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Gestão Estratégica do Suprimento e o Impacto no Desempenho das Empresas Brasileiras GESTOR GLOBAL: Um profissional estratégico no mercado internacional do século XXI Lívia Lopes Barakat e Virgínia Drummond Abdala O FE1301 Qual o objetivo do projeto? projeto Gestor Global da Fundação Dom Cabral busca, há dois anos, entender de forma aprofundada qual é o perfil do gestor global e como as multinacionais lidam com esse profissional. É um expatriado ou um profissional que viaja pelo mundo? É realmente importante para as nossas empresas? Como é recrutado, identificado e desenvolvido? Quais as suas competências? Na primeira fase do projeto, ouvimos o relato da experiência de sete multinacionais brasileiras em seus processos de internacionalização. Como essas empresas recrutam e desenvolvem pessoas capazes de trabalhar e se desenvolver dentro do que elas mesmas consideram uma perspectiva global? Especialistas preveem que, antes da metade do século XXI, o PIB das sete nações que lideram o grupo dos países emergentes vai superar o dos sete países hoje considerados os mais ricos do mundo, que compõem o G7. Os efeitos dessa “virada” são tão intensos e estruturais que já estão sendo percebidos em todo o mundo. A crise econômica que atinge as nações mais desenvolvidas nos últimos dois anos e a rápida ascensão dos países que fazem parte dos BRICs já são os primeiros sinais dos novos paradigmas que se constroem no mundo globalizado do século XXI. Algumas das dificuldades que esses países emergentes têm pela frente são semelhantes às que muitas multinacionais europeias, japonesas e americanas sofreram há mais de 30 anos. E uma delas refere-se à transferência de políticas internacionais de recursos humanos. Nesse sentido, uma questão essencial na gestão transnacional atual é: como manter uma estratégia global e, ao mesmo tempo, ter sucesso em um contexto local? “Acreditamos que a resposta para essa questão passa pelo surgimento de um novo tipo de profissional, que se prontifica a enfrentar tal desafio. E esse executivo responde pela denominação de gestor global”. A explanação é das professoras da Fundação Dom Cabral (FDC) Lívia Lopes Barakat e Virginia Drummond Abdala. Elas perceberam que esse novo ator passou a ter um papel tão essencial no contexto empresarial internacional que, há dois anos, decidiram desenvolver, em conjunto com uma equipe de professores da FDC, o projeto Gestor Global. Confira a entrevista com as professoras, que falam sobre o projeto, e os principais resultados da pesquisa desenvolvida com empresas brasileiras sobre o tema. Vocês desenvolveram também uma e-survey? Sim.Enviamos, para mais de 400 empresas uma e-survey que foi respondida por 153 executivos de todo o Brasil. Esse trabalho nos revelou como as empresas brasileiras identificam o perfil de um gestor global e lidam com ele. Fizemos também uma enquete que confirmou o interesse crescente por esse tipo de profissional entre as empresas brasileiras de médio porte com potencial de internacionalização.

Um profissional estratégico no mercado internacional do século XXI

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Lívia Lopes Barakat e Vírginia Drummond Abdala, da FDC, apresentam o projeto Gestor Global. Confira!

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Gestão Estratégica do Suprimento e o Impacto no Desempenho das Empresas Brasileiras

GEStor GloBal:Um profissional estratégico no mercado internacional do século XXILívia Lopes Barakat e Virgínia Drummond Abdala

o

FE1301

Qual o objetivo do projeto?projeto Gestor Global da Fundação Dom Cabral busca, há dois anos, entender de forma aprofundada

qual é o perfil do gestor global e como as multinacionais lidam com esse profissional. É um expatriado ou um profissional que viaja pelo mundo? É realmente importante para as nossas empresas? Como é recrutado, identificado e desenvolvido? Quais as suas competências?

Na primeira fase do projeto, ouvimos o relato da experiência de sete multinacionais brasileiras em seus processos de internacionalização. Como essas empresas recrutam e desenvolvem pessoas capazes de trabalhar e se desenvolver dentro do que elas mesmas consideram uma perspectiva global?

Especialistas preveem que, antes da metade do século XXI, o PIB das sete nações que lideram o grupo dos países emergentes vai superar o dos sete países hoje considerados os mais ricos do mundo, que compõem o G7. Os efeitos dessa “virada” são tão intensos e estruturais que já estão sendo percebidos em todo o mundo.

A crise econômica que atinge as nações mais desenvolvidas nos últimos dois anos e a rápida ascensão dos países que fazem parte dos BRICs já são os primeiros sinais dos novos paradigmas que se constroem no mundo globalizado do século XXI.

Algumas das dificuldades que esses países emergentes têm pela frente são semelhantes às que muitas multinacionais europeias, japonesas e americanas sofreram há mais de 30 anos. E uma delas refere-se à transferência de políticas internacionais de recursos humanos. Nesse sentido, uma questão essencial na gestão transnacional atual é: como manter uma estratégia global e, ao mesmo tempo, ter sucesso em um contexto local?

“Acreditamos que a resposta para essa questão passa pelo surgimento de um novo tipo de profissional, que se prontifica a enfrentar tal desafio. E esse executivo responde pela denominação de gestor global”. A explanação é das professoras da Fundação Dom Cabral (FDC) Lívia Lopes Barakat e Virginia Drummond Abdala.

Elas perceberam que esse novo ator passou a ter um papel tão essencial no contexto empresarial internacional que, há dois anos, decidiram desenvolver, em conjunto com uma equipe de professores da FDC, o projeto Gestor Global.

Confira a entrevista com as professoras, que falam sobre o projeto, e os principais resultados da pesquisa desenvolvida com empresas brasileiras sobre o tema.

Vocês desenvolveram também uma e-survey?Sim.Enviamos, para mais de 400 empresas uma e-survey que foi respondida por 153 executivos de todo o Brasil. Esse trabalho nos revelou como as empresas brasileiras identificam o perfil de um gestor global e lidam com ele. Fizemos também uma enquete que confirmou o interesse crescente por esse tipo de profissional entre as empresas brasileiras de médio porte com potencial de internacionalização.

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2Gestor Global: Um profissional estratégico no mercado internacional do século XXI

Qual a origem do termo Gestor Global? A célebre professora e pesquisadora canadense Nancy Adler (1990, 1997) foi uma das primeiras acadêmicas a falar do Gestor Global e diferenciá-lo do expatriado. Mesmo antes disso, Adler e Bartholomew (1992) mostraram que existem diferenças entre o “global” – ou o que chamaram de gestor “transnacionalmente competente” – e o tradicional expatriado. Capellen e Janssens (2008) consideram o conceito de Gestor Global mais amplo que o de expatriado, porque esse tipo de gestor não precisa, necessariamente, estar no exterior. Outros autores também trataram do tema.

E como vocês trabalharam esse gestor na pesquisa?Em nossa pesquisa, consideramos Gestores Globais os “profissionais em posições de gerência ou diretoria que possuem responsabilidades de coordenação global de atividades, tendo contato frequente com outras culturas e considerando os negócios sob uma perspectiva internacional”. São esses profissionais que estão atuando, devido à crescente demanda de internacionalização das empresas, com desafios de nível global em suas atividades diárias.

Dessa forma, um gestor global não necessariamente é um expatriado da empresa. Ele pode ser um gerente ou diretor que atua na matriz – no caso, o Brasil –, mas que precisa interagir e coordenar atividades nas subsidiárias da empresa em outros países, considerando os negócios em sua perspectiva global.

E quais as características que os empresários ouvidos atribuem a esse gestor?É interessante notar que, apesar de o termo ser conhecido por apenas 50% dos executivos que responderam ao e-Survey, a visão que eles têm do perfil desse profissional se aproxima bastante da definição adotada neste estudo. Segundo esses executivos, é muito importante que o gestor global fale várias línguas, além do português.

Não é necessário que o profissional tenha sido expatriado ou vivido no exterior, mas geralmente é uma pessoa que viaja muito. Ele precisa, ainda, ter uma visão global da empresa e sensibilidade para lidar com pessoas de outras culturas. Por fim, esse profissional deve estar envolvido com operações estratégicas que permitam uma visão global da empresa no Brasil e no mundo.

Pelo que pudemos ver na pesquisa, além das competências técnicas específicas de cada cargo ou setor, as multinacionais brasileiras costumam valorizar as competências comportamentais e emocionais. Quais são as principais delas?As principais competências necessárias a um gestor global são liderança, orientação estratégica, mobilidade e flexibilidade para adaptação em outras culturas. Nesse cenário, destaca-se a importância das experiências internacionais desses profissionais, na formação de uma orientação global, ou global mindset. Isso se reflete no respeito às diferenças, na sensibilidade e conhecimento cultural e no domínio de idiomas.

Figura1 Competências do Gestor Global Valorizadas pelas

Empresas Brasileiras

Há também a questão da visão sistêmica...Sem dúvida. Outro aspecto muito valorizado é a visão sistêmica da organização. Para assumir funções de liderança global, os gestores devem ter profundo conhecimento do mercado em que a organização atua, dos produtos e serviços oferecidos e do modelo de negócio, sabendo ainda transferir esse conhecimento para unidades da empresa no exterior.

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3FDC Executive

Quais são as principais políticas de desenvolvimento do Gestor Global?Para desenvolver seus gestores globais, as multinacionais brasileiras utilizam diversos métodos. O mais comum é o treinamento cultural, que aborda aspectos como a língua, a culinária e os costumes do país de destino. Há ainda palestras para os familiares que acompanham os profissionais e para os que ficam no Brasil. Essas políticas são muito comuns nos casos de expatriação dos gestores. Várias empresas que entrevistamos promovem treinamentos em suas subsidiárias no exterior – algumas o chamam de “estágio internacional”. Nesses casos, o principal objetivo é desenvolver o mindset global dos executivos, ampliando seu conhecimento cultural e sua visão sistêmica.

Nesse aspecto, as escolas de educação executiva, como a FDC, têm um papel importante.Algumas organizações mantêm parceria com instituições de educação executiva para a realização de cursos e programas específicos destinados a esse perfil de líder. Outro destaque em termos de desenvolvimento são as práticas de compartilhamento de conhecimento promovidas pelas multinacionais. Essas comunidades de práticas, ou fóruns de líderes, consistem em reuniões e/ou workshops em que os gestores globais relatam suas experiências internacionais e difundem diretrizes gerais para as unidades de negócio no exterior.

Há outras estratégias utilizadas pelas empresas nesse desenvolvimento dos profissionais?Além das parcerias citadas, há empresas que estimulam a rotatividade de cargos e destinos, como forma de desenvolver seus gestores globais, ampliando seu escopo de atuação e competências. Nesses casos, a organização considera que o gestor estaria mais bem preparado para assumir funções de direção numa unidade do grupo no exterior, por conhecer melhor os processos e a cultura da empresa. Por fim, apesar de pouco citada, constatamos a utilização de coaching e mentoring como políticas de desenvolvimento.

Vocês poderiam descrever também os critérios de seleção do gestor global?Nós pudemos perceber que, ao selecionar gestores globais, grande parte das empresas prioriza os profissionais internos, por já terem o conhecimento da empresa e da estratégia. Essas multinacionais mantêm um banco de potenciais gestores que são avaliados quando surge uma vaga para cargos internacionais. Algumas ainda realizam processos de seleção específicos em cada país, para contratar um profissional local em vez de expatriar um brasileiro. Algumas empresas se destacaram por promover a sucessão de gestores – um “rodízio” em que os líderes globais são substituídos periodicamente, passando a ocupar outros cargos e dando oportunidade para profissionais que se encaixam no perfil desejado e precisam desenvolver habilidades específicas de coordenação global.

Quanto aos critérios de seleção, é interessante notar que diversas empresas consideram importante a experiência internacional, a autonomia do gestor e o potencial de crescimento futuro. Uma delas comentou ainda que valorizava as indicações no processo de seleção.

E como se dá o processo de avaliação desse gestor?Grande parte das empresas não possui um processo formal e padronizado de avaliação dos gestores globais em suas vivências internacionais. No caso da expatriação, em algumas delas o profissional é avaliado por seu superior no local, enquanto outras exigem que ele apresente um relatório ou case após a viagem. Em casos de experiências de curta duração, a avaliação se baseia no cumprimento das metas ou objetivos específicos traçados antes da missão.

Quanto aos gestores globais sediados no Brasil, alguns são avaliados com os mesmos procedimentos utilizados para outros cargos (avaliação 360º, por exemplo). Algumas empresas ressaltaram a necessidade de se criar uma metodologia estruturada de avaliação específica para o gestor global, integrando esses processos nas suas diversas unidades de negócio.

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4Gestor Global: Um profissional estratégico no mercado internacional do século XXI

Quais são, de fato, os desafios da gestão de talentos globais?As multinacionais brasileiras enfrentam hoje grandes desafios na gestão de seus profissionais com perfil global – o principal deles é a retenção de líderes, segundo as empresas pesquisadas. Com o aquecimento da economia, maior escolaridade e empregabilidade dos profissionais, essas empresas têm cada vez mais dificuldade em reter talentos. Em razão da escassez de profissionais, elas enfrentam ainda outros problemas, como a aceitação por parte da família e a dificuldade em definir um pacote de benefícios ao gestor expatriado, incluindo a remuneração, que os atraia a atuar no exterior por um período determinado.

Há várias dificuldades nesse processo...Com certeza. Além disso, é difícil manter gestores que estejam alinhados com as políticas organizacionais e, ao mesmo tempo, consigam atuar localmente, adaptando-se a cada cultura. Algumas empresas alegam dificuldades também para alinhar os processos de RH entre as unidades de negócio do grupo, no Brasil e no exterior. Essa descentralização, relatada por alguns entrevistados, impõe o desafio de acompanhar, de forma eficiente, a gestão de pessoas adotada em cada país. Tendo em vista todas essas questões, algumas empresas estão desenvolvendo líderes locais. Isso leva a outro desafio – atrair e manter esses profissionais em cada país, diminuindo gradualmente a expatriação.

Bem, vamos então falar sobre as principais conclusões a que já chegaram até agora com o projeto.Vamos lá. A primeira parte do projeto Gestor Global da FDC permitiu uma melhor compreensão do perfil desse profissional e de como as empresas brasileiras realizam o recrutamento, avaliação e desenvolvimento. Podemos concluir que não existe um padrão entre as empresas pesquisadas, pois cada uma delas leva em conta suas experiências no processo de internacionalização. As práticas variam bastante de uma empresa para outra e estão profundamente inseridas na cultura organizacional e na história de cada organização, dentro do seu processo de internacionalização.

Temas como “competências técnicas”, “conhecimento da empresa e dos produtos” e “trabalho em equipe” continuam sendo itens importantes no processo de seleção dos executivos-chave para representar as empresas em suas operações mundiais. Mas as multinacionais brasileiras já demonstram o interesse e a necessidade de identificar um tipo de “sensibilidade cultural” e a formação de um mindset global para compor o perfil do Gestor Global.

a que outras conclusões vocês já chegaram?Podemos destacar também a “ausência de preconceito” como condição importante no processo de seleção de um Gestor Global. Isso parece confirmar a necessidade de esse profissional ter um tipo de competência intercultural. As práticas de treinamento intercultural de gestores globais, nos programas de mobilidade internacional, confirmam a tendência de conciliar mobilidade geográfica com políticas de desenvolvimento. Quanto às práticas de avaliação, uma das empresas nos surpreendeu apresentando uma hierarquia de gestores globais no seu programa de avaliação. Essa classificação estrutura seu sistema de desenvolvimento de carreira baseando-se nas competências globais.

Um grande desafio das empresas brasileiras é registrar e transmitir o conhecimento adquirido durante as missões no exterior, garantindo um benefício para gerações futuras de gestores globais.

Para terminar...Finalmente, podemos concluir que o desafio da retenção de talentos é ainda maior tratando-se de gestores globais, devido ao papel estratégico que eles desempenham nas organizações e à importância das competências que adquirem ao assumir responsabilidades no nível global. Isso nos leva a refletir sobre a maior necessidade de um alinhamento das políticas de desenvolvimento com a estratégia central da empresa.

Por fim, ressaltamos que práticas mais adequadas ao desenvolvimento de um mindset global nesses executivos podem trazer mais sucesso em suas atribuições. A segunda fase da pesquisa, que em breve será divulgada, irá mostrar como a mentalidade global pode contribuir para aumentar o desempenho do gestor e mantê-lo mais satisfeito e comprometido com o trabalho.

O Relatório da Pesquisa na íntegra, pode ser encontrado no site do Núcleo de Negócios Internacionais, www.fdc.org.br/pt/pesquisa/internacionalizacao/Paginas/publicacoes.aspx