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Um rouxinol cantou.. Coleção Barbara Cartland nº 76 1

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Um rouxinol cantou..   

       

Coleção Barbara Cartland nº 76         

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Na escuridão do parque, Tybalt só viu o vulto branco do vestido da moça. Mas as coisas que ela disse naquele encontro mágico lhe

deram forças para continuar vivendo. Dois anos já haviam se passado, e ele ainda se lembrava de cada palavra, do perfume dos lilases, do canto solitário de um rouxinol e, principalmente, do doce sabor dos lábios dela. Algo lhe dizia que aquela desconhecida era a mulher de sua vida e que nunca amaria nenhuma outra. Mas como

procurá-la, se nem sabia como era seu rosto? E se às vezes chegava a imaginar que tinha estreitado nos braços o corpo etéreo de uma deusa, descida à Terra por uma única noite para salvá-lo do

desespero? 

 

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CAPÍTULO 1

  

1919  Através das janelas sem cortinas do velho casarão da praça Berkeley, as

silhuetas dos dançarinos se recortavam sobre um fundo dourado. A música da bateria e do saxofone espalhava-se pela praça, quando um homem desceu os degraus da entrada, passou pelos criados, cocheiros e motoristas que conversavam, atravessou a alameda e entrou no jardim.

Normalmente, o portão ficava fechado, e só moradores da praça, a mais exclusiva de Londres, tinham a chave.

Alguns casais passavam entre as moitas de lilases, mas o homem seguia lentamente por uma pequena alameda, mergulhado em pensamentos, sem prestar atenção às pessoas que passavam por ele.

Afinal, no centro da praça, chegou a um pequeno templo, que dominava uma urna georgiana e tinha pilares na entrada. Lá dentro estava escuro. Ele parou junto a um dos pilares e voltou-se para olhar os casarões antigos, recortados contra o céu estrelado.

Enfiou a mão no bolso do fraque, procurando uma cigarreira. quando percebeu um leve movimento atrás de onde estava. Olhou, achando que talvez fosse só impressão, pois mais tinha sentido do que ouvido, mas viu que havia mais alguém ali.

Com uma sombra de sorriso nos lábios, perguntou:— Estou atrapalhando? Se estiver, vou embora.Houve um momento de silêncio antes de uma vozinha hesitante

responder:— Não… não. Claro que não. Eu… eu estou sozinha.O homem voltou-se na direção da voz, dentro do templo. Notou que havia

um banco de pedra e nele estava uma moça vestida de branco. Era impossível distinguir-lhe o rosto, mas, pelo tom da voz, achou que era muito jovem.

— Sozinha? O que aconteceu com seu par?— Eu… eu nunca tive par. Foi por isso que… que vim para cá.— Não tem par? Isso é mau e garanto que não vai encontrar nenhum,

escondida nessa escuridão.— Eu sei. Mas é horrível ficar lá, sentada, olhando… esperando. Parece

que não há nenhum homem sobrando.Isso, ele sabia, não era verdade.Havia muitos homens sem par na festa, e os deixara conversando -uns

com os outros, bebericando no bar ou reunidos na sala de jogos.Pensou que ele próprio estava se aborrecendo, naquele baile em que

conhecia pouquíssimas pessoas e onde havia mistura de gente muito velha com gente muito nova, sem que ninguém combinasse com sua idade e gostos.

— Se não me engano, está começando a temporada e este deve ser seu primeiro baile, não?

— Sim. E eu estava esperando tanto dele!

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— E ficou decepcionada. Isso acontece muito na vida. É difícil a realidade corresponder às nossas expectativas.

— Mas não é sempre assim, espero.— Quase sempre. É então que uma pessoa começa a ficar desiludida e

cínica.Estava brincando, mas a moça o levou a sério.— Não se pode pensar desse jeito! Principalmente agora que já não há a

guerra fazendo todo mundo se sentir apavorado e apreensivo o tempo todo.— É assim que você se sente?— É.Gostou de ela ser simples e franca.— A guerra tem suas compensações.— Como pode dizer isso?— Acho que tenho direito de dar minha opinião, já que participei dela.— Esteve em Flandres?— Durante quatro anos.— Oh! — Houve um silêncio; então, ela disse: — Deve ter sido terrível…

horrível! Não posso pensar no que os nossos soldados sofreram nas trincheiras.— Bem, admito que foi bastante desagradável. Mas, como disse, houve

compensações.— Que… que compensações?— A camaradagem, a sensação de se ter uma mesma finalidade na vida.

Não se tratava apenas de derrotar os alemães, mas também de conservarmos a vida. Às vezes, dava para a gente ver o lado engraçado daquilo tudo.

— Acho que deve ser muito corajoso… O homem sorriu.— Gostaria de poder concordar com essa opinião, mas não é verdade.

Muitas vezes senti medo. E fiquei agradecido por ter saído com vida. Muitos de meus companheiros e amigos foram mortos. Voltar para casa foi como começar a viver de novo.

— Isso deve ser excitante!— É, sim. Um primeiro baile também é excitante para uma moça. No

entanto, este aqui está sendo decepcionante para você.— Bem, não uma decepção completa. Tudo aqui é tão lindo… Nunca tinha

visto uma casa tão maravilhosa. As senhoras, com suas jóias, ficam tão lindas, dançando. Mas me senti sem jeito, porque ninguém me tirou.

— Deve ter vindo ao baile com alguém, não?— Com minha madrinha. Vim com ela para Londres. É muito bonita e

todos os homens quiseram dançar com ela.O homem riu de novo, um tanto cinicamente. Entendia muito bem o que

estava acontecendo. As aias e damas de companhia tinham saído de moda e todas as mães, tias e, como nesse caso, madrinhas que acompanhavam as debutantes eram tiradas para dançar. Podia imaginar a mocinha encostada na parede, sem jeito por não despertar o interesse de ninguém.

Atravessou o templo e, guiado mais pelo instinto do que pela visão, sentou-se no banco de pedra ao lado da moça. Percebeu que ela estremecia de leve, lembrou-se de que devia ser muito jovem e inexperiente, e achou a situação comovente.

— Agora não está mais sozinha. Eu, como você, conheço pouquíssimas pessoas aqui. Podemos consolar um ao outro.

— Talvez isso seja… errado.

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— Errado?— Não fomos apresentados. Ele riu.— Isso pode ser facilmente corrigido. Vamos fazer de conta que você é a

deusa do templo e eu sou o aventureiro que a descobriu.— Do jeito que você fala, tudo fica tão excitante!— Vai ver que é mesmo. Conte-me como se sente, agora que cresceu e,

acho, saiu da escola.— Nunca fui a escolas. Uma governanta me educou.— Era uma boa governanta?— Não muito esperta, mas sempre gostei de ler, e isso me fez ficar

conhecendo bastante do mundo… até que descobri que sou uma ignorante em danças, por exemplo, e qüe isso pode atrapalhar muito a gente.

— Está precisando de um bom rapaz que cuide de você. Ouvi dizer que a guerra acabou com velhos preconceitos e que moças podem sair sozinhas com rapazes, para dançar.

— Isso, se… forem convidadas. Ele riu de novo.— Aceito a correção. Claro, só se forem convidadas. E como você acaba de

chegar a Londres, não conhece ninguém que possa convidá-la.— Isso mesmo.— Garanto a você que a cada dia, a cada semana, as coisas vão melhorar.

Tenho certeza de que logo haverá uma porção de rapazes ansiosos para que dance com eles.

— Como pode dizer isso, se ainda não me viu?— Sou juiz de vozes. Como a sua voz é muito atraente, sei que você

também é.Era um elogio dos mais banais, mas percebeu que ela estremeceu,

nervosa, como um gatinho que não tem certeza de poder confiar na mão que se estende para acarinhá-lo.

— Gostaria que tivesse razão — disse a moça, depois de um momento. — Mas Londres me parece tão grande e, de certo modo, assustadora. Sei que vou fazer muitas coisas erradas.

— Todos nós cometemos erros, quando fazemos alguma coisa pela primeira vez. Eu me lembro de quando me juntei a meu regimento.

Estava apavorado, com medo de fazer alguma coisa contrária ao regulamento e me tornar o palhaço dos outros soldados.

— E fez?— Não fiz nada de tão horroroso, mas entendo perfeitamente como está

se sentindo. Isso vai passar, com o tempo.— Você é animador.— Quero ser. Olhe, você está começando uma vida, com tudo novínho em

folha. Eu estou tendo que pegar os fios soltos de uma velha vida para continuar vivendo e isso é mais difícil, de certo modo.

— Por quê?— Acho que porque perdi muita coisa, porque tenho motivos para sentir

desgosto…A moça suspirou.— Neste momento, eu queria ser cinco anos mais velha. Ele riu.— Daqui a cinco anos, não dirá isso! Vai começar a ficar aflita por estar

mais velha, e, daqui a dez anos, vai querer tirar cinco de sua idade.

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— É assim que as mulheres fazem? Sim, acho que tem razão! Tenho certeza de que minha madrinha é mais velha do que diz.

— Bom, pelo menos essa é uma coisa com que não precisa se preocupar… por enquanto.

— Espero que, quando for mais velha, aprenda a não me preocupar com coisas tão sem importância.

— As mulheres não acham isso sem importância. Para elas, é muito importante.

— E para os homens?— Os homens têm aborrecimentos e preocupações muito mais sérios. Pelo

menos nesta época.— Acho que está querendo dizer que anda procurando emprego?— Que sensibilidade a sua! Como adivinhou?— Todo mundo anda dizendo que é muito difícil, para os homens que

voltaram das trincheiras, arranjar trabalho. Os que não foram lutar tomaram conta dos melhores empregos. Agora, os soldados desmobilizados andam atrás de empregos que, diz meu pai, não existem.

— Seu pai está certo. Foi isso mesmo que descobri.— Sinto muito por você. O que sabe fazer?— Para dizer a verdade, não sei. Não tenho idéia, mas preciso ganhar

dinheiro.— Acho que vai ser muito difícil.— É o que também estou achando. Mas vamos falar de você. Posso

predizer seu futuro facilmente.— Como?— Bem, você logo vai se aprumar, encontrar o homem certo e casar.Ela suspirou.— Sei que isso é o que todo mundo espera que eu faça, mas tenho…

medo.— Medo?— Não quero casar com ninguém, a não ser alguém que eu ame muito.— E como vai saber se está amando?— Estive pensando nisso e sei que será uma coisa maravilhosa e muito

diferente de tudo o que senti até agora. Não é nada como esperar dançar com alguém ou estar com alguém. É muito mais.

— De que jeito? — É difícil explicar. Acho que será uma coisa muito linda, como a neblina

sobre o lago ou como a primeira estrela da tarde brilhando no céu quando o Sol ainda não se pôs. — Havia um leve tremor na voz dela. — Quando eu vinha vindo para cá, sozinha, para me esconder neste templo, vi as estrelas brilhando no céu e pensei que fosse impressão, mas ouvi rouxinóis cantando entre as árvores.

— E acha que isso faz parte do amor?— Acho que, quando me apaixonar, sentirei algo assim, só que mais

arrebatador, mais perfeito, porque o verdadeiro amor vem de Deus.— Acredita em Deus?— Acredito, claro. Você não? — Quero muito acreditar, mas acho difícil, depois do que passei e vi os

outros passarem nas trincheiras. Não dá para acreditar que Deus estava se importando conosco, enquanto tudo aquilo acontecia.

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— Mas estava, sim! Tenho certeza. Afinal de contas, nós ganhamos a guerra!

— A um preço terrivelmente caro.Percebeu que ela fazia um movimento e viu que unia as mãos, antes de

dizer:— Mas você… está vivo.— É, estou vivo.— E você, assim como seus companheiros, os que sobreviveram e os que

morreram, fizeram muita coisa pela paz.— Acho que os políticos estão usando isso para fazer a maior confusão.— Não pode deixar que façam isso! Tem que ter certeza de que você e

seus companheiros não sofreram tanto e não morreram… em vão!— Quem lhe falou sobre essas coisas?— Ninguém. Eu leio jornais.— Isso não é muito comum. Pensei que as mocinhas só ligassem para

roupas e, claro, para o amor.— Tenho pouquíssima roupa em que pensar e, do amor, só sei o que li até

agora. Você achou graça no que falei… do amor?— Não, não! Claro que não! Está muito certa. É esse o amor que você

deve procurar e que, espero, vai encontrar. Só desejo que esse homem, quando o encontrar e se apaixonar por ele, não a decepcione.

— Quem sabe, eu é que vou decepcioná-lo.— Acho que não.— Por quê?— Porque a maioria dos rapazes, pelo menos os que conheço, não é

idealista como você.— Agradeço por você não ter dito “romântica”.— Por quê?— Acho a palavra “romance” horrível, sentimentalóide e sem significado.

O amor que eu quero é muito diferente. — Fez uma pausa e perguntou, temerosa: — E se eu não o encontrar?

— Aí, acho que vai fazer como muita gente faz: vai escolher o melhor que estiver a seu alcance.

— Detesto isso! Seria trair tudo aquilo em que acredito! Havia uma intensidade apaixonada na voz dela que o alarmou.

— Se aspirar a coisas grandes, altas demais; se quiser alcançar as estrelas, pode se desiludir. E eu ficaria muito triste, se isso acontecesse.

— Está me aconselhando a aceitar o que houver de melhor para escolher? Não esperava que você dissesse isso.

— Por que não?— Porque, quando estávamos conversando sobre a guerra, achei que você

parecia um daqueles cavaleiros do tempo das Cruzadas, que lutavam com ardor porque defendiam o cristianismo ou

porque estavam procurando o Santo Graal.— Talvez eu também tenha me sentido assim, alguns anos atrás, mas

agora esqueci os sonhos e as cruzadas que queria fazer.— Os sonhos vão voltar. A gente jamais os esquece completamente,

porque são parte de nós.O homem pensou por uns momentos.

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— Quando cheguei aqui e comecei a conversar com você, achei que era muito, mas muito jovem, mesmo. Agora, estou achando que é velha e experiente em muitas coisas.

— Está caçoando de mim!— Não, juro que não estou. Só acho que você não existe, não é real; que

estou sentado sozinho neste banco de pedra, conversando com minha consciência ou meu coração.

— É uma idéia linda!— Você conseguiu me fazer pensar.— Você também me fez pensar e já não estou tão assustada com este

novo mundo.— Isso é bom. Não deve se assustar com ele. Tenho certeza de que você

vai conseguir conquistá-lo. Mas cuidado para que ele não estrague você.— Por que iria me estragar?— Porque esse mundo pode fazer você achar que o que pensa agora não é

tão importante assim, que as brilhantes lantejoulas que vai encontrar são mais valiosas, mais reais. Só que isso não é verdade!

— Como vou conseguir separar o verdadeiro do falso?— Seu instinto lhe dirá. Siga seu instinto. É o melhor conselho que posso

lhe dar, apesar de ter certeza de que você conhece melhor o seu caminho do que eu conheço o meu.

— Sabe que isso não é verdade.— Pode parecer esquisito, mas é, sim. Houve um silêncio.— Acho que tenho que voltar. Minha madrinha deve estar preocupada

comigo.— Ela devia tomar mais conta de você e apresentá-la a alguns rapazes.— Ela me apresentou, mas, assim que me cumprimentavam, eles se

afastavam. Acho que é porque não pareço muito simpática.— Isso é coisa muito fácil de remediar. O importante é que não mude a

essência de seu modo de pensar.— Vou… tentar.Ela fez um leve movimento para se levantar.O homem estendeu a mão e segurou-lhe o braço.— Não, não vá. Quero ir primeiro, porque acho que muita coisa estaria

perdida, se nós nos víssemos. Com a nossa conversa, você abriu novos horizontes diante de mim.

— E você… para mim.— Ótimo. Então, vamos deixar que continue assim. Se eu a levar até o

salão, se dançarmos, talvez nós dois fiquemos desiludidos. Seria uma pena.— É, seria.— Vou sair daqui primeiro, mas não irei para o salão. Vou andar um pouco,

pensar no que dissemos e tentar olhar meu futuro de um modo diferente de como olhei até agora.

— Espero que consiga tudo o que deseja.— Talvez você tenha me dado a idéia do que devo desejar. Ainda não sei.

Tenho que pensar nisso.— Eu também… tenho que pensar.— Pense, sim. Mas não se esqueça do que eu lhe disse: não deixe que

nada a estrague. Defenda seus ideais e nunca, nunca mesmo, faça uma

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segunda escolha.O homem levantou-se enquanto falava e ela percebeu, pelo vulto

delineado na semi-escuridão, que era alto e forte. Ele estendeu-lhe a mão e a fez levantar-se.

— Quero lhe desejar boa sorte. E quero também me despedir de meu coração e de minha consciência.

Puxou-a para mais perto. Ela não se agitou nem tentou evitá-lo. Ele teve a sensação de que a moça também sentia que aquilo tudo não era real.

Então, com delicadeza, como se beijasse uma flor, procurou-lhe os lábios.Foi um beijo quase etéreo. A maciez e inocência dos lábios dela o

envolveram em um encantamento que jamais sentira. Instintivamente, o abraço tornou-se mais forte, seus lábios mais exigentes, e um estremecimento percorreu o corpo da moça.

Então, sem dizer nada, ele a soltou, atravessou o templo, passou pelos pilares e saiu para o jardim.

Andou para o portão sem olhar para trás, e teve certeza de ouvir um rouxinol cantando entre as árvores.

  

1921 Durante o longo trajeto até sua casa, sir Harry Wayte foi se distraindo,

pensando que, realmente, nunca tinha visto lugar mais bonito e agradável do que aquele.

Kings Wayte era uma mansão construída no começo do reinado de Elizabeth I. Nela haviam morado Wayte ricos, Wayte pobres, Wayte que esbanjavam dinheiro e Wayte que tinham que contar cada moeda. E sir Harry pensava, enquanto dirigia o carro pela ponte sobre o lago, que jamais tinha havido um Wayte tão sem dinheiro como ele agora.

Como se o pensamento atraísse o azar, o carro começou a soltar fumaça e a estremecer, até que parou, a alguns metros da entrada da mansão.

Antes que ele saltasse, uma moça desceu os degraus, correndo.— Você chegou, Harry! Eu estava preocupada, achando que tinha

acontecido alguma coisa.— Foi uma viagem infernal, Aleta — respondeu o irmão. — Assim que

parti, começou a falhar um dos cilindros. Depois, fiquei sem gasolina!— Deixe que Hitchen cuide do carro. Você está aqui, e é o que interessa.Harry tirou o capacete e os óculos protetores. O automóvel era um modelo

1910 sem capota, pelo qual pagara pouco, mas lhe dera dores de cabeça desde o primeiro dia.

A irmã deu o braço a sir Harry e caminharam juntos para os degraus da entrada.

— O chá está pronto. Se estiver com fome, pode comer um ovo quente.— Não, eu espero o jantar. Parece que está mais magra. O que andou

fazendo?— Acho que ando muito preocupada: é preciso fazer uma porção de coisas

na casa.— E podemos fazer?— Creio que não.

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— Tenho uma solução para acabar com essas preocupações em pouco tempo, mas acho que você não vai gostar.

A irmã olhou-o, apreensiva.Harry jogou o capacete e os óculos numa cadeira e afastou os bonitos

cabelos pretos da testa. Era um rapaz atraente e muito parecido com a irmã. Só que os olhos de Aleta eram cinzentos, e não azuis como os dele.

— Diga logo qual é a solução, Harry. Depois, tenho más notícias para você.— Más notícias?— O teto da Sala das Tapeçarias está desabando. Ouvi um baru-lhão à

noite e pensei que a casa ia cair. Não pode imaginar que caos ficou a sala!— É o terceiro desabamento neste mês. Devia ter mandado consertar.— Consertar? Com que dinheiro?— Era justamente disso que eu queria falar com você. Aleta observou-o,

preocupada, enquanto o irmão entrava numa sala enorme, bonita, com uma parede envidraçada dando vista para o lago. Era um aposento agradável, cujos móveis estavam ali há gerações. Mas os tapetes tinham as marcas do tempo e as cortinas eram apenas uma pálida lembrança do cor-de-rosa original.

Havia uma mesinha de chá junto da vidraça, com uma bandeja de prata e um serviço de chá com o brasão dos Wayte gravado. As peças, no entanto, não pertenciam todas ao mesmo período, pois as maiores e mais preciosas tinham sido vendidas há um mês.

Aleta serviu uma xícara de chá para o irmão e disse:— Você falou que tinha uma… solução.Pelo tom de voz e a ansiedade nos olhos dela, ele percebeu que estava

assustada. Disse depressa:— Não, não pretendo me desfazer da casa. Pelo menos, por enquanto.— Oh, Harry! Fiquei acordada a noite inteirinha, aflita. Não posso

continuar parada, vendo a Kings Wayte cair aos pedaços!— É o que vamos acabar tendo que fazer, do jeito que as coisas vão.

Como é que papai morreu deixando tantas dívidas?Era uma pergunta que já haviam feito a si mesmos milhares de vezes. Se

bem que Aleta soubesse algumas respostas mais ou menos razoáveis, não se deu ao trabalho, de mencioná-las. Simplesmente, esperou que Harry continuasse.

— O que vou dizer — começou ele, hesitante, pegando um sanduíche de pepino da bandeja à sua frente — pode deixar você chocada. Ao mesmo tempo, acho que vai ter que concordar em que é uma boa possibilidade.

Aleta prendeu a respiração e não fez comentários.— Pensei em alugar a casa por um ano.Depois de um desagradável silêncio, Aleta disse, baixinho:— Alugar? Mas… para quem?— Um americano. — Como se achasse que isso a ajudaria a se sentir

melhor, acrescentou depressa: — Foi Cosgrove quem sugeriu. Eu estava no clube, pensando se podia me permitir um drinque, quando ele comentou que tinha um cliente americano que quer vir morar aqui por um ano e exige uma casa grande e tradicional como a nossa. Parece que ele está querendo casar a filha com um duque. Cosgrove até ironizou, dizendo que era uma pena eu não ser marquês ou conde. — Harry fez uma pausa. Depois disse, indignado: — Tive vontade de dar um soco nele. Você o conhece. Esse tipo de piada é bem do gosto dele!

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Na verdade, Aleta nunca tinha visto Cosgrove, mas o irmão já lhe falara muito a seu respeito. Havia se arvorado em uma espécie de resolve-tudo e andava ganhando muito dinheiro com isso. Tinha servido no mesmo regimento de Harry, e, enquanto os outros soldados viviam sonhando com o que fariam quando a guerra terminasse, o capitão Charles Cosgrove já começara a ganhar fama de ser capaz de conseguir qualquer coisa que alguém encomendasse.

Se um amigo queria um caçador de confiança, ele conhecia um; se alguém queria um carro baratíssimo ou caríssimo, Cosgrove arranjava. Corriam boatos de que tinha também os telefones de várias mulheres muito atraentes, mas esse tipo de informação Harry não havia dado à irmã.

— Eu estava para dizer que não pretendia alugar Kings Wayte a ninguém, ainda menos para um americano, quando Cosgrove segredou que seu cliente estava disposto a pagar uma fortuna e que ele pretendia cobrar um aluguel de cinco mil libras por mês, mais os encargos pagos à parte.

— Cinco mil libras?! — Aleta exclamou, espantada. — Impossível ele ter dito isso!

— Disse, e eu logo me interessei. Explicou que esse Wardolf, o americano, é multimilionário, dono da metade das estradas de ferro da América e de tantos campos de petróleo que Cosgrove perdeu a conta!

— Mas… cinco mil libras por mês!… — repetiu Aleta, num sussurro.— Achei que você ia ficar impressionada. E tem mais.— Mais o quê?— Parece que o americano não é casado e quer que a casa esteja em

perfeito funcionamento para ele e a filha, quando chegarem. Pretendem aproveitar ao máximo essa temporada aqui e quer que providenciemos criadagem, cavalos, automóveis, jardineiro, enfim, todo o necessário para que uma propriedade como a nossa funcione perfeitamente.

Aleta estava sem fala e ficou apenas olhando para o irmão, que continuava a fazer planos:

— Não vai ser fácil. Temos apenas um mês para organizar tudo, porque ele chega no fim de maio.

— Mas, Harry…— Eu sei, eu sei! E Cosgrove também sabe que não temos o dinheiro

necessário para deixar a casa em ordem. Precisamos fazer consertos, pintar, comprar cortinas e tapetes novos para isto ficar decente. Tudo que Wardolf quer é se instalar aqui e dar fabulosas festas para apresentar a filha às pessoas certas… — Harry riu. — Cosgrove paga tudo, disso você pode ter certeza.

— Mas… como podemos? É… impossível!— Pois temos que fazer o impossível, porque nós dois sabemos que não só

as cinco mil libras por mês vão nos ajudar muito, como também as outras coisas. Por exemplo, teremos finalmente tapetes novos nesta sala.

— Mas, Harry, onde vamos encontrar pedreiros, pintores e toda essa gente para fazer o trabalho em um mês?

— Temos que encontrar. E digo mais: acho que devo ficar aqui, para supervisionarmos tudo juntos depois, quando a casa estiver alugada.

— Você quer dizer… que vamos ficar aqui… com nossos inquilinos?Harry ficou em silêncio por alguns segundos.— Talvez não goste muito disso, Aleta, mas Cosgrove acha que é melhor

nós dois tomarmos conta de tudo. Incógnitos, claro.— Não entendo.

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— Então, me deixe explicar direitinho: você pode administrar a casa e eu ajudarei.

— Você disse… incógnitos.— É claro! Seria embaraçoso se o americano soubesse que somos os

donos da propriedade. Ficaremos como criados dos donos e encarregados por eles de cuidar da propriedade. O único problema, então, é escolher nossos novos nomes.

Aleta pôs-se de pé.— Acho que você ficou louco! Não podemos fazer isso! É melhor parar com

essas idéias. E é impossível pôr a casa em ordem nesse tempo.Os lábios de Harry entreabriram-se num sorriso.— Não, se tivermos dinheiro ilimitado para gastar.— Ilimitado?— Foi o que Cosgrove disse. Acontece que ele está numa encrenca.

Tentou todas as outras mansões de Londres que poderiam agradar a Wardolf e nenhuma delas está para alugar. Esta é a última esperança dele e o homem não está disposto a perder a comissão que vai ganhar se arranjar o que o americano quer. Por isso, ele nos ajudará de todo jeito, pode ficar certa disso.

— Então, eu seria a… governanta!— Você sabe que não podemos contratar criados sem que haja alguém

para organizar tudo, dar ordens.Isso era verdade, e Aleta ficou calada. As poucas velhas empregadas que

restavam na casa não podiam ser mandadas embora e também não saberiam como agir com empregados e patrões estranhos, a não ser que ela estivesse por perto.

Não se sentia mal por achar a posição de governanta vergonhosa, mas porque tudo aquilo parecia uma responsabilidade tão grande que a assustava. Havia tantos detalhes importantes que deviam ser cuidados!

Sabia melhor do que Harry o estado da casa. Tinha ficado vazia durante a guerra, com apenas poucos empregados muito velhos. O pai deles passara a maior parte do tempo em Londres, tendo um vago emprego, que jamais fora claramente definido, no Departamento de Guerra.

Morrera no ano anterior e ambos ficaram atordoados, ao descobrir a incrível soma de dinheiro que ele devia.

Ao voltar da França, onde passara o último ano da guerra, Harry havia chorado ao ver o estado da casa, da estrebaria e do jardim.

Para pagar os credores do pai, foram obrigados a vender várias das peças preciosas da família.

Aleta sabia que isso partira o coração de Harry, não apenas por se desfazerem da metade da prataria antiga, um patrimônio há várias gerações, como também de alguns quadros.

Agora, esse americano se instala em Kings Wayte, e Aleta se ressentia disso, apesar de saber que era tolice…

— Você está mesmo… resolvido?— O que mais podemos fazer, a não ser vender outros quadros? Harry

estava lutando para conservar retratos da família feitos por Reynolds e Lawrence, que ambos adoravam, mas a cada dia que passava tudo o que restava corria o risco de acabar num leilão.

Foi a lembrança de um quadro de Gainsborough que fez Aleta se resolver.— Faço qualquer coisa por cinco mil libras! E não se esqueça de que

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vamos ter tudo consertado, tapeçarias e cortinas novas, sem gastar nada!— Temos que consertar a estrebaria também. Não se pode colocar sequer

um cavalo lá dentro, com todos aqueles buracos no teto.— Eu sei…Harry tirou um papel do bolso e pôs em cima da mesa de chá. Aleta olhou.

Era um cheque de mil libras.— Oh, Harry!— Isto é para as primeiras despesas. Cosgrove disse que todas as contas

grandes, como as de consertos, reformas, móveis, decoração e tudo o mais devem ser mandadas para ele.

Aleta arregalou os olhos. Começava a compreender o que aquilo significava e sentiu uma cálida onda de excitação ir crescendo em seu íntimo.

— Não posso acreditar que isso é verdade! Acho que você está brincando.— É verdade, sim! Vamos poder pagar a maior parte das dívidas de papai

e fazer os consertos que Kings Wayte está precisando tanto.Aleta foi sentar-se ao lado dele e passou os braços em volta de seu

pescoço.— Temos que trabalhar feito escravos para conseguir que tudo fique

pronto a tempo. Oh, Harry! Fiquei tão aflita, quando pensei que nossa última saída seria vender a casa e todas as terras que temos!

— Para dizer a verdade, eu nunca teria coragem de fazer isso. Sei que falamos nessa possibilidade, mas estava fora de cogitação. Se eu vendesse nossa casa, não poderia encarar o filho que um dia vou ter.

Havia lágrimas nos olhos de Aleta, mas ela sorria.— Nossa sorte está mudando — disse, animada. — A nuvem negra está

indo embora e o sol já começa a brilhar.— Não posso fazer nada sem sua ajuda.— E é claro que vou ajudar você! Será até divertido, porque estaremos

juntos. Mas temos que começar a trabalhar agora mesmo.— Foi isso que pensei. Por isso, parei na cidade, quando vinha para cá.

Johnson disse que estaria aqui dentro de uma hora, no máximo.— Então, é melhor que ele já traga as ferramentas! — Aleta riu. — Vai

precisar delas já!  

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CAPÍTULO II

   Aleta suspirou profundamente e sentou-se no sofá.— Não posso mais! Se alguma coisa não estiver do jeito que eles gostam,

só eles mesmos vão poder resolver!— Você foi maravilhosa! — disse Harry. — Quando falei a Johnson que ele

e seus homens teriam uma gratificação, realmente fizeram milagres!— É, fizeram, sim… A casa está bem diferente.Relanceou os olhos pela sala de visitas. Tinha ficado muito mais bonita

com o tapete e as cortinas novos. Gostaria que o pai a visse agora.O tapete era, na verdade, uma peça recuperada, um valioso persa que

eles jamais poderiam sequer sonhar em comprar e que o capitão Cosgrove, daquele jeito miraculoso tão dele, providenciara.

Aleta fizera arranjos de plantas e flores até mesmo nos cômodos que não tinham redecorado por falta de tempo.

Os andares de cima tinham sido mexidos, também. Um grande número de quartos e salas estava apresentável, mas ainda havia muito trabalho a ser feito. O que não era de estranhar, já que Kings Wayte tinha cerca de trezentos cômodos.

Johnson, o marceneiro e decorador local, contratara carpinteiros e pedreiros do condado inteiro. O grupo conseguira fazer um trabalho bem-feito, no tempo determinado, Johnson conhecia aquela mansão desde criança, adorava-a e cuidou dela como se fosse o verdadeiro herdeiro. Não só teria ficado profundamente ofendido, se chamassem gente de fora para os reparos e decoração, como o capitão Cosgrove tinha sugerido, como também ninguém trabalharia em Kings Wayte com sua dedicação e carinho.

Aleta achara que os velhos criados da família deviam ter preferência por qualquer profissional vindo de Londres, que provavelmente olharia os antigos empregados com desprezo, podendo criar problemas. Chegou a fazer mais, apesar de Harry achar que não daria certo: não apenas contratou novamente os antigos criados, como também decidiu que a nova criadagem seria composta de moças dos arredores.

— As mais velhas ensinam as novas, e vou estar aqui a fim de cuidar para que tudo saia bem.

— Preferia que você se mantivesse afastada dos inquilinos o mais possível.

Aleta riu do irmão.— Foi o que pensei, também… mas, talvez, não pelos mesmos motivos.— Acho isso importante, porque é muito moça e bonita demais. Não vou

gostar, se esse americano se engraçar com você.Para resolver o problema, Aleta decidiu chamar a antiga governanta, que

trabalhara em Kings Wayte durante quarenta anos. A princípio, Harry ficou horrorizado com a idéia.

— A velha sra. Abbott? Acho que ela até já morreu!— Não, não morreu. Mora com a irmã, em St. Albans. Vou até lá, dizer-lhe

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que estou precisando muito da ajuda dela.— Deve estar com uns cem anos, agora! Aliás, quando nós éramos

crianças, eu já achava que ela estava com essa idade.— Deve ter uns oitenta — admitiu Aleta. — Mas, se ainda conseguir andar,

quero que venha para cá. Então, os americanos darão as ordens a ela, que as transmitirá para mim.

Afinal, Harry acabou concordando, porque não queria ter mais problemas. Já estava bastante sobrecarregado de responsabilidade com os consertos da estrebaria e a missão de contratar cavalariços e motoristas.

— Quatro motoristas! Para que será que precisam de tantos assim?— Os muito ricos estão sempre prontos a esbanjar — respondeu Charles

Cosgrove. — Na América, Wardolf tem um trem particular, uma frota de automóveis, lanchas, iates e um avião sempre pronto para levá-lo a qualquer lugar do mundo aonde cisme de ir, a qualquer momento.

— Ninguém pode ser tão rico assim! Mas Cosgrove riu.— Vocês não podem se gabar de estar nas mesmas condições dele, mas

têm uma coisa que Cornelius Wardolf jamais terá.— O quê? — perguntou Aleta, curiosa.— Uma casa que não apenas é um perfeito monumento arquitetônico,

como também representa uma árvore genealógica de deixá-lo verde de inveja.Todos riram, mas Aleta, pensando no assunto mais tarde, achou que o

capitão Cosgrove tinha toda a razão. Dinheiro algum podia comprar a história de sua família. Dinheiro algum podia comprar uma casa como Kings Wayte, com aquela atmosfera, com seus fantasmas e com a amadurecida beleza dos séculos.

Adoro esta casa, disse a si mesma, olhando o pôr-do-sol no lago.Tinha certeza de que nenhum outro lugar seria tão perfeito, que jamais se

sentiria parte de qualquer outro lugar do mundo. Nenhum sacrifício que Harry e ela fizessem para manter a propriedade seria demais.

Sabia que devia ser grata, humildemente grata, ao sr. Cornelius Wardolf por ela e o irmão não precisarem se preocupar com o futuro, pelo menos durante um ano. Desde a morte do pai, havia compreendido que estavam travando uma luta sem esperança e que a derrota era inevitável. E então, como um céu azul começando a aparecer por entre pesadas nuvens, a cada prego que os operários enfiavam na madeira da antiga mansão, a cada telha que recolocavam no teto, a cada vidraça que repunham no lugar, crescia mais a frágil esperança dentro dela.

Talvez agora pudessem voltar a morar tranqüilamente em Kings Wayte, sem o medo de vê-la cair aos pedaços, em ruínas, como estava começando a acontecer um mês antes.

— Obrigada, muito obrigada, meu Deus — dizia todas as manhãs, quando se levantava, muito cedo, para começar a trabalhar.

Dizia as mesmas palavras antes de se deitar, exausta, depois de ter feito suas preces.

— A que horas eles vão chegar? — perguntou a Harry, olhando o relógio em cima da lareira, que funcionava pela primeira vez, desde que a guerra começara.

— Daqui a uma hora, mais ou menos. Precisa de mais alguma coisa para nossos quartos? Se precisar, posso providenciar para você.

— Acho que já está tudo em ordem.

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Quando haviam compreendido que teriam de desocupar seus quartos, tinham conversado para resolver onde dormiriam. Aleta não podia ficar nas dependências dos empregados e teve a brilhante idéia de reabrir os quatros que ocupavam quando crianças, no terceiro andar.

— Vai ser até divertido dormir onde dormíamos quando éramos pequenos. Além disso, são quartos bem familiares e não vamos nos sentir como estranhos em nossa própria casa.

Harry concordara, mas sem se mostrar muito interessado. Aleta sabia que, sem dúvida, passaria várias horas sozinha. Seria muito reconfortante poder sentar-se no salão de brinquedos, diante da lareira com guarda-fogo de bronze, na cadeira preferida da pajem, olhando o painel cheio de decalcomanias e cartões de Natal. Isso a ajudaria a ter coragem e disposição para a situação que tinha que enfrentar.

Havia levado para lá tudo o que não queria que as outras pessoas tocassem; coisas que haviam sido de sua mãe e os livros preferidos do pai.

O que mais sentia era deixar a enorme biblioteca. Mesmo durante a guerra, insistira em que os criados mantivessem a biblioteca aberta e sempre muito limpa. De vez em quando, costumava procurar um ou outro livro numa das muitas estantes que iam do chão ao teto. Depois, sentava-se com o livro escolhido numa poltrona perto de uma das janelas e se esquecia da vida, lendo.

De qualquer modo, pensou, posso pegar o livro que quiser, quando quiser, porque ninguém vai reparar. Mas não será a mesma coisa que estar sentada na biblioteca, onde sempre fiquei, sabendo que, se não gostar do livro que peguei, posso escolher entre milhares de outros.

Mas isso era o de menos.Valia a pena ver como a velha mansão estava bonita com as cortinas

novas, com grossos tapetes, os móveis estofados, sem o tecido puído e remendado.

Charles Cosgrove tivera a brilhante idéia de ir a lojas de leilão e comprar cortinas que, se bem que um tanto usadas, eram bastante aproveitáveis e vistosas.

— Muita gente foi vendendo o que tinha durante a guerra — tinha explicado. — Por isso, podem-se comprar cortinas muito boas e móveis de estilo a bons preços.

— Quem costuma comprar essas coisas? — perguntou Aleta. O capitão Cosgrove riu um tanto cinicamente.

— Preciso, responder? Os americanos estão comprando a Europa toda. Ouvi dizer que o duque de Westminster, que é o mais rico dos nossos duques, está vendendo seu Menino Azul.

— Ah, não! Como pode fazer isso? Esse quadro pertence à Inglaterra. Ele não tem o direito de mandá-lo para o outro lado do Atlântico.

O capitão Cosgrove deu de ombros.— Acho que ele precisa de dinheiro, como qualquer outra pessoa. Se a

senhorita não tivesse insistido em dar o trabalho a pessoas daqui, eu teria um bom número de ex-oficiais que ficariam muito felizes em vir trabalhar para esses novos-ricos.

— Está assim tão difícil conseguir emprego?— Quase impossível! E todos que empregaram suas economias em

granjas, sítios ou coisas parecidas, perderam tudo. Se eu quisesse ter mil

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homens trabalhando para mim, era só estalar os dedos.Essas palavras fizeram Aleta pensar se o homem com quem tinha

conversado há mais de um ano, no templo da praça Berkeley, teria ou não arranjado o emprego que procurava.

Nunca se esqueceria daquela noite estranha, encantada, quando havia sido beijada pela primeira vez na vida e ouvira rouxinóis cantando entre as árvores, lá fora. Parecia um sonho lindo, do qual não acordara de repente, mas que fora esmaecendo lentamente, sem jamais se apagar completamente, sem ser esquecido.

Ainda se lembrava, palavra por palavra, de toda a conversa com aquele homem cujo rosto nunca tinha visto.

Imaginou, mais uma vez, como ele seria. Sabia, com certeza, que tinha uma voz profunda e agradável, era alto e forte, de ombros largos. Achava que devia ser moreno e bonito.

Estava contente por ele não ter podido vê-la também. Tinha dito que a voz dela era simpática, atraente, e que, portanto, ela devia ser assim. Se a visse, Aleta achava que ficaria decepcionado.

Às vezes olhava-se no espelho e ficava imaginando o quanto mudara, desde aquela noite em que, perdida, nervosa e muito insegura, havia fugido do salão de seu primeiro baile e encontrado, num pequeno templo de jardim, aquela magia inesquecível.

Como poderia saber, como adivinhar, que uma aventura assim estaria à sua espera?

Depois do que o estranho lhe havia dito, tudo mudara. Tinha voltado para o salão de baile com um sorriso nos lábios e dançado muito, até a madrinha dizer que era hora de irem embora.

Depois disso, não foi difícil se acostumar com a vida em sociedade.Às vezes tinha a impressão de que estava num barquinho perdido e que o

homem do templo a livrava da tempestade, mostrando-lhe que era capaz de governá-lo perfeitamente bem.

Mas não teve muito tempo para conhecer tudo o que Londres podia oferecer. Um mês depois do baile na praça Berkeley, recebeu um telegrama de casa, avisando que o pai estava doente. Correu para Kings Wayte, e um só olhar para o pai lhe deu a certeza de que estava mesmo muito doente. Avisou Harry imediatamente.

Sir Hugo havia apanhado a gripe virulenta que assolava a Europa e ceifava mais vidas do que a própria guerra. Em seu caso, a gripe provocou uma pneumonia que foi fatal.

Só então Aleta e Harry ficaram a par de sua verdadeira situação financeira. Daí em diante, nunca mais tiveram oportunidades de ir a bailes ou festas. Os dois irmãos travaram uma luta desesperada para sobreviver e não perder o que ainda lhes restava.

Era preciso pagar os criados que iam parar de trabalhar, assim como os que iam ficar, pois só tinham Kings Wayte para morar. Havia, principalmente, as pesadas dívidas do pai. Muitas vezes Harry se desesperou:

— Não adianta! Que tudo vá para o inferno!Precisaram vender muita coisa, e a cada quadro que era tirado da parede,

a cada peça de prata retirada da baixela, parecia a Aleta que lhe arrancavam um pedacinho do próprio corpo.

Sabia a história de tudo o que havia na casa, parecia que laços especiais a

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ligavam aos objetos, e tinha certeza de que Harry sofria do mesmo jeito.Quando os quadros foram recolhidos pelo leiloeiro, Harry saiu de casa

muito cedo e não voltou antes do anoitecer. Foi Aleta que os viu irem embora, num carro que atravessou a ponte de pedra tão necessitada de consertos e seguiu o caminho esburacado, saltando como doido ao passar pelos buracos.

— O que mais irá embora? O que mais? — perguntou a si mesma. Agora, Aleta pensava que, pelo menos durante um ano, não haveria perigo de ter que se fazer tais perguntas.

— Você parece muito cansada — disse Harry, solícito. — Vou preparar uma bebida. O que quer?

— Se eu tomar bebida alcoólica, vou ficar tonta. Nenhum de nós comeu nada, hoje.

— É mesmo! Eu nem pensei nisso. Estive tão ocupado! — Levantou-se, dando uma gargalhada. — Tive uma idéia!

— O quê?— Você e eu vamos aceitar a hospitalidade de nosso patrão, abrindo uma

garrafa do excelente champanhe dele!— Harry, não pode fazer isso!— Mas vou fazer. E se acha desonesto, peço que se lembre de que

carreguei uma porção de caixotes de bebida lá para baixo, que estou ganhando um ordenado indigno de um simples operário e que o que fiz vale mais do que uma garrafa de champanhe!

Saiu da sala antes que Aleta pudesse dizer qualquer coisa. A moça recostou-se no estofamento novo, de cetim, e pensou que jamais se sentira tão cansada em toda sua vida.

Antes, quando cavalgava em companhia do pai, ficava bastante fatigada, mas não daquele jeito, sentindo doerem todos os músculos do corpo e com a impressão de que a cabeça ia estourar.

Sabia que isso era porque, aquele tempo todo, exigia de si mesma um esforço contínuo, quase que de vinte e quatro horas por dia, do mesmo modo que Harry. Kings Wayte tinha que recuperar a dignidade e beleza do tempo de seu avô.

Infelizmente, ele não tivera dinheiro suficiente para levar uma vida em grande estilo, digna daquela impressionante mansão da família, mas a esposa dele tinha renda própria.

Quando faleceu, o dinheiro dela foi dividido entre a família.Daí por diante, a propriedade entrou em decadência, acabando de um

modo triste.Aleta era obrigada a reconhecer que o pai não havia feito esforço algum

para evitar aquela decadência. Simplesmente foi gastando o que precisava para viver, deixando que os filhos se arranjassem, depois de sua morte.

Bem, afinal de contas, ele aproveitou, pensou Aleta. E Harry também vai aproveitar; pelo menos, durante um ano.

Sabia que o que mais agradava ao irmão naquilo tudo era restaurar as cocheiras e comprar novos cavalos.

— O sr. Wardolf gosta de cavalgar? — perguntara a Charles Cosgrove.— Não sei. Mas tenho certeza de que ele quer participar completamente

do modo de vida inglês e, você sabe, os cavalos estão incluídos nisso.Não foi preciso insistir para que Harry cuidasse das cocheiras, e Aleta

sabia que, se surgisse uma oportunidade, também treinaria os cavalos em

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corridas e saltos de obstáculos pelo parque.— Hoje gastei uma fortuna — tinha dito ele, ao voltar das compras em

Tattersall. — Cosgrove pagou tudo sem piscar!— Só espero que o sr. Wardolf não pisque! — comentou Aleta, com uma

pontinha de medo na voz. — Imagine só, Harry, se ele não gostar das coisas que compramos e se recusar a pagar?— O problema seria de Cosgrove, não nosso. Pare de se preocupar. Se

quer saber, acho que. ele vai reclamar por não termos feito extravagâncias.Foi o captião Cosgrove que apontou uma falha, em uma de suas rápidas

visitas a Kings Wayte.— Há uma coisa da qual os americanos, na certa, sentirão muita falta —

disse, ao examinar as reformas da mansão.— O quê? — perguntou Harry.— Uma piscina. Por instantes, os irmãos ficaram parados, como se não entendessem.Afinal, Harry arriscou:— Eles acham, mesmo, uma piscina muito necessária?— Os americanos adoram nadar. Também tenho medo de que ele ache

pouco a duas banheiras que vocês têm aqui. Não duvido de que mande construir outras, assim que chegar.

— Espero que não… — suspirou Harry. — Já estamos cansados de ver pedreiros fazerem desordens na casa!

— Os americanos são um povo muito limpo… — disse o capitão Cosgrove, com uma careta.

— Mas quem é que usa piscina?!— Todos eles! Inclusive o pessoal que costuma ir a festas, ou dar festas,

em Hollywood. Essas festas sempre com gente toda vestida dentro das piscinas.

— Tenho impressão de que esse não é um jeito muito agradável de se divertir — comentou Aleta, com frieza.

— Espero que não dêem esse tipo de festa por aqui — disse Harry. — Se estragarem alguma coisa, vão ter que pagar.

— Isso já está no acordo — explicou o capitão Cosgrove. — Incluí uma cláusula a respeito, no contrato. Aliás, se quiserem, podem obrigá-lo a pagar por tudo o que estragar na casa.

Harry percebera que Aleta ia protestar; por isso tratou de dizer, depressa:— Está bem. Sei que podemos confiar em você, Charles, que está

cuidando bem dos nossos interesses.— Espero ter feito isso do melhor modo possível. Quando ele saiu, Aleta disse ao irmão:— Sei que está sendo muito amável, mas não consigo gostar do capitão

Cosgrove. Há alguma coisa nele que me dá a impressão de que só pensa em dinheiro.

— E com toda razão. Ele não afundou, está conseguindo sobreviver, mas muitos de nossos companheiros de regimento não tiveram essa chance. Benson matou-se com um tiro, na semana passada.

— Oh, não!— Ele não conseguiu arranjar emprego e a mulher o abandonou. Benson

sempre foi sensível demais, quase histérico.— Está tudo errado… é tão cruel! Esses homens que lutaram por sua

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pátria agora estão sem dinheiro e sem possibilidade de ganhar para viver. O governo tinha que fazer alguma coisa por eles!

Era o grito que os jornais lançavam todos os dias, mas que ninguém parecia ouvir. Se bem que fosse difícil de acreditar, Aleta sabia que havia desemprego no país inteiro.

Vai ver que até vamos ter que ficar agradecidos aos americanos, pensou, amargurada.

Ao mesmo tempo, parecia-lhe intrigante que, apesar de eles também terem sofrido a guerra, saíssem dela mais ricos do que quando haviam entrado. Harry voltou com o champanhe e tomaram uma taça.

— Agora, acho que vou subir. Não quero que o sr. Wardolf chegue e me encontre sentada aqui.

— Claro que não! — concordou Harry. — Também vou subir num minuto.Aleta saiu da sala para o hall e viu dois criados usando a libre da Casa

Wayte, com grandes botões prateados, muito dignos, de pé aos lados da porta de entrada.

Sorriram para ela de modo familiar, porque eram rapazes da cidade. Tinham sido treinados pelo velho Barlow, mordomo de Kings Wayte antes da guerra e que, apesar de quase com setenta e cinco anos, ficara encantado por voltar ao trabalho.

— Pode deixar tudo comigo, srta. Aleta — dissera. — Vou pôr esses dois rapazes trabalhando direitinho e não teremos com eles os problemas que teríamos com londrinos. Jamais gostei dos criados que tivemos em Londres.

Era uma referência ao tempo do avô de Aleta, quando existia uma mansão Wayte em Curzon Street. Essa casa tinha sido vendida anos antes e transformada em sede de um clube.

— Vejo que estão prontos para receber o sr. Wardolf — disse Aleta aos criados, dirigindo-se para a escada.

— Isso mesmo, senhorita -: responderam ao mesmo tempo.— Não se esqueçam: haja o que houver, não devem se referir a mim ou ao

sr. Harry por nossos verdadeiros nomes. Somos o sr. e srta. Dunstan, caso alguém lhes pergunte. Mas é melhor que não digam nada, a não ser que sejam obrigados.

— Nós entendemos, senhorita — responderam os homens, novamente em coro, e Aleta subiu a escada.

Tinham levado algum tempo para escolher o nome falso. A maioria dos citados parecia muito comum para o gosto de Aleta ou ridículo demais para o gosto de Harry. Afinal concordaram em adotar o primeiro sobrenome que aparecesse num livro apanhado a esmo na biblioteca, desde que lhes parecesse adequado.

O nome era Dunstan.— Este serve — disse Harry. — Soa bem classe média, o que pretendemos

dar a impressão de ser.Aleta riu.— Garanto que você não dá essa impressão! Achava que Harry não

apenas tinha porte muito aristocrático, como também era bonito demais, principalmente usando roupas de montaria.

Como estava realmente muito cansada, subiu devagar a escada estreita que levava ao segundo andar e, depois, ao terceiro.

A sala dos antigos aposentos infantis estava bem mais confortável e

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bonita, com os móveis trazidos do andar de baixo e as cortinas e estofamentos novos que o capitão Cosgrove insistira em comprar.

— Se vocês não estiverem bem acomodados — explicou a Aleta, quando ela tentou recusar —, não vão poder trabalhar direito, e isso será desastroso em todos os sentidos.

Sentia-se um tanto culpada por explorar seus inquilinos-patrões, mas a verdade era que o tecido alegre das cortinas e estofados tornava a sala bem mais atraente e acolhedora.

Tinha colocado um enorme jarro com rosas na mesa do centro e um vaso com esporinhas brancas e azuis numa mesinha de canto.

— Do lar para o lar! — disse Aleta, brincando, ao entrar na sala. — E agora, srta. Dunstan, lembre-se de que é preciso ser uma empregada eficiente.

Atravessou a sala em direção a uma das janelas que davam para a frente da casa.

Por momentos, viu apenas o brilho dourado das águas do lago ao sol da tarde, e, como sempre, seu pensamento voou para os contos de fadas que adorava quando era criança.

De repente, notou que um carro enorme, reluzente, estava chegando, acompanhado por outros seis.

— São eles! — imaginou, apreensiva, se Harry teria tempo de sumir da sala de visitas com a garrafa de champanhe vazia.

Achou que ele conseguiria. Ficou observando, um tanto nervosa, os carros passarem pela ponte e depois entrarem no pátio, bem embaixo de onde estava. O sr. Wardolf realmente viajava em grande estilo!

Por momentos, sentiu um irrefreável ressentimento por ele ser rico e americano. Depois, repreendeu-se por agir de modo infantil. Devia ser grata a ele, muito, mesmo! Estava ajudando não apenas aos dois, como a todos ali. Pessoas como o velho Barlow e a sra. Abbott iam ganhar os melhores ordenados de toda sua vida!

Esticando o pescoço, viu que o primeiro carro já havia parado diante da porta principal.

Dois criados se aproximaram. Um abriu a porta e o outro ficou de lado, para ajudar os passageiros a descerem.

A primeira pessoa a sair foi uma mulher. Embora não pudesse ver bem as feições, Aleta notou que era magra e elegante.

Imaginou se seria a filha do sr. Wardolf, a tal que devia casar com um duque.

— Como é o nome dela? — tinha perguntado a Charles Cosgrove.— Lucy-May.— Dois nomes?— Não exatamente. São unidos por hífen.— Que engraçado!— Os americanos costumam usar nomes assim. Geralmente, significa que

a mãe queria um nome, e o pai, outro, e que acabaram entrando em acordo.— Imagine, então, se os avós tivessem outras preferências.— Aí, os nomes que eles preferissem seriam incorporados de algum jeito…

Eles adoram nomes pomposos. O sr. Wardolf é um americano típico. Chama-se Cornelius Fiske Wardolf Júnior.

— Júnior?— Como o pai também se chamava Cornelius, ele teve que ser Cornelius

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Wardolf Júnior. Por mais estranho que pareça, mesmo depois que o pai morreu, continuou conservando o Júnior.

— Coisa mais complicada!Essa deve ser Lucy-May, pensou ela, então.Viu um homem alto, de cabelos grisalhos, sair do carro logo depois da

moça e apertar as mãos dos dois criados.Aleta riu baixinho, imaginando a surpresa dos empregados, que,

naturalmente, nem sonhavam com uma coisa daquelas.O primeiro carro já se afastava, e parecia que um pequeno exército de

jovens descia dos outros.Interessadíssima, Aleta abriu a janela e ouviu as vozes, bastante altas e

animadas, enquanto eles subiam a escada que dava para a casa.Tinham se preparado para um grupo e, de fato, um grande grupo acabara

de chegar.Começou a se preocupar, pensando se tudo estaria em ordem, se nada

tinha sido esquecido. Bem, fosse como fosse, já não podia fazer mais nada. O jeito, agora, era sentar-se e ficar esperando que os problemas, se

houvesse algum, fossem levados até ela.Cavalgando pelo parque, Harry pensava que tudo parecia correr muito

bem.Tinha decidido, com Charles Cosgrove, que seria melhor apresentar-se

como administrador da propriedade e dizer ao sr. Wardolf que tudo que quisesse, mesmo fora da casa, devia ser solicitado a ele.

Cornelius Wardolf fora apresentado a Harry uma hora depois de chegar a Kings Wayte.

— Quero apertar sua mão, sr. Dunstan, e dizer que estou maravilhado com a magnífica mansão que o capitão Cosgrove conseguiu para mim.

— Fico satisfeito em saber que gosta dela, senhor.— O capitão me fez um resumo da história local. Disse que, se eu quisesse

saber de mais alguma coisa a respeito, era só perguntai ao senhor. Espero que, quando tiver tempo, me conte tudo sobre este lugar lindíssimo.

— Farei o melhor que puder — respondeu Harry, imaginando de que jeito poderia condensar cerca de quatro séculos de história.

— Agora, gostaria de saber o que foi organizado para divertimento de meus hóspedes. — O americano sentou-se. — Sente-se, rapaz, e fume, se quiser. É melhor deixarmos a cerimônia de lado, já que vamos trabalhar juntos.

— Obrigado, senhor.Harry gostou do homem à primeira vista. Devia estar beirando os

cinqüenta anos e tinha um ar de quem sabe muito bem o que quer da vida e não recua diante de obstáculos.

Falou rapidamente dos cavalos e charretes. O sr. Wardolf ouviu com atenção e perguntou:

— Salão de baile?Por instantes, Harry não entendeu.— Ah, está querendo saber se temos um? Sim, claro. Temos um enorme

salão de baile, com o soalho bem encerado e tudo o mais em ordem.— Isso é ótimo! Vamos dar um baile nos próximos dias. Onde posso

conseguir uma lista do pessoal daqui para convidar?Harry pareceu surpreso.— Pretende convidar os vizinhos, senhor?

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— Por que não? Acho que é o melhor modo de conhecê-los. Harry hesitou. Sabia que as famílias do condado achariam aquilo esquisito:

um estranho nao devia convidá-los, antes de ser convidado pelos habitantes locais.

Depois, disse a si mesmo que estava sendo antiquado demais. Tinha certeza de que os jovens, pelo menos, ficariam encantados com o convite para um baile em Kings Wayte, e as regras de etiqueta, na certa, não os impediriam de comparecer em peso.

— Entrego-lhe uma lista amanhã de manhã, senhor.— Obrigado. Acho que pode também arranjar alguém que mande os

convites, não?Imediatamente Harry pensou que Aleta poderia muito bem cuidar disso e

concordou.— Bom! Muito bom! — disse o sr. Wardolf. — Quero uma orquestra, a

melhor, mesmo que tenha que mandar vir de Londres. Se o cozinheiro daqui não puder atender às necessidades para fazer um grande banquete, teremos que providenciar ajudantes.

— Quer que eu cuide disso, senhor?— Claro que sim! Meu secretário deve chegar amanhã ou depois, mas vai

estar muito ocupado, cuidando de vários negócios que tenho em Londres. Enquanto isso, gostaria que providenciasse tudo para mim.

— Pois não.Essa era uma coisa pela qual Harry não esperava; Cosgrove devia tê-lo

avisado. No entanto, não se tratava de nada de que não pudesse dar conta, e quando contou a Aleta, ela simplesmente sorriu.

— Então, ele não se queixou de nada e está planejando dar um baile em Kings Wayte! Que maravilha! Está aí uma coisa que eu sempre quis ver!

— Está aí uma coisa que você não vai ver — respondeu Harry, depressa. — Nós dois temos que tomar cuidado para não sermos vistos pelos vizinhos, senão seremos descobertos e desmascarados.

— Sim, claro… É isso mesmo. Mas seria gostoso dançar no salão de baile, onde nunca mais houve uma festa, desde antes de eu nascer.

— Papai e mamãe não pensavam em bailes. Mas me lembro de que davam muitos jantares.

— Isso é diferente, um baile é uma coisa especial.Pensou em seu primeiro baile, aquele na praça Berkeley, com as mulheres

de vestidos compridos, justos na cintura, e com saias muito rodadas, dançando no enorme salão.

Agora os vestidos eram curtos e Charles Cosgrove lhe havia dito que existiam novas danças.

Ainda bem que não ia a esse baile. Iria se sentir terrivelmente fora de moda.

Imaginou se o homem que falara com ela no templo da praça Berkeley ainda costumava ir dançar em Londres e se pensava nela como ela pensava nele. Talvez nunca mais tivesse lembrado de sua existência, depois de se separarem, apesar de a ter beijado.

Um arrepio percorreu seu corpo.Mesmo agora, passados dois anos, ainda sentia o calor daquele beijo que

parecera transportá-la até as estrelas, fazendo-a tornar-se parte da beleza da noite e ouvir o canto de rouxinóis.

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Harry passou o braço por seus ombros.— Parece que você ficou triste… Sei que gostaria de ir ao baile. Claro que

eu também gostaria que fosse, mas sabe que é impossível.— Lógico que é. Mas também vai ser divertido ouvir a música e saber que

Kings Wayte está viva de novo.— Você tem que ficar completamente fora disso — disse Harry, com

firmeza. — Ah! Antes que me esqueça, sente-se aí e faça a lista das pessoas que Wardolf deve convidar. Acho que lembra de todos, não? Eu fiquei muito tempo fora e acho que esqueci os nomes de muitos de nossos conhecidos.

— Uma porção deles se mudou. Ou morreu na guerra. Enquanto falava, ela pensava nas crianças que costumavam ir às festas em Kings Wayte e nas festas a que tinha ido com a mãe. Era tão excitante ir na carruagem fechada, com um xale de lã sobre o vestido de festa, os cabelos presos em duas grossas tranças. Podia até ouvir o barulho das patas dos cavalos nas alamedas próximas às casas enormes, com todas as janelas iluminadas.

Lá dentro, encontrava as crianças que conhecia desde pequenina. Brincavam de “dança das cadeiras”, “céu-inferno”, e às vezes havia prendas que os meninos tinham vergonha de entregar. Depois, um delicioso chá com torradas, bolachas e geléias.

Quando voltava para casa, em geral adormecia na carruagem, com os braços da mãe a ampará-la, carinhosos.

Muitos dos rapazes daquela época deviam ter perdido a vida em Flandres… Ou muitos, como o vizinho mais próximo, estavam aleijados pelos ferimentos. Seria uma grosseria convidá-los, num caso desses.

De repente, um pensamento lhe ocorreu.— Não sou só eu que não posso ir ao baile, Harry — disse ela. — Você

também não pode. É pena… Dança tão bem!— Podemos dançar aqui em cima — respondeu Harry. — Ou melhor,

podemos ir dançar numa das salas que não estão sendo usadas, de onde se ouça bem a música.

Aleta bateu palmas, entusiasmada. — Harry, você é formidável! Adorei a idéia, e não poderia conse guir par melhor!

Só que vai ter que me ensinar o shimmy.— Não tenho certeza de saber essa dança direito…— Mas já dançou, não?— Já. Só que continuo preferindo o foxtrote.— Garanto que os hóspedes do sr. Wardolf sabem todas essas danças

novas. Se a gente pudesse dar uma espiada, iríamos aprender como se faz.— Não, Aleta. E não adianta choramingar, implorar! Sabe muito bem que

não podemos nos arriscar a ser vistos.— Sei, é claro… Só estava brincando. Mesmo que eu fosse convidada para

o baile, como a Cinderela, não teria o que vestir.— É a melhor coisa que ouvi até agora. Porque assim tenho certeza de que

não vai ser tentada a aparecer, de modo algum.Ele estava caçoando, e Aleta lhe atirou uma almofada. Harry apanhou-a no

ar e colocou de volta no sofá.— Cuidado, menina, esses móveis e estofados novos vão durar a vida

toda…— A não ser que você case com uma herdeira riquíssima, como Lucy-May.Harry deu uma risada.

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— Confesso que também pensei nisso, mas cheguei atrasado.— Atrasado, como?— Ela está prestes a agarrar um duque. O sr. Wardolf me contou, agora há

pouco.— Contou o quê?— Ele disse: “Quero que você tenha certeza, meu rapaz, de que tudo está

preparado para receber bem o duque de Stadhampton, que vai chegar amanhã. Acho que seus criados sabem como tratar um duque, não? Cuide para que ele seja tratado com toda a atenção e tenha tudo o que quiser”. Depois me perguntou se a família do duque era muito antiga. Contei que os Stadhampton são uma das famílias mais tradicionais da Inglaterra. Ele ficou muito contente com a informação e confessou que queria que o duque casasse com a filha.

— Verdade? Ele falou isso? Deve estar impressionadíssímo com o duque.— Está, sim. Não tenho a menor chance de entrar em competição.— Como é ela?— Ainda não a vi. Acho que se parece com todas as moças americanas:

alegre, entusiasta, um tanto impulsiva e sonhando com um título de nobreza. No momento, os duques são os preferidos das americanas, os ingleses mais do que os franceses.

Aleta deu uma risada.— Você fala como se eles estivessem fazendo uma compra, um negócio.— E é isso mesmo! O preço, aliás, é sempre muito alto. Outro dia me

contaram o dote que os Vanderbilt deram à filha, que casou com o duque de Marlborough. Esqueci quanto foi, exatamente, mas trata-se de uma fortuna astronômica!

Aleta fez uma careta.— Acho degradante alguém vender o título. E mais: vender a si mesmo.— Bem, garanto que isso não vai acontecer com você ou comigo, Aleta. E

se quer saber a verdade, não quero, por mais pobre que fique, ter uma mulher rica que me lembre a todo instante que é com o dinheiro dela que compro tudo o que tenho.

— Não posso nem imaginar isso acontecendo com você. Ao mesmo tempo, pelo bem dela, espero que a mulher com quem você casar tenha pelo menos dinheiro para a compra de alguns vestidos…

— Isso é diferente — disse o irmão, ríspido. — É ótimo para uma mulher ter dinheiro para os alfinetes. No entanto, qualquer coisa mais do que isso faria com que eu me sentisse humilhado, e não tenho a mínima intenção de um dia me sentir assim.

— Não, claro que não! Mas tenho certeza de uma coisa, Harry: qualquer mulher o amaria por você mesmo. É o homem mais bonito que já vi!

Beijou o irmão no rosto e ele se afastou, dizendo, com ar embaraçado:— É melhor eu descer e ver se tudo está em ordem, se bem que acho que

o Barlow pode se sair perfeitamente bem.— Também acho. Do mesmo jeito que confio na sra. Abbott. Mais tarde

vou até o quarto dela para saber as novidades. Garanto que vai me contar direitinho como Lucy-May é. A sra. Abbott sabe

julgar as mulheres muito bem.— Como Barlow sabe julgar os homens. Ele está sempre dizendo que

perfeito cavalheiro era o vovô, e acho que não pensa o mesmo de mim…Aleta, riu, e Harry pensava agora naquele riso da irmã, enquanto

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cavalgava pela propriedade. Fez o cavalo diminuir o passo.Aleta havia sido maravilhosa em tudo. Se não tivesse cooperado, ele não

poderia estar, naquele momento, mantendo um dos melhores cavalos que já vira na vida e pelo qual faria qualquer sacrifício… se pudesse tê-lo.

Cavalgava devagar. Não tinha pressa de chegar à estrebaria, pois sabia que uma porção de coisas a resolver estariam à sua espera.

Como fazia o papel de administrador, tomara posse do escritório do andar térreo, que ficava na ala da casa e não era usado desde o tempo do avô.

Seu pai havia aposentado o velho administrador e não o substituíra, se bem que vivesse dizendo que ia fazer isso. Então, a guerra começou, faltou dinheiro para pagar um administrador e, na verdade, não havia muito para um empregado desse nível fazer ali.

O escritório ficara lá, com seus enormes arquivos, mapas de propriedade e da região e uma impressionante escrivaninha.

— Vai servir para parecer que estou trabalhando — disse Harry, ao vê-la.Mas não precisou fingir. Estava trabalhando mesmo. E muito.Até que era divertido. Melhor do que ficar sentado, sentindo-se infeliz,

imaginando quando poderia comprar o próximo pedaço de pão.Sentia-se como Aleta, em relação à casa, e achava que qualquer sacrifício

valia a pena, desde que Kings Wayte continuasse pertencendo aos dois, como ambos pertenciam à mansão.

Tivemos muita sorte, pensou.Seus olhos passaram da fachada da casa para o imenso jardim, que tinha

ficado muito tempo abandonado, mas que agora recuperava a beleza do passado.

A grama e os arbustos ao redor do lago estavam precisando de uma boa poda, notou, se bem que a vegetação, refletindo-se nas águas, era muito pitoresca:

Então, um movimento no meio do lago chamou-lhe a atenção. Pensou que devia ser uma lontra. Havia tanto tempo que não via uma! Fez o cavalo seguir na direção da água. Quando se aproximou, percebeu que não era uma lontra, mas uma pessoa nadando.

Ficou surpreso. Foi até a margem e esperou. A cabeça do nadador emergiu e Harry verificou, atônito, que era uma mulher.

Ela também o viu, sorriu e. com rápidas e vigorosas braçadas, aproximou-se.

— Olá! Quem é você? — perguntou, saindo da água.Para maior espanto de Harry, ela usava um maiô preto, sem saiote, que

lhe pareceu ousado demais e muito revelador. Na verdade, estava chocado.A moça caminhou pela grama, até chegar perto do cavalo. Parou e tirou a

touca preta de borracha.Os cabelos curtos, fartos, eram ondulados e de um ruivo escuro. Da cor

que os pintores venezianos usavam tanto em seus quadros.Ela o encarou e percebeu que o rapaz a observava com ar estupefato.— Perguntei quem é você. Sou Lucy-May Wardolf, se é que lhe interessa

saber.Foi com dificuldade que Harry desmontou e disse:— Bom dia, srta. Wardolf. Sou o administrador da propriedade… Harry

Dunstan.Sem se perturbar nem um pouco com o fato de o maio molhado grudar-se

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ao corpo esguio, marcando as linhas suaves da silhueta atraente, a moça estendeu a mão.

— Prazer em conhecê-lo. Papai me contou que havia um administrador cuidando de tudo e que o achava muito eficiente. Vindo de meu pai, é um grande elogio!

— Fico satisfeito com isso. A senhorita sempre nada desse jeito?— Preferi o nado mais convencional por ser mais rápido, apesar de não ser

o mais elegante e bonito.Harry sorriu.— Faz muito tempo que não vejo ninguém nadando nesse lago. Desde

meus tempos de garoto.Depois de falar, achou que tinha sido imprudente e indiscreto, porém

Lucy-May, não pareceu notar.— Então, bem que você podia me fazer companhia, qualquer dia desses.

Perguntei a alguns de nossos hóspedes se queriam vir nadar, mas as garotas inglesas ficaram horrorizadas.

Harry se surpreendeu com isso.— A água deve estar fria.— Não, está ótima. Minha toalha ficou do outro lado. Tenho que voltar a

nado para pegá-la.Relanceou os olhos pelo lago e continuou:— Quero dar uma volta a cavalo ainda hoje de manhã. E quero que seja

um bom cavalo.— Vou providenciar para que um dos melhores esteja à sua espera, na

porta da casa, na hora que a senhorita quiser. Quer. que alguém a acompanhe?

— Se você puder ir comigo, sim. Pode-se ver que é um bom cavaleiro.— Obrigado.— Não há por que agradecer. Vi você vindo pelo parque e notei que monta

diferente da maioria dos homens que montam na avenida Rotten, ou sei lá como se chama aquela avenida de Hyde Park.

— Alameda Rotten.��� Bem, eles não são exatamente o que eu chamaria de cavaleiros —

disse Lucy-May. — Acho que não sobreviveriam no rancho de meu pai.— Seu pai tem um rancho?— Vários. Do que mais gosto é o rancho onde criamos os melhores

cavalos. Arranje-me um que seja bravo. Não quero montar nenhuma mula velha.

Sorriu para ele de novo e, sem dizer mais nada, pôs a touca e mergulhou, nadando de um modo que Harry nunca tinha visto, tratando-se de uma mulher.

Então, achou que podia estar sendo atrevido, olhando-a com tanta insistência. Tratou de ir embora, sentindo-se admirado e intrigado ao mesmo tempo.

Lucy-May era muito diferente do que havia pensado.  

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CAPÍTULO III

   O sr. Wardolf olhou com satisfação para a filha, que entrava na sala. Usava

calça comprida, franjada à mexicana, igual à que costumava usar no rancho, uma blusa verde que fazia o tom de cobre dos cabelos sobressair e botas pretas, com grandes esporas douradas.

Pensou, como já pensara tantas vezes, que era um homem de sorte por ter uma filha que, não apenas possuía a vitalidade e caráter firme, mas também era muito bonita.

— Pelo jeito, você vai andar a cavalo.— Vou, papai. Não quer ir comigo?— Estou muito ocupado conhecendo a casa. Por enquanto, ela me parece

um enorme labirinto, e já andei me perdendo pelos corredores.Lucy-May riu.— Você está é pensando que gostaria de mostrar esta casa para nossos

amigos, para vê-los morrer de inveja.— De fato, esse pensamento me passou pela cabeça.— Vou conhecer as terras e espero que o administrador, ou sei lá como

devo chamá-lo, tenha me arranjado um cavalo digno de ser montado.— Acho que arranjou, sim. Pelo menos, estou pagando bastante caro para

isso.— Ele cavalga muito bem. Por isso, acho que deve saber escolher um bom

cavalo.— Deixe o jovem Dunstan em paz — advertiu o pai. — E cuide bem do

duque. Ele já se decidiu?— Se está querendo saber se o duque me pediu em casamento, a resposta

é “não”. Mas, do jeito que você está pressionando o homem, acho que isso não demora.

Notou que o pai se descontraía. Sorria, quando disse:— Quero ver você duquesa. Isso significa muito, por aqui, e mais ainda em

Nova York.— Acontece que quem vai ter que viver com o duque sou eu, e não você,

papai…— O Hampton é um bom rapaz e bem mais inteligente do qüe a maioria

dos ingleses que conheci até agora.— Não esqueça que o nome dele é Stadhampton… — corrigiu Lucy-May. —

Espero que os criados saibam que devem tratá-lo de Sua Alteza.— Está querendo dizer que devo ensinar os ingleses como tratar os

próprios aristocratas? Eu disse a Dunstan que providenciasse para que ele fosse tratado de acordo e vai haver o diabo se não for!

— Não se zangue à toa, papai. Tybalt Stadhampton não está diferente do que era quando você o conheceu numa festa em Nova York e lhe deu um emprego pelo qual ele lhe é agradecido até hoje.

— E que não fosse! Não é qualquer homem, principalmente um inglês, que pode se gabar de trabalhar para mim.

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— Ele está contribuindo com bons dividendos… — lembrou Lucy-May, sorrindo. — E tenho certeza de que vai ficar impressionado com Kings Wayte. Pelo menos, acho esta casa a mais fascinante que já vi!

— Tenho que agradecer a Charles Cosgrove por isso. E também a mim, que estou gastando um bom dinheiro!

— É um investimento, se conheço bem você. Bom, se não quer me acompanhar, eu vou indo.

— Alguém vai acompanhá-la? — perguntou o pai, áspero.— O Sr. Dunstan — respondeu a moça, por cima do ombro. Já estava perto

da porta, quando o pai gritou:— O que aconteceu com todos os seus amigos?— Estão dançando.Assim que os dois cavalos começaram a andar, lado a lado, Harry

perguntou quase a mesma coisa que o pai dela:— Seus amigos não quiseram acompanhá-la?Os olhos dele percorriam o corpo esguio de Lucy-May. Nunca tinha visto

uma amazona tão extraordinária nem uma mulher tão atraente.A blusa, aberta em “V” no pescoço, revelava a pele branca e macia. Não

usava chapéu. No entanto, o que surpreendia Harry, mais do que o maio que a vira usando, era o fato de Lucy-May cavalgar como homem, e não de lado.

Quando saíra da Inglaterra, durante a guerra, as únicas mulheres que usavam calça comprida eram as que trabalhavam nas fábricas de munições. Mas, como uma concessão ao recato feminino, usavam também longos casacos do mesmo tecido dos chapéus que lhes protegiam os cabelos.

Jamais imaginara que, um dia, acompanharia uma dama de calça comprida e montando como homem. Sim, era verdade que Lucy-May montava muitíssimo bem e que a apreensão dele, pensando que talvez tivesse alguma dificuldade em dominar o fogoso cavalo que escolhera, era completamente inútil.

Galoparam até ficarem ofegantes. Depois, voltaram a passo lento, lado a lado.

— Foi você que escolheu? — perguntou Lucy-May, e ele percebeu que se referia ao cavalo.

— Fui.— Meus parabéns por ter comprado este cavalo, seja quanto for que ele

tenha custado.— Tinha esperança de que me dissesse isso. Há outros parecidos na

estrebaria.— Então, acho que vou gostar muito da temporada em Kings Wayte.— Achou que não ia gostar?— Não tinha certeza. Haviam me dito que os ingleses são muito

orgulhosos e convencionais.— Mudamos muito, durante a guerra, e acho que vai verificar, assim como

seu pai, que estamos bem preparados para aceitar vocês como são.Harry respondera de modo seco, um tanto ressentido com o fato de uma

moça ser tão rica e segura de si.Com uma percepção profunda, que ele jamais suspeitaria haver nela,

Lucy-May pareceu ler seu pensamento.— Pare de ser invejoso! Se nós americanos não podemos ter séculos de

história, nem sangue azul, tínhamos que ter alguma coisa… Era o único jeito!

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Harry ficou embaraçado por ter sido apanhado em flagrante.— Na verdade, não tenho inveja de vocês. Só que a estrutura do mundo

foi alterada e acho difícil ser complacente, tendo que aceitar a parte pior.— É isso? Vocês estão com a parte pior? Pois me recuso a sentir pena.

Acho que devia estar dizendo, neste momento, que está muito contente em poder cavalgar a meu lado, num lugar lindo como este!

Harry jogou a cabeça para trás e riu.— Costuma dizer a seus acompanhantes quais os elogios e cumprimentos

que devem lhe fazer?— Sim, sempre que são inábeis como você! Ele riu de novo.— Já me chocou duas vezes, hoje… e acho que esta é a terceira.— Choquei você? — Lucy-May olhou-o surpresa. — Ah! Já sei a que se

refere! — disse, de repente. — Meu maiô, minha roupa de montar e, acho, minha franqueza.

Viu, pela expressão de Harry, que havia acertado e deu uma risadinha.— Quando nos encontrarmos, hoje à noite, não deixe de me lembrar que

devo sorrir por trás do leque.— Está livre disso. Não vamos nos encontrar à noite.— Por quê?— Porque sou o encarregado de cuidar da propriedade, não da casa

propriamente dita. Os empregados de fora não participam das atividades de dentro e vice-versa.

— Regras inglesas?— Claro que sim!— Então, quem sabe podemos quebrar essas regras… Acho que se pode

fazer isso, não?— É uma coisa que nunca vai ficar sabendo, senhorita.— Quer apostar?— Não. Só estou expondo um fato. Vai aprender, srta. Wardolf, que na

Inglaterra as classes se mantêm em seus devidos lugares.— E de que classe você é?— Para todos os efeitos e propósitos, sou empregado de seu pai, uma vez

que administro esta propriedade e tudo o que ela contém para um terceiro.— E quemué esse terceiro?— Um cavalheiro chamado sir Harry Wayte.— Vou conhecê-lo?— É muito pouco provável.— Acho que gostaria de conhecer esse homem. Ele deve saber que é um

felizardo, por ter uma casa como esta.— Que não pode sustentar!— Foi por isso que a alugou?— Exatamente!— Gostaria de dizer a ele que há muita coisa que se precisa fazer aqui. A

primeira é instalar algumas banheiras. O povo inglês deve ser um bocado sujo!— E o americano é limpo até demais! — explodiu Harry. — Exagero em

banhos pode ser atribuído ao desejo de limpar uma consciência suja.— Está brincando comigo ou sendo profundamente ofensivo? Deixe-me

informá-lo, sr. Dunstan, que minha consciência está muito tranqüila e que não tenho inibições de espécie alguma.

— Quantas banheiras quer que sejam instaladas?

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— Acho que umas doze dariam, para começar.— Está brincando!— Não. Aliás, estive falando nisso com papai, hoje cedinho, e ele vai lhe

dar ordens para que sejam providenciadas imediatamente.Por instantes, Harry ficou sem fala.Queria dizer que aquela era uma idéia ridícula, além de desnecessária,

uma vez que só ficariam na casa um ano.Então, de repente, compreendeu que Cosgrove tinha razão, ao dizer que,

alugando a mansão, ela seria beneficiada por várias inovações, o que faria seu valor subir muito, apesar de já ser astronômico.

Começou a ver a enorme vantagem de ter banheiras e chuveiros modernos em Kings Wayte, nos toaletes anexos aos quartos. Isso evitaria que os criados carregassem água da cozinha, escada acima, trabalho que se tornava penoso com a idade. Evitaria também as longas e sofridas caminhadas, durante o inverno, até os dois únicos banheiros com banheiras, uma delas com água aquecida a gás, por um aquecedor que se recusava constantemente a funcionar.

Pela primeira vez, Harry ficou realmente alegre por ter os Wardolf como inquilinos.

Se bem que tentasse reprimir, experimentava também um certo ressentimento por ver sua velha casa invadida por estranhos que, por mais caro que pagassem, estavam completamente desinformados do modo de vida inglês e eram muito mais esquisitos do que ele e Aleta tinham imaginado.

Lembrou-se de que Lucy-May esperava uma resposta. Com um sorriso luminoso, que tornou seu rosto mais bonito, disse:

— Vai ter suas banheiras, srta. Wardolf, o mais depressa possível. Para comemorar, vamos apostar uma corrida até o fim deste campo!

Aleta desceu a escada de trás para ir ao quarto da governanta. A velha estava sentada numa confortável poltrona, uma xícara de chá nas mãos e os pés apoiados numa banqueta, diante da lareira.

— Não se levante, Abby! Quero falar com você, mas não precisa se incomodar por isso.

— Não acho nada correto, srta. Aleta. Mas, para dizer a verdade, minhas pernas me fizeram ficar acordada metade da noite. Doeram bastante.

— Por isso mesmo, deixe que fiquem apoiadas assim, sempre que puder, e evite subir e descer escadas. Acho que Rose está conseguindo se sair muito bem no trabalho.

— Todos estão trabalhando muito bem, senhorita. Mas, apesar de serem moças dispostas, é melhor não facilitar muito como minha velha mãe dizia…

— Elas vão se sair bem — disse Aleta, confiante. — Acho que as hóspedes não são exigentes e implicantes nem a metade do que eram as damas do tempo de vovô!

— Não, de fato. E as roupas delas também não são as mesmas. A senhorita acredita… — A sra. Abbott abaixou a voz e continuou, em tom chocadíssimo: — … que elas usam roupas de baixo pequenas, minúsculas, mesmo?

Aleta riu intimamente. Manteve-se séria, ao responder:— Isso significa menos trabalho para as lavadeiras e passadeiras. Pelo

som do gramofone, lá embaixo, parece que estão dançando.— Dançando! É só o que elas sabem fazer! Dançar de manhã, logo depois

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do café! A senhorita já tinha visto uma coisa dessas? A patroa jamais acreditaria que isso aconteceria, um dia.

Aleta sabia que a “patroa” era sua avó, e não sua mãe, porque a sra. Abbott vivia muito no passado, no tempo em que dirigia aquela casa com pulso de aço. O maior motivo de orgulho para a velha sempre havia sido os convidados de Kings Wayte afirmarem que se sentiam melhor lá do que em qualquer outra casa em que tinham sido hospedados.

— Desde que todos se sintam bem, acho que o resto não tem importância — disse Aleta, pensativa.

— Roupas modernas ou não, essas moças deixam o quarto numa desordem terrível! Roupas espalhadas por todos os lados, e, a senhorita nem vai acreditar, vi caixas de pó-de-arroz em todas as penteadeiras!

Aquilo havia chocado a sra. Abbott muito mais do que o tamanho reduzido das roupas de baixo. Aleta disse, suavemente:

— Quando estive em Londres, vi que todas as moças usavam pó-de-arroz e batom.

A velha ergueu as mãos, num gesto de horror.— Não sei onde o mundo vai parar, senhorita. Não sei mesmo! Ouça o que

digo: uma dama que usasse batom, antes da guerra, não era considerada uma pessoa de bons princípios!

Aleta sabia que aquilo significava a condenação máxima e mudou de assunto:

— Será gostoso ter um baile aqui de novo. Vamos ter a impressão de estar de volta aos bons tempos.

— Foi o que pensei, quando ouvi, mas a senhorita sabe que eles estão pensando em contratar uma orquestra de negros?!

Aquilo era tão horripilante, que a voz da governanta se tornara quase um sussurro inaudível.

— Essas orquestras são muito apreciadas em Londres — disse Aleta, depressa.

— Uma orquestra de negros em Kings Wayte é uma coisa que jamais pensei em ver!

Aquele era outro assunto perigoso e Aleta tratou de desviar-se dele.— Gosto de música e bem que queria ir ao baile também… Sabe? Acho

que tenho um jeito de ver o baile, apesar de meu irmão não concordar.— Ver, senhorita? Como?— Bem, hoje em dia, a orquestra não costuma ficar separada, na galeria

dos músicos, como antigamente. Agora os bailes são mais íntimos e as orquestras ficam no mesmo nível que os dançarinos. Então, posso ficar na galeria dos músicos e assistir ao baile lá de cima.

— Precisa tomar cuidado. Não quer ser reconhecida, quer?— Serão poucas as pessoas que poderiam me reconhecer. Parecia um

tanto triste, o que fez a sra. Abbott dizer, depressa:— Quando tudo isso estiver terminado e esses americanos forem embora,

a senhorita e sir Harry poderão dar suas festas. Talvez não bailes, mas jantares para os amigos.

— Sim, claro. Será muito bom. Bem, acho que agora vou deixá-la descansar. Está tudo bem, não?

Como se só esperasse por aquela pergunta, a sra. Abbott começou um longo relato de como algumas das moças do condado eram tolas, já tivera que

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mostrar a elas mil vezes de que jeito deviam arrumar as camas e dobrar as camisolas das damas.

Estava também indignada porque os criados deixaram cair um pouco de água pelo caminho, ao carregá-la para alguns dos hóspedes que tinham banheira no quarto.

Os cavalheiros que costumavam hospedar-se em Kings Wayte antigamente utilizavam um dos banheiros comuns, por menos cômodos e adequados que fossem, e as senhoras banhavam-se em tinas colocadas diante da lareira, em seus quartos.

Aleta sabia que sua mãe ficaria horrorizada à idéia de andar pelos corredores de robe e que nem ela nem sua avó sequer pensariam na possibilidade de usarem as banheiras de uso comum.

Tudo tinha mudado muito, com a guerra. Ela e a governanta haviam sido obrigadas a se utilizar dos banheiros comuns, pela simples razão de não ter ficado ninguém na casa capaz de carregar enormes baldes de água quente lá para cima.

Pensava que seria ótimo ter criadas e criados para cuidar deles de novo, quando percebeu que a sra. Abbott tinha dito algo sobre Sua Alteza. Prestou mais atenção.

— O cavalheiro americano é muito ansioso e nervoso. Perguntou se o “Quarto da Rainha” era suficientemente bom para Sua Alteza! Tive vontade de responder: “Se foi bom para a rainha Anne, é mais do que bom para qualquer duque moderno!” Mas acho que esses americanos não entendem isso, não é, senhorita?

— O sr. Wardolf quer muito que o duque se sinta bem aqui, porque vai casar com a srta. Lucy-May.

— Foi o que ouvi dizer. E, se quer saber minha opinião, é uma pena que um nobre como Sua Alteza chegue ao ponto de se vender dessa maneira.

Aleta ficou surpresa com o conhecimento que a sra. Abbott tinha da situação. Depois, lembrou-se de que nada podia ser escondido dos criados.

— Acho que o duque está numa situação pior do que a nossa — disse baixinho.

— Sempre rezo para que sir Harry não precise casar com uma americana — disse a sra. Abbott, com desdém. — Eles têm muito dinheiro, é verdade, mas, francamente, não sabem se comportar. Não como nós.

Aleta disfarçou um sorriso.— O modo de os americanos viverem é diferente do nosso, claro. Mas

sejam de que nacionalidade forem, americanos, franceses ou alemães, todos são gente.

— Os alemães! — fungou a sra. Abbott.— Eles não são gente! Para mim, são feras com aparência humana.

Aleta sabia que aquele era um tema dos mais explosivos; por isso, levantou-se, dizendo:

— Enquanto estão todos lá embaixo dançando, vou dar uma volta pela casa e ver se está tudo certo. Assim, a senhora não precisa se levantar. Prometa ficar aqui, quietinha, e dormir um pouco.

— A senhorita é um amor. De fato, estou me sentindo um pouco cansada.— Então, deixe que eu cuido de tudo. Depois venho contar para a senhora.Saiu do quarto da governanta e atravessou o corredor até a porta, oculta

pela pesada cortina verde, que dava para a parte nobre da casa.

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A música chegava ali bem mais nítida e ela reconheceu a melodia.Era Estou Furiosa com Harry, e Aleta pensou como combinava com o dono

da casa, se bem que ninguém soubesse.Começou a cantarolar, enquanto andava pelo corredor que ia dar nos

quartos que haviam sido reformados.Não tinha sido feita muita coisa, mas a colocação de um ou outro quadro,

de cortinas novas, tornara-os bem diferentes dos quartos escuros, empoeirados e abandonados, que pareceram tão horríveis para Harry, quando voltara da França.

Aleta entrou em vários deles, verificando se as criadas tinham arrumado tudo direitinho, limpado como recomendara e posto um vaso com flores em cada penteadeira.

Chegou ao “Quarto da Rainha” e não pôde deixar de se lembrar de sua mãe, ao abrir a porta.

O “Quarto do Rei”, onde o pai dormia, e o “Quarto da Rainha” formavam uma suíte independente. Aleta imaginara que Lucy-May e o pai iam querer ficar lá. Mas o sr. Wardolf deixara bem claro que ficaria no “Quarto do Rei” e o duque de Stadhampton, no segundo melhor, de modo que lhe reservaram o famoso aposento ocupado pela rainha Anne em 1710.

Era um quarto muito grande, com um leito de quatro colunas, dossel com cortinas de brocado, cuja cúpula exibia deuses e deusas que tinham dado um trabalhão para ficarem bem limpos.

Era também o quarto preferido de Aleta. Ao entrar nele, naquele momento, sentiu como se a mãe ainda estivesse ali; chegou a sentir o delicado perfume de rosas que pairava no ar, quando, ainda criança, abria as gavetas da cômoda.

Aleta sempre se opusera terminantemente a que tirassem qualquer coisa daquele aposento.

Agora, seus olhos passeavam, apreciadores, pelos móveis franceses com entalhes dourados, os espelhos lapidados e as porcelanas chinesas sobre a lareira.

Pelo menos o duque saberia apreciar tudo aquilo, pensou, e tentou se lembrar de alguma coisa a respeito dele.

Era um nome familiar, mas nunca tinha ouvido Harry ou os amigos falarem dele. No entanto, tinha-os ouvido falar muito de Chatsworth. E, durante sua estada em Londres, havia sido convidada pelo duque e a duquesa de Devonshire para um baile de Devonshire House. Mas não chegou a conhecer os duques nem pôde ir ao baile, porque, na véspera, foi avisada de que o pai estava passando mal e partiu imediatamente para Kings Wayte.

Depois disso, nunca mais tinha saído de lá. Muitas vezes ficava triste por não ter conhecido mais Londres e as casas nobres que aos poucos iam se desmantelando, perdendo muito ou tudo de sua grandeza original.

Vai ver, o duque está na mesma situação que nós, pensou.Em seguida, teve certeza de que era por isso que ele ia passar uns dias

em Kings Wayte e casar com uma milionária americana: para salvar seu brasão, sua casa e propriedade. Coisa que talvez Harry também tivesse que fazer. Quando os ricos inquilinos fossem embora, eles estariam mais ou menos diante dos mesmos problemas que tinham até então.

— Sempre dinheiro, dinheiro, dinheiro! — disse, sentindo-se miseravelmente mal.

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Depois de inspecionar o quarto inteiro, saiu e voltou pelo mesmo caminho. Atravessou depressa o patamar de mármore, com medo de se encontrar com alguém antes de estar, sã e salva, junto da porta oculta pela cortina verde, que dava para a ala dos criados. Nesse momento, ouviu um carro parar na porta principal.

Instintivamente, foi até o parapeito para ver quem era.Quando o criado abriu a porta, ouviu uma voz de homem dizer, aflita:— Preciso falar com o sr. Wardolf, depressa! Houve um acidente! Aleta

ficou gelada.Imediatamente pensou que alguma coisa tinha acontecido com Harry. Viu

Barlow chegar ao hall correndo e esbarrar com violência no recém-chegado.— O senhor disse que houve um acidente?— Sim, isso mesmo. Foi com um dos convidados do sr. Wardolf. Havia dois

cavalheiros no carro, mas, segundo me disseram, o duque é que se machucou.— Sinto muito ouvir isso — disse Barlow. — O sr. Wardolf vai ficar

profundamente chocado. Se fizer o favor de esperar um momento, senhor, vou avisá-lo de sua presença.

Aleta pôde ver então o homem. Pelas roupas, assim como pelo modo de falar, percebeu que era um fazendeiro, um agricultor ou algo parecido.

Sabia que Barlow na certa o havia medido de alto a baixo e, como não se tratava de um cavalheiro, ia deixá-lo esperando no hall enquanto avisava o sr. Wardolf.

Um dos criados perguntou:— Foi um acidente muito sério?Excitado e sempre pronto para falar, o fazendeiro respondeu:— Eles estavam correndo muito! Mas os jovens são assim mesmo. Fizeram

a curva da travessa Lane de modo muito perigoso e o carro teria batido de frente num outro, se o motorista não desviasse e saísse da estrada.

— Saiu da estrada?— É. Não teria acontecido nada, se não houvesse uma árvore bem ali. No

momento do choque, o duque, que estava no assento do passageiro, bateu com a cabeça no pára-brisa.

— Que tipo de carro é?— Um desses mais novos, que correm demais para o meu gosto.Acho que é… um Bentley.— Um Bentley! — repetiu o criado, obviamente impressionado. Ia fazer

uma outra pergunta, quando Barlow voltou com o sr. Wardolf.— O que foi? Que aconteceu? Um acidente com o duque? Como é que uma

coisa assim pôde acontecer?O fazendeiro explicou de novo, interrompido de vez em quando por

ansiosas perguntas do americano.Depois, ele perguntou:— E onde está o duque? O que aconteceu com ele?— Está sendo trazido para cá, numa carroça. Acharam que não ficaria bem

acomodado em minha charrete.— Depressa! Depressa! Um médico. Precisamos de um médico!— O dr. Goodwin está viajando, senhor, mas há alguém no lugar dele, até

sua volta.— Um médico?— Acho que sim, senhor.

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— Então, vá buscá-lo! Traga-o para cá, depressa!— Sim, senhor — disse o fazendeiro. Mas o sr. Wardolf não ouvia nada;

dava ordens:Diga à governanta para ver se o quarto do duque está pronto e

providenciar bandagens e mais o que for preciso para um curativo. Entendeu?— Sim, senhor.Um dos criados subiu a escada correndo. Aleta parou diante dele, quando

ia se dirigir para a porta coberta pela cortina verde.— Está tudo bem, James. Ouvi a conversa e sei o que aconteceu. Trate de

fazer com que sir Harry… quero dizer, o sr. Dunstan… fique sabendo o que houve, o mais depressa possível, e venha

para casa. Deixe o recado para ele na estrebaria.— Sim, senhorita.O americano continuava dando ordens e mais ordens no hall lá embaixo.Isto veio transtornar os planos dele, Aleta pensou.Mas não ficou muito preocupada com o milionário nem com o duque que

estava namorando a filha dele.Os dois têm que passar por aflições e dificuldades, como todo mundo,

pensou. E se dirigiu depressa para os aposentos da criadagem, para contar a novidade à sra. Abbott.

O duque sentia-se como no final de um longo e tenebroso túnel, mas podia ouvir vozes. Não entendia o que diziam e ficou irritado porque o acordaram.

Então, uma voz suave disse:— Está tudo bem, Abby. Não se aflija. O médico disse que não é provável

que ele volte a si antes de vinte e quatro horas. Amanhã chega uma enfermeira de Londres.

— Não fica bem a senhorita ficar sozinha com um cavalheiro. Sabe muito bem disso! — disse uma voz mais velha e severa.

Houve o som abafado de uma risadinha.— Se está preocupada por não haver ninguém aqui para me proteger,

Abby, posso garantir que estou fora de qualquer perigo!— Sua mãe não aprovaria isto, senhorita! Houve silêncio por momentos.— Sinto que aqui, no quarto de minha mãe, ela estará cuidando de mim.

Vá se deitar, Abby, querida, e volte amanhã bem cedinho, antes que os outros acordem.

— Não gosto disso. Não gosto nada disso!— É só por uma noite — tornou a explicar Aleta, com paciência.— O médico disse que alguém precisa ficar com ele. Sabe perfeitamente

que Ethel e Rose são idosas demais para isso e as outras criadas, jovens demais. Então, só resta eu. Vou ficar aqui sentada, quietinha, e amanhã de manhã, quando a senhora vier me substituir, durmo quanto tempo quiser.

— Mas o fato é que isso não está certo! Se quer saber o que penso, esse médico novo não entende nada. Tenho certeza de que tudo seria diferente se o dr. Goodwin estivesse aqui.

— Mas ele não está. Por isso, vá dormir. Senão não vai poder cumprir suas obrigações, e o sr. Wardolf não gostaria disso. Ele está preocupadíssimo com o precioso duque.

— Isso é verdade. Ele não poderia ter ficado mais aflito se Sua Alteza fosse o rei em pessoa! Agora estou me lembrando! Quando o rei Edward…

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— Vá dormir, Abby! — interrompeu Aleta, sabendo como suas histórias eram intermináveis.

— Está bem, senhorita. Mas prometa me chamar, se houver qualquer mudança no estado de Sua Alteza.

— Prometo. Boa noite, Abby.— Boa noite. Espero estar agindo certo, deixando a senhorita aqui.— Vá se deitar! — disse Aleta, com firmeza.Depois de fechar silenciosamente a porta atrás da governanta, voltou para

junto da cama e ficou de pé, olhando longamente para o duque.Ele imaginou se podia abrir os olhos e ver como era a dona daquela voz

suave. Não tinha entendido quase nada do que ela dissera, mas ouvira bem a voz.

Parecia-lhe vagamente familiar, conhecida, mas não tinha certeza. De qualquer modo, estava muito cansado e ainda mergulhado no túnel escuríssimo, se bem que não tão comprido como parecera no começo.

De repente, o esforço para pensar tornou-se tremendo e mergulhou no nada outra vez.

O duque acordou e ouviu uma voz, que não reconheceu como sua, gritando:

— Cuidado! Cuidado, seu louco!Agitou-se, lutando para proteger o rosto, quando sentiu o toque de uma

mão macia e fria na testa, enquanto a voz que ouvira antes dizia:— Está tudo bem. O senhor está salvo. Não vai doer mais… Durma.Tentou erguer as mãos de novo e percebeu que estavam presas sob as

cobertas.— O senhor sofreu um acidente, mas nada de grave. Logo ficará

completamente bom. Precisa dormir, está muito cansado. Vai se sentir melhor amanhã.

A voz parecia hipnótica e ele sentiu que relaxava.— O senhor deve estar com sede.Pouco depois o duque sentiu que sua cabeça era erguida e que lhe

encostavam um copo aos lábios.Automaticamente, bebeu o líquido frio e doce. A limonada acabou com a

secura da boca. Então, com delicadeza, sua cabeça voltou a ser posta sobre os travesseiros.

— Agora, durma…Sentiu a mão na testa de novo, mas, agora, ela se movimentava

suavemente, massageando a pele, fazendo-o se descontrair, provocando uma sensação langorosa muito agradável.

Teve a impressão de flutuar, como se fosse carregado por uma nuvem muito macia…

Aleta entrou no quarto e começou a se despir.A luz do dia começava a filtrar-se pelos vãos da cortina e ela a abriu.

Olhou para fora. O lago estava coberto por uma tênue neblina, as árvores do parque recortadas contra o céu de um dourado pálido.

Estava cansada, mas ao mesmo tempo duvidava de que conseguisse dormir. De qualquer forma, não seria por muito tempo, pois devia haver uma porção de coisas a resolver naquela manhã.

Não se surpreendeu quando a sra. Abbott entrou no “Quarto da Rainha”, às cinco horas.

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— Está tudo bem, senhorita?— Tudo perfeitamente bem, Abby. Nosso paciente comportou-se

muitíssimo bem. Acordou dizendo coisas sem sentido, eu lhe dei um pouco de limonada e ele dormiu de novo.

— Não viu a senhorita?— Não. Nem chegou a abrir os olhos. Mesmo que tivesse aberto, duvido

que reconhecesse alguém ou alguma coisa.— Graças a Deus! Se esse novo médico for realmente de confiança,

teremos uma enfermeira de verdade aqui, esta noite. Agora, vá se deitar, senhorita, e durma bem. Ficarei aqui com Ethel e Rose, até a enfermeira chegar.

— Então, não preciso me preocupar — dissera Aleta, com um sorriso.Várias vezes, naquela noite, havia ficado de pé ao lado da cama,

observando o duque e imaginando como era possível aquele homem casar por dinheiro.

Uma coisa era alugar a casa, como ela e Harry estavam fazendo, mantendo-se escondidos, mas casamento!… Quanto mais olhava o duque, mais o criticava por não tentar salvar o patrimônio da família de outro modo, em vez de se sacrificar pessoalmente.

Tinha que ser um sacrifício! Nenhum inglês com a importância do duque de Stadhampton pensaria em casar com a filha de um milionário americano por outro motivo qualquer, a não ser o dinheiro dela.

Aleta não era esnobe do tipo comum na sociedade de antes da guerra, que achava a posição e o nome mais importantes do que qualquer outra coisa. No entanto, tinha um profundo respeito e grande orgulho em relação aos antepassados e a tudo o que haviam construído.

O rei Edward havia introduzido na nobreza homens ricos que o apoiavam financeiramente. Pelos serviços prestados, eles esperavam ser recebidos na alta sociedade, e Sua Majestade fazia questão disso.

Os nobres da geração de seus avós tinham recebido essa inovação com decepção e desgosto, mas não confessavam isso a ninguém, a não ser, muito discretamente, aos mais íntimos amigos.

Haviam dito a Aleta, e ela acreditava, que a guerra derrubara grande número de barreiras de classe. Mas, idealista como era, o que a deixava chocada era pensar em um homem como o duque vendendo a si mesmo e a seu título a quem pagasse mais.

Não condenava os americanos por desejarem comprar brasões para as filhas da mesma maneira que compravam quadros e móveis. E ninguém mais indicado para lhes oferecer a “mercadoria” do que a Europa empobrecida.

O que estava errado era o fato de os donos desses tesouros se verem obrigados a vendê-los.

O que tornava a situação mais inaceitável ainda era que o duque tinha ótima aparência.

Devia ter uns vinte e oito ou trinta anos, cabelos pretos, traços aristocráticos e uma testa larga que demonstrava inteligência. Por que não usava essa inteligência para conseguir dinheiro, em vez de vender seu título?

Mas isso não era de sua conta. Observando-o bem, chegara à conclusão de que ele representava um enigma que gostaria de resolver. Por que havia tomado aquela decisão? O que acontecera para não ter outra alternativa, senão casar com uma herdeira?

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Então, com certo cinismo, perguntou-se se as coisas seriam mesmo como imaginava.

Talvez ele fosse um desses homens que nunca acham que têm bastante dinheiro, um esportista que queria ter um campo particular de caça, onde pudesse receber freqüentemente o rei. Ou um iatista que sonhava disputar uma corrida em Cowes e divertir os convidados com caçadas nos pântanos da Escócia.

Lembrava-se de histórias que a mãe lhe havia contado sobre a grandiosa hospitalidade do tempo de seu avô, quando em Kings Wayte havia sempre de trinta a quarenta hóspedes, todos com seus criados pessoais.

— Isso devia ser caríssimo, mamãe — Aleta lembrava-se de ter comentado.

— Era mesmo — respondera a mãe, com um sorriso. — Mas seu avô podia arcar com as despesas. Nós, não.

— Pensei que o desprezasse — disse Aleta, silenciosamente, ao homem inconsciente na cama. — Mas, se sua casa é tão linda como Kings Wayte, não posso censurá-lo por se sacrificar para salvá-la.

Achava que Harry estava certo, quando dizia que não queria casar com uma mulher mais rica do que ele. Um homem tinha que ser o chefe de sua casa. Dever à esposa cada moeda gasta era humilhante, degradante.

Harry e eu vamos nos arranjar de algum jeito, jurou a si mesma. Podemos fazer uma porção de coisas esquisitas, como alugar a casa, mas não vamos nos submeter a uma escravidão financeira. Porque é isso que acontece, quando a gente casa sem, amor, só por dinheiro.

Também não entendia as mulheres, e eram muitas, que faziam exatamente o oposto, aceitando um marido apenas por seu título e para ocupar um lugar na nobreza. Havia muita ambição nas jovens de sua geração.

Alguma coisa agitou-se dentro dela, com aquele pensamento, e Aleta soube, de modo definitivo, que jamais casaria sem amor, mesmo que isso significasse ficar solteira para sempre.

— Uma velha solteirona!Vira-se repetindo essas palavras, com a respiração pesada. Seria esse seu

destino?Então, que fosse! Preferia a solidão ao casamento com um homem que

não amasse.Olhara de novo o rosto do duque. Ele a perturbara porque era muito

bonito. Muitas mulheres deviam amá-lo.Quem sabe estou errada, disse a si mesma, ao se deitar. Quem sabe,

Lucy-May o ama e ele a ama…Era uma coisa em que gostaria de acreditar, como se um conto de fada

pudesse ser verdade.Então, percebeu que estava procurando desculpas para ele… desculpas,

porque o duque era muito bonito. Bonito como o príncipe encantado de seus contos de fada.

  

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CAPÍTULO IV

   Bateram à porta, e o duque, que estava sentado junto à janela, com uma

manta sobre os joelhos, ergueu a cabeça.A porta abriu-se e apareceu o rosto sorridente de Lucy-May.— Está disposto a receber visitas?— Estou encantado por ver você.A moça entrou no quarto. Trazia um grande pacote.— Agora que está melhor, temos um presente especial para você, com

todo o carinho de papai e, claro, o meu.— Um presente?O duque tinha emagrecido, depois daqueles quatro dias de cama, mas

estava até mais bonito assim. Lucy-May pôs o pacote em seu colo.— Abra. Quero ver se gosta.Ele desembrulhou o presente. Era um quadro, não muito grande, mas que

o deixou sem fôlego, quando o viu direito.Por instantes, ficou olhando a pintura, em silêncio. Depois, perguntou:— É, mesmo, um Canaletto?— Tenho o par dele lá embaixo — disse uma voz vinda da porta. E mais o

seu Van Dyck.O duque virou-se para o sr. Wardolf com ar interrogativo. O americano

aproximou-se e explicou:— Comprei-os em Londres, ontem. Por que não me disse que os estava

vendendo?O duque não respondeu de imediato, e Lucy-May disse:— Papai está dando os quadros para você. Gostou da surpresa?— Eu não sei o que dizer… — murmurou o duque. O sr. Wardolf pôs a mão

no ombro dele:— Não diga nada, rapaz. Os quadros fazem parte de seu dote de

casamento; por isso, devem voltar ao lugar a que pertencem.— Papai! Eu pedi para você não tocar nesse assunto!— Oh, desculpe, desculpe! Esqueci.— Eu disse para você não esquecer! — insistiu Lucy-May. Havia um toque

de irritação na voz dela e o pai percebeu.— Acho que, como todas as mulheres, você quer uma proposta de

casamento com música de violinos ao fundo.— Sim, isso mesmo! Com uma Lua enorme no céu e rouxinóis cantando

nas árvores.Olhava para o pai muito zangada. Por isso, não viu o duque estremecer,

nem a estranha expressão que tomou conta de seus olhos, enquanto repetia, baixinho, com a respiração alterada:

— Rouxinóis!Como se estivesse muito perturbado com a zanga da filha, o sr. Wardolf

disse:— Tenho uma proposta para você, rapaz. Falaremos quando se sentir forte

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o bastante.— Já estou bom. Mas, primeiro, devo dizer que não posso aceitar este

presente. É generoso demais.— Trata-se, apenas, de senso comum. Não gosto de pensar no Castelo de

Hampton despojado de todos os seus tesouros. Na próxima vez, fale comigo, antes de vender qualquer coisa.

O duque apertou os lábios e em seu rosto apareceu uma expressão que Lucy-May não soube definir.

— Vou deixar vocês dois sozinhos — disse a moça, com jeito brincalhão. — Volto mais tarde. Não canse Tybalt demais, papai. É a primeira vez que ele sai da cama e você sabe o que o médico disse.

— Acho que o que tenho para falar não vai cansá-lo — respondeu o sr. Wardolf, sentando-se na poltrona em frente ao duque.

Esperou que Lucy-May saísse e começou:— Pelo que ouvi, você tem um belíssimo castelo e outras propriedades

com objetos de grande valor histórico.— É verdade, mas herdei as demais propriedades há Pouco temPo de um

tio. Está tudo em desordem, por isso ainda não o convidei para conhecê-las.— Claro, entendo isso. Imagino que, tendo sido educado e crescido num

ambiente de altíssimo nível, deve ser muito apegado a objetos como esse quadro.

O duque sorriu.— Sou, e gosto disso. Detesto me desfazer de coisas que nao sao

realmente minhas, mas uma herança que deve passar para as Próximas gerações.

O americano concordou com um gesto da cabeça.— Por esse motivo, deve recolocar os Canaletto e o Van Dyck nos lugares

onde estavam. É lá que devem ficar.— Muita bondade sua, mas…— Não quero discutir o assunto. Só quero que ouça o que tenho a propor.O duque colocou o quadro ao lado da poltrona e recostou-se nela.— Como sabe — começou o sr. Wardolf —, tenho esperança de que você e

Lucy-May, que é a coisa mais preciosa que possuo sejam felizes juntos. Mas sei que, se bem que eu tenha uma imensa fortuna, uma das maiores da América, existem coisas que você possui e que o dinheiro não pode comprar.

O duque ouviu com atenção. Sua frieza inicial começava a ser substituída por uma expressão de simpatia.

— Eu entendo — continuou o americano — que não apenas você, mas também um grande número de nobres ingleses, tenham tido que vender tesouros acumulados por seus ancestrais durante séculos, mas essa mesma situação existe em toda a Europa, principalmente na França.

O duque não disse nada. Simplesmente, esperou, os olhos fixos no velho.— O que eu queria sugerir é o seguinte: como sei que tem grande

conhecimento de obras de arte, gostaria que comprasse quadros, móveis, objetos que encantem minha vida e que, quando eu morrer, sejam o começo do acervo de uma galeria.

Então o duque começou a se interessar. Tanto que se inclinou para a frente.

— Quer mesmo fazer isso, senhor?— Quero. Acho muito importante haver uma boa galeria de arte em minha

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terra, pois os americanos precisam ter a chance de apreciar o trabalho dos grandes mestres do passado. — Havia um sorriso levemente cínico nos lábios dele, quando acrescentou: — Não sou bobo! Ouvi o que se diz sobre os americanos “caçadores de pechinchas”, as histórias que circulam sobre como são tapeados por italianos espertos e franceses ladinos, gastando fortunas na compra de objetos sem valor ou falsificados. Não quero ser embrulhado também.

— Posso entender isso.— Quero pedir-lhe, então, que seja meu agente na Europa.As sobrancelhas do duque ergueram-se, e o sr. Wardolf continuou:— Sei que há uma porção de pessoas que poderiam me atender nesse

sentido, mas, francamente, confio mais em você. Gosto de você e tenho certeza de que conhece melhor um quadro do que metade dos comerciantes de arte, que, na verdade, estão mais interessados em ganhar comissões. A comissão dos melhores especialistas em arte, como lorde Duveen, varia, segundo fui informado, entre vinte e cinco e cem por cento do preço da compra. Ofereço-lhe cinqüenta.

Faremos um outro acordo para minha outra proposta.— E qual é, senhor? — A voz do duque soou baixa e rouca.— Pretendo investir na Europa. Nosso presidente sempre diz que os

Estados Unidos devem ajudar a reconstruir as indústrias européias. Gostaria de contribuir para isso pessoalmente, mesmo que em pequena escala.

— É uma boa idéia, senhor.— Pretendo me guiar totalmente por suas opiniões.— Sinto-me honrado pela confiança que tem em mim, mas não sei se

conheço arte e indústria o suficiente para isso.— Acho que seu instinto em ambas as coisas pode ser tão valioso como o

conhecimento adquirido de outros homens.— Espero que tenha razão. É uma grande responsabilidade.— Tenho certeza de que está à altura dela.O americano sabia que o duque havia compreendido que sua intenção era

torná-lo independente do dinheiro que seria levado pela filha dele, ao se tornar sua esposa.

O sr. Wardolf era um homem de negócios bastante esperto para não pressionar além do ponto, deixando a proposta para ser assimilada com calma. Levantou-se.

— Lucy-May exigiu que eu não o cansasse, mas pense no assunto. Acho que será muito interessante para você e uma boa orientação para a mente muito americana de minha filha.

Saiu do quarto antes que seu hóspede pudesse responder. O duque ficou imóvel, olhando, sem ver, a paisagem através da janela.

Estranhamente, não pensava no que o americano lhe havia dito, mas em coisa muito diferente.

Ficou sentado ali, imóvel, durante bastante tempo, até que a porta se abriu e a sra. Abbott entrou.

— Como está se sentindo, Alteza. O médico disse que pode ficar de pé quanto tempo quiser, mas que, se ficar cansado, deve voltar para a cama.

— Não estou cansado. Pelo menos, ainda não. Se quer saber a verdade, sra. Abbott, estava ansioso para poder ir lá para baixo.

— Tenho certeza disso, Alteza. Nenhum cavalheiro gosta de se sentir

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inválido.— De fato. No entanto, agradeceria se a senhora me fizesse um favor.— Pois não, Alteza.A sra. Abbott cruzou os braços sobre o uniforme de seda preta e esperou,

respeitosamente. Gostava do duque. Não apenas era um homem muito bonito, como também gentil, bem-educado e bastante fácil de ser atendido.

— Eu gostaria de saber — disse ele devagar, como se escolhesse as palavras — quem cuidou de mim na noite do acidente. A enfermeira que foi embora hoje de manhã me disse que só chegou aqui no dia seguinte.

— É verdade, Alteza.— Então, quem ficou comigo na primeira noite? Houve um breve silêncio.— Realmente, não tenho certeza, Alteza, mas acho que foi Ethel ou Rose.Nervosa, evitou o olhar dele. E o duque teve certeza de que a sra. Abbott

estava mentindo.Lucy-May saiu da casa, olhou para o lago e achou que a bruma da manhã,

pairando sobre a água, tornava a paisagem mais atraente.Decidiu ir nadar mais tarde e virou-se para os dois cavalos que

esperavam.Para sua surpresa, viu que um cavalariço que ainda não conhecia montava

um dos animais.— Onde está o sr. Dunstan?O criado que segurava o cavalo para ela respondeu:— Hoje ele mandou que Jem viesse, senhorita.— Por quê?— Não sei. Apenas disse a Jem que viesse para acompanhar a senhorita.— Onde o sr. Dunstan está?— Na estrebaria.Lucy-May montou, mas, em vez de se dirigir para o parque, foi para a

estrebaria.Ao se aproximar, viu Harry olhar em sua direção e desaparecer lá dentro.Chegou à porta da estrebaria e ordenou, impaciente, a um criado:— Diga ao sr. Dunstan que quero falar com ele.O homem entrou na estrebaria e Lucy-May ficou esperando, batendo

nervosamente o cabo do pequeno chicote no cano alto da bota. Poucos minutos depois, Harry aproximou-se.

— Bom dia, srta. Wardolf. Alguma coisa errada?— Por que não vai cavalgar comigo?— Estou muito ocupado.— Quero que vá comigo, como sempre faz.— Jem é um excelente cavaleiro.— Não estou interessada em Jem. Quero que você vá comigo. Aliás, é uma

ordem!Quando terminou de falar, Lucy-May viu os lábios de Harry se apertarem e

compreendeu que tinha cometido um erro.— Por favor… — acrescentou, em outro tom. — Por favor, me acompanhe.Ele ergueu a cabeça e ela pensou que ia recusar. Depois, achando aquela

troca de palavras muito embaraçosa diante dos empregados, respondeu:— Está bem, se a senhorita quer.Como se adivinhasse o que ia acontecer, Jem já havia desmontado e Harry

saltou para a sela. Sem esperar por Lucy-May, galopou na direção do portão

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em arco.Ela o alcançou, notou sua expressão esquisita, mas não disse nada.

Depois de passarem a ponte sobre o lago e chegarem ao bosque, ela soltou as rédeas, e logo ambos galopavam lado a lado, as patas dos cavalos parecendo voar no chão macio.

Galoparam por quase um quilômetro e em seguida deixaram que os animais seguissem o passo. Então, começaram a cair algumas gotas de chuva.

Harry olhou para o céu. Nuvens espessas e escuras se formavam e era evidente que ia haver uma tempestade.

Como sempre, Lucy-May estava sem chapéu e apenas com um blusão.— A senhorita vai se molhar. O único lugar em que podemos nos abrigar é

o depósito de feno, que fica logo após o próximo campo.Ela apenas sorriu, como resposta, e de novo saíram galopando, debaixo da

chuva, que se tornara densa e pesada em poucos instantes.Ambos estavam ofegantes e molhados, quando chegaram ao velho

celeiro. As condições do lugar eram bastante precárias, mas felizmente era grande o bastante para dar espaço aos dois e a seus cavalos.

Harry desmontou rapidamente e foi ajudar Lucy-May, mas ela saltou para o chão antes que a alcançasse. O rapaz olhou-a preocupado.

— A senhorita está toda molhada. Pegue meu casaco. Tirou o casaco de montar, de tweed.

Os cavalos, vendo-se livres, tinham ido para um canto do celeiro, onde havia um pouco de feno estocado no ano anterior.

— Estou bem — disse Lucy-May, enquanto lhe punha o casaco sobre os ombros. Levantou a cabeça e seus rostos ficaram muito próximos.

Seus olhares se encontraram, e Lucy-May teve certeza de que ele ia se afastar. Sem pensar no que fazia, ela passou os braços pelo pescoço do rapaz e colou os lábios nos dele.

Por instantes, Harry pareceu petrificado, gelado. Depois, instintivamente, abraçou-a com força e apertou-a contra o corpo, enquanto seus lábios se apoderavam dos dela.

De repente, ele a afastou bruscamente, a ponto de o casaco cair dos ombros.

— A senhorita não tinha o direito de fazer isso!Estava rouco, como se falar lhe custasse um grande esforço.— Eu estava querendo fazer isso há muito tempo — respondeu Lucy-May.— Não devemos mais cavalgar juntos.— Quero estar com você, Harry.— Isso é um absurdo, como sabe muito bem! Daqui por diante, a senhorita

vai cavalgar com seus amigos, com um criado, com qualquer pessoa, menos comigo.

Uma outra moça teria desanimado, diante do tom firme de Harry. Mas Lucy-May era diferente.

Com um passo, estava outra vez bem perto dele, olhando-o de frente.— Escute, Harry, quero estar com você e você também quer estar comigo.

Por que está bancando o difícil?— Não estou bancando o difícil. Simplesmente, estou sendo honesto! Sou

empregado de seu pai, e não é direito ficar tendo encontros clandestinos com sua filha, pelas costas dele!

Lucy-May deu uma risadinha.

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— Você faz as coisas parecerem tão empolgantes e românticas! Tudo o que quero é estar em sua companhia, Harry, para cavalgarmos juntos, para conversarmos. Sabe muito bem que é só de manhã, bem cedo, que podemos ficar sozinhos.

— É justamente o que não devemos fazer. Deixe-me em paz e case com o seu duque! Não sou o tipo de homem que gosta de ter ligações amorosas com uma mulher que é de outro.

— Não sou de ninguém, a não ser de mim mesma! Quanto ao duque, a idéia de casar com ele é de papai, não minha!

— No entanto, está gostando da idéia de se tornar uma duquesa. Imagine a inveja de seus amigos americanos, quando for recebida no Palácio de Buckingham e entrar no Parlamento faiscando de brilhantes.

Agora já não havia nenhum disfarce no tom sarcástico e cínico, e Lucy-May riu de novo.

— Acha que isso é tudo que quero da vida? Prefiro mil vezes andar a cavalo com você, a ficar olhando um rei bufar sob o peso da coroa.

Harry ficou calado por alguns momentos. Depois, tornou a olhar para Lucy-May e disse, decidido:

— Vamos falar francamente: você tem sua vida, eu tenho a minha.— Isso não é verdade. Nós nos encontramos e, por mais que insista em

negar, Harry, temos muito a ver um com o outro.— Se for assim, então, temos que parar com isso imediatamente! Como já

disse, você tem sua vida, e nela não há lugar para mim.— Há, sim! E nada que você possa dizer vai alterar isso.A voz dela soou com incrível suavidade, e Harry olhou-a. Seus olhos se

encontraram, as palavras tornaram-se inúteis, porque seus corações estavam dizendo tudo.

Ele não soube com certeza se foi Lucy-May quem fez primeiro o movimento ou se foi ele, mas de repente ela estava de novo em seus braços. Harry beijava-a selvagem e apaixonadamente, enquanto o celeiro desaparecia, tudo o mais desaparecia, não havendo nada no mundo, a não ser os dois e aquela maravilhosa proximidade.

De súbito, ele a afastou outra vez.— Você é impossível! Sabe muito bem que não podemos fazer isto.— Por quê?Estava muito mais linda, os olhos brilhando de excitação, as faces

coradas, os lábios vermelhos por causa do ardor e da violência dos beijos.Ele não respondeu. Foi para a porta do celeiro e ficou olhando para fora.— Está quase parando de chover. Vou levar você para casa. Entenda isso,

de uma vez por todas: não sairei mais para cavalgar com você. Por isso, nunca mais insista.

Lucy-May atravessou o celeiro correndo e parou perto dele.— Não entendo nada! Não quero perder você! Não posso!— Precisa! E, se continuar insistindo, vou ter que ir embora. Essa é uma

coisa que não queria fazer.— Você quer dizer… quer dizer que deixaria o emprego por minha causa?— Quero dizer que vou embora de Kings Wayte. E se você não tomar

cuidado, contarei a seu pai por quê.— Agora, está me ameaçando! Amo você. Harry. Você me ama! Por que

estamos discutindo assim?

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— É jovem demais para saber o que é o amor. Além disso, seu pai tem planos que não podem ser ignorados, diga você o que disser.

— Aí é que se engana! Seja o que for que papai queira ou tenha planejado, não vou casar com um homem que não amo!

— Mas, ao mesmo tempo, quer ser uma duquesa.— Pelo amor de Deus, pare de dizer isso!— Vista meu casaco! Com chuva ou sem chuva, vamos voltar para casa.— Está me dando ordens e não gosto disso! Primeiro quero falar com você

sobre nós…— Não há o que falar sobre nós! Você é filha de um milionário que gastou

um dinheirão para tornar Kings Wayte apresentável, que está pagando muito caro para usar a propriedade, a criadagem e quem a administra. Não é direito, nem limpo, apegar-se a mim de um modo que é reprovável para nós dois.

— Não há nada de reprovável no que sinto por você. Acho que o amei desde o primeiro instante em que nos vimos, no lago, você todo chocado com meu maio.

— Não devia dizer isso!— Mas é verdade! Não se pode controlar o amor… Simplesmente,

acontece. Achei que você parecia muito atraente, de longe, cavalgando entre as árvores. Quando chegou mais perto, vi que estava certa, que era muito atraente… tão atraente que pensei coisas que nunca tinha pensado de ninguém antes.

— Isso não é verdade.— É, sim!— Mesmo que seja, não podemos fazer nada.— Por que não? Por mais cerimonioso e empertigado que você seja, sabe

muito bem que gosta de mim, que me ama!Harry suspirou.Continuava à porta, olhando para longe, para um ponto em que podia

perceber o teto de Kings Wayte.— Seja o que for que estejamos sentindo — falou, depois de longa pausa

—, temos que esquecer.— Por quê?— Porque não tenho intenção de decepcionar seu pai. Se eu fizer isso,

seremos mais infelizes do que somos.— Você é infeliz?— Não vou responder.— Então, respondo em seu lugar. Você me ama, Harry, como eu o amo!

Pertencemos um ao outro, e nada, nem papai, nem qualquer outra pessoa, diga o que disser, pode alterar isso.

— Temos que esquecer toda essa loucura. Já avisei: se você continuar insistindo, terei que ir embora de Kings Wayte.

— Se você for embora, vou atrás.— Tenha juízo! Entenda que, se continuarmos com isso, nossa vida vai se

tornar intolerável.— Pode ser que aconteça para você, mas para mim será maravilhoso!

Quero ver você, quero estar com você, quero que me beije de novo.Aproximou-se mais. Harry deu um passo para o lado e disse:— Quer fazer o favor de se controlar? Estou tentando agir como um

cavalheiro, Lucy-May, mas você torna isso infernalmente difícil!

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Lucy-May deu um gritinho de alegria.— Até que enfim, você me chamou pelo nome! Eu queria tanto ver como

ele ficava em seus lábios! Oh, Harry! Adoro seu sotaque inglês!— Não tenho sotaque… — começou Harry. Então, não pôde evitar de rir. —

Por favor, seja boazinha. Se não pararmos, vamos acabar afundando cada vez mais num pântano que poderá ser muito desagradável.

— Tudo o que quero é estar com você.— Mas não pode ser. Oh, querida! Tem que acreditar em mim, quando

digo que estamos brincando com fogo. Não posso deixar que faça isso, de jeito nenhum.

— Por que não… se eu quero?— Porque sou mais velho, porque estou vendo o perigo, porque, se quer

saber, prezo muito você para permitir que sofra.— O que está querendo dizer, realmente, é que me ama.— Não disse isso.— Mas sente.Harry suspirou de novo.— Você está tornando tudo muito difícil.— E vou continuar tornando tudo difícil, se isso servir para seguir meu

caminho.— Aí está uma coisa que não gosto que você faça. Aliás, não gosto de

mulheres mandonas, autoritárias.— Então, vou ser meiga, frágil e muito feminina, se— você me amar. Harry

riu sem querer.— Não sei o que fazer com você. Nunca tinha conhecido ninguém assim e

acho que estou maravilhado, enfeitiçado. É por isso que preciso ser forte por nós dois.

— Forte para quê?— Para enfrentar o futuro. Ele vai ser muito desagradável, se as coisas

continuarem indo como vão. Precisamos ter mais juízo.— Agora está dizendo, com palavras grandiloqüentes, que não quer mais

me ver?— Isso mesmo!— Então, recuso-me a ser como você queria. Serei mandona, autoritária,

até mesmo dominadora, mas vou continuar me encontrando com você, Harry, porque não pode ser de outra maneira.

Para surpresa dela, ele a segurou pelos ombros, com firmeza, e disse:— Agora, escute bem! Nasci cavalheiro e tenho toda intenção de continuar

sendo um cavalheiro. Diga o que disser, por mais que me tente, recuso-me a ficar sozinho com você outra vez. Juro que, se insistir em fazer o que fez hoje, arranjo outro administrador para ficar em meu lugar e vou embora de Kings Wayte.

Havia tanta determinação em suas palavras, que Lucy-May compreendeu que era verdade. Deu um grito de desespero:

— Oh, Harry, não! Não posso suportar isso! Não posso perder você!Ergueu os braços e, antes que ele pudesse evitar, enlaçou-o pelo pescoço

e apertou o corpo contra o dele.— Amo você, Harry! Amo você! Agora sei que significa para mim muito

mais do que eu pensava!Ergueu o rosto, tentando beijá-lo, mas Harry resistiu. Soltou as mãos dela

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de trás do pescoço.— Não se faz isso, Lucy-May. — Dessa vez, sua voç soou zangada. — Em

outras circunstâncias, talvez pudéssemos ser maravilhosamente felizes, juntos. Mas, como você é quem é, sou quem sou, isso é impossível. — Olhou-a por longos instantes e depois acariciou-lhe os lábios, de leve, com a ponta dos dedos. — Isto é o adeus, meu bem… Você precisa aceitar o inevitável.

— Não posso… Não quero! Eu…Mas Harry virou-se e foi para o fundo do celeiro, buscar os cavalos. Lucy-

May ficou parada à porta, olhando-o com um profundo sofrimento no olhar.Quando voltou com os cavalos, Harry não fez nenhum gesto para ajudá-la

a montar. Sabia muito bem que ela era capaz de montar sozinha; além disso, não suportaria tocá-la novamente. Saíram cavalgando, sem dizer uma palavra. A chuva tinha parado e um sol pálido começava a se filtrar por entre as nuvens.

Não levaram muito tempo para chegar diante de Kings Wayte, que pareceu a Harry mais linda e imponente do que nunca. De certa maneira, aquela propriedade era como um sonho de outro mundo; um mundo irreal, um mundo que muita gente acreditava perdido, destruído pela guerra.

Como você é minha, disse a si mesmo, vou lutar por você, custe o que custar!

Passou-lhe pela cabeça que, se casasse com Lucy-May, o dinheiro dela salvaria Kings Wayte e poderia conhecer uma felicidade que jamais sonhara que um dia encontraria.

Mas aquele era um sonho que nunca se realizaria. Lucy-May pertencia a um novo e duro mundo comercial, que dava muito valor ao dinheiro. O que o pai dela esperava de seus milhões era um título de duque que já havia encontrado.

Ela também queria esse título. Aliás, como todas as mulheres, queria comer o doce e conservá-lo, ao mesmo tempo.

Os princípios morais de Harry revoltavam-se à idéia de fazer amor em segredo com uma mulher que pertencia a outro; ainda mais, com uma mulher que, sem dúvida, achava-o inferior, não apenas porque ia casar com um duque, mas também por ele ser tão pobre que não podia ser nada, além de um empregado de seu pai.

Espero ter bastante orgulho para não descer a esse ponto!, disse para si mesmo, selvagemente.

Ao mesmo tempo, sentia que o orgulho era um conforto muito frio. Enquanto Harry levava os dois cavalos para a estrebaria, Lucy-May subiu

devagar a escadaria da porta principal.Distraída, imersa em seus pensamentos, entregou o pequeno chicote a um

dos criados, sem falar, e começou a subir a escada.Sentia-se como se o mundo estivesse desmoronando diante de seus olhos

e não soubesse o que fazer para salvá-lo. Há muito tempo não se sentia insegura, perdida e com medo das próprias emoções. No entanto, era isso o que Harry tinha feito com ela.

Havia dito que estava maravilhado e enfeitiçado. Lucy-May também estava, mas de modo diferente. Sabia que o amava e nunca imaginara que se apaixonar podia significar angústia e problemas para os quais não encontrava solução.

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Quero Harry! Quero!, repetia baixinho, ao entrar no quarto. Então, pensou no duque e na determinação do pai em que se tornasse uma duquesa.

Durante toda a vida, Lucy-May havia sido adorada pelo pai, com o qual era muito ligada. Essa ligação se estreitara depois da morte da mãe, tornando-os praticamente inseparáveis.

Não se surpreendera, quando o pai lhe dissera que tinha escolhido um marido para ela. Aquilo parecia de certa maneira inevitável, e o fato de o duque ser também bonito e simpático deu às coisas uma semelhança com as histórias que o pai costumava lhe contar na infância.

Ela era a princesa, o príncipe tinha vindo de um país muito distante, oferecendo-lhe o nome e o coração; seriam felizes para sempre.

Lucy-May tinha sido muito festejada e despertado muita agitação, ao debutar na sociedade americana. Era muito mais jovem, na época, do que qualquer debutante inglesa. Mas o sr. Wardolf queria a filha a seu lado. Antes de fazer dezesseis anos, já acompanhava o pai em vários acontecimentos sociais, muitas vezes viajando por trem, em vagão especial, através das pradarias, indo com ele para os mais estranhos e rudes locais do distante Oeste americano.

Mais tarde, começou a ser perseguida pelos homens, não apenas por ser uma herdeira, mas também por ser muito bonita.

Isso nunca significou nada para ela, a não ser que descobriu que se entendia bem com eles, talvez por sempre ter tido muito diálogo com o pai, o que fez com que achasse mais fácil conversar com homens do que com mulheres, que na maioria a desaprovavam.

Quando viu Harry, percebeu que alguma coisa diferente tinha acontecido em seu coração. Uma coisa que. jamais acontecera. Depois de cavalgarem juntos pela primeira vez, passou a contar as horas que faltavam para encontrá-lo novamente.

— Amo Harry! — disse a seu reflexo no espelho. — Amo Harry! Tinha certeza disso, era uma coisa indiscutível. Mas o que podia fazer?

Imaginou a zanga do pai, quando lhe dissesse que não queria casar com o duque porque estava apaixonada por um homem muito diferente do genro que ele sonhava ter.

Se bem que o pai estivesse disposto a lhe dar a Lua e as estrelas, ela não as queria. Ele fazia absoluta questão de decidir tudo o que lhe dissesse respeito, principalmente quanto a casamento.

— Os rapazes americanos são muito rudes e selvagens para você, minha boneca — vivia dizendo o sr, Wardolf. — São civilizados só na aparência; no íntimo, continuam incultos. Os franceses são pouco sinceros, e os italianos, passionais demais.

Um dia, acrescentou:— Quero que case com um inglês. Eles dão os melhores maridos do

mundo e, se bem que os expulsamos de nossa terra, têm um precioso patrimônio cultural para nos oferecer. E seria idiotice não reconhecer isso.

Lucy-May sabia que ele se referia à cultura. O pai era um dos raríssimos homens da época que apreciavam as artes.

Não ficou surpresa quando, ao chegarem a Londres, ele passou muitas horas na Galeria Nacional e no Museu Britânico.

— O que acha de tão interessante aqui, papai? — havia perguntado ela.— São lugares como estes que fazem da Inglaterra o que o país é. As

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galerias e museus me ensinam muito sobre arte e sobre o povo que soube colecionar estes tesouros.

Era um aspecto do pai que ela não conhecia ainda e que a fez respeitá-lo e admirá-lo mais: a franqueza e o fato de admitir, por mais seguro que pudesse parecer, que ainda tinha muito para aprender.

O que Lucy-May não podia fazer era imaginar como o pai se sentira entusiasmado e satisfeito, quando Tybalt Hampton, que trabalhara com ele durante um ano, de repente se tornara duque.

No começo, ela achou muito difícil aceitar, quando seu pai disse, com os olhos brilhando:

— Hampton é um homem que admiro e que gostaria que fosse meu filho. Só existe uma posição para ele, que se aproxima o mais possível disso: meu genro!

— Mas… papai…— Temos sorte. Realmente, temos muita sorte. Agora, Hampton é um

duque, e quero ver você, minha boneca, como duquesa ao lado dele.O novo duque deixara Nova York às pressas para assistir ao funeral do tio,

e Lucy-May ficou sabendo que aquela herança tinha sido uma grande surpresa também para ele.

O duque anterior, tio de Tybalt, tinha dois filhos. Um deles morrera na guerra e o outro ficara ferido, mas sem gravidade. Inesperadamente, um simples resfriado se agravou e se tornou pneumonia, devido ao estado de fraqueza em que ele se encontrava por causa dos ferimentos. E o rapaz morreu.

Quando o velho duque também faleceu, Tybalt Hampton recebeu um telegrama pedindo-lhe para voltar imediatamente à Inglaterra e ocupar seu devido lugar na família.

A história toda era tão fantástica, que o sr. Wardolf custou a acreditar:— Está querendo dizer, Hampton, que, com a morte de seu tio, você

herdou o título dele?— Sim, senhor. Agora sou o quinto duque de Stadhampton.— Custo a acreditar nisso!— Eu também, senhor. Mas o telegrama é bem claro. Meu tio morreu

ontem e, isso eu não sabia, meu primo morreu na semana passada.— Uma dupla tragédia… Mas não para você, Hampton. Imagino que,

agora, é um homem rico.— É pouco provável, senhor. A guerra destruiu muitas propriedades

inglesas. Acredito que as maiores de minha família já não existam e que meu tio tenha sido obrigado a se desfazer da maior parte do que possuía para sobreviver decentemente.

— Mas vai ser um duque! — murmurou o sr. Wardolf. Foi naquele momento que Lucy-May compreendeu que o pai tinha decidido, não apenas o futuro de Tybalt Hampton, mas também o dela.

Agora, diante do espelho, perguntou a si mesma:— Será que quero, mesmo, ser uma duquesa?A princípio parecera uma coisa excitante e adorável.As senhoras da sociedade de Nova York eram, na maioria, incrivelmente

esnobes. Todo e qualquer visitante nobre, da Inglaterra ou da França, era festejado, disputado por todas elas, ansiosas por recebê-lo. Se fosse solteiro, inevitavelmente todas as debutantes da estação desfilariam diante dele como

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gado numa feira.Lucy-May sabia que o pai, que sempre queria ganhar todas as corridas,

fazer o melhor negócio e vencer os jogos em que se metia, também queria que a filha lhe desse um genro acima dos homens comuns, um genro que fosse alguém.

Parecia até que o duque de Stadhampton caíra em seu colo, como a maçã de ouro da árvore mitológica.

— Um dos mais importantes duques da Inglaterra, é isso que Stadhampton é! — repetira o sr. Wardolf, muitas e muitas vezes. — Todas as portas, as mais importantes do mundo, vão se abrir para você.

— Todas as portas estão abertas para mim, por ser sua filha. O pai sorrira para ela, afetuoso.

— Só na América, meu bem. Não derreto o gelo do continente europeu. Sei muito bem que não consigo isso, a não ser, é claro, que esteja disposto a pagar bem caro… o que é diferente.

Lucy-May era bastante esperta para entender exatamente o que ele queria dizer. Pensou que seria bom fazer o pai feliz, e que Tybalt Hampton era um homem muito bonito e atraente.

Tinha certeza, também, de que era suficientemente inteligente para não cometer muitas gafes quando fosse duquesa.

O que não imaginara é que podia ser apaixonar… e por um dos empregados do pai!

  

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CAPÍTULO V

   — Agora que Tybalt está melhor — disse o sr. Wardolf —, temos muito que

conversar sobre o baile.— Sim, claro… — respondeu Lucy-May.Não parecia muito entusiasmada, e o pai olhou-a, com surpresa, antes de

continuar:— Vou providenciar uma banda, e você lembre o Dunstan de mandar os

convites. Acho que já estão prontos há uma semana.O duque não disse nada, mas pensou se os amigos de Lucy-May não se

cansavam de dançar. Pareciam não pensar em outra coisa, a não ser em foxtrote e one-step. E ele, ao descer pela primeira vez depois do acidente e vê-los dançar, não conseguira perceber a diferença entre um ritmo e outro. Também era difícil para Tybalt distinguir um jovem do outro.

Todos pareciam iguais: as moças com cabelos curtos, crespos, ou compridos, lisos e soltos, vestidos curtos de cintura baixa; os rapazes aparentavam uma espécie de alegria artificial, forçada, que ele sabia ser a expressão não apenas do alívio de estarem vivos depois do horror da guerra, mas também um esforço para fugir dos problemas da vida civil. Pareciam alegres e despreocupados, mas ele era bastante perspicaz para perceber que, por baixo daquela descontração, a maioria estava assustada com o futuro.

Todos eram angustiados, menos Lucy-May. Com sua imensa fortuna e um pai que a adorava, sabia que bastaria mover o dedinho para ter tudo o que quisesse a seus pés.

O que surpreendia o duque era ter visto Lucy-May pouquíssimo, desde que deixara o quarto. De certa forma, era melhor assim. Na maior parte do tempo ele sentira as pernas pouco firmes e uma grande apreensão. Temia que voltassem as terríveis dores de cabeça que o médico dissera que poderia vir a ter durante algum tempo.

— Teve sorte, Alteza, em ficar bom tão depressa. Tenho um paciente que, na semana passada, sofreu o mesmo tipo de acidente: quebrou o nariz, levou nove pontos na testa e perdeu dois dentes na frente.

O duque sorriu.— Estou muito feliz por isso não ter acontecido comigo.— Da próxima vez, exija que o motorista seja mais cuidadoso. O problema

com os jovens de hoje é que são todos obcecados pela mania de velocidade.— É verdade. E estou pensando se, afinal, os aeroplanos vão ter o

suficiente para voarem sem colidirem uns com os outros.— Acho que não vão ter, se todos os jovens malucos resolverem sair

voando!Ambos haviam rido. O duque conhecia uma porção de homens que,

durante a guerra, acharam o aeroplano uma máquina fascinante e que, sem dúvida, logo tentariam voar por sobre o Atlântico para chegar à Austrália.

No entanto, os convidados de Lucy-May pareciam não querer nenhuma aventura, a não ser deslizar com as parceiras em chão firme, ao som de

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melodias novas que não pareciam nada apropriadas para ouvidos ingleses.Eles haviam saído da sala de almoço, enquanto o duque conversava com o

sr. Wardolf, e já tinham ligado o gramofone e podia-se ouvir a letra da música com a maior clareza:

“Não muito dinheiro. Mas, oh, meu bem, Como vamos nos divertir!”Olhou para o outro lado da mesa posta com cristais e prataria, onde

estava Lucy-May. Ia fazer uma observação brincalhona sobre a música, quando percebeu no rosto dela uma expressão que o deixou surpreso.

Indiscutivelmente, parecia infeliz. Imaginou o que, no mundo, poderia entristecer tanto aquela moça e se teria algo a ver com ele.

Mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela se levantou e saiu da sala.

O sr. Wardolf observou a filha com ar perplexo, e, preocupado, o duque achou que ele ia fazer-lhe alguma pergunta. No entanto, felizmente, os criados estavam todos por perto, aguardando ordens. Em vez de falar, o americano também saiu da mesa, dando o café da manhã por terminado, e o duque o acompanhou.

Enquanto se dirigiam para a porta, o americano apoiou uma das mãos num ombro do hóspede, dizendo:

— Não deve fazer esforços demais, meu rapaz. Leva algum tempo a convalescença de um acidente como o seu. Se aceita um conselho, trate de repousar o mais possível. Agora vou dar uma volta a cavalo.

— Gostaria de acompanhá-lo, amanhã — disse o duque. — Por hoje, vou seguir seu conselho.

— Isso é que é ter juízo! Se hão ficar muito cansativo, gostaria que você fosse conhecer a estrebaria e me dissesse o que acha dos cavalos que comprei; me parecem excepcionais.

— Irei até lá, com todo prazer.O sr. Wardolf subiu para vestir sua roupa de montar e o duque foi para a

estrebaria.Não andou depressa; no entanto, cansou-se, até chegar às dependências

onde se encontravam os cavalos. Eram bonitas construções e, observando-as melhor, percebeu que tinham sido construídas por Inigo Tones, na primeira metade do século XVII. Ficou parado, apreciando o estilo arquitetônico. Com o passar dos séculos, o vermelho-tijolo tinha cedido lugar a um cálido cor-de-rosa.

Começou a andar de novo, pensando que aquela espécie de beleza era algo que o dinheiro americano não poderia transportar para o outro lado do Atlântico.

Um velho criado aproximou-se e cumprimentou-o, com respeito. — Acho que você é Hitchen — disse o duque. — Disseram-me que tem uns

ótimos cavalos para me mostrar.— Tenho, sim, Alteza. Os melhores cavalos estão aqui, e temos muito

orgulho deles.Depois de ver os dois primeiros, o duque soube que aqueles eram animais

que qualquer esportista gostaria de ter. Precisava cumprimentar o sr. Wardolf, não apenas pela estrebaria bonita, como também pelo excelente negócio que fizera, comprando cavalos tão bons.

Foi de baia em baia, soltando exclamações admiradas, pensando que gostaria que tão lindos animais fossem dele, mas sabendo que, por enquanto,

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e por muito tempo ainda, não poderia comprar um sequer como aqueles.Lembrou-se dos cavalos que vira na estrebaria do tio; não podiam se

comparar com os do sr. Wardolf.De repente, passou-lhe pela cabeça que no futuro teria condições de

comprar os cavalos que quisesse, sem olhar o preço.Depois, sem que entendesse bem por que, uma idéia esquisita surgiu-lhe

na mente e perguntou, abrupto, ao criado:— Há alguém, aqui em Kings Wayte, que se chama Aleta?O velho abriu a boca para. responder de imediato, mas depois se dominou

de maneira evidente.Houve um silêncio, e o duque percebeu que ele escolhia as palavras,

quando respondeu:— Não sei, milorde. — E depressa, depressa demais para ser natural,

começou a falar nos cavalos.Isso apenas serviu para aumentar a convicção do duque de que havia um

mistério sobre a mulher que cuidara dele na primeira noite depois do acidente.Tinha ouvido a voz dela perfeitamente e estava certo de que já a ouvira

antes. Mas só depois de Lucy-May mencionar a palavra “rouxinóis”, ele se lembrou de que era a mesma voz de dois anos atrás, no pequeno templo do jardim da praça Berkeley.

Havia conversado com uma moça que não vira. Quando a beijara, um rouxinol tinha cantado entre as árvores, mudando sua vida.

Naquela noite, tinha ido ao baile sentindo-se próximo ao desespero, depois de passar dois meses tentando arranjar qualquer emprego. Mas o tipo de trabalho para o qual ele serviria era escasso ou, por causa da guerra, talvez nem existisse.

Tybalt nunca fora muito ligado ao tio, o duque, que nada dera ao irmão mais novo, a não ser uma ajuda mínima, consistindo numa pequena casa em sua propriedade de Stadhampton, para que vivesse nela com a mulher e o filho.

Mesmo sendo muito pequeno, Tybalt percebera que os pais tinham que fazer muito sacrifício para viver, economizando até a comida, enquanto o tio, como chefe da família, vivia bastante bem.

A irmã do duque havia casado com um homem rico, mas o irmão — pai de Tybalt — casara por amor. Infelizmente, a felicidade não paga a conta do açougue.

Quando Tybalt voltou da guerra, estava determinado a não depender do tio, pois sabia que, se pedisse qualquer ajuda, por mínima que fosse, teria que ser abjetamente agradecido, o que achava humilhante.

No entanto, orgulhoso como era, tinha sido muito difícil para ele arranjar emprego. Foi àquele baile na praça Berkeley porque, não só teria um jantar de graça, como também, com alguma sorte, poderia conseguir alguma boa sugestão do que fazer.

Uma idéia otimista demais, pois o que mais havia no baile era gente bem jovem. As mulheres que estavam dispostas a dançar com ele não tinham disposição alguma — e com toda razão! — de ouvir histórias tristes.

Mas conseguiu uma boa idéia, ao tomar um drinque com um ex-colega de escola.

— O que pretende fazer, Tybalt? Deu de ombros.— Era o que eu ia lhe perguntar.

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— Bom, estou pensando em ir embora daqui — disse o amigo. — Não para a Austrália, mas para a América.

— América?— Por que não? Lá é que está o dinheiro. Há tanta inovação e trabalho no

país que precisam de nós para se desenvolver.— Não tinha pensado nisso.— Nossas indústrias estão todas paralisadas, a não ser algumas que

produzem munição. Mas os americanos continuam progredindo com novas invenções, novas máquinas e, claro, novas experiências. Podem ter empregos para quem estudou na Real Academia de Engenharia.

Tybalt pensou em fazer uma porção de perguntas, mas o amigo disse:— Tenho que ir. Estou em companhia de uma garota linda, que não tenho

a menor intenção de apresentar a você, nem que me implore!— Palavra que não estou pensando nisso, nem de longe… — respondeu

Tybalt, mas o amigo já se afastava.Colocou a taça ainda com champanhe em cima de uma mesa e saiu da

casa. Começou a andar pela alameda que atravessava o jardim, indo para o centro da praça.

De repente, compreendeu que aquela era a solução que procurava. Era como se, de repente, tivesse olhado para outro lado, além do caminho que percorria, e visse um atalho que ainda não tinha notado.

Uma porção de perguntas começaram a se atropelar em seu cérebro, a ponto de não saber direito por onde começar para se organizar.

Ia ter que usar todo seu dinheiro para pagar a passagem para a América e viver por lá, até arranjar um emprego. Havia a possibilidade de tal viagem ser completamente inútil; de chegar lá e descobrir que os americanos também estavam com uma porção de desempregados, principalmente os rapazes que tinham voltado da guerra. Isso acabaria com qualquer chance para os estrangeiros.

Talvez fosse melhor ficar na Inglaterra mesmo, procurando e esperando que algum amigo lhe desse a mão ou que conseguisse trabalhar em algum tipo de atividade que lhe fosse familiar.

Pensando agora em suas dúvidas naquela época, lembrou-se de que o fato dê falar com Aleta, de ouvir sua voz suave e um tanto assustada, influíra de algum modo na decisão que havia tomado. Por que, o duque realmente não sabia. Não fora o que ela dissera, mas o que ele sentira enquanto conversavam.

Quando lhe dera o beijo de boa-noite, acontecera aquele encantamento de que ele jamais se esqueceria.

Havia sido um beijo muito estranho e especial; de uma profunda beleza, com um momento de poesia ou de música, que tocara seu espírito.

Quando foi embora e sumiu na noite, pensando em que era incrível um rouxinol cantar entre as árvores, soube que, acontecesse o que acontecesse no futuro, haveria sempre aquela suavidade no mundo. Uma suavidade que guerra alguma poderia abalar.

Enquanto morou na América, o duque pensou muitas vezes em Aleta e disse a si mesmo que era porque a voz dela contrastava violentamente com a das americanas, que lhe arranhavam os ouvidos e às vezes tinham um som metálico que lembrava o tilintar de moedas.

Muitas vezes pensou que cometera um erro, não perguntando o nome

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dela, o que poderia ajudá-lo a encontrá-la, um dia.Depois, consolou-se, imaginando que talvez se desiludisse, se a visse.Ela havia sido parte da escuridão, e a magia do momento transformara

tudo ao redor deles, criando um clima de fantasia que só existia fora do tempo e do espaço.

Aquela seria a única ilusão de sua vida e nada poderia destruí-la.A América tinha sido generosa para com ele.Uma semana depois de chegar, encontrou o sr. Wardolf na casa de um

milionário que conhecera na França.Não era uma amizade sólida, mas, andando pela Quinta Avenida, lembrara

do marinheiro americano com quem havia conversado, uma noite, ainda na base. Ao se despedirem, o outro tinha dito que gostaria de encontrar Tybalt de novo, quando a guerra acabasse. E lhe dera o endereço.

Num impulso, Tybalt subiu a escadaria do enorme edifício de granito escuro, imaginando se teria sorte de encontrar aquele amigo ocasional em casa.

Teve. E o americano ficou encantado de rever o companheiro de guerra. Convidou Tybalt para um jantar formal em sua casa, naquela noite.

Quando as senhoras se retiraram da sala de jantar, Tybalt vira-se sentado ao lado de um simpático americano chamado Cornelius Wardolf. Imediatamente, perceberam que tinham alguns interesses em comum.

Dois dias depois, Tybalt estava na folha de pagamento de uma das empresas de Wardolf.

Era quase impossível acreditar em tanta sorte.Logo compreendeu que o treinamento e o conhecimento que havia

adquirido durante quatro anos de guerra eram importantes para seu patrão. Em menos de um ano, com uma rapidez só possível na América, subiu muito no organograma do império de Wardolf.

Era constantemente convidado para ir à casa do patrão. Aliás, tratava-se da casa mais imponente, mais impressionante que já vira.

Durante aquele ano, soube que qualquer tipo de interesse que pudesse demonstrar por Lucy-May, ou ela por ele, não teria a menor chance de sobreviver. Ao primeiro sinal de qualquer coisa entre os dois, sairia daquela casa, mais pobre e desamparado do que no dia em que entrara.

Então, o tio morreu e seu relacionamento conr Wardolf mudou como num passe de mágica.

O duque não sabia exatamente como acabou se encontrando na posição de futuro genro do americano multimilionário. Sabia, no entanto, que, apesar dos modos suaves e do jeito simpático, o sr. Wardolf era um homem determinado, dono de uma força interior muito difícil de se conter.

Tinha visto os métodos que empregava para dirigir suas empresas e o admirara, muitas vezes, pela firmeza e pela insaciável ambição.

Mas, quando aquele ímpeto poderoso o envolveu, ficou com a desagradável sensação de estar sendo manipulado.

Com vontade arrasadora, violenta como um furacão, o sr. Wardolf já decidira há algum tempo que a filha tinha que casar com um duque inglês. Quando um apareceu diante dele, como um presente dos deuses, nem por um instante lhe passou pela cabeça que poderia encontrar alguma oposição, quer por parte da filha ou do futuro genro que escolhera.

Tybalt achou que, voltando para a Inglaterra, escaparia de Wardolf. Mas

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logo recebeu um telegrama do velho, avisando que ia chegar com Lucy-May. A novidade só não o desgostou demais, porque então já sabia da desastrosa situação financeira do falecido tio. Diante disso, sua oposição ao esquema montado por Wardolf passou a ser menos determinada.

Não fazia a menor idéia do que dois anos de guerra podiam causar às propriedades dos Stadhampton.

O tio adoecera no começo de 1915, e, como não havia ninguém com autoridade suficiente, os gastos das propriedades continuaram a subir, sem que entrasse dinheiro suficiente para contrabalançar as despesas.

Tornara-se óbvio para o novo duque que a maioria das coisas de valor podiam ser vendidas. Mas era um problema, pois a maior parte dos quadros e dos móveis estava vinculada.

Havia tutores para verificar se o patrimônio continuava intato e impedir que cada duque sucessivo dilapidasse os bens da família em detrimento do duque seguinte.

Alguns dos quadros disponíveis tiveram que ser vendidos imediatamente para fazer frente às despesas do funeral. O duque precisou ter longas conversas com os tutores, agüentar propostas, contrapropostas e sugestões, e dar longas explicações para conseguir vender alguma coisa. Exausto e nervoso, acabou aceitando o convite do sr. Wardolf para se hospedar algum tempo em Kings Wayte.

Sabia o que se esperava dele, mas, por teimosia ou orgulho, adiava a decisão. No entanto, o tempo estava passando e, se não casasse logo com Lucy-May, uma boa parte de seus bens teria que ser vendida, várias casas seriam fechadas e ele teria que viver contando tostões como seus pais haviam feito.

Não tinha a menor vontade de ser sustentado pela esposa, mas que alternativa lhe restava?

Então, o sr. Wardolf lhe oferecera o cargo de seu representante na Europa. O duque sabia por quê.

Isso faria com que recebesse legalmente um dinheiro considerável — dinheiro esse que nada teria a ver com o de Lucy-May —, que lhe permitiria manter suas propriedades como bem entendesse.

Era uma oferta generosa, muitíssimo generosa, e não entendia por que não se sentia satisfeito.

E agora, insistentemente, como uma gravação se repetindo sem parar em sua mente, só pensava em Aleta, na mão dela ajeitando-o para dormir, na voz dela que parecia sair da escuridão, a mesma voz que ouvira no templo, na praça Berkeley.

Ao sair da estrebaria de Kings Wayte, o duque sentiu absoluta certeza de que Aleta estava em algum lugar da imensa casa.

Mas por que estaria se escondendo? Por que só se aproximara dele na noite em que estava ferido? Por que não dera mais sinal algum de sua presença?

Estava certo também de que ela não se encontrava entre os hóspedes. Não havia nenhuma moça ali com voz sequer parecida com a sua. Se não era uma das hóspedes — era ridículo imaginar que poderia ser uma criada —, por que não a encontrara ainda?

Entrou na casa, ouvindo o gramofone ainda tocando a mesma música: “O tempo está ruim e vai piorar, Assim mesmo, vamos nos divertir…”

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É verdade, pensou, enquanto subia a escada, lentamente.Chegou ao topo da escadaria de carvalho finamente entalhado, um

trabalho admirável. Se não tivesse cuidado, aquela era a espécie de coisa que o sr. Wardolf ia querer que exportasse para a América. Mas preferia se danar no inferno a depredar uma casa assim, só para satisfazer um plebeu.rico que jamais saberia apreciar o valor de tais coisas.

Depois disse a si mesmo, com severidade, que aquilo não era jeito de pensar em seu patrão.

Ia virar à direita e seguir para o corredor onde ficava seu quarto, quando percebeu que à esquerda também havia vários quartos, além de uma porta, agora mal oculta pelo reposteiro, ao fundo do corredor.

A porta devia dar para a ala ocupada pelos criados da casa. Num impulso, levado pelo instinto e pela curiosidade que, sabia, só aumentaria até ser satisfeita, o duque foi até a passagem, abriu-a e entrou.

Encontrou o que esperava. O corredor além da porta era mais estreito e estava precisando urgentemente de reparos. Havia um lance de escada que levava ao andar de cima, e uma criada vinha descendo, naquele momento.

Era uma moça do condado, com faces gorduchas e rosadas, o toucado do uniforme parecendo deslocado sobre os cabelos rebeldes, presos num severo coque na nuca. Observando-a, percebeu que era muito jovem e imaginou que aquele devia ser seu primeiro emprego.

Ao ver o duque, a criada ficou embaraçada e tentou passar por ele o mais depressa possível.

Ele deu um passo em sua direção.— Por favor, quer me dizer onde posso encontrar a srta. Aleta? Disse aquilo também num impulso, como se algo o obrigasse a fazer tal

pergunta.— Ela está lá em cima, senhor. Nos antigos aposentos infantis. Saiu andando depressa pelo corredor e o duque começou a subir a

escada, com um leve sorriso nos lábios. Aleta passara a manhã ajudando a sra. Abbott a verificar as roupas.

Depois, voltara para seu quarto frustrada. A tarde estava linda e gostaria de dar uma volta no jardim.

Harry lhe repetira tantas vezes que não podia ser vista que ficava nervosa só de pensar em sair. Aliás, de vez em quando saía, mas só à noite.

Era torturante saber que Harry podia andar a cavalo todas as manhãs, nos animais que comprara e aos quais tecia os maiores elogios, enquanto ela só podia espiar pela janela.

Sentiu inveja do irmão, porque ele podia passear pela propriedade, conversar com os fazendeiros dos arredores e suas esposas, pessoas que ela conhecia bem.

— É melhor não sair, enquanto os Wardolf estiverem por aqui — tinha dito Harry, consolador. — Duvido de que fiquem durante o inverno. Aí, você vai poder ir para onde bem entender.

Era um consolo, mesmo. Mas Aleta adorava passear ao cair da tarde, entre as árvores, e morria de vontade de ver o que os novos jardineiros estavam fazendo.

Só se sentia a salvo quando os hóspedes já estavam deitados ou quando iam para seus quartos, descansar um pouco antes do jantar. De vez em

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quando, nesses momentos, ela descia a escada correndo e saía por uma porta de trás.

Tomando o maior cuidado, andando à sombra dos arbustos, conseguia chegar até a cascata que ficava atrás da casa. Era um lugar muito bonito, apesar de ter ficado abandonado e descuidado durante a guerra.

Agora, os jardineiros tinham limpado as alamedas, tratando dos canteiros e da bacia de pedra onde a água caía. De novo, o lugar parecia o de sua infância feliz, a água batendo na pedra coberta de limo e salpicando as flores alpinas que haviam por perto.

Depois, o riacho seguia seu curso, indo formar uma profunda lagoa numa bacia de pedra, onde Aleta costumava ficar observando os peixinhos dourados nadarem entre algas e lírios. Parecia ter voltado a ser criança!

Mas ardia de vontade de ver o jardim à luz do sol, se bem que soubesse que Harry ficaria muito zangado, se ela se arriscasse a ser vista pelo sr. Wardolf ou algum de seus hóspedes.

— Por que não posso fingir que sou uma criada dos estábulos? — perguntou ao irmão, certa manhã, ao café. — Eu podia trabalhar ao ar livre, andar aí, e ninguém ia reparar em mim.

Harry riu.— Você não parece nem um pouco uma criada de estábulo.Aleta ficou contente ao ver o irmão rir. Nos últimos dias, vinha achando

Harry deprimido, nervoso e até desagradável. Não tinha feito perguntas, pois ele não gostava quando ela começava a indagar das coisas. Mas sabia que, quando o irmão respondia de modo distraído, sem entusiasmo, era sinal de que algo o perturbava.

Por mais que se esforçasse, não conseguia imaginar o que poderia ser.Tinha a sensação de que Harry não se sentia feliz e que isso nada tinha a

ver com as dúvidas ou o fato de estranhos estarem ocupando a casa. E, a cada dia que passava, ele se tornava mais sombrio, mais deprimido, sem que ela pudesse fazer nada para ajudá-lo.

Começou, a achar impossível continuar ali, sentada, bordando. Foi sentar-se num dos braços da poltrona, perto da janela, e tentou se concentrar no trabalho. Mas, depois de alguns minutos, agulha e fronha caíram-lhe no colo e seus pensamentos voaram para o duque.

Desde a noite do acidente, pensava nele mil vezes por dia. E não era só por ser um homem bonito. Era algo mais que não sabia explicar; alguma coisa que a impedia de esquecê-lo, apesar de saber que era isso que devia fazer.

Como podia ser tão ridícula a ponto de ficar pensando no homem que ia casar com a srta. Wordolf? O homem que nunca veria frente à frente e com o qual jamais falaria?

No entanto, por mais que tentasse evitar, o duque estava presente em seus pensamentos e seus dedos pareciam continuar sentindo o calor da pele dele.

Tornou a pegar o bordado, um tanto irritada.— Preciso pensar em coisas mais sensatas — disse baixinho —, em

Harry… nos cavalos… nos jardins…Enfiou com gesto decidido a agulha no linho branco e nesse momento

ouviu a porta se abrir.— Posso entrar? — perguntou uma voz de homem.Aleta virou a cabeça e imediatamente ficou de pé com uma exclamação

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abafada.O duque estava ali, diante dela! O duque, parecendo muito diferente de

quando o vira pela última vez, muito pálido, jazendo sem forças sobre travesseiros. Só que, agora, seus olhos, de um azul-escuro, a fitavam de maneira estranhamente indagadora.

— Co… como o… o senhor chegou… aqui?A voz dela não apenas revelava surpresa, como também uma ponta de

medo.— Queria ver você.— Me… ver?Então, enquanto ele atravessou a sala, ela se lembrou! Reconheceu

aquela voz, compreendeu por que ele lhe parecera conhecido. Por instantes, Aleta achou que estava sonhando.

Não podia ser verdade. Era impossível o duque ser o homem em quem pensara tantas vezes, o homem que havia conversado com ela no templo da praça Berkeley… e que a beijara naquela noite.

Várias vezes tinha dito a si mesma que devia se sentir chocada por permitir que um desconhecido a beijasse. No entanto, jamais conseguira sentir por aquele beijo nada além de encantamento, considerando-o a coisa mais maravilhosa que acontecera em sua vida.

Tinha sido mágico, um momento mágico! A magia da noite estrelada, dos rouxinóis entre as árvores, da música. Não da música que a orquestra tocava no salão de baile, mas a que vinha do coração dela. Não apenas os lábios dele a enfeitiçaram; também algo que atingira sua alma, alguma coisa que parecia ser de outro mundo, irreal. Um encantamento misterioso e lindo como as estrelas, como a perfeição do luar brilhando por entre as árvores.

Agora, ele estava ali, de pé diante dela. Aleta ficou imóvel, como se de novo estivesse envolta em sonho.

Para o duque, ela era exatamente como a imaginara: a fraca e hesitante voz na escuridão, a garota que ele havia chamado de deusa do templo e que, de fato, descera do Olimpo à terra.

Era pequena, delicada, muito diferente das exuberantes moças que passavam o tempo todo dançando lá embaixo. Os grandes olhos cinzentos pareciam ocupar quase todo o rostinho em forma de coração; os cabelos, da cor do céu ao alvorecer, estavam presos num grande coque na nuca.

Tudo nela era perfeito e combinava com a impressão dada pela voz e pelo toque suave das mãos. O duque pensou que apenas um pintor como Botticelli poderia fazer justiça a tanta beleza; ela não parecia real, lembrava uma das ninfas do quadro A Primavera.

— Como… como soube que eu… que eu estava aqui?A voz dela tinha a musicalidade de que ele se lembrava, que notara entre

a bruma, quando estava semiconsciente. Um sorriso iluminou-lhe o rosto.— Realmente, era um enigma descobri-la. Sou muito orgulhoso e decidi

que ia conseguir. Mas não foi nada fácil.— Quer dizer que… que queria me achar?— Sim, sem saber exatamente por quê. Mas isso não importa. O fato é que

é você.Ficaram parados, calados, olhando-se, até que, naquela voz incerta e

assustada que ele já conhecia tão bem, Aleta disse:— Mas não devia ter vindo aqui. Por favor, vá embora e… e esqueça que

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me viu.— Acha que posso fazer isso? Procurei você por muito tempo, Aleta.Houve uma longa pausa, até que ela falou, tão baixinho que ele mal ouviu:— Por… por quê?— Por uma porção de razões. Mas principalmente porque, quando soube

que você tinha cuidado de mim na noite do acidente, tornou-se importantíssimo para mim encontrá-la, coisa que eu queria desde que voltei à Inglaterra.

— Esteve fora?Era uma pergunta convencional, mas os olhos dela, fixos nos dele,

estavam dizendo coisas muito diferentes, coisas mais íntimas, pessoais.— Posso me sentar, Aleta? Quero conversar com você, tenho muita coisa a

dizer.Como se a pergunta a fizesse se lembrar de que estavam nos aposentos

infantis, onde o duque nunca deveria ter entrado, a moça deu um gritinho:— Não! Não podemos conversar aqui. Harry pode chegar e ficaria muito

zangado comigo. Algum criado pode vê-lo…— Você sabe que precisamos conversar. Onde e quando?— Agora não. Aqui não.— Então, onde e quando?Aleta apertou as mãos, num esforço para se obrigar a enfrentar a

realidade. Então, alguma coisa no olhar do duque fez com que ela mudasse o que ia dizer:

— No jardim… às escondidas…— Exatamente, onde? Aleta pensou depressa.— Se você for para trás da casa, encontrará uma escadinha de pedra que

leva ao alto da cascata.— Você vai, mesmo?Ela hesitou; o duque avisou:— Se não for, eu volto aqui. Preciso falar com você e nada vai me impedir.— Eu… eu vou — prometeu, em voz baixa. — Mas talvez seja cansativo,

para você, subir a escadinha. Ainda está convalescendo.O duque sorriu, e ela pensou que assim parecia mais moço e até mais

bonito.— Encontrar você acabou com toda a fraqueza. Foi melhor do que

qualquer fortificante que o médico poderia me receitar e a sra. Abbott me obrigar a engolir!

Aleta riu, e ele achou que parecia uma risada de criança. Depois ela disse, aflita:

— A sra. Abbott não pode… encontrá-lo aqui. Por favor… por favor, vá, agora.

— Já que está me pedindo, eu vou. Mas promete que se encontra comigo na cascata?

— Eu… eu vou. — Foi quase um sussurro. Ele se dirigiu para a porta, parou e disse:— Sua sala de brinquedos é igual à minha… só que eu arranquei o rabo de

meu cavalinho de balanço quando estava com seis anos!Saiu sem esperar resposta, mas ouviu-a rir. Aquele riso era tão adorável e

musical como a voz dela.Só depois de descer o primeiro lance de escada e passar pela porta oculta

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pelo reposteiro é que começou a se sentir triunfante.Eu a encontrei! Eu a encontrei e juro que não vou perdê-la outra vez!Quando o duque saiu, Aleta levou as mãos ao rosto e sentiu que ele

queimava. Ou talvez as mãos estivessem muito frias.Como aquilo tinha acontecido? Jamais imaginaria, nem por sonho, que ele

a descobriria daquele jeito. Muito menos que era o homem em quem vivia pensando, o homem que tinha no pensamento todas as noites e mil vezes por dia.

Tentara desprezar o duque por saber que ele ia casar por dinheiro; no entanto, não conseguira. Agora sabia por que: ele era especial.

O que estou pensando é insensato, disse a si mesma. Tenho que me lembrar de que é um duque e vai casar com a srta. Wardolf e os milhões de dólares dela.

Se tivesse juízo, ficaria quietinha ali, sem ir se encontrar com ele. Afinal, de que falariam? O que tinham para se dizer?

Então, lembrou-se da determinação da voz dele, da firmeza do olhar ao dizer que, se ela não fosse, ele voltaria. Sabia que faria isso.

E se Harry encontrasse os dois juntos? Podia haver uma discussão, e o sr. Waldorf acabaria sabendo quem ela e o irmão eram, na verdade.

Se isso acontecesse, Aleta tinha certeza de que seria impossível continuarem em Kings Wayte. Teriam que ir embora e ficar em algum hotel da cidade. E Harry morreria de preocupação e frustração.

Precisava se assegurar de que o duque guardaria seu segredo. A idéia de que ele podia revelar tudo assustou-a de tal maneira, que desceu imediatamente pela escada de serviço e saiu por uma das portas traseiras.

Teve que atravessar o pequeno jardim com canteiros de flores e arbustos baixos, antes de chegar à cerca-viva que ocultava parte do parque do primeiro andar da casa.

Sabia que, se um dos jardineiros a visse, poderia contar para a sra. Abbott, que contaria a Harry, e o irmão ficaria furioso por ela se arriscar inutilmente a quebrar o anonimato conseguido com tanta dificuldade.

Tenho que tomar muito cuidado com o que vou dizer ao duque!Apertou o passo, ansiosa para vê-lo, falar outra vez com ele.Chegou à cascata antes do duque. Subiu a escadinha de pedra, íngreme e

estreita, até chegar ao lugar de onde as águas caíam em bonita cascata. Havia um velhíssimo banco onde gerações e gerações de Wayte tinham se sentado para olhar a casa e a propriedade.

O enorme e pesado edifício elisabetano, com teto pontiagudo e estranhas chaminés, parecia mais uma jóia preciosa, protegida de um lado por um grupo de velhíssimos carvalhos e, de outro, onde estava sentada, pela rocha que subia, agressiva.

Ao calor da tarde, as flores brilhavam intensamente, brilho esse intensificado pelo lago dourado e pelo faiscar das vidraças.

Quando Aleta se sentou no banco, pensou que jamais, em toda sua vida, encontraria lugar mais bonito do que aquele.

Olhou para baixo. O duque subia a escada. Disse a si mesma que, acontecesse o que acontecesse, tinha que evitar que ele fosse a causa de ela e Harry terem que se separar das coisas que amavam tão profundamente.

O duque chegou ao topo da escada com uma agilidade espantosa para um convalescente. Seus olhos brilharam, ao vê-lo.

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— Você veio, como prometeu! — disse ele, com a respiração levemente alterada pela subida.

Sentou-se ao lado dela, e Aleta esperou que olhasse o panorama ao redor e dissesse que era lindíssimo, como todo mundo fazia. Em vez disso, o duque olhou apenas para ela.

Como seu olhar era penetrante e parecia tentar ler sua alma, ela sentiu que as faces ficavam muito quentes e vermelhas.

— Você está aqui, mesmo? Pensei que nunca mais encontraria a minha pequena deusa do templo.

Aleta corou mais ainda, ao se lembrar de que ele não apenas a tinha chamado daquela maneira, como também a beijara.

— Eu… eu vim, porque queria pedir… implorar… que não conte a ninguém quem eu sou.

Viu sua expressão confusa e compreendeu que se traíra de novo. Tinha se esquecido de que, apesar de descobrir que ela morava na casa, ele não podia imaginar que se tratava de Aleta Wayte, e não de Aleta Dunstan, como todos os criados estavam instruídos para chamá-la.

Com dificuldade, porque estava furiosa consigo mesma e sua estupidez, Aleta continuou:

— O sr. Wardolf não sabe que estou aqui, que fiquei em Kings Wayte. Mas eu… eu não tinha para onde ir.

— Tenho certeza de que ele não ia querer que você fosse embora, tanto quanto eu não quero. Mas, se isso a aflige, prometo que ninguém, mesmo, vai saber de sua existência.

Aleta deu um suspirozinho de alívio.— Obrigada. É… é muito importante.— Não estou interessado em saber o que você é aqui. O importante é que

está aqui. Olhe, Aleta, aquela noite em que nos encontramos na praça Berkeley mudou completamente a minha vida e tenho que lhe agradecer por isso.

— Você… pensou em mim? Ele sorriu.— Demais. E acho que talvez você tenha pensado em mim, de vez em

quando, pelo menos.O sangue subiu ao rosto dela, e Aleta desviou o olhar para a cascata.— Você é adorável! — disse o duque, em voz baixa. — É exatamente como

eu esperava que fosse, como a imaginei, com a mente e com o coração.Aleta não disse nada, e ele continuou:— Sabia que nenhum de nós dois conseguiria explicar com palavras o

encantamento que nos envolveu naquela noite, no templo, e que nunca esqueceria. Mas tinha medo…

— Medo?— Medo de nunca mais encontrar você. Ou de, se a encontrasse, ficar

desiludido por não ser como eu me lembrava.— Mas você não tinha me visto!— Vi você em meu coração, e foi onde permaneceu, desde então. — O

duque suspirou. — Não queria dizer isso, não vim aqui para dizer isso, mas tive que dizer. Amo você desde aquela noite, na praça Berkeley!

 

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CAPÍTULO VI

   Depois de um silêncio emocionado, Aleta disse, numa voz que ele mal

pôde ouvir:— Não pode ser verdade. Você não pode ter dito… isso!— Disse, sim. Apesar de não ter intenção de dizer. E não sabia disso, até o

momento em que a vi. Então, meus lábios falaram por mim.— Isso está errado. Não deve repetir.— Por que não?Mil razões vieram à cabeça de Aleta, mas percebeu que não achava.

nenhuma delas importante, a não ser o fato de que ele ia casar com Lucy-May Wardolf.

Ele estava ali e, de maneira estranhíssima, Aleta não conseguia explicar o encantamento que sentira naquela noite, dois anos atrás. Um encantamento que envolvera a ambos.

Era como se as palavras que haviam dito não fossem realmente palavras, mas um pálido reflexo do que diziam um ao outro através de seus corações.

E, agora, também não havia nenhuma explicação plausível.Tinham sido envolvidos de novo no encantamento daquela noite em que

os rouxinóis haviam cantado, o momento mágico em que deixaram de ser pessoas: em que ela se transformafa na deusa que o duque achava que era e ele próprio descera do Olimpo ou viera de outro planeta.

Como se fizesse grande esforço, Tybalt virou a cabeça e fitou com olhar ausente a casa lá embaixo e o lago. Depois disse, com voz diferente:

— Estou apaixonado! Amo você, mas não sei o que fazer.— Não podemos fazer nada.— Por que diz isso?— Porque é verdade.— Acho que, morando aqui, você deve ter ouvido falar que vou casar com

a filha do sr. Wardolf.— Sim, ouvi.— Eu não a pedi em casamento e, realmente, jamais tive intenção de

pedir. Fui manobrado até ficar numa posição da qual se tornou muito difícil eu sair, pois isso teria graves conseqüências.

Ele parecia estar mais pensando alto do que tentando lhe explicar alguma coisa.

De repente, Aleta percebeu que estavam tão perto um do outro que ela podia saber o que ele pensava e sentia. E o mesmo acontecia com o duque.

Isso era evidente e se confirmou quando ele voltou a cabeça, para dizer:— O que vou fazer, Aleta? Encontrei você e sinto como se tivesse parado

no tempo.Aleta respirou fundo.— Também sinto isso. Mas o mundo… seu mundo e o meu… continua

girando.— Será verdade? Ou será que estamos apenas sendo convencionais, que

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temos medo do desconhecido?— Tenho medo de fazermos alguma coisa errada.— É errado reconhecer você como coisa única, como algo que me

pertence, que faz parte de minha vida, que encontrei não apenas há dois anos, mas há séculos?

— Foi o que pensei na primeira vez que nos encontramos.— Está vendo? Nós pensamos do mesmo jeito, sentimos do mesmo jeito,

somos do mesmo jeito. Por isso, não posso mais deixá-la. Seria como amputar, deliberadamente, um braço ou uma perna.

Aleta juntou as mãos.— Não podemos falar assim, nehr lembrar do que fizemos. Isso envolve

outras pessoas.Encarou-o, e seus olhos se perderam no azul dos dele. E as palavras

morreram-lhe nos lábios.Sentiu-se como se ele estivesse enxergando a parte mais íntima de sua

alma e teve a estranha sensação de que a mesma coisa acontecia com o duque.

— Qual é a solução, então? — perguntou ele, depois de um longo silêncio. — No mundo não existe ninguém, a não ser você.

Aleta ficou com a respiração suspensa.— Temos que ser sensatos.— Por quê? Por quê? Quando somos levados para os mais altos picos das

montanhas ou para o coração ardente do Sol, não se pergunta como isso aconteceu. Só se sabe que aconteceu! — A voz dele soou rouca, quando acrescentou: — Oh, meu amor, você é linda, tão linda como eu queria que fosse.

— Por favor, não diga essas coisas. Vai tornar tudo mais difícil, muito mais difícil. Não podemos nos ver de novo.

O duque sorriu.— Acha que é possível? Eu disse que nunca mais a perderia e não vou. —

Inclinou a cabeça, apoiando-a na mão, cobrindo os olhos por momentos. — Sei o que você estava querendo dizer, quando falou que temos que ser sensatos. Mas como posso ser sensato, depois de ter sido sacudido até o íntimo por sentimentos e emoções que nunca soube que existiam?

— Vai ver, é porque você esteve doente e está um tanto… abalado.— Nós dois sabemos que não é verdade. E, se quisermos ser honestos,

Aleta, não foi agora que tudo começou. Começou há dois anos, quando eu a beijei.

Viu Aleta estremecer e baixar os longos cílios, pondo sombras nas faces pálidas.

— Acha que eu podia esquecer o que senti naquele momento? Para ser franco, confesso que tentei. Disse a mim mesmo que devia tirá-la do pensamento, mas continuei lembrando de tudo. Várias vezes por dia, eu me apanhava pensando na maciez de seus lábios e no momento em que me senti elevado nas asas do êxtase.

Havia um tom de encantamento na voz dele que fez Aleta erguer os olhos e fitá-lo outra vez.

— Eu achei… achei que tinha sentido isso porque era muito criança e inexperiente. Não esperava que… o mesmo tivesse acontecido com você.

— Muitos homens a beijaram, depois daquela noite? — Uma nota de ciúme

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bem humano modificou-lhe a voz.— Ne… nenhum… — respondeu Aleta, e viu os olhos dele brilharem. Ela olhou para a casa. — Acho que temos que voltar. Está quase na hora do chá e vão ficar pensando no que houve com você.

— Deixe que pensem. Eles não vão nos descobrir aqui.— É perigoso ficarmos juntos, e Harry…— Quem é Harry?De novo, o ciúme transparecera na voz, e Aleta achou melhor dizer a

verdade.— É meu irmão.— Vocês dois estão escondidos na casa? — Em seguida, exclamou: — Já

sei quem é Harry! É o administrador de Kings Wayte, de quem Lucy-May vive falando e com quem ela costuma passear a cavalo.

— Sim… isso mesmo.Achou que era errado mentir para ele e teve vontade de contar toda a

verdade: dizer quem era, quem era Harry, por que ela estava se escondendo e por que era importante que o sr. Wardolf não soubesse de sua existência.

Então, lembrou-se de que aquilo seria trair um segredo que pertencia também ao irmão.

— O que a está afligindo? É por que estou fazendo perguntas pessoais?Ele era tão sensível em relação a ela que Aleta teve medo de causar-lhe

uma decepção. Como não sabia direito o que dizer, pediu:— Por favor… compreenda.— Quando vamos nos ver de novo? Ela não respondeu, e o duque insistiu:— Quero ver você, Aleta, e vou ver. Se tentar se esconder, eu a descubro,

de qualquer jeito. Sabe muito bem que não vou perdê-la de novo.— Mas eu não posso! Nós não po…— Essas palavras não existem para nós. E pode ter certeza de que vou

encontrar uma solução para nosso problema. Dê-me algum tempo para pensar; depois conversamos sobre as conclusões que eu tirar.

— No momento, vai ser muito difícil para mim.Ao mesmo tempo, ela compreendeu que não adiantaria recusar. Queria

vê-lo tanto quanto ele queria vê-la. Era impossível ficarem muito tempo um longe do outro.

— Vamos nos encontrar depois do jantar — disse o duque. — Eles costumam dançar e ninguém vai notar se estou por perto ou não.

Passou pela cabeça de Aleta que Lucy-May poderia sentir sua falta, mas de novo isso lhe pareceu sem importância, diante da vontade de se verem.

— Talvez você não possa. O médico disse que precisa repousar.— Acho que você andou se informando com a sra. Abbott. Mas garanto

que não vou me sentir cansado, se houver uma chance de ver você.— Talvez seja melhor deixarmos para amanhã.— Acha que eu conseguiria dormir, esta noite, sabendo que você está na

mesma casa, sem ter falado com você outra vez?Seu modo de falar fez Aleta sentir-se esquisita de novo e a cor subir-lhe ao

rosto.— Minha deusinha perfeita! Você me guiou até sua presença com sinais

invisíveis, porém irresistíveis. Um passe de mágica, e eis-nos juntos outra vez. Virei para cá às nove horas e espero que também venha.

Aleta lembrou-se de que talvez fosse difícil sair, por causa de Harry. Disse, rápida:

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— E se eu não puder vir? É melhor você não esperar muito.— Espero a noite inteira, se for preciso. — Percebeu um brilho nos olhos

dela e pediu: — Não me maltrate, Aleta. Acho que não suportaria isso! Antes de encontrar você, havia uma porção de encruzilhadas em meu caminho. Nosso encontro me indicou a direção certa. Agora cheguei a um trecho mais importante e, assim que olhei para você, fiquei sabendo que não há decisão alguma a tomar, que meu futuro já está determinado.

Aleta não disse nada, mas ele soube que ela compreendia.— Vou para casa primeiro — disse a moça, afinal. — Você desce alguns

minutos depois, para ninguém nos ver juntos.— Dê-me sua mão — pediu o duque, de repente.Sem pensar, ela estendeu a mão para ele. Quando se tocaram, Aleta

estremeceu como se uma corrente elétrica tivesse passado por seu corpo.Sabia que ele estava sentindo a mesma coisa, pois seus dedos tremiam, e,

apesar de não se terem movido um milímetro, sentiu-o muito perto.— Podemos lutar contra isto? — perguntou o duque, em voz baixa. O calor

de sua voz fez com que chamas ardentes percorressem o corpo de Aleta. Os lábios ficaram secos e a respiração acelerou, quando seus olhos se encontraram.

— Eu amo você! — disse o duque, rouco. — Eu a amo, e não existe mais ninguém no mundo, a não ser você.

Aleta não conseguiu falar. Então, ele olhou para as mãos entrelaçadas e levou a mão dela aos lábios.

Ao sentir o calor do beijo, Aleta tremeu, com a sensação de fogo vivo correndo pelas veias, queimando-lhe os pulmões e a garganta, chegando aos lábios.

— Amo você, querida! Nada mais no mundo importa, a não ser isto.Largou-lhe a mão e ela se levantou.Aleta ainda não conseguia falar.Então, agindo sem ter consciência de nada, os pés a levaram para longe

dele, escada abaixo. Sem olhar para trás, desapareceu entre a vegetação e as pedras da cascata.

O duque ficou olhando até ela sumir de vista. Depois, como se a intensidade dos sentimentos tivesse bloqueado sua visão ou quisesse se concentrar nos pensamentos, ele inclinou a cabeça e cobriu os olhos com as mãos.

Aleta entrou no quarto e sentou-se na cama. Começou a pensar se havia sonhado, se tudo aquilo não havia sido produto da imaginação.

Como era possível que, dois anos depois, o homem que sempre estivera presente em seus pensamentos reaparecesse em sua vida amando-a como ela o amava?

Agora sabia que o que sentia por ele, desde que a beijara, era amor. Nenhum outro homem a impressionara, por mais bonito que fosse, nem palavras jamais tinham penetrado tão profundamente em seu cérebro como aquelas.

Achava que o que acontecera em Londres devia-se ao fato de ela ser jovem e ingênua. Mas nem mesmo a morte do pai, nem o horror de Harry diante do despojamento da casa, foram bastante fortes para a estranha sensação daquela noite. Parecia que tudo estava acontecendo num palco, e ela, assistindo.

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O que lhe parecia real era a lembrança que guardava zelosamente no coração e que revivia todas as noites, na escuridão de seu quarto: o beijo mágico, inesquecível, no templo escuro, o canto de rouxinóis entre as árvores, o luar brilhando entre as folhas… Tudo isso continuava vivendo com ela, como um talismã que a protegesse dos aborrecimentos e atribulações, da rotina de todos os dias.

Isso havia sido realidade para ela, enquanto tudo o mais não tinha importância, porque não era real.

Eu o amo! Amo-o, não só com a mente, mas com o corpo e a alma. Mesmo que nunca mais o veja, pertenço a ele, como já pertencia há dois anos!

Então, disse a si mesma, como tentaria dizer a ele, que precisava ter bom senso.

Teriam algum futuro juntos? Mesmo que o tivessem, como ele poderia se livrar da posição de futuro genro do sr. Wardolf, empenhado em casar com Lucy-May por causa de seus milhões?

Aleta sabia, sem dúvida alguma, que o duque precisava desesperamente de dinheiro, assim como ela e Harry precisavam.

 Lucy-May tinha saído da sala de almoço com uma expressão que a

tornava impressionantemente parecida com o pai.Enquanto comia, só pensava em sair dali. A conversa que tinham mantido

à mesa a irritara a ponto de sentir vontade de gritar.Acordara, naquela manhã, depois de uma noite muito mal dormida, quase

em claro, pensando em tornar a ver Harry por mais que ele tentasse fazê-la desistir.

Durante os últimos três dias, ele havia conseguido escapar, apesar de todos os esforços dela para se encontrarem, e Lucy-May estava ficando desesperada.

Não acreditara que ele falava tão sério, quando tinha dito que não pretendia encontrá-la mais. Achava não apenas que ele ia fraquejar, como seria o primeiro a provocar um encontro aparentemente casual com ela.

Os homens dizem uma coisa, mas fazem outra, pensava. Não conseguia acreditar que alguém que a amava, como Harry, fosse forte o bastante para ficar afastado por mais do que vinte e quatro horas.

No entanto, por mais que tentasse, não tinha conseguido se encontrar com ele.

Tinha ido à estrebaria muito cedo, no dia seguinte, apenas para ficar sabendo que Harry não estava lá. Um criado lhe disse que saíra para ir fazer uma inspeção numa parte da propriedade, mas não sabia direito onde.

No segundo dia, quando o encontrou, ela mandou recado por um criado. Ouviu como resposta que o sr. Dunstan pedia muitas desculpas, mas não podia atendê-la no momento porque estava justamente saindo para tratar de algo muito importante e urgente. Inútil dizer que o criado também não fazia a menor idéia de para onde o sr. Dunstan tinha ido.

A princípio, Lucy-May simplesmente ficou decepcionada, mas achou que ele não podia continuar agindo daquela maneira. Depois, começou a se assustar.

E se nunca mais visse Harry? E se ele saísse da vida dela tão rapidamente como havia entrado?

Foi então que Lucy-May compreendeu que estava amando de verdade.

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Não era apenas uma questão de estar interessada em Harry por ser um homem atraente. Na verdade, ela se consumia numa necessidade dele tão fundamental, tão primitiva, que se sentia como morta, sem Harry, como se a vida nada tivesse para lhe oferecer, estando longe dele.

Viva e inteligente, era impossível, para Lucy-May, não perceber que os homens achavam sua fortuna irresistível, se bem que ela fosse bastante bonita para ser desejada pelo que era. Agora começava a compreender que descobrira um homem que não dava a menor importância à sua riqueza e que renunciava ao amor por algum princípio absurdo com que não conseguia atinar.

Se é isso um cavalheiro inglês, disse a si mesma, prefiro um americano que se apodera do que quer, sem ligar para regras e princípios!

Mas sabia que não era verdade. Respeitava Harry por seus sentimentos e sua força. Amava-o ainda mais por isso.

Já há algum tempo, começara a temer que ele cumprisse a ameaça, arranjando um outro emprego e indo embora de Kings Wayte. Se fizesse isso, tinha prometido a si mesma virar aquele condado de pernas para o ar, até encontrá-lo. Mas desanimou, ao perceber a tarefa gigantesca que representaria.

Lucy-May estava saindo do estágio em que era só olhar o que queria e pedir ao pai que comprasse; em que achava que podia conseguir qualquer coisa com uma ordem.

— Odeio os rígidos princípios dele! — gritou.Ao mesmo tempo, sabia que ele estava certo e que usar de certas

artimanhas era o mesmo que pôr um cavalo numa corrida já com a partida ganha. Isso era coisa que um verdadeiro esportista, principalmente inglês, não faria jamais.

Naquela manhã Lucy-May teve um vislumbre de esperança.Havia recebido uma carta de uma amiga dizendo que chegaria na sexta-

feira; de repente, percebeu que, preocupada com Harry, nem fazia idéia do dia.da semana.

— Que dia é hoje? — perguntou a Rose, que passava as roupas dela.— Sexta-feira, senhorita. Mais uma semana se foi, como minha mãe dizia

quando eu era criança! Sexta-feira é o dia de pagamento, e o que mais importa numa família é o dia de pagamento.

— Dia de pagamento! — repetiu Lucy-May, com voz esquisita. — Está querendo dizer que o pessoal que trabalha aqui recebe todas as sextas-feiras?

— Sim, senhorita. Não nós, que trabalhamos aqui na casa, claro. Nós recebemos por mês. Mas os jardineiros, os guarda-bosques, os granjeiros e os que trabalham na estrebaria recebem todas as sextas-feiras.

— E quem faz o pagamento?— O sr. Dunstan, senhorita.— Onde é feito o pagamento?— No escritório da propriedade, como sempre.— A que horas?— Não tenho certeza. Mas, como muitos dos trabalhadores têm que vir de

longe, acho que é depois do almoço.Lucy-May já sabia tudo o que queria saber. Harry ia estar no escritório

naquele dia e poderia vê-lo lá.Teve a impressão de que as horas da manhã eram séculos.

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Surpreendeu-se, não uma, mas dúzias de vezes, olhando pára o relógiq em cima da lareira.

Não conseguiu comer nada ao almoço. Mas, para não chamar atenção de ninguém, serviu-se automaticamente das bandejas de prata com o escudo dos Wayte gravado. O prato permaneceu intocado.

Eram duas horas da tarde, quando entrou no corredor que atravessava a mansão inteira. Afinal, chegou ao escritório, na ala oeste. Tinha estado lá uma vez, logo depois de chegar a Kings Wayte, quando explorou a casa, enfiando-se pelos inumeráveis corredores, subindo e descendo escadas, fascinada com aquele tipo de construção, quase um castelo, que jamais vira.

Agora, queria apenas chegar ao escritório, com seus mapas, poltronas pesadas, arquivos e a enorme escrivaninha a que Harry devia estar sentado.

Ao virar o corredor, para uma passagem lateral, viu vários homens de pé diante de uma porta. Estavam em fila, e ela reconheceu alguns empregados da propriedade.

Lucy-May viu uma cadeira de espaldar alto, com o escudo dos Wayte pintado na parte de trás, e sentou-se. Sabia que teria que esperar até Harry terminar de fazer os pagamentos. Só esperava que não houvesse uma outra saída do escritório. Se assim fosse, na certa ele fugiria dela de novo.

Não havia tantos homens quantos imaginou a princípio. Achou que Rose tinha razão. Os empregados que trabalhavam nas zonas mais afastadas da propriedade vinham receber depois do almoço, enquanto os demais recebiam pela manhã, lá pelas nove horas.

Se não conseguisse ver Harry agora, haveria outras chances depois, disse a si mesma, mas sabia que não agüentaria esperar mais tempo. Precisava vê-lo, precisava falar com ele. Era humanamente impossível continuar sofrendo do jeito que vinha sofrendo.

O último homem entrou no escritório. Quando saiu, Lucy-May preparou-se para aproveitar a chance.

Esperou até o empregado desaparecer no corredor e correu para a porta do escritório.

Tinha sido fechada pelo homem, ao sair. Ela abriu e entrou.Harry estava escrevendo num caderno enorme, aberto sobre a

escrivaninha.Terminou o que tinha a escrever, depois ergueu os olhos, esperando ver

um outro trabalhador ou criado.Quando a viu parada junto à porta, empalideceu.— Harry!A voz de Lucy-May saiu estrangulada.Devagar, ele se levantou, enquanto a moça se aproximava da

escrivaninha.— Harry, eu precisava ver você. Por que tem fugido de mim?— Acho que isso já ficou mais do que explicado e não há motivos para

falarmos no assunto de novo.— Há, sim! Não podemos continuar assim, Harry. Precisamos conversar

e…— Não temos nada a conversar. — Deu a volta à escrivaninha e parou

diante dela. — Sinto muito, mas tenho que sair.— Harry, por favor…— Não! — disse, áspero. — Não! — E encaminhou-se para a porta.

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Com um gritinho, Lucy-May correu, passou-lhe à frente e encostou-se na porta.

— Não quero que você saia agora! Vai me, ouvir. Tem que me ouvir!— Pelo amor de Deus! — começou Harry, numa voz que ela não

reconheceu. — Pare com isso! Se você não suporta mais, eu também não.Ela viu a aflição e o sofrimento nos olhos dele. Mas viu, também, a

determinação de afastá-la. Com o grito de um animalzinho ferido, jogou-se contra ele.

— Harry… Harry! — soluçou. — Eu amo você! Oh, Harry, case comigo; senão, eu morro!

Passou os braços pelo pescoço dele, puxando-o para si. Por alguns momentos, Harry conseguiu resistir. Manteve-se calado, distante, os braços caídos ao longo do corpo. Apavorada, Lucy-May pensou que talvez não a amasse como imaginava.

Então, de repente, os braços dele a apertaram com força, com desespero, e Harry beijou-a de modo selvagem, apaixonado, ardente, como se a barreira que os separava afinal tivesse caído aos pedaços.

Beijava-a como se fosse a última coisa que ia fazer na vida, e ela lhe correspondia, consumida por chamas ardentes que ameaçavam consumir os dois.

Afinal, numa voz que não parecia a dela, Lucy-May conseguiu murmurar:— Você quer casar comigo? Harry, diga que quer casar comigo! Falou com a boca muito próxima da dele, achando que a beijaria de novo.

Mas, em vez disso, como se suas palavras fossem uma ducha de água fria, Harry afastou-a.

— Não. A resposta é não. Pelo amor de Deus, já disse: me deixe em paz!Saiu da sala batendo a porta, e Lucy-May ficou olhando a porta fechada,

com a sensação de que o mundo tinha desabado. O sr. Wardolf entrou na sala, onde quase todos os seus hóspedes

dançavam, animadíssimos. Como o duque, ele achava difícil distinguir uns dos outros, mas conseguia reconhecer algumas das garotas bonitas que estavam na casa há quase duas semanas e dois ou três rapazes menos anônimos do que o restante.

Mas não havia sinal de Lucy-May. Nem do duque.Pensou, satisfeito, que os dois deviam estar juntos em algum lugar

sossegado. Mas então ouviu passos no hall, voltou-se e viu que o duque acabava de descer a escada.

— Olá, Tybalt… Viu Lucy-May por aí?— Não. Não a vi mais, desde a hora do almoço. Estive descansando… Será

que posso falar com o senhor?— Vou para a biblioteca, depois de descobrir onde Lucy-May está!O duque não disse nada e foi para a biblioteca. O sr. Wardolf olhou para os

dois criados a postos no hall.— Viram minha filha, por acaso?— Eu vi, há algum tempo, senhor — respondeu um deles.— O que ela estava fazendo?— Subindo a escada, senhor. — O criado hesitou e acrescentou: — Ela

parecia muito triste.— Triste?

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— Sim, senhor.O sr. Wardolf subiu a escada correndo, entrou pelo corredor que dava para

o quarto que a filha escolhera e que, no fundo, ele achava mais bonito do que o “Quarto da Rainha”. Era chamado “Quarto Elisabetano”, e os móveis datavam da época da construção da casa.

Se bem que os Wardolf não precisassem saber disso, as cortinas e tapetes tinham vindo de outra famosa casa elisabetana cujos móveis e peças tinham sido vendidos recentemente porque o dono morrera na guerra.

Era realmente um quarto bonito, com duas enormes janelas e uma cama de carvalho de quatro colunas e dossel, entalhado em forma de frutos e flores.

Depois de bater à porta, o sr. Wardolf entrou sem esperar resposta. Encontrou a filha jogada na cama.

— Lucy-May! — Quando ela se virou, ele perguntou: — O que aconteceu? Por que está tão triste? Por que se desespera desse jeito, filha?

— Vá embora! — respondeu Lucy-May, chorando e enfiando de novo o rosto no travesseiro. — Me deixe sozinha… Você não pode fazer nada. Ninguém pode fazer nada. Eu queria morrer!

O velho aproximou-se da cama e pôs a mão no ombro dela.— O que é que está acontecendo? Não posso ver você desse jeito, minha

pequena!Estava aflito, porque não via Lucy-May chorar desde a morte da mãe e não

podia imaginar o que teria acontecido de tão sério para abalá-la daquele jeito.Ao primeiro olhar, percebeu que o rostinho dela estava inchado, com os

olhos vermelhos de tanto chorar. Realmente, alguma coisa séria devia ter acontecido,

Sentou-se na beira da cama e perguntou:— Não quer me contar o que é?— Não… não há nada… para contar.— Tem que haver!— Se alguém pudesse… fazer alguma coisa… eu seria feliz… e não

sofreria… como estou sofrendo. A voz de Lucy-May quebrou-se e ela rompeu a chorar de novo. Chorava de

um jeito tão sofrido que o pai sentiu-se disposto a fazer qualquer coisa no mundo para livrá-la do que a estava magoando daquele jeito.

Puxou-a para si e abraçou-a.Ela se agarrou ao pai e escondeu a cabeça no peito dele, soluçando, como

fazia quando era pequenina.— Agora, me conte tudo, filhinha…— Ah… papai… estou… tão infeliz!— Se há algum problema, você sabe que eu resolvo…— Esse você não pode resolver. Ninguém pode!— Por que não?Lucy-May não respondeu e voltou a chorar.— Ouça, meu bem, vivemos juntos tempo bastante para você saber que

não considero nada impossível. Nada é impossível, mesmo! Seja o que for que a esteja afligindo, seja o que for que a esteja fazendo chorar desse jeito, eu consigo o que quer ou dou um jeito no que possa estar errado!

— Aqui não, papai. Não estamos na América. Estamos na Inglaterra… e os ingleses não pensam… como nós.

— Quer dizer que é um homem que está fazendo você sofrer desse jeito?

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— A voz do sr. Wardolf soou dura, áspera. Como Lucy-May não respondesse, continuou: — Quem é ele? O duque?

— Não. Não é o duque.— Outro homem? Quem, então?— Ele não quer que você saiba. Acha que só vai fazer… você ficar

zangado… e que não adianta… porque nada o fará… mudar de idéia!Com bastante esforço, o velho dominou o impulso de ordenar que a filha

dissesse logo o que estava acontecendo.Já tentara essa tática com Lucy-May antes e não tinha dado o menor

resultado.Em vez disso, abraçou-a com mais força e beijou-lhe os cabelos, antes de

dizer:— Agora, minha pequena, você está me fazendo muito infeliz também. Se

me contar por que está tão triste, juro não ficar zangado.— Você… você tem certeza… de que não vai… mesmo?— Dou minha palavra de honra. Não vou ficar zangado com você, nem

com esse homem, se é isso que está causando tanta aflição.— Não estou aflita… por causa dele. Ele… ele não me quer. Disse que

não… quando pedi que… casasse comigo!O sr. Wardolf tentou esconder a surpresa.— Então pediu a alguém, que não sei quem é, para casar com você?— Sim. Implorei para ele casar comigo… mas disse que não, e sei por quê.— Por quê?— Porque sou rica e ele não é. Porque sabe que você não vai concordar!

Ele… ele é honesto demais para andar comigo às escondidas… e não quer casar comigo! Ah, papai! Pai, o que é que eu faço? Queria tanto morrer!…

O sr. Wardolf estava estupefato. A única coisa que entendia era que a pessoa que mais adorava no mundo estava sofrendo como nunca imaginara que ela pudesse sofrer. Disse, baixinho:

— Conte para mim quem é que você ama.— É… é… Harry. Sei que você vai se zangar, mas não posso fazer nada!

Eu o amo! Amo Harry! Para mim, não existe outro homem no mundo!Ele ficou paralisado por instantes. Pensou em todos os rapazes que

circulavam pela casa, mas não se lembrou de nenhum que se chamasse Harry. Depois, de repente, passou-lhe pela cabeça uma idéia que achou inconcebível:

— Não está se referindo ao Dunstan, está?— Eu… eu sabia que… você ia se zangar! — Lucy-May rompeu em choro

de novo. — Mas você prometeu… prometeu não se zangar com ele!— Não estou zangado — disse o pai, sem ser sincero. — Só estou tentando

entender o que aconteceu.Como se adivinhasse o que ele pensava, Lucy-May deu um gritinho aflito.— Se pensa que ele andou se divertindo comigo, está enganado! Eu é que

persegui Harry sem descanso. Disse que o amava e que sabia que ele me amava. Mas ele jurou que nunca mais ia ficar sozinho comigo, e assim fez, durante três dias. Foi uma agonia, uma agonia terrível, papai!

— E o que aconteceu hoje?— Peguei Harry de surpresa, quando ele tinha acabado de fazer os

pagamentos. Disse que não podia viver sem ele e pedi que casasse comigo.— E o que ele respondeu?Houve uma nova cascata de lágrimas, antes de Lucy-May responder numa

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voz que o pai quase não conseguiu ouvir:— Ela disse: “Pelo amor de Deus, me deixe em paz!”— O que você quer que eu faça, filha? Como posso ajudar?— Você… não pode… fazer nada. Se Harry não quis me ouvir, não o ouvirá

também. Só se você dissesse que ele não teria um centavo de nosso dinheiro, se dissesse que ia me deserdar. Aí, quem sabe, ele entenda como eu o amo…

Havia uma expressão de cinismo no rosto do sr. Wardolf, quando falou:— Prometo falar com esse rapaz, minha menininha, mas você sabe que eu

queria que casasse com o duque.— Sei, papai. Mas eu não casaria com ele, nem que fosse o último homem

do mundo! Não quero casar com ninguém, a não ser com Harry. E se ele não me quiser, ficarei solteira para o resto da vida!

Lucy-May mostrava uma firmeza e determinação que não deixava dúvida sobre o que sentia.

O velho entendeu que seus planos tinham fracassado e, porque amava Lucy-May como jamais amara alguém, soube que não podia ficar sem fazer nada, enquanto ela sofria daquele jeito.

Com delicadeza, deitou-a de novo sobre os travesseiros.— Agora, enxugue esse rostinho, minha pequena. Ou melhor, vá lavá-lo, e

me espere na sala de visitas. Vou falar com o jovem Dunstan e ver como é que as coisas ficam.

Lucy-May agarrou-se nervosamente ao pai.— Você não vai ser agressivo com ele! Não vai ficar zangado! A culpa não

é dele… é minha! Sei que nunca ia dizer que me amava, se eu não tivesse dito primeiro. Eu persegui Harry, papai. Andei atrás dele porque o queria, porque o amo. E ninguém pode comandar o amor! — Havia algo patético no jeito como ela falava. Sempre abraçada ao pai, disse, quase num sussurro: — Mamãe me contou que, quando vocês se conheceram, você não tinha dinheiro, que tinha começado a lutar, mas que nem por um momento ela pensou no futuro, se você era rico ou pobre. Tudo o que ela sabia era que o amava, que para ela você era o único homem do mundo.

— Deixe tudo comigo, menina. — Beijou o rosto da filha, ergueu-se e caminhou para a porta. — Vou fazer o que puder para ajudar.

Andou depressa pelo corredor e, quando chegou ao patamar, chamou um dos criados.

— Quero falar com o sr. Dunstan imediatamente! Tem alguma idéia de onde ele possa estar?

Para sua surpresa, o criado pareceu indeciso.— Eu disse imediatamente! — repetiu Wardolf, com aspereza. — Ele está

na casa?— Acho que sim.— Trate de encontrá-lo logo e diga-lhe que vá falar comigo na biblioteca. É

urgente.— Sim, senhor.Wardolf começou a descer a escada e notou que o criado não o seguia. Em

vez disso, ele se aproximara de uma porta, no fundo do corredor, coberta por um reposteiro.

Ia chegando à biblioteca, quando se lembrou de que havia dito ao duque para esperá-lo lá. Voltou imediatamente para o hall.

Decidiu esperar por Dunstan ali e levá-lo para uma das salas de estar

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onde sabia que não seriam interrompidos.Não sabia ainda o que dizer. Prometera a Lucy-May fazer alguma coisa,

mas não tinha a menor idéia do que poderia ser.Como esperava, sentia uma raiva crescente contra o homem que

perturbara sua filha e arrasara seus planos.O criado desceu a escada e se aproximou.— Desculpe, senhor, mas o sr. Dunstan me pediu para dizer que não pode

atendê-lo porque está indo embora.— Indo embora?— Sim, senhor.— Para onde vai?— Não sei, senhor.— Quer dizer que ele vai sair para alguma coisa ou que está indo embora

daqui, mesmo?— Acho que está indo embora daqui. Estava acabando de arrumar as

malas, quando falei com ele.Os lábios do sr. Wardolf tremeram.— Mostre-me onde é o quarto de Dunstan. O criado hesitou.— Bem? O que está esperando?— Não sei se o sr. Dunstan vai gostar disso.— Não me importa se vai gostar ou não. Quero falar com ele. Vai me

mostrar o caminho ou terei que achar por mim mesmo?O criado olhou ao redor, com ar de desespero, como se procurasse ajuda.

Só que não havia mais ninguém no hall, a não ser o outro criado. Por fim, ele cedeu.

— Eu mostro o caminho, senhor.— É bom mesmo, se quer continuar no emprego — disse o sr. Wardolf,

friamente.Subiram a escada, foram pelo corredor, passaram pela porta coberta pelo

reposteiro, subiram para o andar superior e para o outro.Graças aos exercícios que costumava fazer todos os dias, cavalgando e,

quando podia, indo a um ginásio de esportes, o sr. Wardolf não estava ofegante, quando chegaram ao terceiro andar.

Ao pararem diante de uma porta, a voz do criado soou assustada:— Este é o quarto do sr. Dunstan. — Apontou para a porta, depois voltou-

se e caminhou para a escada.Wardolf não perdeu tempo pensando no modo estranho do criado agir.

Simplesmente, aproximou-se da porta e abriu-a.Era um quarto agradável que, evidentemente, tinha pertencido a uma

criança, pois havia figuras de gnomos e fadas nas paredes.O homem que ele conhecia como Dunstan terminava de fechar uma mala

e, sentada na beira da cama, olhando tristemente para ele, estava a mais adorável criatura que o americano já vira.

Quando entrou no quarto, os dois jovens pareceram ficar paralisados, olhando-o com surpresa.

O sr. Wardolf foi o primeiro a falar:— Mandei dizer que queria falar com você, Dunstan.— Recebi o recado, senhor, mas sinto muito dizer que estou indo embora.

Tenho que resolver uns negócios urgentes em Londres.

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O americano, obviamente, não prestava atenção ao que ele dizia. Seus olhos estavam fixos em Aleta.

— Quem é ela? Sua mulher?Viu uma expressão de susto nos enormes olhos da moça, enquanto Harry

respondia, seco:— É minha irmã.— E vocês moram na casa que eu aluguei? Pensei que morassem em

alguma casinha, na propriedade.— Nós nos dispusemos a alugar a casa para o senhor — respondeu Harry

—, mas uma das condições, se bem que o senhor não estava a par disso, era eu permanecer aqui, como administrador. Era um arranjo vantajoso para mim, que assim podia permanecer em minha própria casa.

— Sua casa?— Sim. Mas como achamos que seria embaraçoso para o senhor saber

disso, mudei meu sobrenome, que, de fato, é Wayte.— Você quer dizer que é sir Harry Wayte.— Sim senhor. E esta é minha irmã, Aleta.Por momentos, o sr. Wardolf pareceu alheio a tudo. Depois, sua presença

de espírito de homem de negócios voltou e ele disse:— Posso compreender o porquê de você ter agido assim. Mas é sobre

outra coisa que quero lhe falar.— Não há nada para ser falado — respondeu Harry, seco.— Acho que há, sim. — Olhou para Aleta. — Será que pode fazer a

gentileza de me deixar a sós com seu irmão?— Sim… claro.Aleta tinha ficado imóvel desde o aparecimento do americano. Pôs-se

rapidamente de pé e foi para a porta, do outro lado do quarto. Antes de sair, parou e voltou-se:

— Não tem nada a me dizer, Harry?— Não, claro que não.O sr. Wardolf esperou até ela desaparecer.— Agora, ouça, Dun… quero dizer, Wayte. Você tornou minha filha

profundamente infeliz.— Só posso dizer que sinto muito por ambos, pelo senhor e pela srta.

Wardolf.O velho olhou para a cama, no lugar em que Aleta estivera sentada.— Deve compreender que eu esteja um tanto surpreso pela sucessão dos

acontecimentos. Primeiro, porque minha filha parece estar com intenções suicidas. — Viu Harry estremecer, uma expressão aflita aparecer-lhe nos olhos, e continuou: — Depois, por saber que você não é, como eu pensava, o administrador desta maravilhosa casa, mas o dono. Por que a alugou?

— Pensei que isso estivesse evidente. Eu não tinha dinheiro, nenhum dinheiro, e estava vendo minha casa cair aos pedaços. Tinha que tentar alguma coisa. Sua oferta de alugá-la por um ano chegou no momento exato.

— Agora entendo uma porção de coisas que andavam me intrigando. Mas vamos esquecer isso e voltar ao problema de Lucy-May.

— Acho que o senhor pode entender que é um assunto que não quero discutir. Estou fazendo a única coisa possível nessa situação, que é ir embora de Kings Wayte.

— Para onde?

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— Não tenho a menor idéia.— Tem algum emprego em vista?— Não. Mas, quando me arranjar, aviso minha irmã de onde estou.— Parece ter pensado em você e na sua família, que é sua irmã, mas, e

minha filha?— O que há com ela? — perguntou Harry, com voz indiferente. — Imagino,

senhor, que isso é um problema seu.— Ao contrário, você a fez mergulhar num estado de infelicidade tal que

não pensei existir. Não posso fazer nada quanto a isso.— Não tive intenção de torná-la infeliz — disse Harry, em voz baixa. —

Aconteceu, simplesmente. Por isso, estou fazendo o que acho mais certo: ir embora daqui.

— Eu diria que está é fugindo.— O que mais poderia fazer? — Pela primeira vez, parecia ter perdido a

segurança.— Talvez, conversar sobre tudo isso com Lucy-May — sugeriu o velho.— Não há o que conversar.— Lucy-May disse que pediu a você que casasse com ela.— Ela não quer entender!— Entender o quê?— Que é impossível, para mim, como Dunstan ou como eu mesmo, pensar

em viver com uma mulher como sua filha.— Isso é um insulto?— Oh, não! Claro que não. Acho que deixei bem claro: o motivo pelo qual

vou embora é que não tenho dinheiro, nenhum dinheiro! Já vendi boa parte do patrimônio da família e agora, a menos que deixe a casa se destruir, pare de pagar os ordenados dos poucos velhos criados que continuam aqui e a aposentadoria dos bem mais velhos que já não podem trabalhar, vou ter que vender tudo o que resta.

— Isso seria pena.— Claro que é pena! — respondeu Harry, com selvageria. — Mas é isso

que a guerra faz! Destrói não apenas os vencidos, mas também os vencedores. Não podemos fazer nada, a não ser tentar sobreviver.

— Contou a Lucy-May quem você é, de fato?— Não. Para quê? Ela pensa que sou empregado do senhor. Mas não

importa o que sou realmente: a situação continua a mesma.— Ao contrário. Acho que existe uma grande diferença entre ser alguém

desconhecido chamado Harry Dunstan e ser sir Harry Wayte, que, se não me engano, é décimo primeiro baronete.

— E, ao que parece, o último — disse Harry, com amargura. — Como já disse, não tenho condições de ter um filho para herdar o título.

— Lucy-May me disse que quer casar com você.Viu, pela expressão de Harry, que o rapaz estava atordoado com aquelas

palavras. Afinal, respondeu:— Já disse à sua filha que isso é impossível.— Por quê?— Porque, apesar de minha situação, tenho meu orgulho. Não quero casar

com uma mulher pelo dinheiro dela ou depender de minha esposa para viver.— Muito admirável, isso! Mas não torna Lucy-May menos infeliz.— Detesto fazer com que ela se sinta infeliz. Mas um dia vai me

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agradecer. Aliás, soube que ela vai casar com o duque.— Ela acaba de me informar que, se não casar com você, não casará com

mais ninguém e que o duque é o último homem do mundo com quem se casaria. Se não for com você, Lucy-May vai ficar solteira para toda a vida.

— Ela não sabe o que está dizendo.— Minha filha chegou a me pedir que a deserde e a deixe sem dinheiro

algum.De repente, o quarto ficou muito silencioso. Harry olhou para o sr. Wardolf

com a expressão de quem achava que não tinha ouvido direito.— E o senhor… pretende fazer isso? — perguntou, depois de um

momento.— Pretendo fazer qualquer coisa para tornar minha filha feliz, qualquer

coisa que a faça voltar a ser a garota alegre e sorridente que era, antes de se apaixonar por você!

 

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CAPÍTULO VII

   Lucy-May estava de pé, olhando para fora, na saleta do “Quarto da

Rainha”. O jardim estava lindíssimo, ao sol, mas ela só via escuridão e desespero.

Voltou-se rápida, quando a porta se abriu, e o pai notou que, apesar de ela ter lavado o rosto, os olhos continuavam avermelhados e com as lágrimas prestes a rolar outra vez.

Ao ver quem vinha atrás do pai, seu rosto se iluminou.— Harry!O nome mais pareceu um suspiro que lhe escapou por entre os lábios.O sr. Wardolf caminhou para perto da filha, percebendo que ela tinha

olhos apenas para Harry, como se ele fosse um ser vindo de outro planeta. O olhar era cheio de adoração.

— Achei melhor trazer sir Harry Wayte comigo — disse Wardolf, devagar. — Assim, poderemos conversar com calma. — Percebeu o espanto de Lucy-May e acrescentou, com um sorrisinho: — Este, minha filha, é o dono de Kings Wayte e pessoa muito mais importante do que ele quis dar a entender.

— Não interessa… o que ele… é — respondeu Lucy-May, com voz que mal se podia ouvir. — Ele não deve… ir embora.

— Acho que não vai fazer isso — disse o sr. Wardolf, seco. — Tenho uma proposta para vocês dois.

A filha olhou-o com apreensão.— Que tal vocês se sentarem para me ouvir?Como aliviados por obedecer a alguém, Lucy-May e Harry sentaram-se em

duas cadeiras uma próxima da outra. Não precisavam ficar muito perto, porque seus olhos sabiam dizer as coisas que apenas eles entendiam. O sr. Wardolf, aliás, sentia que ia ter muita dificuldade para conseguir a atenção deles.

— Eu pretendia fazer uma sugestão a Dunstan, quando não sabia quem era ele na verdade. Achava que seria interessante. Mas agora terei que mudar essa sugestão, de acordo com as circunstâncias.

Harry voltou-se para o velho, mas Lucy-May continuou a olhar para ele.— Fiquei impressionado — explicou o sr. Wardolf — com sua capacidade

para escolher cavalos, a habilidade que tinha para lidar com eles e, claro, com seu estilo de montar.

— Obrigado, senhor — disse Harry, baixinho.— Percebi que os cavalos que comprou seriam, exatamente, os que eu

próprio escolheria para minhas fazendas, nos Estados Unidos. Não apenas para montaria, como para reprodução. — Fez uma pausa, antes de continuar, mais calmos — Gostaria de trabalhar como responsável por uma criação de puros-sangues que se tornasse a mais importante e maior de meu país? — Percebeu a grande excitação no olhar de Harry e continuou: — Tenho muitos amigos e conhecidos que gostariam de comprar cavalos com pedigree. E esse é um comércio que pode se ampliar até para o exterior. Eu pretendia lhe oferecer um alto ordenado, mas acho que o mais correto será oferecer-lhe sociedade.

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Financiarei o negócio e você dirigirá tudo, desde a compra dos cavalos até a organização para uma criação modelo. Pode, inclusive, começar a criação aqui em Kings Wayte.

Quando terminou de falar, parecia que tinha conseguido não apenas a atenção de Harry, como também a de Lucy-May. Ela deu um gritinho e exclamou:

— Oh, papai! Você faz, mesmo, isso? É a coisa mais maravilhosa que já ouvi!

O sr. Wardolf continuava olhando para Harry, quando tornou a falar:— Imagino que, quando estiver com tudo isso organizado, Wayte, você vai

poder casar e sustentar razoavelmente uma mulher que case com você apenas com o vestido do corpo…

Lucy-May prendeu a respiração, olhando, ansiosa, para Harry. Seus olhos imploravam e as mãos estavam unidas, os dedos entrelaçados com força.

Houve silêncio por momentos, um silêncio que pareceu, para Lucy-May, um século de suspense angustiante. Então Harry pareceu recuperar a voz e perguntou com dificuldade:

— O senhor… acha, mesmo?— Não tenho o hábito de dizer coisas que realmente não penso! —

respondeu o sr. Wardolf. — E como quero que minha filha seja feliz, acho que não vai fazer mal algum a ela descobrir o real valor do dinheiro e compreender os motivos do marido, quando ele apertar um pouco os cordões da bolsa.

Essas palavras quebraram a tensão de Lucy-May. Com a voz ainda um tanto estrangulada, disse:

— Oh… Harry… por favor…Estava implorando de um jeito que o pai achou que homem nenhum

resistiria, e não ficou surpreso quando Harry se voltou para ela com um sorriso que acabou com todas as dúvidas.

Os dois jovens ficaram de pé, olhando um para o outro, durante bastante tempo. Então Harry perguntou, um tanto sem jeito:

— Você quer… casar comigo… Lucy-May? Prometo fazer tudo para que seja feliz.

Ela soltou uma exclamação de profunda felicidade, correu para ele e escondeu o rosto no peito largo, enquanto os braços de Harry a enlaçavam.

Pareciam ter esquecido completamente da presença do sr. Wardolf, até que Harry disse, rouco:

— Não sei como agradecer, senhor…— Pode fazer isso mais tarde, porque acho que, agora, você e Lucy-May

devem ter muito que conversar.Atravessou a saleta, abriu a porta e saiu para o corredor, fechan-do-a em

seguida. Tinha certeza de que os dois haviam esquecido de tudo o mais, a não ser eles mesmos.

Era quase impossível não sentir uma pontinha de ciúme, pois Lucy-May tinha sido só dele durante os quatro últimos anos, depois da morte da mãe.

Disse a si mesmo, filosoficamente, que, sem dúvida, iria ter a compensação nos netos, que não só alegrariam sua velhice, como herdariam seu vasto império.

Enquanto caminhava pelo corredor e descia a escada, pensava nas reformas que viria a fazer em Kings Wayte. Uma coisa muito importante era comprar de volta os quadros e as peças de valor que Harry dissera ter vendido.

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Tudo teria que voltar a seu devido lugar.Ao pensar nisso, foi inevitável lembrar-se do duque.Tybalt saberia de que maneira chegar às casas de leilão e às galerias de

arte e negociar os objetos que deviam ser comprados. A menos que tivessem sido adquiridos por algum museu, pagando bem não haveria dificuldade em consegui-los de volta.

De repente, lembrou-se também de que o duque devia ser avisado de que perdera Lucy-May e sua fortuna, o que, sem dúvida, significava muito para ele.

A culpa é dele também, pensou o velho, como se quisesse arranjar uma desculpa para a filha. Devia ter agido mais depressa, pedindo Lucy-May em casamento e, o que é mais importante, fazendo com que ela aprendesse a amá-lo.

Enquanto atravessava o hall, lamentava o fato de a filha não se tornar mais uma duquesa, como ele tanto desejara.

Ao mesmo tempo, com a facilidade de um esperto homem de negócios que não se deixa levar por tristezas inúteis, disse a si mesmo que, afinal, conseguira um genro que era motivo de bastante orgulho e que possuía uma das casas mais lindas que já vira e uma propriedade imensa, imponente.

Mas isso não resolvia o problema do duque. Quando abriu a porta da biblioteca, o sr. Wardolf fez votos para que Tybalt Stadhampton, de quem gostava realmente, não se sentisse humilhado e traído.

Quando entrara na saleta anexa ao “Quarto da Rainha”, Lucy-May estava parada junto da janela, olhando para fora. O duque fazia a mesma coisa agora.

As janelas da biblioteca davam para o gramado verde que chegava até o lago. O duque pensava que Aleta era tão adorável quanto as flores de íris que cresciam às margens do lago. Os raios de sol, atravessando a densa ramagem dos carvalhos do bosque, criavam jogos de luz que, à distância, davam a impressão de ninfas ou seres de outro mundo.

Ouviu a porta da biblioteca abrindo-se e estremeceu, como se esperasse algo desagradável. O sr. Wardolf aproximou-se e, antes que abrisse a boca, o duque falou:

— Tenho uma coisa para lhe dizer e temo que não seja muito agradável.Calou-se, hesitante, procurando palavras. O velho observava-o, surpreso.Ia dizer exatamente a mesma coisa ao duque, mas, diante do que ouvira,

mudou de idéia.— Estou ouvindo, Tybalt.— Serei rápido… — começou o duque. — Acredite que me sinto

profundamente honrado por me ter demonstrado que seria muito bem recebido como seu genro, mas não estou em condições de propor casamento a Lucy-May.

Falou suavemente, e em seus modos havia tanta dignidade, que o sr. Wardolf não pôde deixar de admirá-lo.

Houve uma pequena pausa, antes que perguntasse:— Está preparado para me dar o motivo do que parece uma repentina

mudança de sentimentos?O duque pareceu bastante embaraçado.— Tenho que ser honesto e dizer que achei que tal união poderia dar

certo, mas agora vi que é impossível.— Por quê?O duque sorriu e, algo de muito jovem, de garoto, surgiu em seu rosto.

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— Francamente, eu me apaixonei por outra e quero que ela seja minha mulher.

Essa era uma coisa pela qual o sr. Wardolf não esperava.— Isso não está sendo repentino demais?— Não. Espero que o senhor me desculpe, se o decepcionei. Agradeço por

tudo o que fez por mim e, claro, vou embora daqui imediatamente.— Espere um pouco. Quero entender o que aconteceu. Será que você quer

dizer que já estava apaixonado, quando começou a trabalhar comigo?O duque sorriu de novo.— Até eu mesmo acho isso tudo estranho, mas foi exatamente o que

aconteceu.— Então, quem… — começou o sr. Wardolf. Parou e pensou que, desde

que chegara a Kings Wayte, o duque não tinha visto ninguém, a não ser as moças que estavam hospedadas ali. De repente, seus olhos brilharam, e perguntou: — Talvez eu esteja tirando uma conclusão errada, mas será que o nome da moça em questão é Aleta?

Viu a profunda surpresa desenhar-se no rosto do duque, antes que ele respondesse:

— Pensei que o senhor não sabia da existência dela nesta casa.— Acabo de ficar sabendo. Mas depois de ver a moça, compreendo que

você tenha se apaixonado.— Obrigado.O duque tentava imaginar como Wardolf podia ter conhecido Aleta, se

poucas horas atrás ela havia implorado para que ele não revelasse a ninguém sua presença na casa.

— Eu estava pensando — comentou o sr. Wardolf — se você sabe quem é Aleta.

— Vou revelar um segredo, mas acho que não haverá problemas para ninguém se eu lhe disser que ela é irmã de seu administrador, Harry Dunstan.

O velho não pôde conter uma risada alegre, divertida.— Então, vai ter uma surpresa, meu caro. E fico bem contente por não ser

o único feito de bobo nisto tudo.— Feito de bobo?— Esses dois jovens foram muito espertos na manobra para ocultar as

verdadeiras identidades. Deixe-me informá-lo, Tybalt, de que Aleta é, na verdade, irmã de sir Harry Wayte e ambos são os donos desta casa! — Viu que o duque estava mais do que surpreso e acrescentou: — Aliás, sir Harry acaba de pedir Lucy-May em casamento!

 O duque acordou e, no primeiro instante, teve a impressão de estar

sozinho. Depois, viu sua mulher de pé junto da janela, olhando para a praça Belgrave.

Ela havia aberto um pouco a cortina e o luar derramava prata em seus cabelos. A transparência luminosa da camisola dava-lhe uma aparência etérea, como se ela própria fosse parte do luar.

Olhando-a, o duque pensou que, cada vez que olhava para Aleta, ela lhe parecia mais adorável do que antes.

Naquela manhã, quando se casaram na capela do castelo dele, mal conseguira acreditar que tanta felicidade podia existir no mundo.

Agora, como sempre, desde que encontrara Aleta pela primeira vez,

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sentia-se transportado para um outro mundo.Eu a amo! disse a si mesmo. E vou passar toda minha vida fazendo Aleta

feliz!Havia muita coisa para fazerem juntos, e ele pensou que o sr. Wardolf,

apesar de sua dureza como homem de negócios e da reputação de impiedoso que tinha nos círculos industriais, era um homem bondoso e sentimental.

Só um romântico faria tudo para a filha ser feliz, e mais, para um quase-genro descartado alcançar a felicidade também.

Quando, afinal, o duque entendera a estranha embrulhada que não apenas havia feito com que ele reencontrasse Aleta, mas também trouxera a felicidade para o irmão dela e para Lucy-May, o sr. Wardolf tinha dito:

— Isso me faz lembrar, Tybalt, que tenho um trabalho urgente para você.��� Um trabalho?— Sim. Quero que todas as coisas desta casa que foram vendidas voltem

para seus lugares; que fiquem onde sempre estiveram, durante séculos.O duque pareceu surpreso, e o americano explicou:— Espero que não tenha se esquecido de que é meu agente na Europa!

Vou lhe dar umas pequenas férias, durante as quais pode casar e ter uma lua-de-mel, mas depois disso exijo que comece a trabalhar firme, para que os outros especialistas em arte não cheguem antes de você.

O duque ficou em silêncio por alguns instantes.— O senhor está dizendo que quer continuar o que combinamos, apesar

de que não vou casar com Lucy-May?O americano lhe pôs a mão no ombro.— Jamais deixo que qualquer coisa interfira em meus negócios. No que se

refere a você, continuo achando que é o melhor homem para negociar com objetos de arte europeus. O fato de não podermos nos tornar parentes chegados pelo casamento, de você não vir a ser meu genro, não impedirá que seja meu agente.

O duque respirou fundo. Já havia se conformado em sacrificar uma boa parte de seu patrimônio para casar com Aleta. Por isso, foi enorme o alívio, diante da revelação inesperada de que não precisaria chegar a esse ponto.

Se fossem cuidadosos, pouquíssima coisa teria que ser vendida, e, com ele administrando, as propriedades iriam produzir mais, render mais do que no momento.

Como se tivesse lido seus pensamentos, o sr. Wardolf disse bruscamente:— Bem, já que está tudo combinado, deixe-me confessar-lhe que estou

contente, pois não vou ter que me preocupar pensando num presente de casamento para você, meus quadros de Canaletto e o de Van Dick já estão dados.

— Não sei como agradecer… — começou o duque, mas o sr. Wardolf o interrompeu, jovial:

— Nós dois temos muito que fazer. E a primeira coisa é festejar os noivados com uma garrafa de champanhe!

Tudo parecia um conto de fadas, pensou o duque, e se lembrou de que Aleta havia dito a mesma coisa, quando fora procurá-la para contar o que acontecera.

Chegara à sala de brinquedos e a encontrara sentada no mesmo lugar em que estava, quando a descobrira ali, na poltrona junto da janela.

Teve a impressão de que Aleta esperava ver Harry entrar. Quando ele

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abriu a porta, ela se levantou, a silhueta esguia recortando-se contra a paisagem que se via através da janela.

Ficou parado, olhando-a em silêncio porque não encontrava palavras para expressar a felicidade e a beleza do futuro que se abria diante deles. Simplesmente, estendeu os braços.

Aleta pareceu compreender tudo instintivamente e correu para ele.Abraçou-a com força, seus lábios procuraram os dela e beijou-a como

tinha feito na escuridão do templo.Beijaram-se até ambos sentirem que flutuavam no céu, que não eram

seres mortais, que aquele êxtase tinha algo” de divino.Quando, afinal, Aleta afastou um pouco o rosto do dele, todo o corpo

trêmulo pela emoção que os envolvia, o duque disse:— Eu a amo! E agora, amor, estou livre para pedir que case comigo. E

depressa. Não posso mais viver sem que você seja minha, como sempre foi, desde o começo dos tempos.

— Eu… eu posso… casar com você?Ele mal pôde ouvir essas palavras, porque a voz dela não passava de um

sussurro.— Você vai ser minha mulher. E então, querida, tudo no mundo será

diferente, porque vamos estar juntos.— É… é o-que eu quero! Estar… com você… amar você. Beijou-a de novo, e muito tempo passou, até que conseguissem voltar à

realidade para contar um ao outro o que havia acontecido desde a noite em que se tinham encontrado na praça Berkeley.

O fato de a Mansão Stadhampton, em Londres, ainda ser uma das mais imponentes e impressionantes, na praça Belgrave, também parecia fazer parte de um conto de fadas.

Quando o duque disse a Aleta que passariam a primeira noite da lua-de-mel lá, ela respondeu:

— Não posso imaginar nada mais maravilhoso do que ser sua mulher e estar com você em qualquer lugar do mundo. Quero que continuemos sendo como éramos no primeiro encontro, sentindo aquela magia perfeita, maravilhosa, com rouxinóis cantando, como se tudo fosse um lindíssimo conto de fadas.

— É um conto de fadas. E ninguém, querida, pode ser mais princesa de um conto de fadas do que você.

— Eu o amo! E tudo que está ligado a você é encantado.— Era isso o que eu ia dizer a você!Então, achou mais fácil expressar o que sentia com beijos, em vez de

palavras. Lucy-May queria esperar alguns dias para casar, a fim de que alguns

parentes e amigos pudessem vir de Nova York.O duque, que havia declarado não ter intenção de esperar por ninguém,

tinha ido imediatamente para seu castelo, a fim de fazer os preparativos para o casamento.

Dois dias depois, Harry levou Aleta e os Wardolf para o castelo. Acharam-no magnífico e bonito, se bem que diferente de King Wayte. A única coisa que restava do edifício normando, que havia sido a moradia dos barões, era a torre cinzenta. Anexa a ela, estava a casa georgiana, projetada por Robert Adam.

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O duque explicou que a primeira linhagem do ducado dera a Adam a incumbência de restaurar o edifício destruído pelo passar dos séculos, mas mantendo a arquitetura original e criando algo adequado à dignidade e posição da família.

Dinheiro não era problema, e o Castelo Stadhampton tornara-se um exemplo do estilo grego, com os aposentos imensos e altos, tetos pintados e domos.

O sr. Wardolf ficou impressionadíssimo.O castelo estava muito bem conservado e era confortável, a não ser, claro,

pela escassez de banheiros.Como o duque não vivera ali, não era obrigado a convidar vizinhos para o

casamento, o que deixou Aleta muito satisfeita.Quando entrou na capela apoiada ao braço de Harry, pensou que era

muito bom não ter olhos curiosos fixos neles.Para o duque, Aleta era a personificação da perfeição. Sentia-se o homem

mais feliz do mundo.A felicidade deles parecia iluminar a capela. Ao colocar a aliança no dedo

de Aleta, percebeu que ambos tremiam com a emoção de pertencerem um ao outro, e nada haveria de separá-los, nem naquele momento nem na eternidade.

Tinham ido para Londres no conforto e na rapidez de um Rolls Royce que o sr. Wardolf acabara de comprar e cedera a eles para essa ocasião.

O duque quase lamentou não poder dirigir uma carruagem, mas viajar de carro era mais rápido e mais confortável para Aleta. E, afinal, já estava tudo decidido.

Segurando a mão dela, sentira como se deslizassem acima dos campos, num carro mágico, dirigido por um motorista também mágico, que os levaria pelo mundo todo, mas só aos lugares onde havia beleza, poesia, música e onde nada pudesse destoar daquela profunda felicidade.

Depois de um calmo e íntimo jantar na Mansão Stadhampton, onde só havia velhos criados que tinham conhecido o pai e a mãe dele, levou Aleta pela mão até a porta da casa. Tinham andado, então, pela silenciosa rua, até chegarem à praça.

Como se a natureza quisesse reconstruir, de propósito, o que havia acontecido há dois anos, era uma noite cheia de estrelas e a Lua cheia brilhava no céu. O luar filtrava-se por entre os galhos e folhas das árvores, formando um rendilhado sobre a alameda que ia dar no templo.

Agora, havia rosas e madressilvas em flor onde, então, havia lilases. A não ser por isso, o jardim não mudara nada.

A urna georgiana no topo do templo brilhava ao luar; os pilares estavam brancos e havia a mesma escuridão lá dentro, como quando o duque encontrara uma mocinha inexperiente e assustada, que fugira do salão de baile porque não tinha par.

De uma casa, do outro lado da praça, vinha o som de música. Uma melodia conhecida flutuava no ar:

“… nada está seguro.O rico fica mais rico, o pobre fica mais pobre.Enquanto isso, ao mesmo tempo,Nós vamos nos divertir.” 

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Mas Aleta e o duque ouviam apenas a música que soava em seus corações.

Tinham entrado no templo e, por momentos, ficaram parados lado a lado, calados, sem se tocar, esperando atentos, como se por acaso, de permeio com o assobio do vento nas folhas das árvores, estivessem ouvindo o canto dos anjos que Aleta tinha certeza que haviam estado presentes a seu casamento.

Depois, devagar, saboreando profundamente cada instante, o duque envolveu a esposa nos braços e seus lábios procuraram os dela.

Beijaram-se até se tornarem um só, um ser indivisível, as almas, os cérebros, os corações formando um todo.

Muito tempo depois, o duque se afastou um pouquinho e perguntou, com voz profunda, rouca:

— Você me ama, querida?— Eu o amo! E, Tybalt… posso ouvir os rouxinóis cantando, como na

primeira vez que você me beijou.— Eles vão sempre cantar para nós.Beijou-a de novo, muitas vezes, até sentirem um desejo irreprimível um

pelo outro. Voltaram para casa, ele com o braço na cintura dela.Como Aleta havia despertado nele tudo o que havia de profundo e

espiritual, como o inspirara desde o primeiro instante em que se viram, o duque tinha medo de que aquele desejo natural, humano, o fato de querer tê-la como mulher, pudesse assustá-la e chocá-la.

Mas, quando a tomou nos braços, no enorme leito de colunas que fora usado pela família Stadhampton por tantas gerações, percebeu que o fogo do desejo também ardia na esposa.

Foi delicado e cuidadoso, e o amor, completo. Pura e inocente como Aleta era, amava-o o bastante para achar que tudo o que ele fazia era direito, certo, e que seu amor fazia parte daquela felicidade divina.

— Você ainda me ama? — perguntou ele.— Oh, Tybalt, sabe que sim!— Você me excita de modo tão selvagem, meu anjo…— Eu… eu quero excitar você… como você me… excita.— Era isso que eu queria que acontecesse, minha maravilhosa e pequena

deusa.— Fazer amor é tão… maravilhoso. É como voar para as estrelas.— Meu anjo! Tem certeza de que é isso que sente?— Tenho, tenho, sim. Os rouxinóis estavam cantando, e tenho certeza de

que… os anjos também.O duque abraçou Aleta com mais emoção, e de seu coração brotou uma

prece silenciosa de agradecimento.Olhando-a, agora, banhada pelo luar, ele repetiu a si mesmo que não

podia haver homem no mundo mais feliz do que ele.Aleta percebeu que estava acordado, observando-a. Virou a cabeça e, com

um sorriso que lhe iluminou o rosto, disse:— É tão lindo!— Você é que é tão linda, amor.— Venha ver…— Para mim, chega estar vendo você.— Ouvi os rouxinóis e fiquei pensando se daria para vê-los. A noite está

toda prateada. Parece um conto de fadas!

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— Acredito, mas quero que volte para cá. Tenho medo de que você se misture com a noite e eu a perca outra vez.

Aleta deu uma risadinha.— Nunca vai acontecer isso.— Venha cá!Sem fechar a cortina, ela correu para a cama e deitou-se ao lado dele.— Você existe, mesmo? Fiquei com medo de que, de repente, se

transformasse na deusa que pensei que fosse, quando nos encontramos pela primeira vez, e desaparecesse no céu, voltando para seu lugar. E eu ficaria aqui, procurando você até o fim de meus dias.

— Eu existo. E sou tão feliz que tenho medo de estar sonhando. Acordei só para ver se você era mesmo o homem que me beijou no escuro.

— Não é um sonho, meu anjo, e não vou me cansar de provar isso. Estava pensando que tivemos muita sorte em nos encontrar e que nunca mais devemos nos arriscar a ficar separados.

— Talvez não tenha sido sorte — disse Aleta, em voz baixa. -Acho que… a magia que você exerce sobre mim e eu sobre você vai nos manter juntos, como se vivêssemos num mundo à parte.

— Vivemos num mundo à parte, mesmo! — disse o duque, depressa. — Você está aqui, meu único amor, posso tocá-la, beijá-la, fazer amor com você porque é minha mulher.

Ela suspirou de felicidade e disse:— Às vezes me assusto, pensando que, quando nos encontramos de novo,

você estava quase casado com Lucy-May.— Não deve mais pensar nisso. Ela vai ser muito feliz com Harry.— Vai, sim, porque ama Harry como eu amo você! Não, querido, não é

isso! Ninguém pode amar ninguém do jeito que amo você!O duque abraçou-a com mais força e murmurou:— Era isso que eu queria ouvir você dizer, não uma vez, mas muitas,

sempre… Amor é uma palavra pequenina para expressar o que sinto por você. Eu a adoro, venero. Nada mais me importa no mundo, a não ser você.

— Quando penso em tudo o que você imaginou de mim, me sinto… muito humilde. E se… se o tivesse decepcionado? Se não fosse como pensava que eu era?

O duque beijou-lhe os cabelos.— Nunca me decepcionaria. Querida, preciso de sua ajuda num trabalho

que tenho de fazer para o sr. Wardolf. O difícil vai ser que nenhum dos quadros ou peças que vou comprar para ele poderá ter metade sequer de sua beleza… e acho que nada será bastante bom para figurar na galeria de arte que ele quer montar.

Aleta deu uma risada, antes de responder:— Quero que pense em mim sempre como bonita. Quando me lembro de

sua importância, sinto medo de não ser uma… duquesa como se deve. O que será de mim, entre as famosas e belíssimas mulheres que freqüentam o Palácio de Buckingham e todas as reuniões sociais a que compareceremos?

— A que teremos que comparecer, porque quero mostrar ao mundo inteiro a mulher linda que tenho! — disse o duque, com firmeza. — Mas, como precisamos trabalhar bastante, não vamos perder muito tempo com essas coisas.

— Fico contente com isso. Tudo o que quero, mesmo, é ficar com você…

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para me ensinar as coisas que o interessam, e assim poder ajudá-lo.— Vamos ter que viajar muito. Quero que você conheça Paris, Viena e

Roma, é claro.— Oh, Tybalt, tudo é tão maravilhoso! Mas prometa que, depois de todas

as viagens, voltaremos para cá, para ouvir os rouxinóis, nossos rouxinóis que cantam… nosso amor.

— Sempre vamos voltar. Além disso, o sr. Wardolf não terá direito a todo o meu tempo. Quero ter minha casa, Aleta, e só você pode me dar isso.

— O castelo é… é tão grande! — Depois acrescentou, tão baixinho que ele mal p��de ouvir: — Mas, quem sabe, quando tivermos uma porção de filhos, vai ficar um lugar maravilhoso para se brincar de esconde-esconde e…

Não pôde dizer mais nada, porque o marido a beijou com tal paixão que tudo o mais sumiu-lhe da cabeça.

Aleta sentiu as mãos dele acariciando-lhe o corpo e estremeceu, excitada. O luar pareceu apanhá-los e levá-los até o céu, até a Lua.

— Amo você, amor… — disse o duque, rouco. — Amo você! Enquanto o beijava, Aleta sentiu como se o luar envolvesse seu corpo, transformando em chamas de prata o fogo que ardia nela e no marido.

— Amo você! Amo você! — suspirou.Sabia, no entanto, que não existiam palavras capazes de significar o

encantamento, o êxtase e a sensação que estava tendo. Aquilo tudo só podia ser transmitido pelo canto dos rouxinóis.  

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QUEM É BARBARA CARTLAND?

  As histórias de amor de Barbara Cartland já venderam mais de cem

milhões de livros em todo o mundo. Numa época em que a literatura dá muita importância aos aspectos mais superficiais do sexo, o público se deixou conquistar por suas heroínas puras e seus heróis cheios de nobres ideais. E ficou fascinado pela maneira como constrói suas tramas, em cenários que vão do esplendor do palácio da rainha Vitória às misteriosas vastidões das florestas tropicais ou das montanhas do Himalaia. A precisão das reconstituições de época é outro dos atrativos desta autora, que, além de já ter escrito mais de trezentos livros, é também historiadora e teatróloga. Mas Barbara Cartland se interessa tanto pelos valores do passado quanto pelos problemas do seu tempo. Por isto, recebeu o título de Dama da Ordem de São João de Jerusalém, por sua luta em defesa de melhores condições de trabalho para as enfermeiras da Inglaterra, e é presidente da Associação Nacional Britânica para a Saúde.

 

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