracterizada pelo grande desenvolvimento tecnolgico que veio a fomentar a evoluo da indstria - mecanizao, diviso do trabalho, especializao da mo de obra.

    A I Guerra Mundial influenciou fortemente o sistema capitalista. O mercado internacional se restringiu, a moeda ficava defasada, entre outras alteraes.

    no bero da estruturao do capitalismo, aps a Segunda Guerra Mundial 1945, que surge o servio social, vinculado s polticas sociais estatais, como o agente de implementao dessas polticas.

    Importante ressaltar que as polticas sociais, embora em sua maioria representem conquistas das classes trabalhadoras, passaram a serem instrumentos de interveno estatal a servio do projeto hegemnico do capital, garantindo a manuteno do sistema vigente e abrandando conflitos entre o capital e o trabalho.

    Nesse contexto, surge a primeira contradio do trabalho tcnico do assistente social: a necessidade de reproduo do sistema, garantindo os interesses do capital em contraponto luta dos trabalhadores pela conquista e defesa de direitos. Tal contradio coloca ao profissional a necessidade de uma opo poltica, inserida nas contradies entre as classes e na disputa por interesses.

    Fases do Capitalismo: - Capitalismo mercantilista: colonialismo, constituio de um Estado-nao, que controlava e promovia

    o acesso aos direitos civis. Sua ideologia era liberal. - Capitalismo liberal ou concorrencial (final do sculo XVIII): esse foi resultado da Revoluo Industrial

    e teve duas subfases: uma que se iniciou em 1848 como o advento da mquina a vapor e outra de se iniciou a partir de 1873. As ligaes comerciais entre os subsistemas centrais e perifricos puramente econmicas e no monopolistas. Consolidao Estado-nao e dos direitos polticos. O liberalismo tido como viso de mundo e coloca o Estado margem das atividades econmicas.

    - Capitalismo organizado: final do sculo XIX. - Capitalismo desorganizado: final da dcada de 1960. Capitalismo monopolista e o servio social O sistema capitalista apresenta-se em sua fase monopolista, expressa-se atravs de massivos

    investimentos da regio central at sua periferia. Denomina-se, tambm, como neocapitalismo ou simplesmente neocolonialismo.

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    Sua maior caracterstica se mostra atravs das relaes de dominao e dependncia. Seu pice ocorreu no ps Segunda Guerra Mundial, com o avano da constituio do Estado-nao

    nos subsistemas perifricos. A ideologia que imperava era de ps-liberalismo. O capitalismo se dividiu em duas subfases: a. Clssica: com o esgotamento da expanso advinda da primeira revoluo tecnolgica. b. Capitalismo tardio: terceira revoluo tecnolgica (1940-45). Teve uma crescente automao e

    regulao eletrnica da produo, como tambm uma internacionalizao e centralizao do capital. Advm um esprito individualista e a competio sem limites que d lugar f na cincia e na tcnica.

    O servio social entra nessas nuances do desenvolvimento econmico, como parte acessria do

    sistema capitalista.

    A diviso social do trabalho: introduo ao pensamento de Karl Marx O marxismo se baseia no materialismo e no socialismo cientfico, constituindo, ao mesmo tempo, uma

    teoria geral e o programa dos movimentos operrios, tendo suas bases de ao nestes movimentos, porque eles unem a teoria prtica.

    Karl Marx. com sua teoria muitos chamam de mtodo de Marx desvenda as leis do desenvolvimento do capitalismo, revelando que para cada poca ou contexto histrico, um modelo de produo vivenciado e, por consequncia, um sistema de poder estabelecido. Para ele, as relaes existentes no sistema capitalista de produo estabeleciam relaes de poder tais, que pela apropriao dos meios e modo de produo eram vivenciadas relaes entre classes antagnicas.

    Marx pauta sua teoria nas relaes oriundas do trabalho, estabelecendo este como motor das demais relaes sociais. Identifica tambm as relaes de produo que iniciam e introduzem as relaes sociais.

    A relao fundamental do capitalismo tinha por base o assalariamento. Atravs desta relao, um contrato era firmado entre o empregador e o trabalhador, contrato esse com objetivos distintos. Era estabelecido que o trabalhador vendesse sua fora de trabalho ao empregador e em troca desta era-lhe pago um salrio. Essa era sua mercadoria dentro desta relao de mercado

    O capitalista pagaria aos trabalhadores um salrio em troca do seu trabalho. O trabalho era desenvolvido, porm o valor pago por esse no condizia com as horas que eram disponibilizadas ao empregador, ou seja, dentro dessa relao de compra e venda, o capitalista retirava maior proveito e ainda lucrava com este trabalho excedente e no pago.

    Para Marx, o trabalho humano nico que o diferencia das demais espcies, segundo sua ao com a natureza. Todo trabalho operado pelo homem tem uma intencionalidade previamente elaborada, ou seja, ele elabora um processo de trabalho, com o uso consciente e racional da natureza e a compreenso dessa intencionalidade processual.

    O trabalho envolve um ato criativo que vai alm da atividade instintiva. Alm de transformar o objeto que est sendo elaborado, ele tambm se transforma numa busca por aperfeioamento. Cria novas possibilidades de ao, possibilitando uma socializao desse conhecimento apreendido para outros indivduos, que podero reproduzir o trabalho ou propor novas formas de execut-lo, independentemente de o terem criado.

    Essa fora de trabalho, segundo Marx, como base na relao capitalista de produo, vendida para um empregador que possui os meios de produo. Tal relao implica trs fatores anteriores: a separao da fora de trabalho dos meios de produo, o desejo dos trabalhadores de vender sua fora de trabalho e do empregador de utilizar esse trabalho, acumulando capital.

    Segundo o marxismo, o capitalismo encerra a contradio fundamental entre o carter social da produo e o carter privado da apropriao, que forma a base para o antagonismo de classes.

    Entende-se por carter social da produo, a diviso tcnica do trabalho, na qual h a organizao do trabalhador no interior da fbrica e a delimitao de tarefas e funes. A atuao imposta aos trabalhadores imprime uma atuao solidria e coordenada. Mesmo se falando de um carter social da produo, o produto do trabalho no se revela com um produto social, pois a propriedade privada do capitalista e nem sempre a mercadoria uma mercadoria social e com valor de uso ou valor de troca. O produto do trabalho social, portanto, se incorpora a essa propriedade privada.

    Marx descreve o valor de uso e o valor de troca no modo produtivo como quando um objeto, til a

    algum, passa a possuir um valor de uso, uma utilidade dentro desse contexto relacional, pois o que se v que essa utilidade que o torna valorativa ao uso.

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    O processo de organizao das comunidades implica uma base de diviso do trabalho elaborado por diferentes indivduos. Os processos de trabalho para a criao dos produtos eram responsabilidade de cada indivduo da comunidade, e muitas habilidades eram desenvolvidas por todos para a manuteno da vida, ou seja, para a reproduo social do trabalho.

    O capitalismo se apropria do trabalho e d a ele um valor de troca; todavia, essa troca demonstra que o capitalista, detentor dos meios de produo, o organiza, enquanto a realizao desse trabalho decorre do conhecimento do trabalhador. A diferena entre o custo real da mercadoria (matria-prima e custo da fora de trabalho) e o custo ofertado no mercado, que permite a acumulao de capital pelo detentor dos meios de produo, denominado por Marx como mais-valia.

    Esse valor advm do tempo trabalhado e refere-se ao momento em que o trabalhador tem seu valor

    de uso enquanto fora de trabalho utilizada por mais tempo do que o necessrio para a sua reproduo social (...).

    Num primeiro momento, essa mais-valia limitava-se extenso da jornada de trabalho, ao que se chama de mais-valia absoluta. Com o avano tecnolgico e a possibilidade de produzir mais em tempo menor, esse valor excedente apropriado pelo capitalista refere-se mais-valia relativa (Marx; Engels, 1952).

    A diviso social do trabalho imposta pelo capitalismo inicia-se com os sistemas de cooperativas pelos

    quais os trabalhadores so aglomerados e as vantagens da utilizao em massa da fora de trabalho so visveis.

    As pequenas oficinas so substitudas por grandes sales, onde todos trabalham, revelando que a associao entre os homens os torna mais produtivos, propiciando um aumento ainda maior de acmulo de capital.

    A centralizao do trabalho em um nico local possibilitou uma melhor observao de seu processo, essencial para o controle do trabalho por parte do capitalista. Surgem novas demandas para esse controle, como servios de superviso, entre outros, para manuteno da ordem na produo, utilizando coero, violncia e castigo no interior das fbricas. Essas medidas ainda teriam de ser ampliadas para dar conta do processo de industrializao que estava em curso.

    A diviso social do trabalho efetiva-se pela distribuio das tarefas entre os diversos trabalhadores, para que esses, especializados em um dado fazer, sejam mais rpidos e, com isso, aumentem a produtividade sem ter a compreenso de todo o processo de trabalho, mecanizando as aes e impedindo o processo de criatividade. Cabe ao trabalhador saber apenas o necessrio para cumprir suas tarefas.

    O capitalismo substitui o saber em troca de uma automao da mo de obra fragmentada, criada de acordo com as necessidades do capital.

    Esse processo deu origem Revoluo Industrial, que utilizou as mquinas para tornar mais barato o custo de produo dos bens e possibilitou a diminuio da jornada de trabalho e o aumento ainda maior da produo, sem o correspondente aumento de salrio, propiciando assim um aumento do acmulo de capital pelos detentores dos meios de produo.

    Segundo Marx, o sistema capitalista no garante meios de subsistncia a todos os membros da sociedade. Pelo contrrio, condio do sistema a existncia de uma massa de trabalhadores desempregados, que ele chamou de exrcito industrial de reserva, cuja funo controlar, pela prpria disponibilidade, as reivindicaes operrias.

    As relaes sociais e o servio social dentro do sistema capitalista O servio social como profisso inserida na diviso social do trabalho tem algumas singularidades no

    seu fazer profissional. O estudo da profisso de servio social procura seu significado dentro da sociedade capitalista, ou

    seja, atravs de sua compreenso. A reproduo das relaes sociais a reproduo da totalidade do processo social, a reproduo de determinado modo de vida, ou seja, o modo de como so produzidas e reproduzidas as relaes sociais na sociedade.

    O trabalho apresenta-se como base da vida social, ou seja, por ele e atravs dele que o homem se relaciona consigo mesmo e com o meio, utilizando de sua racionalidade para apropriar-se dos recursos naturais. O homem impulsionado por necessidades bsicas e vitais na manuteno de suas existenciais, dessas necessidades surgem outras, formando um conjunto de relaes sociais, fazendo-o um ser social e histrico dentro desse processo. Assim, o homem realiza sua prxis, atividade na qual ele transforma a si e o meio, ao na matria, criando uma nova realidade humanizada, cuja forma privilegiada o trabalho.

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    Segundo Marx, o primeiro ato histrico pelo qual podemos distinguir os homens dos demais animais no o de pensar, mas o de comear a produzir os seus meios de vida.

    No processo de trabalho, os homens criam determinadas relaes entre eles, relaes essas chamadas de relaes de produo, pelas quais desenvolvem suas capacidades produtivas atravs da fora desempenhada por seu trabalho, constituindo o modo de produo. Esse nvel de produo que constitui os diferentes tipos de classes sociais.

    So as relaes de produo que determinam a diviso das classes sociais, segundo suas condies materiais: os que detm os meios de produo e aqueles que vendem sua fora de trabalho.

    Para Marx, por meio do trabalho, atividade intencional e racional, com finalidade, que o homem transforma a natureza a fim de obter a realizao de suas satisfaes. Nessa relao h uma mtua transformao, pois ao apropriar-se do recurso natural, o homem transforma a natureza e a si mesmo. essa ao intencional e racional que diferencia os homens dos animais, como tambm a conscincia e a religio.

    Atravs do trabalho, tambm atravs das relaes sociais que se iniciam os modos de vida social, as ideias, as concepes de mundo, criam-se novas necessidades, os valores, uma vez que mesmo com a produo de objetos inanimados por esses homens, seus instrumentos de trabalho, seus modos de vida, proporcionam que eles tambm produzam novas capacidades e qualidades humanas, humanizando e criando novas necessidades.

    A teoria social de Marx inaugura uma ontologia social e coloca as bases para a compreenso da totalidade histrica da ordem burguesa. A ontologia do ser social tem um vnculo com a realidade histrica, buscando reproduzir a dinmica feita pela histria segundo seu conhecimento, no desprezando a totalidade em nenhuma de suas dimenses.

    Revelou-se que no possvel um conhecimento terico neutro, uma cincia neutra. Associou-se a perspectiva de classe s teorias a fim de entender a realidade para depois revolucion-la. Marx no separa a teoria do mtodo, ou a teoria e a realidade, elaborando uma anlise intelectual e terica do contedo revolucionrio.

    O mtodo dialtico de Marx revolucionrio, entender e criticar o modo de produo capitalista e os antagonismos existentes, visando sua superao. Sua dialtica reconhece a negatividade do processo histrico e sua totalidade, fazendo uma anlise econmica e poltica da relao entre capital e trabalho dentro do modo de produo capitalista.

    A crtica que a teoria social de Marx estabelece ontolgica, pois desvenda o processo de desumanizao do ser social dentro da ordem burguesa, dentro da categoria fundante que o trabalho e seu processo histrico nesta realidade social.

    O mtodo de Marx fundamenta-se na perspectiva de totalidade, suas dimenses constitutivas e o processo de reproduo histrica, busca entender as mudanas dentro do processo, os fenmenos da sociedade capitalista e suas funes, apreender a legalidade da ordem burguesa e as formulaes tericas, expressando o movimento da prpria realidade scio-histrica.

    O contexto que se insere esta perspectiva apresentava como mudanas socioculturais so: - economia: Revoluo Industrial; - poltica: rompimento com o absolutismo e consolidao do estado moderno; - ideologia e cultura: ideais Iluministas; - modernidade: Revoluo Industrial e Revoluo Francesa. O servio social na Europa e nos Estados Unidos aparece vinculado expanso do capitalismo

    monopolista como forma de garantir a reproduo desse sistema e das relaes sociais que davam suporte ao trabalho alienado. O Estado passou a incorporar o trabalho do assistente social na implementao de polticas sociais que objetivavam atenuar os conflitos entre o capital e o trabalho, e combater a ameaa das ideias comunistas entre as classes subalternas.

    Tal contexto sociopoltico de centralizao e interveno estatal na conduo de polticas econmicas e sociais evidencia as expresses da questo social como matria-prima do servio social, sua base e primeira linha de ao, justificando sua relevncia na constituio de seu espao profissional dentro da diviso social e tcnica do trabalho.

    O servio social, inscrito na diviso social e tcnica do trabalho, dentro do processo de reproduo das relaes sociais, aparece como uma alternativa auxiliar do Estado atravs de servios sociais. uma expresso do trabalho coletivo atravs das relaes antagnicas geradas pelo capital. Nesta perspectiva, o servio social apresenta-se como mediador dos servios sociais estabelecidos pelo Estado, partcipe do processo de reproduo das relaes sociais, partcipe desse processo social.

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    As maiores reas de atuao do servio social nessa gnese se pronunciavam pela prestao dos servios sociais, na garantia mnima de sobrevivncia, como complementao salarial, salrio indireto aos trabalhadores, subsidiando sua reproduo fsica, intelectual e espiritual, como tambm de sua famlia. a garantia do aumento da produtividade e da subordinao do trabalhador, pela manuteno do exrcito industrial de reserva EIR, a competitividade, institucionalizando a pobreza e mantendo a paz social.

    Com o crescimento das demandas por bens e servio dirigidas ao Estado pela classe trabalhadora, abriu-se um novo mercado de trabalho no campo das polticas sociais, onde o assistente social atuaria como executor de programas sociais.

    1.1.1 CONCEPO, GNESE E INSTITUCIONALIZAO DO SERVIO SOCIAL NO MUNDO E

    NO BRASIL.

    Servio Social: Anlise Histrica

    O servio social surgiu decorrente da diviso social e tcnica do trabalho, afirmando-se como uma profisso dentro da sociedade, dotada de uma dimenso tericometodolgica e tcnico-operativa, indissociada das ordens ticas e polticas. Ele surgiu enquanto profisso no contexto do desenvolvimento capitalista e do agravamento da questo social. Porm, para localiz-lo, faz-se necessrio compreender esse contexto histrico de sua institucionalizao, como tambm as influncias tericas que permearam sua gnese.

    O servio social iniciou seu embasamento terico com a influncia norte-americana do modelo de caso, grupo e comunidade, sob a influncia do pensamento de Mary Elly Richmond.

    Nesse princpio, a ao profissional, sob a tica do iderio de Richmond, inscreve uma metodologia pautada numa anlise mdica das expresses da questo social, na qual essas expresses eram passiveis de diagnstico e tratamento como uma doena. Essa anlise era verificada com um mtodo genrico, enfatizando o sistema cliente e a situao social problema e estabelecia uma relao entre a individualidade e o meio social.

    Sua primeira influencia foi dos iderios de Florence Nightingale, no ano de 1851 na Inglaterra, percussora da profisso de enfermagem, onde ela estabelecia como objetivo de seus primeiros cursos o preparo de visitadoras domiciliares, pelo qual concebia a tarefa assistencial como reintegradora e reformadora do carter.

    O primeiro Curso de Formao de Visitadores Sociais Voluntrios , realizado pela Sociedade de

    Organizao da Caridade da Inglaterra, ocorreu em Londres, em 1893. Na Amrica do Norte, as discusses sobre a formao profissional dos trabalhadores da assistncia

    ocorreram na Conferncia de Caridade e Correo em Toronto no ano de 1897. Nela, Mary Richmond, que participava da Sociedade de Organizao da Caridade de Baltimore, props a criao de uma escola para o ensino de Filantropia Aplicada.

    Ao pronunciar-se em uma palestra, Richmond assinalou a necessidade de se criar uma escola para a formao de assistentes sociais.

    Mary Richmond introduziu um mtodo no qual se realiza o estudo ou levantamento de dados sobre a situao, diagnosticando o problema social, avaliado logo em seguida e, por fim, estabelecendo um tratamento. Visualizava o inqurito como um instrumento de fundamental importncia para a realizao do diagnstico social e, posteriormente, do tratamento, pois acreditava que s atravs do ensino especializado poder-se-ia obter a necessria qualificao para realiz-lo. Essa metodologia denominada como Metodologia do Caso Social Individual.

    Metodologia do Caso Social Individual: conjunto de mtodos que desenvolvem a personalidade, atravs de um diagnstico social, que, ao ser sistematizado, proporciona o reajustando conscientemente e individualmente o homem ao seu meio.

    Richmond define uma personalidade social, atravs da ao de evidncia social, como ponto de partida para a construo das bases tericas da prtica profissional. Define, tambm, uma nova concepo para o ser social, sendo este produto das relaes intrnsecas entre a personalidade e o meio, podendo explicar o caso social como um fenmeno de totalidade.

    Ela teve a primeira iniciativa em institucionalizar a prtica do servio social, pois verificou que as aes caritativas no eram mais suficientes para atender s reivindicaes da classe operria e de outros setores da populao. Identificou tais aes como formas de interveno desumanizadora da instituio e da populao.

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    Assim, no ano de 1897, ela props a fundao de uma escola de filantropia aplicada, transmitindo carter profissional aos servios sociais at ento executados.

    Em 1898, a New York Charity Organization Society levaria o iderio inicial de Mary Richmond. A primeira escola de servio social foi fundada em Amsterd, no ano de 1899, o Instituto de

    Treinamento em Servio Social, com um curso de apenas dois anos, composto de matrias como conhecimentos sociolgicos gerais, problemas socioeconmicos, legislao e treinamento prtico supervisionado em diferentes campos do servio social.

    J em 1904, o curso mantido pela New York Charity Organization Society adquire a forma de curso de apenas um ano de durao, ministrado pela Escola de Filantropia de Nova York, a primeira escola de servio social dos Estados Unidos. Posteriormente, essa escola se tornaria a Escola de Servio Social da Universidade de Columbia.

    Na Amrica do Norte, segundo Silva, o servio social, especialmente o de caso, deve a Mary Richmond seu contedo lgico e coerncia interna. L se sustenta a prtica na necessidade de se individualizar a assistncia tanto no diagnstico como no tratamento, abrangendo o estudo de caso, seu diagnstico e tratamento, com uma prtica sistemtica e tcnica. Tal prtica se orientava pela concepo de uma sociedade estruturada, que necessita apenas de reformas e ajustes, nas quais a ao profissional era individualista, com o predomnio da autoajuda, reflexo do processo poltico americano, a ascenso do sistema capitalista.

    Em 1917, Richmond tentou racionalizar essa assistncia, dando-lhe uma viso teraputica, que considera a questo social como uma doena que necessita de diagnstico e de tratamento a partir do indivduo.

    No ano de 1918, a Escola de Filantropia passou a se denominar Escola de Servio Social e Mary Richmond ocupou a cadeira de docente em Servio Social de Casos.

    O servio social como profisso moderna comeou a ser sistematizado com a contribuio de Richmond a partir do voluntariado assistencialista, por meio de sua teorizao do diagnstico social das situaes-problema. fruto de dois fatores: a situao da sociedade segundo seu contexto (industrializao e ascenso da classe proletria) e o desafio de oferecer respostas.

    Desde essa primeira sistematizao elaborada por ela, o servio social reflete uma perspectiva genrica de interveno, tendo em vista a mudana social, por meio da qual deu-se aos assistentes sociais o desafio de trabalhar para uma comunidade qual faltavam recursos sociais, utilizando argumentos oferecidos pelos casos.

    J em 1922, a prtica do assistente social, suas teorias, seus objetivos, convergiam pra uma ideia central: o desenvolvimento da personalidade. Entendia-se, nesse contexto, que o caso social nada mais era do que processo de desenvolvimento da personalidade atravs de ajustamentos conscientemente efetuados de indivduo a indivduo, do homem para com o seu meio social.

    No diagnstico social estabelecido nessa poca, deveria haver uma descrio das dificuldades, uma lista dos fatores causais que se relacionassem com as dificuldades, uma enumerao dos elementos disponveis e dos riscos que devem ser reconhecidos com o tratamento.

    O servio social na Amrica Latina sofreu forte influncia europeia e norte-americana. A primeira escola de servio social na Amrica Latina surgiu no Chile no ano de 1925, criada pelo Dr. Alejandro Del Ro.

    O surgimento do servio social no Brasil A implantao do servio social deu-se no decorrer de um processo histrico iniciado a partir dos anos

    de 1920-30. No Brasil, a economia, que desde a segunda metade do sculo XIX at os anos 1930 se caracterizava

    por um modelo agroexportador, passa a adotar, na Era Vargas, um modelo industrial, de substituio de importao, modelo urbano-industrial. A mudana do sistema agrrio-comercial para o industrial produziu profundas alteraes sociais, principalmente com a mudana do estilo de vida rural para um urbano-industrial, levando crescente urbanizao, fenmeno esse que s faz agravar problemas e conflitos sociais, solicitando aes das instncias majoritrias.

    um perodo de crescimento da classe trabalhadora, como tambm de sua condio de classe explorada e de sua mobilizao e organizao, atravs da intensificao das lutas por melhores condies de vida e de trabalho. Todavia, tais lutas so encaradas pela classe dominante como ameaa a seus interesses e como desorganizao social e moral.

    , portanto, nesse contexto, dcada de 1920-1930, que o Brasil vivia um perodo marcado pelo aprofundamento do modelo de Estado intervencionista, sob a gide do capitalismo monopolista

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    internacional, e por uma poltica nacional que privilegiava o crescimento industrial. O desenvolvimento material desencadeava a expanso do proletariado e a necessidade de respostas, de uma poltica de controle que absorvesse esse segmento.

    A gnese do servio social brasileiro localiza-se a partir desse contexto histrico e poltico, no qual a sociedade encontrava-se nos anos 1930, em uma conjuntura marcada pelo desenvolvimento capitalista, pelo conflitos de classes, pelo crescimento da classe trabalhadora, quando se travava uma luta contra a explorao da mo de obra dessa classe e pela defesa de seus direitos e cidadania, para intervir nos problemas das sequelas da questo social.

    A histria da condio de existncia da classe trabalhadora, sua marginalizao, o pauperismo, pem-

    se como terreno frtil para a atuao profissional, pois a esses grupos excludos s se dava o direito resignao.

    No ano de 1925 criado o Conselho Nacional do Trabalho, porm com a nova Constituio ele se extinguiu.

    O processo de profissionalizao e legitimao do servio social encontrava-se articulado ao crescimento das instituies socioassistenciais estatais, que surgiram a partir da dcada de 1940.

    O Brasil na dcada de 1920 vivia o perodo da Primeira Repblica marcado por aes fortemente repressoras. A represso policial, peculiar da Primeira Repblica, apresentava o fracasso do plano da burguesia em conter avano do movimento operrio, necessitava de mecanismos mais slidos para combater as contradies sociais. a que se evidencia ser necessria a interveno do Estado.

    No Brasil, o desenvolvimento material incio do perodo do boom do desenvolvimento econmico desencadeou a expanso do proletariado urbano, reforada pela migrao interna, o que criou a necessidade poltica de controlar e absorver esses segmentos sociais. Segundo Iamamoto, o Estado procurou incorporar as reivindicaes da classe trabalhadora nacional, ampliando a base de reconhecimento legal da cidadania, do proletariado e dos direitos sociais por meio da criao de legislaes sociais. Em seguida, buscou um profissional capaz de apresentar respostas, aprimorando-se e apropriando-se das tcnicas do servio social norte-americano.

    Ainda segundo Iamamoto, dentro das instituies mais importantes para o surgimento do servio social podemos destacar: o Conselho Nacional de Servio Social, a Legio Brasileira de Assistncia, o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial e o Servio Social da Indstria. A criao de tais instituies tem como pano de fundo um perodo na histria do Brasil marcado pelo aprofundamento do modelo de Estado intervencionista sob a gide do capitalismo monopolista internacional e de uma poltica econmica nacional que privilegiou o crescimento da industrializao.

    A profissionalizao do servio social, mesmo que inicialmente estivesse intimamente ligada s

    questes do assistencialismo, no se relacionava evoluo da ajuda, racionalizao da filantropia, nem organizao da caridade. Sua vinculao referenda a dinmica da ordem monoplica, mesmo com suas primeiras aes desenvolvidas tendo cunho religioso, filantrpico e assistencial; diga-se assistencial, mas com um carter assistencialista e de benemerncia, desenvolvido por meio da solidariedade social, porm ainda hipossuficiente. Tinham um carter missionrio, de apostolado social, justificando sua ideologia com a Doutrina Social da Igreja.

    Sob essa perspectiva, tinha como caracterstica essencial a doutrina social da Igreja de substituir a anlise da realidade e a prtica social pelo o enfrentamento das expresses da questo social por valores, exigncias, por uma apreenso moral dos fenmenos sociais.

    Para isso deu-se a emergncia de sua institucionalizao, devido progressiva interveno do Estado nos processos de regulao da vida social.

    As condies para a profissionalizao do servio social decorrem da institucionalizao e legitimao de seu valor dentro da sociedade, mobilizado pela ao do Estado e do empresariado, com o suporte da Igreja Catlica, na perspectiva de enfrentar as primeiras expresses da questo social.

    O surgimento das primeiras manifestaes da institucionalizao do servio social pela Igreja ocorreu com a criao do Centro de Estudos e Ao Social de So Paulo CEAS, em 1932, com o incentivo e controle da Igreja Catlica.

    O CEAS tinha como objetivo central promover a formao de seus membros atravs do estudo da doutrina social da Igreja. A partir desse estudo doutrinrio as aes eram fundamentadas, visando eficincia na ao e atuao dos trabalhadores sociais.

    No ano de 1933 intensificaram-se as aes da CEAS, com sua participao na Liga Eleitoral Catlica, atravs de campanhas de alistamento de eleitores e proselitismo, e no ano de 1934, o CEAS organizou a primeira Semana de Ao Catlica, na qual promovia a defesa dos princpios religiosos e morais catlicos. Nesse mesmo ano, o CEAS fundou quatro centros operrios.

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    Os centros operrios tinham por objetivos atrair as mulheres operrias a fim de que as scias e propagandistas buscassem, atravs da ministrao de aulas de trabalhos manuais, conferncias e conselhos, entrar em contato com a classe operria com a finalidade de estud-la e despertar seu interesse pelos problemas de classe, alm de desenvolver seu associativismo. Estes centros so vistos como uma etapa intermediria para o trabalho social em si.

    Nessa perspectiva, seu incio oficial d-se a partir do Curso Intensivo de Formao Social para

    Moas, promovido pelas Cnegas de Santo Agostinho, ao qual fora convidada Mlle. Adle de Loneux da Escola Catlica de servio social de Bruxelas. Ao findar esse curso, elaborou-se o 1 Relatrio do CEAS, o qual expressava a necessidade de se promover uma formao doutrinria e aprofundar o conhecimento dos problemas sociais para melhoria na atuao dos trabalhadores sociais.

    Em 1936, atravs dos esforos desenvolvidos por esse grupo, fundada a Escola de Servio Social de So Paulo, a primeira desse gnero a existir no Brasil. Inicia-se, portanto, uma nova etapa na prtica da assistncia social, e mais importante ainda, para a Igreja, que redefiniria seu papel dentro da sociedade.

    A primeira Escola de Servio Social tinha por finalidade oferecer uma formao social atravs do conhecimento das questes e dos problemas sociais, preparando seus profissionais para atuarem nos vrios campos da ao social, nas obras de assistncia, nos servios de proteo infncia, nas organizaes operrias e familiares.

    Com a ida das brasileiras Maria Kiel e Albertina Ramos Blgica, as primeiras a receberem formao na rea na Escola de Servio Social de Bruxelas, consolida-se a fundao, portanto.

    O servio social brasileiro nasce, portanto, atrelado s aes sociais de alguns grupos, em especial os vinculado s prticas religiosas da Igreja Catlica, na assistncia aos pobres e desamparados, de modo voluntarista, caritativo e filantrpico, de carter positivista-funcionalista, como uma forma de recuperar seu poder atravs da institucionalizao da profisso do assistente social.

    Nesse contexto, imprime-se na profisso uma abordagem da questo social como um problema moral e religioso, visando a uma interveno que prioriza a formao da famlia e do indivduo para soluo de seus problemas e atendimento de suas necessidades materiais, morais e sociais. A caridade vira atividade assistencial e de prestao de servios sociais pelo Estado.

    Foi no contexto de enfrentamento da questo social pelo Estado, com o apoio da iniciativa particular de alguns grupos e da Igreja Catlica, que se conduziu a institucionalizao e legitimao do servio social como profisso, em um cenrio em que a pobreza vista como ameaa ordem burguesa. Porm, mesmo com essa abrangncia e abertura, as primeiras iniciativas de organizao da profisso estavam ligadas a grupos sociais participantes do movimento catlico leigo e responsveis pela ao social da Igreja Catlica.

    Evidencia-se nessa mesma poca a idealizao da vocao natural feminina no estabelecer de atividades educativas e caridosas, cabendo mulher a preservao da ordem moral e social.

    O servio social surgiu atrelado ao iderio e doutrina social da Igreja Catlica, de modo voluntrio e caritativo. V-se a presena do assistencialismo a e a feminizao da profisso impressa desde sua gnese.

    Era exigido um perfil mnimo para matricular-se: alm de ser do sexo feminino, ser ntegra, devota, altrusta, ter senso prtico, desprendimento, modstia, simplicidade, comunicabilidade, bom humor, calma, sociabilidade, trato fcil e espontneo, saber conquistar a simpatia, saber influenciar e convencer.

    Exigia-se, ainda: - 18 anos completos e menos de 40 anos; - comprovao de concluso do curso secundrio; - apresentao de referncias de trs pessoas idneas; - submisso a exame mdico. A candidata deveria possuir boa sade, no ter defeitos fsicos, e alguns

    historiadores at relatam a necessidade de comprovao da castidade e virgindade. As caractersticas exigidas transitavam entre caractersticas humansticas e de vocao, referenciando

    a f. A vocao no servir ao prximo como a si mesmo, despojando-se de si mesma. na consolidao da sociedade burguesa que surge o servio social, com sua base sustentada no

    modelo de Estado burgus. Verificou-se, nesse momento, a interveno do Estado nos processos de regulao e reproduo social, por meio das polticas sociais pblicas.

    O servio social no Brasil, at a primeira metade da dcada de 1940, por receber apoio e orientao da Escola de Servio Social da Europa, e por ter como referncia a Igreja Catlica, tem uma forte influncia europeia vinculada ao pensamento conservador.

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    O servio social brasileiro surge, portanto, com um carter conservador, ligado atividade assistencial. A profisso reconhecida legalmente como profisso liberal pelo Ministrio do Trabalho pela portaria

    n 35 de 19 de abril de 1949. A Influncia da Igreja na Gnese do Servio Social A Igreja Catlica teve grande importncia na profissionalizao e na identidade das primeiras

    expresses do servio social no Brasil. Nessa gnese, a Igreja era responsvel pelo aporte terico mesmo que hipossuficiente e de carter missionrio e tambm pela formao profissional.

    As primeiras escolas de servio social do pas, fundadas em So Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente em 1936 e 1937, organizaram-se sob forte influncia europeia, especialmente franco-belga.

    A base da formao para o servio social era inspirada na Doutrina Social Catlica, que tinha na psicologia sua maior influncia. Com base nisso, a formao era permeada por caractersticas que psicologizavam e individualizavam os problemas sociais, colocando como prioridade o enquadramento do indivduo ao sistema sistema imutvel atravs do enquadramento tico-moral e da responsabilidade individual.

    O servio social surgiu como um departamento especializado da Ao Social da Igreja Catlica, embasado por sua doutrina social, que buscava, poca, restaurar seu prestgio e poder na sociedade republicana brasileira atravs de um projeto de recristianizao da sociedade, e, tambm, por meio da iniciativa de movimentos laicos oriundos das classes dominantes, tambm vinculados si.

    Referente orientao do pensamento ao profissional do servio social nessa gnese, mereciam destaque as influncias da doutrina social da Igreja, do iderio franco-belga de ao social e do pensamento de So Toms de Aquino (sc. XII): tomismo. Outra influncia de pensamento se instaurou no fim do sculo XIX. Jacques Maritain na Frana e o Cardeal Marcier na Blgica retornam ao pensamento tomista e instalam o neotomismo como corrente e filosofia de pensamento.

    Surge o servio social como um prolongamento da ao social catlica, adotando como pressuposto terico sua linha mais tradicional e ortodoxa.

    Neste sentido, com as pregaes e diretrizes, exige-se uma recatolizao da nao e que a Igreja assuma a questo social.

    Em sntese, sob a influncia do pensamento da Igreja Catlica que o servio social brasileiro iniciou sua fundamentao, tendo um posicionamento humanista e conservador. Nos postulados filosficos tomistas e neotomistas que marcaram o servio social, introduziu-se a noo de dignidade da pessoa humana; sua perfeio, sua capacidade de desenvolver potencialidades; a sociabilidade natural do homem, como um ser social e poltico; a compreenso da sociedade como unio dos homens para realizar o bem e a necessidade da autoridade para cuidar da justia geral.

    No que se refere doutrina social da Igreja merecem destaque, nesse contexto, as encclicas Rerum Novarum do Papa Leo XIII de 1891 e a Quadragsimo Anno, de Pio XI de 1931, comemorando 40 anos da Rerum Novarum, que tratava a questo social sob uma tica antiliberal e antissocialista.

    A questo social, nesse momento, era vista a partir do pensamento social da Igreja: questo moral,

    conjunto de problemas sob a responsabilidade individual dos sujeitos. Num contexto mais geral, em especial na Amrica Latina, o pensamento catlico tambm influenciava

    a gnese da profisso, porm outras correntes e filosofias engendravam a formulao da profisso nesse comeo. Um grande exemplo dessas outras influncias ocorreu no servio social chileno e argentino, nos quais se somava a ao pensamento catlico o racionalismo higienista, influncia do movimento de mdicos higienistas. Esse movimento tinha como finalidade fomentar e exigir a interveno estatal sobre as expresses da questo social, como tambm a criao de uma forma de assistncia social e de um programa preventivo nas reas sanitria, social e moral.

    As particularidades da criao ocorreram justamente em So Paulo, em virtude do contexto poltico-ideolgico em curso poca momento ps-crise, recuperao do poder local do Estado.

    A viso do servio social nesse perodo era marcada pela adaptao do indivduo ao meio e do meio ao indivduo, sob a orientao de restaurar normalizar.

    O servio social tambm chamado por muitos como servio social catlico nessa gnese aliou-se ao movimento de higiene mental. Uma caracterstica dessa aliana a introduo de disciplinas na grade curricular do servio social. Verifica-se essa influncia nas escolas de So Paulo e Rio de Janeiro, com um contedo mdico.

    O pensamento social da Igreja Catlica, fortemente conservador, que influenciava o servio social nesse incio, comea, a partir dos anos de 1940, a buscar sua tecnificao a fim de adquirir um

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    embasamento tericometodolgico que melhor respondesse qualificao tcnica de sua prtica e sua modernizao. Nesse sentido, sob a influncia norte-americana, permeia a matriz positivista e com uma anlise funcionalista da situao, em sua apreenso manipuladora, instrumental e imediata do ser social.

    Com o surgimento das cincias sociais e sua consequente fragmentao, a qual consolidou a criao

    da sociologia na escola norte-americana de servio social, que influenciou o servio social brasileiro, com as elaboraes de Mary Richmond; qualificado o exerccio do assistente social como uma cincia social sinttica aplicada, que intervm de maneira prtico-emprica.

    Nessa linha, as relaes sociais dos indivduos eram abordadas no plano de suas vivncias imediatas, como fatos, como dados, que se apresentam em sua objetividade e imediaticidade.

    O servio social sofre, portanto, a influncia do positivismo. Uma das grandes expresses do mtodo positivista o francs Auguste Comte, em seu mtodo, atribua fatores humanos para as explicaes de diversos assuntos. Tal atitude contrariava a razo, a teologia e a metafsica, forava o trabalho com as relaes de modo aparente, evoluindo dentro do j contido e buscando a regularidade, as abstraes e as relaes invariveis.

    A matriz positivista ofereceu uma compreenso imediatista das relaes sociais e do ser social, restringindo-se ao verificvel, experimentao e fragmentao do homem e da sociedade. No eram oferecidas possibilidades de mudana, seno dentro da ordem estabelecida, pelo ajuste a ela. Tinha uma orientao funcionalista, prtica, um perfil manipulador e de ajustamento, sob a tica de padres de eficincia, com uma ao mais burocrtica, sem apropriao ou aprofundamento terico.

    Nela, a forma de pensamento e experincia prtica resultado do movimento contrrio aos avanos da modernidade, com aes de restaurao e preservao da ordem capitalista.

    Comte acreditava ainda que tal estrutura social existe de maneira esttica, no suscetvel a mudanas, e que o homem convive com essa estrutura na busca constante de melhorar sua condio, facilitando assim sua insero na mesma.

    A perspectiva positivista, por trabalhar com o aparente e com o verificvel, tem uma viso restrita dos fatos, pois analisa-os apenas no mbito do verificvel, da experimentao e da fragmentao, demonstrando uma relao esttica deles, sem mudanas, seno dentro da ordem estabelecida, voltando-se antes para ajustes e conservao.

    Essa moral positivista serve para atenuar os conflitos e reforar o sistema de filantropia estabelecido. As possibilidades de transformao da sociedade a partir dos movimentos sociais so ignoradas. A sociedade pensada como uma grande engrenagem e os indivduos como parte dessa engrenagem; quando surge um fato social que ameaa seu funcionamento, este deve ser trabalhado como disfuncional e ajustado para garantir a volta ao funcionamento perfeito dessa engrenagem.

    A filosofia bsica do positivismo a lei universal, a evoluo, um processo segundo o qual o homem deve se adaptar ao meio, considerando as diferenas entre funes e capacidades, sempre numa perspectiva de adequao do homem sociedade.

    As relaes sociais so hierarquizadas: os mais capazes devem governar os segmentos inferiores, considerados incapazes de se autogerirem.

    Apesar do doutrinarismo e conservadorismo no se constiturem como teorias sociais, foi a primeira orientao de viso de mundo que conduziu o servio social para sua elaborao de uma viso de mundo.

    O positivismo2 teve fortes influncias no Brasil. O exemplo mais comum a frase que est escrita em nossa bandeira: Ordem e Progresso. Esse trecho foi extrado da frase comteana: O amor por princpio, ordem por base, o progresso por fim. Essa frase vem expressa uma sociedade fraterna, justa e progressista.

    Com a ascenso da sociedade burguesa no sculo XIX e o consequente aparecimento de classes sociais, a burguesia (classe social dominante) necessitava de um profissional que cuidasse da rea social, assistindo e garantindo o controle da classe proletria.

    A influncia norte-americana: o funcionalismo e o servio social de caso, grupo e comunidade Em meados da dcada de 1940, a influncia franco-belga que marcava a gnese do servio social

    cedeu o lugar influncia norte-americana. A partir da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos

    2 O positivismo de Augusto Comte encontra-se fundamentado na Lei dos Trs Estados, que pode ser sintetizada pela afirmao de que

    todas as cincias e o esprito humano como um todo se desenvolvem atravs de trs fases distintas: - estado teolgico em que o esprito humano explica os fenmenos por meio das vontades divinas ou agentes sobrenaturais; - estado metafsico, onde os fenmenos so explicados por meio de foras ou entidades ocultas e abstratas, como o princpio vital; e - estado positivo, no qual os fenmenos se explicam de forma cientfica, utilizando-se a experincia sensvel. O estado positivo seria

    ento um ltimo estgio de evoluo da sociedade.

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    apresentaram-se como nao hegemnica nas relaes com os pases europeus, tendo como objetivo a concretizao de seu interesse pelo uso dos pases da Amrica Latina. Esse fato intensificou a influncia norte-americana no servio social brasileiro.

    Porm s na Conferncia Nacional do Servio Social, ocorrida em 1941, que se concretizou e teve incio esse intercmbio, com a oferta pelos Estados Unidos diga-se investida para que os assistentes sociais fossem at l fazer cursos, ofertando bolsas de estudos aos assistentes sociais brasileiros.

    A influncia norte-americana se deu no perodo da gnese da profisso do servio social, teve influncia importante, como j assinalado, Mary Richmond; com suas as ideias da filantropia cientfica ela incorporava as teorias estrutural-funcionalistas e as metodologias de interveno, especificamente os mtodos de servio social de caso, servio social de grupo, organizao de comunidade e, posteriormente, desenvolvimento de comunidade. Soma-se a este contexto, o ideal de democracia e justia social pregado por Jane Addams.

    A partir de 1945, o servio social assumiu o modelo funcional implantado pelos Estados Unidos e se afastou do doutrinarismo da Igreja Catlica que predominava nos fins da dcada de 30 e no incio da dcada de 40.

    As teorias de caso, grupo e comunidade compuseram, portanto, a trade metodolgica que orientava o servio social na busca da integrao do homem ao meio social em que vivia. Esse estreitamento das relaes entre Brasil-EUA repercutiu no servio social atravs da intensificao de intercmbios de assistentes sociais brasileiros que buscavam a ampliao de seus estudos naquele pas.

    Nesse perodo, a nfase na formao profissional ainda estava sustentada na viso teraputica e na

    concepo de que a questo social era um desajustamento social. Com essa influncia americana, emergia a perspectiva funcionalista, aliada ao neotomismo cristo, que teve como consequncia o reforo da postura teraputica, tratamento das feridas sociais, nas linhas da psicologia e da psiquiatria da poca, levando em conta os desajustamentos sociais.

    Esse modelo de formao profissional sustenta sua interpretao do desenvolvimento como resultante das capacidades individuais e culturais, a partir de numa viso harmnica da sociedade, concentrando-se no estudo do comportamento dos indivduos, tendo o empirismo como tendncia dominante, em que a atuao profissional exigiria nfase na instrumentalizao tcnica, com a valorizao do mtodo, deslocando-se o eixo terico de influncia do neotomismo para pressupostos funcionalistas da sociologia.

    O servio social de caso, o servio social de grupo e a organizao da comunidade so baseados na arte e na cincia das relaes humanas, isto , nas relaes de pessoa a pessoa. Tm sua centralidade da noo de relaes humanas para o servio social tradicional.

    Pautando-se por uma ao racional no enfrentamento dos problemas sociais, tem grande importncia a sistematizao das atividades na prtica profissional, como o planto, a triagem, acompanhamentos, aconselhamentos, distribuio de auxlios, socializao atravs dos grupos e engajamento em equipes multiprofissionais.

    H tambm uma forte influncia da psicologia e da psiquiatria, psicologizando as relaes sociais. O que era imperativo no servio social de caso era o relacionamento profissional, no qual o caso social

    era verificado como um processo psicossocial, isto , uma situao-problema na qual fatores objetivos da situao de vida do cliente no se separam dos fatores subjetivos (seu comportamento e suas emoes). Essa perspectiva viabilizava uma viso mais global do ser humano para a poca, pois um caso social era um fato humano, cotidiano e de realidade, que era permeado por fatores econmicos, fsicos, mentais, emocionais e sociais, atuando em maior ou menor intensidade, internos e externos, entrelaados entre si.

    Ele , ento, um mtodo de ajuda baseado num corpo de conhecimentos, na compreenso do cliente dos seus problemas, e no emprego de tcnicas aplicadas ajudar as pessoas a ajudarem-se a si prprias.

    O mtodo do servio social com casos desencadeia, na prtica, um processo no qual pode-se distinguir

    cinco momentos fundamentais: 1. indagao ou recolha de dados; 2. estudo; 3. diagnstico; 4. ordenada aplicao temporal de solues (tratamento/interveno); 5. finalizao. O servio social de grupo utiliza-se da abordagem grupal das situaes sociais problema, identificando

    seus aspectos significativos. Essa abordagem est muito ligada educao.

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    Identificava-se enquanto atribuio do assistente social: - proceder ao levantamento das situaes sociais significativas, atravs de atendimento individual com

    lderes formais e informais da comunidade e de pesquisas; - levar ao conhecimento da equipe os problemas sociais que surgirem como prioridade na populao

    atendida, apresentando sugestes para interveno; - planejar, executar e coordenar atividade a nvel grupal. O funcionalismo, uma expresso de influncia positivista, compreendido atravs da explicitao de

    aspectos da sociedade em termos de funes realizadas por instituies e suas consequncias para sociedade como um todo. uma corrente sociolgica associada obra de mile Durkheim3.

    Para o funcionalismo, eram valorizados: - humanismo na orientao da realidade; - universalidade dos valores, aplicados e aplicveis em qualquer realidade social; - neutralidade ideolgica e prtica apoltica passividade; - procedimentos distintos entre o profissional e populao, valorizando os conhecimentos tcnico-

    cientficos e desprezando os valores da populao; - a tcnica do profissional, que tinha papel importante para orientar as aes e decises da populao; - uma concepo abstrata de sociedade, equilibrada e harmnica, regida por uma ordem funcional, na

    qual cada membro deve contribuir para seu funcionamento social; - uma socied