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Almanaque Chuva de Versos n. 393

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Tecumseh

Viver com sabedoria

Viva sua vida de forma que o medo da morte nunca

possa entrar em seu coração. Nunca incomode ninguém por causa de sua

religião: Respeite os outros em seus pontos de vista, e exija

que eles respeitem os seus. Ame sua vida, aperfeiçoe sua vida,embeleze todas

as coisas em sua vida. Busque fazer sua vida longa e de serviços para seu

povo. Prepare uma canção fúnebre nobre para o dia

quando você atravessar a grande passagem.

Sempre dê uma palavra ou sinal de saudação quando encontrar ou cruzar com um estranho em um local solitário.

Demonstre respeito a todas as pessoas, mas não se rebaixe a ninguém.

Quando você se levantar de manhã, agradeça pela luz, pela sua vida e força.

Dê graças por seu alimento e pela alegria de viver. Se você não vir nenhuma razão para dar graças, a

falha se encontra em você mesmo. Não toque o aguardente venenoso que transforma

os sábios em tolos e rouba deles suas visões. Quando chegar sua hora de morrer, não seja como aqueles cujos corações estão preenchidos de medo da morte, e que quando a hora deles chega eles choram e rezam por um pouco mais de tempo para viverem suas vidas novamente de uma forma diferente.

Cante sua canção de morte, e morra como um herói indo para casa.

Tecumseh (n.1768? - 5 de Outubro de 1813) era um famoso líder indígena dos Shawnee que viveu no estado de Michigan, cujo

nome poderia ser mais exatamente Tecumtha ou Tekamthi, que com coragem e ousadia, liderou um pequeno grupo de homens mal armados contra uma nação poderosa e venceu várias batalhas. Ele passou a maior parte da sua vida a tentar reunir as tribos americanas indígenas desiguais numa defesa mútua das suas terras, que consequentemente culminaram na sua morte na guerra de 1812.

Tecumseh permanece um ícone respeitado dos americanos indígenas e é considerado um herói nacional no Canadá. Mesmo o seu adversário de longo prazo William Henry Harrison considerou Tecumseh ser "uma daquelas pessoas geniais, raras que aparecem ocasionalmente para produzir revoluções e derrubar a ordem estabelecida das coisas.".

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Tecumseh

Viver com sabedoria

Viva sua vida de forma que o medo da morte nunca

possa entrar em seu coração. Nunca incomode ninguém por causa de sua

religião: Respeite os outros em seus pontos de vista, e exija

que eles respeitem os seus. Ame sua vida, aperfeiçoe sua vida,embeleze todas

as coisas em sua vida. Busque fazer sua vida longa e de serviços para seu

povo. Prepare uma canção fúnebre nobre para o dia

quando você atravessar a grande passagem.

Sempre dê uma palavra ou sinal de saudação quando encontrar ou cruzar com um estranho em um local solitário.

Demonstre respeito a todas as pessoas, mas não se rebaixe a ninguém.

Quando você se levantar de manhã, agradeça pela luz, pela sua vida e força.

Dê graças por seu alimento e pela alegria de viver. Se você não vir nenhuma razão para dar graças, a

falha se encontra em você mesmo. Não toque o aguardente venenoso que transforma

os sábios em tolos e rouba deles suas visões. Quando chegar sua hora de morrer, não seja como aqueles cujos corações estão preenchidos de medo da morte, e que quando a hora deles chega eles choram e rezam por um pouco mais de tempo para viverem suas vidas novamente de uma forma diferente.

Cante sua canção de morte, e morra como um herói indo para casa.

Tecumseh (n.1768? - 5 de Outubro de 1813) era um famoso líder indígena dos Shawnee que viveu no estado de Michigan, cujo

nome poderia ser mais exatamente Tecumtha ou Tekamthi, que com coragem e ousadia, liderou um pequeno grupo de homens mal armados contra uma nação poderosa e venceu várias batalhas. Ele passou a maior parte da sua vida a tentar reunir as tribos americanas indígenas desiguais numa defesa mútua das suas terras, que consequentemente culminaram na sua morte na guerra de 1812.

Tecumseh permanece um ícone respeitado dos americanos indígenas e é considerado um herói nacional no Canadá. Mesmo o seu adversário de longo prazo William Henry Harrison considerou Tecumseh ser "uma daquelas pessoas geniais, raras que aparecem ocasionalmente para produzir revoluções e derrubar a ordem estabelecida das coisas.".

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Tecumseh

Viver com sabedoria

Viva sua vida de forma que o medo da morte nunca

possa entrar em seu coração. Nunca incomode ninguém por causa de sua

religião: Respeite os outros em seus pontos de vista, e exija

que eles respeitem os seus. Ame sua vida, aperfeiçoe sua vida,embeleze todas

as coisas em sua vida. Busque fazer sua vida longa e de serviços para seu

povo. Prepare uma canção fúnebre nobre para o dia

quando você atravessar a grande passagem.

Sempre dê uma palavra ou sinal de saudação quando encontrar ou cruzar com um estranho em um local solitário.

Demonstre respeito a todas as pessoas, mas não se rebaixe a ninguém.

Quando você se levantar de manhã, agradeça pela luz, pela sua vida e força.

Dê graças por seu alimento e pela alegria de viver. Se você não vir nenhuma razão para dar graças, a

falha se encontra em você mesmo. Não toque o aguardente venenoso que transforma

os sábios em tolos e rouba deles suas visões. Quando chegar sua hora de morrer, não seja como aqueles cujos corações estão preenchidos de medo da morte, e que quando a hora deles chega eles choram e rezam por um pouco mais de tempo para viverem suas vidas novamente de uma forma diferente.

Cante sua canção de morte, e morra como um herói indo para casa.

Tecumseh (n.1768? - 5 de Outubro de 1813) era um famoso líder indígena dos Shawnee que viveu no estado de Michigan, cujo

nome poderia ser mais exatamente Tecumtha ou Tekamthi, que com coragem e ousadia, liderou um pequeno grupo de homens mal armados contra uma nação poderosa e venceu várias batalhas. Ele passou a maior parte da sua vida a tentar reunir as tribos americanas indígenas desiguais numa defesa mútua das suas terras, que consequentemente culminaram na sua morte na guerra de 1812.

Tecumseh permanece um ícone respeitado dos americanos indígenas e é considerado um herói nacional no Canadá. Mesmo o seu adversário de longo prazo William Henry Harrison considerou Tecumseh ser "uma daquelas pessoas geniais, raras que aparecem ocasionalmente para produzir revoluções e derrubar a ordem estabelecida das coisas.".

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Uma Trova de Londrina/PR

Conchita Moutinho de Almeida

A memória tem atalhos

onde lembranças perdidas formam colchas de retalhos no varal de nossas vidas.

Uma Trova de São Paulo/SP

Alba Christina Campos Netto

Talvez por falta de jeito, ou descuido de mulher,

planto sempre amor-perfeito onde brota o mal-me-quer...

Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

O AMOR CONSTRÓI

"Só o amor constrói para a eternidade".

O amor, presente em nós, enfeita a nossa vida. Amar Estela, Iná, Maria, Alice, Helena...

Amar a flor do cardo, a flor não preferida: Um trevo, um malmequer, um goivo, uma

verbena..

O amor vive a inspirar dulcíssima investida ao pérfido pardal, à insípida falena,

à serpe que assassina, à fera enraivecida, ao mar bravio, à lama, à lava que condena,..

Amar o que se curva, ante um estranho Deus, amar o espiritualista, amar também ateus...

O amor sagra e coroa e entroniza herói.

Sem arco e seta o amor, sereno e sem maldade, não fere. Afaga e assim conduz à eternidade... Sim. Para a eternidade é que o amor constrói.

Uma Trova Humorística de São Paulo/SP

Aurora Pierre Artese

A patinha procurava um ricaço só pra ela...

Encontrou: o pato estava “recheado”... e na panela!

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Uma Trova de São Paulo/SP

Elza Aparecida Ramos Amaral

No verde mar dos teus olhos plenamente eu mergulhei...

e apesar de mil abrolhos o paraíso encontrei...

Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

ANO VELHO

Ano velho, te vais, tua missão terminas. Soberano que passa e no passado ingressa,

deixaste acontecer destruições, ruínas, mandaste construir, com perfeição e pressa.

Diz quem rosas pediu e recolheu boninas;

quem, de vida melhor, nem conseguiu promessa: Morto o rei, viva o rei! Palavras sibilinas

que parecem lembrar que a tirania cessa.

Espera que te julgue o mundo, eu não consigo. Tentaste nos guiar, como bondoso amigo? Indiferente foste ao sofrimento humano?

Entanto, neste adeus, neste átimo final, escuta: o bem fazendo, ou praticando o mal,

sei bem que à minha idade acrescentaste um ano!

Uma Quadra Popular

Autor Anônimo

A folha da bananeira de tão verde amarelou. O beijinho de meu bem, de tão doce açucarou.

Uma Trova Hispânica da Argentina

Libia Beatriz Carciofetti

Cuando la musa aparece sea de noche o de día

Dentro de mi alma florece un rosal de poesía.

Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

ONZE DE JUNHO

Onze de Junho — um marco luminoso, lembrando a brava gente marinheira

Page 5: Almanaque Chuva de Versos n. 393

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que, com Marcílio, Greenhalgh, Barroso... bateu-se em prol da Pátria brasileira.

Onze de Junho — um poema glorioso,

ante o auri-verde-azul de uma bandeira, que em mares, em desfiles, em repouso,

é esplendorosa, impávida, altaneira.

Com força inferior — justo é dizê-lo — viram-se naus lutando em Riachuelo,

contra legião supinamente hostil.

Vencestes, como autênticos heróis! Salve a epopéia que escrevestes vós — marujos da Marinha do Brasil!

Trovadores que deixaram Saudades

Izo Goldman Porto Alegre/RS (1932 – 2013) São Paulo/SP

Para compor obras primas

e pequenos universos, duas rosas fazem rimas

no “Jardim dos Quatro Versos”!...

Uma Trova de São Paulo/SP

Zaé Junior

Solto do ramo florido

que o vento açoita, ao revés, sou mais um cravo abatido

que vai murchar aos teus pés!

Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

O COLIBRI

Sem cerimônia, sem pedir licença, entra na sala e sai pela cozinha. Perito no bailar, creio que pensa

que a casa é sua, ou que ela está sozinha.

Beija uma flor na jarra e, sem detença, de outra cheirosa logo se avizinha.

Meigo, inocente, em sua faina intensa, nem se apercebe da presença rainha.

Frágil, ligeiro, o descuidista alado

roubou-me o coração e de bom grado espero recebê-lo sempre aqui.

Assim, ó braço em que a maldade impera!

Contra avezinhas nunca vire fera, mostrando as cores, deixe o colibri!

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Uma Trova de São Paulo/SP

Daura A. Ribeiro do Val

Em nossas lutas renhidas, num vai e vem sem cessar,

sentimos que as nossas vidas são como as ondas do mar.

Um Haicai de Bauru/SP

Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

VEM, SAUDADE!

Quero que venhas, quero estar contigo,

faze o teu ninho, dentro do meu peito. Mesmo sofrendo, face ao teu castigo,

creio-te nume desejado, eleito.

És doce e amara, abrigo e desabrigo; bonança e temporal, vigília e leito;

fé, desespero, pedestal, jazigo, ódio e perdão, quando é o amor desfeito.

Trazendo males, ofertando bens, eu te agradeço, repetindo améns,

nada há que faças que me desagrade.

Restaram dos teus cortes cicatrizes, que te agradeço, desde que me dizes:

— É morto aquele que não tem Saudade.

Uma Trova de São Paulo/SP

Yvonne Lima Castelo Branco

Nos mares de minha vida explodindo em maré cheia,

a saudade é devolvida numa conchinha de areia...

Um Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

Lilian Maial

violoncelo plangente

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(o arco arranca sustenidos) : sinfonia pelo chão

Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

NOITE-MANHÃ

É noite e há lua iluminando o estio, raios profusos — mil punhais de prata,

aqui se infiltram, no inquieto rio, ali se cravam, na ramosa mata...

Olor agreste, lamentoso pio,

de uma coruja, em peregrina oblata, Bacurau chora um estribilho frio,

tatala o galo e o seu clarim desata…

Coaxa a rã, que na enxurrada veio, latidos, grilo cricrilando e, em meio,

rincho e mugido... Foi-se o pirilampo.

Aves gorjeiam, já se esconde a Lua, Vésper medrosa em rosicler flutua…

homens se agitam, na manhã do campo.

Uma Trova de São Paulo/SP

Analice Feitoza de Lima

Ao ver-te, meu corpo inteiro desabrocha como flor,

porque és cravo de um canteiro, do meu canteiro de amor...

Uma Glosa de Porto Alegre/RS

Gislaine Canales

PRIMAVERA

MOTE: A primavera vem vindo!...

há festas, risos e amores... é Deus que chega sorrindo pelo sorriso das flores...

P. de Petrus São Paulo/SP (1920 – 1999) Rio de Janeiro/RJ

GLOSA:

A primavera vem vindo, perfumada e colorida, e o inverno vai fugindo em sua louca corrida!

Page 8: Almanaque Chuva de Versos n. 393

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Nessa gostosa estação, há festas, risos e amores, que servem de inspiração

aos poetas trovadores!

Tudo é mais que muito lindo na inigualável beleza...

é Deus que chega sorrindo nas flores da natureza!

A Primavera nos traz

numa imensidão de cores, a felicidade e a paz

pelo sorriso das flores...

Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

PRIMAVERA

Dá, primavera, que me encante a vista a primorosa floração que tens.

Que entre relvado verdecente assista aos lindos cravos e às gentis cecéns.

Contigo, tudo canta, Musicista,

os ventos harmonizas. Parabéns. Não há noitada fria que resista

ao morno eflúvio que evolando vens.

Termina o dia em tarde enrubescida; à luz do sol, que ao festival convida, dossel azul, bem alto, se descobre.

Depois, seja de estrelas recamada, ou cavalgando sobre a madrugada, estás mais bela, afetuosa e nobre!

Um Haicai de Bauru/SP

João Batista Xavier Oliveira

Chuva tecelã. Tapetes esverdeados aplaudem com flores.

Uma Trova de São Paulo/SP

Cecília Amaral Cardoso

Em qualquer tema se ajeita, faz trova o bom trovador.

É como a orquídea perfeita que em qualquer tronco dá flor.

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Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

MARTÍRIO

A árdua jornada empreendera. Exausto, vislumbra o Seu momento derradeiro.

Para remir pecados, o holocausto, a imolação. Tornara-se Cordeiro.

O fel do sofrimento, num só hausto, bebera à salvação do mundo inteiro.

Consumara-se, enfim, o evento infausto: — Inanimado o Corpo, no Madeiro.

Tinha explicado, com intenso brilho:

"Ninguém vai ter ao Pai, sem vir ao Filho, sou a Verdade, sou o Caminho, a Vida."

Jesus foi claro e mesmo assim a gente

parece d'Ele se fazer ausente; parece até que o Seu martírio olvida!

Recordando Velhas Canções

Caminhando (Prá não dizer que não falei das flores)

(rasqueado, 1968)

Geraldo Vandré

Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou não

Nas escolas nas ruas, campos, construções Caminhando e cantando e seguindo a canção

(refrão)

Vem, vamos embora, que esperar não é saber (2x) Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Pelos campos há fome em grandes plantações

Pelas ruas marchando indecisos cordões Ainda fazem da flor seu mais forte refrão

E acreditam nas flores vencendo o canhão

(refrão) Vem, vamos embora, que esperar não é saber (2x)

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Há soldados armados, amados ou não Quase todos perdidos de armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição De morrer pela pátria e viver sem razão

(refrão)

Vem, vamos embora, que esperar não é saber (2x) Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

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Nas escolas, nas ruas, campos, construções Somos todos soldados, armados ou não

Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou não

Os amores na mente, as flores no chão A certeza na frente, a história na mão

Caminhando e cantando e seguindo a canção Aprendendo e ensinando uma nova lição

(refrão)

Vem, vamos embora, que esperar não é saber (2x) Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Uma Trova de São Paulo/SP

Cipriano Ferreira Gomes

Tempestade... o mar erguido é um cavalo em movimento que, tendo o corpo ferido, desfere coices no vento.

Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

VELHO MONUMENTO

Não sei o que fui, nem mesmo o que serei. Como sabê-lo? A vida não me ensina

mas, se do tempo compreendesse a lei, de mim, diria apenas: sou ruína.

À beira de um penhasco me plantei,

embaixo, a me esperar, goela assassina, depois, as garras de faminta grei de vermes que resíduos elimina.

Socorrem-me os instintos de defesa

e de conservação. Futura presa, com eles, astucioso, me sustento.

Torre de Pisa! Coliseu romano!

Perante vós, me grita o meu arcano: — Também resistes, velho monumento!

Um Haicai do Rio de Janeiro/RJ

Olga Savary

Que arda em nós tudo quanto arde

e que nos tarde a tarde.

Uma Trova de São Paulo/SP

Lila Ricciardi Fontes

A chuva açoita e apavora as dálias, com tal crueza, que, cabisbaixas, agora,

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choram gotas de tristeza.

Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

DOCES RECORDAÇÕES

Bonita a luz da estrela da manhã! Correndo, a bom correr, dourando a aurora,

dizia à nau — já trôpega e anciã — adeus, galera, que eu já vou-me embora.

Entanto, a luz do sol vinha louçã, lá do horizonte, nos falando agora,

vos ilumino, enquanto a minha irmã busca outro mar que ela também decora.

Irosos temporais são pesadelos..,

Pensa o marujo. Assim, tenta esquecê-los, e frui alma enlevada e mente sã...

Com o mar sereno; as virações marinhas;

o cabriolar de botos e doninhas; o céu azul; a estrela da manhã...

Hinos de Cidades Brasileiras

Águas da Prata/SP

Saudade eu tenho de ti, ó Prata,

desta verdura da tua mata oh quanto encanto no teu arrebol,

oh que saudade "Fonte Paiol".

estribilho

Ó tardes meigas, doces... serenas,

brisas suaves ó noites amenas... Quanta saudade da tua piscina,

dos verdes prados da "Fonte Platina".

Ai, ai, meu Deus, quem me dera

beijar de novo a minha terra; Águas da Prata quanto sofrer, estar tão longe e não esquecer!

Uma Trova de São Paulo/SP

Therezinha Dieguez Brisolla

Ah, poeta, que venturas ouso sonhar quando passas!...

São para mim tuas juras, e envolto em versos...me abraças.

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Um Poema de Salvador/BA

E. Rabello

INSEGURANÇA

Insegurança atroz, por que nos levas a esse teu reino, onde nos assassinas? Dás preferência à escuridão, às trevas,

nossos faróis ocultas com neblinas.

Tu segues triunfante e mais te elevas, quando engenhosa e perspicaz ensinas

a postergar, considerar coevas do caos as leis e prescrições divinas.

O homem teme o homem! Que futuro,

no orbe em que o ouro, se tornando impuro, gera a discórdia e à ira ateia a chama?

Para anular a insegurança, atento, anda, relê o Segundo Mandamento,

ama teu irmão, como a ti mesmo, Ama! _____________________________

Sobre a canção “Caminhando” Foi preocupado com uma possível rejeição do público e do

júri que Geraldo Vandré entrou em cena para defender sua

canção “Caminhando” na eliminatória paulista do III Festival Internacional da Canção. A preocupação tinha dois motivos: primeiro, a lembrança da vaia e da desclassificação que sofrera em 1967 na Record, com a música “Ventania”; segundo, o esquema que escolhera para apresentar “Caminhando” — sozinho no palco, acompanhado apenas de um violão. Mas o público o aplaudiu freneticamente e o júri acabou por lhe dar o segundo lugar na final, quando cantou com o Quarteto Livre.

Propositalmente despojada no aspecto melódico-harmônico (apóia-se somente em dois acordes), “Caminhando” tem o seu forte no teor revolucionário da letra, era um enorme passo à frente do ponto alcançado por “Disparada”, dois anos antes.

Essa postura audaciosa de desafio à ditadura, em pleno 1968, quando se processava a radicalização do regime, empolgou a platéia presente ao Maracanãzinho que, inconformada por não haverem os jurados dado a vitória a “Caminhando”, repudiou a vencedora “Sabiá”. O sucesso fulminante da canção de Vandré seria, porém, logo interrompido pela censura, enquanto o autor exilava-se no Chile.

Muitos anos depois, extinta a proscrição, “Caminhando” pôde novamente ser apreciada como exemplo de canto político-revolucionário. Uma curiosidade: classificada pelo maestro Lindolfo Gaya como uma guarânia e pelo próprio Vandré como “um rasqueado de beira de praia”, “Caminhando” mereceu do general Luís de França Oliveira, secretário de Segurança da Guanabara, o seguinte comentário, em entrevista que justificava a sua proibição: “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores’ tem letra subversiva e sua cadência é do tipo de Mao-Tsé-Tung” (sic)

Fonte: Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo. v.2.

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Chuvisco Biográfico do Poeta E. Rabello é o nome literário de Eustásio dos Santos Rabello, natural de São Félix, Estado da Bahia, oficial da Armada, reformado, casado com Edwiges Teixeira Rabello. Filho de Francisco Antônio dos Santos Rabello e de Maria da Conceição Rabello. Colaborou no Correio de São Félix, semanário dirigido por Osmar de Azevedo Moreira, tendo como diretor comercial Erivaldo Brito. Além de “Férias Outonais”, livro de versos, publicou “Cantos e Contos". Membro correspondente das academias de Trovadores da Fronteira Sudoeste, Internacional de Letras Três Fronteiras, de Letras da Fronteira Sudoeste, de Letras de Uruguaiana, do Clube da Poesia e do Clube Internacional da Boa Leitura, entidades sediadas em Uruguaiana (RS), membro correspondente da Academia Anapolina de Filosofia, Ciências e Letras, sediada em Anápolis, Estado de Goiás. Residia no Rio de Janeiro, mas passava grande parte do ano em Salvador/BA. Integrou o 3. volume de "Escritores do Brasil", organizado por Aparicio Fernandes, com dois contos, sob o título "Da Terra ao Mar".

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A fraqueza dele é tanta, tão aguda e tão profunda, que começa na garganta e responde na “cacunda”.

Ah! Meu pai! Sua lembrança me traz-e não sei por que-

da existência, uma esperança de um dia eu ser mais você.

A paciência que não tive

de aguardar o teu regresso é o grande amor que hoje vive no perdão que agora eu peço.

Às vezes tem influência ... A terra agradece e sente

o jeito, a mão e a sequência de quem atira a semente.

A tristeza mais sentida que se pode imaginar, é saber tanto da vida

e não ter com quem falar.

Como aprendiz de poeta demorei, mas descobri

que a alegria é mais completa quando a alma é que sorri!

Com sorriso se conquista, um sorriso compra tudo; Até mesmo a balconista

vende algodão por veludo!

É negócio tão sem graça, que é melhor mudar de assunto,

pois velório sem cachaça é velório sem defunto!

Esta saudade, que é minha

misteriosa serpente, morde e assopra quietinha,

que a gente sofre e não sente.

Eu vi queimar os encantos dos sonhos deste menino

e transformá-los em prantos na fornalha do destino.

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Foi grande a nossa tristeza... saber teu solo alagado...

Quando a própria natureza não soube dar o recado.

Minha Mãe. Minha Alegria. Meu Amor. Minha Santinha.

Deu-me tudo o que eu queria, mas levou tudo o que eu tinha...

Navegando nas Poesias minha vida se renova. Entre tantas alegrias,

na profundeza da trova.

O amor chega de mansinho no coração de quem ama. Ajeita-se, faz seu ninho

e o destino acende a chama.

Ó meu livro de poesia, eu não sei qual é teu fim,

mas te entrego, a cada dia, um pedacinho de mim.

O murmúrio de palavras, ditas bem ao pé do ouvido, tira trancas, tira travas,

muda as coisas de sentido!

Para a grande professora toda a nossa gratidão,

por ser ela a defensora de uma luz na escuridão

Quando a saudade começa

cutucar meu coração o danado perde a pressa bate forte feito um cão.

Quando um amigo nos pede

que façamos um favor, o verdadeiro não mede

o sacrifício que for.

Quem doa os olhos percebe a paz maior prometida, por toda luz que recebe do outro lado da vida...

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"Quem espera sempre alcança" é ditado popular,

mas não deve haver tardança pra quem quer recomeçar.

Quem tem fé acende a vela

e oferece à padroeira. Quem não tem, não se revela: sofre e chora a vida inteira.

Ser feliz é isto gente:

– é poder ver na alvorada o beijo do sol nascente no rosto da madrugada.

Profa. Ana Suzuki

AULA 6 O Haicai e seu Abrasileiramento

Não podemos fazer haicai exatamente como os japoneses o fazem. Pra começar, não temos os kandjis (ideogramas). E acontece que alguns ideogramas são, por si mesmos, tão belos e significativos que constituem eles mesmos uma parte da estética de um poema. Ademais, nossa língua não é composta de silabários, e sim de fonemas. Nossa acentuação é fixa, a deles flutuante. É mais ou menos como aparência física. Embora a cara de um japonês tenha dois olhos, uma boca e um

nariz, é uma cara diferente da nossa. Pensando assim, não não há nada de estranho no abrasileiramento do haicai, como não é nada assombroso o nascimento de um mestiço. No Brasil, o haicai ganhou rima e título - coisas que o haicai japonês não tem. Esses ganhos, entretanto, são opcionais. Quem quiser usar título usa, que não quiser não usa. Um homem de boné ou chapéu não deixa de ser um homem.

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Quem quiser usar rima pode usar, quem não quiser não usa. Uma mulher que tem a bolsa da mesma cor do sapato não fica defeituosa por causa disso, pode até ficar mais bonita. Idem quanto à pontuação. Podemos dispensá-la, ou então encher nossas haicais de pontos de exclamação, interrogação, reticências. São jóias ou bijuterias, que compensam a ausência do ideograma. Você pode escrever haicai sem título, sem rima e sem pontuação. Fica ao critério de cada um. Mas tem que entender que um haicai não é sempre algo que cai do céu prontinho. Ele pode ser retrabalhado, até que fique bom. Nisso consiste o trabalho de um escritor - em fazer e refazer o seu projeto, até que ele se torne

verdadeiramente uma obra de arte, digna de ser compartilhada. Enfileirar besteiras às pressas, seja em três ou em trinta linhas, não faz de ninguém um bom poeta, a menos que ele seja um gênio. A propósito, no Japão o haicai é popular, todo mundo sabe fazer, há concursos de que o povo participa ativamente. Mas também pode acontecer que um grande haicaísta leve meses, ou até anos, até achar a palavra exata com a qual possa terminar o seu minúsculo poema. Claro que enquanto isso ele foi fazendo outros haicais, às vezes com a sorte de acertar na primeira, mas "aquele" teve que esperar. continua… Os haicais rimados de Guilherme de Almeida

Patativa do Assaré

Cante lá, que eu canto cá

Poeta, cantô da rua,

Que na cidade nasceu, Cante a cidade que é sua,

Que eu canto o sertão que é meu. Se aí você teve estudo,

Aqui, Deus me ensinou tudo, Sem de livro precisá

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí, Cante lá, que eu canto cá.

Você teve educação,

Aprendeu muita ciência, Mas das coisa do sertão Não tem boa experiência.

Nunca fez uma boa palhoça,

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Nunca trabalhou na roça, Não pode conhecê bem, Pois nesta penosa vida,

Só quem provou da comida Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão,

Precisa nele morá, Tê almoço de feijão

E a janta de mugunzá, Vivê pobre, sem dinheiro, Trabalhando o dia inteiro, Socado dentro do mato, De aprecata currelepe,

Pisando em riba do estrepe, Brocando a unha-de-gato.

Você é muito ditoso,

Sabe lê, sabe escrevê, Pois vá cantando o seu gôzo, Que eu canto meu padecê.

Enquanto a felicidade Você canta na cidade,

Cá no sertão eu enfrento A fome, a dô e a miséria.

Pra sê poeta deveras, Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja

Bordada de prata e de ouro, Para a gente sertaneja É perdido este tesouro.

Com o seu verso bem feito, Não canta o sertão direito Porque você não conhece

Nossa vida aperreada. E a dô só é bem cantada,

Cantada por quem padece.

Só canta o sertão direito, Com tudo quanto ele tem,

Quem sempre correu estreito, Sem proteção de ninguém,

Coberto de precisão Suportando a privação Com paciência de Jó,

Puxando o cabo da enxada, Na quebrada e na chapada,

Molhadinho de suó.

Amigo, não tenha queixa, Veja que eu tenho razão

Em lhe dizê que não mêxa Nas coisa do meu sertão. Pois, se não sabe o colega De qual maneira se pega Num ferro pra trabalhá, Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí, Cante lá que eu canto cá.

Repare que a minha vida

É diferente da sua. A sua rima polida

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Nasceu no salão da rua. Já eu sou bem diferente,

Meu verso é como a semente Que nasce em riba do chão; Não tenho estudo nem arte,

A minha rima faz parte Das obras da criação.

Mas porém, eu não invejo

O grande tesouro seu, Os livros do seu colégio,

Onde você aprendeu. Pra gente aqui sê poeta E fazê rima completa, Não precisa professô;

Basta vê no mês de maio, Um poema em cada galho E um verso em cada fulô.

Seu verso é uma mistura

É um tal sarapaté, Que quem tem pouca leitura,

Lê, mas não sabe o que é. Tem tanta coisa encantada,

Tanta deusa, tanta fada, Tanto mistério e condão

E outros negócio impossive. Eu canto as coisa visive Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio

Com todas coisas daqui: Pra toda parte que eu óio

Vejo um verso se bulí. Se às vez andando no vale Atrás de curá meus males Quero repará pra serra,

Assim que eu óio pra cima, Vejo um dilúvio de rima Caindo em riba da terra.

Mas tudo é rima rasteira

De fruta de jatobá, De folha de gameleira

E fulô de trapiá, De canto de passarinho E da poeira do caminho, Quando a ventania vem,

Pois você já tá ciente: Nossa vida é diferente

E nosso verso também.

Repare que diferença Existe na vida nossa:

Enquanto eu tô na sentença, Trabalhando em minha roça,

Você lá no seu descanso, Fuma o seu cigarro manso,

Bem perfumado e sadio; Já eu, aqui tive a sorte De fumá cigarro forte

Feito de palha de milho.

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Você, vaidoso e faceiro,

Toda vez que quer fumá, Tira do bolso um isqueiro

Do mais bonito metá. Eu que não posso com isso,

Puxo por meu artifício Arranjado por aqui,

Feito de chifre de gado, Cheio de algodão queimado,

Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divertida E a minha é grande pena.

Só numa parte de vida Nós dois samo bem iguá:

É no direito sagrado, Por Jesus abençoado

Pra consolá nosso pranto, Conheço e não me confundo Da coisa melhó do mundo Nós goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá

Nem você invejá eu O que Deus lhe deu por lá, Aqui Deus também me deu.

Pois minha boa mulhé, Me estima com muita fé,

Me abraça, beija e quer bem E ninguém pode negá Que das coisa naturá

Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade. Toda cheia de razão: Fique na sua cidade

Que eu fico no meu sertão. Já lhe mostrei um espêio, Já lhe dei grande consêio

Que você deve tomá. Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí, Cante lá que eu canto cá.

Antônio Gonçalves da Silva, conhecido em todo o Brasil como Patativa do Assaré, referência ao município que nasceu. Analfabeto, filho de agricultor nasceu em 9 de março de 1909, em Assaré/CE. Casou-se com D. Belinha, e foi pai de nove filhos. Sua verve poética serviu para denunciar injustiças sociais, propagando sempre a consciência e a perseverança do povo nordestino que sobrevive e dá sinais de bravura ao resistir às condições climáticas e políticas desfavoráveis. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956. Cantos de Patativa, em 1966. Em reconhecimento a seu trabalho, que é admirado internacionalmente, foi agraciado, no Brasil, com o título de doutor “honoris causa” por universidades locais. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Sua memória está preservada no centro da cidade de Assaré, num sobradão do século XIX que abriga o Memorial Patativa do Assaré. O poeta faleceu no dia 08/07/2002, aos 93 anos.

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Você, vaidoso e faceiro,

Toda vez que quer fumá, Tira do bolso um isqueiro

Do mais bonito metá. Eu que não posso com isso,

Puxo por meu artifício Arranjado por aqui,

Feito de chifre de gado, Cheio de algodão queimado,

Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divertida E a minha é grande pena.

Só numa parte de vida Nós dois samo bem iguá:

É no direito sagrado, Por Jesus abençoado

Pra consolá nosso pranto, Conheço e não me confundo Da coisa melhó do mundo Nós goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá

Nem você invejá eu O que Deus lhe deu por lá, Aqui Deus também me deu.

Pois minha boa mulhé, Me estima com muita fé,

Me abraça, beija e quer bem E ninguém pode negá Que das coisa naturá

Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade. Toda cheia de razão: Fique na sua cidade

Que eu fico no meu sertão. Já lhe mostrei um espêio, Já lhe dei grande consêio

Que você deve tomá. Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí, Cante lá que eu canto cá.

Antônio Gonçalves da Silva, conhecido em todo o Brasil como Patativa do Assaré, referência ao município que nasceu. Analfabeto, filho de agricultor nasceu em 9 de março de 1909, em Assaré/CE. Casou-se com D. Belinha, e foi pai de nove filhos. Sua verve poética serviu para denunciar injustiças sociais, propagando sempre a consciência e a perseverança do povo nordestino que sobrevive e dá sinais de bravura ao resistir às condições climáticas e políticas desfavoráveis. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956. Cantos de Patativa, em 1966. Em reconhecimento a seu trabalho, que é admirado internacionalmente, foi agraciado, no Brasil, com o título de doutor “honoris causa” por universidades locais. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Sua memória está preservada no centro da cidade de Assaré, num sobradão do século XIX que abriga o Memorial Patativa do Assaré. O poeta faleceu no dia 08/07/2002, aos 93 anos.

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Você, vaidoso e faceiro,

Toda vez que quer fumá, Tira do bolso um isqueiro

Do mais bonito metá. Eu que não posso com isso,

Puxo por meu artifício Arranjado por aqui,

Feito de chifre de gado, Cheio de algodão queimado,

Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divertida E a minha é grande pena.

Só numa parte de vida Nós dois samo bem iguá:

É no direito sagrado, Por Jesus abençoado

Pra consolá nosso pranto, Conheço e não me confundo Da coisa melhó do mundo Nós goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá

Nem você invejá eu O que Deus lhe deu por lá, Aqui Deus também me deu.

Pois minha boa mulhé, Me estima com muita fé,

Me abraça, beija e quer bem E ninguém pode negá Que das coisa naturá

Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade. Toda cheia de razão: Fique na sua cidade

Que eu fico no meu sertão. Já lhe mostrei um espêio, Já lhe dei grande consêio

Que você deve tomá. Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí, Cante lá que eu canto cá.

Antônio Gonçalves da Silva, conhecido em todo o Brasil como Patativa do Assaré, referência ao município que nasceu. Analfabeto, filho de agricultor nasceu em 9 de março de 1909, em Assaré/CE. Casou-se com D. Belinha, e foi pai de nove filhos. Sua verve poética serviu para denunciar injustiças sociais, propagando sempre a consciência e a perseverança do povo nordestino que sobrevive e dá sinais de bravura ao resistir às condições climáticas e políticas desfavoráveis. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956. Cantos de Patativa, em 1966. Em reconhecimento a seu trabalho, que é admirado internacionalmente, foi agraciado, no Brasil, com o título de doutor “honoris causa” por universidades locais. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Sua memória está preservada no centro da cidade de Assaré, num sobradão do século XIX que abriga o Memorial Patativa do Assaré. O poeta faleceu no dia 08/07/2002, aos 93 anos.

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Folclore Indígena Brasileiro

As Amazonas [Icamiabas]

Em torno de 400 a 600 anos atrás, existiu na região Amazônica, próximo às cabeceiras do rio Jamundá, um reino formado somente de mulheres guerreiras, conhecidas como Icamiabas, isto é, mulheres sem homens ou ainda mulheres sem maridos e, uma terceira interpretação, mulheres escondidas dos homens.. Mas há outra designação, também encontrada no rico folclore sobre elas, que as chama de Cunhã-teco-ima, o que quer dizer mulheres à margem da lei ou sem lei. Elas viviam completamente isoladas, só mantendo contatos esporádicos com homens. Em certas épocas do ano estas mulheres belas e guerreiras celebravam suas vitórias sobre o sexo oposto. Neste dia, uma grande festividade era organizada e elas desciam do monte onde viviam até o lago sagrado denominado “Yaci Uarua” (Espelho da Lua). Durante à noite, quando a Lua deitava sobre o espelho da água, as Amazonas mergulhavam nela com

seus corpos fortes e morenos. Após este ritual de purificação e limpeza, estas deusas da Lua clamavam pela Mãe do Muiraquitã. Os estudiosos folcloristas identificaram esta entidade como uma fada, mas ela também cabe na classificação de Grande Mãe das Pedras Verdes. Era ela que entregava a cada uma daquelas mulheres uma pedra da cor verde (jade), denominada de “Muiraquitã”, onde encontravam-se esculpidos estranhos símbolos. Receberiam-nos ainda moles, porém, logo que saíam da água eles endureciam. Segundo os índios Uaboí, os amuletos eram vivos e para apanhá-los, as índias feriam-se e deixavam cair uma gota de sangue sobre o tipo que queriam. Isso feito, o animal morria e elas se atiravam na água para buscá-los. Cada nativa trazia em seu pescoço seu talismã propiciatório de proteção material e espiritual. Mas elas também os presenteavam àqueles que seriam os futuros pais de seus filhos. Estes homens eram selecionados para fecundá-las e depois eram mantidas

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vivas as meninas, que mantinham a continuidade da casta matriarcal das mulheres guerreiras. As Amazonas foram vistas pela primeira vez pelo padre espanhol Gaspar de Carvajal, cronista da expedição de Francisco de Orellana. Tal encontro ocorreu no lugar exato onde o rio Negro encontra-se com o Amazonas e não foi muito atraente a estada para estes exploradores. Ao chegarem a aldeia das índias, constataram que no centro de uma praça erigia-se um ídolo, que era o símbolo de uma poderosa Senhora, Rainha de uma grande nação de mulheres guerreiras. Uma dúzia de guerreiras investiram contra os espanhóis e tiraram a vida de vários indígenas que os acompanhavam. Carvajal as descrevia como sendo mulheres altas, belas, fortes, de longos cabelos negros, tez clara e que andavam totalmente despidas, com arcos e flechas e guerreavam como dez índios. Esta descrição nos remete à um coração de uma caçadora também solitária, Ártemis. Estas mulheres índias representam o arquétipo mais puro e primitivo da feminilidade. Foram deusas nativas que santificavam a solidão, a vida natural e primitiva a qual todos nós podemos retornar quando acharmos necessário a busca de nós mesmos. Como Ártemis, elas possuem um amor intenso pela liberdade, pela independência e pela autonomia. Um amor que pode transparecer como agressão, pois elas sempre irão lutar para preservar sua liberdade.

As Icamiabas e Orellana = A Lenda Havia já muitas mãos de lua que se prolongava aquela fugida pasmosa pelo rio abaixo, saltando cachoeiras, cortando vales, vendo igarapés, esmagado pela aventura teatral da viagem. Se ele soubesse, de certo não teria cometido contra Pizarro, seu protetor e amigo, a perfídia que o riscara da confiança merecida por tanto tempo ao espírito do caudilho. Enfim, o que estava feito não tinha mais remédio. O melhor era afrontar os perigos daquela travessia acidentada e bárbara, a ver qualquer coisa de dramático naquela dificílima excursão. Dominado por esse pensamento, D. Francisco de Orellana, de posse da barca famosa cujo comando lhe fora confiado por Gonçalo Pizarro, desembocou num grande rio de que ninguém até então lhe dera notícias. Sua expectativa era agora excedida pelo formidável painel hídrico que se lhe deparava. Agora, sim via-se senhor de um descobrimento e tinha a revelação de um verdadeiro e novo mar. Absorvido pelas idéias grandiosas que o empolgavam, o famoso explorador não dormia, contemplando como um enamorado aquele lençol de água desconhecido dos cartógrafos e que parecia uma dádiva da providência à sua delirante ambição. Muitas horas ficou assim, contemplativo e subjugado, a admirar o próprio isolamento, cercado pelo céu e pelo mar de água doce.

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Afinal, exausto de distender a vista por aquela extensão indefinida, foi pouco a pouco adormecendo na fadiga e no amolecimento natural do solitário. E o romance começou a aparecer… Aproximando-se de uma das margens do rio, o caudilho viu-se de repente cercado por um bando de mulheres novas e lindas, arrojadas e fortes, em tudo iguais àquelas de que havia memória na Ásia e na África e de que estava cheia a história mítica dos gregos. Lembravam a imagem das criaturas aladas que comprimiam e queimavam o seio direito, a fim de atirarem com arco mais facilmente, e que se perpetuavam por um comércio calculado e astucioso com os homens dos países vizinhos, devolvendo-lhes depois os filhos varões. Vinham defender naturalmente aquele vale ameaçado pelo olho cobiçoso do estrangeiro. E o ardente e imaginoso espanhol, reunindo todas as forças de que dispunha, pôs-se a combater a tribo das icamiabas, distribuindo estocadas aqui e ali, ferindo, amedrontando e conseguindo, depois de muita luta, dispersar a valente legião feminina. Mas quanto não lhe custara em sacrifício e coragem o arriscado e duvidoso duelo! A manhã vermelha, lastrando de claridade o espaço e as águas sacudiu num estremecimento o famoso explorador. Abrindo os olhos, ele viu novamente a extensão verde das margens e hesitava entre o sonho e a realidade do combate.

Chegando ao vale, povoado de cabildas e ranchos, começou a indagar, aqui e ali se tinham visto passar um bando de mulheres guerreiras, com as quais houvera batalhado arduamente na noite anterior. Fazendo-se entender, indagava deles se não tinham visto, em seu galope romanesco, o bando das icamiabas. E a gente rústica, ora duvidando do juízo e da pergunta desse imaginativo turbulento, ora levada pelo próprio amor ao maravilhoso, respondia-lhe com ironia ou com deslumbramento: -Sim, passou por aqui de madrugada. -Sim, encaminhou-se para o lado das cabeceiras. E ainda: -Subiu a serra de Patituna. -Está em Jaciuaruá. -Foi para as cabeceiras do Jamundá. E assim, na controvertida informação dos nativos, deslumbrados ou divertidos com as perguntas do explorador, adquiriu Orellana a certeza de ter visto e de ter combatido o bando de mulheres guerreiras e de lhes ter dado seguríssima peleja. Anunciou por todo o vale a presença daquelas heroínas que dormiam no fundo dos lagos, escaldando a imaginação dos mestiços com a notícia da legião aguerrida. Enfeitiçados pela sugestiva façanha, o povo da região também começou a vê-las, a segui-las, a invocá-las, e, para autenticarem o sonho de Orellana, puseram-lhe o friso da tradição nativa, adornando a

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fantasia do viajante com uma pedra verde, úmida e lendária que seus avós encontraram no peito inquieto dos rios… O ÓDIO DAS AMAZONAS O que acarretou o isolamento das Amazonas e seu generalizado desejo de vingança contra os homens? As Amazonas surgiram, justamente em um período de transição, em que o matriarcado, ou seja, um governo de mulheres, acabou sendo substituído pelo patriarcado. Essa tese está comprovada com o

surgimento da “Casa dos Homens” e a realização da Grande Festa do Jurupari. Muitas são as lendas e mitos que fazem referências ao antigo poder das mulheres e colocam a questão da transferência desse poder como uma luta, a qual o homem venceu e desde então, passou a tiranizar a mulher. A grande possibilidade é que, as mulheres que conseguiram sobreviver a essa luta, se retiraram para outras regiões, formando “reinos” por elas governados, aos quais, muitas tribos deveriam prestar tributos quando necessitassem cruzar seus territórios. Fonte: http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendaasamazonas.htm

As Aventuras de Pedro Malasartes

Duas do Malasartes

Andando Malasartes por uma estrada, encontrou-

se com um pobre, que lhe pediu esmola. Deu um vintém ao pobre, e este que não era outro senão Nosso Senhor fez-lhe presente de um gorro vermelho,

declarando-lhe que só ele Malasartes e ninguém mais poderia pôr a mão naquele objeto.

Tempos depois, cansado de vaguear pelo mundo, entendeu Malasartes de dar um passeio ao céu. Para lá

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se encaminhou, e depois de três dias de viagem batia no portão de São Pedro.

O santo porteiro perguntou lá de dentro quem era, e ele respondeu; perguntou o que desejava, e respondeu. O santo negou-lhe a permissão pedida; mas o viajante tanto rogou, tanto chorou que ele sempre consentiu em entreabrir a porta para que espiasse um pouco. Mal vê a fresta, Malasartes atira o gorro pra dentro e começa a gritar:

– Quero o meu gorro, quero o meu gorro! São Pedro prontifica-se a ir buscá-lo, mas o burlão

protesta: – Não pode ser, só eu posso pegar no meu gorro.

Ninguém mais, só eu. São ordens de Nosso Senhor. São Pedro tratou de certificar-se da verdade, e veio

a saber que Malasartes não mentia. Não havia outro remédio: deixou-o entrar para apanhar o gorro.

Assim Malasartes conseguiu entrar no céu. Mas não se demorou lá muito tempo…

____________________________________________ Um dia chegou para Malasartes a hora de ir para o

outro mundo, e de nada lhe valeu a esperteza; teve que marchar.

Quando se viu no estradão da eternidade, pensou no que faria e resolveu, em primeiro lugar, ir bater à porta do céu.

Lá foi; mas São Pedro, assim que o enxergou, deu-lhe com a porta na cara. Então deliberou ir ao inferno; foi, bateu, mas o porteiro, dando com o homem que

surrava até os diabos, tratou de fechar o portão com quantas trancas havia e foi correndo avisar o seu rei.

Houve um rebuliço dos diabos no inferno: pavor e correrias por todos os cantos. O próprio Satanás tremeu; mas, recuperando o sangue frio, pensou, pensou e ordenou que se deixasse entrar o hóspede. E disse-lhe:

-Eu não quero você no inferno, Malasartes; você, além do que já fez, ainda é capaz de vir aqui revolucionar a minha gente.

– Tenha paciência, seu Satanás, mas aqui estou e aqui fico.

– Então vou fazer uma proposta: que se decida o seu destino pela sorte do jogo. Aceita?

-Feito! -Se você perder, irá diretinho para o caldeirão. – Está dito. E se eu ganhar, você me paga com uma

das almas que lá estão fervendo. Começaram o jogo, e cada qual fazia o possível para

passar a perna no outro. Mas Pedro Malasartes era mais esperto e ganhou a primeira partida, depois a segunda e assim outras.

Satanás, vendo que não podia derrotar o parceiro e que ia perdendo almas sobre almas, postas em liberdade por Malasartes, mandou botar o insuportável para fora do inferno.

Malasartes andou vagando como alma penada, muito tempo, sem saber onde havia de se aboletar.. Até que um dia teve uma idéia e tocou de novo para o céu. Chegando à porta do céu, tomou uns ares muito

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humildes, e bateu devagarinho. São Pedro abriu um postigo, enfiou a cabeça e perguntou:

-Quem bate a estas horas? -Sou eu, meu santo… -Eu, quem? Diga o que quer, e toca! -Será possível que o meu santo padroeiro não me

reconheça… Pois eu sou o Pedro Malasartes. – Malasartes?! Outra vez?! Já não lhe disse que o

seu lugar não é aqui? -Não se zangue, meu santo, meu grande santo… Sei

muito bem que nunca entrarei neste lugar de glória… -Então vamos ver, o que quer? Malasartes, com muita brandura e muita lábia,

pediu ao santo que entreabrisse ao menos a porta, um bocadinho, só para que pudesse espiar por um momento a beleza do céu. Tanto pediu e tanto fez que São Pedro o atendeu. Então, mais que depressa Malasartes atirou o chapéu pela fresta.

São Pedro bufou e descompôs o patife, e tanto barulho fez que começaram a ajuntar-se magotes de anjos e de justos ali junto da porta.

Acontece que o chapéu era um objeto terreno, além de estar muito sujo, e ninguém no céu lhe podia tocar. Mas Pedro Malasartes reclamava o chapéu, não abria mão, e enfim, para encurtar, não houve jeito senão, permitir-lhe que entrasse.

E o malandro, entrou, muito contente, com ar vitorioso.

Mas o atrevimento não ficou sem castigo. Levaram o tal para junto de um monte enorme de milho e mandaram-no contar os grãos um por um. Malasartes, que remédio! Começou a contar, a contar, a contar, e levou um mundo de tempo a amontoar os grãozinhos para um lado. Quando já estava acabando a contagem, veio um anjo e misturou tudo. E Malasartes teve de contar de novo… E até hoje lá está contando e recontando os grãos de milho, sem acabar nunca.

Lima Barreto

Queixa de Defunto Antônio da Conceição, natural desta cidade, residente que foi em vida, na Boca do Mato, no Méier, onde acaba de morrer, por meios que não posso tomar

público, mandou-me a carta abaixo que é endereçada ao prefeito. Ei-la:

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“Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Doutor Prefeito do Distrito Federal. Sou um pobre homem que em vida nunca deu trabalho às autoridades públicas nem a elas fez reclamação alguma. Nunca exerci ou pretendi exercer isso que sé chama os direitos sagrados de cidadão. Nasci, vivi e morri modestamente, julgando sempre que o meu único dever era ser lustrador de móveis e admitir que os outros os tivessem para eu lustrar e eu não. “Não fui republicano, não fui florianista, não fui custodista, não fui hermista, não me meti em greves, nem coisa alguma de reivindicações e revoltas, mas morri na santa paz do Senhor quase sem pecados e sem agonia. “Toda a minha vida de privações e necessidades era guiada pela esperança de gozar depois de minha morte no sossego, uma calma de vida que não sou capaz de descrever, mas que pressenti pelo pensamento, graças à doutrinação das seções católicas dos jornais. “Nunca fui ao espiritismo, nunca fui aos ‘bíblias’, nem a feiticeiros, e apesar de ter tido um filho que penou dez anos nas mãos dos médicos, nunca procurei macumbeiros nem médiuns. “Vivi uma vida santa e obedecendo às prédicas do Padre André do Santuário do Sagrado Coração de Maria, em Todos os Santos, conquanto as não entendesse bem por serem pronunciadas com toda a eloqüência em galego ou vasconço. “Segui-as, porém, com todo o rigor e humildade, e esperava gozar da mais dúlcida paz depois de minha

morte. Morri afinal um dia destes. Não descrevo as cerimônias porque são muito conhecidas e os meus parentes e amigos deixaram-me sinceramente porque eu não deixava dinheiro algum. É bom meu caro Senhor Doutor Prefeito, viver na pobreza, mas muito melhor é morrer nela. Não se levam para a cova maldições dos parentes e amigos deserdados; só carregamos lamentações e bênçãos daqueles a quem não pagamos mais a casa. “Foi o que aconteceu comigo e estava certo de ir direitinho para o Céu, quando, por culpa do Senhor e da Repartição que o Senhor dirige, tive que ir para o inferno penar alguns anos ainda. “Embora a pena seja leve, eu me amolei, por não ter contribuído para ela de forma alguma. A culpa é da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro que não cumpre os seus deveres, calçando convenientemente as ruas. Vamos ver por quê. Tendo sido enterrado no cemitério de Inhaúma e vindo o meu enterro do Méier, o coche e o acompanhamento tiveram que atravessar em toda a extensão a rua José Bonifácio, em Todos os Santos. “Esta rua foi calçada há perto de cinqüenta anos a macadame e nunca mais foi o seu calçamento substituído. Há caldeirões de todas as profundidades e largura, por ela afora. Dessa forma, um pobre defunto que vai dentro do caixão em cima de um coche que por ela rola, sofre o diabo. De uma feita um até, após um trambolhão do carro mortuário, saltou do esquife, vivinho da silva, tendo ressuscitado com o susto. “Comigo não aconteceu isso, mas o balanço violento do coche, machucou-me muito e cheguei

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diante de São Pedro cheio de arranhaduras pelo corpo. O bom do velho santo interpelou-me logo: “- Que diabo é isto? Você está todo machucado! Tinham-me dito que você era bem comportado – como é então que você arranjou isso? Brigou depois de morto? “Expliquei-lhe, mas não me quis atender e mandou que me fosse purificar um pouco no inferno.

“Está aí como, meu caro Senhor Doutor Prefeito, ainda estou penando por sua culpa, embora tenha tido vida a mais santa possível. Sou, etc., etc.” Posso garantir a fidelidade da cópia e aguardar com paciência as providências da municipalidade. Careta, 20-3-1920

Afonso Henriques de Lima Barreto, melhor conhecido como Lima Barreto, nascido no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881, foi jornalista e um dos mais importantes escritores brasileiros. Era filho de um tipógrafo e de uma filha de escrava e agregada da família Pereira Carvalho. Foi o crítico mais agudo da época da República Velha no Brasil, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem da República, que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares. Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios e os arruinados. Foi severamente criticado por escritores contemporâneos por seu estilo despojado e coloquial, que acabou influenciando os escritores modernistas. : fiel ao modelo do romance realista e naturalista resgatando as tradições cômicas, carnavalescas e picarescas da cultura popular, ao mesmo tempo em que manteve. Morreu no Rio de Janeiro, em 1 de novembro de 1922, com 41 anos.

Ana Maria Zanini e Ruth Ceccon Barreiros

Ler como e o que – Ler para quê?

RESUMO: A queixa de professores de que os

estudantes não sabem ler e escrever, e de que não se mostram capazes de produzir textos de acordo com as exigências necessárias para caracterizá-lo, é

relativamente antiga e tem suscitado inúmeras pesquisas na busca de encontrar quais os entraves na formação proficiente de leitura e, consequentemente, de escrita. Dentre os caminhos indicados nas práticas

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diante de São Pedro cheio de arranhaduras pelo corpo. O bom do velho santo interpelou-me logo: “- Que diabo é isto? Você está todo machucado! Tinham-me dito que você era bem comportado – como é então que você arranjou isso? Brigou depois de morto? “Expliquei-lhe, mas não me quis atender e mandou que me fosse purificar um pouco no inferno.

“Está aí como, meu caro Senhor Doutor Prefeito, ainda estou penando por sua culpa, embora tenha tido vida a mais santa possível. Sou, etc., etc.” Posso garantir a fidelidade da cópia e aguardar com paciência as providências da municipalidade. Careta, 20-3-1920

Afonso Henriques de Lima Barreto, melhor conhecido como Lima Barreto, nascido no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881, foi jornalista e um dos mais importantes escritores brasileiros. Era filho de um tipógrafo e de uma filha de escrava e agregada da família Pereira Carvalho. Foi o crítico mais agudo da época da República Velha no Brasil, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem da República, que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares. Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios e os arruinados. Foi severamente criticado por escritores contemporâneos por seu estilo despojado e coloquial, que acabou influenciando os escritores modernistas. : fiel ao modelo do romance realista e naturalista resgatando as tradições cômicas, carnavalescas e picarescas da cultura popular, ao mesmo tempo em que manteve. Morreu no Rio de Janeiro, em 1 de novembro de 1922, com 41 anos.

Ana Maria Zanini e Ruth Ceccon Barreiros

Ler como e o que – Ler para quê?

RESUMO: A queixa de professores de que os

estudantes não sabem ler e escrever, e de que não se mostram capazes de produzir textos de acordo com as exigências necessárias para caracterizá-lo, é

relativamente antiga e tem suscitado inúmeras pesquisas na busca de encontrar quais os entraves na formação proficiente de leitura e, consequentemente, de escrita. Dentre os caminhos indicados nas práticas

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diante de São Pedro cheio de arranhaduras pelo corpo. O bom do velho santo interpelou-me logo: “- Que diabo é isto? Você está todo machucado! Tinham-me dito que você era bem comportado – como é então que você arranjou isso? Brigou depois de morto? “Expliquei-lhe, mas não me quis atender e mandou que me fosse purificar um pouco no inferno.

“Está aí como, meu caro Senhor Doutor Prefeito, ainda estou penando por sua culpa, embora tenha tido vida a mais santa possível. Sou, etc., etc.” Posso garantir a fidelidade da cópia e aguardar com paciência as providências da municipalidade. Careta, 20-3-1920

Afonso Henriques de Lima Barreto, melhor conhecido como Lima Barreto, nascido no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881, foi jornalista e um dos mais importantes escritores brasileiros. Era filho de um tipógrafo e de uma filha de escrava e agregada da família Pereira Carvalho. Foi o crítico mais agudo da época da República Velha no Brasil, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem da República, que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares. Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios e os arruinados. Foi severamente criticado por escritores contemporâneos por seu estilo despojado e coloquial, que acabou influenciando os escritores modernistas. : fiel ao modelo do romance realista e naturalista resgatando as tradições cômicas, carnavalescas e picarescas da cultura popular, ao mesmo tempo em que manteve. Morreu no Rio de Janeiro, em 1 de novembro de 1922, com 41 anos.

Ana Maria Zanini e Ruth Ceccon Barreiros

Ler como e o que – Ler para quê?

RESUMO: A queixa de professores de que os

estudantes não sabem ler e escrever, e de que não se mostram capazes de produzir textos de acordo com as exigências necessárias para caracterizá-lo, é

relativamente antiga e tem suscitado inúmeras pesquisas na busca de encontrar quais os entraves na formação proficiente de leitura e, consequentemente, de escrita. Dentre os caminhos indicados nas práticas

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de leitura, dois se destacam: ou reproduzem modelos já ultrapassados ou se inspiram nas propostas de promoção de leitura em que se valoriza o espontaneísmo. Contudo, é preciso reconhecer que a questão do domínio lingüístico e da capacidade de ler e escrever transcende as formas de ensino e de formação individual, residindo, em grande parte, nos modos como se distribuem e se transmitem os bens culturais na sociedade contemporânea. Em outras palavras, o problema se relaciona com os processos de produção e circulação da cultura escrita, isto é, com as formas de letramento.

1 – Introdução Com o desenvolvimento da escrita e da leitura o

homem tornou-se capaz de transmitir conhecimentos e fatos. A leitura, como ação de decifrar signos e descobrir sentidos, pode ser empreendida como um ato de fruição e enlevo ou para estudo, com a intenção de agregar e difundir saberes. Para tanto, o hábito de leitura deve ser desenvolvido de forma que o leitor possa apreender os sentidos do texto, deixando de ser um mero decifrador de signos, e que possa a partir dessas experiências tornar-se também um produtor de novos textos.

A leitura é uma característica da sociedade urbano-industrial moderna. Saber e poder ler e escrever é uma condição tão básica de participação na vida econômica, cultural e política que a educação escolar tornou-se um dos direitos fundamentais do ser humano, assim como a saúde. Os índices de alfabetização da

população é um dos critérios para a avaliação do desenvolvimento e da qualidade de vida.

Entretanto, os estudos e debates sobre leitura têm privilegiado as formas de ler em que prevalece o investimento subjetivo, livre e autônomo. Daí porque se fala e se escreve tanto sobre o prazer de ler, a formação do gosto pela leitura, valorizando-se as motivações de ordem pessoal, para que haja leitores efetivos e não apenas sujeitos que decoraram signos linguísticos. Ainda que não se afirme categoricamente, acredita-se nesse movimento espontâneo de formação pessoal, do qual a leitura seria um fundamento básico.

Porém, é preciso reconhecer que a questão do domínio linguístico e da capacidade de ler e escrever transcende às formas de ensino e de formação individual, residindo, em grande parte, nos modos como se distribuem e se transmitem os bens culturais na sociedade contemporânea. Em outras palavras, o problema relaciona-se com os processos de produção e circulação da cultura escrita, isto é, com a maneira que é feito o letramento.

De acordo com Barros, “assim concebido, o texto encontra seu lugar entre os objetos culturais, inserido numa sociedade (de classes) e determinado por formações ideológicas específicas.” (2007, p. 7). Dentro dessa concepção, além dos expressos linguísticamente (oral ou escrito), os textos também pode ser visuais – gestos, dança, fotografia, placas sinalizadoras ou o modo de se vestir – ou apresentar um sincretismo de expressões: história em quadrinhos, filmes, peça publicitária ou música.

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Diante da imensa gama de textos a serem lidos, presentes no cotidiano de qualquer indivíduo podemos afirmar, portanto, que há leituras diferentes e que uma política de formação do leitor não pode se limitar à premissa única de que “ler é bom”. O fato é que o uso da escrita passou a ser de tal modo imperativo que o indivíduo que não lê e não escreve torna-se um pesado ônus para o sistema. Pois, como disse Castello-Pereira (2003, p. 13), “precisamos formar cidadãos que possam ler bem, porque o sujeito que não tem um bom domínio da leitura tem em grande parte a sua possibilidade de participação social limitada”.

Há certamente uma dimensão pragmática, em que saber ler importa para a produção de valores hegemônicos e para a organização da vida diária. É fato também que a leitura é uma forma de consumo, em torno do qual se constitui, em grande parte, a indústria da informação e a indústria editorial.

Trazer à tona esse debate é imprescindível no atual momento da educação brasileira, que vem incorporando em ritmo acelerado novos segmentos sociais, cujas experiências culturais e vivência com os discursos escolares parecem não corresponder às expectativas da sociedade.

2 – Desenvolvimento É inegável a importância da leitura na formação dos

indivíduos, no seu aperfeiçoamento e no exercício pleno da cidadania. Mas o que é leitura?

2.1 – O que é leitura Segundo o dicionário eletrônico Houaiss, leitura é,

entre outras acepções s.f. (1382 cf. SintHist) ação ou efeito de ler 1 ato de

decifrar signos gráficos que traduzem a linguagem oral; arte de ler 2 ato de ler em voz alta 3 ação de tomar conhecimento do conteúdo de um texto escrito, para se distrair ou se informar 4 o hábito, o gosto de ler 5 o que se lê; material a ser lido; texto, livro 5.1 LITUR.CAT texto lido ou cantado por uma só pessoa, ger. extraído da Bíblia <é tradicional a l. nos refeitórios dos conventos e colégios religiosos> 6 conjunto de obras já lidas 7 fig. maneira de compreender, de interpretar um texto, uma mensagem, um acontecimento 8 matéria de ensino elementar . (HOUAISS, 2002)

Indo além da simples definição de interpretação mecânica de sinais gráficos, a leitura pode ser definida, dentro de uma visão mais ampla, como “um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de que linguagem.” (MARTINS, 1991, p. 30).

Desse modo, compreende-se que ler significa perceber a intenção de uma peça publicitária, captar a expressão corporal do interlocutor ou assimilar a história de um filme. A leitura é um processo de construção de sentidos realizado entre o emissor e o receptor. Pode-se dizer que ocorre um diálogo entre aquele que lê e aquilo que é lido. Consequentemente, desenvolver a leitura “significa também aprender a ler o

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mundo, dar sentido a ele e a nós próprios.” (MARTINS, 1991, p.34).

A leitura, de acordo com Sole (1998, p. 92-99), deve seguir alguns objetivos. São eles que determinam a postura do leitor diante do texto, a forma como esse leitor vai compreender o que foi lido. Em uma situação de ensino, o professor deve ter em mente esses objetivos antes de aplicar um texto em sala de aula.

A autora enumera, entre outros, os objetivos de ler para obter informação precisa, para seguir instruções, para obter uma informação de caráter geral, para aprender, para revisar um texto próprio, por prazer, para comunicar um texto a um auditório, para praticar leitura em voz alta, para verificar o que se compreendeu. Esses não são os únicos propósitos de um leitor diante de um texto, mas são alguns dos que podem ser trabalhados dentro do contexto escolar. Assim, sob essa perspectiva esses objetivos podem ser assim descritos:

a) Ler para obter uma informação precisa é uma leitura seletiva, em que o leitor procura apenas uma informação, rejeitando outras. É o caso de consultas em dicionários ou enciclopédias ou em uma lista telefônica.

b) Ler para seguir instruções nos permite fazer algo concreto. É uma leitura completamente funcional, como no caso anterior ocorre durante a leitura uma seleção de informações, ou seja, o leitor escolhe o que é importante ou não, deixando de lado tópicos que não interessam ao objetivo. São exemplos textos de receitas culinárias, regras de um jogo ou editais de concursos.

c) Ler para obter uma informação geral é quando a leitura é feita para se obter uma visão ampla do assunto do texto, não há pressão para encontrar qualquer informação mais detalhada. É o caso do leitor que navega aleatoriamente na internet.

d) Ler para revisar um texto próprio ocorre normalmente com as pessoas que utilizam a escrita como instrumento de trabalho, jornalistas, por exemplo. É uma leitura crítica, em que o autor procura colocar-se no lugar do leitor. No ambiente escolar é um importante instrumento para o desenvolvimento da produção textual.

e) Ler para aprender. É uma leitura mais focada. Nela o objetivo é ampliar conhecimentos, para tanto o leitor aprofunda-se mais no texto, anota dúvidas, registra termos desconhecidos, relaciona as novas informações com as já adquiridas.

f) Ler por prazer. A leitura nesse caso é uma questão pessoal, depende de como cada leitor frui o texto. Normalmente é um objetivo relacionado com textos literários. O discurso poético não precisa seguir as normas da língua, é de teor subjetivo e, portanto, plurissignificativo. Como o texto literário é basicamente ficção, o leitor pode fugir da lógica sistemática e do pensamento analítico, da realidade, e participar de um mundo imaginário. “Através de uma história inventada e de personagens que nunca existiram, é possível levantar e discutir […] assuntos humanos relevantes […] evitados pelo discurso didático-informativo […] por serem considerados subjetivos, ambíguos e imensuráveis.” (AZEVEDO, in SOUZA, 2004, p. 40). A

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afirmação do autor reitera a importância do processo de introdução à leitura e de apreciação do texto literário em sala de aula.

g) Ler para comunicar um texto a um auditório produz uma leitura em que o leitor necessita utilizar vários recursos para que a mensagem chegue corretamente a seu destinatário: entoação, pausas, ênfase, etc. Como essa é uma leitura em que os aspectos formais são importantes, o leitor deve ter contato prévio com o texto antes de ser apresentado ao público.

h) A leitura em voz alta é uma prática tipicamente escolar, em que se exerce a dicção, entonação e normas de pontuação. É precedida, normalmente, de uma leitura silenciosa.

i) Ler para verificar o que se compreendeu. Após a leitura de um texto, faz-se a recapitulação ou responde-se a um questionário para se constatar o que foi compreendido.

Solé também afirma que partindo do objetivo

determinado para a leitura, e tendo em mente que leitura é um processo de interação, é que o leitor constrói os significados do texto lido. E não apenas isso, para ler necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza as habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos objetivos, ideias e experiências prévias; precisamos nos envolver em um processo de previsão e inferência contínua, que se apoia na informação proporcionada pelo texto e na sua própria bagagem, e em um processo que permita encontrar evidência ou

rejeitar as previsões e inferências antes mencionadas. (SOLÉ, 1998, p.23).

Assim, segundo Solé, ao ser apresentado a um texto, o leitor deve ser capaz de decodificar seus signos e, indo além, de formular hipóteses que levem à construção da compreensão do texto.

2.2 – Os parâmetros curriculares A educação é um direito garantido pela Constituição

de 1988 a todo cidadão brasileiro e é dever do Estado promover o acesso ao ensino básico, pois somente a educação preserva a democracia. Além da Carta Magna, o direito à educação é garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990; e pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de 1996.

O ensino de língua e literatura percorreu um longo caminho antes de chegar a esse ponto. Inicialmente, logo após o descobrimento, o ensino não era institucionalizado e visava tão somente à alfabetização pura simples. Mais tarde, nas últimas décadas do século 19, a disciplina de língua portuguesa passou a integrar os currículos escolares brasileiros. Mas foi somente em meados do século 20 que o ensino de língua portuguesa perdeu seu status elitista.

Dentro desse contexto de expansão da escolarização, em que aumentou expressivamente o número de alunos, surgiu a necessidade de estabelecer propostas pedagógicas adequadas aos novos tempos e necessidades. No caso específico do ensino de língua materna e literatura brasileira, dever-se-ia levar em conta “a presença de registros linguísticos e padrões

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culturais diferentes dos até então admitidos na escola.” (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, 2008, p. 43).

Com o estabelecimento da LDB, em 1996, técnicos do Ministério de Educação elaboraram os Parâmetros Curriculares Nacionais que passariam a servir de referenciais às propostas curriculares dos sistemas de ensino. A partir dessa premissa foram criadas as Diretrizes Curriculares Estaduais a fim de estabelecer novas atitudes frente às práticas de ensino, “numa proposta que dá ênfase à língua viva, dialógica, em constante movimentação, permanentemente reflexiva e produtiva.” (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, 2008, p. 48).

2.2.1 – As Diretrizes Curriculares As Diretrizes Curriculares da Educação Básica do

Estado do Paraná, elaboradas pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná, compreendem a leitura como “um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento.” (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, 2008, p. 56). Sob esse aspecto, o processo de ensino da prática leitora leva o aluno a desenvolver aptidões não apenas linguísticas, mas também cognitivas e de cidadania, em uma dimensão mais ampla, que o encaminha à construção de significados.

As diretrizes curriculares direcionam um olhar mais específico ao estudo da literatura, propondo que o ensino da literatura procure formar um leitor que seja capaz de sentir e expressar o que sentiu, com

condições de reconhecer, nas aulas de literatura, um envolvimento de subjetividades que se expressam pela tríade obra/autor/leitor, por meio de uma interação que está presente na prática de leitura. (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, 2008, p.58).

Assim sendo, cabe ao professor utilizar textos variados, de diferentes gêneros, em linguagem verbal e não–verbal, incluindo-se também o meio digital. Essa diversidade familiariza os alunos com todos os suportes de leitura, permitindo-lhes que reflitam sobre o que foi lido e desenvolvam o senso crítico. Além disso, o professor deve “propiciar ao educando a prática, a discussão, a leitura de textos de diferentes esferas sociais…” (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, 2008, p.50).

2.2.2 – As Diretrizes e Bakhtin As Diretrizes Curriculares da Educação Básica do

Estado do Paraná indicam que o professor deve propiciar aos seus alunos a oportunidade de leitura de textos de diferentes linhas – jornalísticos, literários, publicitários, digitais, etc.

O texto visto como uma articulação de discursos, já que não é um objeto fixo em um determinado momento – há a produção do texto e sua recepção por parte do leitor – decorre do fato que “a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana”. (BAKHTIN, 1997, p. 280).

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Esses enunciados, ainda segundo Bakhtin, em cada esfera de utilização, são elaborados de forma estável. Dentro dessa concepção são denominados gêneros do discurso. O autor afirma que a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 1997, p. 280).

Bakhtin divide os gêneros discursivos em primários, usuais em situações do cotidiano, e secundários, que contemplam situações de enunciação mais complexas, caso de textos acadêmicos, literários ou científicos. Os enunciados refletem a individualidade de quem os propõe e o gênero mais adequado a apresentar o estilo individual é o literário, nele o estilo individual faz parte do empreendimento enunciativo enquanto tal e constitui uma das suas linhas diretrizes -; se bem que, no âmbito da literatura, a diversidade dos gêneros ofereça uma ampla gama de possibilidades variadas de expressão à individualidade, provendo à diversidade de suas necessidades. (BAKHTIN, 1997, p. 284).

Tomando por base esse pressuposto, “o aprimoramento da competência linguística do aluno acontecerá com maior propriedade se lhe for dado conhecer, nas suas práticas de leitura, escrita e oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos”. (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, 2008. p. 53). Assim, as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná

defende a posição de que “o trabalho com os gêneros […] deverá levar em conta que a língua é um instrumento de poder e que o acesso ao poder, ou sua crítica, é legítimo e é direito para todos os cidadãos”. (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, 2008, p. 53).

2.3 – Prática de leitura As diretrizes curriculares, dentro da concepção

bakhtiniana adotada, referem-se à leitura como a familiarização do aluno com “diferentes textos produzidos em diversas esferas sociais”. (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, 2008, p. 71). O professor deve atuar como um mediador, visando ao desenvolvimento de seres críticos, e programar estratégias de acordo com o tipo de texto escolhido para a reflexão. Ainda segundo orientação das diretrizes, o professor ao selecionar textos para a prática de leitura em sala de aula deve levar em conta o contexto escolar, a experiência anterior dos alunos bem como suas expectativas.

2.4 – Texto literário Para além do texto didático encontrado nos livros

escolares, que transmitem conhecimento e informações, é imprescindível também que os alunos entrem em contato com narrativas de cunho literário. Em contraponto a um discurso objetivo impessoal e sistemático do livro didático, o texto literário pode e deve ser subjetivo; pode inventar palavras; pode transgredir as normas oficiais da língua; pode criar

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ritmos inesperados e explorar sonoridades entre as palavras; pode brincar com trocadilhos e duplos sentidos, pode recorrer a metáforas, metonímias, sinédoques e ironias; pode ser simbólico; pode ser propositalmente ambíguo e até mesmo obscuro. (AZEVEDO, in SOUZA, 2004, p. 40).

Essas características do discurso poético provocam e estimulam os leitores, que acabam por elaborar múltiplas leituras a partir de um mesmo texto dado, enriquecendo e ampliando a visão de mundo. Assim, a leitura de textos literários “permite a identificação emocional entre a pessoa que lê e o texto e [..] pode representar […] um precioso espaço para que certas especulações vitais […] possam florescer.” (AZEVEDO, in SOUZA, 2004, p. 40).

Assim, para a prática de leitura em sala de aula, o professor deve nortear-se pela escolha de textos autênticos. Como autênticos, Antunes compreende os textos “em que há claramente uma função comunicativa, um objeto interativo qualquer”. (ANTUNES, 2003, p. 79). São textos reais, autorais, com data de publicação e que foram divulgados em algum suporte de comunicação social (jornal, revista, livro, etc.). Dentro dessa concepção, e também pensando no contexto em sala de aula, os gêneros selecionados devem estar adaptados aos propósitos almejados.

3 – Considerações finais Ao focar a atenção nos procedimentos de estudos

presentes no ato de ler, enfatiza-se uma dimensão fundamental do processo de formação intelectual do

estudante, exatamente aquela que supõe que certas leituras implicam procedimentos cognitivos específicos que não se adquirem necessariamente com a leitura espontânea.

A leitura de estudo, em livros didáticos, por exemplo, é um modo de ler que implica procedimentos metacognitivos e linguísticos distintos daqueles que se constituem em torno das atividades da vida diária. Nos procedimentos metacognitivos “o leitor reflete sobre o seu próprio conhecimento, o seu modo de saber”. (CALIXTO, Benedito José, 2001, p. 70). Já os procedimentos linguísticos refletem a decodificação dos sinais que representam a linguagem.

A leitura, portanto, demanda diversos tipos de tarefas cognitivas, nas quais regras e princípios de classificação, análise e síntese, inferências, são mais relevantes do que critérios contextualizados mais diretamente relacionados à experiência vivida. De acordo com Castello-Pereira (2003, p. 17), “aprender a estudar um texto não é apenas uma questão de aprender uma técnica, implica aprender a operar com referenciais culturais, sociais e políticas.”

Dentro dessa perspectiva, o leitor passa a ser um sujeito ativo no processo de leitura, seja de um romance ou notícia de jornal, uma música ou de um comercial de televisão, pois toda sua bagagem de conhecimentos – linguístico, enciclopédico ou de mundo – interfere na interpretação do que está codificado no texto. Segundo Ingedore Villaça Koch, a concepção de um leitor predeterminado pelo sistema, um ente passivo, que seja apenas um mero

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decodificador de signos, passou a ser a de um leitor interativo, um sujeito produtor de sentidos.

Apesar da grande quantidade de pesquisa sobre o tema, ainda não se desvendou completamente os mistérios da leitura e a diversidade de fatores que nela interferem. Porém, o presente estudo sobre leitura possibilitou o enriquecimento e instrumentalizou um possível debate pelos professores de Língua Portuguesa sobre o assunto. Tal estudo constitui-se ainda uma necessidade e um desafio, se o objetivo for desenvolver comportamentos leitores nos alunos.

Ler é uma atividade complexa que exige reconhecer, identificar, unir, associar, relacionar, abstrair, comparar, generalizar, deduzir, inferir, hierarquizar. Não significa apenas decodificar símbolos, mas apreender informações explícitas e implícitas e demais sentidos. Construir sentidos que depende de conhecimentos prévios a respeito da língua, das práticas sociais de interação, dos gêneros, dos estilos, das formas variadas de organização textual.

Mas é preciso garantir o acesso à diversidade textual, proporcionando atividades que possibilitem elaborar a leitura em suas variadas funções, gêneros e estilos, conhecendo e explorando seus diversos suportes.

São os usos sociais da leitura que devem balizar o trabalho da escola e cabe aos professores formar leitores, antes discutindo propostas de pensadores, suas concepções, definindo seu conceito, sistematizando e ampliando os conhecimentos necessários ao domínio da execução de uma prática

pedagógica ampliada e dinamizada, favorecendo o seu ensino.

Lidamos com leitura o tempo todo, pois a escrita é parte constitutiva das mais diversas atividades do cotidiano. Assim, é relevante ressaltar, também, que a leitura é fundamental para o desenvolvimento de outras áreas do conhecimento e para o consequente exercício da cidadania

Entre livros e leitores há um importante mediador: o professor. Mas é necessário que a leitura seja para este a ferramenta essencial para a prática do seu trabalho, revelando-se um leitor dedicado e uma forte referência para seus alunos. Cabe a ele, também, o papel de desenvolver nos alunos o gosto pela leitura a partir de uma aproximação significativa com textos, efetivando uma leitura estimulante, reflexiva, diversificada, crítica, ensinando-os a usarem-na para viverem melhor.

É preciso que o professor recupere em sua vida a leitura como uma atividade de múltiplas funções para poder partilhar com as pessoas o prazer e a necessidade de ler.

Referências

ANTUNES, Irandé. Aula de português encontro & interação. 3. imp. São Paulo: Parábola, 2003. (Série Aula). AZEVEDO, Ricardo. Formação de leitores e razões para a literatura. In: SOUZA, Renata Junqueira. Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria Semiótica do texto. 4. ed. São Paulo: Ática, 2007. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacional. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2010.

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CALIXTO, Benedito José. Aspectos cognitivos da leitura. In: DAMKE, Ciro (Org.). Anais da 3ª Jell – jornada de estudos linguísticos e literários: língua, sociedade e identidade. Cascavel: Edunioste, 2001. CASTELLO-PEREIRA, Leda Tessari. Leitura de estudo: ler para aprender a estudar e estudar para aprender a ler. Campinas: Alínea, 2003. HOUAISS, A. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Versão 1.0.5ª. 1 CD-ROM. INSTITUTO PRÓ-LIVRO; OBSERVATÓRIO DO LIVRO E DA LEITURA. Retratos da Leitura no Brasil. 2. ed. 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2010. KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do texto. 2. ed. 1 reimp. São Paulo: Contexto, 2007.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 13. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. (Coleção Primeiros passos). GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Departamento de Educação Básica. Diretrizes Curriculares da Educação Básica. Paraná, 2008. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Tradução Cláudia Schilling. 6. ed. São Paulo: Artmed. 1998. Fonte: II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem. UNIOESTE – Cascavel / PR, 2010.

Ana Maria Zanini possui Graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciencias e Letras de Palmas (1987), Especialista em Literatura Brasileira pela UNICENTRO (1995) e Graduação em Direito pela Universidade do Oeste Paulista (2002). Mestre em Linguagem e Sociedade, turma 2009/2011, pela UNIOESTE - Campus de Cascavel e professora PDE, turma 2009/2010 pela SEED. Atualmente é professora do Centro Sul Americano de Ensino Superior - CESUL, da Faculdade Vizinhança Vale do Iguaçu - VIZIVALI e da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação. Ruth Ceccon Barreiros possui graduação em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (1987) e mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (2002). Doutora pela UFBA em Letras e Linguística (2014). Atualmente é professora adjunto - nível A da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Lingüística, com ênfase em Linguística Aplicada Ao Ensino da Língua Materna e Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas: leitura, ensino, formação de leitores, literatura infantil e infantojuvenil, redação, vestibular.

Estante de Livros

Oscar Nakasato

Nihonjin

artigos por José Castello e Ademir Demarchi “Nihonjin”, o primeiro romance de Oscar Nakasato – vencedor do prêmio Jabuti de 2012 em sua categoria – é, antes de tudo, um livro delicado, escrito

com clareza e prudência. Através da saga de Hideo Inabata, um japonês que emigrou de Kobe, Japão, para trabalhar nas fazendas de café do interior de São Paulo, o romance relata, com elegância e sem excessos,

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a história da imigração japonesa para o Brasil, iniciada no alvorecer do século 20. É um romance sutil, narrado com firmeza e sem qual qualquer interesse pelas ousadias estéticas. Um romance escrito como se todo um século – o de Joyce, Kafka, Faulkner – não importasse. Ao contrário: Nakasato (como ele mesmo declarou em entrevistas recentes) deseja, antes de tudo, contar uma história, resgatar um tempo que, embora recente, parece perdido. Neto, ele mesmo, de imigrantes japoneses, sua figura se mistura com a do narrador sem nome, neto do protagonista Hideo, que, com frieza e objetividade, recupera a aventura do avô e de seus descendentes. Um romance simples que, fiel a um passado anterior à revolução modernista, no qual se ambienta, guarda a aparência de um álbum de recordações íntimas. Álbum composto não de fotografias, mas de relatos que têm como único objetivo registrar impressões e capturar nacos da memória. Mesmo nos momentos mais dramáticos, como a morte de Kimie, primeira e frágil mulher de Hideo, que faleceu com a esperança de ver os cafezais paulistas cobertos de neve, um prudente Nakasato não se permite o extravasar das emoções. A contensão que caracteriza sua escrita se expressa neste breve trecho: “A morte chegou lentamente. Há quanto tempo morria? Tranqüila, congelada pela neve, congelada pelo sol”. O romance expõe, de modo igualmente sereno, a luta entre duas visões de mundo: entre aqueles que, mesmo vivendo do outro lado do mundo, se mantêm fiéis ao culto do Japão Imperial, e os que, cientes de

que o tempo não volta atrás, preferem se agarrar às coisas do presente. Movido, mais uma vez, pela ponderação, e fiel a sua estética realista, Oscar Nakasato não toma partido, nem usa a literatura para desfraldar bandeiras. Como um retratista calejado, limita-se a registrar imagens e a reproduzir relatos, sem desejo algum de neles interferir. A opção de Nakasato pelo estilo seco e pelo equilíbrio evoca, de certa forma, a mística a respeito do temperamento japonês, que seria sempre criterioso (“zen”), sem se deixar abalar pelos extremos, e que se caracteriza por um comportamento comedido e protocolar. O protocolo realista domina, de ponta a ponta, Nihonjin, como se, para o autor, as palavras fossem apenas um instrumento para a captura do real. Como se, indiferente às turbulências do modernismo, ele escrevesse ainda agarrado às calças do avô. Não se pode negar que há uma beleza nessa atitude. Em nossos tempos velozes, quando vivemos hipnotizados pelo futuro, ousar um vigoroso passo atrás não deixa de ser uma prova, senão de coragem, pelo menos de independência intelectual. A certeza de si rege o romance de Oscar Nakasato, um escritor discreto, que faz da timidez e da cautela o seu estilo. Os sentimentos de submissão e de insubmissão transparecem como eixos mais fortes e unificadores das narrativas desse romance. E se expõem já no início, quando se fica sabendo que os japoneses vieram para o Brasil atendendo ao pedido do Imperador aos seus súditos, de que emigrassem para obter com seu trabalho recursos para o Japão.

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A fidelidade ao Imperador é, num primeiro momento, um véu que encobre o desafio de adaptação à nova terra e, nos anos seguintes, uma prisão mental que não pode ser questionada de modo algum. Os que tentam se adaptar à vida no Brasil integrando-se à sociedade e ao tempo histórico são perseguidos e mortos por uma associação de japoneses que não acreditam que o Japão perdeu a Segunda Guerra e impõem terror. Em meio a esses dramas que acometem os homens, condenados ao trabalho bruto de sol a sol, quase escravos explorados por fazendeiros gananciosos, as mulheres aparecem duplamente submissas. Devendo obediência ao Imperador, são também submissas aos pais, aos irmãos e aos maridos que lhes são impingidos por escolha do pai de acordo com seus critérios, que não passam pela consulta à interessada. As mulheres desse romance são as que mais cativam. Kimie, da primeira geração, é uma sonhadora que, no inverno, vai à janela do Brasil para flagrar a neve caindo. A brutalidade masculina logo se coloca em seu caminho através dos risos do marido, que dissipam sua mais terna ilusão: não há neve no Brasil. Essa verdade é terrível porque, se os homens podem sonhar com riqueza, com a volta ao Japão, com o Imperador,

as mulheres estão condenadas ao lar, à proibição até mesmo de se relacionar com outras brasileiras e sequer de sonhar. A descoberta disso, para ela, é a constatação de que, mais que não voltar ao Japão, nunca verá de novo a neve, numa impossibilidade total de sonhar e de viver pois foi tirada dela sua última fantasia. Não à toa, ela morre. A outra mulher emblemática do romance é Sumie, que se apaixona por um gaijin, um brasileiro, e não pode se casar com ele. Casa-se com um japonês escolhido negociadamente pelo pai, o que lhe garante a infelicidade. Tal como Haruo, que enfrentou os fanáticos japoneses escrevendo num jornal da colônia que o Japão perdera a Guerra, morrendo por isso, ela, anos depois de casada, corajosamente abandona os filhos e o marido e foge com o gaijin pelo qual se apaixonara e é repudiada e rejeitada por isso. Ao recuperar para si essas estórias, o narrador está prestes a continuar a linha que fantasiosamente fechará o círculo, pois irá emigrar para o Japão em busca de ganhar dinheiro. Talvez ele consiga fechá-lo, mas apenas quando voltar ao Brasil, como muitos que o fazem agora, fugindo da hecatombe nuclear. Ou seja: a neve é uma fantasia que cai pela janela, facilmente dissipável

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Oscar Nakasato nasceu em Maringá-PR (1963), graduado em Letras, mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada, doutor em Literatura Brasileira. Atualmente reside em Apucarana-PR e é professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Premiado no III Festival Universitário de Literatura Xerox – Livro Aberto em 1999, com o conto Olhos de Peri e Alô; ganhador do Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio, Categoria Especial Paraná em 2003, com o conto Menino na árvore; do Prêmio Benvirá de Literatura em 2011; do Prêmio Bunkyô de Literatura em Língua Portuguesa em 2011 e do Prêmio Jabuti na categoria romance em 2012 com Nihonjin. Autor do livro Imagens da integração e da dualidade: personagens nipo-brasileiros na ficção.

José Guimarães Castello Branco (Rio de Janeiro, 1951) é um escritor, jornalista e crítico literário brasileiro. Em 2011, ele ganhou o Prêmio Jabuti com "Ribamar", romance que se mostra às vezes biografia, em outras, relato de viagens, estilos narrativos que destacam a relação tumultuada entre pai e filho. Escreve para O Globo. Está radicado em Curitiba desde o ano de 1994 onde trabalha mantendo uma oficina literária. Ademir Demarchi nasceu em Maringá/PR, em 1960, e reside em Santos-SP, onde trabalha como redator. Formado em Letras/Francês, com Mestrado (UFSC-1991) e Doutorado (USP-1997) em Literatura Brasileira. Autor de Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná e vários livros de poemas de sua autoria, escritor em periódicos como Oroboro (Curitiba-PR), Jornal do Brasil/Idéias;Rascunho (Curitiba-PR); Jornal da Biblioteca Pública do Paraná; Babel (Santos-SP).

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Oscar Nakasato nasceu em Maringá-PR (1963), graduado em Letras, mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada, doutor em Literatura Brasileira. Atualmente reside em Apucarana-PR e é professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Premiado no III Festival Universitário de Literatura Xerox – Livro Aberto em 1999, com o conto Olhos de Peri e Alô; ganhador do Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio, Categoria Especial Paraná em 2003, com o conto Menino na árvore; do Prêmio Benvirá de Literatura em 2011; do Prêmio Bunkyô de Literatura em Língua Portuguesa em 2011 e do Prêmio Jabuti na categoria romance em 2012 com Nihonjin. Autor do livro Imagens da integração e da dualidade: personagens nipo-brasileiros na ficção.

José Guimarães Castello Branco (Rio de Janeiro, 1951) é um escritor, jornalista e crítico literário brasileiro. Em 2011, ele ganhou o Prêmio Jabuti com "Ribamar", romance que se mostra às vezes biografia, em outras, relato de viagens, estilos narrativos que destacam a relação tumultuada entre pai e filho. Escreve para O Globo. Está radicado em Curitiba desde o ano de 1994 onde trabalha mantendo uma oficina literária. Ademir Demarchi nasceu em Maringá/PR, em 1960, e reside em Santos-SP, onde trabalha como redator. Formado em Letras/Francês, com Mestrado (UFSC-1991) e Doutorado (USP-1997) em Literatura Brasileira. Autor de Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná e vários livros de poemas de sua autoria, escritor em periódicos como Oroboro (Curitiba-PR), Jornal do Brasil/Idéias;Rascunho (Curitiba-PR); Jornal da Biblioteca Pública do Paraná; Babel (Santos-SP).

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Oscar Nakasato nasceu em Maringá-PR (1963), graduado em Letras, mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada, doutor em Literatura Brasileira. Atualmente reside em Apucarana-PR e é professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Premiado no III Festival Universitário de Literatura Xerox – Livro Aberto em 1999, com o conto Olhos de Peri e Alô; ganhador do Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio, Categoria Especial Paraná em 2003, com o conto Menino na árvore; do Prêmio Benvirá de Literatura em 2011; do Prêmio Bunkyô de Literatura em Língua Portuguesa em 2011 e do Prêmio Jabuti na categoria romance em 2012 com Nihonjin. Autor do livro Imagens da integração e da dualidade: personagens nipo-brasileiros na ficção.

José Guimarães Castello Branco (Rio de Janeiro, 1951) é um escritor, jornalista e crítico literário brasileiro. Em 2011, ele ganhou o Prêmio Jabuti com "Ribamar", romance que se mostra às vezes biografia, em outras, relato de viagens, estilos narrativos que destacam a relação tumultuada entre pai e filho. Escreve para O Globo. Está radicado em Curitiba desde o ano de 1994 onde trabalha mantendo uma oficina literária. Ademir Demarchi nasceu em Maringá/PR, em 1960, e reside em Santos-SP, onde trabalha como redator. Formado em Letras/Francês, com Mestrado (UFSC-1991) e Doutorado (USP-1997) em Literatura Brasileira. Autor de Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná e vários livros de poemas de sua autoria, escritor em periódicos como Oroboro (Curitiba-PR), Jornal do Brasil/Idéias;Rascunho (Curitiba-PR); Jornal da Biblioteca Pública do Paraná; Babel (Santos-SP).

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