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RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTROLO CONCRETO 1. INTRODUÇÃO Regista-se na nossa legislação a consagração de uma figura processual específica destinada a permitir, a requerimento dos lesados, a apreciação directa pela jurisdição constitucional do conteúdo de actos concretos do poder político ou de decisões judiciais que atentem contra DLG individuais. É o que sucede na Alemanha com a Verfassungsbscwerde ou no México e em Espanha com o recurso de amparo. Trata-se, a nosso ver, de um instituto cuja previsão normativa se reveste de evidente acerto e utilidade, uma vez que alarga a possibilidade de acesso à justiça constitucional e incrementa claramente as hipóteses de defesa por parte dos cidadãos. No entanto, há uma crítica a fazer desta figura, o facto de não ter qualquer previsão constitucional, tendo sido o legislador ordinário a criar a figura do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, numa primeira fase, este recurso era admissível per saltum, ou seja directamente para o TC. Com a alteração legislativa que a Lei de processo constitucional sofreu, hoje esse recurso só é admissível, depois de esgotadas todas as instâncias possíveis. 2. Modelos de Justiça Constitucional São vários os critérios que se podem adoptar para obter uma visão global dos diferentes tipos de controlo dos actos normativos. Sob o ponto de vista organizatório, os modelos de justiça constitucional reconduzem-se a três grandes tipos: 2.1. Modelo unitário 2.2. Modelo de separação 2.3. o modelo de fiscalização híbrido ou misto Segundo o modelo unitário, a justiça constitucional não tem autonomia organizativo-institucional, considerando-se que todos os tribunais têm o direito e o dever de, no âmbito das acções e recursos submetidos a decisão do juiz, aferir

Recurso Extraordinário de inconstitucionalidade

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE

CONTROLO CONCRETO

1. INTRODUÇÃO

Regista-se na nossa legislação a consagração de uma figura processual

específica destinada a permitir, a requerimento dos lesados, a apreciação directa

pela jurisdição constitucional do conteúdo de actos concretos do poder político

ou de decisões judiciais que atentem contra DLG individuais.

É o que sucede na Alemanha com a Verfassungsbscwerde ou no México e

em Espanha com o recurso de amparo.

Trata-se, a nosso ver, de um instituto cuja previsão normativa se reveste

de evidente acerto e utilidade, uma vez que alarga a possibilidade de acesso à

justiça constitucional e incrementa claramente as hipóteses de defesa por parte

dos cidadãos.

No entanto, há uma crítica a fazer desta figura, o facto de não ter qualquer

previsão constitucional, tendo sido o legislador ordinário a criar a figura do

recurso extraordinário de inconstitucionalidade, numa primeira fase, este

recurso era admissível per saltum, ou seja directamente para o TC. Com a

alteração legislativa que a Lei de processo constitucional sofreu, hoje esse

recurso só é admissível, depois de esgotadas todas as instâncias possíveis.

2. Modelos de Justiça Constitucional

São vários os critérios que se podem adoptar para obter uma visão global

dos diferentes tipos de controlo dos actos normativos.

Sob o ponto de vista organizatório, os modelos de justiça constitucional

reconduzem-se a três grandes tipos:

2.1. Modelo unitário

2.2. Modelo de separação

2.3. o modelo de fiscalização híbrido ou misto

Segundo o modelo unitário, a justiça constitucional não tem autonomia

organizativo-institucional, considerando-se que todos os tribunais têm o direito

e o dever de, no âmbito das acções e recursos submetidos a decisão do juiz, aferir

da conformidade constitucional do acto normativo aplicável ao feito submetido a

decisão judicial.

Subjacente a esta concepção está a ideia de que a jurisdição constitucional

não se distingue substancialmente das outras formas de jurisdição. Precisamente

por isso, também não se justifica a existência de uma jurisdição especificamente

competente para apreciar as questões da constitucionalidade.

Este modelo anda associado ao chamado controlo judicial difuso e é, ainda

hoje, o modelo adoptado por um significativo número de países (EUA, Canadá,

Austrália, índia, Brasil, Suíça, Estados Escandinavos).

No chamado modelo de separação a justiça constitucional é, sob o ponto de

vista organizativo, confiada a um tribunal especificamente competente para as

“questões constitucionais” e institucionalmente separado dos outros tribunais.

A ideia básica subjacente a este modelo é a de que a decisão de questões

jurídico-constitucionais representa uma função jurisdicional em sentido material

(não se trata, portanto, apenas de um problema político-constitucional). Existem,

contudo, certas especificidades que justificam a autonomização institucional de

um Tribunal Constitucional. Este modelo é, hoje, acolhido num apreciável

número de Estados (Áustria, Alemanha, Bélgica, Espanha, Itália, na maior parte

dos países ex-socialistas e um número relevante de Estados sul americanos como

o Chile, Peru, Guatemala).

A ideia austríaca da justiça constitucional autónoma tratou de criar um

tribunal especial com a função de controlar, de forma abstracta e concentrada, a

constitucionalidade das leis, independentemente da existência de casos

concretos submetidos aos tribunais, onde se suscitasse a aplicação prática da lei

impugnada como inconstitucional.

Deve salientar-se que se assiste hoje a uma progressiva convergência dos

modelos dentro do sistema binário básico a que nos acabamos de referir. O

exemplo dos países da CPLP, com excepção do Brasil, é significativo quanto ao

processo de circulação, recepção e hibridação do modelo unitário e do modelo de

separação.

O modelo de fiscalização híbrido reconduz-se a um esquema complexo, pois

caracteriza-se como um modelo misto complexo, uma vez que detém as

características do modelo unitário e do modelo de separação.

Comporta por um lado a fiscalização concreta, e por outro lado absorve a

característica do modelo concentrado que privilegia a fiscalização abstracta. O

modelo de fiscalização angolano é híbrido, nos moldes atrás referidos e, permite

ainda a existência da figura do recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

2.4. Quem controla?

2.4.1 Controlo Político

O controlo da constitucionalidade dos actos normativos (sobretudo leis e

diplomas equiparáveis) é feito pelos órgãos políticos (ex: assembleias

representativas). Este sistema é também designado por sistema francês, onde o

controlo não é efectuado por um órgão jurisdicional.

2.4.2 Controlo Jurisdicional

2.4.3. Sistema difuso ou americano

No sistema difuso a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis

é reconhecida a qualquer juiz chamado a fazer a aplicação de uma determinada

lei a um caso concreto submetido a apreciação judicial.

2.4.4. Sistema concentrado ou austríaco

Chama-se sistema concentrado porque a competência para julgar

definitivamente acerca da constitucionalidade das leis é reservada a um único

órgão, com exclusão de quaisquer outros. Este tipo comporta uma grande

variedade de subtipos: o órgão competente para a fiscalização tanto pode ser um

órgão da jurisdição ordinária (ex: Tribunal Supremo) ou um órgão especialmente

criado para o efeito (ex: um Tribunal Constitucional)

2.4.5. Como se controla?:

2.4.6. Controlo por via incidental

No controlo por via de incidente a inconstitucionalidade do acto normativo só

pode ser invocada no decurso de uma acção submetida à apreciação dos

tribunais.

A questão da inconstitucionalidade é levantada, por via de incidente, por

ocasião e no decurso de um processo comum (civil, penal, laboral, administrativo

ou outro), e é discutida na medida em que seja relevante para a solução do caso

concreto. Este concreto chama-se também controlo por via de excepção, porque “

a inconstitucionalidade não se deduz como alvo da acção, mas apenas como

subsídio da justificação do direito, cuja reivindicação se discute.

2.4.8 Controlo por via principal

Chama-se controlo por via principal porque as questões de

inconstitucionalidade podem ser levantadas, a título principal, mediante

processo constitucional autónomo, junto de um tribunal (Tribunal

Constitucional, Tribunal Supremo) com competência para julgar da

desconformidade dos actos – sobretudo normativos – de autoridades públicas.

Neste tipo, é consentido a certas e determinadas entidades a impugnação de

uma norma inconstitucional, independentemente da existência de qualquer

controvérsia

2.4.9 Controlo abstracto e controlo concreto

2.4.10 Controlo abstracto

Relacionado com o controlo concentrado e principal, o controlo abstracto

significa que a impugnação da constitucionalidade de uma norma é feita

independentemente de qualquer litígio concreto. O controlo abstracto de normas

não é um processo contraditório de partes; é, sim, um processo que visa

sobretudo a “defesa da constituição” e do princípio da constitucionalidade

através da eliminação de actos normativos contrários à constituição.

Dado que se trata de um processo objectivo, a legitimidade para solicitar este

controlo é geralmente reservada a um número restrito de entidades (art. 228.º,

n.º 1 e 2, 230.º, n.º2 e 232.º da CRA).

2.4.11. CONTROLO CONCRETO

Associado ao controlo jurisdicional difuso e incidental, o controlo concreto é

também chamado “acção judicial”. Trata-se aqui de dar operatividade prática à

ideia da judicial review americana: qualquer tribunal que tem de decidir um caso

concreto está obrigado, em virtude da sua vinculação pela constituição, a

fiscalizar se as normas jurídicas aplicáveis ao caso são ou não válidas.

Em Angola, ao contrário de Portugal, a nossa constituição não estipula num

artigo específico, o controlo concreto. Sabemos que ele existe no nosso

ordenamento jurídico mediante o recurso à interpretação (art.º 180.º, n.º 2 al. d)

e e) da CRA).

• Quando se controla?:

1. Controlo preventivo

Como critério de classificação elege-se aqui o momento da entrada em vigor

do acto normativo. Se ele é feito quando a lei ou acto equivalente sujeito a

controlo é ainda um “acto imperfeito”, carecido de eficácia jurídica, diz-se que o

controlo é preventivo (art. 228.º da CRA).

2. Controlo sucessivo

Na hipótese de o acto normativo ser um acto perfeito, pleno de eficácia

jurídica, o controlo sobre ele exercido é um controlo sucessivo ou a posteriori. O

exame de fiscalização de constitucionalidade fez-se, assim, num momento

sucessivo ao “aperfeiçoamento” do acto normativo, isto é, à sua promulgação,

referendo, publicação e entrada em vigor (art. 230.º da CRA).

Pela inflação dos processos de controlo que a acção popular universal

poderia originar, a regra é a da restrição da legitimidade, qualquer que seja o

tipo de controlo. No controlo abstracto de normas, os titulares de legitimidade

impugnatória são certas e determinadas entidades (PR, uma fracção de

deputados, governos federais – no caso dos EUA e Brasil – Provedor de Justiça no

caso de Portugal e Angola, etc.).

No controlo difuso (incidental e concreto) a legitimidade está naturalmente

circunscrita ao juiz, Ministério Público e as partes na causa submetida a juízo.

Quem pede o controlo: a legitimidade activa

1. Legitimidade “quisque de populo” e legitimidade restrita

Se a legitimidade para a impugnação da constitucionalidade for reconhecida a

qualquer pessoa (quisque de populo) na forma de acção diz-se que há uma

legitimidade universal.

Quando a legitimidade para a impugnação da constitucionalidade é

reconhecida só a certas e determinadas entidades ou a certos e determinados

cidadãos que se encontram em determinada relação com o processo, fala-se de

legitimidade restrita.

2. Legitimidade “ex officio”, legitimidade das partes, legitimidade de

órgãos públicos

O princípio fundamental do processo constitucional é o de que a questão da

inconstitucionalidade só pode ser iniciada por determinadas pessoas – as

pessoas com legitimidade processual – ou por determinados órgãos públicos (ou

um número mínimo de titulares dos mesmos), mas nunca pelos próprios órgãos

de controlo.

A impugnação da inconstitucionalidade não é iniciada ex officio pelos órgãos

de controlo; estes aguardam a impugnação directa feita pelos órgãos

constitucionalmente legitimados (controlo abstracto) ou pelas pessoas que num

caso concreto são partes, ou, de qualquer modo, têm legitimidade processual

activa (controlo incidental concreto, acção constitucional de defesa).

Esta regra, como vai ver-se em seguida, deve tomar em conta o dever de

fiscalização dos juízes no controlo concreto, o que conduz, na prática, a consagrar

uma legitimidade ex officio dos mesmos para examinar a censurabilidade

constitucional da norma ou normas aplicáveis num feito submetido a decisão

judicial.

Deve ter-se em atenção que o facto de os órgãos de controlo não poderem ex

officio iniciar um processo de controlo de inconstitucionalidade, isso não

significa necessariamente que o órgão de controlo num processo perante si já

levantado, não possa ex officio tomar conhecimento e suscitar o incidente da

inconstitucionalidade, mesmo quando as partes o não tenham feito.

1. Efeitos gerais (erga omnes) e efeitos particulares (inter partes)

Distingue-se entre um sistema em que o órgão competente para fiscalização

da constitucionalidade anula o acto com eficácia “erga omnes”

(Allegemeinwirkung) e um sistema de desaplicação com eficácia inter partes. No

primeiro caso diz-se que há efeitos gerais, pois o acto normativo, uma vez

declarada a inconstitucionalidade, é eliminado do ordenamento jurídico; no

segundo tipo, existem efeitos particulares, pois o acto normativo reconhecido

como inconstitucional é desaplicado no caso concreto submetido à cognição do

juiz, mas continuará em vigor até ser anulado, revogado ou suspenso pelos

órgãos competentes.

2. Efeitos retroactivos e efeitos prospectivos

Existem efeitos prospectivos quando se atribui à decisão de anulação uma

eficácia ex nunc, no sentido de que o efeito da invalidade só começa a partir do

momento em que seja declarada a inconstitucionalidade; fala-se de efeitos

retroactivos ou de eficácia ex tunc, com efeitos retroactivos, próprios da nulidade

em sentido técnico, quando a eficácia invalidante abrange todos os actos,

mesmos os praticados antes da declaração da inconstitucionalidade.

3. Efeitos declarativos e efeitos constitutivos

a) Efeito declarativo

Fala-se em efeito declarativo quando a entidade controlante se limita a

declarar a nulidade pré-existente do acto normativo. O acto normativo é

absolutamente nulo (null and void) e, por isso, o juiz ou qualquer outro órgão de

controlo limitam-se a reconhecer declarativamente a sua nulidade. É o regime

típico do controlo difuso.

b) Efeito constitutivo

Nos sistemas de controlo concentrado a regra geral consiste em atribuir à

decisão de inconstitucionalidade um efeito constitutivo. O órgão que decide

sobre a inconstitucionalidade “anula” um acto normativo que até ao momento da

decisão é considerado como válido e eficaz. É o regime geral do controlo

concentrado

O sistema de controlo da Constitucionalidade na Constituição de 2010

O sistema de controlo da constitucionalidade contido na CRA de 2010 pode

ser caracterizado como um sistema misto complexo, pois comporta ambos os

sistemas de controlo – o difuso e o concentrado.

O sistema angolano de fiscalização da constitucionalidade é híbrido, pois

comporta os dois modelos clássicos de fiscalização: o modelo de controlo difuso,

cuja influência se deve a Judicial Review americana e o modelo de controlo

concentrado ou modelo austríaco, cujo principal mentor foi Hans Kelsen.

Antes da aprovação da nova constituição estavam de fora do âmbito do TC as

questões puramente políticas, os actos políticos, as decisões dos tribunais, os

actos administrativos. No âmbito das competências do TC deviam estar apenas,

quanto ao processo de fiscalização da constitucionalidade, a verificação da

constitucionalidade das normas (normenkontrolle) jurídicas (princípios e

regras). Hoje temos o recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

• Controlo difuso, concreto e incidental

Consagra-se o controlo difuso, concreto e incidental dos actos normativos na

CRA. A competência para fiscalizar a constitucionalidade das normas continua a

ser reconhecida a todos os tribunais, quer por impugnação das partes, quer ex

officio pelo juiz ou pelo Ministério Público, julgam e decidem a questão da

inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a

decisão judicial.

• O controlo abstracto de normas

Ao lado do controlo difuso e concreto a CRA consagrou um controlo

concentrado e abstracto de normas. Por controlo de normas entende-se o

processo constitucional dirigido à fiscalização e decisão, com força obrigatória

geral (com força de lei), do desvalor formal ou material de uma norma jurídica.

O controlo abstracto pode fazer-se antes (art. 228.º da CRA) de os diplomas

entrarem em vigor (controlo preventivo) ou depois (art. 230.º da CRA) de as

normas serem plenamente válidas e eficazes (controlo sucessivo).

Controlo Abstracto de normas

• a) Controlo preventivo

Seguindo a tradição francesa e portuguesa, a CRA de 2010 consagrou a

possibilidade de um controlo abstracto preventivo de alguns diplomas

legislativos (art. 227.º). O sentido de um controlo que incida sobre normas

imperfeitas não tem natureza idêntica de à um controlo jurisdicional incidente

(concreto, difuso) sobre normas já entradas em vigor. A decisão do tribunal não

consiste na anulação mas sim na proposta de veto ou reabertura do processo

legislativo.

• b) Controlo sucessivo

O controlo abstracto sucessivo também chamado controlo em via principal,

em via de acção ou em via directa (art. 230.º), existe quando, independentemente

de um caso concreto, se averigua da conformidade de quaisquer normas com o

parâmetro normativo-constitucional. O Tribunal Constitucional actua como

“defensor da Constituição” relativamente ao legislador e como órgão de garantia

da hierarquia normativa da ordem constitucional.

O Controlo da constitucionalidade por acção e por omissão

O controlo dos actos normativos violadores das normas e princípios

constitucionais reconduz-se à fiscalização da inconstitucionalidade por acção que

é a fiscalização típica exercida pelos tribunais (art. 180.º, n.º2 d) e e), 228.º,

230.º). Ao lado desta, existe a inconstitucionalidade por omissão, não muito

frequente no plano comparativo-constitucional.

A Constituição angolana, e dos PALOP são raros textos constitucionais

(também a CRP de 1976 e a Constituição brasileira de 1988) a consagrar,

expressis verbis, a possibilidade de uma inconstitucionalidade por omissão (art.

232.º da CRA). A CRP chega ao ponto de considerar a fiscalização da

constitucionalidade por omissão de normas jurídicas como um dos limites

materiais de revisão.

O reconhecimento da possibilidade de não cumprimento da Constituição em

virtude de um silêncio inconstitucional dos órgãos legislativos assenta no

pressuposto da superioridade formal e material da Constituição relativamente à

lei ordinária.

A lei fundamental impõe-se como determinante heterónoma superior e como

parâmetro da constitucionalidade não só quando o legislador actua em

desconformidade com as normas e princípios da Constituição como quando

permanece inerte, não cumprindo as normas constitucionalmente impositivas de

medidas legislativas necessárias para a concretização da lei magna.

Um exemplo de incumprimento da Constituição em virtude de um silêncio

inconstitucional do legislador ordinário em Angola é o que acontece

relativamente a ausência de legislação sobre o poder local, sobre o regime

jurídico do Habeas Corpus, sobre a iniciativa legislativa por parte dos cidadãos,

sobre o direito de oposição política, etc.

Vícios que geram inconstitucionalidade

A desconformidade dos actos normativos com o parâmetro constitucional dá

origem ao vício de inconstitucionalidade.

De acordo com Canotilho, a doutrina costuma distinguir entre vícios formais,

vícios materiais e vícios procedimentais:

• vícios formais – incidem sobre o acto normativo enquanto tal,

independentemente do seu conteúdo e tendo em conta apenas a forma da

sua exteriorização; na hipótese de inconstitucionalidade formal, viciado é

o acto, nos seus pressupostos, no seu procedimento de formação, na sua

forma final.

• Vícios materiais – respeitam ao conteúdo do acto, derivando do

contraste existente entre os princípios incorporados no acto e as normas

ou princípios da constituição; no caso de inconstitucionalidade material,

viciadas são as disposições ou normas singularmente consideradas.

• Vícios de procedimento – são os que dizem respeito ao procedimento de

formação juridicamente regulado, dos actos normativos (como a vontade

da maioria foi formada e se foi formada).

• Os vícios formais são consequentemente, vícios do acto; os vícios

materiais são vícios das disposições ou das normas constantes do acto; os

vícios de procedimento são vícios relativos ao complexo de actos

necessários para a produção final do acto normativo

Outros autores têm outra distinção para os vícios geradores de

inconstitucionalidade:

• Vício formal – tem a ver com aspectos formais; há que saber se foram

respeitados todos os procedimentos para a actuação do órgão que tem

competência. Se uma lei foi aprovada em formato de decreto-lei, há uma

inconstitucionalidade formal ou por vício de forma; se um determinado

órgão para actuar deve solicitar, por imposição legal, uma autorização e

não o faz, existe igualmente um vício de forma.

• Vício orgânico – tem a ver com o órgão que emana a norma (regras de

competência), não tendo competência para legislar há uma

inconstitucionalidade por vício orgânico. Havendo inconstitucionalidade

orgânica, viciada é a competência do órgão que emanou a norma jurídica.

• Vício material – tem a ver com o conteúdo da norma em apreciação; o

que está contido na norma é que é inconstitucional.

O Prof. Canotilho entende que este “vício orgânico” tecnicamente não existe

de forma autónoma. Para ele dentro do vício formal já estão contidos os vícios de

incompetência e a invalidade do acto derivará da sua idoneidade para

regulamentar certas matérias.

OS PRINCÍPIOS JURÍDICO-PROCESSUAIS FUNDAMENTAIS

A doutrina do DC tem reservado especial atenção para os princípios jurídico-

processuais, pela relevância que o tema apresenta, há que ter uma adequada

compreensão dos princípios que marcam o nosso direito processual

constitucional.

Por estarmos em presença de um ramo de direito processual, não surpreende

que nesse escrutínio se parta do elenco daqueles que são os princípios

fundamentais imperantes no universo do direito processual e, muito especial, do

direito processual civil.

Jorge Miranda faz uma distinção entre princípios estruturantes e princípios

instrumentais, incluindo no primeiro grupo o princípio da igualdade dos

intervenientes processuais, o princípio do contraditório, o princípio da

legalidade dos actos do processo e o princípio da fundamentação das decisões

que não sejam de mero expediente e no segundo o princípio do pedido, o

princípio do conhecimento oficioso do Direito, o princípio da utilidade da

decisão, o princípio da economia processual, o princípio da celeridade, o

princípio do processo escrito e o princípio da subsidiariedade do direito

processual civil.

Gomes Canotilho menciona o princípio do pedido, em princípio da instrução,

em princípio da congruência ou da adequação, em princípio da individualização e

em princípio do controlo material.

Para Blanco de Morais deve falar-se em princípio da subsidiariedade

substancialmente subjectiva ao direito processual civil, princípio do equilíbrio

relativo entre os “sub-princípios do dispositivo e do inquisitório, com

predominância do segundo, princípio do pedido, princípio da não vinculação do

Tribunal à causa de pedir, princípio do contraditório, princípio do interesse

processual e princípio do aperfeiçoamento do pedido irregular.

Já Vitalino Canas, refere-se ao princípio da subsidiariedade do processo civil,

ao princípio da adequação funcional, ao princípio da autonomia processual, ao

princípio dispositivo (em cujo âmbito se deve ainda mencionar o subprincípio do

pedido e o da disponibilidade quanto ao termo do processo), ao princípio do

inquisitório, ao princípio da igualdade das partes, ao princípio do contraditório,

ao princípio da não preclusão, ao princípio do conhecimento oficioso do Direito,

ao princípio do processo escrito, ao princípio da não publicidade das sessões, ao

princípio da celeridade processual e ao princípio da economia processual

Para efeitos da presente análise, importa especificamente fazer alusão a

apenas dois deles, atento o especial relevo prático que assumem, seja no

esquema da fiscalização abstracta, seja também, ainda que com algumas

especificidades, no que toca à fiscalização concreta: o princípio do pedido e o

princípio da especificação.

Aliás, para além de dois princípios distintos, pode mesmo dizer-se que nos

confrontamos com duas exigências complementares e intrinsecamente ligadas,

pois que a sua consagração em sede da LPC apresenta quatro consequências

essenciais em que ambos se combinam:

1. o dever, que impende sobre o requerente, de identificar com clareza as

normas cuja apreciação solicita (6.º, n.º 1 c), d) e e); 41.º da LPC), sob pena do

pedido não ser aceite (8.º, nº 1 e 41.º, n.º 5 da LPC);

2. a obrigação, a que se encontra adstrito o mesmo requerente, de indicar as

normas ou princípios constitucionais que considera terem sido violadas,

ausência igualmente punida com o decaimento do pedido (41.º da LPC);

3. a vinculação do TC – caso opte por dar provimento ao pedido – à

pronúncia/declaração/decisão pela inconstitucionalidade das normas cuja

apreciação lhe tenha sido requerida (consoante as situações processuais), e

apenas delas.

4. a liberdade da jurisdição constitucional no que toca à fundamentação da

sua decisão, que pode ser baseada na existência de violação de normas ou

princípios constitucionais diversos daqueles que foram invocados pelo

requerente no seu pedido (11.º LPC).

O Princípio do Pedido

O processo só se inicia sob o impulso das entidades às quais é

constitucionalmente reconhecida legitimidade processual activa. O pedido

consiste na solicitação para que se declare, se verifique ou se reconheça a

inconstitucionalidade de uma ou várias normas.

O TC actua a pedido das pessoas e entidades com legitimidade processual

activa e não mediante iniciativa dos juízes que o compõem. A isso se chama em

teoria processual o princípio do pedido.

Todavia, este princípio do pedido, que na ordem processual civil anda

associado ao princípio do dispositivo, não significa a recondução do processo

constitucional a um simples «processo de partes»

Algumas das consequências deste princípio são expressamente rejeitadas,

como por exemplo a possibilidade de desistência, art. 12.º da LPC (admitida

apenas na fiscalização concreta e nos processos de fiscalização preventiva).

O princípio da congruência ou da adequação

O sentido do princípio da congruência é bem conhecido da doutrina

processual civil: entre a sentença proferida pelo tribunal e as pretensões

deduzidas pelas partes existe uma relação de congruência que consiste

fundamentalmente em o tribunal apreciar apenas o pedido, mas sem deixar de

apreciar e resolver todo o pedido (correlação entre a pretensão e a decisão).

Este princípio, intimamente ligado ao princípio dispositivo, sofre algumas e

importantes correcções em direito processual constitucional.

Em todo o seu rigor, ele postularia a inadmissibilidade de apreciação

jurisdicional relativamente a questões não debatidas e consequente exclusão de

declaração de inconstitucionalidade de normas que não tivessem sido

impugnadas no processo.

Se isto é assim em processo de fiscalização concreta (e mesmo aqui há

problemas), já o mesmo não acontece nos processos de fiscalização abstracta

onde podem existir inconstitucionalidades consequenciais ou por arrastamento,

justificadas pela conexão ou interdependência de certos preceitos com os

preceitos especificamente impugnados.

Isto não implica a admissão generalizada deste tipo de

inconstitucionalidades, sobretudo se se tiver em conta um limite material

inequívoco: só podem admitir-se relativamente a preceitos contidos no acto

normativo impugnado, não devendo alargar-se a preceitos situados fora do acto

normativo sujeito a fiscalização jurisdicional.

O princípio da instrução

Embora o processo esteja dependente do pedido, e, nesta perspectiva, não se

trata de um processo inquisitivo, não se reconduz também a um processo

dispositivo relativamente à averiguação da verdade.

No processo dispositivo às partes pertence a adução do material que

possibilita ao juiz a decisão; no processo constitucional os juízes podem ex officio

proceder a averiguações tendentes à indagação material da verdade – princípio

da instrução – independentemente do contributo das pessoas ou entidades que

suscitarem a questão de inconstitucionalidade ou introduzirem uma acção

principal de controlo.

O princípio da individualização

Associada ao princípio dispositivo e ao princípio da congruência e como

consequência deles, a doutrina processual civil desenvolveu a regra (hoje

relativamente ultrapassada) da correspondência entre o pedido e o pronunciado

de acordo com o princípio da substanciação: o juiz conforma-se com a

delimitação do tema a decidir feita pelas partes, não lhe competindo averiguar se

a pretensão poderia obter-se através de outra providência ou com outros

fundamentos jurídicos.

Em todo o seu rigor, o princípio da substanciação conduziria à

impossibilidade prática de, por exemplo, o TC averiguar se, em vez de um\1a

inconstitucionalidade formal, existe uma inconstitucionalidade material ou uma

e outra conjuntamente.

O princípio da individualização

Associada ao princípio dispositivo e ao princípio da congruência e como

consequência deles, a doutrina processual civil desenvolveu a regra (hoje

relativamente ultrapassada) da correspondência entre o pedido e o pronunciado

de acordo com o princípio da substanciação: o juiz conforma-se com a

delimitação do tema a decidir feita pelas partes, não lhe competindo averiguar se

a pretensão poderia obter-se através de outra providência ou com outros

fundamentos jurídicos.

Em todo o seu rigor, o princípio da substanciação conduziria à

impossibilidade prática de, por exemplo, o TC averiguar se, em vez de um\1a

inconstitucionalidade formal, existe uma inconstitucionalidade material ou uma

e outra conjuntamente.

BIBLIOGRAFIA:

• Canotilho, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição,

Coimbra, Almedina, 2003.

• Canotilho, Gomes e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa

Anotada, 4ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, vol. I (2007) e II (2010);

• Correia, Fernando Alves, Direito Constitucional – A Justiça Constitucional,

Coimbra, Almedina, 2001;

• Correia, José de Matos, Introdução ao Direito Processual Constitucional,

Universidade Lusíada Editora, 2011.

• Costa, José Manuel Cardoso da, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 3ª

edição, Coimbra, 2003.

• Fonseca, Guilherme da e Domingos, Inês, Breviário de Direito Processual

Constitucional, Coimbra Editora, 1997