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1.ª Conferência Online de Urbanismo Táctico
Retórica da arte na cidade Mário Caeiro
LIDA / Portugal
Ponto de partida Obra Arte na Cidade – História Contemporânea (Temas e Debates / Círculo de Leitores, 2014) Experiência de curadoria de arte contemporânea no espaço público
Mote Arte Pública na perspectiva de uma retórica total do espaço urbano, da esfera pública e do horizonte cultural
Premissas Ideias-‐chave recolhidas na leitura a) da cidade (em si) – numa vertente contemporânea das derivas dos flâneurs baudelaireano e situacionistas. A ideia central é a de que a cidade é um texto que se sente, lê e vive.
b) dos autores que se dedicam à cidade – na prática, da teoria crítica que se interessa pela cidade Hoje já uma paisagem conceptual propriamente definida pelas ideias sobre a cidade de Benjamin a Jacobs, Argan, Latour, Rancière, Agamben, Miles, Rendell, Nawratek… cada autor-‐cidadão tem a responsabilidade de escolher o seu ‘mar’ e nele navegar ‘a gosto’ – escolher a sua ‘onda’ – em função da oportunidade dos mais diversos mecanismos conceptuais.
c) dos autores que a partir de outros campos do conhecimento podemos convocar para a reflexão sobre a condição urbana – da filosofia ao marketing ou ao placebranding, passando pela teoria dos sistemas… de Sloterdijk a Agamben, de Foucault a Capra…
Esta atitude genealógica dá sentido à investigação táctica. Ela informa as nossas tácticas individuais e colectivas face aos desafios da comunicação e da mediação urbanas.
Uma gramática [generativa] de experiências artísticas Arte Pública. Arte Urbana. Arte pela cidade afora… É a partir destas ‘imagens’ do urbano, que tenho vindo a estudar enquanto acções retóricas, que reflicto sobre como os experimentos de uma certa arte da cidade são fundamentais para conferirmos às urgências do urbanismo táctico um sentido cultural-‐ e socialmente mais profundo. Será que algumas imagens dessas intervenções urbanas falam por si?
Ideias para um urbanismo táctico Estas obras mostram que estamos num tempo da acção. É a responsabilidade de cada geração. E as desta geração são monumentais. Estamos a sair da filosofia e a entrar na retórica. Uma retórica necessariamente total e naturalmente comunitária – ou, se quisermos, desenvolvida em torno dos valores da comunidade. Isto não significa abdicar de quem, no plano da teoria, cria laços analíticos e reflexivos com o real, ou de quem faz acontecer na dimensão ‘estritamente’ política, mas implica valorizar as acções comunicativas humanas a partir de noções como a de cidade enquanto sistema cultural. Tal criatividade situada – a arte como comunicação social – tem de entrar nas equações que avaliam a nossa performática colectiva.
Parto do princípio de que a cidade ‘fala uma fala’ – e o fascinante nas cidades é a forma como são naturalmente resilientes à própria globalização que no entanto, por sua vez, também elas promovem, num movimento de certa forma paradoxal. Para manter o debate ao nível retórico – isto é, do falarmos uns com os outros sobre o que vale a pena discutir –, proponho que olhemos para as intervenções urbanas mais criativas e inovadoras do ponto de vista de uma análise do que significam, ou melhor, do seu sentido.
Lugar da arte Proponho que olhemos a cidade – o meio urbano – como um lugar onde somos convocados para deliberar – também sobre a forma de acções estéticas e artísticas, que co-‐enunciamos – sobre o passado, o presente e o futuro comuns. A noção da vida urbana como uma ‘obra de arte total’ – uma ideia patente em Richard Wagner – surge assim portanto estranhamente actual. Mas tal ideia não pode ser apropriada do ponto de vista de desenharmos à exaustão o meio (mesmo que em contraponto crítico de fenómenos como a design urbano gentrificador) mas de algo mais básico e atómico: apreciarmos a cidade como essa ‘primeira natureza’ de que fazemos inevitavelmente parte. Participarmos na criação urbana a vários níveis e nas várias dimensões do quotidiano.
A questão de que arte Aí, a cultura urbana não pode abdicar de repensar as acções de comunicação urbana propriamente ditas. Defendo então que as de uma ‘arte da cidade’ são particularmente retóricas, mas não reifico essa arte da cidade em absoluto, pois a qualquer momento uma qualquer inovação tecnológica ou social pode ‘virar por completo a mesa’, e colocar-‐nos problemas específicos para os quais não tenhamos ferramentas úteis. Na prática, isto significa ler em contínuo os sinais da cidade a partir dos sinais da sua ocupação. A tradição do Espaço Público levantou com toda a pertinência questões de como ocupar o espaço mais comummente, mas numa era em que muito do que é decidido é obscuro e porventura incontornável, como agir em ponto crítico?
Uma atitude possível é neste momento fazer da táctica urbanística uma lição ética, isto é, apelar à racionalidade e à emotividade que restam em cada cidadão para ‘tocar um nervo’ social que, a morrer definitivamente, nos conduziria para um plano de alienação inédito. Aí, todas as formas de estarmos juntos, de pensarmos juntos, mas também todas as dromologias pessoais que pudermos promover, são úteis para problematizarmos intuitivamente a pseud-‐urbanidade que está a caracterizar o sistema urbano a nível global.
Quanto à questão específica dos media, a arte pública crítica é ainda um reduto de resistência, pois uma boa imagem artística – mesmo quando contravisual, isto é, funcionando como um conceito resiliente à lógica do espectáculo – vale mais do que mil palavras.
Aforismos urbanos Pelas ‘imagens’ que vou apresentando – obras de arte que implicam processos exemplares – percebemos que questão da táctica – lembremo-‐nos de Lefebvre – é portanto um ‘pau de dois bicos’. Por um lado, sim, permite que ao criarmos aforismos urbanos, ponhamos as pessoas a pensar, por outro pode funcionar apenas como uma cirurgia de urgência que não ‘salva’ o paciente. Aí a táctica tem de ter uma relação dialéctica profunda com a estratégia, que quanto a mim se joga no plano de um investimento afectivo nas ideias e nas imagens de futuro. Neste quadro, proponho a metáfora do horizonte.
Horizonte cultural A táctica tem portanto de desenvolver um relação oblíqua – não óbvia nem directa – com o que a religião ou a política nos legaram, bem como com o que a ideologia – algumas… – ainda prometem. Podemos vivar sem promessas de futuro? A própria diversidade dos backgrounds contextuais de cada experiência vai criando a possibilidade de as experiências da arte urbana – venham elas dos campos do activismo ou da gentrificação, ou de outro qualquer! – poderem assegurar uma importante componente de experiência de um discurso total do meio urbano. O mesmo pode aspirar ao ‘acto único’ ou à longa duração; preferir provocar ou actuar cirúrgica-‐ e urgentemente… todos os mecanismos funcionam como produção de cidade e prática da vida urbana.
A arte vai assim criando o público da cidade.
Criar um público Na forma urbana que é conquistada como coisa comum.
Urbanismo táctico Um urbanismo táctico é portanto o fazer-‐se cidade pragmaticamente – afirmando paradoxalmente a cidade que existe em nome daquela que aí vem. Jogando entre os planos do símbolo e do dispositivo. Mas temos de estrar prontos, continuamente para mudar de linguagem, de meios, de lugares, recorrendo ao ‘melhor computador que temos – o cérebro – para ‘fintar’ o destino tecno-‐científico (Stiegler) em que parecemos mergulhados. Há uma economia do desejo – ainda Stiegler – por cumprir.
Cidadania Cada vez mais, a cidadania seria isto – começar por ler na cidade os autores, e ler a cidade nos autores e avançar para a celebração da Festa Urbana. Peço desculpa pelo aparente entusiasmo, mas cada um tem o seu horizonte motivador e o meu é o da Graça do Social. Não vejo aqui nenhum recuo lírico no sentido de que a poesia salvará a humanidade… apenas vejo que ao nível da táctica de certos artistas e sobretudo de certos processos colectivos de conquista dos territórios – e não apenas físicos –, esses são actos poéticos por excelência, porque viram a cidade existente contra os seus fantasmas. O passado, a memória, a comunidade, o futuro…
Para além da vida quotidiana Há portanto eventos – acontecimentos – que elevam o quotidiano e que por aí o tornam em algo sobre o qual vale a pena falar. Em conclusão, o engajamento activista, colectivismos vários, críticas pela direita ou pela esquerda às ilusões do modernismo, a cidadania artística, tudo é bem vindo à festa da cidade. Agora, ou se traduzem em mecanicidades partilháveis – como a desta Conferência – ou perdemo-‐nos num mar de possibilidades a que, não sendo conferida nenhuma monumentalidade, faltará poder de síntese.
A alguma arte da vida urbana, ou funciona como dispositivo, isto é, interface social, ou a cidade se pode transformar em mero museu de reacções epidérmicas ou ‘monos’ estéticos. E/ou epifenómenos.
Conclusão Há uma genealogia da arte pública crítica que vai de Beuys a Christo, Wodiczko ou Francis Alys. Sempre foi caracterizada pela pulsão de associar a táctica à estratégia (a da afirmação de si própria). Hoje, é altura de procurar honrar esse legado através da sugestão de novas nuances do/no dispositivo urbano. No plano da cidade vivida, o táctico está a conseguir mudar a nossa própria capacidade de pensar as estratégias. A questão do clima seria um exemplo, assim como a da Alimentação. Alguma arte é especialmente retórica – e persuasiva – na enunciação das questões e, ao mesmo tempo, no elencar e activar de soluções de vida.
Precisamos de uma arte pública eficaz e simultaneamente, subtil. Radical e motivadora na afirmação do seu potencial de sentido.
Resta saber com que capacidade afectiva usamos e criamos dispositivos de participação, e em que medida a cultura tem um papel radicalmente fundador na problematização dos dispositivos que nos cercam. Mas lá está: é na loucura que a criação aporta à cidade que se encontra um reduto de energia comunicacional que jamais um qualquer manifesto, ou programa, conseguirão capturar ou superar.
Porque a arte fala no seu momento próprio – enquanto apropriação plástica do contexto, com cada um de nós que ali está para vê-‐la, percebê-‐la e por vezes senti-‐la. É uma batalha em que, nas palavras de Joseph Beuys, o ‘autor’ da escultura social, todos somos artistas.
Em suma, começamos uma conferência sobre urbanismo táctico a falar de arte. Que é que isso significa? E que podemos fazer para que o sentido da arte seja aquele que tacticamente nos interessa?
Artistas-autores das obras apresentadas Joachim Slugocki&Katarzyna Malejka Rachel Whiteread Cartsne Höller Erwin Wurm Anónimo (Arles) Vhils Miguel Faro Jaume Plensa Nele Azevedo Claire Fontaine Mel Jordan & Andt Hewitt Guerrilla Lighting Moov+Miguel Faro Camila Cañeque José Maçãs de Carvalho Royale de Luxe Gabriele Seifert Maurizio Cattelan Alexandre A. R. Costa Santiago Reyes Anish Kapoor
Les Sapprophytres Joana Vasconcelos Daniela Brasil Paul Notzold Stefan Kornacki Hetpakt Nuno Maya & Carole Purnelle Dominik Lejman Frida Escobedo Jana Matejkova Hermenilde Hergenhahn (2) Rui Chafes Hugo Soares e João Gigante
Obrigado. Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha / Instituto Politécnico de Leiria LIDA – Laboratório de Investigação em Design e Artes 04.12.2015