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1 A CRIMINOLOGIA NO SÉCULO XXI Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Especialista em Direito Penal e Criminologia, Mestre em Direito Social (enfoque em Processo Penal), Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na graduação e pós graduação da Unisal. Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/eduardocabette/2012/08/01/a-criminologia-no- seculo-xxi/ RESUMO: O texto apresenta a evolução do pensamento criminológico, passando pelos suas diversas fases até a moderna configuração crítica. Põe em destaque especialmente os momentos de alteração epistemológica no trato dos problemas criminais, desde o surgimento do interesse nos estudos criminológicos até o desenvolvimento desse pensamento de acordo com novos paradigmas de conhecimento. SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Conceito e objeto da criminologia -3. A evolução do pensamento criminológico: 3.1 Preliminares; 3.2 A escola liberal Clássica do Direito Penal; 3.3 O Positivismo e o nascimento da criminologia: Criminologia Clínica e Criminologia Sociológica; 3.3.1 O Positivismo; 3.3.2 Criminologia Clínica e Criminologia Sociológica; 3.3.3 Teorias Estrutural Funcionalistas; 3.4 ANova Criminologia: Criminologia Crítica, Dialéticas, Radical, Interacionista ou da Reação Social; 3.4.1 Preliminares; 3.4.2 “Labeling Approach” ou Teoria da Reação Social; 3.4.3 A Sociologia do Conflito e a Criminologia 4. Conclusão 5. Referências Bibliográficas. PALAVRAS CHAVE: Criminologia Criminologia Clínica Criminologia Sociológica Criminologia Crítica Criminologia Integrada Positivismo Direito Penal Estrutural Funcionalismo “Labeling Approach” – Reação Social Defesa Social Sociologia Criminal Sociologia do Conflito. 1 INTRODUÇÃO O estudo do fenômeno criminoso sempre esteve em pauta e na atual fase do desenvolvimento social, marcada por uma forte heterogeneidade a acirrar os ensejos de conflito, torna-se tema obrigatório e de alta relevância. A ciência em qualquer de seus ramos deve contextualizar-se e tomar consciência do seu papel social, pois que ela “está no âmago da sociedade e, embora bastante distinta dessa sociedade, é inseparável dela, isso significa que todas as ciências, incluindo as físicas e biológicas, são sociais.”[1] É preciso ter em mente o enorme potencial transformador do conhecimento e do trato científico dado a um problema. Um modelo ou uma espécie de abordagem imprimidos a determinadas questões levará a conseqüências práticas positivas ou negativas. Morin adverte para essa realidade ao asseverar: “E, no entanto, essa ciência elucidativa, enriquecedora, conquistadora e t riunfante, apresenta- nos, cada vez mais, problemas graves que se referem ao conhecimento que produz, à ação que determina, à sociedade que transforma. Essa ciência libertadora traz, ao mesmo tempo, possibilidades terríveis de subjugação. Esse conhecimento vivo é o mesmo que produziu a ameaça do aniquilamento da humanidade. Para conceber e compreender esse problema, há que

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A CRIMINOLOGIA NO SÉCULO XXI

Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Especialista em Direito Penal e Criminologia, Mestre em Direito Social (enfoque em Processo Penal), Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na

graduação e pós graduação da Unisal.

Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/eduardocabette/2012/08/01/a-criminologia-no-seculo-xxi/

RESUMO: O texto apresenta a evolução do pensamento criminológico, passando pelos suas diversas fases até a moderna configuração crítica. Põe em destaque especialmente os momentos de alteração epistemológica no trato dos problemas criminais, desde o surgimento do interesse nos estudos criminológicos até o desenvolvimento desse pensamento de acordo com novos paradigmas de conhecimento.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Conceito e objeto da criminologia -3. A evolução do pensamento criminológico: 3.1 Preliminares; 3.2 A escola liberal Clássica do Direito Penal; 3.3 O Positivismo e o nascimento da criminologia: Criminologia Clínica e Criminologia Sociológica; 3.3.1 O Positivismo; 3.3.2 Criminologia Clínica e Criminologia Sociológica; 3.3.3 Teorias Estrutural – Funcionalistas; 3.4 ANova Criminologia: Criminologia Crítica, Dialéticas, Radical, Interacionista ou da Reação Social; 3.4.1 Preliminares; 3.4.2 “Labeling Approach” ou Teoria da Reação Social; 3.4.3 A Sociologia do Conflito e a Criminologia – 4. Conclusão – 5. Referências Bibliográficas.

PALAVRAS – CHAVE: Criminologia – Criminologia Clínica – Criminologia Sociológica – Criminologia Crítica – Criminologia Integrada – Positivismo – Direito Penal – Estrutural Funcionalismo – “Labeling Approach” – Reação Social – Defesa Social – Sociologia Criminal – Sociologia do Conflito.

1 – INTRODUÇÃO

O estudo do fenômeno criminoso sempre esteve em pauta e na atual fase do desenvolvimento social, marcada por uma forte heterogeneidade a acirrar os ensejos de conflito, torna-se tema obrigatório e de alta relevância.

A ciência em qualquer de seus ramos deve contextualizar-se e tomar consciência do seu papel social, pois que ela “está no âmago da sociedade e, embora bastante distinta dessa sociedade, é inseparável dela, isso significa que todas as ciências, incluindo as físicas e biológicas, são sociais.”[1]

É preciso ter em mente o enorme potencial transformador do conhecimento e do trato científico dado a um problema. Um modelo ou uma espécie de abordagem imprimidos a determinadas questões levará a conseqüências práticas positivas ou negativas. Morin adverte para essa realidade ao asseverar:

“E, no entanto, essa ciência elucidativa, enriquecedora, conquistadora e triunfante, apresenta- nos, cada vez mais, problemas graves que se referem ao conhecimento que produz, à ação que determina, à sociedade que transforma. Essa ciência libertadora traz, ao mesmo tempo, possibilidades terríveis de subjugação. Esse conhecimento vivo é o mesmo que produziu a ameaça do aniquilamento da humanidade. Para conceber e compreender esse problema, há que

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acabar com a tola alternativa da ciência ‘boa’, que só traz benefícios, ou da ciência ‘má’, que só traz prejuízos. Pelo contrário, há que, desde a partida, dispor de pensamento capaz de conceber e de compreender a ambivalência, isto é, a complexidade intrínseca que se encontra no cerne da ciência.”[2]

Transportando estas observações para a questão do pensamento criminológico, constata-se a necessidade de buscar a construção de um saber complexo, evitando reducionismos, preconceitos e idealizações que distorçam a realidade e produzam conclusões que orientem ações meramente simbólicas, incapazes de ensejarem transformações efetivas, mas, ao contrário, atuando como elementos reprodutores e perpetuadores de um quadro social marcado pela violência e desigualdade.

No decorrer deste trabalho procurar-se-á expor sumariamente o caminho percorrido pelo pensamento criminológico, desde o seu surgimento até a atualidade, propiciando a constatação dos frutos (positivos e negativos) produzidos em conformidade com o referencial teórico adotado para o estudo do fenômeno criminal.

2 – CONCEITO E OBJETO DA CRIMINOLOGIA

A conceituação e a delimitação do campo de atuação da criminologia apresenta uma variação de acordo com o modelo de interpretação do surgimento do fenômeno criminal.

Etimologicamente, criminologia deriva do latim “crimino” (crime) e do grego “logos” (tratado ou estudo).[3] Trata-se, portanto, consensualmente, do estudo do crime. Entretanto, podem variar as naturezas das abordagens aplicadas a este estudo, de modo a implicarem em diversas concepções da ciência criminológica.

Pode-se falar de um verdadeiro divisor de águas entre uma concepção tradicional da criminologia e a revolução que emergiu com o florescimento da chamada “Nova Criminologia” ou “Criminologia Crítica”.

Essa guinada conceitual constitui, em verdade, o cerne da evolução criminológica e o principal tema desta exposição.

Tradicionalmente o crime era encarado como uma realidade em si mesmo, ou seja, ontologicamente considerado. O criminoso como um indivíduo diferente, anormal ou até mesmo patológico. Desse modo todos os esforços eram alocados para as pesquisas em torno dos fatores produtores da delinqüência e os mecanismos capazes de prevenir, reprimir e corrigir as condutas desviantes. Crime e criminoso vistos como entes naturais, embora deletérios.

A Criminologia Crítica abandona definitivamente tais concepções e desmistifica a crença no crime como realidade ontológica e natural, bem como a ideologia da figura do criminoso como um anormal. “A consideração do crime como um comportamento definido pelo direito, e o repúdio do determinismo e da consideração do delinqüente como um indivíduo diferente, são aspectos essenciais da nova criminologia.”[4]

Essa mudança de enfoque possibilita a conclusão crucial para um estudo mais realista, de que “o delito não é um ente de fato, mas um ente jurídico”. “O delito é um ente jurídico porque sua essência deve consistir, indeclinavelmente, na violação de um direito.”[5]

Durkheim assinala que o crime é um fato rotineiramente tomado como patológico pela maioria dos criminologistas, devido a uma atitude precipitada e irrefletida. Afinal de contas o crime não é encontrável somente em certas sociedades com estes ou aqueles caracteres. Trata-se de algo presente em toda e qualquer sociedade; um elemento constante. Nem mesmo a evolução social conduz, juntamente com o seu maior nível organizativo, a um decréscimo nos índices de criminalidade. Na verdade, opera-se justamente o oposto: nas sociedades mais complexas ocorre um avanço da criminalidade. “Não há, portanto, fenômeno que apresente de maneira mais irrefutável todos os sintomas de normalidade, dado que aparece como estreitamente ligado às

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condições de qualquer vida coletiva. Transformar o crime numa doença social seria admitir que a doença não é uma coisa acidental mas que, pelo contrário, deriva, em certos casos, da constituição fundamental do ser vivo; seria eliminar qualquer distinção entre o fisiológico e o patológico”[6]

Tendo em vista essa alteração do enfoque epistemológico, observar-se-á uma grande diferença entre os conceitos tradicionais de criminologia e aquele hoje preconizados pelos autores críticos.

Em um primeiro plano pode-se destacar alguns conceitos que bem ilustram a concepção tradicional:

Edwin H. Sutherland define a criminologia como “um conjunto de conhecimentos que estudam o fenômeno e as causas da criminalidade, a personalidade do delinqüente, sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-lo.”[7]

Em sintonia com esse modelo também pode-se arrolar a definição de Newton Fernandes e Valter Fernandes:

“Criminologia é a ciência que estuda o fenômeno criminal, a vítima, as determinantes endógenas e exógenas, que isolada ou cumulativamente atuam sobre a pessoa e a conduta do delinqüente, e os meios labor – terapêuticos ou pedagógicos de reintegra-lo ao agrupamento social”.[8]

Ainda nesta mesma linha de pensamento apresenta-se a conceituação de Frederico Marques, para quem “a criminologia é a ciência que cuida das leis e fatores da criminalidade, consagrando-se ao estudo do crime e do delinqüente, do ponto de vista causal – explicativo”.[9]

Estes são apenas alguns exemplos de conceituação fulcradas na aceitação do crime como entidade natural e do criminoso como sujeito anormal. Verifica-se claramente um intento de obter uma determinação daquilo que causaria o fenômeno da criminalidade, seja como fator intrínseco no ser – humano, seja como algo proporcionado pelo ambiente. De qualquer forma, opera-se um corte epistemológico artificial entre o crime (pretensamente tomado como realidade ontológica) e as normas jurídicas produzidas pela vida social, afora a total ausência de preocupação com a atuação do sistema penal. Enfim, desconsidera-se a característica fundamental do fenômeno criminal, ou seja, sua realidade essencialmente normativa.

Considerando essa concepção tradicional, o objeto de estudo da criminologia cinge-se basicamente à etiologia e profilaxia do crime.

Por seu turno, a “Nova Criminologia” apresenta conceituações bastante diferenciadas, ensejando uma ingente reformulação na condução dos estudos do fenômeno criminal.

Zaffaroni e Pierangeli conceituam a criminologia como “a disciplina que estuda a questão criminal do ponto de vista biopsicossocial, ou seja, integra-se com as ciências da conduta aplicadas às condutas criminais”.[10]

Para os criminologistas radicais ou críticos a criminologia é a ciência que estuda a geração do fenômeno delinqüencial pela ordem social, buscando uma prática social transformadora, com profundas e radicais alterações nas estruturas sociais como meio para o equacionamento do problema do crime e da criminalidade.[11]

Dessa forma, não só o conceito, mas também o objeto de estudo alteram-se significativamente. O enfoque principal desloca-se do ato e do agente criminosos para o Sistema Penal e os processos de criminalização, ensejando a revelação de uma função velada da antiga criminologia como uma “ideologia de justificação do sistema penal e do controle social de que este forma parte.”[12]

Este é o parecer de Baratta ao afirmar que “de fato, as teorias criminológicas da reação social e as compreendidas no movimento da ‘criminologia crítica’, deslocaram o foco de análise do fenômeno criminal, do sujeito criminalizado para o sistema penal e os processos de

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criminalização que dele fazem parte e, mais em geral, para todo o sistema da reação social ao desvio.”[13]

Ao invés de justificar, legitimar e perpetuar todo o aparato repressivo organizado em torno do fenômeno criminal, a nova criminologia presta-se a levar a efeito uma rigorosa crítica ao Sistema Penal e aos processos criminalizadores, abrindo os horizontes inclusive para maiores preocupações com campos importantes de proliferação do crime, normalmente relegados a um segundo plano, como os casos da criminalidade econômica, ambiental etc., afeitas às classes socialmente melhor posicionadas.

Como se vê, com a “Criminologia Crítica” emerge uma radical mudança de paradigma no trato da questão criminal. Este fenômeno, segundo o pensamento de Thomas Kuhn, constitui a natureza mesma de qualquer ciência, pois que esta encontra-se atrelada a determinados modelos ou paradigmas que mudam com o tempo e as revoluções científicas. Para o autor enfocado, a chamada “Ciência Normal” “é baseada no pressuposto de que a comunidade científica sabe como é o mundo. Grande parte do sucesso do empreendimento deriva da disposição da comunidade para defender esse pressuposto – com custos consideráveis se necessário. Por exemplo, a ciência normal freqüentemente suprime novidades fundamentais, porque estas subvertem necessariamente seus compromissos básicos.”[14]

As revoluções científicas desintegram a tradição ligada à chamada “Ciência Normal”, através do embate entre segmentos da comunidade científica. Este “é o único processo histórico que realmente resulta na rejeição de uma teoria ou na adoção de outra”.[15]

A crise da criminologia tradicional exsurge exatamente desse conflito entre um velho paradigma que não mais se sustenta em confronto com o novo modelo criminológico que desvela os seus pressupostos equivocados e a sua natureza ideológica no sentido de encobrir fatores deslegitimantes do Sistema Penal.

Bastante incisiva é a exposição de Baratta quanto a essa questão, razão pela qual torna-se imperativo proceder à sua transcrição em arremate:

“Sobre a base do paradigma etiológico a criminologia se converteu em sinônimo de ciência das causas da criminalidade. Este paradigma, com o qual nasce a criminologia positivista perto do final do século passado, constitui a base de toda a criminologia ‘tradicional’, mesmo de suas correntes mais modernas, as quais, à pergunta sobre as causas da criminalidade, dão respostas diferentes daquelas de orem antropológica ou patológica do primeiro positivismo, e que nasceram, em parte, da polêmica com este (teorias funcionalistas, teorias ecológicas, teorias multifatoriais etc.).

O paradigma etiológico supõe uma noção ontológica da criminalidade, entendida como uma premissa preconstituída às definições e, portanto, também à reação social, institucional ou não institucional, que põe em marcha essas definições. Desta maneira, ficam fora do objeto de reflexão criminológica as normas jurídicas ou sociais, a ação das instâncias oficiais, a reação social respectiva e, mais em geral, os mecanismos institucionais e sociais através dos quais se realiza a definição de certos comportamentos qualificados como ‘criminosos’.

A pretensão da criminologia tradicional, de produzir uma teoria das condições (ou causas) da criminalidade, não é justificada do ponto de vista epistemológico. Uma investigação das causas não é procedente em relação a objetos definidos por normas, convenções ou valorações sociais e institucionais. Aplicar a objetos deste tipo um conhecimento causal – naturalista, produz uma ‘reificação’ dos resultados dessas definições normativas, considerando-os como ‘coisas’ existentes independentemente destas. A ‘criminalidade’, os ‘criminosos’ são, sem dúvida alguma, objetos deste tipo: resultam impensáveis sem intervenção de processos institucionais e sociais de definição, sem a aplicação da lei penal por parte das instâncias oficiais e, por último, sem as definições e as reações não institucionais.”[16]

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3 – A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO CRIMINOLÓGICO

3.1 – PRELIMINARES

Neste item pretende-se apresentar um breve esboço das diversas correntes do pensamento criminológico, desde seu surgimento e desenvolvimento “tradicional” até os dias atuais, com as suas formulações críticas ou radicais.

Duas observações devem ser feitas antes da exposição das diversas concepções: as linhas de pensamento criminológico não têm, em sua seqüência, uma divisão estanque, de maneira que convivem em algumas épocas orientações distintas e às vezes complementares. Por outro lado, a diversidade de orientações no estudo do fenômeno criminal, inclusive passando pelos métodos e instrumentos de diversas ciências, revela uma tendência de isolamento de cada linha de pesquisa, cada qual arrogando-se a descoberta da melhor explicação para o fenômeno criminal. É notável que isso ocorra num campo nitidamente complexo como o da criminologia, cujo caminho natural seria o de integração ou interdisciplinaridade, conforme bem destacam Newton e Valter Fernandes.[17]

3.2 – A ESCOLA LIBERAL CLÁSSICA DO DIREITO PENAL

A figura do crime, da violência, acompanham a sociedade humana desde os primórdios. A infração às normas de conduta social e sua punição são temas constantes na história da humanidade. Desde a Antigüidade, passando pela Idade Média, o fenômeno criminal tem sido objeto de curiosidade. Entretanto, a abordagem inicial do tema detinha-se basicamente em concepções místicas no Direito Antigo[18] ou de afirmação dos poderes dos soberanos, na era absolutista.[19] Todo desvio somente apresentava duas explicações: uma ofensa a Deus ou ao Príncipe, não havendo qualquer preocupação explicativa do seu germe ou a consideração de fatores externos a essas relações (legitimidade da punição, utilidade da pena, legalidade etc.).

Com o advento do Iluminismo no século XVIII, inicia-se uma fase de estudos e preocupações com a face jurídica do crime e das penas. Surge o Princípio da Humanização das sanções e a busca de uma utilidade ou função para estas, sem a qual qualquer punição é tomada como simples crueldade gratuita e injustificável.[20]

A Escola Clássica Liberal desenvolve-se nesse contexto na Europa no século XVIII e primeira metade do século XIX. Entretanto, sua preocupação não se dirige ao estudo do fenômeno criminal ou ao criminoso. Seus postulados referem-se ao conteúdo jurídico – penal, procurando desenvolver uma formulação teórica do Direito Penal.

É apenas com o Positivismo e o surgimento da Antropologia Criminal que se opera um voltar de olhos ao crime para o criminoso e a atenção ao estudo do fenômeno criminal em si.

O interessante é notar que embora na Escola Clássica não se possa falar especificamente de uma criminologia, a qual nascerá com o Positivismo, como se verá posteriormente, existem alguns pontos de contato entre a visão clássica de delito e a teorização da Criminologia Crítica em oposição à tradicional.

Efetivamente a Escola Liberal Clássica não considera o delinqüente como um ser diferenciado dos demais, detendo-se basicamente sobre o crime entendido como um conceito jurídico. Para os clássicos a conduta criminosa deriva simplesmente do “livre arbítrio” do criminoso e não de causas patológicas ou influências ambientais. Desse modo a pena não visa intervir sobre o delinqüente para reforma-lo, mas apenas subsiste como uma “contramotivação em face do crime”. Essa concepção do crime como ente jurídico – normativo e não natural, bem como do criminoso como um ser – humano não diferenciado, é resgatada pela Criminologia Crítica ao rebater os pressupostos da Criminologia Tradicional.

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Além disso, ao destacar que o poder punitivo do Estado deveria ser assinalado pela “necessidade e utilidade” da pena e pelo “Princípio da Legalidade”, a Escola Liberal Clássica funcionava como uma “instância crítica em face da prática penal e penitenciária do antigo regime”. Aqui também apresenta um ponto de contato com a Criminologia Moderna que, “contestando o modelo da criminologia positivista, desloca sua atenção da criminalidade para o direito penal, fazendo de ambos o objeto de uma crítica radical do ponto de vista sociológico e político”.[21]

3.3 – O POSITIVISMO E O NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA: CRIMINOLOGIA CLÍNICA E CRIMINOLOGIA SOCIOLÓGICA

3.3.1 – O POSITIVISMO

A doutrina filosófica do positivismo floresceu no século XIX, generalizando na Filosófica Ocidental um espírito antimetafísico e antiteológico. Ou seja, pretende-se transplantar até mesmo para a Filosofia o rigor do método científico,[22] reduzindo o conhecimento humano àquele “claro e distinto”, obtido pela análise de fatos e coisas concretas no melhor estilo cartesiano.[23]

O principal expoente desse período foi Augusto Comte (1798 – 1857), cuja doutrina, divulgada a partir de 1826, costuma, em um sentido mais restrito e histórico, ser designada como o próprio positivismo. A doutrina de Comte abrange “uma teoria da ciência, uma reorganização da sociedade e uma religião”.[24]

Segundo Comte, “o caráter essencial do novo espírito filosófico consiste na sua tendência necessária a substituir por toda parte o absoluto pelo relativo”.[25] Assim sendo, o significado emprestado ao termo “positivo” é aquilo que “vigora de fato ou tem realidade efetiva”.[26] Neste sentido afirma Comte que “a palavra positivo designa o real em oposição ao quimérico”.[27]

Dessa maneira, o positivismo procura estender a todas as áreas o método científico (até mesmo à filosofia e à religião), destacando a importância do conhecimento puro e simples dos fatos e de suas relações.

Zilles expõe sumariamente as teses fundamentais do positivismo:[28]

a) O único conhecimento verdadeiro possível é o científico e seu método é o único válido. Afastam-se quaisquer ingerências metafísicas, devido ao fato de que esta é incessível ao método da ciência.

b) O método científico é exclusivamente descritivo, investigando somente os fatos e a relação entre eles.

c) Sendo o método da ciência o único válido, deve ser estendido a todos os campos da pesquisa e da atividade humana.

Para Comte, “tudo obedece às leis imutáveis da natureza”, cabendo “ao homem descobrir essas leis e reduzi-las a uma unidade, restringindo-se aos fatos”.[29] O autor sob comento apresenta a chamada “Doutrina dos Três Estados” ou “Lei da Evolução Intelectual da Humanidade”. Por esta doutrina, todas as investigações humanas estão inevitavelmente sujeitas à passagem por “três estados teóricos diferentes e sucessivos”, denominados de “teológico, metafísico e positivo”. [30] Sobre o tema transcreve-se a narrativa do próprio Comte, bastante elucidativa:

“No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente suas investigações para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam numa palavra, para os conhecimentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos pela

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ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo.

No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observado, cuja explicação consiste, então em determinar para cada um uma entidade correspondente.

Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir.”[31]

Todo esse clima de efervescência da supervalorização do método das ciências, teve seus reflexos no âmbito do Direito e, conseqüentemente, nas Ciências Criminais.

No âmbito do Direito o Positivismo Jurídico vem para contrapor-se ao Jusnaturalismo. O Positivismo Jurídico procura aproximar o Direito, ao máximo possível, do método das ciências naturais, reduzindo-o àquilo que possui de palpável, observável, passível de medida e descrição, ou seja, as normas legais.

Também nesta área faz-se presente a oposição entre o método cientifico como único norte válido e as concepções supostamente equivocadas, tomadas como elementos a serem alijados do conhecimento humano (misticismo, metafísica etc.).

Bobbio retrata sumariamente o antagonismo reinante entre as concepções Jusnaturalistas e Positivistas a respeito do conceito de “Justiça”:

“Enquanto para um jusnaturalista clássico tem, ou melhor dizendo, deveria ter, valor de comando só o que é justo, para a doutrina oposta é justo só o que é comandado e pelo fato de ser comandado. Para um jusnaturalista uma norma não é válida se não é justa; para a teoria oposta uma norma é justa somente se for válida. Para uns, a justiça é a confirmação da validade, para outros, a validade é a confirmação da justiça.”[32]

O objeto da ciência jurídica passa necessariamente a ser as normas jurídicas. Segundo Kelsen, “na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação – menos evidente - de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou conseqüência, ou – por outras palavras – na media em que constitui o conteúdo de normas jurídicas”.[33]

Por seu turno, a questão de uma conceituação abstrata de justiça é posta em xeque, como um objetivo quimérico, inalcançável através de um rigoroso procedimento científico, de modo que as definições obtidas pela cultura humana até então não passariam de fórmulas vazias, maleáveis e servíveis a quaisquer interpretações.[34]

Para Kelsen, “nenhuma outra questão foi tão passionalmente discutida; por nenhuma outra foram derramadas tantas lágrimas amargas, tanto sangue precioso; obre nenhuma outra, ainda, as mentes mais ilustres – de Platão a Kant – meditaram tão profundamente. E, no entanto, ela continua até hoje sem resposta. Talvez por se tratar de uma dessas questões para as quais vale o resignado saber de que o homem nunca encontrará uma resposta definitiva; deverá apenas tentar perguntar melhor”.[35]

Esse abandono das questões não submetíveis ao método experimental, conduziu, em sede de Ciências Criminais, ao surgimento de uma preocupação com a descoberta de relações e regras constantes capazes de explicar o fenômeno da criminalidade. Surge então a Criminologia,

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proporcionando, pela primeira vez, uma mudança de enfoque no âmbito criminal, dando maior relevância ao estudo da figura do criminoso, que era praticamente deixada de lado no Direito Penal Clássico, afeito tão somente à teoria jurídica do crime.

3.3.2 – CRIMINOLOGIA CLÍNICA E CRIMINOLOGIA SOCIOLÓGICA

Tendo em vista a concepção positivista quanto a um suposto “progresso histórico” do pensamento humano, que direciona-se de forma ascendente de explicações místicas, passando por uma fase metafísica, até chegar ao entendimento estritamente científico dos fenômenos; passa-se a tentar reduzir todo conhecimento à experimentação, considerando-se primitivas quaisquer outras especulações.

Neste clima, o fenômeno criminal somente poderia ser pesquisado com base em dados empíricos fornecidos pela realidade de leis naturais imutáveis e experimentáveis.

A primeira conseqüência seria necessariamente a individualização do criminoso como objeto de estudo. Isso operou-se através do afastamento absoluto do “livre arbítrio” pugnado pela Escola Clássica como elemento de legitimação da responsabilidade criminal. O resultado disso foi a consideração do delinqüente como um “anormal”. Segundo Ferri, “o homem que comente um delito, ou por seu preponderante impulso fisiopsíquico (causa endógena) ou por predomínio de condições de ambiente (causa exógena), pelo menos no momento em que realiza o fato, está em condições anormais”.[36]

Seria necessário dotar o pesquisador de instrumentos hábeis a selecionar, cientificamente, os criminosos (anormais), dentre a população humana aparentemente homogênea ou normal.

O primeiro esforço neste sentido parte da doutrina de Cesare Lombroso, especialmente com a publicação da famosa obra “O Homem Delinqüente”, no ano de 1876.[37]

Lombroso pensou haver detectado no criminoso uma espécie diferenciada de “homo sapiens”, que apresentaria certos sinais (“stigmata”) físicos e psíquicos. Esses estigmas físicos caracterizariam o “criminoso nato” (forma da calota craniana e da face, dimensões do crânio, maxilar inferior procidente, sobrancelhas fartas, molares muito salientes, orelhas grandes e deformadas, corpo assimétrico, grande envergadura dos braços, mãos e pés etc.), além daqueles psíquicos (pouca sensibilidade à dor, crueldade, leviandade, aversão ao trabalho, instabilidade, vaidade, tendência à superstição, precocidade sexual etc.). Todos esses sinais seriam conseqüência de um “regresso atávico”, dadas suas semelhanças com as formas primitivas dos seres humanos.[38]

Além disso Lombroso julgou encontrar uma relação entre a epilepsia e a “insanidade moral”. Entretanto, tendo em vista que durante suas próprias investigações constatou que nem todos os criminosos apresentam as características preconizadas[39], elaborou uma distinção entre “criminosos verdadeiros (natos)” e “pseudo – criminosos”, sendo estes últimos os “ocasionais” e os “passionais”. Portanto, Lombroso “nunca disse que todo criminoso é nato e, sim, que o verdadeiro criminoso é nato”.[40]

O determinismo lombrosiano levaria a conclusões e conseqüências relevantes na seara da Política Criminal. Por exemplo, sendo portador não deliberado do impulso criminoso praticamente irresistível,o infrator não poderia ser exposto a “expiações morais e punições infamantes”. A sociedade poderia, porém, defender-se aplicando-lhe desde a prisão perpétua até a pena de morte.[41]

Essa doutrina, contudo foi amplamente criticada e desmentida por pesquisas posteriores a indicarem não existir qualquer indício seguro a demonstrar alguma diferença fisiológica, física ou

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psíquica entre os homens encarcerados e aqueles que jamais foram submetidos a uma condenação criminal.[42]

Malgrado as características deterministas e até mesmo ensejadoras de atitudes preconceituosas, propiciadas por uma absoluta precipitação conclusiva de Lombroso; tem de ser a ele reconhecido o mérito de haver dado o primeiro impulso à Criminologia, sob a forma da “Antropologia Criminal”. A Lombroso cabem os louros pela inauguração do estudo do homem delinqüente, sendo considerado o “Pai da Criminologia”.[43]

Também foi a partir de Lombroso que se iniciaram os diversos estudos acerca da pesquisa de elementos endógenos capazes de eclodirem a face criminosa de um ser humano.

Diversas pesquisas em campos variados das ciências naturais e biológicas formaram um conjunto de teorias explicativas do fenômeno criminal, ao qual costuma-se denominar de “Criminologia Clínica”. Como já exposto anteriormente, essas teorias apresentam uma grave falha porque pretendem explicar isoladamente, dada uma com seus instrumentos, o crime e o criminoso.

Apenas a título exemplificativo e sumário, passa-se a mencionar alguns campos de pesquisa desta orientação:

a) Biologia Criminal – São estudos voltados à caracteriologia e morfologia dos criminosos, visando sua classificação. São expoentes dessa linha de pesquisa Nicola Pende, Ernst Kretschmer e William Sheldon.[44]

b) Criminologia Genética – Neste campo destacam-se os estudos acerca do cromossomo XYY, tomado como portador dos caracteres ensejadores da conduta violenta no ser humano. Entretanto, nenhum estudo conseguiu comprovar uma relação entre anomalias cromossômicas, como por exemplo a “Síndrome do Y extra”, e a tendência para o crime.[45]

A relação entre genética e criminologia torna-se, hoje, bastante atual, em face da grande potencialidade de manipulações genéticas propiciadas pelo avanço científico dessa área.

Embora seja inadequado no atual estágio da criminologia pensar-se em uma origem genética ou numa “Herança Patológica” da criminalidade, não é impossível que a descoberta de certos genes responsáveis por alguma característica considerada arbitrariamente negativa, torne-se fator de tentação para a indevida ingerência na individualidade humana. A questão neste tema é, além de científica e jurídica, de índole ética, pois representa uma perigosa possibilidade de desrespeito à personalidade e à liberdade humanas. Neste sentido é a manifestação de Stella Maris Martinez:

“A tentação de modificar, conforme um plano preconcebido, o patrimônio genético de significativos grupos sociais, apresenta-se como um dos principais riscos derivados das novas técnicas de engenharia genética. Em tal sentido, Rothley salientava: ‘O benefício da análise do genoma coniste em seu uso na prevenção de enfermidades. Frente a este benefício se encontram graves riscos que as análises genéticas podem ocasionar. Os referidos perigos residem especialmente na possibilidade de que surjam imperativos eugênicos e preventivos de isolamento social de extratos inteiros da população’.”[46]

c) Psiquiatria e Psicologia Criminais- Trata-se dos estudos do crime como conseqüência de distúrbios psíquicos, procurando neste campo indicar a anormalidade do criminoso em relação ao restante da população humana.

São estudos acerca da formação da personalidade (caracteriologia), do narcisismo, das personalidades, moléstias mentais (neuroses, psicoses e oligofrenias), desvios sexuais, parafilias etc.[47]

Especial destaque merece neste campo a “Teoria Freudiana do Delito por Sentimento de Culpa”. Ela tem origem na doutrina freudiana da neurose e em sua aplicação no intuito de explicar o comportamento criminoso.

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No que se refere ao crime e ao indivíduo que o perpetra, “a psicanálise cuida de demonstrar que o crime não é mera resultante de fatores exógenos; que o mundo externo não atua somente sobre a consciência, mas, também, sobre os extratos mais profundos da personalidade; que esta tem seu comportamento determinado por seus componentes psíquicos, sendo a conduta anti – social a forma de externalização de um conflito interno. Essas são as idéias centrais da psicanálise, das quais parte a criminologia psicanalítica”.[48]

Especificamente no caso da “Teoria do Delinqüente por sentimento de culpa”, cujo escrito data de 1916 e teve enorme importância, sendo texto fundamental como ponto de partida para todos os estudos criminológicos que se seguiram[49], é relevante salientar que representou “uma radical negação do tradicional conceito de culpabilidade e, portanto, também de todo o direito penal baseado no princípio de culpabilidade”.[50]

Segundo Freud, os instintos delituosos são reprimidos, mas não destruídos pelo superego, permanecendo sedimentados no inconsciente. Tais instintos são acompanhados, no inconsciente, por um sentimento de culpa e uma tendência a confessar. Então mediante o comportamento criminoso, o sujeito supera o sentimento de culpa e realiza sua tendência à confissão.[51]

Em seu trabalho (“I delinquenti per senso di colpa”) ele relata que várias pessoas respeitáveis, ao falarem sobre sua puberdade, narravam a perpetração de atos ilícitos (pequenos furtos, estelionatos, incêndios etc.). Inicialmente Freud apenas creditava tais ocorrências à debilidade moral natural nessa fase da vida humana. Entretanto, sentiu a necessidade de aprofundar-se porque alguns pacientes narravam fatos que tais praticados na idade adulta.

A constatação de Freud foi a de que a prática dessas ações estava associada ao fato de serem proibidas e sua execução propiciava um alívio psíquico àqueles que as cometiam. Observou ainda que tais pacientes sofriam de um “oprimente sentimento de culpa” de origem desconhecida e que, depois da prática delituosa, a opressão da culpa era abrandada, tendo em vista que tal sentimento podia ser creditado a algo real.

Havia, no caso, uma inversão, na qual o sentimento de culpa preexistia à ação ilegal, ao invés de surgir depois de seu cometimento. O crime “era a resultante do sentimento de culpa”, mais que isso, era a sua racionalização.[52]

Não somente pelo prestígio do autor, como também pela proposta etiológica aplicável a determinados casos de fatos criminosos, é interessante o destaque dessa teoria freudiana. Entretanto, agora tomando a Criminologia Psicanalítica em geral, pode-se dizer que seu maior destaque está na pioneira inclusão (já por volta dos anos 20 e 30) da sociedade, “sob um ângulo inteiramente diferente” na explicação do fenômeno criminal. Antecedendo a reflexão propriamente sociológica proporciona em Freud e seus seguidores uma meditação acerca da validade do Princípio da Culpabilidade, constituindo-se em elemento crítico frente ao Direito Penal tradicional.

Por outro lado, outro filão da Criminologia Psicanalítica, constituído pelas “Teorias Psicanalíticas da Sociedade Punitiva” (Theodor Reik, Franz Alexander, Hugo Staub, Paul Reiwald, Helmut Ostermeyer e Edward Naegeli), coloca “em dúvida também o princípio de legitimidade e, com isto, a legitimação mesma do direito penal. A função psicossocial que atribuem à reação punitiva permite interpretar como mistificação racionalizante as pretensas funções preventivas, defensivas e éticas sobre as quais se baseia a ideologia da defesa social (Princípio da Legitimidade) e em geral toda ideologia penal. Segundo as teorias psicanalíticas da sociedade punitiva, a reação penal ao comportamento delituoso não tem a função de eliminar ou circunscrever a criminalidade, mas corresponde a mecanismos psicológicos em face dos quais o desvio criminalizado aparece como necessário e ineliminável da sociedade”.[53]

Embasado na teoria freudiana do “delinqüente por sentimento de culpa”, Theodor Reik apresenta uma teoria psicanalítica do Direito Penal. Defende a existência de uma dupla função da pena:

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a) para o indivíduo desviante, a pena dirige-se à satisfação da necessidade inconsciente de punição que o impulsiona a uma ação proibida;

b) para a sociedade, a pena satisfaz uma necessidade de punição, por meio de uma inconsciente identificação com o infrator.

Desse modo, as concepções retributiva e preventiva da pena, tradicionalmente defendidas nos meios jurídicos, não passam de “racionalizações de fenômenos que fundam suas raízes no inconsciente da psique humana.”[54]

Toda essa identificação da sociedade punitiva com o infrator, apresentada por Reik, Alexander e Staub, baseada ainda no mecanismo de “projeção” freudiano, levou Paul Reiwald a desenvolver sua teoria do criminoso como um “bode expiatório” da sociedade. Alguém sobre quem recai a descarga de culpas inconscientes numa tentativa de purificação.[55]

Efetivamente em Freud desde logo encontra-se a definição do tabu como sendo algo desejável mas proibido. “A base do tabu é uma ação proibida, para cuja realização existe forte inclinação do inconsciente”.[56] Assim sendo, as ações consideradas desviantes têm um característico de serem atrativas aos integrantes da sociedade em geral (afinal não seria necessário proibir algo que não fosse de modo algum desejado), gerando a conclusão de que a punição dos infratores das regras sociais proibitivas se dá por um mecanismo inconsciente de identificação de desejos reprimidos. Essa é a conclusão do próprio Freud ao asseverar que “é igualmente claro por que é que a violação de certas proibições tabus constitui um perigo social que deve ser punido ou expiado por todos os membros da comunidade se é que não desejam sofrer danos. Se substituirmos os desejos inconscientes por impulsos conscientes, veremos que o perigo é real. Reside no risco da imitação, que rapidamente levaria à dissolução da comunidade. Se a violação não fosse vingada pelos outros membros, eles se dariam conta de desejar agir da mesma maneira que o transgressor.”[57]

Verifica-se que a Criminologia Psicanalítica, muito embora não apartada da explicação etiológica para o crime, tem a qualidade de introduzir o elemento crítico do Sistema Penal na pauta de discussões, seja de um ponto de vista microssociológico (“Teoria do Delinqüente por sentimento de culpa”), seja de um ângulo macrossociológico (“Teorias Psicanalíticas da Sociedade Punitiva”).

d) Endocrinologia – Estuda a atuação de secreções endócrinas (glandulares) para a produção do evento criminoso. Tratam-se de pesquisas voltadas para a “psicofisiologia criminal”.

Segundo Quintilhano Saldaña, as secreções internas ou endócrinas são de influência reconhecida nas funções psíquicas e sobre fenômenos psicofisiológicos complexos. As glândulas endócrinas lançam produtos diretamente no sangue, que é o elemento biológico mais determinante das funções cerebrais. De acordo com essas pesquisas, “as secreções endócrinas influenciariam os estados emocionais, podendo produzir modificações de condutas normais ou patológicas.” Podendo também “produzir psicoses e influenciar o cometimento de crime”.[58]

e) Estudo das Toxicomanias - Trata da pesquisa da relação entre as toxicodependências ou mesmo do simples consumo de drogas (legais e ilegais) como elemento criminogenético. Estes estudos, diferentemente dos demais casos até agora expostos, não têm a pretensão de apresentarem uma explicação de caráter geral para o evento criminoso, mas somente procuram a eventual relação com a utilização de tóxicos em casos concretos e específicos. A conclusão a que se chega nesses casos é a de que as toxicomanias são “um razoável fator de criminalidade e fenômeno de patologia social que, dia após dia, perigosamente, ganha proporções alarmantes e dificilmente controláveis.”[59]

Apresentado um esboço dos principais aspectos da chamada “Criminologia Clínica”, passa-se agora a expor os fundamentos da “Criminologia Sociológica”.

A “Criminologia Sociológica” surge como um elemento crítico da “Criminologia Clínica”, expondo que sua insistência nas causas endógenas da criminalidade deixava a descoberto as

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influências ambientais ou exógenas presentes na gênese delitiva, estas, segundo seus defensores, amplamente preponderantes.

Seu principal precursor no Positivismo foi Enrico Ferri, o qual no prefácio de sua obra “Princípios de Direito Criminal”, assim se manifesta:

“Esta ciência, a que eu chamo ‘sociologia criminal’ e que estuda a gênese natural do crime, como fato individual e social, e dele indica os meios de defesa preventiva e repressiva, compreende necessariamente também a organização jurídica da repressão, contida no Código Penal e no Processo Penal”.[60]

A “Criminologia Sociológica” continua na senda da pesquisa da etiologia do delito. Apenas altera a natureza dessa etiologia, transplantando-a para a influência do ambiente.

No Brasil Tobias Barreto lapidou a afirmação de que “a sociedade é co – ré na maioria dos crimes julgados pelos tribunais”.[61]

Os estudos sobre a influência do ambiente na criminalidade são bastante abundantes e variados. Podem ser mencionados exemplificativamente estudos de influências de diversas espécies:[62]

a) Geografia Criminal e Meio Natural – Estudos referentes à repercussão do meio ambiente (em sentido amplo) na gênese criminal.

b) Metereologia Criminal – Refere-se a estudos relativos à influência do clima na incidência criminal.

c) Higiene e Nutrição – Destaca a atuação criminogênica da promiscuidade e da falta de meios básicos de subsistência, sublinhando também a pobreza e a miséria como fatores importantes, embora não necessariamente vinculados ao crime.

Ao tratar do problema do relacionamento eventual entre o crime e a condição social das pessoas é interessante lembrar uma questão que muitas vezes passa despercebida como uma face oculta dos discursos que pregam atuações assistenciais preventivas em bairros ou localidades pobres. Percebe-se, através de uma análise mais acurada, que os benefícios levados ou projetados para essas localidades não estão focando em um primeiro plano a satisfação dos direitos básicos dessas pessoas que vinham sendo desprezados, mas, na verdade, atuam como uma instância preventiva no âmbito criminal, visando atingir e neutralizar uma população considerada potencialmente perigosa no aspecto delitivo.

Essa constatação é que leva Theodomiro Dias Neto a questionar onde ficariam as fronteiras entre a atuação política e social, visando garantia de direitos às pessoas e a mentalidade meramente preventiva e até mesmo preconceituosa de uma prevenção voltada para os meios sociais menos favorecidos, rotulados como potenciais geradores de criminosos. Questiona o autor: “ações voltadas ao aprimoramento do ensino ou à criação de espaços de lazer para jovens em uma área de baixa renda e de alto risco criminal devem ser classificadas como medidas de prevenção criminal? Como seriam as mesmas medidas classificadas se dirigidas a um público de maior poder aquisitivo?”[63]

Baratta também alerta para o risco de confusão entre políticas públicas ou sociais e políticas criminais, mencionando o perigo da “criminalização das políticas sociais”. Passa a haver uma indevida promiscuidade entre a satisfação estatal de direitos fundamentais com o fim de prevenção social do crime. Essa mentalidade acaba dividindo a sociedade infratores potenciais e potenciais vítimas ou entre vigiados e protegidos. A assistência social não é trabalhada como um dever do Estado para com cidadãos marginalizados e solapados em seus direitos fundamentais, mas sim como um dever de proteção contra criminosos potenciais.[64]

Essa é uma visão crítica necessária para que a proposta de uma pesquisa etiológica entre criminalidade e condição social seja sempre recebida com certa cautela, em face de seu

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conteúdo muitas vezes estigmatizante, produtor de estereótipos indevidos, em suma, geradora de preconceitos que, inclusive, ocultam-se até mesmo no bojo de discursos de caráter assistencial.

d) Sistema Econômico – Põe em evidência a capacidade do Sistema Econômico em criar conflitos sociais, em especial devido à desigualdade e ao consumismo alimentados pelo Capitalismo. O modelo econômico pode ser a origem de outros fatores considerados criminogenéticos, tais como a pobreza, a miséria, a fone, a desnutrição, o analfabetismo, a educação precária, desemprego, subemprego, êxodo rural e industrialização, urbanização e densidade demográfica, dentre outros. Ainda ligada umbilicalmente ao Sistema Econômico, especialmente na realidade atual, está a Política, cuja atuação perpetuante das injustiças sociais somente faz fomentar o arcabouço criminogenético existente.

e) Mal vivência – Trata-se da constatação do potencial criminógeno da adoção deliberada ou desafortunada de um modo de vida marginal. São os casos dos andantes, vagabundos, mendigos, prostitutas etc.

f) Ambiente Familiar – A desestruturação do lar e da família apresentada como uma das causas determinantes da criminalidade precoce ou mesmo adulta. Seriam fatores exemplificativos: a violência doméstica, abusos sexuais no lar, alcoolismo e toxicomanias dos pais, carências afetivas etc.

g) Profissão – Indica-se, através de observações do dia a dia, a relação entre determinadas profissões e a espécie de crime favorecido por elas. Muitas vezes a atividade profissional do indivíduo pode incliná-lo à prática de certas infrações penais. Por exemplo: médicos e crimes culposos por imperícia ou abortos; funcionários públicos e atos de corrupção; advogados e contadores e crimes de fraudes processuais ou fiscais; investidores e crimes financeiros; engenheiros e crimes culposos (desabamentos) etc.

Newton Fernandes e Valter Fernandes fazem menção nesses casos aos chamados “Criminosos Situacionais”, afirmando que “é induvidoso que certas posições, ocupações ou profissões, ensejam ao indivíduo facilidades e benefícios, que confrontados com a situação em que vivem os demais, conferem-lhe privilégios, que a maioria das pessoas não consegue alcançar”.[65]

h) Guerra – Constituem estudos sobre a influência do ambiente criado durante e após uma guerra como fator gerador de condutas criminosas.

i) Migração e Imigração – Em especial autores norte – americanos apresentam trabalhos dedicados a este tema (v.g. Edwin Sutherland, Breckinridge, Abbot, Gillin, Healy, Ângelo Vacaro, Zorbaugh, Clayton etc.), certamente devido à grande incidência de imigrantes ilegais naquele país e seu relevante papel nas estatísticas criminais. Deixando de lado, por ora, a questão da “seletividade do Sistema Penal”, que será analisada no estudo da “Criminologia Radical”, constata-se como elemento criminogenético nos casos de migração e imigração, a heterogeneidade cultural que passa a avultar no ambiente social e as dificuldades de adaptação dos agregados, bem como seus sentimentos de frustração ante as expectativas alimentadas quando de sua partida e a realidade encontrada no destino escolhido. Na realidade brasileira isso pode ser muito bem retratado com os migrantes de Estados Nordestinos que se instalam em precárias condições nas favelas de São Paulo.

j) Prisão e Contágio Moral – A influência deletéria da prisão sobre os encarcerados e sua atuação contrária aos objetivos comumente preconizados é tema já bastante comentado pela literatura criminológica. O fenômeno do contágio moral pode ocorrer nas prisões ou mesmo na vida em sociedade, devido à convivência com pessoas enfronhadas na marginalidade, no submundo do crime. Ocorre que nas prisões tal fenômeno encontra todo o ambiente especialmente propício para o seu desenvolvimento.

O que se opera no ambiente carcerário, ao contrário da recuperação do delinqüente, é a sua adequação completa a um submundo criminoso, fenômeno conhecido como “prisionização”.

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Por isso, vige na doutrina a assertiva consensual de que “a realidade, (…), revela que a ressocialização é impossível de ser alcançada, seja porque ela, em si mesma, é paradoxal, seja porque os meios oferecidos para a sua execução são imprestáveis. Por isso, hoje, não passa de um mito”.[66]

Na verdade o tradicional discurso da recuperação ou ressocialização vai perdendo terreno na nova realidade econômica mundial em que as populações marginalizadas tornam-se um entrave, um descarte necessário do sistema, inexistindo qualquer preocupação com sua inserção ou reinserção social. Ao contrário, o objetivo maior tende para a sua exclusão definitiva.[67] Não é outra a conclusão de Minhoto:

“Hoje, o enfraquecimento da ideologia de reabilitação e a guinada rumo à valorização da função meramente incapacitadora do cárcere, para além do debate estritamente acadêmico, parece ter mais a ver com a transformação da prisão em fábrica de exclusão social, na medida em que o confinamento tende a se configurar como uma alternativa ao emprego, uma estratégia de neutralização dos setores da população que se tornam descartáveis ao olhos do sistema produtivo, para os quais não há trabalho ao qual se reintegrarem.”[68]

Sobre este tema muito haveria a expor. Contudo, seu desenvolvimento excederia os objetivos do presente trabalho, razão pela qual remete-se o leitor à farta literatura disponível a respeito.[69]

k) Meios de Comunicação – Os meios de comunicação podem ter uma atuação importante na prevenção criminal, cumprindo sua função educativa e cultural. Entretanto, o que se verifica é a incontrolada busca por índices de audiência, mediante a exploração de casos criminais reais, divulgando e banalizando a violência, bem como “ensinando” modalidades de atuação criminosa. Afora isso, os meios de comunicação atuam de maneira relevante para inculcarem nas mentes o furor consumista, consistindo em importante fator de frustração para as camadas mais baixas da sociedade.

Zaffaroni constata essa atuação deletéria dos “mass midia” e propõe um controle equilibrado a fim de minimizar seus efeitos:

“(…), as notícias podem ser submetidas a um controle técnico que evite sua difusão através da televisão de maneira a provocar ou implicar metamensagens reprodutoras ou instigadoras públicas de violência, de delito, de uso de armas, de condutas suicidas ou consumo de tóxicos.

Sem dúvida, este controle técnico seria atacado como lesivo à liberdade de expressão. No entanto, apesar de a liberdade de expressão consistir na livre circulação e no amplo direito à informação, as idéias podem circular com liberdade sem que isso seja incompatível com a proteção da produção nacional, a criação de fontes de trabalho e a economia de divisas. O amplo direito à informação não é limitado quando não se impede a circulação das notícias, mas quando se proíbe inventar fatos violentos não ocorridos, mostrar pela televisão cadáveres despedaçados, explorar a dor alheia surpreendendo declarações de vítimas desoladas e desconcertadas, violar a privacidade de vítimas humildes e outros recursos semelhantes, como a incitação de brigas entre vizinhos de bairros populares, invenção de pseudo – especialistas em matérias que desconhecem totalmente, apresentação de profissionais desconhecidos como catedráticos etc; isto é, a propagação de mensagens irresponsáveis que constituem uma deslealdade comercial com o simples objetivo de obter audiência, numa competição viciada (…).”[70]

Efetivamente é fato notório a capacidade reprodutora da violência pelos meios de comunicação com sua atuação gananciosa e irresponsável. Um exemplo histórico foram os casos de “vitriolagem” ocorridos em França em determinado período. Paul Aubry atribuiu a disseminação da prática (jogar ácido sulfúrico no rosto das pessoas), a um fenômeno de “mimetismo” ou “contágio moral” propiciado pela divulgação dos casos de forma irresponsável pela imprensa.[71] Imagine-se, hoje, o quanto esse problema se agigantou, considerando o grau de desenvolvimento das comunicações e o fenômeno da globalização.

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Findo este quadro sumário das pesquisas da “Criminologia Sociológica” e das diversas etiologias sociais indicadas para a origem do crime, no próximo tópico apresentar-se-á as chamadas “Teorias Estrutural – Funcionalistas”, também de matiz sociológico, mas que merecem ser estudadas separadamente, tendo em conta suas peculiaridades.

3.3.3 – TEORIAS ESTRUTURAL – FUNCIONALISTAS

As Teorias Estrutural – Funcionalistas têm por ponto de partida a constatação de que o crime é produzido pela própria estrutura social, tendo a sua função dentro do sistema, razão pela qual não deve ser tomado como uma anomalia ou moléstia social.

O fundamento teórico básico e original é ofertado por Émile Durkheim ao apontar para a normalidade do crime em todas as sociedades. É dele a afirmação de que “o crime é normal porque uma sociedade isenta dele é completamente impossível”.[72] Mais que isso, para Durkheim, o crime é “necessário” para a coesão social e uma sociedade sem crimes é que daria indícios de deterioração. Para o autor o fenômeno criminal provoca uma reafirmação da ordem social e uma legitimação para a sua existência. Portanto, toda vez que ocorre um crime, a reação contra ele reafirma os laços sociais e confirma a vigência e validade das normas regulamentadoras do convívio. É isto que afirma textualmente: “O crime é necessário; está ligado às condições fundamentais de qualquer vida social mas, precisamente por isso, é útil; porque estas condições de que é solidário são elas mesmas indispensáveis à evolução normal da moral e do direito”.[73]

O desvio, sendo funcional, conforme demonstrado, somente será perigoso para a existência e o desenvolvimento da sociedade quando exceder certos limites. Nestes casos pode advir uma situação de absoluta desorganização e anarquia, em que todo o sistema normativo de conduta perde seu valor. Ao mesmo tempo, outro sistema não se firma em substituição, gerando um estado de absoluta falta de regras ou normas, uma ausência de qualquer orientação sobre a conduta humana. A este estado de coisas, Durkheim denomina “anomia” e esta sim pode ser um fator extremamente deteriorante da sociedade.[74]

Um exemplo sempre atual de uma situação de “anomia” é a sensação de impunidade e de ausência ou negligência dos órgãos oficiais, gerando um amplo descrédito no sistema normativo vigente, mas inoperante. Aliás essa constatação não é nova, encontrando-se intuída desde antanho na afirmação de Beccaria de que “não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo (…)”.[75]

A noção de “anomia” e da funcionalidade do crime na sociedade conduz a uma revolução inclusive no que tange à finalidade e fundamento da pena, pois que não mais devem ser buscados na profilaxia de um mal. “Com efeito, se o crime é uma doença, a pena é o remédio e não pode ser concebida de modo diferente; assim todas as discussões que suscita incidem sobre a questão de saber em que deve consistir para desempenhar o seu papel de remédio. Mas se o crime não tem nada de mórbido, a pena não pode ter como objetivo cura-lo, e a sua verdadeira função deve ser procurada noutro lugar”.[76] Confirma-se assim a assertiva antecedente a este item, onde afirma-se que as teorias ora em exposição, embora de matiz sociológico e buscando as origens do crime, apresentam peculiaridades que as diferenciam das demais pesquisas sociológico – criminais praticamente acríticas quanto à visão maniqueísta do crime, do criminoso e das funções do Direito Penal.

Ainda sob a orientação estrutural – funcionalista há que mencionar a doutrina de Robert Merton. O autor sob comento se utiliza da noção de “anomia” para indicar como o desvio é um produto da própria estrutura social, absolutamente normal, na medida em que esta própria estrutura acaba compelindo o indivíduo à conduta desviante, apresentando-lhe metas, mas não lhe disponibilizando os meios necessários para a sua consecução, de maneira a “tirar-lhe o chão”, abandonando-o sem possibilidades “normais” de obter seus objetivos. Ausentes os meios legais, mas presente a pressão para a conquista dos objetivos impostos socialmente, esse vácuo

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(“anomia”) necessitará ser preenchido de alguma forma. Essa forma é a perseguição dos fins por meios ilegais, desviantes, já que os legítimos não estão disponíveis.

Segundo Merton, “a desproporção entre os fins culturalmente reconhecidos como válidos e os meios legítimos à disposição do indivíduo para alcança-los, está na origem dos comportamentos desviantes”.[77] E mais: “a cultura coloca, pois, aos membros dos estratos inferiores, exigências inconciliáveis entre si. Por um lado, aqueles são solicitados a orientar a sua conduta para a perspectiva de um alto bem estar; por outro, as possibilidades de faze-lo, com meios institucionais legítimos, lhes são, em ampla medida, negadas”.[78]

A maior crítica que se faz à doutrina de Merton é a de que ela somente explica a criminalidade das classes sociais mais baixas. Ela não serviria para desvelar a criminalidade de “Colarinho Branco” (v.g. econômica, fiscal, ambiental etc.). Isso porque tais sujeitos ativos ocupariam um “status” social elevado e teriam à sua disposição os meios legítimos para o alcance dos fins culturalmente impostos. Mesmo assim incidiriam na senda do crime. A essa questão a orientação mertoniana não apresentaria uma resposta satisfatória.

Na visão de Merton essa objeção não seria crucial. Para ele os “criminosos de colarinho branco” seriam exatamente a personificação do contraste entre os fins culturais socialmente impostos e os meios legítimos para o seu alcance. Os chamados “homens de negócios” que incidem em práticas criminosas seriam, então, aqueles que absorveram amplamente os fins culturais (sucesso econômico), mas, por outro lado, não interiorizaram as normas institucionais que determinam os meios legais para a consecução daqueles fins.

Não obstante, Baratta afirma que “a criminalidade de colarinho branco permanece, substancialmente, um corpo estranho na construção original de Merton. Esta é adequada somente para explicar, naquele nível superficial de análise ao qual chega, a criminalidade das camadas mais baixas”.[79] Aduz o autor que Merton, ao tentar adequar sua explicação à criminalidade de “colarinho branco”, se vê “constrangido a acentuar a consideração de um elemento subjetivo – individual (a falta de interiorização das normas institucionais) em relação a de um elementos estrutural – objetivo (a limitada possibilidade de acesso aos meios legítimos para a obtenção do fim cultural, o sucesso econômico).”[80]

Razão parcial assiste a essa crítica. Efetivamente a adaptação feita por Merton privilegia um aspecto subjetivo em detrimento de um elemento objetivo original, de maneira a desvirtuar a teoria enquanto fórmula explicativa geral.

No entanto, não parece inadaptável de forma absoluta a criminalidade de “colarinho branco” à teoria mertoniana de desequilíbrio entre fins culturais e meios institucionais, em sua formulação original.

Essa correlação conturbada entre fins e meios, na realidade da sociedade capitalista, atinge a todos indistintamente. Dependendo da posição ocupada socialmente pelo indivíduo, variará o grau de sofisticação dos fins almejados. No entanto, a pressão exercida para a conquista destes ou daqueles fins, mais ou menos sofisticados, necessários ou supérfluos, acaba não diferindo qualitativamente em face da interiorização pelo indivíduos em geral das concepções de obtenção sempre maior de bem estar e acúmulo de riquezas. Para uns, o fim cultural em face à sua condição social, pode ser somente um carro novo, uma casa ou até mesmo um simples tênis. Para outros, milhões em dinheiro, jatos particulares, jóias etc. Na sociedade capitalista não existem limites para o acúmulo e o consumo, estando invariavelmente submetidos a um afã de progresso econômico infinito, todos aqueles que são submetidos e dominados por tal pressão cultural.

Nesse quadro, em qualquer caso, os fins culturais nunca estarão suficientemente equilibrados com os meios legais disponíveis ao seu alcance. Se um empresário já tem altos lucros e muitos bens materiais, estará sempre impelido a aumentar esse lucros e adquirir mais bens. Nem sempre essa operação é viável pelos meios institucionais, o que o levaria, igualmente àquele indivíduo das classes mais baixas, à senda da ilegalidade para a consecução de seus

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objetivos, os quais só diferem dos deste pelo grau de sofisticação. A “necessidade” de alcance de certos fins na sociedade capitalista é muito mais psicológica do que material e então não há diferença substancial entre as expectativas de progresso econômico das classes baixas ou altas, a não ser, como já frisado, pelo grau de sofisticação.

Na verdade se os fins culturais preconizados por Merton fossem aqueles básicos, que constituem uma necessidade material mínima dos seres humanos, sua teoria não somente seria inválida para as classes superiores, mas também para qualquer uma que estivesse acima da linha da miséria. Como já destacado, esses fins culturais exercem uma atuação muito mais psicológica nos indivíduos, do que constituem verdadeiras necessidades básicas (v.g. roupas da moda, jóias, carros, bebidas, mobiliário luxuoso etc.). Mesmo estando em uma situação econômica privilegiada podem haver certos objetivos inalcançáveis pelos meios institucionais, mas almejados pelo indivíduo dominado pelo modelo capitalista.

Hobsbawn retrata essa realidade atual: “(…), é evidente que se as pessoas vivem em um nível de subsistência, isto é, sem garantia dos elementos básicos de vida, como alimento, roupa, abrigo, então é muito importante sair dessa situação. Elas ficam felizes simplesmente por viver em uma situação na qual não mais precisam temer a fome. (…). Mas, quando se vive acima do nível da miséria, as coisas são muito diferentes. Mesmo um aumento na renda ou uma ampliação da gama de divertimentos não assegura, de modo necessário ou automático, um sentimento de realização ou satisfação. Num mundo em que as pessoas podem viver de bolo, em vez de pão, não se pode evitar o estresse da inveja e da competição social. Para um indivíduo rico em uma sociedade dinâmica, é difícil não fazer comparações com a riqueza acumulada por outros membros do mesmo grupo social, mesmo tendo obtido já todo êxito que esperava. (…). E isto, obviamente, reduz a felicidade e aumenta a insegurança.”[81]

Do exposto conclui-se que, na verdade, o equívoco de Merton foi no sentido de pretender desvirtuar sua teoria original, inserindo um elemento subjetivo desnecessário no caso dos crimes de “colarinho branco”, ao invés de atentar para a natureza homogênea da pressão psiciológica dos fins culturais na sociedade capitalista.

Por outro lado, Baratta também critica a teoria mertoniana em virtude de sua negligência quanto à “relação funcional objetiva” entre a criminalidade de “colarinho branco” e a “estrutura do processo de produção e do processo de circulação do capital” legais. Segundo o autor, é fato evidente que “uma parte do sistema produtivo legal se alimenta de lucros de atividades delituosas em grande estilo”.[82]

Sem dúvida, essa é uma lacuna nos estudos de Merton, a qual, porém, não tem o condão de invalidar suas conclusões nos limites a que se propôs.

Uma teoria que surgiu como uma “alternativa à teoria funcionalista” foi aquela apregoada por Edwin H. Sutherland, denominada de “Teoria da Associação Diferencial”. Segundo ela, a criminalidade, à semelhança de qualquer modelo de comportamento, é aprendida, de acordo com os convívios específicos aos quais se submete o sujeito, em seu ambiente social e profissional.[83]

Tal pensamento serviu de base para a formulação da chamada “Teoria das Subculturas Criminais”. O indivíduo aprenderia o crime (técnicas e fins) de acordo com o seu convívio em determinados meios e assumiria as feições de certos grupos aos quais estaria ligado por aproximação voluntária (convívio opcional com certos grupos sociais); ocasional (classe social) ou coercitiva (prisão).[84]

Sutherland afirma que pelo processo de “associação diferencial” o indivíduo, de acordo com seu convívio, aprende e apreende as condutas desviantes. Por isso, tal teoria poderia explicar tanto a criminalidade das classes baixas como das altas. Os criminosos menos abastados cometeriam sempre os mesmos crimes, porque estariam ligados ao convívio de pessoas de seu nível social e somente poderiam aprender essas espécies de condutas delitivas, não tendo acesso a informações que os tornassem hábeis a outras práticas mais sofisticadas. Por

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seu turno, aqueles mais privilegiados aprenderiam outras modalidades de crimes afetos a seus meios e, por isso, também raramente incidiriam nas condutas das classes mais baixas.

Aqui residiria um ponto de contato ou síntese entre a teoria de Merton (fins culturais e meios institucionais) e a da “associação diferencial”. Isso porque a modalidade de conduta seria distribuída de acordo com os meios dispostos aos indivíduos para desenvolverem seus impulsos.

Segundo Baratta, coube a Cloward, em um artigo publicado em 1959, proceder à síntese entre as concepções de Merton e Sutherland, nos seguintes termos:

“Entre os diversos critérios que determinam o acesso aos meios ilegítimos, as diferenças de nível social são, certamente, as mais importantes (…). Também no caso em que membros de estratos intermediários e superiores estivessem interessados em empreender as carreiras criminosas do estrato social inferior, encontrariam dificuldades para realizar essa ambição, por causa de sua preparação insuficiente, enquanto os membros da classe inferior podem adquirir, mais facilmente, a atitude e a destreza necessárias. A maior parte dos pertencentes às classes média e superior não são capazes de abandonar facilmente sua cultura de classe, para adaptar-se a uma nova cultura. Por outro lado, e pela mesma razão, os membros da classe inferior são excluídos do acesso aos papéis criminosos característicos do colarinho branco”.[85]

Mas, a concepção de Sutherland pretende ser mais abrangente e geral do que a de Merton, dispondo-se a fornecer uma fórmula geral capaz de explicar a criminalidade das classes inferiores e também aquela de “colarinho branco”. Referida fórmula residiria na afirmação de que qualquer conduta desviante é “aprendida em associação direta ou indireta com os que já praticaram um comportamento criminoso e aqueles que aprendem esse comportamento criminoso não têm contatos freqüentes ou estreitos com o comportamento conforme a lei”. Para Sutherland, uma pessoa torna-se ou não criminosa de acorco com o “grau relativo de freqüência e intensidade de suas relações com os dois tipos de comportamento” (legal e ilegal), ao que chama propriamente de “associação diferencial”.[86]

A “Teoria das Subculturas Criminais” demonstra uma coincidência entre os mecanismos de aprendizagem e interiorização das normas e paradigmas comportamentais ligados à delinqüência e aqueles mesmos mecanismos da socialização normal. Deixa clara a relatividade do livre arbítrio pessoal frente a esses mecanismos de socialização. Desse modo, “constitui não só uma negação de toda teoria normativa e ética da culpabilidade, mas uma negação do próprio princípio de culpabilidade ou responsabilidade ética individual, como base do sistema penal”.[87]

Finalmente releva tratar da chamada “Teoria das Técnicas de Neutralização”, trazida a lume por Gresham M. Sykes e David Matza, como uma “importante correção da teoria das subculturas criminais”. “A correção foi obtida pela análise das ‘técnicas de neutralização’, ou seja, daquelas formas de racionalização do comportamento desviante que são apreendidas e utilizadas ao lado dos modelos de comportamento e valores alternativos, de modo a neutralizar a eficácia dos valores e das normas sociais aos quais, apesar de tudo, em realidade, o delinqüente geralmente adere”.[88]

É verificável que o indivíduo, mesmo que submergido numa subcultura criminal, sempre tem algum contato com a cultura oficial e, de algum modo, influencia-se e reconhece algumas de suas regras. Se assim não fosse, sequer poderia ter consciência do caráter desviante de sua conduta. A partir dessa constatação Sykes e Matza procuram expor os mecanismos utilizados pelos indivíduos para justificarem para si mesmos e os outros, a prática da conduta desviante em detrimento daquela normalizada. Dessa forma, demonstram como as regras oficiais atuam perante a consciência dos desviantes, fato este não analisado pela “Teoria das Subculturas”.

Os autores descrevem alguns tipos fundamentais de “técnicas de neutralização”: [89]

a) Exclusão da própria responsabilidade – o delinqüente se identifica como vítima das circunstâncias, muito mais passivamente do que ativamente encaminhado para a atuação

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criminosa. Por exemplo: “Pratico roubos porque estou desempregado e preciso cuidar da minha família”.

b) Negação da ilicitude – o infrator interpreta suas ações somente como proibidas, mas não criminosas, imorais ou danosas e procura redefini-las eufemisticamente. Por exemplo: “um ato de vandalismo é definido como simples ‘perturbação da ordem’; um furto de automóvel como ‘tomar por empréstimo’ etc “. Em nossa realidade é emblemática a frase reducionista em que a pessoa acusada de algum ilícito pergunta em tom de inconformismo: “O que é que tem isso? Não matei nem roubei!”

c) Negação da vitimização – interpreta-se a vítima como merecedora do mal ou prejuízo que lhe foi infligido.

d) Condenação dos que condenam – atribuição de qualidades negativas às instâncias oficiais. Por exemplo: Estado opressor; exploração fiscal; polícia corrupta etc. Também a qualificação de “hipócritas” às pessoas cumpridoras da lei.

e) Apelo às instâncias superiores – valorização especial de pequenos grupos aos quais o desviado pertence, com suas normas e valores (v.g. “gangs”, família, amizades etc.), em detrimento do organismo social e seus regramentos.

Na realidade, a própria formação de uma subcultura é a maior e mais operante “técnica de neutralização”, pois nada enseja uma capacidade tão relevante de abrandar a consciência e defender-se dos remorsos, quanto o efetivo apoio e aprovação por parte de outras pessoas que são aderentes ao mesmo modelo comportamental.[90]

3.4 – A NOVA CRIMINOLOGIA: CRIMINOLOGIA CRÍTICA, DIALÉTICA, RADICAL, INTERACIONISTA OU DA REAÇÃO SOCIAL

3.4.1 – PRELIMINARES

Como já visto, a Nova Criminologia constitui uma alteração radical do paradigma científico da pesquisa do fenômeno criminal. Implica no abandono da tese, tomada como premissa pela Criminologia Tradicional, do crime como uma realidade ontológica reificada. O crime passa a ser considerado semente dentro de seus limites de uma realidade meramente normativa, criada pelo Sistema Social de que fazem parte as normas penais. Conseqüentemente o criminoso deixa de ser rotulado como um “anormal” e o crime como “patológico” à semelhança do que já era adiantado por Durkheim.

A compreensão da criminalidade passa a ser buscada no desvendamento da “ação do sistema penal que a define e reage contra ela, começando pelas normas abstratas até a ação das instâncias oficiais (polícia, juízes, instituições penitenciárias) que as aplicam.” Portanto, a atribuição do papel de criminoso a determinada pessoa depende da atuação das “instâncias oficiais de controle social”, uma vez que, mesmo praticando atos anti – sociais, um indivíduo não é tratado como criminoso enquanto não é alcançado pela atuação dessas instâncias que exercem um forte papel seletivo. O fato de ser ou não criminoso não se liga à existência ou não de uma moléstia ou anormalidade individual, mas sim a haver ou não o sujeito sido apanhado pelas malhas das agências seletivas que atuam com base nas pautas normativa e socialmente estabelecidas. [91]

As teorias da Criminologia Radical que se passarão a expor significam, portanto, o abandono do antigo paradigma etiológico para a construção de uma abordagem crítica do Sistema Penal, inclusive com o questionamento sério de sua legitimidade.

Parte-se da idéia de que o sistema punitivo é organizado com base em uma ideologia da sociedade de classes (matiz marxista). Assim sendo, seu objetivo primordial não seria a defesa social ou a criação de condições para o convívio harmônico, mas sim a proteção de “conceitos e

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interesses que são próprios da classe dominante”. O Sistema Penal e todos os demais instrumentos de controle social não passariam de dispositivos opressivos para a consecução do domínio de umas classes sobre as outras. “O Direito Penal é, assim, elitista e seletivo, fazendo cair fragorosamente seu peso sobre as classes sociais mais débeis, evitando, por outro lado, atuar sobre aqueles que detêm o poder de fazer as leis”. O sistema tem por escopo manter “a estrutura vertical de poder e dominação” existente na sociedade, conservando as desigualdades e até mesmo alimentando-as.[92]

Essa visão impõe a constatação da enorme diferença de intensidade do alcance do Direito Penal sobre os setores marginalizados e inferiores da sociedade. Ao mesmo tempo, verifica-se a sua fragilidade perante comportamentos de suma gravidade afetos às classes hegemônicas (v.g. delitos econômicos, ambientais etc.).

“A criminologia radical tenta demonstrar que o Direito Penal não é igualitário, nem protege o bem como e, também que sua aplicação, (…), não é isonômica”.[93]

3.4.2 – “LABELING APPROACH” OU TEORIA DA REAÇÃO SOCIAL

A Criminologia Tradicional parte do pressuposto de que a qualidade criminal de um comportamento existe objetivamente e, aliás, preexiste às normas que o definem como crime, as quais seriam mero reconhecimento de sua característica negativa. E mais, entende que as normas sociais constituem um acordo universal, um consenso “válido a nível intersubjetivo”.

Para os teóricos do “labeling approach” ou “etiquetamento” , um fato só é considerado criminoso a partir do momento em que adquire esse “status” por meio de uma norma criada de forma a selecionar certos comportamentos como desviantes no interesse de um Sistema Social. Num segundo momento ainda, a atribuição da qualidade de criminoso a um sujeito dependerá do modelo de atuação (novamente seletivo) das instâncias de controle social (Polícia, Ministério Público, Juízes etc.).

Em suma, “os criminólogos tradicionais examinam problemas do tipo ‘quem é criminoso?’, ‘como se torna desviante?’, ‘em quais condições um condenado se torna reincidente?’, ‘com que meios se pode exercer controle sobre o criminoso?’. Ao contrário, os interacionistas, como em geral os autores que se inspiram no ‘labeling approach’, se perguntam: ‘quem é definido como desviante?’, ‘que efeito decorre dessa definição sobre o indivíduo?’, ‘em que condições este indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?’ e, enfim, ‘quem define quem?’.”[94]

A “Teoria do Etiquetamento” leva a uma derrocada do mito do Sistema Penal enquanto recuperador de indivíduos desviantes. Ao inverso, a conclusão é a de que a rotulação inicial de um indivíduo como desviante tende a exercer uma pressão para sua permanência nesse papel social, tendo em vista uma forte estigmatização. Por isso as instituições carcerárias ou penitenciárias, ao contrário de recuperar, somente produziriam um reforço da identidade desviante do detento, proporcionando seu “ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa”. O Sistema Penal em um sentido amplo pode então ser visto como um criador e reprodutor da violência e da criminalidade. A repressão penal apenas funciona nas aparências como contentora da criminalidade, pois sua verdadeira atuação é de reintrodução da violência no seio social.

Por derradeiro é interessante notar que muitas vezes essa rotulação de que trata o “labeling approach” se apresenta até mesmo previamente à atuação das instâncias de controle social, através de conceitos anteriormente construídos em seu próprio seio e mesmo no senso comum. Esses “pré – conceitos” é que acabam dirigindo a atuação seletiva das agências repressivas, sempre conservando a estrutura vertical de poder da sociedade, de modo a atingir preferencial ou exclusivamente as classes inferiores ou marginalizadas.

É sob este prisma que Zaffaroni fala dos “estereótipos” do criminoso:

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“O sistema penal atua sempre seletivamente e seleciona de acordo com estereótipos fabricados pelos meios de comunicação de massa. Estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinqüentes (delinqüência de colarinho branco, dourada, de trânsito etc.). Nas prisões encontramos os estereotipados. Na prática, é pela observação das características comuns à população prisional que descrevemos os estereótipos a serem selecionados pelo sistema penal , que sai então a procura-los. E, como a cada estereótipo deve corresponder um papel, as pessoas assim selecionadas terminam correspondendo e assumindo os papéis que lhes são propostos”.[95] Cabe aqui lembrar o chamado fenômeno do “self – fullfilling profecy” (Profecia que se auto – realiza), segundo o qual “a expectativa do ambiente circunstante determina, em medida notável, o comportamento do indivíduo”.[96]

Toda essa carga crítica tem como sua principal qualidade a condução a uma reavaliação do Sistema Penal e, especialmente de sua falta de isonomia, apontando-se a necessidade de emprestar maior atenção a gravíssimas condutas afetas às classes dominantes, geralmente deixadas de lado, seja pela própria atuação legislativa (falha ou lacunosa), seja pela benéfica ou condescendente atuação das agências repressivas. Além disso, conduz a uma conscientização quanto à irracionalidade do agigantamento do Direito Penal e da constante criminalização de conflitos que se traduzem em uma tendência a um “pampenalismo”[97] simbólico que longe de resolver as questões sociais, apenas perpetua desigualdades e reintroduz mais violência no seio da sociedade.

3.4.3 – A SOCIOLOGIA DO CONFLITO E A NOVA CRIMINOLOGIA

A Sociologia do Conflito questiona o suposto consenso acerca de certos fins e valores protegidos pelas regras sociais. Essa concepção não passaria de uma ficção construída no intuito de legitimar a ordem social vigente que, na verdade, seria produto do conflito de interesses de grupos antagônicos com a prevalência daqueles que lograram exercer a dominação. Significa a libertação do mito da “sociedade fechada em si mesma e estática, desprovida de conflito e baseada no consenso”.[98]

No campo criminal conduz às seguintes conclusões:

a) os interesses que embasam a criação e aplicação das normas penais são aqueles dos grupos que têm o poder de influir sobre os processos de criminalização. Desse modo, esses interesses não são comuns a todos os cidadão de forma consensual.

b) como a criminalidade é criada por meio do processo social de criminalização, regido pelo embate de diferentes interesses, toda ela e todo o Direito Penal são de natureza política.

A primeira expressão relevante de uma teoria da criminalidade, baseada na sociologia do conflito, é atribuída a Georg D. Vold em 1958.[99] Entretanto, Baratta apresenta um escrito de Sutherland, datado dos anos 30, que bem descreve a teoria enfocada:

“O crime é parte de um processo de conflito, de que o direito e a pena são outras partes. Este processo começa na comunidade, antes que o direito tenha existência, e continua na comunidade e no comportamento dos delinqüentes particulares, depois que a pena foi infligida. Este processo parece que se desenvolve mais ou menos do seguinte modo: um certo grupo de pessoas percebe que um de seus próprios valores – vida, propriedade, beleza da paisagem, doutrina teológica – é colocado em perigo pelo comportamento de outros. Se o grupo é politicamente influente, o valor importante e o perigo sério, os membros do grupo promovem a emanação de uma lei e, desse modo, ganham a cooperação do Estado no esforço de proteger o próprio valor. O direito é o instrumento de uma das partes em causa, pelo menos nos tempos modernos. Aqueles que fazem parte do outro grupo não consideram tão altamente o valor que o direito foi chamado a proteger, e fazem algo que anteriormente não era crime, mas que se tornou um crime com a colaboração do Estado. Este é a continuação do conflito que o direito tinha sido

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chamado a eliminar, mas o conflito se tornou maior no sentido de que agora envolve o Estado. A pena é um novo grau do mesmo conflito. Também ela, por sua vez, é um instrumento usado pelo primeiro grupo no conflito com o segundo grupo, por meio do Estado.”[100]

“O crime, neste sentido, é comportamento político e o criminoso torna-se, na realidade, um membro de um ‘grupo minoritário’, sem a base pública suficiente para dominar e controlar o poder político do Estado”.[101]

Esta explicação criminológica tem sido taxada de simplista, considerando a descrição do processo pelo qual os grupos poderosos logram conduzir o processo legislativo, utilizando-se do Sistema Penal como um instrumento para subjugar condutas inconvenientes dos grupos adversos.[102] Realmente trazem em seu bojo tais teorias algo assemelhado a uma idéia de conspiração de classes, supondo um liame subjetivo interno que dificilmente poderá ser empiricamente comprovado.

Não obstante, a sociologia do conflito aplicada ao âmbito jurídico (não só penal), tem a vantagem de por a descoberto a ficção, tomada como realidade pela maioria dos juristas, acerca do suposto consenso geral em torno de certos valores a legitimar toda a gama de normas legais reguladoras da vida humana.

4 – CONCLUSÃO

O surgimento e a evolução da ciência criminológica foram esboçados neste trabalho, procurando-se dar especial destaque à guinada conceitual e epistemológica que sofreu no decorrer dos procedimentos investigatórios levados a efeito ao longo da história.

Especial evidência merecem dois momentos: o primeiro, da transição entre a tradição teórica do Direito Penal Clássico para o nascimento da Criminologia sob os auspícios do Positivismo, com as primeiras pesquisas da Antropologia Criminal de Cesare Lombroso, dando-se importância central, pela primeira vez, ao homem criminoso e não apenas a formalidades teórico – jurídicas; o segundo momento foi o da alteração radical do paradigma teórico da Criminologia, com o advento das teorias integrantes da denominada “Criminologia Crítica”, a qual ocasiona o abandono do modelo de pesquisa etiológico – profilático, para investigar a criação do fenômeno criminal pela própria organização social através de mecanismos estigmatizantes, seletivos e de dominação.

Foram expostas as principais linhas de pesquisa desenvolvidas de acordo com ambos os paradigmas acima mencionados, passando pela “Criminologia Clínica”, “Criminologia Sociológica”, “Teorias Estrutural – Funcionalistas”, até chegar ao atual modelo da “Criminologia Dialética”.

A virada epistemológica constatada na ciência criminológica não desmerece os estudos anteriores e, muito menos, desprestigia essa área do conhecimento em face de uma possível demonstração da insegurança de suas conclusões.

Ao reverso, no dizer de Karl Popper, o que prova que uma teoria é científica é o fato de ela ser falível e aceitar ser refutada. Sua cientificidade está abrigada na possibilidade de experimentação contínua e descoberta de erros, acertos e pontos frágeis, o que conduz a um processo dinâmico de aperfeiçoamento. Eis o que literalmente afirma o autor:

“Pero, precisamente porque nuestra finalidad es estabelecer la verdad de las teorias, debemos experimentarlas lo más severamente que podamos; esto es, debemos intentar encontrar sus fallos; debemos intentar refutarlas”.[103]

As novas indicações possibilitadas pelo pensamento da “Nova Criminologia” têm o grande predicado de constituírem um fértil campos para o desenvolvimento de uma visão crítica da organização social em geral e do Sistema Penal em especial, inclusive com repercussões no âmbito legislativo e da Política Criminal.[104] Contudo, não se pode olvidar sua lacuna ao

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desconsiderar a real existência de condutas conflituosas inaceitáveis e deletérias ao sadio convívio social, para as quais necessariamente deve haver mecanismos de controle, independentemente de quaisquer relações de poder subjacentes ou ocultas ideologicamente.

As pesquisas levadas a efeito sob a égide do modelo etiológico – profilático, embora apresentem algumas explicações parciais para o fenômeno criminal e partam de um pressuposto equivocado (crime como entidade ontologicamente cognoscível) , não devem ser lançadas ao fogo ou simplesmente relegadas a uma espécie de limbo do conhecimento. Assim como seria errônea a concepção de que qualquer das linhas de pesquisa envolvidas poderia, sozinha, explicar o fenômeno do crime, também incidiria no mesmo erro quem desprezasse completamente e a “priori” as contribuições das hipóteses etiológicas do crime e da conduta violenta, ainda que se resumissem à explicação apenas de certos casos concretos, sem uma validade de regra geral. Neste passo vale salientar a proposta de Newton Fernandes e Valter Fernandes quanto à configuração de uma “Criminologia Integrada”:

“A preocupação com isolados arranjos conceituais ou em termos estéticos e sem qualquer consistência intrínseca, tem que acabar, pois o mais importante é provar, empiricamente, como estão se processando os estimuladores criminais, quer sejam de ordem biológica, mesológica ou exógena. Muito mais importante para essa aferição não é dispor de uma multiplicidade de teorias, que funcionam, muitas vezes, sem qualquer canal de comunicação, mas, sim, a adoção de uma teoria mestra, que não ignorando o mosaico de teorias que lhe deram nascimento e o multifacetado aspecto do fenômeno criminal, dê especial atenção aos dados empíricos que deverá controlar; já que a resposta final a qualquer questão teórica está nos dados empíricos bem controlados, no exame vertente, venham eles de uma concepção biológica, sociológica ou de outra ordem. A natureza desses dados empíricos só será bem definida quando perquirida por uma só teoria, que lhe reconheça a origem múltipla, mas correlacionada. De se admitir, que uma só teorias bem desenvolvida e acompanhada por extensas investigações e pesquisas empíricas direcionadas para todas as variáveis possíveis, oferece mais esperança e segurança de progresso, que uma diversificação de teorias, praticamente estanques entre si, a redundarem em resultados pobremente expostos e precariamente relacionados no que diz respeito aos dados empíricos.”[105]

Somente uma abordagem multi e interdisciplinar sob um estilo dialético pode levar a resultados mais seguros no campo da Criminologia que, tratando de um tema complexo, não pode ser submetida a modelos simplistas, redutores e herméticos. Essa é a constatação de Morin ao enfocar a natureza do conhecimento moderno:

“O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. ‘Complexus’ significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos de um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter – retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. Os desenvolvimentos próprios a nossa era planetária nos confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutável com os desafios da complexidade”.[106]

Aquilo que o autor em referência chama de “espírito redutor”, ou seja, a redução do conhecimento complexo a um de seus elementos, considerado o mais importante, somente conduziria à incompreensão com resultados éticos e práticos desastrosos.[107]

Na relação entre os paradigmas etiológico e crítico da Criminologia essa assertiva leva a uma postura de não exclusão mútua e sim de complementaridade.

Joe Tennyson Velo aponta esse caminho ao expor que “os criminólogos críticos mais sensatos, dos quais talvez Alessandro Baratta seja o principal representante, não rejeitam completamente a pertinência de uma etiologia na Criminologia, mas defendem uma Criminologia científica duplamente comprometida:

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a) com as causas dos processos de criminalização, ou seja, que desenvolva questionamentos acerca do porquê alguns comportamentos são selecionados pelo sistema penal (criminalização primária) e outros não, bem como por que algumas personalidades são selecionadas e outras não (criminalização secundária), pois a base do raciocínio é de que não existem diferenças essenciais entre personalidades, todos os seres humanos são iguais da perspectiva interna, com inclinações, desejos e energias psíquicas de igual performance;

b) com a realidade de comportamentos socialmente danosos e de situações conflituais ou problemáticos, e neste aspecto não descartam a importância dos conflitos psicológicos serem determinantes para algumas formas de criminalidade, abrindo espaço e atenção a estudos de psicologia ou psicopatologia.”[108]

Uma ciência criminológica ciente de seu papel social e da complexidade de seus problemas e respostas ensejará um “novo modelo integrado de ciência penal”, consciente de sua íntima relação com as ciências sociais. Isso jamais importará numa subestimação do jurista como um mero “técnico da sociedade”. Na verdade, este será alçado a uma nova “dignidade científica”, será um cientista e não singelo técnico, “na medida em que, finalmente, se tornará um cientista social e sustentará com a ciência sua obra de técnico. O caminho é longo, a meta é distante, os pressupostos implicam, entre outros, uma radical revisão dos métodos de formação do jurista, da qual, para sermos otimistas, se vislumbra só o princípio”.[109]

Realmente os desafios da Criminologia e da Ciência Penal em geral são ingentes, especialmente considerando a heterogeneidade e complexidade reinantes no mundo atual, extremamente fértil na produção dos mais variados conflitos individuais e sociais. Porém, as dificuldades não devem paralisar o pesquisador, e sim tornarem-se fatores de incentivo para o seguimento de suas investigações. Neste sentido é oportuno encerrar esta exposição com os versos do literato pátrio Mário Quintana, denominados “Das Utopias”:

“Se as coisas são inatingíveis…ora!

Não é motivo para não querê-las…

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!”[110]

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[1] Edgar MORIN, Ciência com consciência, p. 20.

[2] Ibid., p. 16.

[3] Newton FERNANDES, Valter FERNANDES, Criminologia integrada, p. 24.

[4] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 30.

[5] Francesco CARRARA, Apud, Ibid., p. 36.

[6] Émile DURKHEIM, As regras do métodos sociológico, p. 82 – 83.

[7] Apud, Newton FERNANDES, Valter FERNANDES, Criminologia integrada, p. 24.

[8] Ibid., p. 25.

[9] José Frederico MARQUES, Curso de Direito Penal, Volume 1, p. 52.

[10] Eugenio Raúl ZAFFARONI, José Henrique PIERANGELI, Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 158.

[11] Newton FERNANDES, Valter FERNANDES, Criminologia integrada, p. 473. Ver ainda: Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, passim.

[12] Eugenio Raúl ZAFFARONI, José Henrique PIERANGELI, Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 159.

[13] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 49.

[14] Thomas S. KUHN, A estrutura das revoluções científicas, p. 24.

[15] Ibid., p. 25 – 27.

[16] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 209 – 210.

[17] Newton FERNANDES, Valter FERNANDES, Criminologia integrada, p. 589 – 607.

[18] Ibid., p. 54 – 60.

[19] Michel FOUCAULT, Vigiar e Punir, p. 47.

[20] Ver neste sentido: Cesare BECCARIA, Dos Delitos e das Penas, passim.

[21] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 30 – 32.

[22] René DESCARTES, Discurso do Método, passim.

[23] Urbano ZILLES, Grandes tendências da filosofia do século XX, p. 131.

[24] Ibid., p. 131.

[25] Augusto COMTE, Discurso sobre o espírito positivo, p. 50.

[26] Urbano ZILLES, Grandes tendências da Filosofia do século XX, p. 132.

[27] Augusto COMTE, Discurso sobre o espírito positivo, p. 48.

[28] Urbano ZILLES, Grandes tendências da filosofia do século XX, p. 133. Ver ainda: Alfredo de Araújo LIMA, O que é o Positivismo?, passim.

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[29] Ibid., p. 133.

[30] Ibid., p. 133.

[31] Augusto COMTE, Curso de Filosofia Positivista, In: Ceticismo Positivista – Coleção Os Pensadores, Volume 33, p. 10.

[32] Norberto BOBBIO, Teoria da norma jurídica, p. 58 – 59.

[33] Hans KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 79.

[34] Hans KELSEN, O que é Justiça?, passim. Hans KELSEN, A ilusão da Justiça, passim. É interessante notar na primeira obra indicada sua crítica à famosa definição de Justiça (“dar a cada um o que é seu”): “Atribui-se a uma das sete sabedorias gregas a famosa definição de justiça: conceder a cada um aquilo que é seu. Essa fórmula foi aceita por muitos pensadores importantes, principalmente filósofos do Direito. É fácil demonstrar que é totalmente vazia, pois a questão decisiva – o que é que realmente cada um pode considerar como ‘seu’ – permanece sem resposta”. Ibid., p. 14.

[35] Ibid., p. 1.

[36] Enrico FERRI, Princípios de Direito Criminal, p. 250 – 251.

[37] Newton FERNANDES, Valter FERNANDES, Criminologia integrada, p. 74.

[38] Ibid., pl 74.

[39] Lombroso realizou exames em detentos vivos e mortos recolhidos aos cárceres italianos em sua época.

[40] Ibid., p. 75.

[41] Ibid., p. 75.

[42] Menciona-se especialmente as pesquisas de Baer e Bleuler na Alemanha. Ibid., p 75.

[43] Ibid., p. 82.

[44] Ibid., p. 147 – 152.

[45] Ibid., p. 156 – 157.

[46] Manipulação genética e Direito Penal, p. 258.

[47] Newton FERNANDES, Valter FERNANDES, Criminologia integrada, p. 118 – 219 / 250 – 255.

[48] Sheila Jorge Selim de SALES, Acerca da Criminologia Psicanalítica, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 17/225. Ver ainda sobre o tema: Joe Tennyson VELO, Criminologia Analítica, passim.

[49] Ibid., p. 231.

[50] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 50.

[51] Ibid., p. 50.

[52] Sheila Jorge Selim de SALES, Acerca da Criminologia Psicanalítica, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 17/ 231 – 232.

[53] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 49 – 50.

[54] Ibid., p. 5l. É interessante destacar que Franz Alexander e Hugo Staub enriqueceram a teoria psicanalítica da sociedade punitiva, transportando os conceitos de identificação da sociedade com o delinqüente, para a identificação daqueles que incorporam os órgãos do sistema penal com os desviantes. Existiria entre estas pessoas uma afinidade, consistente em fortes tendências anti – sociais não suficientemente reprimidas, as quais levariam as pessoas ocupantes dos cargos afetos ao Sistema Penal a um zeloso exercício da função punitiva num afã inconsciente de auto – punição por identificação com aqueles que são realmente punidos. Além disso a violência imprimida aos

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desviantes em forma de punição legal (violência legal ou legítima), constituiria uma descarga de impulsos agressivos reprimidos. Ibid., p.53 – 54.

[55] A figura do “bode expiatório” está ligada ao costume de povos antigos em sacrificar um animal aos deuses como meio de purificação de seus pecados. Ibid., p. 55.

[56] Sigmund FREUD, Totem e Tabu, p.41.

[57] Ibid., p. 42 – 43.

[58] Newton FERNANDES, Valter FERNANDES, Criminologia integrada, p. 282.

[59] Ibid., p. 580 – 581.

[60] Enrico FERRI, Princípios de Direito Criminal, p. 19.

[61] Apud, Newton FERNANDES, Valter FERNANDES, Criminologia integrada, p. 607.

[62] Ibid., p. 315 – 389.

[63] A Nova Prevenção: uma política integrada de segurança urbana, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 36/394.

[64] Alessandro BARATTA, Defesa dos Direitos Humanos e Política Criminal, Discursos Sediciosos.Crime, Direito e Sociedade, 3/60.

[65] Criminologia integrada, p. 506.

[66] Roberto LYRA, João Marcello de ARAUJO JÚNIOR, Criminologia, p. 192.

[67] Eduardo Luiz Santos CABETTE, Direito Penal e Globalização, Boletim IBCCrim, 84/4.

[68] Laurindo Dias MINHOTO, Crime, Castigo e Distopia no Capitalismo Global, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 36/418.

[69] Cezar Roberto BITENCOURT, Falência da Pena de Prisão, passim. Augusto THOMPSON,A questão penitenciária, passim. Erving GOFFMAN, Manicômios, Prisões e Conventos,passim. Eduardo Luiz Santos CABETTE, A desmistificação do caráter da pena: a ineficácia do Direito Penal como fator de contenção da criminalidade, Revista Direito & Paz, 1/7-23.

[70] Eugenio Raúl ZAFFARONI, Em busca das penas perdidas, p. 175 – 176.

[71] Apud, Newton FERNANDES, Valter FERNANDES, Criminologia integrada, p. 383 – 384.

[72] As regras do método sociológico, p. 83.

[73] Ibid., p. 86.

[74] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 59 – 60.

[75] Cesare BECCARIA, Dos Delitos e das Penas, p. 80.

[76] Émile DURKHEIM, As regras do método sociológico, p. 88.

[77] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 63.

[78] Robert MERTON, Apud, Ibid., p. 65.

[79] Ibid., p. 67.

[80] Ibid., p. 66.

[81] Eric HOBSBAWN, O novo século, p. 126 – 127.

[82] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 67.

[83] Ibid., p. 66.

[84] As subculturas são amplamente verificáveis especialmente no ambiente carcerário e o processo de aprendizagem do crime é também constatado em vários estudos, recebendo o nome de

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“prisionização” a indicar não somente o aprendizado do crime, mas toda uma adaptação às normas e costumes do submundo da prisão. “O efeito da prisão que se denomina prisionização, sem dúvida é deteriorante e submerge a pessoa numa ‘cultura de cadeia’, distinta da vida do adulto em liberdade”. Eugenio Raúl ZAFFARONI, Em busca das penas perdidas, p. 136. Ver ainda sobre o tema: Carlos Alberto Marchi de QUEIROZ, O Direito de Fugir, p. 83 – 99. José Ricardo RAMALHO, O mundo do crime: a ordem pelo avesso,passim.

[85] R.A. CLOWARD, Apud Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 70 – 71.

[86] Edwin H. SUTHERLAND, Apud, Ibid., p. 72.

[87] Ibid., p. 76.

[88] Ibid., p. 77.

[89] Ibid., p. 78 – 79.

[90] Ibid., p. 81.

[91] Ibid., p. 86.

[92] Roberto LYRA, João Marcello de ARAUJO JÚNIOR, Criminologia, p. 204 – 205.

[93] Ibid., p. 205.

[94] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 88.

[95] Eugenio Raúl ZAFFARONI, Em busca das penas perdidas, p. 130.

[96] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 174.

[97] Alberto Silva FRANCO, Crimes Hediondos, p.36 – 37. “Nunca é demais advertir que o pampenalismo, isto é, a utilização do Direito Penal como uma espécie de ‘panacéia para todos os males’, quando não traduz uma bastardização deste instrumento de controle social, pode representar uma completa desmoralização decorrente de sua inoperância e ineficácia”.

[98] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 122.

[99] Ibid., p. 126.

[100] Edwin SUTHERLAND, Apud, Ibid., p.127.

[101] Ibid., p. 128.

[102] Ibid., p. 129.

[103] La miseria del historicismo, p. 149.

[104] Note-se a atual efervescência acerca da discussão e aperfeiçoamento legislativo e operacional para a repressão à macrocriminalidade (crime organizado, crimes de colarinho branco, criminalidade ambiental etc.).

[105] Criminologia integrada, p. 617 – 618.

[106] Edgar MORIN, Os sete saberes necessários à educação do futuro, p. 38.

[107] Ibid., p. 98.

[108] Criminologia Analítica, p. 74 – 75.

[109] Alessandro BARATTA, Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal, p. 156.

[110] Antologia Poética, p. 36.