Barbara cartland a deusa grega

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A Deusa Grega (The Goddess of Love) Barbara Cartland

A Deusa Grega Lorde Warburton acreditou estar delirando ao ver aquela figura to linda... S poderia ser a esttua da deusa Afrodite! Demorou alguns segundos para perceberque sua frente no estava uma esttua de mrmore, mas sim uma bela mulher adormecida.

Digitalizao: Nina Reviso: Bruna Cardoso

Ttulo original: The Goddess of Love

Copyright: (c) 1997 by Barbara Cartland

Traduo: Erclia Magalhes Costa

Editor e Publisher: Janice Florido Editor: Fernanda Gama Chefe de Arte: Ana Suely S. Dobn Paginador: Nair Fernandes da Silva

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Rua Paes Leme, 524 - 10 andar CEP 05424-010 - So Paulo - SP - Brasil

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Copyright para lngua portuguesa: 2001

Fotocomposio: Editora Nova Cultural Ltda. Impresso e acabamento: DONNELLEY COCHRANE GRFICA E EDITORA BRASIL LTDA DIVISO CRCULO - FONE (55 11) 4191-4633

CAPTULO UM

1899 Era um lindo dia. Sob as rvores os narcisos saudavam o sol da primavera. As primeiras borboletas adejavam sobre os lilases. Corina desceu as escadas cantarolando baixinho uma cano, sem ter idia de que ela prpria parecia uma flor primaveril e que seu vestido combinava to bemcom os botes prestes a desabrocharem. Seus olhos verdes, com um toque de dourado, tinham a translucidez do riacho que passava pelo fundo do jardim. Corina desejava tanto ver seu pai! Ele, sem dvida,citaria uma ode grega para descrever, melhor do que ela poderia, com suas palavras, toda a beleza daquele dia. No entanto, sir Priam Melville achava-se na Grcia, o que no era de surpreender, pois desde que estivera em Oxford ele passara a ter verdadeira obsesso poraquele pas, e seu conhecimento extraordinrio sobre antigidades gregas conquistara-lhe a fama de ser um dos maiores peritos no assunto. A av de sir Priam era grega; dessa forma, o grande amor e interesse que ele tinha pela Grcia no estavam apenas em seu crebro, mas tambm em seu sangue. Sir Priam comeara a colecionar esttuas e outros objetos gregos que atualmente enfeitavam a linda casa em estilo elizabetano na qual os Melville moravam. Era inevitvel que ao nascer filha do casal Melville, fosse dado a ela um nome grego. Seus pais tambm esperavam que quando crescesse ela se tornasse maislinda do que as esttuas gregas que os fascinavam. Dois anos atrs lady Melville morrera. Corina tentara cuidar do pai, porm sabia que o nico remdio para ajud-lo a recuperar-se da perda que sofrer seriaestar na Grcia. Felizmente ele no partira para esse pas logo aps a morte da esposa. Porm, passado o ltimo Natal, ele comunicara filha que iria viajar para o pas quetanto o atraa. Corina sentia-se muito sozinha sem o pai, mas considerava-se feliz por poder contar com a companhia da governanta, uma mulher muito inteligente. A maior parte do ano anterior ela estivera de luto e no fora a parte alguma. Agora que podia ir a bailes e recepes no condado, desejava ter o pai para acompanh-la. Sir Priam, no entanto, estava mais entusiasmado com as deusas que havia encontrado na Grcia do que com a prpria filha. "Acho que posso me considerar uma pessoa feliz", pensava Corina muitas vezes, "porque as mulheres que papai admira com tanto fervor j se achavam enterradash sculos ou ento pertenciam ao Olimpo e no se interessavam por seres humanos." Ela achava graa dos prprios pensamentos. A verdade era que, da mesma forma que o pai, ela tambm era apaixonada pela Grcia e sir Priam havia prometido lev-laconsigo quele pas em sua prxima viagem. - Por que no desta vez, papai? - ela perguntara. Sir Priam hesitara por um momento, como se procurasse as palavras. Corina, que era muito ligada a ele, percebera que o pai talvez corresse algum risco. - O que faz perigoso, papai? Ele desviara o olhar e respondera depois de uma pausa: - Pode ser perigoso, minha querida; por este motivo que preciso ir sozinho. - O que procura de modo especial? - Ouvi falar vagamente sobre uma esttua ou esttuas que h em Delfos e que, por mais incrvel que possa parecer, ainda no foi ou no foram encontradas. Os olhos de Corina brilharam. Qualquer assunto que tivesse relao com Delfos deixava-a emocionada. Ela j havia lido todos os livros escritos sobre essa cidadee sempre bombardeava o pai com perguntas. Em Delfos ficava o templo de Apoio que fora construdo abaixo dos Rochedos Brilhantes, implacavelmente ngremes e distantes, e que ficavam a mil ps acima dascabeas dos peregrinos. O pai lhe explicara que quando Apoio deixara a ilha sagrada de Delfos para conquistar a Grcia, um golfinho havia guiado seu navio at a pequena cidade de Crisa. Disfarado de estria em pleno meio-dia, o jovem deus saltou do navio e, com chamas fulgurantes saindo de seu corpo, iluminou o cu num lampejar esplendoroso. Apoio galgou a colina ngreme, alcanando o covil do drago que guardava os rochedos, matou-o e anunciou aos deuses que reivindicava a posse de todo o territrioque ele pudesse ver do local onde se encontrava. Depois de ouvir a narrativa, Corina imaginara a grandiosidade daquele momento e o pai acrescentara que Apoio havia escolhido o lugar que tinha a vista maismaravilhosa da Grcia. Em Delfos existira o orculo. As pessoas vinham de todas as partes da regio do Mediterrneo para ouvir os pronunciamentos de uma jovem sacerdotisa toda vezque ela se achava possuda pelo deus. Sir Priam sempre falava sobre a civilizao grega antiga com emoo na voz. Com tristeza inexprimvel ele contara filha, certa vez, que o imperador Nero haviano sculo I D.C, retirado setecentas esttuas de Delfos e as teria mandado para Roma. Ele tambm explicara que trs anos antes arquelogos franceses, haviam encontrado inmeros templos em runas, inscries e santurios, porm nenhuma esttuahavia sido deixada inteira. No entanto, arquelogos como sir Priam continuaram as escavaes; pois no haviam perdido as esperanas de encontrar algum tesouro. - Encontrou alguma esttua, papai? - perguntara a filha. - Ouvi falar sobre uma esttua - ele corrigira. - Porm talvez seja apenas um rumor. Temos tido problemas; desde que lorde Elgin retirou os mrmores do Partenon,os gregos passaram a hostilizar qualquer um que tente carregar seus tesouros. - Compreendo. - Eles negligenciaram tais tesouros durante sculos, mas agora, finalmente, comeam a entender o valor que possuem. A maioria, porm, no entende que as peasencontradas so nicas e insubstituveis. - Acredita que os gregos possam impedi-lo de ficar com o que voc possa descobrir? Depois de alguma hesitao o pai respondera: - H muitas pessoas, gregas ou de diversas nacionalidades, que desejam levar vantagem sobre qualquer descoberta, pensando simplesmente em ganhar dinheiro. Compreendendo que o pai se arriscava, Corina abraara-o dizendo: - Papai querido, tenha muito cuidado! Se acontecer alguma coisa com voc, ficarei completamente s e infeliz. Ela viu a dor impressa nos olhos do pai, pois ele sentia desesperadamente a falta da esposa. - Prometo que farei tudo o que estiver ao meu alcance para voltar o mais depressa possvel e talvez trazendo uma esttua de Afrodite, que ser to linda comovoc, minha querida! Corina havia adorado aquele elogio e beijara o pai. Ela seria na verdade muito tola se no reconhecesse que de fato se parecia muito com as mais lindas esttuasde Afrodite que j vira especialmente aquelas esculpidas por um artista tico no sculo IV a.C. Corina possua a mesma testa oval, o mesmo nariz reto e perfeitamente proporcional, o queixo ligeiramente pontudo e seus lbios, embora ela no soubesse disso,fariam qualquer homem pensar que haviam sido feitos para serem beijados. Os poucos homens que ela havia conhecido ficaram fascinados pela sua beleza. No entanto,nenhum deles notara que, alm de toda a perfeio fsica, Corina possua a mesma mente perspicaz que tornara os gregos antigos os reformadores do pensamento em todoo mundo. Corina caminhava pelo hall pensando no pai, que naquele momento se achava em Delfos. Podia imagin-lo repetindo as palavras do orculo para Juliano, o Apstata,que visitara o santurio em 362 d.C. Juliano perguntara o que poderia fazer para preservar a glria de Apoio, ao que o orculo respondera: "Diga ao Rei que a casa primorosa desmoronou. Apoio no tem abrigo, tampouco folhas sagradas de louro; As fontes agora silenciaram; a voz emudeceu. "Isso pode ser verdade", pensara Corina. Ao mesmo tempo, por mais arruinado que possa estar o templo em Delfos, ele inspira e estimula sir Priam. Ento, nemtudo est perdido. Amando o pai intensamente, Corina sentia como se o acompanhasse em sua viagem, primeiro por terra at a Itlia e depois por mar at Crisa. Juntos eles admirariam os Rochedos Brilhantes, l no alto veriam as guias sobrevoando-os. Depois a luz de Apoio surgiria das runas e seu pai saberia que odeus no estava morto, mas vivia. Ela entrou na sala de visitas de teto rebaixado onde tambm havia outros pequenos, porm extraordinrios, fragmentos de esculturas gregas. Corina imaginava se o pai iria encontrar em Delfos, desta vez, algo precioso. Ela sabia que ele ansiava por encontrar algo to sensacional como o bronze representandoo condutor de uma biga, encontrado apenas h dois anos por arquelogos franceses. Sir Priam achara incrvel que ningum o tivesse descoberto antes. O pai de Corina lhe contara, excitado, assim que chegara como haviam descoberto a preciosa pea. Depois que o entulho ao p do teatro havia sido levado pelaschuvas da primavera, foram encontrados um p lindamente esculpido e uma saia longa, pregueada. Os escavadores franceses trabalharam com excitamento febril durante os dias seguintes, conseguindo desenterrar uma parte de um pedestal de pedra. A seguir descobriramfragmentos do varal da biga, duas pernas traseiras de cavalos, a cauda de um dos animais, um casco, fragmentos das rdeas e o brao de uma criana. - Finalmente, a primeiro de maio - continuara Sir Priam -, eles encontraram a parte superior de um brao direito a uns dez metros de distncia, mais perto doteatro. - No estavam danificados, papai? - perguntara Corina, j sabendo qual seria a resposta. - No, apenas bastante corrodos pela umidade vinda de um cano. - Deve ter sido to excitante! - Os franceses estavam emocionados e acharam extraordinrio o estado de conservao das peas e nada, a no ser um brao, foi perdido. Corina ouvira sir Priam falar muitas vezes sobre a descoberta. Ele descrevera os detalhes to vividamente que ela at podia ver o garoto sonhador, talvez comcatorze anos, o qual se acreditava, sria um prncipe que tomara parte nos jogos pticos. "Ser que papai encontrar algo semelhante desta vez?", Corina perguntava a si mesma. Se tal acontecesse, seria o apogeu bem merecido para o trabalho de toda uma vida em busca da beleza e do brilhantismo da Grcia Antiga. Ela atravessou a sala para ir admirar de perto outra pea da coleo de esttuas. Nela apenas as pernas e os joelhos estavam intactos, tendo uma saia drapeadaacima deles. Pouco restava do que fora um dia a forma perfeita de uma mulher; s de se olhar para aqueles fragmentos tinha-se conscincia de sua beleza e de sua simetria. A modelo viva para aquela obra que havia inspirado e estimulado os artistas h tantos sculos, ainda inspirava e estimulava os amantes do belo dos nossos dias. Corina tocou suavemente o mrmore, como se o acariciasse. Nesse instante a porta abriu e o mordomo anunciou: - Um cavalheiro deseja v-la, Srta. Corina. Ela virou-se, surpresa, imaginando quem poderia estar em sua casa quela hora da manh. Um homenzinho de pele amarelada entrou na sala. Ao chegar mais perto de Corina, ela pde ver seus cabelos escuros e os olhos mais escuros ainda. Mesmo antesde ele dizer uma palavra ela teve certeza de que se via diante de um grego. - E a Srta. Melville? - ele perguntou com sotaque acentuado. - Sim. - Meu nome Ion Thespidos e gostaria de conversar com a senhorita. Corina indicou uma cadeira. - Sente-se, por favor. Ion obedeceu e ela sentou-se tambm sua frente, intrigada com a presena daquele homenzinho em sua casa. Ocorreu-lhe subitamente que estava sendo tola em no ter percebido que aquela visita s poderia ter relao com seu pai. Ela ficou rgida, supondo que talvez algo tivesse acontecido com ele, porm permaneceu calada. Preferiu esperar enquanto o corao dava saltos dentro do peitoe seu olhar traa sua preocupao. - a filha do prof. Priam Melville? - Exatamente - Corina conseguiu dizer. O visitante fixou nela seus olhos penetrantes, deixando-a desconfortvel, e ela perguntou depressa: - Tem notcias de papai? Aconteceu-lhe... Alguma coisa? - Ele no corre perigo, Srta. Melville, porm minha visita realmente diz respeito a sir. Priam. - Conhece meu pai? - Nos conhecemos na Grcia e, na verdade, ele ... Meu... Hspede. Houve um momento de hesitao antes das palavras "meu hspede"; sendo uma pessoa de grande percepo, Corina teve certeza de que, se aquele homem dizia conhecerseu pai, certamente a relao entre ambos no era, em nenhuma circunstncia, amistosa. - Poderia me dizer por que est aqui? - Vim procur-la para fazer-lhe uma proposta; o que tenho a lhe dizer inteiramente confidencial e um segredo. - Sim... Compreendo. O Sr. Thespidos pareceu considerar suas palavras antes de dizer: - Seu pai, naturalmente, muito conhecido na Grcia. Ele visitou-nos com freqncia no passado e tem trazido consigo como posso ver nesta sala e vi no hall,alguns tesouros gregos que pertencem de fato ao meu pas! Corina levantou o queixo ao replicar: - Vocs no se preocuparam antes com eles no passado. S agora comeam a ter conscincia de como tais obras de arte so importantes para o mundo. - O mundo pode apreci-los, Srta. Melville, porm tais tesouros nos pertencem. Corina no encontrou resposta para isso e achou melhor manter-se calada. Tudo indicava que os gregos, apesar da aparente indiferena do passado, tinham um bomargumento para reivindicar a posse dos tesouros que representavam a glria da Grcia Antiga e que lhes pertenciam. Tantas esttuas, placas, tantos vasos pintados e inscries haviam sido espalhados pela Frana, Inglaterra e outros pases! O que no justificava a pilhagemdo que era um tesouro nacional. Ela lembrava-se de que arquelogos alemes descobriram o santurio de Olmpia e fizeram escavaes em toda a vila para obter o que desejavam. Eles procuravam a esttua colossal de Zeus, que nunca encontraram, mas descobriram outros tesouros e, naturalmente, alarmaram outros arquelogos em todo o mundo. Corina permanecia em silncio e o Sr. Thespidos prosseguiu: - Ns acreditamos que haja em algum lugar, em Delfos, um tesouro fantstico como a esttua da Vitria Alada. Trata-se da esttua da deusa Afrodite, que se achavano vestbulo do templo de Olmpia. Ela possui tal beleza que qualquer homem que a olhe fica apaixonado pela deusa, como se ela prpria estivesse ali presente. As palavras do Sr. Thespidos eram poticas, mas sua voz soou destituda de qualquer poesia. Corina olhou para ele e sentiu que havia algo errado com aquelehomem, achou-o at mesmo repulsivo. Tendo certeza de que o pai estava interessado exatamente na esttua qual o grego acabava de se referir, Corina teve pacincia de esperar o que ele ainda tinhaa dizer.. Ela apertou as mos receando que no ouviria nada muito agradvel. - Seu pai admitiu que procura essa esttua de Afrodite e embora haja apenas rumores de que ela exista, acredito que sir Priam sabe de mais alguma coisa. - O senhor disse que meu pai seu hspede? O Sr. Thespidos apenas acenou afirmativamente a cabea e Corina teve a sensao terrvel de que se o pai estivesse realmente na casa daquele homem, fora obrigadoa isso e no tinha como escapar. Fazendo um esforo, perguntou: - Sabe quando ele voltar? - E por esta razo que vim procur-la e a volta dele depende da senhorita. - De mim?! - Sim. - Por qu? - o que passarei a lhe explicar. Ele inclinou-se para frente ficando mais prximo de Corina e comeou a falar em voz mais baixa e ela teve que ficar atenta para poder ouvi-lo: - Seu pai ouviu rumores de que a esttua de Afrodite est soterrada nas runas de Delfos, mas existe uma pessoa que sabe muito mais sobre o assunto. - Quem essa pessoa? - Um ingls chamado Warburton, lorde Warburton. Aquele nome era familiar a Corina; j ouvira o pai dizer que lorde Warburton era um colecionador como ele. Tambmdissera que se tratava de um homem reservado que no fazia amizade com os outros arquelogos nem falava com ningum a respeito de qualquer lugar que pudesse interessara outros colegas. Como se lesse o pensamento de Corina, o Sr. Thespidos disse: - Lorde Warburton um homem muito rico e pode pagar para ter suas descobertas, mas temos motivos para acreditar que ele tenha roubado de meu pas muitas peasantigas, tesouros incalculveis que se encontram atualmente em suas casas, na Inglaterra. - Viu tais peas? Ela fez a pergunta achando que poderia ser embaraosa, mas o grego respondeu sem hesitar: - No vi os tesouros em questo, mas conheci algum que j os viu e, atravs de informaes fornecidas por essa pessoa, posso afirmar que lorde Warburton constituiuma ameaa para a Grcia. Meu pas deve impedi-lo de continuar roubando nossos tesouros. Quem ouvisse aquele homem falando, certamente imaginaria que ele estava imbudo de profundo sentimento patritico e de orgulho por sua herana histrica. Corina,no entanto, estava convencida de que o Sr. Thespidos pensava apenas em encher os prprios bolsos e no os museus atenienses. - Apreciaria muito se me explicasse com maior clareza o que desejaria que eu fizesse para ajud-lo, se que me procurou por este motivo - ela disse calmamente. - muito simples. Se quiser ter seu pai de volta, Srta. Melville, lorde Warburton deve ocupar o lugar dele! Corina susteve a respirao e encarando o Sr. Thespidos, murmurou: - No compreendo o que quer dizer! - Ento devo ser mais claro. Eu e diversos outros amigos encontramos seu pai escavando tarde da noite nas runas do templo de Atena, abaixo do santurio, emDelfos. Em pouco tempo conseguimos arrancar dele a informao que queramos... Corina sentou-se muito ereta. - Est dizendo que vocs obrigaram meu pai a contar-lhes alguma coisa ou... Que o torturaram? - Ele precisou apenas de alguma persuaso. Mas acreditei nele quando disse que s ouvira rumores sobre a esttua de Afrodite e que no tinha mais qualquer informaodo lugar onde ela pudesse estar ou sequer tinha certeza de sua existncia. Com grande dificuldade, Corina controlou-se para no ficar furiosa com ele. Isso no traria seu pai de volta e seria mais aconselhvel ouvir o que o Sr. Thespidostinha a dizer. - Fiquei sabendo de fonte segura que lorde Warburton sabe muito mais sobre a tal esttua do que sir Priam. - Por que no o procura? - Infelizmente ele um homem reservado e mantm-se a distncia quando se encontra em seu pas. Ouvi dizer que ele procura a esttua da deusa e acredita quea mesma no esteja em Delfos, mas em qualquer outro lugar. - Ento isto nada tem a ver com meu pai! - Infelizmente, Srta. Melville, lorde Warburton no confia em ningum quando vai Grcia. S ficam sabendo que ele esteve l depois de sua partida. Corina pareceu confusa, no entendia exatamente o que o Sr. Thespidos estava insinuando. - A Grcia um pas com inmeras pequenas baas naturais onde um iate pode ficar ancorado, escondido por uma semana, talvez, sem que ningum saiba disso. -Sua voz tornou-se mais enrgica quando ele acrescentou: - Portanto, quero que a senhorita descubra onde lorde Warburton ir ancorar e me comunique. - Mas isso ... Impossvel! - ela disse atnita. - Ento receio que seu pai no volte para casa to cedo. - O que est dizendo... O que est tentando... Obrigar-me a fazer? Sua voz trmula denunciava o quanto estava assustada. Temia desesperadamente pela vida dopai e sentia tambm pavor daquele homem sua frente. Corina no teve dvidas de que ele era perverso. - Deixe-me p-la a par do que ter que fazer - replicou o Sr. Thespidos. - Ir procurar lorde Warburton e dizer-lhe que seu pai se encontra gravemente enfermoem Delfos, sem quaisquer cuidados mdicos. O nico modo de voc chegar at ele ser se lorde Warburton lev-la a Crisa em seu iate. - Acha que lorde Warburton atender meu pedido? E se ele recusar? O Sr. Thespidos sorriu; foi um sorriso bastante desagradvel. - S precisa levar lorde Warburton at Crisa; depois deixe tudo por minha conta. - Suponha que ele desconfie que meu pai seja um prisioneiro? - O importante que lorde Warburton chegue at Crisa, e voc conseguir persuadi-lo a ir at l. Corina ergueu-se. - Nunca ouvi maior absurdo em toda a minha vida! - explodiu. - No conheo lorde Warburton e bem provvel que ele nem d importncia doena de meu pai, - Nesse caso tenho certeza de que lamentar muito por no ver seu querido pai novamente... O Sr. Thespidos falou vagarosa e calmamente, mas era claro que passava a mostrar "as garras" e forava abertamente Corina a obedec-lo. Desesperada, ela pensava no que poderia fazer. Embora o homenzinho no tivesse feito meno de se levantar da cadeira, Corina sentia que ele era um imenso pssaronegro pairando ameaadoramente sobre sua cabea. - O que me pede ... Impossvel! - Nada impossvel, Srta. Melville, para uma jovem to linda. Corina ficou rgida; aquela insinuao era um insulto. - Obviamente j sabia como eu era... Antes de vir at aqui. - Ao ver o retrato que seu pai carrega consigo, no acreditei que pudesse existir uma jovem to linda. Mas me enganei! Voc to linda quanto Afrodite e jfiquei sabendo que lorde Warburton sente uma grande atrao pela deusa. Corina apertou as mos, procurando manter seu autocontrole. Sua vontade era gritar o ordenar que aquele homem insuportvel sasse de sua casa. Ele no era apenas atrevido, mas tambm cruel e calculista. Como ele mantinha seu pai prisioneiro, ela precisava de algum modo, salv-lo. - No tenho como... Entrar em contato com lorde Warburton... No o conheo. Corina pronunciou aquelas palavras com voz sumida; foi primeira coisa que lhe ocorrera. Ela achou que o Sr. Thespidos iria pensar que ela havia concordadoem obedec-lo, apesar de julgar-se incapaz de faz-lo. Mas no momento ela no conseguia pensar em outra coisa a no ser que seu pai se achava nas garras daquele homem. - Na verdade muito fcil, Srta. Melville - disse o Sr. Thespidos, demonstrando seu entusiasmo, parecendo que havia ganho a batalha. - Voc ir amanh de lordeWarburton, a qual, j me certifiquei, fica a apenas quinze milhas daqui. Tambm sei que ele se encontra em casa no momento. Corina chegou a entreabrir os lbios, disposta a responder que no poderia fazer o que lhe era ordenado, mas tinha certeza de que seus argumentos seriam ignorados. - Voc dir ao lorde Warburton tudo o que lhe ordenei e se for necessrio, ajoelhe-se e implore que ele a leve at a Grcia. - E... Se ele recusar? - J lhe disse que voc se parece com Afrodite! - A voz dele era untuosa. - Mas Afrodite, a qual ele busca avidamente, foi esculpida em mrmore! - respondeu Corina sarcasticamente. - Duvido que ele se interesse por uma verso humana. - Nesse caso seu pai ficar onde est pelo menos enquanto no o considerarmos um estorvo! O Sr. Thespidos no podia ser mais claro; Corina fez um esforo sobre-humano para no gritar. Ela virou-se e ficou de frente para a lareira, dando as costas para o grego. Mal podia acreditar que no estava vivendo um terrvel pesadelo e que ao acordarconstataria que tudo, felizmente, no acontecera. Como podia seu pai, uma pessoa to inteligente, cair nas garras daquele homem horrvel que a estava ameaando? Ele era certamente um dos gregos sem escrpulose cobiosos sobre quem o pai j lhe falara. Eles s se interessavam pelas esttuas e outros objetos considerados valiosos e encontrados em runas, simplesmente pensando no lucro que poderiam obter negociando-os. Subitamente ocorreu-lhe que poderia procurar lorde Warburton e contar-lhe toda a verdade. Mas o Sr. Thespidos, como se captasse o que ela estava pensando, observoucalmamente: - Se fizer qualquer coisa alm do que lhe ordenei Srta. Melville poderemos ser forados a torturar seu pai um pouquinho mais; quem sabe ele estar dispostoa nos dar informaes, o que at o momento se recusou a fazer. Depois disso nos livraremos dele. Corina virou-se. - O que est planejando muita maldade e crime! Sempre respeitei os gregos, mas o senhor um charlato e um assassino! Ela falou em voz baixa; no entanto, cada palavra era como uma adaga lanada no homem que odiava. O Sr. Thespidos ouviu-a e depois deu uma risada cujo som ecoou pela sala. - Magnfico! Voc fica ainda mais linda quando est zangada! O que poderia haver de mais impressionante do que uma deusa manifestar sua ira divina contra umhomem que no a ouve? Ainda mais cheia de dio, Corina virou-se novamente para a lareira e ficou algum tempo em silncio. Depois disse em outro tom: - Se eu tentar... Fazer o que me ordenou... Ser capaz de jurar que no... Machucar papai? - Assim muito melhor. Agora poderemos falar de negcios. Ela ainda esperou um pouco, relutando em virar-se e encarar aquele bandido. - O que tem a fazer, Srta. Melville, ser executar minhas instrues e assim que lorde Warburton lhe disser que partir para a Grcia, basta senhorita informaro homem que deixarei aqui. Ele fez uma pausa e olhou-a como se a avaliasse. - A partir desse momento poder relaxar e deixar tudo em minhas mos. - isso... Que me aterroriza! - exclamou Corina com um lampejo de coragem. O Sr. Thespidos apenas sorriu. - Conseguir tudo o que deseja: seu pai voltar para voc com tima sade. Prometo-lhe que assim que o iate partir de Folkestone, onde est ancorado no momento,seu pai no ser tocado. Corina respirou fundo. O grego prosseguiu: - Por outro lado, se voc for tola o bastante para informar lorde Warburton sobre o que se passou entre ns dois, ele poder telegrafar para as autoridadesde Atenas; ento, Srta. Melville, jamais ver seu pai. - No posso acreditar que tudo isso seja verdade! - Corina gritou. - E incrvel que possa haver homens como o senhor! Se no houvesse, este mundo seria tolindo e to feliz! - Sempre achou o mundo belo e feliz, Srta. Melville - observou o grego com sarcasmo. - Mas h outras pessoas famintas e outras ainda que precisam de dinheiro!Portanto, voc deve aprender a repartir sua felicidade ou, pelo menos, pagar por ela. - O que me preocupa... apenas a segurana de papai. O Sr. Thespidos levantou-se e fez um gesto inteiramente grego. - Depende da senhorita. Tenho o pressentimento de que provar ser uma jovem competente e muito ajuizada. Sua voz endureceu uma vez mais e Corina percebeu que ele seria capaz de toda a maldade. - Como j lhe disse, seja de joelhos ou na cama de lorde Warburton, consiga por estes meios salvar sir Priam! Corina emitiu um som abafado e indistinto. Nunca em sua vida calma e protegida algum lhe falara daquele modo ultrajante. Sua vontade era gritar, mas sabiaque s perderia seu tempo, suas palavras e sua dignidade. Em vez disso, preferiu responder simplesmente: - No me deixou escolha, mas tentarei salvar a vida de meu pai. S posso rezar que mesmo sendo um criminoso o senhor saiba manter sua palavra. O grego riu. - Gosto da sua espirituosidade, Srta. Melville. Posso assegurar-lhe que to logo lorde Warburton esteja em nossas mos, sir Priam estar nas suas. Se for sensata,trate de traz-lo de volta para a Inglaterra e convena-o de que o lugar dele aqui. O tom do Sr. Thespidos no foi apenas ameaador, mas tambm autoritrio e agressivo; ele vangloriava-se de ter conseguido o que queria. Ele fitou Corina de tal modo e ela viu nos olhos dele uma expresso to vil que sentiu nuseas. Com altivez, numa atitude que seu pai teria aprovado, disse apenas: - Tenha um bom dia, Sr. Thespidos. Suponho que o homem encarregado de receber a informao sobre a partida de lorde Warburton para a Grcia tambm me informarcomo poderei entrar em contato com o senhor assim que chegarmos ao seu pas. - J lhe disse Srta. Melville deixe tudo em minhas mos - ele repetiu confiante, - Elas so extremamente capazes. Ao mesmo tempo, saiba que jamais abandonoo que consegui agarrar. O grego a ameaava novamente. Sem suportar a presena daquele homenzinho desprezvel, Corina deu-lhe as costas mais uma vez, dizendo ao fazer isso: - Tenha um bom dia, Sr. Thespidos! Ela ouviu-o levantar-se. Mesmo de costas sentiu incidir sobre ela um olhar candente que parecia penetrar em seu corpo. Um medo sbito, diferente do que sentira antes, a invadiu. O Sr. Thespidos murmurou qualquer coisa, como se falasse consigo mesmo. Ela ouviu-o caminhar sem pressa em direo porta; depois parou e ela teve certezade que o grego havia olhado para trs. Somente quando ouviu o barulho da porta se fechando e os passos dele se afastando no piso de mrmore do hall, Corina levou as mos ao rosto. No estava chorando, apenas se sentia chocada com aquela situao horrvel. Desesperada, temia terrivelmente pela vida do pai e pelo futuro.

CAPTULO DOIS

Warburton caminhou frente do amigo e entrou em seu escritrio, um dos mais atraentes cmodos da casa, com linda vista para o jardim. Os quadros sobre esportes eram obras-primas pintadas por Stubbs e Sartorius. As cadeiras eram estofadas de couro vermelho e em frente ao anteparo da lareirahavia um assento com almofadas, onde lorde Warburton sentou-se. - Est com tima aparncia, Charles, apenas um pouco mais magro - ele disse ao amigo. - No de admirar - respondeu o major Charles Bruton. - Estive exercitando seus cavalos desde o romper do dia at o anoitecer. - O que achou deles? - Absolutamente magnficos! Especialmente os que tm sangue rabe. Lorde Warburton esboou um sorriso. Por um momento desapareceu de seu rosto a expresso de ceticismo que o caracterizava. - Espero que sejamos os vencedores de inmeras corridas com eles - observou ele secamente. - Estou disposto a apostar nisso! - Infelizmente no estarei aqui para ver as corridas. Charles Bruton, que se achava sentado confortavelmente em uma poltrona, olhou surpreso para o amigo. - No me diga que est novamente de partida para a Grcia! - Tenho que partir. - Por qu? - Porque ouvi falar sobre algo extraordinrio, exatamente o que venho procurando h longo tempo, e no me arriscarei a perder a oportunidade de obt-lo. Charles Bruton suspirou. - rion, pensei que voc j tivesse esttuas gregas suficientes para encher um museu! - Acha que algum possa ter bastante de alguma coisa de que goste? - perguntou lorde Warburton. - Digo o mesmo sobre cavalos! Charles riu. Ele deixara o Exrcito com a fama de ser o melhor cavaleiro da Cavalaria de Guarda. Lorde Warburton ficou sabendo que Charles encontrava-se em dificuldades financeiras e lhe oferecera o emprego de administrador de seus haras. Charles Bruton aceitou a proposta com entusiasmo. O haras Warburton, que comeara com o av de lorde Warburton, era famoso. Os cavalos ali criados e adestradosganhavam todas as corridas clssicas nas quais competiam e j se tornavam uma lenda. - Devo dizer - observou Charles -, que acho muita maldade de sua parte no estar presente s corridas, depois de todo o trabalho que tive. - Sinto muito, Charles, sei o quanto ficar desapontado, mas entre corridas e a Grcia, esta vem em primeiro lugar! - Eu j devia esperar por isto. Este objeto to especial que o faz deixar a Inglaterra realmente mais extraordinrio do que os que voc j tem? - No posso responder sua pergunta enquanto no o vir. Meu informante, porm, me escreveu com muita convico que a esttua sem igual e que se eu perderesta oportunidade me arrependerei pelo resto da vida. - De quem a esttua? - De Afrodite. Os arquelogos, primeiro os romanos e ultimamente os franceses e alemes, procuram-na h anos, mas s viram suas buscas frustradas. - Confesso que sempre achei Afrodite, a Deusa do Amor, nada apropriada para voc! - De forma alguma. Lembre-se de que ela feita de mrmore. - Eu ficaria muito mais feliz se voc me dissesse que ia partir para Paris procura de uma Afrodite de carne e osso. Sabe muito bem que isso que deveriaestar fazendo. - O que quer dizer com "eu deveria estar fazendo"? - No seja tolo, rion. Sabe to bem quanto eu que deve arranjar uma esposa e ter um herdeiro. Se isso no acontecer, para quem deixar todo este tesouro? Enquanto falava ele estendeu os braos, num gesto que indicava as telas valiosssimas e duas esttuas excepcionais que se achavam uma de cada lado da lareira. Estas ltimas representavam dois atletas, nus e com a coroa de louros da vitria. Depois de um momento, lorde Warburton respondeu: - J fez a mesma observao antes, mas a tempo de sobra para eu pensar nisso. - J tem trinta e dois anos e, se ficar muito mais velho, no ser fcil desposar uma jovem Afrodite. Ento ter que se contentar com alguma viva que, semdvida, estar interessada apenas em sua fortuna e sua posio social. Lorde Warburton riu. - Que quadro mais sombrio! Estou convencido de que uma jovem desajeitada e sem inteligncia seria muito pior do que uma viva! Charles estendeu as pernas e recostou-se no espaldar da poltrona, observando atentamente o amigo. - Estou preocupado com voc; nestes dois anos tem-se tornado cada vez mais ctico e mais irnico. Nenhuma mulher, por mais atraente que seja, tem conseguidoprender sua ateno. Charles pensou que o amigo iria rir, mas lorde Warburton levantou-se e comeou a andar impacientemente pelo escritrio. Junto janela ele parou e ficou olhando para os gramados muito verdes que desciam at o lago, ao lado do qual havia um primoroso templo branco que ele haviatrazido da Grcia. - A verdade que acho as mulheres, todas elas, decepcionantes - disse rion, depois de algum tempo. - No possvel. - verdade. Elas podem parecer adorveis, mas assim que conhecemos melhor, descobrimos que so tolas, sem graa e, muitas vezes, mal-educadas. - Acho que voc est louco! - No, estou perfeitamente so e asseguro-lhe que tenho muito mais prazer em conversar com homens bem mais velhos que eu, os quais j viveram mais tempo e complenitude, estando mais interessados nas glrias do passado. - Especialmente as da Grcia! - observou Charles em voz baixa. - Sim, da Grcia. Ah, como eu desejaria ter-me sentado aos ps de Scrates ou de Plato, ou de poder ter ouvido Homero! Eu acharia tudo o que eles disseramto estimulante e to notvel! - Mas eles esto mortos e chega a ser ridculo uma pessoa como voc ficar sonhando com coisas inatingveis e andar procurando ossos enterrados. - H outra alternativa? Seria melhor ficar dando ateno ao prncipe de Gales, que j est envelhecendo, ou ouvir aqueles que cercam a rainha e que s sabemfalar sobre o imprio britnico? - Londres tem outras atraes. - Voc quer dizer que eu devia ficar louco pelas garotas do teatro de variedades e que devia pensar que seria privilegiado em poder levar uma delas para jantar?- perguntou rion sarcasticamente. - Meu Deus, voc j conversou com alguma dessas to exaltadas beldades do teatro de variedades, Charles? - Naturalmente, e achei-as muito divertidas! - Acha divertido beber champanhe em chinelos de seda ou levar uma dessas beldades para casa, numa carruagem de aluguel, ao romper do dia? - rion perguntouno mesmo tom de escrnio. - Eu poderia mencionar prazeres mais ntimos - murmurou Charles. - Nessas ocasies, no se fala nem se ouve! Charles riu. - Muito bem, Orion voc venceu. V para a Grcia em busca de sua Afrodite. Tudo o que posso dizer que o mrmore muito frio na cama e lbios de pedra noso nem um pouco ardentes. Lorde Warburton voltou para o lugar onde estivera sentado e s ento disse em um tom de voz muito diferente: - Vamos conversar; quero ouvir todos os detalhes sobre meus cavalos antes de partir. Charles atendeu ao seu pedido. Ele no podia deixar de pensar que, apesar de tudo o que possua seu amigo no era um homem particularmente feliz. Desde que estiveram juntos em Eton, Charles admirava rion. Depois ambos foram para Oxford, onde o primeiro passara a concentrar-se mais nos esportes e a dispensarmais ateno aos colegas que tinham as mesmas inclinaes que ele. rion formou-se em Arqueologia, tendo sido considerado o melhor estudante de lnguas orientais que Oxford j tivera. No entanto, a amizade entre os dois rapazescontinuou firme. Eles foram juntos para a Cavalaria de Guarde e Charles sempre admirou o homem que montava to bem e que era o mais belo entre todos do regimento. Charles e rion tambm haviam servido na ndia, como ajudantes-de-campo do vice-rei. Em diversas ocasies, rion havia corrido risco de vida, porm sobreviveragraas sua mente rpida e sua intuio, que era por vezes fantasticamente perceptiva. Quando os dois amigos voltaram para a Inglaterra, rion havia herdado o ttulo e, tendo deixado o regimento, passar a cuidar apenas de suas propriedades. Duranteo ano seguinte os dois amigos viram-se muito pouco. Ento Charles passou a administrar o haras e sempre que seu patro se encontrava na Inglaterra, eles passavam maior, parte do tempo juntos. Charles preocupava-se porque rion parecia no sentir prazer pela vida, a no ser quando se achava na Grcia. Quando voltava, trazendo tesouros para o WarburtonPark, ento ele parecia muito entusiasmado. Ao contrrio do patro, Charles apreciava os apaixonados casos de amor, um sucedendo ao outro. Para ele era difcil acreditar que rion pudesse ser feliz sema delcia de ter um corpo macio e morno nos braos e lbios famintos procurando os seus. Lorde Warburton, no entanto, parecia imune s mulheres que o perseguiam sem descanso. Mesmo que ele achasse uma mulher fascinante, em pouco tempo no via qualqueratrao nela. Charles estava ciente de que tudo isso acontecia porque rion sofrer uma grande desiluso quando era mais jovem e cursava seu primeiro ano em Oxford. Na pocaele imaginara que o incidente no tivera importncia. Mas no restava dvidas de que fora a partir de ento que lorde Warburton passara a evitar as mulheres. Quando estava com elas, mostrava-se indiferente ou irnico. Como lorde Warburton era no apenas um belo homem, mas tambm muito rico, as mulheres, principalmente aquelas que tinham uma me ambiciosa, assediavam-no, considerando-oum excelente "partido". Charles considerava as mulheres lindas flores esperando apenas que ele as colhesse e desejava que o amigo tambm se sentisse feliz perto de uma beldade. Porisso ele no conseguia compreender por que rion ficava fascinado por aqueles pedaos de mrmore, velhos e frios. Depois que os dois conversaram sobre os cavalos e Charles opinou sobre as corridas nas quais esperava v-los vencedores, ele pediu: - Por que no muda de opinio, rion? Esquea a Grcia por um momento e venha ver seus cavalos alcanarem a linha de chegada em primeiro lugar em Newmarkete, claro, na Royal Ascot. - Gostaria de fazer isso, mas, se perder Afrodite, nunca mais terei uma oportunidade como esta! - H muitas lindas "Afrodites" em Londres - insistiu Charles. - Uma delas, em particular, espera h algum tempo para ser-lhe apresentada. - Posso conhec-la quando eu voltar e se ela for mais linda do que a Afrodite que pretendo trazer comigo, ento talvez me case com ela! Charles riu, depois disse, em tom srio: - Espero que faa isso, pois realmente ela seria uma tima esposa. Acredito, porm, que ela possa achar aborrecido ter que repartir as suas atenes com umaporo de mulheres lindas, ainda que feitas de mrmore! - Se est insinuando que para despos-la eu tenha que mandar todas as minhas deusas para um museu ou tenha que criar meu museu particular na ala oeste destacasa, recuso-me categoricamente a levar essa beldade ao altar! Charles ia dar uma resposta mordaz, mas achou que no seria oportuna. Ele no ignorava o quanto seu amigo se orgulhava daquelas antigidades gregas. Fazer qualquer aluso ao fato de que uma esposa poderia afast-lo de seus tesouros levaria Orion a jamais fazer uma proposta de casamento a tal mulher. "Preciso ter muito tato", pensou Charles. - Muito bem, Orion, v para a Grcia e consiga sua Afrodite. Depois, quando voltar para casa, procure uma deusa jovem e viva que far seu corao bater maisforte e poder te dar meia dzia de filhos belos como o pai! Lorde Warburton deu uma risada que soou um tanto estranha. Charles no era a primeira pessoa que sempre tocava nesse assunto de casamento. Irritado, Orion lembrou-sede que seus parentes pareciam no ter outro assunto. Ele sabia muito bem o quanto todos em sua famlia antipatizavam com o herdeiro presuntivo ao ttulo, um primo j de meia-idade que no perdia as esperanasde vir a ocupar o lugar de lorde Warburton. O primo em questo era a pessoa que mais se entusiasmava pela coleo de lorde Warburton. O motivo desse entusiasmo era simples: ele esperava que numa dessasviagens pelo Mediterrneo rion sofresse algum acidente fatal, como um naufrgio durante uma tempestade na baa de Biscay, vindo a afogar-se. Sendo um homem de intuio apurada, lorde Warburton sabia que o primo rezava para que algum tipo de mal lhe acontecesse. Ao invs de se abater, lorde Warburtonsentia-se cada vez mais decidido a manter-se vivo. Ele era tambm honesto consigo mesmo e sabia que mais cedo ou mais tarde deveria se casar e ter o herdeiro para o ttulo, conforme a famlia tanto esperava,mesmo que a idia de casa mento lhe soasse muito desagradvel. Charles tinha razo em pensar que o amigo desiludira-se do amor. rion ainda se lembrava da garota que ele amara e que zombara do interesse que ele tinha pelaGrcia, que escarnecia dos poemas que ele achava to lindos e que no tivera o menor entusiasmo quando ele a levara ao Museu Britnico. Desde muito pequeno, quando vira pela primeira vez os "mrmores de Elgin", rion ficara emocionado. Em suas primeiras frias, quando cursava a universidadede Oxford, ele fora a Paris para ver as esttuas gregas do Louvre e depois as esculturas de Munique. Essas obras de arte significavam tanto para rion, que ele trouxe desenhos e fotografias das obras que o haviam emocionado. Ele mal pde acreditar ao ouvir a garota responder-lhe com sarcasmo que esperava dele alguma jia e no aquele "lixo"! rion ficou sabendo que a moa no apenascaoava daquilo que ele considerava quase sagrado, mas que tambm o ridicularizava diante de suas amigas, lendo para elas os poemas no mais puro estilo clssicoque lhe escrevia, servindo os mesmos para objeto de riso e escrnio. A partir de ento ele prometera a si mesmo jamais se deixar enganar por um rosto bonito. Houve muitas mulheres em sua vida; era impossvel evit-las sendo um homem to belo e importante. Todas elas, no entanto, despertaram nele apenas prazeres fsicos.Eram como um prato apetitoso do qual se esquece assim que a refeio termina. rion sabia que Charles, seu grande amigo, no era capaz de compreender o quanto era profundo o amor dele pela Grcia. As esttuas emocionavam-no muito maisdo que qualquer mulher jamais fora capaz de faz-lo. Elas estimulavam sua mente e transportavam todo o seu ser rumo luz das estrelas. Seu nome, Orion, fora escolhido por sua me, uma grande amante da poesia.Seus outros nomes, em deferncia famlia, eram George Frederick. Quando j tinha idade suficiente para decidir como desejava ser chamado, ele insistira em usar apenas-seu nome grego, eliminando os outros dois. As pessoas em geral achavam o nome Orion apropriado para um homem que parecia to romntico. Apenas Charles gostava de, s vezes, importunar o amigo por preferirum nome grego aos ingleses. Os dois amigos conversavam animadamente no escritrio quando a porta se abriu. - Desculpe-me, milorde - disse o mordomo, que j se achava no Park h mais de trinta anos -, mas uma jovem lady insiste em ver Vossa Senhoria. - O que ela deseja McGregor? - perguntou lorde Warburton. - Ela diz que deseja v-lo e que se trata de um assunto de vida ou morte! Lorde Warburton mostrou-se surpreso e Charles riu. - Pelo menos esta visita bem diferente da do vigrio que lhe vem pedir contribuies para o orfanato! - Creio que ser melhor eu receb-la - respondeu lorde Warburton aborrecido. Desde que viera morar em Warburton Park, Orion sempre tinha algum o aborrecendo com suas queixas e pedindo dinheiro para as obras beneficentes locais. - Conduzi a jovem lady ao Salo de Prata, milorde. - Est bem, irei ao encontro dela. - Assunto de vida ou morte! - comentou Charles com o amigo, depois que o mordomo fechou a porta. - Que excitante! - Duvido! - replicou lorde Warburton. - Meu palpite que se trata de uma arrecadao para uma obra missionria, na frica. Esto sempre querendo converteros nativos, que preferem muito mais continuar com suas prprias religies. - Alm de ser um ctico, voc no nada romntico. Posso pensar em razes muito melhores para uma jovem vir visit-lo. Lorde Warburton j estava prximo porta. - Se achar que estou demorando muito no salo, v a meu socorro. - Est bem, mas se ela for bonita no lhe far mal nenhum dar-lhe uma cdula de cinco libras. Charles teve certeza de que o amigo no ouvira suas ltimas palavras, pois j sara e fechava a porta. Ao apanhar o jornal, Charles pensava que era uma pena Orion no encontrar algum que o atrasse tanto como a Afrodite que ele estava procurando na Grcia. "Se ela vivesse agora", Charles pensou, "rion sem dvida a acharia vulgar e enfadonha. Ele procura por algo que nunca encontrar, por isso mantm-se to entusiasmado." Suspirando, ele abriu o jornal na pgina de esportes. Corina acordou naquela manh com a sensao de que o que acontecera no dia anterior havia sido um sonho. Todavia, ao lembrar-se dos olhos escuros do grego edo modo como ele lhe falara, convenceu-se de que tudo fora mesmo bem real. Para salvar o pai ela teria que ir visitar lorde Warburton. Mal podia acreditar que se encontrava frente daquele dilema. Horrorizada, pensando no que poderia acontecer, ela sentou-se na cama, tremendo apesar do calor e do sol que entrava pela janela que tinha as cortinas abertas. Corina preferiu no falar sobre o visitante com a Srta. Davis, sua velha governanta; tampouco iria dizer-lhe aonde iria naquela manh. Apesar de a Srta. Davis ser uma mulher inteligente, Corina achou que ela nunca entenderia a gravidade da situao e por isso disps-se a empenhar-se sozinhaa salvar a vida do pai. Era-lhe quase impossvel acreditar que se no seguisse rigorosamente as instrues do Sr. Thespidos, este iria de fato assassinar seu pai. "Como pode haver homens assim no mundo?", ela se perguntava desesperada. Saindo da cama, ela comeou a vestir-se, tendo a desagradvel sensao de que o grego no lhe fizera ameaas vs e se ela no fizesse exatamente o que lhe foraordenado, jamais veria o pai novamente. Tudo era to aterrador que Corina viu-se fazendo uma prece para a me ajud-la. Ela sentia-se como uma criana que, sentindo-se em perigo, corria para o seiomaterno buscando segurana. Ela pensava se havia algum que pudesse procurar e explicar a situao em que se encontrava. Era, porm, improvvel que acreditassem nela. Finalmente, vendo que no tinha outra sada seno entrar em contato com lorde Warburton, ela mandou preparar a carruagem, dizendo que desejava que a mesma estivesse frente da porta principal em meia hora. A criada desceu depressa as escadas para transmitir a ordem aos cavalarios, enquanto Corina, em frente ao guarda-roupa, pensava em que vestido usar. Estava bem quente para o princpio de maio e ela olhou para um lindo vestido que havia comprado h pouco tempo. Imediatamente lembrou-se do que o Sr. Thespidoslhe dissera; para salvar seu pai ela deveria se fosse preciso, ajoelhar-se ou ir para a cama com lorde Warburton. Se a rudeza de tais palavras a deixara chocada quando foram proferidas, mais ainda a escandalizara quando noite ela pde compreender exatamente o que o Sr.Thespidos havia insinuado. Corina era muito inocente e sem a menor experincia, pois sempre levara uma vida calma no campo. Ela no ignorava que os homens tinham relaes ilcitas commulheres, mas pouco sabia o que isso implicava. Sabia apenas que era um pecado e um erro. Seus pais nunca haviam falado sobre o assunto com a filha. O exemplo que Corina tinha em casa era o de pais felizes juntos; ela acreditava que um dia iria encontrar um homem to inteligente e to belo quanto seu paie ento ambos se apaixonariam e se casariam. Sua vida de casada seria harmoniosa, eles teriam em comum o amor pelos filhos, o interesse pela Grcia e apreciariam seus magnficos cavalos. Tudo seria to lindo como o desabrochar dos primeiros narcisos dourados, na primavera, como os patinhos, atrs da me, nadando no lago; to adorvel como aspombas brancas voando sobre a casa, tendo ao fundo o azul do cu de vero. A vida de ambos seria marcada por uma beleza enaltecedora, a mesma beleza que ela encontrava em todos os lugares em sua casa; essa beleza resultaria do amor. Subitamente, como se ainda ouvisse as palavras do Sr. Thespidos sendo sussurradas aos seus ouvidos, ela tirou do guarda-roupa o vestido de que menos gostava.Ela escolhera o tecido analisando-o sob luz artificial, e depois de pronto, o vestido parecia luz do dia sem graa e deselegante. Antes de sair ela ps sobre os lindos cabelos dourados um chapu que s usava em enterros e ainda prendeu ao mesmo um vu que pertencera sua me. Olhando-se ao espelho e receando ainda que estivesse com boa aparncia, ela foi ao quarto do pai, onde encontrou em uma pequena gaveta os culos que desejava.O pai sempre os usava em suas viagens e desta vez os deixara para trs porque uma das lentes havia trincado. Sir Priam comprara outros culos e Corina mandara substituir a lente trincada e guardara os culos j consertados numa das gavetas menores da cmoda, no quartodo pai, esperando pela volta dele. Como eram culos para sol, as lentes escuras escondiam a beleza dos olhos de Corina verdes com um toque de dourado, os quais se assemelhavam a um raio de solsobre a gua cristalina. Corina pegou os culos e guardou-os na bolsa. A carruagem j se achava sua espera e ela desceu as escadas. Os cavalos estavam inquietos, pois precisavam de exerccio; eles sacudiam a cabea, agitando a longa crina. Ao subir na carruagem, Corina pensou por um segundo que estava sendo uma louca por obedecer ao Sr. Thespidos. Como poderia persuadir um homem que ela no conheciaa atend-la? "Tenho que convenc-lo!" Mais urna vez as palavras do Sr. Thespidos pareciam chegar aos seus ouvidos e ela estremeceu. Na noite anterior Corina explicara velha governanta que iria sair bem cedo, ao que a Srta. Davis respondera: - Nesse caso passarei a manh na cama, j que no precisar de mim. No tenho dormido bem e um bom relaxamento me far bem. - Sim, claro - concordara Corina. - Vou recomendar que lhe tragam o almoo para cima, em uma bandeja. Devo estar de volta para o ch. - Estarei sua espera - prometeu a Srta. Davis. Obrigada, querida criana, por ser to compreensiva. Corina compreendeu ento que sua governanta estava j bastante idosa e um sbito receio de que ela poderia morrer a invadiu. Teria que encontrar outra pessoapara fazer-lhe companhia quando o pai viajasse. Bem, no momento ela devia concentrar-se no problema mais srio, que era lorde Warburton. Durante o percurso at Warburton Park ela tentou planejar o que iriadizer a ele. Tinha que ser bem convincente. Por mais inoportuna que a viagem pudesse ser lorde Warburton precisava lev-la Grcia. Ela comeou a imaginar como o Sr. Thespidos podia estar sabendo o que lorde Warburton estava procurando encontrar naquele pas. Intrigava-a tambm o fato deo homenzinho grego estar to bem informado sobre o que se passava na casa do lorde ingls. Ocorreu-lhe que talvez um dos criados de lorde Warburton fosse o informante. Certamente o Sr. Thespidos no hesitaria em subornar um dos serviais de quem quer que fosse para obter o que queria. S em pensar no grego horroroso, Corinasentiu um calafrio. Era a primeira vez na vida que tivera medo de um homem. Era uma sensao desagradvel que jamais sonhara experimentar. O Sr. Thespidos tinha uma expresso dura no olhar e as linhas dos lbios revelavam crueldade; todo ele inspirava temor. "Odeio-o! Oh, como o odeio!" Corina continuou seu caminho conduzindo a carruagem, sem ao menos notar as cercas vivas bem-cuidadas, as prmulas crescendo beira dos gramados, tampouco ouviros cucos cantando entre as rvores. Em outra circunstncia ela ficaria fascinada pelo azul do cu refletido nas guas lmpidas dos regatos. Havia muita beleza no campo para ser admirada, mas Corinapensava no pai que se achava prisioneiro em algum lugar na Grcia, talvez em uma pequena cabana. "Irei salv-lo, papai... irei salv-lo!", ela murmurava do mais fundo do seu ser, como se tentasse fazer seu esprito entrar em contato com o pai. Corina sabia que ele no duvidava de que ela o amava e que orava por ele. Eram quinze milhas at a casa de lorde Warburton. Passava pouco do meio-dia quando Corina viu sua frente enorme manso junto a um lago, tendo ao fundo umbosque de pinheiros. Warburton Park era uma construo imponente. O sol brilhava nas dezenas de janelas e o estandarte de lorde Warburton tremulava no alto do telhado, majestosamente. Corina conduziu a carruagem pela avenida de tlias vetustas. Assim que comeou a descer em direo ao lago, ficou maravilhada ao ver uma revoada sbita de pombasbrancas que foram pousar no gramado muito verde beira do lago. Tudo naquele lugar era encantador e ao mesmo tempo to perfeito e grandioso, como se fosse ali outro mundo. A revoada de pombas brancas pensou Corina, era,com certeza, um sinal de boa sorte e de que suas preces seriam ouvidas. No mesmo instante, como se o prprio demnio estivesse ao seu lado, ela ouviu as palavras do Sr. Thespidos e lembrou-se dos culos de sol. Tirando-os da bolsa, colocou-os, ajustou em seguida o pequeno vu do chapu, enquanto a carruagem estava diante da porta principal da manso. Levou algum tempo para Corina convencer o mordomo de que era muito importante ver lorde Warburton, mesmo sem t-lo avisado de sua visita. Finalmente ela foi conduzida para um lindo salo cuja cornija e as colunas que a sustentavam eram revestidas de prata. Os lustres eram de prata e cristal; todos os objetos da lareira, anteparo, tioeiro e tenaz, eram de prata. As cortinas, o estofamento das cadeiras, poltronase sofs eram de damasco azul, de um tom muito suave. Dos dois lados da lareira havia mesinhas que Corina reconheceu ser um trabalho da poca de Charles II. Olhando ao redor ela viu diversos nichos com esttuasgregas que teriam feito seu pai vibrar. As esttuas eram belssimas e eram ainda realadas pelo revestimento de prata dos nichos que emprestavam mais brilho ao mrmore das mesmas. "Ah, se papai pudesse v-las!" Lembrando-se da razo de estar ali, sentiu-se aterrorizada e respirou fundo. Nesse instante a porta abriu-se. Lorde Warburton entrou no salo, mas Corina, por um breve momento, no dirigiu o olhar para ele, amedrontada, receando que ele pudesse ser to desagradvele sem carter quanto o Sr. Thespidos. Ento ela ouviu-o perguntar: - Deseja ver-me? Ela ergueu o rosto e viu-se diante de um homem alto, de ombros largos, na verdade jamais vira um homem to belo. Isso no a impediu de notar o tom seco na vozdele, denunciando que ele achava que a presena dela o aborrecia. Pior ainda: as linhas no rosto dele, que desciam do nariz at os cantos dos lbios, pareciam dizer que lorde Warburton escarnecia dela. Ele, certamente, seressentia daquela intruso. Corina continuou a observar o dono da casa atravs das lentes escuras e teve certeza de que ele a desprezava. Nervosa, ela disse depressa numa voz que nem lhepareceu a sua: - Sou a senhorita Melville, senhor, e vim procur-lo para pedir a Vossa Senhoria que ajude meu pai, sir Priam Melville. Terminando de falar ela teve a impresso de que se comportara como uma garota de escola. Fora dizendo tudo rapidamente, receando esquecer alguma coisa do seudiscurso. No foi com surpresa que ouviu lorde Warburton responder-lhe calmamente: - Suponho que podemos nos sentar, Srta. Melville, e ter ocasio de dizer-me por que seu pai necessita de minha ajuda e por que ele no veio procurar-me pessoalmente. Corina sentou-se na beira do sof, juntou as mos sobre o colo e explicou: - Meu pai est no exterior... Na verdade, ele est na Grcia. Lorde Warburton ergueu as sobrancelhas, mostrando-se surpreso e mais interessado. - Na Grcia? Mas meu mordomo disse-me que a senhorita desejava me ver e que o assunto era de vida ou morte. - verdade, senhor. Papai est desesperadamente enfermo e eu pensei que... Isto , ouvi dizer que vai partir para a Grcia... Quem sabe poderia ter a bondadede me levar junto. Definitivamente surpreso, lorde Warburton encarou-a, parecendo no poder acreditar no que acabara de ouvir. - Imagino, Srta. Melville - ele respondeu aps um momento -, que poder viajar para a Grcia de um modo bem convencional: de trem. - Os trens so to imprevisveis... Principalmente no sul da Europa. por isso que pensei na possibilidade de chegar Crisa em seu iate, de um modo muitomais... Seguro. - Ento seu pai est em Delfos? - Papai tambm arquelogo, como Vossa Senhoria, mas ele se encontra muito doente. - Quem lhe disse que ele est doente? - Um homem chegou ontem da Grcia e me informou que papai est mal e... Sem tratamento mdico. Corina falou de modo hesitante e teve a impresso de que no fora nada convincente, at soou meio tola. Ningum iria acreditar nela, muito menos lorde Warburton. - Voc acaba de me dizer que seu pai um arquelogo e naturalmente no deve estar sozinho fazendo suas pesquisas. - Meu pai sempre trabalha sozinho. Ele no leva consigo nem seu criado particular, pois acha que criados ingleses geralmente causam problemas quando esto emoutro pas. Lorde Warburton esboou um leve sorriso, que foi na verdade apenas um curvar dos lbios, antes de responder: - Compreendo, Srta. Melville. Ao mesmo tempo ainda acho que o melhor meio de chegar at seu pai ser de trem. Meu conselho que v de trem at Veneza; aliencontrar navios que partem para a Grcia quase diariamente. - Por favor, senhor... Leve-me at a Grcia em seu iate! Corina no sabia mais o que dizer. S lhe restava suplicar. Fez-se silncio. Depois de alguns segundos,lorde Warburton perguntou: - Srta. Melville, a razo de estar ansiosa para viajar comigo ser porque no pode pagar sua passagem? Nesse caso... Horrorizada, Corina compreendeu que ele ia oferecer-lhe dinheiro e disse depressa: - No... O problema no dinheiro, ... Rapidez. - Como j lhe expliquei Srta. Melville chegar a Crisa em menos tempo de trem. Mesmo sendo novo e capaz de fazer catorze ns por hora, meu iate pode ficar detidona baa de Biscay se o mar estiver encapelado e h freqentes tempestades no Mediterrneo que sempre atrasam a viagem. - Eu... Eu entendo senhor... Mas, por favor... Lorde Warburton levantou-se. - Lamento claro, no poder ajud-la; s lhe prometo que, ao chegar Grcia, se lhe puder ser til, basta entrar em contato comigo. Lampejou pela mente de Corina que se ela conseguisse descobrir quando lorde Warburton iria partir e onde iria ancorar, teria informaes para dar ao Sr. Thespidose este talvez se desse por satisfeito. - Agradeo-lhe por sua bondade. Se me disser onde estar na Grcia, ser confortador saber que poderia contar com a ajuda de Vossa Senhoria se eu no conseguirajudar meu pai de outra forma... Ento poderei procur-lo. - Tenho um agente em Atenas e ele lhe dar meu endereo. Ele atravessou o salo e foi at uma secretaire francesa, um belssimo mvel marchetado. Ali abriuuma pasta de couro ostentando seu braso e tirou dela uma folha de papel de carta. Quando ele comeou a escrever na folha, Corina sentiu que seu corao ia parar.O endereo que ele estava escrevendo seria intil. Se lorde Warburton desejava manter tanto segredo sobre o lugar onde pretendia ir, certamente no iria entrar em contato com seu agente ou qualquer outra pessoa. Ele veio ao encontro dela e entregou-lhe a folha de papel. - Aqui est o endereo, Srta. Melville. S posso desejar que quando chegue Grcia encontre seu pai bem melhor do que est imaginando. - Vossa Senhoria pretende ir... At o porto de Crisa? Parecendo ter desconfiado que aquela pergunta tinha uma razo de ser, lorde Warburton respondeu: - A vantagem de se ter um iate, Srta. Melville, que se pode ir aonde quiser, sem necessidade de fazer planos antecipados. - Sim... Naturalmente. Corina guardou a folha de papel na bolsa e, num esforo final para salvar seu pai das mos do Sr. Thespidos, disse ainda: - Por favor... Talvez ache melhor mudar de idia e concorde em me levar consigo. Prometo no lhe causar problemas... Na verdade, nem notar que eu estou a bordo.Sei que este o melhor modo de chegar... At meu pai. - Sinto muito ter de desapont-la, Srta. Melville, mas a resposta no! Ele falou de modo firme e parecia inflexvel. Corina sabia que mesmo que se ajoelhasse como o Sr. Thespidos havia sugerido, aquele homem se manteria irredutvel. Como se desse o assunto por encerrado, lorde Warburton encaminhou-se para a porta. Nada restava a fazer, pensou Corina, seno segui-lo. Ele abriu a porta, esperou que ela passasse e ambos se viram no hall onde havia dois criados de libra, um de cada lado da porta principal. Do alto dos degraus Corina viu sua carruagem com os dois cavalos atrelados esperando por ela. Desesperada, pensou naquele veculo como sendo um carro funerrio; recusando-se a atend-la, lorde Warburton estava destruindo seu pai, mandando-o para a morte. Nada mais havia para ser dito. Ele estendeu-lhe a mo: - Adeus, Srta. Melville. Espero que sua apreenso quanto sade de seu pai tenha sido desnecessria.

CAPTULO TRS

Apreensiva, Corina imaginava se j iria encontrar um dos homens do Sr. Thespidos esperando-a. No entanto, parecia no haver ningum ali. Subiu para tirar o chapu e arrumar os cabelos. Quando desceu observou que tudo continuava quieto e foi sala de visitas. Pela janela aberta chegava at elao som do zumbido das abelhas e dos pssaros cantando nos arbustos. Diante daquela paz, tentou se convencer de que todo o episdio fora apenas um pesadelo. Impaciente, ela andava da casa para o jardim vezes seguidas; as horas se arrastavam. Quase s quatro da tarde ela ouviu o som de uma carruagem que se aproximava. Por um breve momento acalentou a esperana de lorde Warburton ter mudado de idia. Teria ele vindo procur-la pessoalmente ou teria mandado outra pessoa? Mal compreendera que aquela esperana era v, a porta abriu-se e Bates o velho mordomo, disse: - Um cavalheiro deseja v-la, Srta. Corina. Mesmo antes de ver quem era Corina estremeceu. O Sr. Thespidos caminhou lentamente em direo a ela, como se quisesse, com aquela atitude, intimid-la. Seu orgulho a fez erguer o queixo altivamente, porm juntou as mos e apertou-as. Com voz trmula, ela disse: - Tentei fazer o melhor possvel, mas receio ter... Falhado. - Aconteceu o que eu esperava - falou o Sr. Thespidos, com sua voz desagradvel. - Teremos que pr outro plano em ao. - Outro... Plano? - Suponho que ainda deseja salvar a vida de seu pai, no? - Sim... Claro! Como pode fazer tal pergunta? - Ento deve fazer exatamente o que eu mandar! Se no fizer, Srta. Melville, no tenha dvidas, ele morrer e no ser uma morte tranqila e agradvel! Corina quase gritou diante da crueldade daquelas palavras. Algo enrgico e corajoso em seu interior, porm, falou mais alto e ela recusou-se a permitir queo grego a calcasse sob seus ps. - J lhe disse que farei o que puder para ajudar meu pai, mas no vejo necessidade de ameaas e recriminaes. Os olhos do grego cintilaram, demonstrando o quanto ele se surpreendera com aquela atitude de desafio. Seu tom foi mais respeitoso ao dizer: - Pensei em um modo de voc salvar seu pai e dar-me a informao de que preciso. - Qual ? Ele lanou um olhar especulativo a Corina, como se considerasse o que seria mais interessante: contar-lhe logo seu plano ou deix-la na ignorncia at o ltimominuto. Ento, parecendo ficar feliz em amedront-la, ele observou: - Voc teve a oportunidade de resolver este problema amigavelmente e foi malsucedida! - No ignoro isso. - Agora teremos que fazer algo mais drstico! - O que est sugerindo? Depois de uma breve pausa, o Sr. Thespidos disse devagar: - Voc viajar clandestinamente no iate de lorde Warburton! - Uma clandestina?! Corina esperava tudo, menos isto. Ela olhou para o grego com uma expresso de espanto. - Quando ele descobri-la, ou ento quando voc se revelar, ser tarde demais para ele mand-la de volta. Desta forma, ser obrigado a lev-la at Crisa, ondeeu estarei esperando. - Mas... impossvel! - ela protestou. O Sr. Thespidos no ignorou a nota desafiadora na sua voz. - Se ele me descobrir - Corina explicou depressa -, mais do que provvel que me deixar em Gibraltar ou em algum porto francs. - Nesse caso seu pai ter uma morte das mais desagradveis e voc ter remorsos pelo resto da vida! Corina apertou tanto as mos at que ficassem sem circulao. Depois, com esforo sobre-humano, disse calma e vagarosamente: - Qual... Seria seu plano? O que est pretendendo que eu faa? - Agora est comeando a demonstrar bom senso! Seria de bom-tom, Srta. Melville convidar-me para sentar. Corina indicou uma cadeira e sentou-se em seguida em um sof, sentindo que as pernas no mais a suportariam. Era-lhe difcil respirar. Difcil tambm era afastar o medo que se avolumava em seu interior, prestes a subjug-la. - Tenho meu plano todo traado e no h nele uma falha sequer. Corina esperou um pouco, achando que ele iria dar-lhe detalhes; como ele se manteve calado, elaperguntou: - E... O que decidiu? - Tudo indica que Sua Senhoria ir partir depois de amanh; portanto, voc dever estar pronta amanh cedo. Virei busc-la s nove. - Para... Aonde iremos? - Para Folkestone, onde o iate de lorde Warburton est ancorado. Voc j estar a bordo quando ele chegar. - Como poder ser isso? Ele me descobrir e se recusar a me levar. O Sr. Thespidos sorriu. - Pode deixar tudo em minhas mos. S o que temos a fazer no momento providenciar o que for necessrio para viajarmos at a estao mais prxima e ali tomaremosum trem expresso. Ele analisou Corina de um modo que ela achou repulsivo, dizendo em seguida: - Leve consigo os seus vestidos mais lindos. No seja tola a ponto de permitir que Sua Senhoria a faa desembarcar e viaje sozinho. Se no souber cativ-loa culpa ser toda sua! Corina levantou-se. - No tenho outra escolha, Sr. Thespidos. Estarei pronta hora que o senhor determinou... Mas no estou disposta a ouvir suas insinuaes. Elas so repulsivase extremamente vulgares! Ela pensou que deixaria o grego embaraado, mas ele simplesmente riu. - Pelo que vejo, uma garota decidida, Srta. Melville! Pode estar afogando, mas no dobra a espinha! Corina no respondeu. Ficou de p, esperando que ele partisse. Mais uma vez o grego analisou-a atentamente e a sensao de Corina foi a de estar sendo desnudada: - As nove, Srta. Melville. Ele virou e encaminhou-se para a porta. Corina no cobriu o rosto como fizera da outra vez. Em vez disso foi at a janela; precisava de ar fresco. "Que homem perverso, cruel, miservel e sem escrpulos!" Enquanto murmurava isso, ela reconhecia que estava completamente nas mos dele. Nada podia fazer a no ser obedec-lo e pr seu plano em prtica, mesmo achandoque ele estava destinado a ser um desastre. Seria impossvel entrar no iate de lorde Warburton sem o conhecimento da tripulao. Mesmo que ela tentasse ficar escondida nas sombras ou em algum canto, acabariasendo descoberta. Corina foi para seu quarto. Abrindo o guarda-roupa, tirou diversos vestidos e estendeu-os sobre a cama. Lembrando-se de que o grego lhe dissera sobre escolheros trajes mais bonitos, sentiu um calafrio. Em seguida ela tocou a campainha chamando uma criada. Quando esta atendeu ao chamado, Corina recomendou-lhe que pusesse suas roupas em uma mala imediatamente. - Vai viajar senhorita? - Vou, mas no me demorarei muito. Ela disse aquilo convencida de que o plano do Sr. Thespidos falharia e ela seria obrigada a desembarcar mal o iate tivesse partido. Subitamente ocorreu-lhe que, se isso acontecesse, seu pai seria assassinado. Sufocada por um repentino terror, ela precisou manter-se calma para no gritar. Sentando-se na cama, tentou recuperar-se. Depois de algum tempo foi procurar a Srta. Davis, pois antes do almoo percebera que ela no estava nada bem. - Estarei melhor em um dia ou dois - dissera a governanta vagamente. - Costumo ter estas crises e nada pode ser feito, a no ser esperar que passem. - No seria melhor mandar chamar o mdico? - J consultei mdicos antes e eles sempre dizem a mesma coisa. E um problema de intestinos e, como sempre, ficarei tima em poucos dias. - E muito corajosa. - Descobri durante minha vida que no temos alternativa. Todos ns chegamos ao fim, mais cedo ou mais tarde. J tenho bastante idade e s no posso perder orespeito prprio. Corina inclinara-se e beijara a Srta. Davis no rosto. - Deve ensinar-me a ser corajosa tambm - dissera, sabendo que aquelas palavras no podiam ser mais verdadeiras. Enquanto caminhava para o quarto da governanta, Corina ia pensando que precisava evitar sobrecarregar a boa mulher com seus problemas. Todavia sua vontade eraabrir-se com ela e pedir-lhe uma opinio. A Srta. Davis era inteligente e de muita experincia, porm Corina achava que seria impossvel mesmo para ela encontrar uma soluo para aquele terrvel impasse. De qualquer forma no iria preocupar a governanta. Se esta soubesse realmente do que se passava e se Corina no voltasse imediatamente de Folkestone, a Srta.Davis poderia at sucumbir. "Preciso ser bastante corajosa e manter minha boca fechada." Chegando ao quarto da governanta, ela disse: - Como voc no est bem, irei passar uns dias na casa de uma amiga. Voc ter a oportunidade de descansar e minha volta estar curada. - uma atitude sensata - aprovou a governanta. - A mudana s lhe far bem; esta manh achei-a um pouco plida. "No de admirar", pensou Corina. Ela estivera acordada praticamente a noite toda, aborrecida com o resultado de sua visita ao lorde Warburton e preocupada com o destino do pai. - Agora vou para meu quarto cuidar da bagagem - disse Corina, achando que no deveria dar chances para a Srta. Davis fazer mais perguntas. - Naturalmente vireidar-lhe boa-noite. - Leve seus vestidos mais lindos, Corina, quem sabe conhecer um jovem e encantador Romeu! A governanta costumava fazer aquele tipo de brincadeira, uma vez que havia poucos homens atraentes na redondeza. Esforando-se, Corina esboou um sorriso. - Nunca se sabe! Ela voltou para seu quarto pensando no Sr. Thespidos com horror e apreensiva em relao lorde Warburton. Se fosse descoberta no iate depois que j se achassem em alto mar, o encontro com ele seria extremamente desagradvel. Aquele homem devia ser assustador quandozangado. No entanto lorde Warburton no a amedrontou da mesma forma que o Sr. Thespidos. Era diferente; sendo um homem importante e msculo, ele a faria sentir-se pequena,insignificante e completamente imbecil. "Estou sendo imbecil mesmo!", disse a si mesma. "Se eu fosse realmente inteligente, iria a Londres ver o ministro do exterior e lhe pediria que salvasse papai." Isso, ela sabia, levaria tempo. E ningum tinha conhecimento do lugar onde o Sr. Thespidos escondera seu pai. "Se eu falasse com o ministro, tenho certeza de que ele entraria em contato com a polcia militar de Atenas, a qual saberia o que fazer." Ento algo lhe disse que o Sr. Thespidos era esperto demais e conseguiria escapar da polcia e no hesitaria em matar seu prisioneiro. Outra alternativa seriadeix-lo morrer de fome, sem que ningum descobrisse onde ele estava escondido. "Tenho que fazer exatamente o que me mandaram", ela pensou desesperada. Coruja esperava no hall. s nove horas, pontualmente, o Sr. Thespidos chegou em uma carruagem puxada por dois cavalos. Ele no perdeu tempo cumprimentando Corina polidamente; ento ela desceu depressa os degraus, indo ao encontro dele. Bates abriu a porta da carruagem, ela entrou, enquanto sua bagagem era colocada na parte de trs do veculo e amarrada. - Divirta-se, Srta. Corina! - disse Bates com ar paternal. - Cuidarei de tudo na sua ausncia. - Tenho certeza disso, Bates. Espero estar logo de volta. A carruagem partiu, Corina acomodou-se no assento, ficando o mais distante possvel do grego, tendo, porm, notado que nos lbios dele havia um sorriso de satisfao. Dirigiu a ele apenas um olhar rpido, pois a simples presena dele na carruagem dava-lhe nuseas. "Odeio este homem! Odeio-o!" Depois de uma hora a carruagem parou em um entroncamento da estrada de ferro, onde eles poderiam pegar o trem para Folkestone. Corina ficou feliz em viajar de primeira classe e no em um vago particular; assim estariam entre outros passageiros e ela no ficaria a ss com aquele gregohorrvel. Preferiu sentar-se ao lado de um cavalheiro j idoso que dormiu a maior parte do tempo. O Sr. Thespidos sentou-se sua frente e permaneceu em silncio. Enquanto procurava distrair-se olhando pela janela, Corina podia sentir o olhar do grego incidindo sobre ela, o que muito a desgostava. Depois de algum tempo ela abriu o jornal mesmo sem vontade de ler. Havia comprado o jornal na estao pensando em ter com que se ocupar durante a viagem. Comele aberto, o Sr. Thespidos no podia v-la; atrs do jornal s aparecia o alto do seu chapu. O almoo foi servido aos passageiros por um garom trajando palet branco. Corina comeu muito pouco, no sentia o sabor da comida e parecia que estava engolindo serragem. Para seu alvio o Sr. Thespidos adormeceu logo aps a refeio. Analisando-o, Corina achou-o ainda mais repulsivo em repouso do que acordado. Suas feies eram grosseiras, no pareciam, de forma alguma, as de um grego. Sua pele era cheia de marcas, denotando que ele tivera varola quando jovem. Todas as linhas do seu rosto eram duras, emprestando-lhe aquele ar de crueldade. Sem o brilho dos seus olhos astutos e calculistas, o Sr. Thespidos mostrava bem suas rugas, parecendo mais velho do que a princpio aparentara. O melhor, porm, era no pensar naquele homem detestvel, ainda que estivesse sentado sua frente. Corina passou a concentrar-se no amor que sentia por seu pai. Ele devia estar muito preocupado com ela, sabendo o quanto sofria por causa dele; tambm deviaestar ciente de que sua filha faria o possvel para salv-lo. Se pelo menos pudesse falar com ele, ambos encontrariam uma soluo. Como isso era impossvel, nada restava a fazer seno rezar e acreditar que Deus, de algumaforma, a ajudaria. Quando o trem estava chegando a Folkestone, o Sr. Thespidos acordou e disse com alegria: - Agora, comea a aventura! Se voc fosse homem, estaria entusiasmada s em pensar no que teremos pela frente! - Infelizmente sou uma mulher! - Voc quer dizer que se fosse homem usaria de fora para obrigar-me a dizer tudo o que deseja saber. Sem responder, Corina simplesmente ficou olhando pela janela at o trem parar na estao. Dando ordens rispidamente, o Sr. Thespidos retirou a bagagem de Corina do vago de carga. Um homem veio ao encontro deles e cumprimentou o Sr. Thespidos respeitosamente. Corina achou que ele trabalhava para o grego. - Est tudo arranjado? - perguntou o Sr. Thespidos em sua lngua nativa. - Sim, senhor, conforme ordenou. Corina entendeu a conversa porque desde pequena aprendeu grego moderno com seu pai. Ela tambm sabia um pouco de grego antigo que o pai lia fluentemente. Sir Priam traduziu com freqncia as odes de Pndaro e as peas de Sfocles para que a filha pudesse apreci-las. Entretanto, Corina no deu qualquer demonstrao aos dois homens que podia entender o que eles falavam. Talvez, por algum milagre, pudesse descobrir algumacoisa sobre seu pai; quem sabe eles mencionariam o lugar onde o mantinham prisioneiro. Uma carruagem esperava por eles em frente estao. O Sr. Thespidos e Corina entraram nela e o homem que estivera conversando com o grego sentou-se ao ladodo cocheiro para ensinar-lhe o caminho. Em pouco tempo deixaram as ruas largas do centro da cidade e dirigiram-se para o porto. Corina permanecia em silncio, imaginando o que o Sr. Thespidos iriafazer. Parecia-lhe impossvel escond-la no iate luz do dia. Haveria, certamente, tripulantes por toda parte. A carruagem parou em frente a um grande prdio, no cais. O homem que estava na bolia ao lado do cocheiro desceu e abriu a porta, ajudando Corina a sair dacarruagem. O prdio parecia desabitado e o Sr. Thespidos tirou uma chave do bolso, abrindo com ela a porta da frente. O homem mais jovem entrou primeiro, sendo seguido pelo Sr. Thespidos, que nem pediu licena a Corina, a ltima a entrar. O cmodo era iluminado apenas por uma janela no alto de uma das paredes. Corina podia ver que eles caminhavam por um longo corredor; logo chegaram a uma escada,que subiram at o primeiro patamar. Ali o homem que ia frente acendeu um lampio que lhes iluminou o caminho. O Sr. Thespidos foi o primeiro a entrar em um cmodo que Corina observou tratar-se de um escritrio. S ento percebeu que estava em um dos armazns do caise ali naquele primeiro andar via um escritrio muitssimo bem montado. O tapete sobre o soalho era bem grosso e sobre ele estava uma escrivaninha, Uma das paredes acomodava um grande nmero de arquivos; havia ainda ali algumascadeiras, duas poltronas e um sof revestido de couro. O homem que segurava o lampio colocou este sobre a escrivaninha e saiu do escritrio, voltando minutos depois com a mala de Corina. Depois de colocar a mala ao lado da porta, ele ficou parado, obviamente aguardando ordens. - Procurou o que lhe pedi? - perguntou o Sr. Thespidos, falando em grego novamente. - Sim, senhor. Est l embaixo. - Ento v buscar. Quero que a Srta. Melville o veja. O homem desapareceu e o Sr. Thespidos tirou o chapu e o casaco, dizendo rispidamente: - Tambm deve ficar vontade. Ficaremos aqui at que o dia amanhea. - Gostaria de saber o que est planejando. Era impossvel conversarmos no trem, mas, agora que estamos sozinhos, eu queria saber o que pretende. Detesto ficarna ignorncia. - Vou mostrar-lhe. Enquanto falava ele foi at a porta e ouviu o outro homem subindo vagarosamente a escada. Ele entrou no escritrio trazendo um grande caixote de embalagem. Vendo-o, Corina no escondeu seu espanto e, numa voz sumida e estranha, perguntou: - ... Nisso que pretende me pr... Para chegar ao iate? - Sabia que era uma garota inteligente! Na verdade, vai sentir-se muito confortvel nesse caixote. Ele abriu a tampa do caixote e Corina viu que o mesmo era todo forrado com tecido de colcho e por baixo do pano havia um enchimento muito macio. Corina ia dizer que ficaria sufocada ali dentro, porm o Sr. Thespidos foi logo dizendo, como se adivinhasse o que ela pensava: - Poder respirar perfeitamente. Faremos buracos na tampa e nos lados do caixote. Voc estar muito confortvel; assim que trazemos as cargas muito preciosasda Grcia! Pelo modo como falou, Corina teve certeza de que ele negociava com as antigidades preciosssimas que alegara anteriormente pertencerem ao seu pas. No restava dvidas de que ele queria descobrir o que seu pai o lorde Warburton estavam procurando, simplesmente para se apossar da descoberta e vend-la porum preo astronmico na Inglaterra ou em outro pas da Europa. Colocando-a no caixote de embalagem, os tripulantes do iate de lorde Warburton iriam pensar que aquele caixote era parte da bagagem de sua senhoria. Lorde Warburton nem iria perceber que ela est a bordo. O plano era inteligente e demonstrava do que a mente do Sr. Thespidos era capaz. Quando o iate estivesse bem distante da Inglaterra, Corina poderia revelar-se e lorde Warburton seria forado a lev-la at Crisa, onde ela poderia encontrarseu pai. Tudo isso passou pela cabea de Corina enquanto ela olhava para aquele caixote. Depois olhou de relance para o Sr. Thespidos e notou que ele estivera observando-a. - No vai me dizer que sou bem esperto? - ele perguntou em tom irnico. - Achei uma idia terrvel! - Corina gritou. - E se ningum descobrir onde estou? Morrerei de fome ou sufocada! - No me subestime - disse o Sr. Thespidos, satisfeito. - Naturalmente j pensei nisso. H um trinco do lado de dentro que, com uma leve presso apenas, vocpoder abri-lo quando estiver pronta para revelar-se. Corina sentiu um repentino calafrio de medo. Aterrorizava-a a idia de estar fechada em um caixote, deixada merc de um homem que j se recusara a ajud-la. - Por favor... No posso fazer isso! Deixe-me ver lorde Warburton quando ele chegar ao iate. Suplicarei mais uma vez que ele me leve como sua convidada. - E se ele se recusar novamente? No havia resposta para essa pergunta e o Sr. Thespidos prosseguiu: - Tenho meus planos e voc deve admitir que so muito inteligentes. Estar confortvel e no precisa ter medo de nada, pois poder libertar-se a qualquer momentoque desejar. Pense apenas que logo ver seu pai e ambos ficaro muito felizes! - Jura mesmo, por tudo que considera mais... Sagrado, que eu verei meu pai assim que eu chegar Grcia? - No momento que me entregar lorde Warburton, no terei qualquer interesse pelo seu pai. O tom do Sr. Thespidos deveria tranqilizar Corina, mas, ao contrrio, deixou-a inquieta, pois ele mencionou o nome de lorde Warburton de um modo horrvel,como se o abocanhasse. O grego parecia exultar diante da possibilidade de ter um homem to importante e to rico em suas garras. Corina, porm, disse a si mesma que no devia pensarnisso; s seu pai a interessava. Olhou mais uma vez para o caixote destampado que parecia estar abrindo a boca para ela ali do assoalho; um calafrio percorreu-lhe toda a coluna vertebral. Caminhou at o sof e sentou-se; o Sr. Thespidos dirigiu-se ao outro homem, chamando-o pelo nome: - Paul, leve o caixote para baixo e faa nele os buracos, conforme j o orientei: quatro de cada lado sero suficientes. Convm deixar o estofamento um poucomais alto. Devemos certificar-nos de que a lady fique bem confortvel! Desta vez ele falou em ingls para que Corina pudesse entender. Depois fez questo de repetir tudo em grego. Paul apanhou o caixote e desceu vagarosamente as escadas. - H um banheiro depois daquela porto - disse o Sr. Thespidos indicando o lugar. - Depois de comermos qualquer coisa, aconselho-a a descansar neste sof. Anoite passar mais depressa se Voc dormir. Ele falou de modo casual, parecendo no estar nada preocupado com ela. A vontade de Corina era responder que no conseguiria dormir estando to amedrontadacom o que iria acontecer dentro de algumas horas. Sabia, porm que seria um erro ficar trocando palavras com um homem como aquele. Decidiu ir ao banheiro esperando que ali houvesse um espelho para arrumar o cabelo e uma pia para lavar as mos. Quando voltou ao escritrio viu o Sr. Thespidosescrevendo, sentado escrivaninha. Ele havia tirado o casaco, o colete e achava-se em mangas de camisa, tendo os suspensrios sobre os ombros. Corina achou que era muita grosseria da parte deletrat-la como uma pessoa sem a menor importncia. Mas no disse nada. Assim que ela sentou-se no sof, Paul voltou com uma bandeja com comida. Corina achou que no era das mais apetitosas, mas resolveu comer um pouco, pois precisavamanter suas foras. Alm da salada, comeu uma poro de carne fria e aceitou um copo de vinho grego que o Sr. Thespidos lhe ofereceu. Depois de experimentar o vinho, no gostoudo forte sabor de resina do mesmo e deixou o copo de lado, pedindo um pouco de gua. O Sr. Thespidos riu e disse: - Se vai ficar no meu pas por algum tempo, ter que se acostumar com o sabor de nossos vinhos! Ele zombava dela e sua vontade era responder-lhe que desejava ver seu pai salvo e sair da Grcia o mais cedo que pudesse. No entanto, ficou calada e continuoucomendo sem a menor vontade, achando tudo ruim, preocupada apenas em preservar suas foras. O Sr. Thespidos, ao contrrio, comia com apetite e tomou quase todo ovinho. Depois da refeio, ele disse: - Agora devemos nos acomodar e dormir; no gostaria que eu lhe desse um beijo de boa-noite? Corina ficou rgida, mas achou que seria indigno de sua parte dar uma resposta. O grego riu e ela pensou, apavorada, no que poderia fazer se ele tentasse toc-la. Como se soubesse o que ela estava pensando, ele disse: - Voc est completamente segura. Tenho um lema na vida que diz: "Negcios primeiro", e amanh voc precisar estar muito ativa e perfeitamente senhora de si. Corina continuou a esforar-se para permanecer em silncio. Paul havia trazido para cima travesseiros, cobertores e uma cama de armar. Depois de tirar os sapatos Corina deitou-se no sof e fechou os olhos assim que ps a cabea no travesseiro. Ela sabia que o Sr. Thespidos a olhava de mododesagradvel, mas teve certeza de que ele dissera a verdade quando mencionara que os negcios vinham em primeiro lugar. Ele no seria tolo de assust-la, pois sabiaque ela poderia arruinar todos os seus planos. Corina ouviu-o andando pelo escritrio at que, finalmente, a cama porttil rangeu, o lampio apagou-se e ela pde relaxar um pouco. Somente quando ouviu osroncos do grego sentiu-se realmente segura. Na escurido, comeou a rezar com toda a sua devoo e desespero, pedindo por socorro. O futuro a aterrorizava. Todavia, acalentava a esperana de que, por mais zangado que lorde Warburton pudesse ficar com ela, seria prefervel suportar sua ira a estar perto do Sr. Thespidos. Como no havia dormido na noite anterior, Corina mergulhou numa sonolncia confusa, um torpor no qual seus pensamentos e sonhos se mesclavam sem proporcionar-lhea bno de um sono reparador. Corina acordou com o barulho dos passos de Paul, que subia as escadas. A porta abriu e ele disse em grego: - J so cinco e meia, sir. Mais um ronco colossal e o Sr. Thespidos acordou. Antes que ele dissesse qualquer coisa, Corina levantou-se e foi ao banheiro, tendo o cuidado de fechar a porta. Lavou o rosto e as mos, penteou-se e achou desnecessrio colocar o chapu. Quando voltou ao escritrio, o Sr. Thespidos j havia vestido o colete e estava s voltas com a gravata que havia tirado para dormir. - H um lanche sobre a minha escrivaninha - ele disse assim que a viu. - E melhor comer tudo, pois poder ficar muito tempo sem ter qualquer tipo de alimentao. Era um conselho muito sensato e Corina apenas se ressentiu do modo como ele falava. Aproximando-se da escrivaninha ela viu po, manteiga, uma grande fatia de queijo e, para seu alvio, um bulinho com caf. Quando comeou a servir-se do caf,viu que no havia muito e perguntou: - S h uma xcara de caf. No quer um pouco? - No, tome tudo. Depois que voc estiver a bordo, farei meu desjejum. - Como sabe que eles... Iro me aceitar? - Deixe esse assunto por minha conta. Tenho inteligncia demais nesta cabea - ele respondeu, olhando-a de soslaio. Corina tomou o caf e obrigou-se a comer o mximo que pudesse; felizmente o po estava fresquinho. Ela teve vontade, de sugerir ao Sr. Thespidos que a deixasse levar um pouco de alimento no caixote, mas convenceu-se de que se ele no havia pensado nisso,certamente teria suas razes. O Sr. Thespidos vestiu o palet e consultou o relgio. - Temos que nos preparar. Acabe seu caf e ir sentir-se melhor. Corina achou que ele tinha razo e bebeu depressa o que restava na xcara e ainda serviu-se de mais um pouco que sobrara no bulinho. Quando mexia o caf para misturar bem o acar, comeou a sentir-se estranha. O cmodo parecia estar girando ao seu redor. Ao estender a mo para segurar-se na beirada da escrivaninha, ficou tateando e seu corpo parecia no obedec-la. Tentou ento perguntar o que estava acontecendo, mas as palavras no lhe chegaram aos lbios. Uma escurido subiu do assoalho e a envolveu.

CAPTULO QUATRO

Lorde Warburton deixou sua casa extremamente animado, e ao despedir-se de Charles, este disse: - Fao votos que encontre sua Afrodite bem depressa, rion, ou ento abandone de vez esta perseguio e volte para casa. H muito que fazer aqui, especialmentecom seus cavalos. - No momento estou tentando ganhar um prmio muito mais valioso do que qualquer um que possa conseguir com meus cavalos. - Eu me sentiria mais feliz se a sua Afrodite fosse de carne e osso e se o visse perseguindo-a pelo mundo todo. - Nesse caso eu no voltaria para casa d