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João Cabral de Melo Neto João Cabral de Melo Neto A Linguagem Objeto

João Cabral de Melo Neto

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A Linguagem da ModernidadeJoão Cabral de Melo NetoE.E. Prof. Dr. Oswaldo S, SoaresProf. Ana Paula R. de Oliveira3ºs anos de 2011

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João Cabral de Melo NetoJoão Cabral de Melo Neto

A Linguagem Objeto

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" Poderia a linguagem de um poema não apenas se referir a um objeto, mas imitá" Poderia a linguagem de um poema não apenas se referir a um objeto, mas imitá--lo, sugerilo, sugeri--lo,a ponto de nós sentilo,a ponto de nós senti--los no próprio poema?los no próprio poema?Essa era uma das preocupações de João Cabral de Melo Neto; poeta que também se Essa era uma das preocupações de João Cabral de Melo Neto; poeta que também se inspirou em problemas sociais do Nordeste, por temas relacionados à arte e ao futebol. "inspirou em problemas sociais do Nordeste, por temas relacionados à arte e ao futebol. "

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ÍndiceÍndiceIntroduçãoIntroduçãoBiografiaBiografiaPoemas e ObrasPoemas e ObrasCuriosidadesCuriosidadesVamos aprender mais um pouco?Vamos aprender mais um pouco?ConclusãoConclusãoBibliografiaBibliografia

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Foram reunidas nessa obra um pouco da vida do grande poeta da Foram reunidas nessa obra um pouco da vida do grande poeta da Terceira Fase do Modernismo João Cabral de Melo Neto Terceira Fase do Modernismo João Cabral de Melo Neto (1920(1920-- 1999). 1999). Vida que foi para João Cabral uma bonita e ao Vida que foi para João Cabral uma bonita e ao mesmo tempo sofrida obra de engenharia poética, como mesmo tempo sofrida obra de engenharia poética, como demonstrou no seu inesquecíveldemonstrou no seu inesquecível Morte e Vida Severina.Morte e Vida Severina.

Aos 79 anos, apagaAos 79 anos, apaga--se a voz de significação universal, com a se a voz de significação universal, com a singularidade do seu verso, tantas vezes lembrado para a glória singularidade do seu verso, tantas vezes lembrado para a glória do Prêmio Nobel de Literatura.do Prêmio Nobel de Literatura.

Como lembrança se mantém a convicção de que foi ele um dos Como lembrança se mantém a convicção de que foi ele um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos maiores poetas brasileiros de todos os tempos -- o poeta da o poeta da razão razão -- que jamais esqueceu, mesmo nos 40 anos de vida que jamais esqueceu, mesmo nos 40 anos de vida diplomática, as suas raízes pernambucanas. O homem que diplomática, as suas raízes pernambucanas. O homem que soube desenhar em versos cálidos a saga do retirante soube desenhar em versos cálidos a saga do retirante nordestino, quando ainda não havia passado dos 35 anos de nordestino, quando ainda não havia passado dos 35 anos de idade.idade.

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João Cabral de Melo NetoJoão Cabral de Melo Neto nasceu na cidade de Recife nasceu na cidade de Recife -- PE, no dia 09 de janeiro de 1920. Primo,PE, no dia 09 de janeiro de 1920. Primo, pelo lado pelo lado paterno, depaterno, de Manuel BandeiraManuel Bandeira e, pelo lado materno, de e, pelo lado materno, de Gilberto FreyreGilberto Freyre.. Passa a infância em engenhos de Passa a infância em engenhos de açúcar.açúcar. Primeiro no Poço do Aleixo, em São Lourenço da Mata, e depois nos engenhos Pacoval e Dois Primeiro no Poço do Aleixo, em São Lourenço da Mata, e depois nos engenhos Pacoval e Dois Irmãos, no município de Moreno.Em 1930, com a mudança da família para Recife, inicia o curso primário no Irmãos, no município de Moreno.Em 1930, com a mudança da família para Recife, inicia o curso primário no Colégio Marista.Colégio Marista. João CabralJoão Cabral era um amante do futebol, tendo sido campeão juvenil pelo Santa Cruz era um amante do futebol, tendo sido campeão juvenil pelo Santa Cruz Futebol Clube em 1935.Foi na Associação Comercial de Pernambuco, em 1937, que obteve seu primeiro Futebol Clube em 1935.Foi na Associação Comercial de Pernambuco, em 1937, que obteve seu primeiro emprego, tendo depois trabalhado no Departamento de Estatística do Estado.emprego, tendo depois trabalhado no Departamento de Estatística do Estado.Já com 18 anos, começa a freqüentar a roda literária do Café Lafayette, que se reúne em volta deJá com 18 anos, começa a freqüentar a roda literária do Café Lafayette, que se reúne em volta de Willy Willy LewinLewin e do pintor Vicente do Rego Monteiro, que regressara de Paris por causa da guerra.e do pintor Vicente do Rego Monteiro, que regressara de Paris por causa da guerra. Em 1940 viaja Em 1940 viaja com a família para o Rio de Janeiro, onde conhececom a família para o Rio de Janeiro, onde conhece Murilo Mendes.Murilo Mendes. EsseEsse o apresenta a Carlos Drummond de o apresenta a Carlos Drummond de Andrade e ao círculo de intelectuais que se reunia no consultório deAndrade e ao círculo de intelectuais que se reunia no consultório de Jorge de LimaJorge de Lima. . No ano seguinte, participa do Congresso de Poesia do Recife, ocasião em que apresenta suasNo ano seguinte, participa do Congresso de Poesia do Recife, ocasião em que apresenta suasConsiderações Considerações sobre o poeta dormindo.sobre o poeta dormindo.Em 1942 marca a publicação de seu primeiro livro,Em 1942 marca a publicação de seu primeiro livro, Pedra do SonoPedra do Sono ,em que é nítida a influência de Carlos ,em que é nítida a influência de Carlos Drummond de Andrade e de Murilo MendesDrummond de Andrade e de Murilo Mendes.. Em novembro viaja, por terra, para o Rio de Em novembro viaja, por terra, para o Rio de Janeiro.Janeiro. Convocado para servir àConvocado para servir à Força Expedicionária Brasileira (FEB), é dispensado por motivo de saúde. Força Expedicionária Brasileira (FEB), é dispensado por motivo de saúde. Mas permanece no Rio, sendo aprovado em concurso e nomeado Assistente de Seleção do DASP Mas permanece no Rio, sendo aprovado em concurso e nomeado Assistente de Seleção do DASP (Departamento de Administração do Serviço Público).(Departamento de Administração do Serviço Público). Freqüenta, então, os intelectuais que se reuniam no Freqüenta, então, os intelectuais que se reuniam no Café Amarelinho e Café Vermelhinho, no Centro do Rio de Janeiro.Café Amarelinho e Café Vermelhinho, no Centro do Rio de Janeiro. PublicaPublica Os três malOs três mal--amadosamadosnana Revista do Revista do Brasil.Brasil.O engenheiroO engenheiro é publicado em 1945, em edição custeada poré publicado em 1945, em edição custeada por Augusto Frederico Schmidt.Augusto Frederico Schmidt. Faz concurso para a Faz concurso para a carreira diplomática, para a qual é nomeado em dezembro.carreira diplomática, para a qual é nomeado em dezembro. Começa a trabalhar em 1946, no Departamento Começa a trabalhar em 1946, no Departamento Cultural do Itamaraty, depois no Departamento Político e, posteriormente, na comissão de Organismos Cultural do Itamaraty, depois no Departamento Político e, posteriormente, na comissão de Organismos Internacionais.Internacionais. Em fevereiro, casaEm fevereiro, casa--se com Stella Maria Barbosa de Oliveira, no Rio de Janeiro.se com Stella Maria Barbosa de Oliveira, no Rio de Janeiro. Em dezembro, Em dezembro, nasce seu primeiro filho, Rodrigo.É removido, em 1947, para o Consulado Geral em Barcelona, como vicenasce seu primeiro filho, Rodrigo.É removido, em 1947, para o Consulado Geral em Barcelona, como vice--cônsul.cônsul. Adquire uma pequena tipografia artesanal, com a qual publica livros de poetas brasileiros e Adquire uma pequena tipografia artesanal, com a qual publica livros de poetas brasileiros e espanhóis.espanhóis. Nessa prensa manual imprimeNessa prensa manual imprime Psicologia da composição.Psicologia da composição.Nos dois anos seguintes ganha dois filhos: Inês e Luiz, respectivamente.Nos dois anos seguintes ganha dois filhos: Inês e Luiz, respectivamente. Residindo na Catalunha, escreve Residindo na Catalunha, escreve seu ensaio sobreseu ensaio sobre Joan Miró,Joan Miró,cujo estúdio freqüenta.cujo estúdio freqüenta. MiróMiró faz publicar o ensaio com texto em português, com faz publicar o ensaio com texto em português, com suas primeiras gravuras em madeira. suas primeiras gravuras em madeira.

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Removido para o Consulado Geral em Londres, em 1950, publicaRemovido para o Consulado Geral em Londres, em 1950, publica O cão sem plumas.O cão sem plumas. Dois anos depois retorna Dois anos depois retorna ao Brasil para responder por inquérito onde é acusado de subversão. Escreve o livroao Brasil para responder por inquérito onde é acusado de subversão. Escreve o livro O rioO rio, em 1953, com o , em 1953, com o qual recebe o Prêmio José de Anchieta do IV Centenário de São Paulo (em 1954). qual recebe o Prêmio José de Anchieta do IV Centenário de São Paulo (em 1954). É colocado em disponibilidade pelo Itamaraty, sem rendimentos, enquanto responde ao inquérito, período É colocado em disponibilidade pelo Itamaraty, sem rendimentos, enquanto responde ao inquérito, período em que trabalha como secretário de redação do Jornalem que trabalha como secretário de redação do Jornal A VanguardaA Vanguarda, dirigido por, dirigido por JoelJoel SilveiraSilveira.. Arquivado o Arquivado o inquérito policial, a pedido do promotor público, vai para Pernambuco com a família.inquérito policial, a pedido do promotor público, vai para Pernambuco com a família.Lá, é recebido em sessão solene pela Câmara Municipal do Recife.Em 1954 é convidado a participar do Lá, é recebido em sessão solene pela Câmara Municipal do Recife.Em 1954 é convidado a participar do Congresso Internacional de Escritores, em São Paulo.Congresso Internacional de Escritores, em São Paulo. Participa também do Congresso Brasileiro de Poesia, Participa também do Congresso Brasileiro de Poesia, reunido na mesma época. A Editora Orfeu publica seusreunido na mesma época. A Editora Orfeu publica seus Poemas Reunidos.Poemas Reunidos. Reintegrado à carreira diplomática Reintegrado à carreira diplomática pelo Supremo Tribunal Federal, passa a trabalhar no Departamento Cultural do Itamaraty.Duas alegrias em pelo Supremo Tribunal Federal, passa a trabalhar no Departamento Cultural do Itamaraty.Duas alegrias em 1955: o nascimento de sua filha Isabel e o recebimento do Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de 1955: o nascimento de sua filha Isabel e o recebimento do Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras. A Editora José Olympio publica, em 1956,Letras. A Editora José Olympio publica, em 1956, Duas águasDuas águas, volume que reúne seus livros anteriores e os , volume que reúne seus livros anteriores e os inéditos:inéditos: Morte e vida severina, Paisagens com figurasMorte e vida severina, Paisagens com figuras ee Uma faca só lâmina.Uma faca só lâmina.Removido para Barcelona, como Removido para Barcelona, como cônsul adjunto, vai com a missão de fazer pesquisas históricas no Arquivo das Índias de Sevilha, onde passa cônsul adjunto, vai com a missão de fazer pesquisas históricas no Arquivo das Índias de Sevilha, onde passa a residir.a residir.

Em 1958 é removido para o Consulado Geral em Marselha.Em 1958 é removido para o Consulado Geral em Marselha. Recebe o prêmio de melhor autor no Festival de Recebe o prêmio de melhor autor no Festival de Teatro do Estudante, realizado no Recife.Teatro do Estudante, realizado no Recife. Publica em Lisboa seu livroPublica em Lisboa seu livro QuadernaQuaderna, em 1960., em 1960. É removido para É removido para Madri, como primeiro secretário da embaixada.Madri, como primeiro secretário da embaixada. Publica, em Madri,Publica, em Madri, Dois parlamentos.Dois parlamentos.Em 1961 é nomeado chefe de gabinete do ministro da Agricultura, Romero Cabral da Costa, e passa a residir Em 1961 é nomeado chefe de gabinete do ministro da Agricultura, Romero Cabral da Costa, e passa a residir em Brasília.em Brasília. Com o fim do governoCom o fim do governo Jânio QuadrosJânio Quadros, poucos meses depois, é removido outra vez para a , poucos meses depois, é removido outra vez para a embaixada em Madri.embaixada em Madri. A Editora do Autor, deA Editora do Autor, de Rubem BragaRubem Braga ee Fernando Sabino,Fernando Sabino, publica publica Terceira feira,Terceira feira, livro livro que reúneque reúne Quaderna, Dois parlamentos,Quaderna, Dois parlamentos, ainda inéditos no Brasil, e um novo livro:ainda inéditos no Brasil, e um novo livro: Serial. Com a mudança do Serial. Com a mudança do consulado brasileiro de Cádiz para Sevilha,consulado brasileiro de Cádiz para Sevilha, João Cabral João Cabral mudamuda--se para essa cidade, onde reside pela se para essa cidade, onde reside pela segunda vez.segunda vez. Continuando seu vaiContinuando seu vai--ee--vem pelo mundo, em 1964 é removido como conselheiro para a vem pelo mundo, em 1964 é removido como conselheiro para a Delegação do Brasil junto às Nações Unidas, em Genebra.Delegação do Brasil junto às Nações Unidas, em Genebra. Nesse ano nasce seu quinto filho, João.Nesse ano nasce seu quinto filho, João.Como ministro conselheiro, em 1966, mudaComo ministro conselheiro, em 1966, muda--se para Berna.se para Berna. O Teatro da Universidade Católica de São Paulo O Teatro da Universidade Católica de São Paulo produz o autoproduz o auto Morte e Vida Severina, com música de Chico Buarque de Holanda, primeiro encenado em Morte e Vida Severina, com música de Chico Buarque de Holanda, primeiro encenado em várias cidades brasileiras e depois no Festival de Nancy, no Théatre des Nations, em Paris e, posteriormente, várias cidades brasileiras e depois no Festival de Nancy, no Théatre des Nations, em Paris e, posteriormente, em Lisboa, Coimbra e Porto.em Lisboa, Coimbra e Porto. Em Nancy recebe o prêmio de Melhor Autor Vivo do Festival.Em Nancy recebe o prêmio de Melhor Autor Vivo do Festival. PublicaPublica A A educação pela pedra,educação pela pedra, que recebe os prêmios Jabuti; da União de Escritores de São Paulo; Luisa Cláudio de que recebe os prêmios Jabuti; da União de Escritores de São Paulo; Luisa Cláudio de Souza, do Pen Club; e o prêmio do Instituto Nacional do Livro.Souza, do Pen Club; e o prêmio do Instituto Nacional do Livro. É designado pelo Itamaraty para representar É designado pelo Itamaraty para representar o Brasil na Bienal de Knocko Brasil na Bienal de Knock--lele--Zontew, na Bélgica.Zontew, na Bélgica.

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Em 1967 marca sua volta a Barcelona, como cônsul geral.Em 1967 marca sua volta a Barcelona, como cônsul geral. No ano seguinte é publicada a primeira edição No ano seguinte é publicada a primeira edição dede Poesias completas.Poesias completas. É eleito, em 15 de agosto de 1968,É eleito, em 15 de agosto de 1968, para apara a Academia Brasileira de LetrasAcademia Brasileira de Letras na vaga na vaga dede AssisAssis Chateaubriand.Chateaubriand. É recebido em sessão solene pela Assembléia Legislativa de Pernambuco como É recebido em sessão solene pela Assembléia Legislativa de Pernambuco como membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT). Toma posse na membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT). Toma posse na Academia em 06 de maio de 1969, na cadeira número 6, sendo recebido por José Américo de Academia em 06 de maio de 1969, na cadeira número 6, sendo recebido por José Américo de Almeida.Almeida. AA Companhia Paulo AutranCompanhia Paulo Autran encena Morte e vida Severinaencena Morte e vida Severina em diversas cidades do Brasil.em diversas cidades do Brasil. É removido É removido para a embaixada de Assunção, no Paraguai, como ministro conselheiro.para a embaixada de Assunção, no Paraguai, como ministro conselheiro. TornaTorna--se membro da Hispania se membro da Hispania Society of America e recebe a comenda da Ordem de Mérito Pernambucano.Society of America e recebe a comenda da Ordem de Mérito Pernambucano.Após três anos em Assunção, é nomeado embaixador em Dacar, no Senegal, cargo que exerce Após três anos em Assunção, é nomeado embaixador em Dacar, no Senegal, cargo que exerce cumulativamente com o de embaixador da Mauritânia, no Mali e na Ginécumulativamente com o de embaixador da Mauritânia, no Mali e na Giné--Conakry.Conakry.Em 1974 é agraciado com a GrãEm 1974 é agraciado com a Grã--Cruz da Ordem de Rio Branco. No ano seguinte publicaCruz da Ordem de Rio Branco. No ano seguinte publica Museu de Tudo,Museu de Tudo, que que recebe o Grande Prêmio de Crítica da Associação Paulista de Críticos de Arte.recebe o Grande Prêmio de Crítica da Associação Paulista de Críticos de Arte. É agraciado com a Medalha de É agraciado com a Medalha de Humanidades do Nordeste. Em 1976 é condecorado Grande Oficial da Ordem do Mérito do Senegal e, em Humanidades do Nordeste. Em 1976 é condecorado Grande Oficial da Ordem do Mérito do Senegal e, em 1979, como Grande Oficial da Ordem do Leão do Senegal. É nomeado embaixador em Quito, Equador e 1979, como Grande Oficial da Ordem do Leão do Senegal. É nomeado embaixador em Quito, Equador e publicapublica A escola das facas.A escola das facas.A convite do governador de Pernambuco, vai a Recife (em 1980) para fazer o discurso inaugural da Ordem A convite do governador de Pernambuco, vai a Recife (em 1980) para fazer o discurso inaugural da Ordem do Mérito de Guararapes, sendo condecorado com a Grãdo Mérito de Guararapes, sendo condecorado com a Grã--Cruz da Ordem.Cruz da Ordem. Ali é inaugurada uma exposição Ali é inaugurada uma exposição bibliográfica de sua obra, no Palácio do Governo de Pernambuco, organizada por Zila Mamede.bibliográfica de sua obra, no Palácio do Governo de Pernambuco, organizada por Zila Mamede. Recebe a Recebe a Comenda do Mérito Aeronáutico e a GrãComenda do Mérito Aeronáutico e a Grã--Cruz do Equador.Cruz do Equador.No ano seguinte vai para Honduras, como embaixador.No ano seguinte vai para Honduras, como embaixador. Publica a antologia Poesia crítica.Publica a antologia Poesia crítica. Em 1982 é Em 1982 é agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Vai para Vai para a cidade do Porto, em Portugal, como cônsul geral.a cidade do Porto, em Portugal, como cônsul geral. Recebe o Prêmio Golfinho de Ouro do Estado do Rio de Recebe o Prêmio Golfinho de Ouro do Estado do Rio de Janeiro.Janeiro. PublicaPublica Auto do frade, escrito em Tegucigalpa. Auto do frade, escrito em Tegucigalpa. Ganha o Prêmio Moinho Recife, em 1984 e, no ano seguinte, publica os poemas deGanha o Prêmio Moinho Recife, em 1984 e, no ano seguinte, publica os poemas de Agrestes.Agrestes. Nesse livro há Nesse livro há uma sessão dedicada à morte ("A indesejada das gentes").uma sessão dedicada à morte ("A indesejada das gentes"). Em 1986 é agraciado com o título de Doutor Em 1986 é agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco. Sua esposa, Stella Maria, falece no Rio de Honoris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco. Sua esposa, Stella Maria, falece no Rio de Janeiro.Janeiro. João CabralJoão Cabral reassume o Consulado Geral no Porto.reassume o Consulado Geral no Porto. CasaCasa--se em segundas núpcias com a se em segundas núpcias com a poetapoeta Marly de Oliveira.Marly de Oliveira.Em 1987 publicaEm 1987 publica Crime na Calle Relator,Crime na Calle Relator, poemas narrativos.poemas narrativos. Recebe o prêmio da União Brasileira de Recebe o prêmio da União Brasileira de Escritores. É removido para o Rio de Janeiro.Escritores. É removido para o Rio de Janeiro.Em Recife, no ano de 1988, lança sua antologiaEm Recife, no ano de 1988, lança sua antologia Poemas pernambucanos. Publica, também, o segundo Poemas pernambucanos. Publica, também, o segundo volume de poesias completas:volume de poesias completas: Museu de tudo e depois.Museu de tudo e depois. Recebe o Prêmio da Bienal Nestlé de Literatura peloRecebe o Prêmio da Bienal Nestlé de Literatura pelo

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conjunto da obra, e o Prêmio Lily de Carvalho da ABCL, Rio de Janeiro. Aposentaconjunto da obra, e o Prêmio Lily de Carvalho da ABCL, Rio de Janeiro. Aposenta--se como embaixador em 1990 e se como embaixador em 1990 e publicapublica Sevilha andando.Sevilha andando. É eleito para a Academia Pernambucana de Letras, da qual havia recebido, anos É eleito para a Academia Pernambucana de Letras, da qual havia recebido, anos antes, a medalha Carneiro Vilela.antes, a medalha Carneiro Vilela. Recebe os seguintes prêmios: Criadores de Cultura da Prefeitura do Recife, Recebe os seguintes prêmios: Criadores de Cultura da Prefeitura do Recife, Luis de Camões (concedido conjuntamente pelos governos de Portugal e do Brasil), em Lisboa.Luis de Camões (concedido conjuntamente pelos governos de Portugal e do Brasil), em Lisboa. É É condecorado com a Grãcondecorado com a Grã--Cruz da Ordem do Mérito Judiciário e do Trabalho. A Faculdade Letras da Cruz da Ordem do Mérito Judiciário e do Trabalho. A Faculdade Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro publicaUniversidade Federal do Rio de Janeiro publica Primeiros Poemas.Primeiros Poemas.Outros prêmios: Pedro Nava (1991) pelo livroOutros prêmios: Pedro Nava (1991) pelo livro Sevilha andando;Sevilha andando; Casa das Américas, concedido pelo Estado de Casa das Américas, concedido pelo Estado de São Paulo (1992); e também nesse ano o Neustadt International Prize for Literature, da Universidade de São Paulo (1992); e também nesse ano o Neustadt International Prize for Literature, da Universidade de Oklahoma. Viaja a Sevilha para representar o presidente da República nas comemorações do dia 7 de Oklahoma. Viaja a Sevilha para representar o presidente da República nas comemorações do dia 7 de Setembro, que tiveram lugar na Exposição do IV Centenário da Descoberta da América.Setembro, que tiveram lugar na Exposição do IV Centenário da Descoberta da América. No Pavilhão do No Pavilhão do Brasil, foi distribuída sua antologiaPoemas sevilhanos, em edição especial.Brasil, foi distribuída sua antologiaPoemas sevilhanos, em edição especial. No Rio de Janeiro, na Casa da No Rio de Janeiro, na Casa da Espanha, recebe do embaixador espanhol a GrãEspanha, recebe do embaixador espanhol a Grã--Cruz da Ordem de Isabel, a Católica.Cruz da Ordem de Isabel, a Católica.Em 1993 recebe o Prêmio Jabuti, instituído pela Câmara Brasileira do Livro.Em 1993 recebe o Prêmio Jabuti, instituído pela Câmara Brasileira do Livro.

João CabralJoão Cabral era atormentado por uma dor de cabeça que não o deixava de forma alguma.era atormentado por uma dor de cabeça que não o deixava de forma alguma. Ao saber que sofria Ao saber que sofria de uma doença degenerativa incurável, que faria sua visão desaparecer aos poucos, o poeta anunciou que ia de uma doença degenerativa incurável, que faria sua visão desaparecer aos poucos, o poeta anunciou que ia parar de escrever.parar de escrever. Já em 1990, com a finalidade de ajudáJá em 1990, com a finalidade de ajudá--lo a vencer os males físicos e a depressão,lo a vencer os males físicos e a depressão, Marly, Marly, sua segunda esposa, passa a escrever alguns textos tidos como de autoria do biografado.sua segunda esposa, passa a escrever alguns textos tidos como de autoria do biografado. Conforme Conforme declarações de amigos,declarações de amigos, escreveu o discurso de agradecimento feito pelo autor ao receber o Prêmio Luis de escreveu o discurso de agradecimento feito pelo autor ao receber o Prêmio Luis de Camões, considerado o mais importante prêmio concedido a escritores da língua portuguesa, entre outros. Camões, considerado o mais importante prêmio concedido a escritores da língua portuguesa, entre outros. Foi a forma encontrada para tentar tiráFoi a forma encontrada para tentar tirá--lo do estado depressivo em que se encontrava.lo do estado depressivo em que se encontrava. Como não admirava a Como não admirava a música, o autor foi perdendo também a vontade de falar ("Não tenho muito o que dizer", argumentava).música, o autor foi perdendo também a vontade de falar ("Não tenho muito o que dizer", argumentava). Era, Era, sem dúvida, o nosso mais forte concorrente ao prêmio Nobel, com diversas indicações dos mais variados sem dúvida, o nosso mais forte concorrente ao prêmio Nobel, com diversas indicações dos mais variados segmentos de nossa sociedade. segmentos de nossa sociedade. Quando preparava aQuando preparava a Cabraliana, que foi o seu primeiro audiolivro, foram ouvidas fantásticas histórias da vida Cabraliana, que foi o seu primeiro audiolivro, foram ouvidas fantásticas histórias da vida diplomática, especialmente dos tempos de Portugal, Espanha e Marrocos, além de nele reconhecer um diplomática, especialmente dos tempos de Portugal, Espanha e Marrocos, além de nele reconhecer um orgulho especial pela família, parente que foi de grandes escritores brasileiros, como Gilberto Freyre, Manuel orgulho especial pela família, parente que foi de grandes escritores brasileiros, como Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Mauro Mota e Antônio de Moraes e Silva, o famoso Moraes do Dicionário de Língua Portuguesa. Bandeira, Mauro Mota e Antônio de Moraes e Silva, o famoso Moraes do Dicionário de Língua Portuguesa. Parece que era herdeiro, no seu jeito tão humilde e cativante, de uma genética literária originalíssima.Parece que era herdeiro, no seu jeito tão humilde e cativante, de uma genética literária originalíssima.

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Transcrevemos abaixo o discurso proferido porTranscrevemos abaixo o discurso proferido por Arnaldo Niskier, presidente da Academia Brasileira de Letras, por Arnaldo Niskier, presidente da Academia Brasileira de Letras, por ocasião da morte do poeta, em 09/10/1999:ocasião da morte do poeta, em 09/10/1999:

"Adeus a João Cabral""Adeus a João Cabral""Severino retirante,"Severino retirante,

deixe agora que lhe diga:deixe agora que lhe diga:eu não sei bem a respostaeu não sei bem a resposta

da pergunta que fazia,da pergunta que fazia,se não vale mais saltarse não vale mais saltarfora da ponte e da vida;fora da ponte e da vida;

nem conheço essa resposta,nem conheço essa resposta,se quer mesmo que lhe diga;se quer mesmo que lhe diga;

é difícil defender,é difícil defender,só com palavras, a vida,só com palavras, a vida,ainda mais quando ela éainda mais quando ela éesta que vê, Severina;esta que vê, Severina;

mas se responder não pudemas se responder não pudeà pergunta que faziaà pergunta que fazia

ela, a vida, a respondeuela, a vida, a respondeucom sua presença viva."com sua presença viva."

João Cabral, o poeta João, é o mesmo que escreveu aos 22 anos o livroJoão Cabral, o poeta João, é o mesmo que escreveu aos 22 anos o livro Pedra do Sono, para depois nos brindar, Pedra do Sono, para depois nos brindar, entre outros, comentre outros, com O engenheiro,O engenheiro, O cão sem plumas,O cão sem plumas, Poesias completas,Poesias completas, A educação pela pedraA educação pela pedra e o e o antológicoantológico Morte e Vida Severina, com versões no teatro e na mídia eletrônica. Morte e Vida Severina, com versões no teatro e na mídia eletrônica. FechamFecham--se os olhos cansados do poeta João e não conseguiu realizar o sonho que agora desvendamos: ver se os olhos cansados do poeta João e não conseguiu realizar o sonho que agora desvendamos: ver o América Futebol Clube voltar aos seus dias de glória. Nem do Rio, nem aquele que era a sua verdadeira o América Futebol Clube voltar aos seus dias de glória. Nem do Rio, nem aquele que era a sua verdadeira paixão: o América do Recife.paixão: o América do Recife.

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Morte e Vida SeverinaMorte e Vida Severina(Auto de Natal Pernambucano)

(1954-1955)

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O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUE É E A QUE VAIO RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUE É E A QUE VAI

-- O meu nome é Severino,O meu nome é Severino,não tenho outro de pia.não tenho outro de pia.Como há muitos Severinos,Como há muitos Severinos,que é santo de romaria,que é santo de romaria,deram então de me chamarderam então de me chamarSeverino de Maria;Severino de Maria;como há muitos Severinoscomo há muitos Severinoscom mães chamadas Maria;com mães chamadas Maria;fiquei sendo o da Mariafiquei sendo o da Mariado finado Zacarias.do finado Zacarias.Mas isso ainda diz pouco:Mas isso ainda diz pouco:há muitos na freguesia,há muitos na freguesia,por causa de um coronelpor causa de um coronelque se chamou Zacariasque se chamou Zacariase que foi o mais antigoe que foi o mais antigosenhor desta sesmaria.senhor desta sesmaria.Como então dizer quem falaComo então dizer quem falaora a Vossas Senhorias?ora a Vossas Senhorias?Vejamos: é o SeverinoVejamos: é o Severinoda Maria do Zacarias,da Maria do Zacarias,lá da Serra da Costela,lá da Serra da Costela,limites da Paraíba.limites da Paraíba.Mas isso ainda diz pouco:Mas isso ainda diz pouco:se ao menos mais cinco havia se ao menos mais cinco havia com nome de Severinocom nome de Severinofilhos de tantas Mariasfilhos de tantas Mariasmulheres de tantos outros, já finados Zacarias,mulheres de tantos outros, já finados Zacarias,vivendo na mesma serra vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia.magra e ossuda em que eu vivia.Somos muitos SeverinosSomos muitos Severinosiguais em tudo na vida:iguais em tudo na vida:

na mesma cabeça grandena mesma cabeça grandeque a custo é que se equilibra,que a custo é que se equilibra,no mesmo ventre crescidono mesmo ventre crescidosobre as mesmas pernas finas,sobre as mesmas pernas finas,e iguais também porque o sangue e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta.que usamos tem pouca tinta.E se somos Severinos E se somos Severinos iguais em tudo na vida,iguais em tudo na vida,morremos de morte igual,morremos de morte igual,mesma morte severina:mesma morte severina:que é a morte que se morreque é a morte que se morrede velhice antes dos trinta,de velhice antes dos trinta,de emboscada antes dos vinte,de emboscada antes dos vinte,de fome um pouco por diade fome um pouco por dia(de fraqueza e de doença(de fraqueza e de doençaé que a morte severinaé que a morte severinaataca em qualquer idade,ataca em qualquer idade,e até gente não nascida).e até gente não nascida).Somos muitos SeverinosSomos muitos Severinosiguais em tudo e na sina:iguais em tudo e na sina:a de abrandar estas pedrasa de abrandar estas pedrassuandosuando--se muito em cima,se muito em cima,a de tentar despertar a de tentar despertar terra sempre mais extinta,terra sempre mais extinta,a de querer arrancara de querer arrancaralgum roçado da cinza.algum roçado da cinza.Mas, para que me conheçamMas, para que me conheçammelhor Vossas Senhoriasmelhor Vossas Senhoriase melhor possam seguire melhor possam seguira história de minha vida,a história de minha vida,passo a ser Severinopasso a ser Severinoque em vossa presença emigra.que em vossa presença emigra.

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ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA REDE,AOS GRITOS DE :”Ó IRMÃO DAS ALMAS! IRMÃOS DAS REDE,AOS GRITOS DE :”Ó IRMÃO DAS ALMAS! IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI EU QUE MATEI NÃO!”ALMAS! NÃO FUI EU QUE MATEI NÃO!”

-- A quem está carregando,A quem está carregando,irmãos das almas,irmãos das almas,embrulhado nessa rede?embrulhado nessa rede?dizei que eu sabia?dizei que eu sabia?-- A um defunto de nada,A um defunto de nada,irmão das almas,irmão das almas,que há muitas horas viajaque há muitas horas viajaà sua morada.à sua morada.-- E sabeis quem era ele,E sabeis quem era ele,irmãos das almas,irmãos das almas,sabeis como ele se chamasabeis como ele se chamaou se chamava?ou se chamava?-- Severino Lavrador,Severino Lavrador,irmão das almas,irmão das almas,Severino Lavrador,Severino Lavrador,mas já não lavra.mas já não lavra.-- E de onde que o estais trazendo,E de onde que o estais trazendo,irmãos das almas,irmãos das almas,onde foi que começou onde foi que começou vossa jornada?vossa jornada?-- Onde a Caatinga é mais seca,Onde a Caatinga é mais seca,irmão das almas,irmão das almas,onde uma terra que não dáonde uma terra que não dánem planta brava.nem planta brava.

-- E foi morrida essa morte,E foi morrida essa morte,irmãos das almas,irmãos das almas,essa foi morte morridaessa foi morte morridaou foi matada?ou foi matada?-- Até que não foi morrida,Até que não foi morrida,irmão das almas,irmão das almas,esta foi morte matada,esta foi morte matada,numa emboscada.numa emboscada.-- E o que guardava a emboscada,E o que guardava a emboscada,irmãos das almas,irmãos das almas,e com que foi que mataram,e com que foi que mataram,com faca ou bala?com faca ou bala?--Este foi morto de bala,Este foi morto de bala,irmão das almas,irmão das almas,mais garantido é de bala,mais garantido é de bala,mais longe vara.mais longe vara.-- E quem foi que emboscou,E quem foi que emboscou,irmãos das almas,irmãos das almas,quem contra ele soltouquem contra ele soltouessa aveessa ave--bala?bala?-- Ali é difícil dizer,Ali é difícil dizer,irmão das almas,irmão das almas,sempre há uma bala voandosempre há uma bala voandodesocupada.desocupada.-- E o que havia ele feito,E o que havia ele feito,irmãos das almas,irmãos das almas,

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e o que havia ele feitoe o que havia ele feitocontra tal pássara?contra tal pássara?-- Ter uns hectares de terra,Ter uns hectares de terra,irmão das almas,irmão das almas,de pedra e areia lavadade pedra e areia lavadaque cultivava.que cultivava.-- Mas que roças que ele tinha,Mas que roças que ele tinha,irmãos das almas,irmãos das almas,que podia ele plantarque podia ele plantarna pedra avara?na pedra avara?-- Nos magros lábios de areia,Nos magros lábios de areia,irmão das almas,irmão das almas,dos intervalos das pedrasdos intervalos das pedrasplantava palha.plantava palha.-- E era grande sua lavoura,E era grande sua lavoura,irmãos das almas,irmãos das almas,lavoura de muitas covas,lavoura de muitas covas,tão cobiçada?tão cobiçada?-- Tinha somente dez quadras,Tinha somente dez quadras,irmãos das almas,irmãos das almas,todas nos ombros da serra,todas nos ombros da serra,nenhuma várzea.nenhuma várzea.-- Mas então porque o mataram,Mas então porque o mataram,irmãos das almas,irmãos das almas,mas então porque o matarammas então porque o mataramcom espingarda?com espingarda?-- Queria mais espalharQueria mais espalhar--se,se,

irmão das almas,irmão das almas,queria voar mas livrequeria voar mas livreessa aveessa ave--bala.bala.-- E agora o que passará,E agora o que passará,irmãos das almas,irmãos das almas,o que é que aconteceráo que é que acontecerácontra a espingarda?contra a espingarda?-- Mais campo tem para soltar,Mais campo tem para soltar,irmão das almas,irmão das almas,tem mais onde fazer voartem mais onde fazer voaras filhasas filhas--balas.balas.-- E onde o levais a enterrar,E onde o levais a enterrar,irmãos das almas,irmãos das almas,com a semente do chumbocom a semente do chumboque tem guardada?que tem guardada?-- Ao cemitério de Torres,Ao cemitério de Torres,irmão das almas,irmão das almas,que hoje se diz Toritama,que hoje se diz Toritama,de madrugada.de madrugada.-- E poderei ajudar,E poderei ajudar,irmãos das almas?irmãos das almas?Vou passar por Toritama,Vou passar por Toritama,é minha estrada.é minha estrada.-- Bem que poderá ajudar,Bem que poderá ajudar,irmão das almas,irmão das almas,é irmão das almas quem houveé irmão das almas quem houvenossa chamada.nossa chamada.

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-- E um de nós pode voltar,E um de nós pode voltar,irmão das almas,irmão das almas,pode voltar daqui mesmopode voltar daqui mesmopara sua casa.para sua casa.-- Vou eu, que a viagem é longa,Vou eu, que a viagem é longa,irmãos das almas,irmãos das almas,é muito longa a viagemé muito longa a viageme a serra é alta.e a serra é alta.-- Mais sorte tem o defunto,Mais sorte tem o defunto,irmãos das almas,irmãos das almas,pois já não fará na voltapois já não fará na voltaa caminhada.a caminhada.-- Toritama não cai longe,Toritama não cai longe,irmão das almas,irmão das almas,seremos no campo santoseremos no campo santode madrugada.de madrugada.-- Partamos enquanto é noite,Partamos enquanto é noite,irmão das almas,irmão das almas,que é o melhor lençol dos mortosque é o melhor lençol dos mortosnoite fechada.noite fechada.

OO RETIRANTE TEM MEDO DE SE EXTRAVIAR PORQUE SEU GUIA, RETIRANTE TEM MEDO DE SE EXTRAVIAR PORQUE SEU GUIA,

O RIO O RIO CCAPIBARIBE,CORTOU COM O VERÃOAPIBARIBE,CORTOU COM O VERÃO

-- Antes de sair de casaAntes de sair de casaaprendi a ladainhaaprendi a ladainhadas vilas que vou passardas vilas que vou passarna minha longe descida.na minha longe descida.

Sei que há muitas vilas grandes,Sei que há muitas vilas grandes,cidades que elas são ditas;cidades que elas são ditas;sei que há simples arruados,sei que há simples arruados,sei que há vilas pequeninassei que há vilas pequeninastodas formando um rosáriotodas formando um rosáriocujas contas fossem vilas,cujas contas fossem vilas,todas formando um rosáriotodas formando um rosáriode que a estrada fosse a linha.de que a estrada fosse a linha.Devo rezar tal rosárioDevo rezar tal rosárioaté o mar onde termina,até o mar onde termina,saltando de conta em conta,saltando de conta em conta,passando de vila em vila.passando de vila em vila.Vejo agora: não é fácilVejo agora: não é fácilseguir essa ladainha;seguir essa ladainha;entre uma conta e outra conta,entre uma conta e outra conta,entre uma e outra aveentre uma e outra ave--maria,maria,há certas paragens brancas,há certas paragens brancas,de planta e bicho vazias,de planta e bicho vazias,vazias até de donos,vazias até de donos,e onde o pé se descaminha.e onde o pé se descaminha.Não desejo emaranharNão desejo emaranharo fio de minha linhao fio de minha linhanem que se enrede no pelonem que se enrede no pelohirsuto desta caatinga.hirsuto desta caatinga.Pensei que seguindo o rioPensei que seguindo o rioeu amais me perderia:eu amais me perderia:ele é o caminho mais certo,ele é o caminho mais certo,

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de todos o melhor guia.de todos o melhor guia.Mas como seguiMas como segui--lo agoralo agoraque interrompeu a descida?que interrompeu a descida?Vejo que o Capibaribe,Vejo que o Capibaribe,como os rios lá de cima,como os rios lá de cima,é tão pobre que nem sempreé tão pobre que nem semprepode cumprir sua sinapode cumprir sua sinae no verão também corta, e no verão também corta, com pernas que não caminham.com pernas que não caminham.Tenho de saber agoraTenho de saber agoraqual a verdadeira viaqual a verdadeira viaentre essas que escancaradasentre essas que escancaradasfrente a mim se multiplicam.frente a mim se multiplicam.Mas não vejo almas aqui,Mas não vejo almas aqui,nem almas mortas nem vivas;nem almas mortas nem vivas;ouço somente à distânciaouço somente à distânciao que parece cantoria.o que parece cantoria.Será novena de santo,Será novena de santo,será algum mês de Maria;será algum mês de Maria;quem sabe até se uma festaquem sabe até se uma festaou uma dança não seria?ou uma dança não seria?

NNA CASA A QUE O RETIRANTE CHEGA ESTÃO CANTANDO A CASA A QUE O RETIRANTE CHEGA ESTÃO CANTANDO EXCELÊNCIAS PARA UM DEFUNTO, ENQUANTO UM HOMEM, DO EXCELÊNCIAS PARA UM DEFUNTO, ENQUANTO UM HOMEM, DO

LADO DE FORA, VAI PARODIANDO AS PALAVRAS DOS LADO DE FORA, VAI PARODIANDO AS PALAVRAS DOS CANTADORESCANTADORES

-- Finado Severino,Finado Severino,quando passares em Jordãoquando passares em Jordãoe os demônios te atalhareme os demônios te atalharemperguntando o que é que levas...perguntando o que é que levas...--Dize que levas cera,Dize que levas cera,capuz e cordãocapuz e cordãomais a Virgem da Conceição.mais a Virgem da Conceição.--Finado SeverinoFinado Severinoetc...etc...-- Dizes que levas somenteDizes que levas somentecoisas de não:coisas de não:fome, sede, privação.fome, sede, privação.-- Finado SeverinoFinado Severinoetc...etc...-- Dizes que coisas de não,Dizes que coisas de não,ocas ,ocas , leves:leves:como o caixão, que ainda deves.como o caixão, que ainda deves.--Uma excelênciaUma excelênciadizendo que a hora é hora.dizendo que a hora é hora.--Ajunta os carregadores,Ajunta os carregadores,que o corpo quer ir embora.que o corpo quer ir embora.-- Duas excelências...Duas excelências...--...dizendo é a hora da plantação....dizendo é a hora da plantação.--Ajunta os carregadores...Ajunta os carregadores...-- ... que a terra vai colher a mão.... que a terra vai colher a mão.

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CCANSADO DA VIAGEM O RETIRANTE PENSA INTERROMPÊANSADO DA VIAGEM O RETIRANTE PENSA INTERROMPÊ--LA POR LA POR UNS INSTANTES E PROCURAR TRABALHO ALI ONDE SE UNS INSTANTES E PROCURAR TRABALHO ALI ONDE SE

ENCONTRAENCONTRA

-- Desde que estou retirandoDesde que estou retirandosó a morte vejo ativa,só a morte vejo ativa,só a morte depareisó a morte depareie às vezes até festiva;e às vezes até festiva;só a morte tem encontradosó a morte tem encontradoquem pensava encontrar vida,quem pensava encontrar vida,e pouco que não foi mortee pouco que não foi mortefoi de vida severinafoi de vida severina(aquela vida que é menos(aquela vida que é menosvivida que defendida,vivida que defendida,e é ainda mais severinae é ainda mais severinapara o homem que retira).para o homem que retira).Penso agora: mas por quePenso agora: mas por queparar aqui e não podiaparar aqui e não podiae como Capibaribee como Capibaribeinterromper minha linha?interromper minha linha?Ao menos até que as águasAo menos até que as águasde uma próxima inverniade uma próxima inverniame levem direto ao marme levem direto ao marao refazer sua rotina?ao refazer sua rotina?Na verdade,por uns tempos,Na verdade,por uns tempos,para aqui eu bem podiapara aqui eu bem podiae retomar a viageme retomar a viagemquando vencesse a fadiga.quando vencesse a fadiga.

Ou será que aqui cortandoOu será que aqui cortandoagora minha descidaagora minha descidajá não poderei seguirjá não poderei seguirnunca mais em minha vida?nunca mais em minha vida?(será que a água destes poços(será que a água destes poçosé toda aqui consumidaé toda aqui consumidapelas roças, pelos bichos,pelas roças, pelos bichos,pelo sol com suas línguas?pelo sol com suas línguas?será que quando chegarserá que quando chegaro rio da nova inverniao rio da nova inverniaum resto de água no antigoum resto de água no antigosobrará nos poços ainda?)sobrará nos poços ainda?)Mas isso depois verei:Mas isso depois verei:tempo há para que decida;tempo há para que decida;primeiro é preciso acharprimeiro é preciso acharum trabalho de que viva.um trabalho de que viva.Vejo uma mulher na janela,Vejo uma mulher na janela,ali, que se não é rica,ali, que se não é rica,parece remediadaparece remediadaou dona de sua vida:ou dona de sua vida:vou saber se de trabalhovou saber se de trabalhopoderá me dar notícia. poderá me dar notícia. DIRIGEDIRIGE--SE À MULHER NA JANELA QUE DEPOIS DESCOBRE SE À MULHER NA JANELA QUE DEPOIS DESCOBRE

TRATARTRATAR--SE DE QUEM SE SABERÁSE DE QUEM SE SABERÁ

—— Muito bom dia, senhora,Muito bom dia, senhora,que nessa janela está;que nessa janela está;sabe dizer se é possívelsabe dizer se é possível

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aalgum trabalho encontrar?lgum trabalho encontrar?—— Trabalho aqui nunca faltaTrabalho aqui nunca faltaa quem sabe trabalhar;a quem sabe trabalhar;o que fazia o compadreo que fazia o compadrena sua terra de lá?na sua terra de lá?—— Pois fui sempre lavrador,Pois fui sempre lavrador,lavrador de terra má;lavrador de terra má;não há espécie de terranão há espécie de terraque eu não possa cultivar.que eu não possa cultivar.—— Isso aqui de nada adianta,Isso aqui de nada adianta,pouco existe o que lavrar;pouco existe o que lavrar;mas digamas diga--me, retirante,me, retirante,que mais fazia por lá?que mais fazia por lá?—— Também lá na minha terraTambém lá na minha terrade terra mesmo pouco há;de terra mesmo pouco há;mas até a calva da pedramas até a calva da pedrasintosinto--me capaz de arar.me capaz de arar.—— Também de pouco adianta,Também de pouco adianta,nem pedra há aqui que amassar;nem pedra há aqui que amassar;digadiga--me ainda, compadre,me ainda, compadre,que mais fazia por lá?que mais fazia por lá?—— Conheço todas as roçasConheço todas as roçasque nesta chã podem dar:que nesta chã podem dar:o algodão, a mamona,o algodão, a mamona,a pita, o milho, o caroá.a pita, o milho, o caroá.—— Esses roçados o bancoEsses roçados o bancojá não quer financiar;já não quer financiar;

mas digamas diga--me, retirante,me, retirante,o que mais fazia lá?o que mais fazia lá?—— Melhor do que eu ninguémMelhor do que eu ninguémsei combater, quiçá,sei combater, quiçá,tanta planta de rapinatanta planta de rapinaque tenho visto por cá.que tenho visto por cá.—— Essas plantas de rapinaEssas plantas de rapinasão tudo o que a terra dá;são tudo o que a terra dá;digadiga--me ainda, compadre;me ainda, compadre;que mais fazia por lá?que mais fazia por lá?—— Tirei mandioca de chãsTirei mandioca de chãsque o vento vive a esfolarque o vento vive a esfolare de outras escalavradase de outras escalavradaspela seca faca solar.pela seca faca solar.—— Isto aqui não é VitóriaIsto aqui não é Vitórianem é Glória do Goitá;nem é Glória do Goitá;e além da terra, me diga,e além da terra, me diga,que mais sabe trabalhar? que mais sabe trabalhar? —— Sei também tratar de gado,Sei também tratar de gado,entre urtigas pastorear:entre urtigas pastorear:gado de comer do chãogado de comer do chãoou de comer ramas no ar.ou de comer ramas no ar.—— Aqui não é Surubimnem Aqui não é Surubimnem Limoeiro, oxalá!Limoeiro, oxalá!mas digamas diga--me, retirante,me, retirante,que mais fazia por lá?que mais fazia por lá?

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—— Em qualquer das cinco tachasEm qualquer das cinco tachasde um banguê sei cozinhar;de um banguê sei cozinhar;sei cuidar de uma moenda,sei cuidar de uma moenda,de uma casa de purgar.de uma casa de purgar.—— Com a vinda das usinasCom a vinda das usinashá poucos engenhos já;há poucos engenhos já;nada mais o retirantenada mais o retiranteaprendeu a fazer lá?aprendeu a fazer lá?—— Ali ninguém aprendeuAli ninguém aprendeuoutro ofício, ou aprenderá:outro ofício, ou aprenderá:mas o sol, de sol a sol,mas o sol, de sol a sol,bem se aprende a suportar.bem se aprende a suportar.—— Mas isso então será tudoMas isso então será tudoem que sabe trabalhar?em que sabe trabalhar?vamos, diga, retirante,vamos, diga, retirante,outras coisas saberá.outras coisas saberá.—— Deseja mesmo saberDeseja mesmo sabero que eu fazia por lá?o que eu fazia por lá?comer quando havia o quêcomer quando havia o quêe, havendo ou não, trabalhar.e, havendo ou não, trabalhar.—— Essa vida por aquiEssa vida por aquié coisa familiar;é coisa familiar;mas digamas diga--me retirante,me retirante,sabe benditos rezar?sabe benditos rezar?Sabe cantar excelências,Sabe cantar excelências,defuntos encomendar?defuntos encomendar?

Sabe tirar ladainhas,Sabe tirar ladainhas,sabe mortos enterrar?sabe mortos enterrar?—— Já velei muitos defuntos,Já velei muitos defuntos,na serra é coisa vulgar;na serra é coisa vulgar;mas nunca aprendi as rezasmas nunca aprendi as rezassei somente acompanhar.sei somente acompanhar.—— Pois se o compadre soubessePois se o compadre soubesserezar ou mesmo cantar,rezar ou mesmo cantar,trabalhávamos a meias,trabalhávamos a meias,que a freguesia bem dá.que a freguesia bem dá.—— Agora se me permiteAgora se me permiteminha vez de perguntar:minha vez de perguntar:como senhora, comadre,como senhora, comadre,pode manter o seu lar?pode manter o seu lar?—— Vou explicar rapidamente,Vou explicar rapidamente,logo compreenderá:logo compreenderá:como aqui a morte é tanta,como aqui a morte é tanta,vivo de a morte ajudar.vivo de a morte ajudar.—— E ainda se me permiteE ainda se me permiteque volte a perguntar:que volte a perguntar:é aqui uma profissãoé aqui uma profissãotrabalho tão singular?trabalho tão singular?—— É, sim, uma profissão,É, sim, uma profissão,e a melhor de quantas há:e a melhor de quantas há:sou de toda a regiãosou de toda a regiãorezadora titular.rezadora titular.—— E ainda se me permiteE ainda se me permite

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mais outra vez indagar:mais outra vez indagar:é boa essa profissãoé boa essa profissãoem que a comadre ora está?em que a comadre ora está?—— De um raio de muitas léguasDe um raio de muitas léguasvem gente aqui me chamar;vem gente aqui me chamar;a verdade é que não pudea verdade é que não pudequeixarqueixar--me ainda de azar.me ainda de azar.—— E se pela última vezE se pela última vezme permite perguntar:me permite perguntar:não existe outro trabalhonão existe outro trabalhopara mim nesse lugar?para mim nesse lugar?—— Como aqui a morte é tanta,Como aqui a morte é tanta,só é possível trabalharsó é possível trabalharnessas profissões que fazemnessas profissões que fazemda morte ofício ou bazar.da morte ofício ou bazar.Imagine que outra genteImagine que outra gentede profissão similar,de profissão similar,farmacêuticos, coveiros,farmacêuticos, coveiros,doutor de anel no anular,doutor de anel no anular,remando contra a correnteremando contra a correnteda gente que baixa ao mar,da gente que baixa ao mar,retirantes às avessas,retirantes às avessas,sobem do mar para cá. sobem do mar para cá. Só os roçados da morteSó os roçados da mortecompensam aqui cultivar,compensam aqui cultivar,e cultiváe cultivá--los é fácil:los é fácil:simples questão de plantar;simples questão de plantar;

não se precisa de limpa,não se precisa de limpa,de adubar nem de regar;de adubar nem de regar;as estiagens e as pragasas estiagens e as pragasfazemfazem--nos mais prosperar;nos mais prosperar;e dão lucro imediato;e dão lucro imediato;nem é preciso esperarnem é preciso esperarpela colheita: recebepela colheita: recebe--sese

na hora mesma de semear.na hora mesma de semear.O RETIRANTE CHEGA À ZONA DA MATA, QUE O FAZ O RETIRANTE CHEGA À ZONA DA MATA, QUE O FAZ PENSAR, OUTRA VEZ, EM INTERROMPER A VIAGEMPENSAR, OUTRA VEZ, EM INTERROMPER A VIAGEM

—— Bem me diziam que a terraBem me diziam que a terrase faz mais branda e maciase faz mais branda e maciaquando mais do litoralquando mais do litorala viagem se aproxima.a viagem se aproxima.Agora afinal chegueiAgora afinal chegueinesta terra que diziam.nesta terra que diziam.Como ela é uma terra doceComo ela é uma terra docepara os pés e para a vista.para os pés e para a vista.Os rios que correm aquiOs rios que correm aquitêm a água vitalícia.têm a água vitalícia.Cacimbas por todo lado;Cacimbas por todo lado;cavando o chão, água mina.cavando o chão, água mina.Vejo agora que é verdadeVejo agora que é verdadeo que pensei ser mentira.o que pensei ser mentira.Quem sabe se nesta terraQuem sabe se nesta terranão plantarei minha sina?não plantarei minha sina?Não tenho medo de terraNão tenho medo de terra

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(cavei pedra toda a vida),(cavei pedra toda a vida),e para quem lutou a braçoe para quem lutou a braçocontra a piçarra da Caatingacontra a piçarra da Caatingaserá fácil amansarserá fácil amansaresta aqui, tão feminina.esta aqui, tão feminina.Mas não avisto ninguém,Mas não avisto ninguém,só folhas de cana fina;só folhas de cana fina;somente ali à distânciasomente ali à distânciaaquele bueiro de usina;aquele bueiro de usina;somente naquela várzeasomente naquela várzeaum banguê velho em ruína.um banguê velho em ruína.Por onde andará a gentePor onde andará a genteque tantas canas cultiva?que tantas canas cultiva?Feriando: que nesta terraFeriando: que nesta terratão fácil, tão doce e rica,tão fácil, tão doce e rica,não é preciso trabalharnão é preciso trabalhartodas as horas do dia,todas as horas do dia,os dias todos do mês,os dias todos do mês,os meses todos da vida.os meses todos da vida.Decerto a gente daquiDecerto a gente daquijamais envelhece aos trintajamais envelhece aos trintanem sabe da morte em vida,nem sabe da morte em vida,vida em morte, severina;vida em morte, severina;e aquele cemitério ali,e aquele cemitério ali,branco na verde colina,branco na verde colina,decerto pouco funcionadecerto pouco funcionae poucas covas aninha.e poucas covas aninha.

ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E OUVE O ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO QUE DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO

CEMITÉRIOCEMITÉRIO

—— Essa cova em que estás,Essa cova em que estás,com palmos medida,com palmos medida,é a cota menoré a cota menorque tiraste em vida.que tiraste em vida.—— É de bom tamanho,É de bom tamanho,nem largo nem fundo,nem largo nem fundo,é a parte que te cabeé a parte que te cabedeste latifúndio.deste latifúndio.—— Não é cova grande,Não é cova grande,é cova medida,é cova medida,é a terra que queriasé a terra que queriasver dividida.ver dividida.—— É uma cova grandeÉ uma cova grandepara teu pouco defunto,para teu pouco defunto,mas estarás mais anchomas estarás mais anchoque estavas no mundo.que estavas no mundo.—— É uma cova grandeÉ uma cova grandepara teu defunto parco,para teu defunto parco,porém mais que no mundoporém mais que no mundote sentirás largo.te sentirás largo.—— É uma cova grandeÉ uma cova grandepara tua carne pouca,para tua carne pouca,mas a terra dadamas a terra dadanão se abre a boca.não se abre a boca.—— Viverás, e para sempre,Viverás, e para sempre,

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na terra que aqui aforas:na terra que aqui aforas:e terás enfim tua roça.e terás enfim tua roça.—— Aí ficarás para sempre,Aí ficarás para sempre,livre do sol e da chuva,livre do sol e da chuva,criando tuas saúvas.criando tuas saúvas.—— Agora trabalharásAgora trabalharássó para ti, não a meias,só para ti, não a meias,como antes em terra alheia.como antes em terra alheia.—— Trabalharás uma terraTrabalharás uma terrada qual, além de senhor,da qual, além de senhor,serás homem de eito e trator.serás homem de eito e trator.—— Trabalhando nessa terra,Trabalhando nessa terra,tu sozinho tudo empreitas:tu sozinho tudo empreitas:serás semente, adubo, colheita.serás semente, adubo, colheita.—— Trabalharás numa terraTrabalharás numa terraque também te abriga e te veste:que também te abriga e te veste:embora com o brim do Nordeste.embora com o brim do Nordeste.—— Será de terra tua derradeira camisa:Será de terra tua derradeira camisa:te veste, como nunca em vida.te veste, como nunca em vida.—— Será de terra e tua melhor camisa:Será de terra e tua melhor camisa:te veste e ninguém cobiça.te veste e ninguém cobiça.—— Terás de terraTerás de terracompleto agora o teu fato:completo agora o teu fato:e pela primeira vez, sapato.e pela primeira vez, sapato.—— Como és homem,Como és homem,a terra te dará chapéu:a terra te dará chapéu:fosses mulher, xale ou véu.fosses mulher, xale ou véu.

—— Tua roupa melhorTua roupa melhorserá de terra e não de fazenda:será de terra e não de fazenda:não se rasga nem se remenda.não se rasga nem se remenda.—— Tua roupa melhorTua roupa melhore te ficará bem cingida:e te ficará bem cingida:como roupa feita à medida.como roupa feita à medida.—— Esse chão te é bem conhecidoEsse chão te é bem conhecido(bebeu teu suor vendido).(bebeu teu suor vendido).—— Esse chão te é bem conhecidoEsse chão te é bem conhecido(bebeu o moço antigo).(bebeu o moço antigo).—— Esse chão te é bem conhecidoEsse chão te é bem conhecido(bebeu tua força de marido).(bebeu tua força de marido).—— Desse chão és bem conhecidoDesse chão és bem conhecido(através de parentes e amigos).(através de parentes e amigos).—— Desse chão és bem conhecidoDesse chão és bem conhecido(vive com tua mulher, teus filhos).(vive com tua mulher, teus filhos).—— Desse chão és bem conhecidoDesse chão és bem conhecido(te espera de recém(te espera de recém--nascido).nascido).—— Não tens mais força contigo:Não tens mais força contigo:deixadeixa--te semear ao comprido.te semear ao comprido.—— Já não levas semente viva:Já não levas semente viva:teu corpo é a própria maniva.teu corpo é a própria maniva.—— Não levas rebolo de cana:Não levas rebolo de cana:és o rebolo, e não de caiana.és o rebolo, e não de caiana.—— Não levas semente na mão:Não levas semente na mão:és agora o próprio grão.és agora o próprio grão.—— Já não tens força na perna:Já não tens força na perna:

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deixadeixa--te semear na coveta.te semear na coveta.—— Já não tens força na mão:Já não tens força na mão:deixadeixa--te semear no leirão.te semear no leirão.—— Dentro da rede não vinha nada,Dentro da rede não vinha nada,só tua espiga debulhada.só tua espiga debulhada.—— Dentro da rede vinha tudo,Dentro da rede vinha tudo,só tua espiga no sabugo.só tua espiga no sabugo.—— Dentro da rede coisa vasqueira,Dentro da rede coisa vasqueira,só a maçaroca banguela.só a maçaroca banguela.—— Dentro da rede coisa pouca,Dentro da rede coisa pouca,tua vida que deu sem soca.tua vida que deu sem soca.—— Na mão direita um rosário,Na mão direita um rosário,milho negro e ressecado.milho negro e ressecado.—— Na mão direita somenteNa mão direita somenteo rosário, seca semente.o rosário, seca semente.—— Na mão direita, de cinza,Na mão direita, de cinza,o rosário, semente maninhao rosário, semente maninha—— Na mão direita o rosário,Na mão direita o rosário,semente inerte e sem salto.semente inerte e sem salto.—— Despido vieste no caixão,Despido vieste no caixão,despido também se enterra o grão.despido também se enterra o grão.—— De tanto te despiu a privaçãoDe tanto te despiu a privaçãoque escapou de teu peito a viração.que escapou de teu peito a viração.—— Tanta coisa despiste em vidaTanta coisa despiste em vidaque fugiu de teu peito a brisa.que fugiu de teu peito a brisa.—— E agora, se abre o chão e te abriga,E agora, se abre o chão e te abriga,lençol que não tiveste em vida.lençol que não tiveste em vida.

—— Se abre o chão e te fecha,Se abre o chão e te fecha,dandodando--te agora cama e coberta.te agora cama e coberta.—— Se abre o chão e te envolve,Se abre o chão e te envolve,

como mulher com quem se dorme.como mulher com quem se dorme.O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS PASSOS PARA O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS PASSOS PARA

CHEGAR LOGO AO RECIFECHEGAR LOGO AO RECIFE

—— Nunca esperei muita coisa,Nunca esperei muita coisa,digo a Vossas Senhorias.digo a Vossas Senhorias.O que me fez retirarO que me fez retirarnão foi a grande cobiça;não foi a grande cobiça;o que apenas busqueio que apenas busqueifoi defender minha vidafoi defender minha vidade tal velhice que chegade tal velhice que chegaantes de se inteirar trinta;antes de se inteirar trinta;se na serra vivi vinte,se na serra vivi vinte,se alcancei lá tal medida,se alcancei lá tal medida,o que pensei, retirando,o que pensei, retirando,foi estendêfoi estendê--la um pouco aindala um pouco aindaMas não senti diferençaMas não senti diferençaentre o Agreste e a Caatinga,entre o Agreste e a Caatinga,e entre a Caatinga e aqui a Matae entre a Caatinga e aqui a Mataa diferença é a mais mínima.a diferença é a mais mínima.Está apenas em que a terraEstá apenas em que a terraé por aqui mais macia;é por aqui mais macia;está apenas no pavio,está apenas no pavio,ou melhor, na lamparina:ou melhor, na lamparina:pois é igual o querosenepois é igual o querosene

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que em toda parte ilumina,que em toda parte ilumina,e quer nesta terra gordae quer nesta terra gordaquer na serra, de caliça,quer na serra, de caliça,a vida arde sempre, coma vida arde sempre, coma mesma chama mortiça.a mesma chama mortiça.Agora é que compreendoAgora é que compreendoporque em paragens tão ricasporque em paragens tão ricaso rio não corta em poçoso rio não corta em poçoscomo ele faz na Caatinga:como ele faz na Caatinga:vivi a fugir dos remansosvivi a fugir dos remansosa que a paisagem o convida,a que a paisagem o convida,com medo de se detercom medo de se detergrande que seja a fadiga.grande que seja a fadiga.Sim, o melhor é apressarSim, o melhor é apressaro fim desta ladainha,o fim desta ladainha,o fim do rosário de nomeso fim do rosário de nomesque a linha do rio enfia;que a linha do rio enfia;é chegar logo ao Recife,é chegar logo ao Recife,derradeira avederradeira ave--mariamariado rosário, derradeirado rosário, derradeirainvocação da ladainha,invocação da ladainha,Recife, onde o rio someRecife, onde o rio some

e esta minha viagem se fina.e esta minha viagem se fina.

CHEGANDO AO RECIFE, O RETIRANTE SENTACHEGANDO AO RECIFE, O RETIRANTE SENTA--SE PARA SE PARA DESCANSAR AO PÉ DE UM MURO ALTO E CAIADO E OUVE, DESCANSAR AO PÉ DE UM MURO ALTO E CAIADO E OUVE,

SEM SER NOTADO, A CONVERSA DE DOIS COVEIROSSEM SER NOTADO, A CONVERSA DE DOIS COVEIROS

—— O dia de hoje está difícil;O dia de hoje está difícil;não sei onde vamos parar.não sei onde vamos parar.Deviam dar um aumento,Deviam dar um aumento,ao menos aos deste setor de cá.ao menos aos deste setor de cá.As avenidas do centro são melhores,As avenidas do centro são melhores,mas são para os protegidos:mas são para os protegidos:há sempre menos trabalhohá sempre menos trabalhoe gorjetas pelo serviço;e gorjetas pelo serviço;e é mais numeroso o pessoale é mais numeroso o pessoal(toma mais tempo enterrar os ricos).(toma mais tempo enterrar os ricos).—— Pois eu me daria por contentePois eu me daria por contentese me mandassem para cá.se me mandassem para cá.Se trabalhasses no de Casa AmarelaSe trabalhasses no de Casa Amarelanão estarias a reclamar.não estarias a reclamar.De trabalhar no de Santo AmaroDe trabalhar no de Santo Amarodeve alegrardeve alegrar--se o colegase o colegaporque parece que a genteporque parece que a genteque se enterra no de Casa Amarelaque se enterra no de Casa Amarelaestá decidida a mudarestá decidida a mudar--sesetoda para debaixo da terra.toda para debaixo da terra.—— É que o colega ainda não viuÉ que o colega ainda não viuo movimento: não é o que se vê.o movimento: não é o que se vê.FiqueFique--se por aí um momentose por aí um momentoe não tardarão a aparecere não tardarão a apareceros defuntos que ainda hojeos defuntos que ainda hojevão chegar (ou partir, não sei).vão chegar (ou partir, não sei).As avenidas do centro,As avenidas do centro,

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isto é, para o bairro dos usineiros,isto é, para o bairro dos usineiros,dos políticos, dos banqueiros,dos políticos, dos banqueiros,e no tempo antigo, dos banguezeirose no tempo antigo, dos banguezeiros(hoje estes se enterram em carneiros);(hoje estes se enterram em carneiros);bairro também dos industriais,bairro também dos industriais,dos membros das associações patronaisdos membros das associações patronaise dos que foram mais horizontaise dos que foram mais horizontaisnas profissões liberais.nas profissões liberais.Difícil é que consigasDifícil é que consigasaquele bairro, logo de saída.aquele bairro, logo de saída.—— Só pedi que me mandassemSó pedi que me mandassempara as urbanizações discretas,para as urbanizações discretas,com seus quarteirões apertados,com seus quarteirões apertados,com suas cômodas de pedra.com suas cômodas de pedra.—— Esse é o bairro dos funcionários,Esse é o bairro dos funcionários,inclusive extranumerários,inclusive extranumerários,contratados e mensalistascontratados e mensalistas(menos os tarefeiros e diaristas).(menos os tarefeiros e diaristas).Para lá vão os jornalistas,Para lá vão os jornalistas,os escritores, os artistas;os escritores, os artistas;ali vão também os bancários,ali vão também os bancários,as altas patentes dos comerciários,as altas patentes dos comerciários,os lojistas, os boticários,os lojistas, os boticários,os localizados aeroviáriosos localizados aeroviáriose os de profissões liberaise os de profissões liberaisque não se liberaram jamais.que não se liberaram jamais.—— Também um bairro dessa genteTambém um bairro dessa gente

onde se enterram os ricos,onde se enterram os ricos,são como o porto do mar:são como o porto do mar:não é muito ali o serviço:não é muito ali o serviço:no máximo um transatlânticono máximo um transatlânticochega ali cada dia,chega ali cada dia,com muita pompa, protocolo,com muita pompa, protocolo,e ainda mais cenografia.e ainda mais cenografia.Mas este setor de cáMas este setor de cáé como a estação dos trens:é como a estação dos trens:diversas vezes por diadiversas vezes por diachega o comboio de alguém.chega o comboio de alguém.—— Mas se teu setor é comparadoMas se teu setor é comparadoà estação central dos trens,à estação central dos trens,o que dizer de Casa Amarelao que dizer de Casa Amarelaonde não pára o vaivém?onde não pára o vaivém?Pode ser uma estaçãoPode ser uma estaçãomas não estação de trem:mas não estação de trem:será parada de ônibus,será parada de ônibus,com filas de mais de cem.com filas de mais de cem.—— Então por que não pedes,Então por que não pedes,já que és de carreira, e antigo,já que és de carreira, e antigo,que te mandem para Santo Amaroque te mandem para Santo Amarose achas mais leve o serviço?se achas mais leve o serviço?Não creio que te mandassemNão creio que te mandassempara as belas avenidaspara as belas avenidasonde estão os endereçosonde estão os endereçose o bairro da gente fina:e o bairro da gente fina:

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temos no de Casa Amarela:temos no de Casa Amarela:cada um em seu escaninho,cada um em seu escaninho,cada um em sua gaveta,cada um em sua gaveta,com o nome aberto na lousacom o nome aberto na lousaquase sempre em letras pretas.quase sempre em letras pretas.Raras as letras douradas,Raras as letras douradas,raras também as gorjetas.raras também as gorjetas.—— Gorjetas aqui, também,Gorjetas aqui, também,só dá mesmo a gente rica,só dá mesmo a gente rica,em cujo bairro não se podeem cujo bairro não se podetrabalhar em mangas de camisa;trabalhar em mangas de camisa;onde se exige quépionde se exige quépie farda engomada e limpa.e farda engomada e limpa.—— Mas não foi pelas gorjetas,Mas não foi pelas gorjetas,não, que vim pedir remoção:não, que vim pedir remoção:é porque tem menos trabalhoé porque tem menos trabalhoque quero vir para Santo Amaro;que quero vir para Santo Amaro;aqui ao menos há mais genteaqui ao menos há mais gentepara atender a freguesia,para atender a freguesia,para botar a caixa cheiapara botar a caixa cheiadentro da caixa vazia.dentro da caixa vazia.—— E que disse o Administrador,E que disse o Administrador,se é que te deu ouvido?se é que te deu ouvido?—— Que quando apareça a ocasiãoQue quando apareça a ocasiãoatenderá meu pedido.atenderá meu pedido.—— E do senhor AdministradorE do senhor Administradorisso foi tudo que arrancaste?isso foi tudo que arrancaste?

—— No de Casa Amarela me deixouNo de Casa Amarela me deixoumas me mudou de arrabalde.mas me mudou de arrabalde.—— E onde vais trabalhar agora,E onde vais trabalhar agora,qual o subúrbio que te cabe?qual o subúrbio que te cabe?—— Passo para o dos industriários,Passo para o dos industriários,que é também o dos ferroviários,que é também o dos ferroviários,de todos os rodoviáriosde todos os rodoviáriose praçase praças--dede--pré dos comerciários.pré dos comerciários.—— Passas para o dos operários,Passas para o dos operários,deixas o dos pobres vários;deixas o dos pobres vários;melhor: não são tão contagiososmelhor: não são tão contagiosose são muito menos numerosos.e são muito menos numerosos.—— É, deixo o subúrbio dos indigentesÉ, deixo o subúrbio dos indigentesonde se enterra toda essa genteonde se enterra toda essa genteque o rio afoga na preamarque o rio afoga na preamare sufoca na baixae sufoca na baixa--mar.mar.—— É a gente sem instituto,É a gente sem instituto,gente de braços devolutos;gente de braços devolutos;são os que jamais usam lutosão os que jamais usam lutoe se enterram sem salvoe se enterram sem salvo--conduto.conduto.—— É a gente dos enterros gratuitosÉ a gente dos enterros gratuitose dos defuntos ininterruptos.e dos defuntos ininterruptos.—— É a gente retiranteÉ a gente retiranteque vem do Sertão de longe.que vem do Sertão de longe.—— Desenrolam todo o barbanteDesenrolam todo o barbantee chegam aqui na jante.e chegam aqui na jante.

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—— E que então, ao chegar,E que então, ao chegar,não têm mais o que esperar.não têm mais o que esperar.—— Não podem continuarNão podem continuarpois têm pela frente o mar.pois têm pela frente o mar.—— Não têm onde trabalharNão têm onde trabalhare muito menos onde morar.e muito menos onde morar.—— E da maneira em que estáE da maneira em que estánão vão ter onde se enterrar.não vão ter onde se enterrar.—— Eu também, antigamente,Eu também, antigamente,fui do subúrbio dos indigentes,fui do subúrbio dos indigentes,e uma coisa noteie uma coisa noteique jamais entenderei:que jamais entenderei:essa gente do Sertãoessa gente do Sertãoque desce para o litoral, sem razão,que desce para o litoral, sem razão,fica vivendo no meio da lama,fica vivendo no meio da lama,comendo os siris que apanha;comendo os siris que apanha;pois bem: quando sua morte chega,pois bem: quando sua morte chega,temos que enterrátemos que enterrá--los em terra seca.los em terra seca.—— Na verdade, seria mais rápidoNa verdade, seria mais rápidoe também muito mais baratoe também muito mais baratoque os sacudissem de qualquer ponteque os sacudissem de qualquer pontedentro do rio e da morte.dentro do rio e da morte.—— O rio daria a mortalhaO rio daria a mortalhae até um macio caixão de água;e até um macio caixão de água;e também o acompanhamentoe também o acompanhamentoque levaria com passo lentoque levaria com passo lentodefunto ao enterro finaldefunto ao enterro final

a ser feito no mar de sal.a ser feito no mar de sal.—— E não precisava dinheiro,E não precisava dinheiro,e não precisava coveiro,e não precisava coveiro,e não precisava oraçãoe não precisava oraçãoe não precisava inscrição.e não precisava inscrição.—— Mas o que se vê não é isso:Mas o que se vê não é isso:é sempre nosso serviçoé sempre nosso serviçocrescendo mais cada dia;crescendo mais cada dia;morre gente que nem vivia.morre gente que nem vivia.—— E esse povo lá de ribaE esse povo lá de ribade Pernambuco, da Paraíba,de Pernambuco, da Paraíba,que vem buscar no Recifeque vem buscar no Recifepoder morrer de velhice,poder morrer de velhice,encontra só, aqui chegandoencontra só, aqui chegandocemitérios esperando.cemitérios esperando.—— Não é viagem o que fazem,Não é viagem o que fazem,vindo por essas caatingas, vargens;vindo por essas caatingas, vargens;aí está o seu erro:aí está o seu erro:vêm é seguindo seu próprio enterro. vêm é seguindo seu próprio enterro.

O RETIRANTE APROXIMAO RETIRANTE APROXIMA--SE DE UM DOS CAIS DO CAPIBARIBESE DE UM DOS CAIS DO CAPIBARIBE

—— Nunca esperei muita coisa, Nunca esperei muita coisa, é preciso que eu repita.é preciso que eu repita.Sabia que no rosárioSabia que no rosáriode cidade e de vilas,de cidade e de vilas,e mesmo aqui no Recifee mesmo aqui no Recifeao acabar minha descida,ao acabar minha descida,

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não seria diferentenão seria diferentea vida de cada dia:a vida de cada dia:que sempre pás e enxadasque sempre pás e enxadasfoices de corte e capina,foices de corte e capina,ferros de cova, estrovengasferros de cova, estrovengaso meu braço esperariam.o meu braço esperariam.Mas que se este não mudasseMas que se este não mudasseseu uso de toda vida,seu uso de toda vida,esperei, devo dizer,esperei, devo dizer,que ao menos aumentariaque ao menos aumentariana quartinha, a água pouca,na quartinha, a água pouca,dentro da cuia, a farinha,dentro da cuia, a farinha,o algodãozinho da camisa,o algodãozinho da camisa,ao meu aluguel com a vida.ao meu aluguel com a vida.E chegando, aprendo que,E chegando, aprendo que,nessa viagem que eu fazia,nessa viagem que eu fazia,sem saber desde o Sertão,sem saber desde o Sertão,meu próprio enterro eu seguia.meu próprio enterro eu seguia.Só que devo ter chegadoSó que devo ter chegadoadiantado de uns dias;adiantado de uns dias;o enterro espera na porta:o enterro espera na porta:o morto ainda está com vida.o morto ainda está com vida.A solução é apressarA solução é apressara morte a que se decidaa morte a que se decidae pedir a este rio,e pedir a este rio,que vem também lá de cima,que vem também lá de cima,

que me faça aquele enterroque me faça aquele enterroque o coveiro descrevia:que o coveiro descrevia:caixão macio de lama,caixão macio de lama,mortalha macia e líquida,mortalha macia e líquida,coroas de baronesacoroas de baronesajunto com flores de aninga,junto com flores de aninga,e aquele acompanhamentoe aquele acompanhamentode água que sempre desfilade água que sempre desfila(que o rio, aqui no Recife,(que o rio, aqui no Recife,não seca, vai toda a vida). não seca, vai toda a vida).

APROXIMAAPROXIMA--SE DO RETIRANTE O MORADOR DE UM DOS SE DO RETIRANTE O MORADOR DE UM DOS MOCAMBOS QUE EXISTEM ENTRE O CAIS E A ÁGUA DO RIOMOCAMBOS QUE EXISTEM ENTRE O CAIS E A ÁGUA DO RIO

—— Seu José, mestre carpina,Seu José, mestre carpina,que habita este lamaçal,que habita este lamaçal,sabes me dizer se o riosabes me dizer se o rioa esta altura dá vau?a esta altura dá vau?sabe me dizer se é fundasabe me dizer se é fundaesta água grossa e carnal?esta água grossa e carnal?—— Severino, retirante,Severino, retirante,jamais o cruzei a nado;jamais o cruzei a nado;quando a maré está cheiaquando a maré está cheiavejo passar muitos barcos,vejo passar muitos barcos,barcaças, alvarengas,barcaças, alvarengas,muitas de grande calado.muitas de grande calado.—— Seu José, mestre carpina,Seu José, mestre carpina,para cobrir corpo de homempara cobrir corpo de homemnão é preciso muito água:não é preciso muito água:

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basta que chega ao abdome,basta que chega ao abdome,basta que tenha fundurabasta que tenha funduraigual à de sua fome. igual à de sua fome. —— Severino, retirante,Severino, retirante,pois não sei o que lhe conte;pois não sei o que lhe conte;sempre que cruzo este riosempre que cruzo este riocostumo tomar a ponte;costumo tomar a ponte;quanto ao vazio do estômago,quanto ao vazio do estômago,se cruza quando se come.se cruza quando se come.—— Seu José, mestre carpina,Seu José, mestre carpina,e quando ponte não há?e quando ponte não há?quando os vazios da fomequando os vazios da fomenão se tem com que cruzar?não se tem com que cruzar?quando esses rios sem águaquando esses rios sem águasão grandes braços de mar?são grandes braços de mar?—— Severino, retirante,Severino, retirante,o meu amigo é bem moço;o meu amigo é bem moço;sei que a miséria é mar largo,sei que a miséria é mar largo,não é como qualquer poço:não é como qualquer poço:mas sei que para cruzámas sei que para cruzá--lalavale bem qualquer esforço.vale bem qualquer esforço.—— Seu José, mestre carpina,Seu José, mestre carpina,e quando é fundo o perau?e quando é fundo o perau?quando a força que morreuquando a força que morreunem tem onde se enterrar,nem tem onde se enterrar,por que ao puxão das águaspor que ao puxão das águasnão é melhor se entregar?não é melhor se entregar?

—— Severino, retirante,Severino, retirante,o mar de nossa conversao mar de nossa conversaprecisa ser combatido,precisa ser combatido,sempre, de qualquer maneira,sempre, de qualquer maneira,porque senão ele alagaporque senão ele alagae devasta a terra inteira.e devasta a terra inteira.—— Seu José, mestre carpina,Seu José, mestre carpina,e em que nos faz diferençae em que nos faz diferençaque como frieira se alastre,que como frieira se alastre,ou como rio na cheia,ou como rio na cheia,se acabamos naufragadosse acabamos naufragadosnum braço do mar miséria?num braço do mar miséria?—— Severino, retirante,Severino, retirante,muita diferença fazmuita diferença fazentre lutar com as mãosentre lutar com as mãose abandonáe abandoná--las para trás,las para trás,porque ao menos esse marporque ao menos esse marnão pode adiantarnão pode adiantar--se mais.se mais.—— Seu José, mestre carpina,Seu José, mestre carpina,e que diferença faze que diferença fazque esse oceano vazioque esse oceano vaziocresça ou não seus cabedais,cresça ou não seus cabedais,se nenhuma ponte mesmose nenhuma ponte mesmoé de vencêé de vencê--lo capaz?lo capaz?—— Seu José, mestre carpina,Seu José, mestre carpina,que lhe pergunte permita:que lhe pergunte permita:

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há muito no lamaçalhá muito no lamaçalapodrece a sua vida?apodrece a sua vida?e a vida que tem vividoe a vida que tem vividofoi sempre comprada à vista?foi sempre comprada à vista?—— Severino, retirante,Severino, retirante,sou de Nazaré da Mata,sou de Nazaré da Mata,mas tanto lá como aquimas tanto lá como aquijamais me fiaram nada:jamais me fiaram nada:a vida de cada diaa vida de cada diacada dia hei de comprácada dia hei de comprá--la.la.—— Seu José, mestre carpina,Seu José, mestre carpina,e que interesse, me diga,e que interesse, me diga,há nessa vida a retalhohá nessa vida a retalhoque é cada dia adquirida?que é cada dia adquirida?espera poder um diaespera poder um diacomprácomprá--la em grandes partidas?la em grandes partidas?—— Severino, retirante,Severino, retirante,não sei bem o que lhe diga:não sei bem o que lhe diga:não é que espere comprarnão é que espere comprarem grosso tais partidas,em grosso tais partidas,mas o que compro a retalhomas o que compro a retalhoé, de qualquer forma, vida.é, de qualquer forma, vida.—— Seu José, mestre carpina,Seu José, mestre carpina,que diferença fariaque diferença fariase em vez de continuarse em vez de continuartomasse a melhor saída:tomasse a melhor saída:a de saltar, numa noite,a de saltar, numa noite,

fora da ponte e da vida? fora da ponte e da vida?

UMA MULHER, DA PORTA DE ONDE SAIU O HOMEM, ANUNCIAUMA MULHER, DA PORTA DE ONDE SAIU O HOMEM, ANUNCIA--LHE LHE O QUE SE VERÁO QUE SE VERÁ

-- Compadre José, compadre,Compadre José, compadre,que na relva estais deitado:que na relva estais deitado:conversais e não sabeisconversais e não sabeisque vosso filho é chegado?que vosso filho é chegado?Estais aí conversandoEstais aí conversandoem vossa prosa entretida:em vossa prosa entretida:não sabeis que vosso filhonão sabeis que vosso filhosaltou para dentro da vida?saltou para dentro da vida?Saltou para dento da vidaSaltou para dento da vidaao dar o primeiro grito;ao dar o primeiro grito;e estais aí conversando;e estais aí conversando;pois sabei que ele é nascido. pois sabei que ele é nascido.

APARECEM E SE APROXIMAM DA CASA DO HOMEM VIZINHOS, APARECEM E SE APROXIMAM DA CASA DO HOMEM VIZINHOS, AMIGOS, DUAS CIGANAS ETC.AMIGOS, DUAS CIGANAS ETC.

-- Todo o céu e a terraTodo o céu e a terralhe cantam louvor.lhe cantam louvor.Foi por ele que a maréFoi por ele que a maréesta noite não baixou.esta noite não baixou.—— Foi por ele que a maréFoi por ele que a maréfez parar o seu motor:fez parar o seu motor:a lama ficou cobertaa lama ficou cobertae o maue o mau--cheiro não voou.cheiro não voou.—— E a alfazema do sargaço,E a alfazema do sargaço,

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ácida, desinfetante,ácida, desinfetante,veio varrer nossas ruasveio varrer nossas ruasenviada do mar distante.enviada do mar distante.—— E a língua seca de esponjaE a língua seca de esponjaque tem o vento terralque tem o vento terralveio enxugar a umidadeveio enxugar a umidadedo encharcado lamaçal.do encharcado lamaçal.—— Todo o céu e a terraTodo o céu e a terralhe cantam louvorlhe cantam louvore cada casa se tornae cada casa se tornanum mocambo sedutor. num mocambo sedutor. —— Cada casebre se tornaCada casebre se tornano mocambo modelarno mocambo modelarque tanto celebram osque tanto celebram ossociólogos do lugar.sociólogos do lugar.—— E a banda de maruinsE a banda de maruinsque toda noite se ouviaque toda noite se ouviapor causa dele, esta noite,por causa dele, esta noite,creio que não irradia.creio que não irradia.—— E este rio de água cega,E este rio de água cega,ou baça, de comer terra,ou baça, de comer terra,que jamais espelha o céu,que jamais espelha o céu,hoje enfeitouhoje enfeitou--se de estrelas.se de estrelas.

COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS TRAZENDO PRESENTES PARA O COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS TRAZENDO PRESENTES PARA O RECÉMRECÉM--NASCIDONASCIDO

—— Minha pobreza tal éMinha pobreza tal éque não trago presente grande:que não trago presente grande:

trago para a mãe caranguejostrago para a mãe caranguejospescados por esses mangues;pescados por esses mangues;mamando leite de lamamamando leite de lamaconservará nosso sangue.conservará nosso sangue.—— Minha pobreza tal éMinha pobreza tal éque coisa não posso ofertar:que coisa não posso ofertar:somente o leite que tenhosomente o leite que tenhopara meu filho amamentar;para meu filho amamentar;aqui são todos irmãos,aqui são todos irmãos,de leite, de lama, de ar.de leite, de lama, de ar.—— Minha pobreza tal éMinha pobreza tal éque não tenho presente melhor:que não tenho presente melhor:trago papel de jornaltrago papel de jornalpara lhe servir de cobertor;para lhe servir de cobertor;cobrindocobrindo--se assim de letrasse assim de letrasvai um dia ser doutor.vai um dia ser doutor.—— Minha pobreza tal éMinha pobreza tal éque não tenho presente caro:que não tenho presente caro:como não posso trazercomo não posso trazerum olho d'água de Lagoa do Carro,um olho d'água de Lagoa do Carro,trago aqui água de Olinda,trago aqui água de Olinda,água da bica do Rosário.água da bica do Rosário.—— Minha pobreza tal éMinha pobreza tal éque grande coisa não trago:que grande coisa não trago:trago este canário da terratrago este canário da terraque canta corrido e de estalo.que canta corrido e de estalo.

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—— Minha pobreza tal éMinha pobreza tal éque minha oferta não é rica:que minha oferta não é rica:trago daquela bolacha d'águatrago daquela bolacha d'águaque só em Paudalho se fabrica.que só em Paudalho se fabrica.—— Minha pobreza tal éMinha pobreza tal éque melhor presente não tem:que melhor presente não tem:dou este boneco de barrodou este boneco de barrode Severino de Tracunhaém.de Severino de Tracunhaém.—— Minha pobreza tal éMinha pobreza tal éque pouco tenho o que dar:que pouco tenho o que dar:dou da pitu que o pintor Monteirodou da pitu que o pintor Monteirofabricava em Gravatá.fabricava em Gravatá.—— Trago abacaxi de GoianaTrago abacaxi de Goianae de todo o Estado rolete de cana.e de todo o Estado rolete de cana.—— Eis ostras chegadas agora,Eis ostras chegadas agora,apanhadas no cais da Aurora.apanhadas no cais da Aurora.—— Eis tamarindos da JaqueiraEis tamarindos da Jaqueirae jaca da Tamarineira.e jaca da Tamarineira.—— Mangabas do CajueiroMangabas do Cajueiroe cajus da Mangabeira.e cajus da Mangabeira.—— Peixe pescado no Passarinho,Peixe pescado no Passarinho,carne de boi dos Peixinhos.carne de boi dos Peixinhos.—— Siris apanhados no lamaçalSiris apanhados no lamaçalque há no avesso da rua Imperial.que há no avesso da rua Imperial.—— Mangas compradas nos quintais ricosMangas compradas nos quintais ricosdo Espinheiro e dos Aflitos.do Espinheiro e dos Aflitos.—— Goiamuns dados pela gente pobreGoiamuns dados pela gente pobre

da Avenida Sul e da Avenida Norte. da Avenida Sul e da Avenida Norte. FALAM AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM APARECIDO COM OS FALAM AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM APARECIDO COM OS

VIZINHOSVIZINHOS

—— Atenção peço, senhores,Atenção peço, senhores,para esta breve leitura:para esta breve leitura:somos ciganas do Egito,somos ciganas do Egito,lemos a sorte futura. lemos a sorte futura. Vou dizer todas as coisasVou dizer todas as coisasque desde já posso verque desde já posso verna vida desse meninona vida desse meninoacabado de nascer:acabado de nascer:aprenderá a engatinharaprenderá a engatinharpor aí, com aratus,por aí, com aratus,aprenderá a caminharaprenderá a caminharna lama, como goiamuns,na lama, como goiamuns,e a correr o ensinarãoe a correr o ensinarãoo anfíbios caranguejos,o anfíbios caranguejos,pelo que será anfíbiopelo que será anfíbiocomo a gente daqui mesmo.como a gente daqui mesmo.Cedo aprenderá a caçar:Cedo aprenderá a caçar:primeiro, com as galinhas,primeiro, com as galinhas,que é catando pelo chãoque é catando pelo chãotudo o que cheira a comida;tudo o que cheira a comida;depois, aprenderá comdepois, aprenderá comoutras espécies de bichos:outras espécies de bichos:com os porcos nos monturos,com os porcos nos monturos,com os cachorros no lixo.com os cachorros no lixo.

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VejoVejo--o, uns anos mais tarde,o, uns anos mais tarde,na ilha do Maruim,na ilha do Maruim,vestido negro de lama,vestido negro de lama,voltar de pescar siris;voltar de pescar siris;e vejoe vejo--o, ainda maior,o, ainda maior,pelo imenso lamarãopelo imenso lamarãofazendo dos dedos iscasfazendo dos dedos iscaspara pescar camarão.para pescar camarão.—— Atenção peço, senhores,Atenção peço, senhores,também para minha leitura:também para minha leitura:também venho dos Egitos,também venho dos Egitos,vou completar a figura.vou completar a figura.Outras coisas que estou vendoOutras coisas que estou vendoé necessário que eu diga:é necessário que eu diga:não ficará a pescarnão ficará a pescarde jereré toda a vida.de jereré toda a vida.Minha amiga se esqueceuMinha amiga se esqueceude dizer todas as linhas;de dizer todas as linhas;não pensem que a vida delenão pensem que a vida delehá de ser sempre daninha.há de ser sempre daninha.Enxergo daqui a planuraEnxergo daqui a planuraque é a vida do homem de ofício,que é a vida do homem de ofício,bem mais sadia que os mangues,bem mais sadia que os mangues,tenha embora precipícios.tenha embora precipícios.Não o vejo dentro dos mangues,Não o vejo dentro dos mangues,vejovejo--o dentro de uma fábrica:o dentro de uma fábrica:

se está negro não é lama,se está negro não é lama,é graxa de sua máquina,é graxa de sua máquina,coisa mais limpa que a lamacoisa mais limpa que a lamado pescador de marédo pescador de maréque vemos aqui, vestidoque vemos aqui, vestidode lama da cara ao pé.de lama da cara ao pé.E mais: para que não pensemE mais: para que não pensemque em sua vida tudo é triste,que em sua vida tudo é triste,vejo coisa que o trabalhovejo coisa que o trabalhotalvez até lhe conquiste:talvez até lhe conquiste:que é mudarque é mudar--se destes manguesse destes manguesdaqui do Capibaribedaqui do Capibaribepara um mocambo melhorpara um mocambo melhornos mangues do Beberibe. nos mangues do Beberibe.

FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS QUE VIERAM COM FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS QUE VIERAM COM PRESENTES ETC.PRESENTES ETC.

—— De sua formosuraDe sua formosurajá venho dizer:já venho dizer:é um menino magro,é um menino magro,de muito peso não é,de muito peso não é,mas tem o peso de homem,mas tem o peso de homem,de obra de ventre de mulher.de obra de ventre de mulher.—— De sua formosuraDe sua formosuradeixaideixai--me que diga:me que diga:é uma criança pálida,é uma criança pálida,

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é uma criança franzina,é uma criança franzina,mas tem a marca de homem,mas tem a marca de homem,marca de humana oficina.marca de humana oficina.—— Sua formosuraSua formosuradeixaideixai--me que cante:me que cante:é um menino guenzoé um menino guenzocomo todos os desses mangues,como todos os desses mangues,mas a máquina de homemmas a máquina de homemjá bate nele, incessante.já bate nele, incessante.—— Sua formosuraSua formosuraeis aqui descrita:eis aqui descrita:é uma criança pequena,é uma criança pequena,enclenque e setemesinha,enclenque e setemesinha,mas as mãos que criam coisasmas as mãos que criam coisasnas suas já se adivinha.nas suas já se adivinha.—— De sua formosuraDe sua formosuradeixaideixai--me que diga:me que diga:é belo como o coqueiroé belo como o coqueiroque vence a areia marinha.que vence a areia marinha.—— De sua formosuraDe sua formosuradeixaideixai--me que diga:me que diga:belo como o avelósbelo como o avelóscontra o Agreste de cinza.contra o Agreste de cinza.—— De sua formosuraDe sua formosuradeixaideixai--me que diga:me que diga:belo como a palmatóriabelo como a palmatóriana caatinga sem saliva.na caatinga sem saliva.

—— De sua formosuraDe sua formosuradeixaideixai--me que diga:me que diga:é tão belo como um simé tão belo como um simnuma sala negativa.numa sala negativa.—— É tão belo como a socaÉ tão belo como a socaque o canavial multiplica.que o canavial multiplica.—— Belo porque é uma portaBelo porque é uma portaabrindoabrindo--se em mais saídas.se em mais saídas.—— Belo como a última ondaBelo como a última ondaque o fim do mar sempre adia.que o fim do mar sempre adia.—— É tão belo como as ondasÉ tão belo como as ondasem sua adição infinita.em sua adição infinita.—— Belo porque tem do novoBelo porque tem do novoa surpresa e a alegria.a surpresa e a alegria.—— Belo como a coisa novaBelo como a coisa novana prateleira até então vazia.na prateleira até então vazia.—— Como qualquer coisa novaComo qualquer coisa novainaugurando o seu dia.inaugurando o seu dia.—— Ou como o caderno novoOu como o caderno novoquando a gente o principia.quando a gente o principia.—— E belo porque com o novoE belo porque com o novotodo o velho contagia.todo o velho contagia.—— Belo porque corrompeBelo porque corrompecom sangue novo a anemia.com sangue novo a anemia.—— Infecciona a misériaInfecciona a misériacom vida nova e sadia.com vida nova e sadia.—— Com oásis, o deserto,Com oásis, o deserto,

Page 37: João Cabral de Melo Neto

com ventos, a calmaria. com ventos, a calmaria. O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE ESTEVE DE FORA, SEM O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE ESTEVE DE FORA, SEM

TOMAR PARTE EM NADATOMAR PARTE EM NADA

—— Severino retirante,Severino retirante,deixe agora que lhe diga:deixe agora que lhe diga:eu não sei bem a respostaeu não sei bem a respostada pergunta que fazia,da pergunta que fazia,se não vale mais saltarse não vale mais saltarfora da ponte e da vida;fora da ponte e da vida;nem conheço essa resposta,nem conheço essa resposta,se quer mesmo que lhe diga;se quer mesmo que lhe diga;é difícil defender,é difícil defender,só com palavras, a vida,só com palavras, a vida,ainda mais quando ela éainda mais quando ela éesta que vê, severina;esta que vê, severina;mas se responder não pudemas se responder não pudeà pergunta que fazia,à pergunta que fazia,ela, a vida, a respondeuela, a vida, a respondeucom sua presença viva.com sua presença viva.E não há melhor respostaE não há melhor respostaque o espetáculo da vida:que o espetáculo da vida:vêvê--la desfiar seu fio,la desfiar seu fio,que também se chama vida,que também se chama vida,ver a fábrica que ela mesma,ver a fábrica que ela mesma,teimosamente, se fabrica,teimosamente, se fabrica,vêvê--la brotar como há poucola brotar como há pouco

em nova vida explodida;em nova vida explodida;mesmo quando é assim pequenamesmo quando é assim pequenaa explosão, como a ocorrida;a explosão, como a ocorrida;mesmo quando é uma explosãomesmo quando é uma explosãocomo a de há pouco, franzina;como a de há pouco, franzina;mesmo quando é a explosãomesmo quando é a explosãode uma vida severina.de uma vida severina.

Page 38: João Cabral de Melo Neto

Análise:Análise:Morte e Vida Severina, o texto mais popular de João Cabral de Melo Neto, é um auto de natal do Morte e Vida Severina, o texto mais popular de João Cabral de Melo Neto, é um auto de natal do

folclore pernambucano e, também, da tradição ibérica. Foi escrito entre 1954folclore pernambucano e, também, da tradição ibérica. Foi escrito entre 1954--55.55.O auto de natalO auto de natal Morte e Vida SeverinaMorte e Vida Severina possui estrutura dramática: é uma peça de teatro. possui estrutura dramática: é uma peça de teatro. O retirante vem do sertão para o litoral, seguindo a trilha do rio Capibaribe. Quando atinge o O retirante vem do sertão para o litoral, seguindo a trilha do rio Capibaribe. Quando atinge o

Recife, depois de encontrar muitas mortes pelo caminho, desenganaRecife, depois de encontrar muitas mortes pelo caminho, desengana--se com o sonho da cidade se com o sonho da cidade grande e do mar.grande e do mar.

Resolve então "saltar fora da ponte e da vida", atirandoResolve então "saltar fora da ponte e da vida", atirando--se no Capibaribe. Enquanto se prepara se no Capibaribe. Enquanto se prepara para morrer e conversa com seu José, uma mulher anuncia que o filho deste "saltou para dentro para morrer e conversa com seu José, uma mulher anuncia que o filho deste "saltou para dentro

da vida" (nasceu).da vida" (nasceu).Severino assiste ao auto de natal (encenação comemorativa do nascimento). Seu José, mestre Severino assiste ao auto de natal (encenação comemorativa do nascimento). Seu José, mestre

carpina, tenta demover Severino da resolução de "saltar fora da ponte e da vida".carpina, tenta demover Severino da resolução de "saltar fora da ponte e da vida".Enfim, o Auto, Morte e Vida Severina é um claro exemplo de como João CabralEnfim, o Auto, Morte e Vida Severina é um claro exemplo de como João Cabral

articulou o estético e o cultural numa perspectiva estruturalista que, embora escrito na década de 50, articulou o estético e o cultural numa perspectiva estruturalista que, embora escrito na década de 50, se permite a leituras e abordagens que se valem, também, de conceitos e categorias recentes de se permite a leituras e abordagens que se valem, também, de conceitos e categorias recentes de

análises literáriasanálises literárias

Page 40: João Cabral de Melo Neto

11

Um galo sozinho não tece uma manhã:Um galo sozinho não tece uma manhã:ele precisará sempre de outros galos.ele precisará sempre de outros galos.De um que apanhe esse grito que eleDe um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galoe o lance a outro; de um outro galoque apanhe o grito de um galo antesque apanhe o grito de um galo antese o lance a outro; e de outros galose o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzemque com muitos outros galos se cruzemos fios de sol de seus gritos de galo,os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,para que a manhã, desde uma teia tênue,se vá tecendo, entre todos os galos.se vá tecendo, entre todos os galos.

22

E se encorpando em tela, entre todos,E se encorpando em tela, entre todos,se erguendo tenda, onde entrem todos,se erguendo tenda, onde entrem todos,se entretendendo para todos, no toldose entretendendo para todos, no toldo(a manhã) que plana livre de armação.(a manhã) que plana livre de armação.A manhã, toldo de um tecido tão aéreoA manhã, toldo de um tecido tão aéreoque, tecido, se eleva por si: luz balão.que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Page 41: João Cabral de Melo Neto

Análise:Análise:O poema apresenta uma construção em metro irregular, os versos não seguem um padrão referente O poema apresenta uma construção em metro irregular, os versos não seguem um padrão referente

ao número de sílabas poéticas, apesar da divisão em estrofes caracterizar o tratamento das ao número de sílabas poéticas, apesar da divisão em estrofes caracterizar o tratamento das divisões comuns em forma fixa. O poeta utiliza desde a situação das silabas tônicas e pausas, divisões comuns em forma fixa. O poeta utiliza desde a situação das silabas tônicas e pausas,

sem buscar a regularidade padrão na realização dos poemas em forma fixa, realiza sem buscar a regularidade padrão na realização dos poemas em forma fixa, realiza reiteradamente das homofonias (mesmo som) para através da coincidência sonora e proximidade reiteradamente das homofonias (mesmo som) para através da coincidência sonora e proximidade dos radicais, buscando um padrão sonoro coincidente e harmônico. Este tratamento estabeleceu dos radicais, buscando um padrão sonoro coincidente e harmônico. Este tratamento estabeleceu uma relação original com os elementos de versificação e acrescentou valores importantes a obra uma relação original com os elementos de versificação e acrescentou valores importantes a obra

deste poeta. Nestas oposições um único canto não será capaz de trazer a luz e anular a deste poeta. Nestas oposições um único canto não será capaz de trazer a luz e anular a escuridão, tornaescuridão, torna--se necessário que o galo convoque todos os galos e que eles possam desta se necessário que o galo convoque todos os galos e que eles possam desta forma invocar a manhã, que pela alocação do artigo definido transformaforma invocar a manhã, que pela alocação do artigo definido transforma--se em amanhã, numa se em amanhã, numa

clara projeção de futuro.clara projeção de futuro.

Page 43: João Cabral de Melo Neto

2. O que eles cantam, se pássaros,2. O que eles cantam, se pássaros,é diferente de todos:é diferente de todos:cantam numa linha baixa,cantam numa linha baixa,com voz de pássaro rouco;com voz de pássaro rouco;

desconhecem as variantesdesconhecem as variantese o estilo numerosoe o estilo numerosodos pássaros que sabemos,dos pássaros que sabemos,estejam presos ou soltos;estejam presos ou soltos;

têm sempre o mesmo compassotêm sempre o mesmo compassohorizontal e monótono,horizontal e monótono,e nunca, em nenhum momento,e nunca, em nenhum momento,variam de repertório:variam de repertório:

dirdir--sese--ia que não importaia que não importaa nenhum ser escutado.a nenhum ser escutado.Assim, que não são artistasAssim, que não são artistasnem artesãos, mas operáriosnem artesãos, mas operários

para quem tudo o que cantampara quem tudo o que cantamé simplesmente trabalho,é simplesmente trabalho,trabalho rotina, em série,trabalho rotina, em série,impessoal, não assinado,impessoal, não assinado,

de operário que executade operário que executaseu martelo regularseu martelo regularproibido (ou sem querer)proibido (ou sem querer)do mínimo variar.do mínimo variar.

1. Ao redor da vida do homem1. Ao redor da vida do homemhá certas caixas de vidro,há certas caixas de vidro,dentro das quais, como em dentro das quais, como em jaula,jaula,se ouve palpitar um bicho.se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;Se são jaulas não é certo;mais perto estão das gaiolasmais perto estão das gaiolasao menos, pelo tamanhoao menos, pelo tamanhoe quadradiço de forma.e quadradiço de forma.

Uma vezes, tais gaiolasUma vezes, tais gaiolasvão penduradas nos muros;vão penduradas nos muros;outras vezes, mais privadas,outras vezes, mais privadas,vão num bolso, num dos vão num bolso, num dos pulsos.pulsos.

Mas onde esteja: a gaiolaMas onde esteja: a gaiolaserá de pássaro ou pássara:será de pássaro ou pássara:é alada a palpitação,é alada a palpitação,a saltação que ela guarda;a saltação que ela guarda;

e de pássaro cantor,e de pássaro cantor,não pássaro de plumagem:não pássaro de plumagem:pois delas se emite um cantopois delas se emite um cantode uma tal continuidadede uma tal continuidade

que continua cantandoque continua cantandose deixa de ouvise deixa de ouvi--lo a gente:lo a gente:como a gente às vezes cantacomo a gente às vezes cantapara sentirpara sentir--se existente.se existente.

Page 44: João Cabral de Melo Neto

3. A mão daquele martelo3. A mão daquele martelonunca muda de compasso.nunca muda de compasso.Mas tão igual sem fadiga,Mas tão igual sem fadiga,mal deve ser de operário;mal deve ser de operário;

ela é por demais precisaela é por demais precisapara não ser mão de máquina,para não ser mão de máquina,a máquina independentea máquina independentede operação operária.de operação operária.

De máquina, mas movidaDe máquina, mas movidapor uma força qualquerpor uma força qualquerque a move passando nela,que a move passando nela,regular, sem decrescer:regular, sem decrescer:

quem sabe se algum monjoloquem sabe se algum monjoloou antiga roda de águaou antiga roda de águaque vai rodando, passiva,que vai rodando, passiva,graçar a um fluido que a passa;graçar a um fluido que a passa;

que fluido é ninguém vê:que fluido é ninguém vê:da água não mostra os senões:da água não mostra os senões:além de igual, é contínuo,além de igual, é contínuo,sem marés, sem estações.sem marés, sem estações.

E porque tampouco cabe,E porque tampouco cabe,por isso, pensar que é o vento,por isso, pensar que é o vento,há de ser um outro fluidohá de ser um outro fluidoque a move: quem sabe, o tempo.que a move: quem sabe, o tempo.

4. Quando por algum motivo4. Quando por algum motivoa roda de água se rompe,a roda de água se rompe,outra máquina se escuta:outra máquina se escuta:agora, de dentro do homem;agora, de dentro do homem;

outra máquina de dentro,outra máquina de dentro,imediata, a reveza,imediata, a reveza,soando nas veias, no fundosoando nas veias, no fundode poça no corpo, imersa.de poça no corpo, imersa.

Então se sente que o somEntão se sente que o somda máquina, ora interior,da máquina, ora interior,nada possui de passivo,nada possui de passivo,de roda de água: é motor;de roda de água: é motor;

se descobre nele o afogose descobre nele o afogode quem, ao fazer, se esforça,de quem, ao fazer, se esforça,e que êle, dentro, afinal,e que êle, dentro, afinal,revela vontade própria,revela vontade própria,

incapaz, agora, dentro,incapaz, agora, dentro,de ainda disfarçar que nascede ainda disfarçar que nascedaquela bomba motordaquela bomba motor(coração, noutra linguagem)(coração, noutra linguagem)

que, sem nenhum coração,que, sem nenhum coração,vive a esgotar, gôta a gôta,vive a esgotar, gôta a gôta,o que o homem, de reserva,o que o homem, de reserva,possa ter na íntima poça.possa ter na íntima poça.

Page 45: João Cabral de Melo Neto

Análise:Análise:O poema é utilizado para discutir a dinâmica e a divisão do trabalho na “Organização O poema é utilizado para discutir a dinâmica e a divisão do trabalho na “Organização

Clássica do Trabalho”. A poesia é uma alternativa sensível, artísticaClássica do Trabalho”. A poesia é uma alternativa sensível, artística e criativa para e criativa para tratar umtratar um tema sempre abordadotema sempre abordado de forma muito técnica.de forma muito técnica. Através de “O Relógio”, é Através de “O Relógio”, é possívelpossível proporcionar um conhecimento e uma vivência da organização do trabalho proporcionar um conhecimento e uma vivência da organização do trabalho

de forma sensível e muito envolvente.de forma sensível e muito envolvente.

Page 47: João Cabral de Melo Neto

João Cabral de Melo Neto - Rua da Aurora

João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife e faleceu no Rio de Janeiro. Membro da Academia Brasileira de Letras, o poeta recebeu o Prêmio Luiz de Camões, o mais importante concedido a escritores da Língua Portuguesa. A escultura apresenta João Cabral, na rua da Aurora, sentado em um banco de praça em gesto contemplativo. Sobre a perna segura um livro aberto em seu poema que fala do rio Capibaribe: “o Cão sem Plumas”.

Estranhamente, João Cabral escreveu um poema sobre a Aspirina, que tomava regularmente, chamando-a de "Sol", de "Luz"… De fato, desde sua juventude João Cabral tomava de três a dez aspirinas por dia. Em entrevista à "TV Cultura", certa vez, ele contava que boa parte da inspiração (inspiração sempre cerebral) provinha da aspirina, que a aspirina o salvava da nulidade!

João Cabral de Melo Neto não compareceu a nenhuma reunião da Academia Pernambucana de Letras como acadêmico, nem mesmo a sua posse.

Nulidade:Qualidade do que é nulo,falta total de valor, de talento;pessoa sem competência,falta de validade.

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Vamos aprender Vamos aprender mais um pouco?mais um pouco?

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1. (UFV) Leia atentamente o poema abaixo, de João Cabral de Melo Neto:

A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;para aprender da pedra, freqüentá-la;captar sua voz inenfática, impessoal(pela de dicção ela começa as aulas).A lição de moral, sua resistência friaao que flui e a fluir, a ser maleada;a de poética, sua carnadura concreta;a de economia, seu adensar-se compacta:lições de pedra (de fora para dentro,cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão(de dentro para fora, e pré-didática).No Sertão a pedra não sabe lecionar,e se lecionasse não ensinaria nada;lá não se aprende a pedra: lá a pedra,uma pedra de nascença, entranha a alma.

(MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 21.)

Assinale a alternativa que NÃO traduz uma leitura possível do poema acima:

(A) O poeta apreende da pedra a própria vivência na vida agreste do Sertão: de austeridade, resistência silenciosa e sempre capaz de dar lições de vida e de poesia.(B ) Os versos metalingüísticos revelam a própria poética cabralina: concreta, impessoal, concisa, embora profundamente social.(C) Ao partir do pressuposto de que a pedra é muda, e, portanto, não ensina nada, o poeta suscita uma reflexão sobre a situação educacional precária no Nordeste.(D ) O eu lírico também apreende da pedra os próprios versos enxutos, num esforço de dissecação de quaisquer sentimentalismos.(E ) No poema, de intensa economia verbal, a pedra faz-se metáfora da paisagem do Sertão, que “entranha a alma”, e espelha o fazer poético do autor pernambucano.

1-C

Page 50: João Cabral de Melo Neto

2.2.(FDV) O poema que dá o título da obra(FDV) O poema que dá o título da obra A A educação pela pedraeducação pela pedra apresenta tais apresenta tais características, com exceção de:características, com exceção de:

(A) reflexão metalingüística;(A) reflexão metalingüística;(B) elaboração formal;(B) elaboração formal;(C) lirismo sem sentimentalismo;(C) lirismo sem sentimentalismo;(D) individualismo subjetivista;(D) individualismo subjetivista;(E) construção arquitetônica do verso. (E) construção arquitetônica do verso.

3.3. (UFV) Leia com atenção as seguintes (UFV) Leia com atenção as seguintes afirmações a respeito da obraafirmações a respeito da obra A Educação A Educação pela Pedrapela Pedra, de João Cabral de Melo Neto:, de João Cabral de Melo Neto:

I. Neste livro, o engenheiroI. Neste livro, o engenheiro--poeta extrai dos poeta extrai dos motivos nordestinos e espanhóis a matéria motivos nordestinos e espanhóis a matéria bruta para a construção dos versos bruta para a construção dos versos pautados pela discursividade lógica da pautados pela discursividade lógica da sintaxe, despoetização e antisintaxe, despoetização e anti--musicalidade musicalidade ––recursos intensamente utilizados na recursos intensamente utilizados na literatura contemporânea.literatura contemporânea.

II. A temática, principalmente centrada em II. A temática, principalmente centrada em motivos nordestinos, é utilizada pelo autor motivos nordestinos, é utilizada pelo autor como imitação do romance social dos anos como imitação do romance social dos anos 30; daí a proposta de aprendizagem de uma 30; daí a proposta de aprendizagem de uma poesia mais engajada e popular, em poesia mais engajada e popular, em linguagem menos complexa.linguagem menos complexa.

III. No livro, como em grande parte da III. No livro, como em grande parte da poesia da modernidade, são constantes os poesia da modernidade, são constantes os poemas metalingüísticos, expressivos da poemas metalingüísticos, expressivos da tentativa do poeta de apreender seu próprio tentativa do poeta de apreender seu próprio processo de construção poética, e extrair processo de construção poética, e extrair lições da realidade lições da realidade –– sua e da própria sua e da própria linguagem.linguagem.

É CORRETO apenas o que se afirma em:É CORRETO apenas o que se afirma em:

(A) I. (B ) I e II. (C) I e III. D ) II. (E ) III.(A) I. (B ) I e II. (C) I e III. D ) II. (E ) III.2-D 3-C

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João Cabral de Melo Neto alcançou sem dúvida um lugar de destaque na literatura João Cabral de Melo Neto alcançou sem dúvida um lugar de destaque na literatura Brasileira, respectivamente, sendo hoje um dos grandes nomes da poesia Brasileira. Brasileira, respectivamente, sendo hoje um dos grandes nomes da poesia Brasileira. Mergulhar nas obras de João Cabral é uma tarefa difícil, mas, muito atraente. Difícil Mergulhar nas obras de João Cabral é uma tarefa difícil, mas, muito atraente. Difícil porque se trata de mergulhar nas “palavras” de um poeta com o mais alto nível de porque se trata de mergulhar nas “palavras” de um poeta com o mais alto nível de

rigor, no seu trabalho de linguagem poética, que exige de quem lê os seus poemas, rigor, no seu trabalho de linguagem poética, que exige de quem lê os seus poemas, uma atenção e um cuidado profundo. Atraente porque é um dos “maiores” poetas da uma atenção e um cuidado profundo. Atraente porque é um dos “maiores” poetas da

língua portuguesa e suas obras merecem sempre uma leitura e releitura língua portuguesa e suas obras merecem sempre uma leitura e releitura apaixonadas. João Cabral, naturalmente, conduz a poesia a um limite quase apaixonadas. João Cabral, naturalmente, conduz a poesia a um limite quase

inalcançável, nesse trabalho intenso de linguagem temos uma poesia elaborada inalcançável, nesse trabalho intenso de linguagem temos uma poesia elaborada através de um trabalho de profundamente rigoroso, racional e próprio para através de um trabalho de profundamente rigoroso, racional e próprio para

concepção (um modo de ver único), poesia de “construção”, de um “pedreiro” e concepção (um modo de ver único), poesia de “construção”, de um “pedreiro” e “engenheiro" se inspirando na aridez geográfica e humana do Sertão, e sempre na “engenheiro" se inspirando na aridez geográfica e humana do Sertão, e sempre na

busca da justiça, quer seja social ou humana, quer seja a justiça sintática da palavra. busca da justiça, quer seja social ou humana, quer seja a justiça sintática da palavra. Afinal, ele soube determinar o fato, de que para fazer a crítica da realidade, é preciso Afinal, ele soube determinar o fato, de que para fazer a crítica da realidade, é preciso

ao mesmo tempo, fazer a crítica do material com que se investiga essa mesma ao mesmo tempo, fazer a crítica do material com que se investiga essa mesma realidade, ou seja, a palavra, a linguagem. O poeta perante o mundo (ou o “seu realidade, ou seja, a palavra, a linguagem. O poeta perante o mundo (ou o “seu

mundo”), perante a palavra, perante o “poder da palavra”, sempre com um objetivo: mundo”), perante a palavra, perante o “poder da palavra”, sempre com um objetivo: FAZER, MOSTRAR SUA ARTE.SUA REALIDADE!FAZER, MOSTRAR SUA ARTE.SUA REALIDADE!

Page 58: João Cabral de Melo Neto

Site ReleiturasSite Releituras-- Resumos biográficos e bibliográficos: Resumos biográficos e bibliográficos: http://www.releituras.com/joaocabral_bio.asphttp://www.releituras.com/joaocabral_bio.aspSite Best Western Manibu Recife: Site Best Western Manibu Recife: http://www.hotelmanibu.com.br/infoturisticas_poesia.htmlhttp://www.hotelmanibu.com.br/infoturisticas_poesia.html

Site Brasil EscolaSite Brasil Escola-- http://www.brasilescola.com/literatura/joaohttp://www.brasilescola.com/literatura/joao--cabralcabral--melomelo--netoneto--suasua--engenhosidadeengenhosidade--poetica.htmpoetica.htmSite Literatura OnlineSite Literatura Online-- http://www.graudez.com.br/literatura/modernismo.htmlhttp://www.graudez.com.br/literatura/modernismo.html

Site Algo SobreSite Algo Sobre-- http://www.algosobre.com.br/biografias/joaohttp://www.algosobre.com.br/biografias/joao--cabralcabral--dede--melomelo--neto.htmlneto.htmlSite UOL EducaçãoSite UOL Educação-- http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u573.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u573.jhtm

Site Jornal de PoesiaSite Jornal de Poesia-- http://www.revista.agulha.nom.br/joao.htmlhttp://www.revista.agulha.nom.br/joao.htmlSite Portal São FranciscoSite Portal São Francisco-- http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/joaohttp://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/joao--cabralcabral--dede--melomelo--neto/joaoneto/joao--cabralcabral--dede--

melomelo--netoneto--2.php2.phpPassei WebPassei Web--http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/banco_de_questoes/portugues/a_educacao_pela_pedrahttp://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/banco_de_questoes/portugues/a_educacao_pela_pedra

Jornal "Folha de São Paulo'' ( Edição E1Jornal "Folha de São Paulo'' ( Edição E1-- QuartaQuarta--feira,8 de Junho de 2011)feira,8 de Junho de 2011)

Livro João Cabral de Melo Neto Livro João Cabral de Melo Neto -- Morte e Vida Severina (Editora Alfaguara)Morte e Vida Severina (Editora Alfaguara)

Page 59: João Cabral de Melo Neto

Nome: Suany Neto Roberto

N°: 31

Nome: Ingrid Geovana Vallin

N°: 19

Page 60: João Cabral de Melo Neto

Nome: Matheus Iohan Muniz

N°: 23

Nome: Yuri César de Almeida

Nº: 36