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América do Norte, 1775. América do Norte, 1775. Quando o pai de Madeline Oxley informou-a de que Adam Coats a pedira em Quando o pai de Madeline Oxley informou-a de que Adam Coats a pedira em casamento, ela pensou que fosse um sonho. Afinal, sempre acreditara que Adam fosse casamento, ela pensou que fosse um sonho. Afinal, sempre acreditara que Adam fosse apaixonado por Diana, sua irmã! apaixonado por Diana, sua irmã! Feliz, Madeline viajou ao encontro de Adam. Mas ao chegar à América descobriu que Feliz, Madeline viajou ao encontro de Adam. Mas ao chegar à América descobriu que tudo não passara de um plano maquiavélico de seu pai. tudo não passara de um plano maquiavélico de seu pai. Desolada, Madeline resolveu voltar para casa; porém, para sua surpresa, Desolada, Madeline resolveu voltar para casa; porém, para sua surpresa, Adam decidiu que ela deveria ficar e se casar com ele! Adam decidiu que ela deveria ficar e se casar com ele! Mas qual seria a verdadeira razão para ele ter mudado de idéia? Mas qual seria a verdadeira razão para ele ter mudado de idéia? Doação: Doação: Valeria® Valeria® Digitalização: Digitalização: Joyce® Joyce® Revisão: Revisão: Savoy® Savoy® Título Original: Adam's Promise Julianne MacLean Julianne MacLean Marcas do Destino Marcas do Destino

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América do Norte, 1775.América do Norte, 1775.

Quando o pai de Madeline Oxley informou-a de que Adam Coats a pedira emQuando o pai de Madeline Oxley informou-a de que Adam Coats a pedira em casamento, ela pensou que fosse um sonho. Afinal, sempre acreditara que Adam fossecasamento, ela pensou que fosse um sonho. Afinal, sempre acreditara que Adam fosse

apaixonado por Diana, sua irmã!apaixonado por Diana, sua irmã!

Feliz, Madeline viajou ao encontro de Adam. Mas ao chegar à América descobriu queFeliz, Madeline viajou ao encontro de Adam. Mas ao chegar à América descobriu que tudo não passara de um plano maquiavélico de seu pai.tudo não passara de um plano maquiavélico de seu pai.

Desolada, Madeline resolveu voltar para casa; porém, para sua surpresa,Desolada, Madeline resolveu voltar para casa; porém, para sua surpresa,Adam decidiu que ela deveria ficar e se casar com ele!Adam decidiu que ela deveria ficar e se casar com ele!

Mas qual seria a verdadeira razão para ele ter mudado de idéia?Mas qual seria a verdadeira razão para ele ter mudado de idéia?

Doação:Doação: Valeria®Valeria®Digitalização:Digitalização: Joyce®Joyce®Revisão:Revisão: Savoy®Savoy®

Título Original: Adam's Promise

Julianne MacLeanJulianne MacLean

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Julianne MacLeanJulianne MacLean – Clássicos Históricos Especial 180 – Clássicos Históricos Especial 180 – Marcas do Destino – Marcas do Destino

PPRÓLOGORÓLOGO

Yorkshire, Inglaterra, 1775Yorkshire, Inglaterra, 1775

Madeline Oxley agasalhou-se melhor com o manto e atravessou a charneca obscura e úmida, na volta ao seu lar. Espiou através da névoa que escondia a pequena casa de pedra incrustada no vale, a pocilga também erguida com fragmentos de rocha e as outras edificações. Parou, assustada.

“Oh, não podia ser!” Madeline piscou devagar e olhou novamente. Era a mais pura verdade. Tratava-se da carruagem de seu pai estacionada no pátio. Ele voltara.

Nervosa, sentiu a respiração acelerar-se. Não gostava de surpresas. Nos últimos dias, com a ausência do pai, desfrutara a satisfação de ser livre. Na verdade, o pai não a constrangia no sentido de ir e vir conforme sua própria determinação. Ela sempre fora livre para fazer o que quisesse. Madeline pensou em liberdade no sentido mais estrito da palavra. Com o pai fora de casa, não tivera de preocupar-se com as costumeiras expressões de censura e desapontamento. Um olhar que sempre a atingia como uma pancada e normalmente na hora das refeições, quando ambos se encontravam.

Suspirou, resignada. Desceu a colina e atravessou o jardim pavimentado com pedras arredondadas. Passou pelo galinheiro, pela cocheira e rodeou o coche vazio parado diante da entrada. Abriu o fecho do manto e entrou em casa. O calor das chamas fortes que crepitavam na lareira da sala de estar tocou-lhe as faces coradas pelo frio.

Ela ouviu o ruído da porta fechar-se atrás de si. Tirou o manto, dobrou-o e entrou na sala. O pai estava sentado diante da lareira.

— Olá, papai. Como foi a viagem a Thirsk?Ele dobrou uma carta, guardou-a no bolso do colete e fitou-a por cima

dos óculos de aros dourados.— Muito agradável. E muito mais proveitosa do que eu poderia imaginar.— Que ótimo. O que aconteceu por lá? — Madeline procurou manter o

tom alegre e descontraído.— Tenho a impressão de que um fardo foi retirado de minhas costas.

Recebi uma oferta muito generosa de um homem que eu não via há muitos anos.

Curiosa, mas inquieta, Madeline engoliu em seco.— Que tipo de oferta?O pai ergueu a cabeça, como se estivesse à procura das frases corretas

para a resposta.— Sente-se, Madeline. Precisamos trocar algumas palavras.Madeline sentiu uma opressão no peito. Uma sensação que a

acompanhava sempre que o pai queria "trocar algumas palavras" com ela. Ainda com o manto dobrado no braço, Madeline sentou-se na poltrona em frente à do pai.

— São boas notícias para nós dois. — Ele recostou-se no espaldar estofado e cruzou as pernas. — Minha filha, acredito que, apesar de tudo, apareceu-lhe uma oportunidade para casar-se. Irrecusável, diga-se de

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passagem.Madeline retesou-se e passou a língua nos lábios secos.— Eu poderia saber... com quem? — ela fez a pergunta com o menor

tremor possível na voz.O pai pigarreou e mexeu-se no assento.— Bem, talvez nem se lembre de quem estou falando. Ele esteve aqui

há muitos anos e é um pouco mais velho.— Eu o conheci?— Sim.— Não se trata do Sr. Siddall, não é?Madeline foi incapaz de, esconder o pavor que odiava ouvir na própria

voz. Mas não poderia ser diferente, o Sr. Siddall tinha o triplo de sua idade. Da última vez que o vira, os dentes dele já se apresentavam estragados e pretos. Naquela altura, que Deus a perdoasse, já deviam ter caído.

— Não. Não é o Sr. Siddall — o pai respondeu. — O Sr. Siddall é um cavalheiro da região. Ele jamais a teria pedido em casamento. Não diante da insolência de seu comportamento, filha, depois do que aconteceu em Stanley Hall.

O comentário do pai atingiu-a como uma bofetada. Ele nem mesmo a defendera do escândalo que lhe destruíra qualquer oportunidade de matrimônio com um homem decente. Na verdade, o pai piorara tudo, assumindo posição contra a filha e acusando-a publicamente.

Madeline estava determinada a não deixá-lo perceber que as feridas ainda machucavam. Ergueu o queixo, disposta a falar com toda a dignidade que pôde reunir em seu coração.

— Quem, então? Se não sou boa o suficiente para o Sr. Siddall, a que tipo de homem o senhor pretende entregar-me?

Ele suspirou com desânimo. Deixava evidente não entender por que fora amaldiçoado com a desgraça de uma filha tão impertinente.

— Como eu já lhe disse, Madeline, você não deve lembrar-se dele. Já faz quinze anos que ele esteve aqui. A minha "querida" filha não passava de um bebê.

— Meu pai, há quinze anos eu tinha sete. Ele fez um gesto de pouco caso com a mão.

— Sim, sim, não importa.Madeline experimentou a ferroada usual, perante a antipatia que o pai

nutria por ela. Apertou as mãos no colo para lutar contra a dor que a aversão lhe causava.

O Sr. Oxley puxou os punhos de linho.— Parece que ele não ficou sabendo do escândalo provocado pela srta.

Madeline Oxley em Yorkshire. O que é um verdadeiro milagre, não acha?Ela conseguiu encarar o pai com indiferença, enquanto ele continuava

com o arrazoado.— O cavalheiro a que estou me referindo deixou Yorkshire há quatro

anos e mudou-se para a Nova Escócia. Segundo seus relatos, as mulheres são em minoria por lá. Ele gostaria de casar-se novamente e, pelo visto, lembra-se da pequena Madeline com muito carinho. Embora, confesso-lhe, eu não consiga entender o porquê. Para ser bem simplista, nunca a vi parada em um lugar tempo suficiente para que algum homem pudesse ao menos ter chance para uma avaliação rápida. — O homem virou o rosto e fitou as chamas. — Apesar disso, ele a pediu em casamento.

Madeline tornou a ficar tensa.

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— E o senhor aceitou?— Claro. Até já mandei minha resposta. Minha filha, terá de partir no

próximo navio que sai de Scarborough em cinco dias. Já tomei as providências necessárias. Para não viajar sozinha, irá na companhia de uma família de Helmsley.

Cinco dias? Madeline sentiu vontade de vomitar. Deixaria Yorkshire para sempre e cruzaria o oceano dentro de "cinco dias"? Tentou pensar somente no choque que o fato representava. Era preferível a considerar a hipótese de o pai encarar com tanta naturalidade a certeza de nunca mais ver a filha. Ou melhor, de ele sentir-se aliviado com isso. Madeline endireitou-se e engoliu mais uma vez em seco.

— O senhor ainda não me disse o nome dele. — Ela gostaria que o pai falasse de uma vez e acabasse logo com aquele pesadelo.

— O nome? — O pai deu uma tossidela, revelando um pouco de constrangimento para revelar de quem se tratava. — Ele se chama Adam Coates.

Adam Coates? O coração de Madeline disparou sem nenhum controle.— Mas como eu já lhe disse — o pai continuou —, não acredito que se

recorde dele. Faz muito tempo.E como poderia não lembrar-se dele? Ela fora dominada por aquela

imagem desde o primeiro instante em que Adam Coates chegara a casa deles montado no grande cavalo negro, havia quinze anos. Ele viera falar com Diana Oxley, a irmã mais velha de Madeline. Na época, Diana contava dezoito primaveras e era uma jovem deslumbrante. Madeline não passava de uma menina de sete, voluntariosa e que, via de regra, recusava-se a ir para o quarto, quando chegava o pretendente da irmã.

Madeline nunca vira um homem tão bonito. Ela imaginava que ele seria capaz de ofuscar até as estrelas do céu com sua presença marcante. Adam apeara do cavalo e fizera uma grande mesura diante dela.

— Mas quem é esta linda criança? Na certa deve ser uma princesa!Anos mais tarde, quando ela começara a pensar nos jovens de uma

maneira romântica, o homem de seus sonhos sempre parecia ter as feições atraentes de Adam Coates. Ele fora o príncipe encantado de suas fantasias. O herói galante que viera salvar uma pequena princesa trancafiada em uma torre.

Todos os sons do recinto transformaram-se em borbulhas indistintas, enquanto Madeline continuava sentada, boquiaberta e incrédula, fitando o pai, que murmurava palavras ininteligíveis.

— E quanto a Diana? — ela finalmente voltou a si e interrompeu-o com voz trêmula. — Por que o Sr. Coates não pediu a mão de minha irmã? Ele a amou no passado e Diana ficou viúva.

Impaciente, o pai tirou os óculos e deixou-os no colo.— Ele não mencionou Diana. Acredito que nem saiba de sua viuvez.

Além disso, acho melhor Diana permanecer aqui comigo.O pai queria dizer que seria melhor Diana ficar em Yorkshire, por causa

da fortuna que ela herdara. Os joelhos de Madeline começaram a bater um de encontro ao outro sob as saias, como se tivessem vontade própria. Adam Coates?

— Eu pensei que ele tivesse se casado — Madeline comentou da maneira mais casual que lhe foi possível. — Ouvi falar que até tem filhos.

— Ah, então lembra-se dele. “Perfeitamente!”, ela pensou.— De maneira vaga — foi a resposta.O pai pôs de novo os óculos sobre o nariz.

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— Bem, ele casou-se depois de Diana haver contraído matrimônio com sir Edward. Logo depois, eu acho. Desposou uma jovem senhora de York que já era mãe de um garoto. Não acredito que tenham sido felizes, mas tudo isso pertence ao passado. Ela faleceu antes do Sr. Coates partir para a Nova Escócia.

— Sinto muito por ele — Madeline assegurou em tom impessoal; porém suave.

O pai levantou-se e fez sinal para ela fazer o mesmo.— Eu sei minha filha, que depois do trágico acontecimento em Stanley

Hall, você deve ter-se resignado ao celibato. Mas é impossível desprezar uma oferta desse porte. O Sr. Coates é um homem de sucesso. No momento, é tão rico como qualquer aristocrata, e o mais importante é que não conhece a grave ocorrência que abalou a opinião pública de Yorkshire. Com um pouco de sorte, ele não ficará sabendo de nada até depois das núpcias. Deus é testemunha de que uma jovem desonrada jamais seria pedida em casamento por alguém desta região. Por isso peço que pense bem no que eu lhe disse e parta sem fazer alarde. Procure dar o melhor de si na empreitada. Pelo que ouvi dizer, o mundo parece diferente do outro lado do oceano. Talvez possa recomeçar a vida e enfrentá-la de maneira respeitável.

— Sim, meu pai. — Madeline anuiu com polidez. O homem recuou. — "Sim, meu pai?" E só o que tem para me dizer? Meu Deus do céu! Eu

esperava uma enorme batalha a respeito do assunto. Acredito mesmo que nunca a ouvi dizer "sim, meu pai" durante os seus vinte e dois anos de existência!

Madeline abaixou o olhar, evitando demonstrar o que sentia na verdade.— Se vou mesmo tiver de partir em cinco dias, acho que será

interessante eu tornar a nossa convivência mais agradável.O pai deixou cair os ombros.— Penso que é um pouco tarde para isso. Agora é melhor sair e

providenciar com atenção o que pretende levar. Eu só posso dispor de dois baús. — Ele tornou a sentar-se e dispensou-a. — O Sr. Coates quer que leve também o equivalente a trinta e seis litros de sementes de trigo, amarelas Kent e marrom Hampshire. Recomendou ainda que usasse os sacos como travesseiro durante a travessia, para evitar que fiquem umedecidos no depósito de carga.

Adam Coats. Era mesmo inacreditável. Ela jamais concordaria em deixar Yorkshire se soubesse da verdade. A mulher que Coates esperava em Cumberland para casar-se era Diana, a irmã mais velha. Talvez fosse melhor rasgar a mensagem.

Depois de Madeline ter deixado a sala, seu pai descansou a cabeça no encosto alto e tamborilou com os dedos no braço da cadeira. O que faria com a carta que se encontrava no bolso do colete?, ele perguntou a si mesmo. Decidiu que a trancaria no compartimento secreto da gaveta de sua mesa. Conhecia a natureza investigativa de Madeline. Ela poderia querer examinar o conteúdo da missiva, o que estava completamente fora de questão.

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CCAPÍTULOAPÍTULO I I

Colônia Britânica da Nova Escócia. Sete Semanas mais TardeColônia Britânica da Nova Escócia. Sete Semanas mais Tarde

Charlie Coates veio correndo, escorregou e quase bateu na mesa larga de carvalho da sala de jantar.

— O navio está se aproximando da enseada! Adam Coates, sentado à mesa, ergueu os olhos do livro que lia. Tirou os óculos sem pressa e deixou-os ao lado dos candelabros de prata de lei.

— Calma, filho, não fique tão esbaforido. É apenas um navio.— Mas é o navio "dela", papai!— Sim, eu sei. — Adam não podia negar que fora acometido por um

tremor de antecipação. — Suponho que devo ir até lá e recebê-la, não é?Adam sorriu para o filho mais novo e levantou-se.— Eu vou atrelar a charrete! — Charlie ofereceu-se, deu um pulo e

correu para fora da casa.Adam ficou parado ao lado da mesa, escutando o tique-taque do relógio

que se encontrava sobre o consolo da lareira.Quantos anos haviam se passado? Vinte? Não, não era tudo isso. Para

ser mais exato, somente quinze. Não podia fingir, nem para si mesmo, que não se lembrava do dia em que Diana o abandonara para casar-se com outro.

Nem podia esquecer-se do tempo em que estivera casado com Jane, que Deus se apiedasse de sua alma, e de suas explosões temperamentais que haviam tornado o matrimônio um peso insuportável. Já não era mais o mesmo homem idealista de antes...

Olhou as roupas simples que vestia, camisa branca e calça castanho-amarelada, e refletiu no que Diana pensaria ao vê-lo. Será que o reconheceria?

A sua aparência não mudara muito com o transcorrer dos anos, exceto por alguns fios brancos de cabelos e pequenas rugas ao redor dos olhos. Aos quarenta e três anos, era forte e vigoroso como qualquer homem com a metade de sua idade. Talvez até mais enérgico. Estendeu os braços para frente e examinou as mãos calosas e rudes. Na certa, ela não conseguiria ver a maioria das mudanças. Pelo menos, não de imediato.

Bom Deus, qual seria a aparência de Diana naquela altura dos acontecimentos? Ela teria sido maltratada pela passagem daquele tempo todo? Os cabelos dourados teriam escurecido? A pele clara teria ficado bronzeada?

Não que isso importasse, Adam concluiu. Ela ainda seria a mesma Diana. A "sua" Diana. E ele adoraria as mudanças, fossem elas quais fossem.

Imerso em uma mistura de antecipação nervosa e de euforia, Adam Coates saiu da sala e subiu para trocar de roupa. Madeline estava com as mãos apoiadas na amurada do convés do navio, com os pés afastados por causa do balanço do Liberty. O vento chicoteava-lhe o manto e as saias, e borrifos salgados esfriavam-lhe o rosto. Fechou os olhos. Inspirou o cheiro refrescante e a umidade do mar. Escutou o barulho da quilha pesada que cortava a água provocando ondas espumosas.

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Refletiu, sonhadora, que não devia faltar muito tempo. Não haveria mais espera nem expectativas e a imaginação cessaria seu trabalho. Poderia comprovar finalmente como seu coração se comportaria ao ver Adam Coates depois de tantos anos.

Adam. Deveria chamá-lo pelo nome de batismo, quando o visse? Seria estranho, pois ele sempre fora o Sr. Coates para ela. Nem mesmo tinha certeza se conseguiria pronunciar-lhe o primeiro nome com a dignidade normal de uma esposa.

Bem, ainda não era sua esposa. Mas haveria de se tornar em breve. Dentro de muito pouco tempo. A pulsação de Madeline disparou diante do pensamento de casar-se com o homem ideal de sua vida. Nunca pudera esquecê-lo, embora não passasse de uma criança quando o vira pela última vez.

As gaivotas destacavam-se no céu muito azul, lançavam seus gritos agudos e breves, desciam e rodeavam as velas enfunadas, enquanto o navio se aproximava do cais na foz do rio Cumberland Creek. A escuna atracou com movimentos suaves e com segurança. Dali á pouco Madeline desceu a prancha de desembarque e atingiu a plataforma inferior. Ansiosa, perscrutou a colina distante, onde estava situado o Forte Cumberland.

Parou um pouco e observou a tripulação retirar as bagagens. O aroma salgado do mar era trazido pelo mesmo vento que erguia suas saias até o tornozelo e batia em seu gracioso chapéu campestre. Ela tratou de segurar a copa com firmeza para não perdê-lo, enquanto as fitas esvoaçavam sob o queixo. Estreitou os olhos para a imensidão de relva que se estendia a distância, flanqueada dos dois lados por regiões montanhosas de florestas.

Aquelas terras magníficas seriam seu lar. Pareceu-lhe quase impossível de acreditar.

— Por aqui! Venham! — o Sr. Ripley chamou, acenando para a família.O Sr. e a Sra. Ripley tinham sido os guardiões e acompanhantes de

Madeline durante a travessia. Ela esperava que aquela família bondosa, que nada sabia do escândalo, viesse a tornar-se sua vizinha.

— A senhorita também, Madeline! — o Sr. Ripley dirigiu-se a ela em voz alta.» — Siga-nos até o caminho do forte. Nós mandamos colocar suas arcas junto com as nossas na carroça.

Madeline ergueu a barra das saias e iniciou o longo trajeto pelo carreadouro, pisando com cuidado sobre as pedras soltas. Eles alcançaram o alto da colina e passaram pela entrada da fortaleza.

Durante o tempo em que o Sr. Ripley ocupou-se em alugar um quarto para a família em uma das casernas, Madeline relanceou um olhar pelo pátio. Examinou as fisionomias dos fazendeiros e dos mercadores, perguntando a si mesma se Adam estaria a sua espera.

Deus Todo-Poderoso! O coração batia em descompasso e Madeline arfava. Apesar de passados quinze anos e de ela ser uma menina naquela época, não haveria a menor possibilidade de não reconhecê-lo. Assim que o visse, poderia declarar com certeza de quem se tratava, por causa dos olhos dele. Os mais azuis que já vira em sua vida. Inesquecíveis. ,

— Ele já chegou? — Dóris Ripley aproximou-se e quis saber.— Ainda não o vi — Madeline respondeu. — Talvez não saiba que o

navio chegou. Acredito que eu deveria mandar-lhe um recado.— Encontrarei alguém para levar a mensagem — a Sra. Ripley

ofereceu-se, solícita, e olhou ao redor, à procura de ajuda.Naquele instante, um homem alto atravessou o pátio. Vestia um

sobretudo preto bem talhado e um chapéu de três pontas, também preto. Os

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babados da camisa branca e imaculada eram visíveis no colarinho. Caminhava com tal confiança e graça que muitas cabeças se voltaram para admirá-lo.

Mesmo de longe, Madeline não duvidou. Era Adam Coates. Ela sentiu o sangue pulsar nas têmporas com força e pensou que fosse desmaiar. Agarrou a manga da Sra. Ripley, antes que a outra se afastasse.

— Ele está aqui!A Sra. Ripley fitou a entrada do forte.— Meu Deus, Madeline... — foi tudo o que a outra disse, com voz

arfante.Madeline lutou contra a vontade de dobrar os joelhos e largar-se no

chão, sem conseguir deixar de fitá-lo. Por tudo o que era mais sagrado, Adam Coates era um homem magnífico e estava ainda mais bonito do que antes, embora aquilo lhe parecesse impossível. O decorrer do tempo fora benéfico para ele. Parecia envolto em uma aura de masculinidade confiante. Era um homem maduro que inspirava coragem e dignidade. Madeline ajeitou e esticou o fichu, passou as mãos no corpete apertado e provido de barbatanas, e alisou a saia de algodão listrado.

Adam encaminhou-se até um homem que estava próximo à entrada e perguntou-lhe qualquer coisa. O camarada apontou um polvorinho feito de chifre de boi na direção dos passageiros que acabavam de chegar pelo Liberty. Todos se encontravam agrupados do lado de fora da construção fortificada. Em seguida, Adam adiantou-se a passos largos, determinado, dando mostras de estar procurando uma pessoa em meio à multidão. Era até possível ver a antecipação em seu olhar.

Será que a ansiedade dele era igual à de Madeline? A Sra. Ripley cutucou Madeline algumas vezes no braço, antes de alguém fazer um comentário sussurrado as suas costas.

— É esse o cavalheiro que vai se casar com a srta. Oxley? Santo Deus...

Madeline não poderia repetir uma única palavra das que se seguiram ao comentário. Não ouviu mais nada. Tudo o que podia fazer era procurar recuperar um pouco da calma, descontrair a fisionomia aflita e preparar-se para cumprimentá-lo.

Adam parou diante da Sra. Ripley, tirou o chapéu e segurou-o debaixo do braço. Os cabelos negros e entremeados por alguns fios brancos estavam amarrados para trás com uma fita. Os olhos ainda eram azuis como o céu de outono e contornados por cílios negros. As sobrancelhas, também negras, acentuavam a expressão de quem confiava em si mesmo.

O coração de Madeline aqueceu-se à vista de Adam Coates. Embora ciente de que, depois de tanto tempo, Adam não passaria de um estranho, ela teve a impressão de que jamais se afastara dele. O que, de certa forma, não deixava de ser uma verdade. Como nunca o esquecera, Adam fazia parte de sua vida. Adam fitou Madeline com bastante indiferença e voltou-se para a Sra. Ripley.

— Boa tarde, minha senhora. Estou aqui para encontrar-me com uma pessoa. Por favor, se pudesse informar-me...

Antes de ele ter a oportunidade de terminar, a Sra. Ripley abraçou a cintura de Madeline e empurrou-a para frente.

— Sim, Sr. Coates — a bondosa senhora confirmou com um sorriso cálido —, ela está aqui.

Adam fitou Madeline novamente, dessa vez com mais atenção. E analisou-lhe a fisionomia por um longo tempo. Madeline sentiu-se constrangida

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na frente de tantas pessoas. Pigarreou discretamente e preparou a voz para a frase protocolar: "Como vai, Sr. Coates?", mas nem sequer teve oportunidade de pronunciar a primeira sílaba.

— Não, não é ela quem estou esperando. — As sobrancelhas escuras juntaram-se e encimaram um olhar de preocupação. — O nome da pessoa que procuro é lady Thurston. Nós vamos nos casar.

CCAPÍTULOAPÍTULO II II

Madeline poderia jurar que empalideceu de repente. E a tortura continuou, inexorável e lenta. Ninguém disse uma só palavra. As suas costas, um farfalhar desconfortável de saias, algumas tossidelas desencontradas e a impressão de ter sido atingida por uma faca.

Ela não conseguia entender como é que ainda se mantinha em pé. Devia ser a força do hábito, embora o enrijecimento muscular a fizesse estremecer violentamente.

— Ela está aqui? — Adam perguntou após alguns minutos e ainda esperançoso.

De repente, Madeline sentiu o corpo todo entorpecido e desejou que o coração também ficasse insensível.

A Sra. Ripley agitava-se à procura de uma explicação e de uma resposta. Sabedora de que Madeline conhecera Adam quando ele cortejara Diana, sua irmã mais velha, a boa senhora na certa entendera que fora cometido um erro.

—Receio dizer-lhe, senhor, que a irmã de Madeline não veio em sua companhia.

Madeline agradeceu à Sra. Ripley a resposta diplomática e inteligente. Adam também ficou pálido e tornou a fitar Madeline, e ela teve certeza de ter sido reconhecida. Ele demonstrou o desapontamento na profundeza do olhar e pela leve curvatura da postura.

— Si... sinto mu... muito, eu... — Adam gaguejou. — A senhorita é a "irmã" de Diana? Qual é o seu nome?

Madeline endireitou os ombros diante da humilhação ofensiva e esforçou-se para responder com voz calma e digna.

— Madeline, Sr. Coates.Adam fitou-a por mais alguns segundos.— Ah, sim, acho que me lembro da senhorita. — Ele hesitou de novo.

Aquele foi o silêncio mais pungente que ela já experimentara. — O que foi que houve? Algum problema? Por que foi que a "senhorita" veio?

Aquilo não podia estar acontecendo... Oh, Deus muito amado!, ela teve certeza de que estava a ponto de vomitar.

— Eu... Disseram-me que o senhor mandou chamar-me.— Não. — Seguiu-se mais um intervalo interminável. — Bem, na

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verdade, tudo isso é muito constrangedor.— Constrangedor para quem? — Madeline falou, muito séria. — Para o

senhor? Ou para as pessoas que estão paradas atrás de mim?Felizmente os outros entenderam a sugestão e dispersaram-se aos

poucos. Inclusive a Sra. Ripley, que deu um tapinha amigável no braço de Madeline, antes de afastar-se. Ela ficou sozinha, frente a frente com Adam Coates, sem ter a menor idéia do que iria dizer ao homem que, havia minutos, Madeline imaginara que se tornaria seu marido.

— Quem lhe disse que eu pedi que viesse? — ele perguntou, sem rodeios.

— Meu pai. Ele disse que o senhor lhe escreveu uma carta.Adam apertou os lábios até transformá-los em uma linha fina.— Eu escrevi a ele, sim, e também mandei uma carta para Diana. Ele

não entregou a missiva para ela?— Não que fosse do meu conhecimento. Quando seu pedido chegou,

Diana estava em Londres. Eu nunca vi a carta e nem mesmo me despedi dela. Mal tive tempo de escrever-lhe para contar que iria viajar para cá.

Os músculos do queixo de Adam contraíram-se visivelmente diante da fúria que, a muito custo mantinha sob controle. Ele começou a andar de um lado para outro, na frente de Madeline.

— Eu fui muito claro quanto às minhas intenções de casar-me com Diana. Seu pai não tinha o direito de mandá-la no lugar dela. O que ele estava pensando?

Madeline teve de lutar arduamente para manter a dignidade, enquanto se consumia com raiva de seu pai. E também de Adam, por humilhá-la na frente de todos os presentes. Sem mencionar que o insensível nem mesmo se dava conta de que estraçalhara todos os seus sonhos. E que não se detinha para refletir que ela também poderia estar desapontada.

— Peço-lhe desculpas pelo mal-entendido, senhor. Meu pai tem a tendência de manipular as coisas a seu bel-prazer.

— Manipular? Seu pai enviou-me a noiva errada! Madeline rangeu os dentes, incapaz de esconder por mais tempo sua fúria.

— Sr. Coates, pode ter a mais absoluta certeza de que não foi o único a sofrer um transtorno terrível. Acabei de passar um mês e meio em um navio rangente e úmido, comendo farinha seca de aveia e bebendo água bolorenta! E o senhor diz na frente de tantas pessoas que não sou a mulher que mandou buscar. Eu não deveria aborrecer-me? Acredito que já recebi muitos insultos e sofri numerosas frustrações para um dia só.

Adam parou de andar e fitou-a, de verdade, como se fosse a primeira vez.

— A senhorita não achou estranho que eu pedisse a sua mão? Não lhe ocorreu discutir com seu pai sobre o assunto? Diana e eu tivemos uma história juntos, um passado em comum, quando a senhorita não passava de uma criança. Aliás, ainda é uma menina.

— Eu tenho vinte e dois anos, senhor. — Madeline não conseguia eliminar o ódio da voz.

— Sei. Vinte e dois... E quer tanto casar-se que pretendia ludibriar um homem por isso.

— Foi meu, pai quem o enganou, não eu!Adam não aceitou a declaração de inocência e continuou a andar de

uma lado para outro, na frente dela.— Quer soubesse da verdade ou não, a senhorita tomou parte nisso.

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Diana era uma escolha óbvia. Meu Deus do céu, como a senhorita podia pensar em uma coisa dessas? Casar-se com um desconhecido?

O que poderia dizer-lhe? Que vinha pensando com o coração romântico e tolo? Que sonhara em ser sua esposa desde que era uma criança? Que passara as últimas seis semanas fantasiando sobre a noite de núpcias em seus braços? Que imaginara que estava destinada a ser o amor da vida de Adam Coates? E que acreditara ha vontade dele em desposá-la, somente por que queria ter o fato como verdadeiro?

E que fantasia maravilhosa fora aquela! O homem de seus sonhos era cheio de alegria e adoração. Aquele homem amargo e agressivo não se parecia em nada com o jovem do qual se lembrava.

— Meu pai assegurou-me que o senhor pedira minha mão. Não tive motivos para duvidar da palavra dele.

Alguém nas proximidades começou a rachar lenha e a machadada inicial fez Madeline dar um pulo. Ela sentiu como se alguém a houvesse golpeado no coração. Adam suspirou profundamente.

— Não teve motivos? A senhorita não tem vontade própria?Ah, aquilo já era demais.— Para dizer-lhe a verdade, Sr. Coates, tenho, sim. E sabe qual é ela no

momento? Cutucar meu pai com uma agulha de trica bem pontuda e, se me permite dizer, o senhor também deveria dar-lhe umas aguilhoadas.

Adam estreitou os olhos. Ela não teve certeza se era de raiva ou de espanto. O homem com o machado bateu novamente e o som de madeira sendo rachada cortou o silêncio que se seguiu. Madeline não deixou de fitar Adam.

— Então, o que vamos fazer? — ele perguntou, com um tom de voz um pouco mais suave.

— Eu não sei, Sr. Coates. Como o senhor disse antes, a situação é bastante constrangedora.

— Bem, eu não posso simplesmente deixá-la aqui.Bom Deus, Adam Coates estava redondamente enganado se pensava

que iria fazê-la sentir-se como uma órfã indefesa que lhe fora entregue à revelia. Ela não lhe pedira para escrever aquela carta e haveria de encontrar um meio de sair daquela situação. Com ou sem a ajuda dele!

— Srta. Madeline, seu pai confiou-me sua segurança Adam acrescentou. — E também é sabido que essa escuna não vai voltar para a Inglaterra. Ela está indo para Boston e só Deus sabe quando chegará o próximo navio.

Adam deu um passo à frente.— Que confusão maldita — ele murmurou.Madeline inspirou fundo e contou até dez. Teve vontade de não só

cutucar Adam com agulhas pontiagudas, mas com qualquer instrumento cortante que tivesse à mão.

— Não perca seu tempo preocupando-se comigo, Sr. Coates. Tenho certeza de que o Sr. e a Sra. Ripley não se incomodarão se eu permanecer aqui com eles. Venho ensinando seus filhos a ler nessas últimas semanas.

Adam considerou o fato por um momento.— Eles possuem terras por aqui?— Ainda não, mas o Sr. Ripley pretende comprar alguma coisa assim

que...— Levará algum tempo até que ele se familiarize com a região. E no

mínimo algumas semanas antes de ele encontrar o que está procurando e que lhe agrade.

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Um mercador andrajoso passou por eles, com o cano do mosquete apoiado no ombro. Tirou o chapéu e sorriu para Madeline com admiração. Adam observou o homem cruzar o pátio.

— Bem, a senhorita não pode ficar aqui — ele afirmou com firmeza, virando-se de novo para ela.

— E por que não?— Porque é praticamente uma criança, está sozinha e seria inimaginável

para mim deixá-la desamparada no forte.— Eu não sou uma criança — ela tornou a lembrá-lo.Adam suspirou e sacudiu a cabeça diante do argumento. Mais uma vez,

Madeline sentiu-se um fardo, e dos mais insolentes, para variar. Quando se despedira do pai, pensara que finalmente iria escapar daquelas atitudes desprezíveis.

— A senhorita ficará em minha casa até decidirmos o que fazer. Será uma boa companhia para a minha nora. Ela está em fase adiantada de gravidez. Teve um problema e deverá guardar repouso até o final da gestação.

Os acontecimentos se atropelavam muito depressa. O engano trágico, a humilhação e o desmoronar dos sonhos de Madeline. Não se sentia disposta a ser empurrada de um lado para outro, antes de ter a oportunidade de raciocinar sobre o que "ela" desejava realmente fazer.

— Sr. Coates, eu não vou ficar na sua casa.— E por que não? — Adam perguntou, como se a afirmativa dela fosse

algo inconcebível.— Porque... porque eu não quero.Ah, será que não podia encontrar nada melhor para responder?,

Madeline recriminou-se. Parecia até ser a criança que ele supunha que fosse!— O que desejamos nem sempre é o melhor para nós — ele assegurou.

— E nem o que conseguimos.Madeline arrepiou-se com o tom paternal. Adam lembrou-lhe o pai

dando conselhos, passando sermões e chamando a atenção para as rebeldias constantes da filha. Sempre detestara ouvir tudo aquilo do pai e não iria escutar o mesmo tipo de discurso do homem que a rejeitara publicamente.

Naquele momento, Madeline refletiu que poderia haver um duplo sentido nas palavras de Adam. Talvez ele estivesse se referindo ao fato de Diana ter-lhe destruído o coração havia quinze anos, para casar-se com um baronete. Madeline passou a língua nos lábios ressecados.

— Conforme eu lhe disse antes, ficarei com os Ripley.— A senhorita não fará uma coisa dessas. Desde que chegou aqui,

passou a ser objeto de minha responsabilidade. Por misericórdia! A senhorita é irmã de Diana e eu não vou deixá-la largada com qualquer um.

Madeline sentiu a frustração invadi-la como uma onda que se erguia pronta para arrebentar. E, mais uma vez, veio-lhe à mente a primeira visita de Adam à casa dos Oxley em Yorkshire. Lembrou-se de como ele lhe desmanchara os cabelos e lhe mostrara um truque de mágica.

Oh, Senhor, mas com o que estaria ela sonhando? Na época, ele tinha quatro vezes a idade dela e, nessa altura dos acontecimentos, o dobro. Fora mesmo uma tola!

Madeline fechou os olhos, sem conter a amargura. Não poderia passar mais nenhum minuto ao lado de Adam Coates. Não queria continuar olhando para aquele rosto bonito e irritante. E, sobretudo, não suportava ter de atenuar a cada minuto aquela vergonha estúpida em sua mente.

— Onde estão seus pertences?

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— O que foi que o senhor perguntou? — Madeline, perdida em devaneios, assustou-se.

— Onde estão as suas arcas? Mandarei entregá-las em minha casa.Ela tentou recusar, mas ele já caminhava ao encontro de alguém para

levar a bagagem. Madeline seguiu-o correndo.— Eu preciso repetir? Não vou ficar com o senhor!— Não estou lhe perguntando nada e nem lhe ofereço alternativas a

escolher. Por tratar-se da irmã de Diana, pretendo tomar conta da senhorita.— Não preciso de ninguém para cuidar de mim!Adam parou e fulminou-a com o olhar. Madeline percebeu-lhe a

convicção inabalável na expressão e as linhas ao redor da boca. Aqueles vincos deixavam-no com a aparência de um homem constantemente carrancudo.

As pequenas rugas não existiam quinze anos antes. Ou, pelo menos, Madeline não se recordava delas e nem de tê-las visto em seus sonhos. Ela se empenhou ao máximo para não demonstrar nenhuma perturbação com o que acontecia e começou a pensar que talvez fosse uma pessoa de sorte por não ter sido obrigada a casar-se com uma pessoa tão dominadora e mal-humorada.

— Pelo visto, a senhorita continua tão teimosa como antes — Adam comentou com rispidez.

O comentário atingiu-a como um raio. Não podia imaginar que Adam se lembrasse de qualquer coisa sobre ela e muito menos que ela fosse obstinada.

Então veio-lhe à mente o sem-número de vezes em que ele e Diana saíam para passeios nas charnecas, para ficarem a sós. Diana implorava para Madeline voltar para casa. Ela, muito jovem para entender o porquê, discutia com Diana e, invariavelmente, seguia os dois.

Era a recordação que Adam guardara dela. A irmã caçula e impertinente de Diana. Madeline ficou parada, sem dizer nada, à espera de que ele desistisse. Mas não foi o que aconteceu. Adam apenas reafirmou suas intenções.

— Para ser sincero, eu desejo que venha a minha casa e seja minha hóspede. Como também já lhe disse, minha nora está confinada ao quarto e ficará desapontada se a senhorita não for. Além disso, minha filha e meu filho mais novo poderão aproveitar suas instruções em aritmética e leitura. A senhorita disse que tem experiência, não é mesmo?

— Sim, tenho — Madeline respondeu, sem tempo para refletir.— Então estamos combinados. Tudo dará certo.E Adam Coates saiu em busca de um cocheiro para entregar os baús.

Madeline ficou parada no meio do pátio, enfraquecida e exausta. Acontecera de novo. Fora manipulada mais uma vez.

Sentado na carruagem leve de quatro rodas ao lado de Madeline, Adam estalou as rédeas e começou a volta ao lar, passando por Cumberland Ridge. Fez um esforço para não pensar em tudo o que poderia ter acontecido naquele dia. Era óbvio que não conseguiria. Dentro dele fervilhava uma mistura de desapontamento e raiva. Naquelas poucas semanas, desde que recebera a carta dizendo que a "noiva" estava a caminho e que cruzaria o oceano para ficar com ele, Adam parecia ter-se apaixonado novamente por Diana. Passara muitas horas relembrando como ela o fizera sentir-se havia mais de quinze anos. A simples recordação do rosto adorável deixava-o com os joelhos enfraquecidos. Diana fora a primeira mulher que ele amara. Ambos haviam se amado com desespero. Pretendiam ficar juntos todos os minutos de cada dia do resto de suas vidas.

Oh, Deus, como a amara! Com toda a fúria e a paixão de sua juventude.

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Ninguém o conhecera como ela, e ele também pensara que a conhecia profundamente. Mesmo passado tanto tempo, Adam ainda acreditava em tal conjetura. Eles contavam tudo um para o outro, expressando cada sentimento ou vontade. Quando a segurava nos braços, almejava ficar com ela para sempre.

Infelizmente, o "para sempre" não durara muito. Não houvera aviso de que o fim estava próximo. Nada de discussões e nenhum deles deixou de amar o outro. Não chegaram a tomar as resoluções normais em casos do rompimento. Diana dissera-lhe apenas que teria de deixá-lo chorando copiosamente encostada em seu ombro, fazendo com que ele a amasse mais do que nunca.

Com o decorrer dos anos, Adam entendera por que Diana se decidira por aquele caminho. Não poderia ter sido diferente. Adam era o terceiro filho de um arrendatário. Próspero, sem a menor sombra de dúvida, mas sem condições de aproximar-se da pequena nobreza. E sem esperança de vir a tornar-se um proprietário de t erras. Diana casar-se com um baronete. Ela escolhera com inteligência. Qualquer jovem prudente teria feito o mesmo. - v

Nas últimas semanas, pensar que Diana o desejava de volta deixara-o ansioso è fizera-o sentir-se jovem novamente. Como se o afastamento entre eles não houvesse durado mais do que um segundo. Não conseguira parar de pensar em Diana desde que soubera do falecimento de seu marido e entendera que ela estava livre. E quando deixava a mente retornar aos momentos gloriosos que haviam compartilhado na juventude, era como se revivesse acontecimentos da véspera.

Sentia-se mais velho do que nunca, sentado ao lado da irmã mais nova de Diana, que não passava de uma criança da última vez em que a vira. Ainda por cima, um velho patético que vinha sonhando com Diana, da maneira mais tola possível. Diana, a mulher que sempre lhe escorregava por entre os dedos.

Era estranho. Pensara em Diana durante todos os dias daqueles últimos quinze anos, e um provável recomeço parecera-lhe sempre algum tipo de destino romântico. Na verdade, uma fantasia ridícula.

— Onde é a sua casa? — Madeline arrancou-o de dentro de seus sonhos. — Está muito longe?

Adam apontou à frente deles.— Além daquele cômoro, escondida pelas árvores.Madeline endireitou-se. Queria ver o mais longe possível. Procurava

desvendar o que a esperava. Adam sentiu que ela estava lutando contra a vontade de ficar em pé na charrete em movimento.

Ele advertiu a si mesmo para não pensar em Diana, pois não haveria vantagem em torturar-se. Procurou fitar a paisagem em todas as direções.

— Uma bela vista daqui, não acha?Madeline fitou-o com frieza. Adam sentiu-se avisado de que, se ela lhe

concedesse uma resposta, seria unicamente por tratar-se de uma jovem bem-educada. Não seria difícil supor que ela devia estar muito aborrecida com o que acontecera. Tinha sido uma cena lamentável diante dos companheiros de viagem. E, para ser honesto, lamentável para ambos, pois ele agira de forma grosseira.

Por Deus, por que se tornara tão rabugento daquele jeito?, Adam admoestou-se. Aquilo acontecera gradualmente ao longo dos anos. E ele nem ao menos se dera conta do fato, até estar frente a frente com alguém que pertencia ao passado. Alguém que conhecera o homem que ele era antes.

— É aquela fazenda lá embaixo?Pelo menos, Madeline fazia um esforço. Adam refletiu que teria de fazer

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o mesmo. Sentiu uma ponta de vergonha por sua atitude intempestiva.— Aqueles são pântanos de água salgada. Tudo ali é protegido por

diques.Madeline fitou em silêncio a paisagem que se descortinava como um

veludo verde e as florestas escuras que cobriam as regiões montanhosas. No céu azul, as nuvens brancas deslocavam-se rapidamente.

— Seus filhos devem ser de muita ajuda — ela comentou.— Eu não faria nada sem eles.Ele virou ligeiramente a cabeça e analisou o perfil feminino. As faces

eram delicadas e os lábios, carnudos. Os olhos expressavam fascinação juvenil diante do mundo desconhecido que a rodeava. Madeline ainda era uma criança e, apesar disso, cruzara o oceano na expectativa de tornar-se sua esposa.

Minha esposa!A irmã mais nova de Diana! E na certa pensara que iria enfrentar os

filhos dele como futura madrasta. Era de estarrecer. Madeline saberia que Jacob, seu enteado, era apenas quatro anos mais jovem do que ela? Só em pensar no assunto, um tremor de inquietação percorreu-o.

Será que ela ficara mesmo com o coração partido?, Adam perguntou-se, com certa descrença. Mas era obrigado a admitir que a rejeitara sob o ponto de vista romântico, ao dizer, com voz perfeitamente audível e diante de uma platéia atenta, que Madeline não era a pessoa que ele esperava para casar-se. Considerou a hipótese de comentar sobre o assunto. Poderia ser até uma desculpa. Refletiu um pouco e concluiu que isso serviria apenas para agravar as feridas de ambos. O melhor seria não dizer nada. Não valeria a pena insistir no tema. Ela que continuasse a encantar-se com o panorama.

Pelo menos não houvera um romance verdadeiro e profundamente arraigado entre eles. Era preciso também verificar o outro lado da moeda. O mais provável era que Madeline ficara aliviada de não ter de casar-se com um homem quase desconhecido e que possuía o dobro de sua idade.

Bem, o que fora feito não poderia ser desfeito. Não havia sentido em deter-se sobre circunstâncias desagradáveis por mais tempo. Tudo aquilo seria resolvido em breve, pois ele ainda não desistira de Diana.

Madeline recostou-se no assento e largou o corpo ao ritmo do balanço irregular do veículo. Fitou de maneira imparcial a paisagem batida pelo vento que deveria tornar-se seu futuro lar. Era no que sempre pensara, ansiosa por aventuras. A realidade a fazia sentir-se ainda pior. Tinha a impressão nítida de que seus sonhos haviam sido destroçados e remexidos diante de seus olhos, para nunca mais serem reconstruídos. E tudo o que lhe restava seria aceitar a situação.

Adam conduziu o veículo pela descida da encosta e penetrou na densa floresta de pinheiros, onde tudo era quieto, sombreado e ao abrigo do vento. Um caminhei estreito por onde a charrete passava apertada e que devia ser a estrada. Só se ouviam os sons dos cascos do cavalo batendo no solo e o ranger das rodas que passavam sobre ramos secos.

Um sentimento inquietante tomou conta de Madeline. O que seria dela? Um oceano a separava do ambiente familiar das charnecas, das várzeas e dos labirintos de pedra. Não conhecia ninguém na Nova Escócia, além de Adam e das pessoas do navio. Nem tinha parentes na região.

Na verdade, nem mesmo possuía uma família em Yorkshire na qual pudesse encontrar apoio. Mas lá, pelo menos, conhecia o território. Ali, naquelas terras estranhas, poderia perder-se no meio das florestas ou ser comida por um urso. Ah, que Deus a perdoasse!

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Ela apertou com força a bolsa cor-de-rosa e prateada entre as mãos. Em parte de medo e em parte de raiva.

— Está sentindo alguma coisa, Srta. Oxley? — Adam surpreendeu-a com a pergunta.

Madeline costumava considerar-se capacitada em esconder seus sentimentos. Dali para frente, teria de empenhar-se mais na matéria.

— Estou bem, Sr. Coates.— Pois não é o que está me parecendo. Madeline inspirou fundo, sem

saber bem o que responder.— Eu estava apenas pensando em meu futuro e para onde irei depois

de tudo isso.“E também em que nunca me senti mais sozinha em minha vida”.— Acredito que o melhor para a senhorita seria voltar para Yorkshire,

onde está seu pai.— Eu preferia não fazê-lo.Adam ficou em silêncio por alguns minutos.— Acha mesmo que isso seria uma decisão inteligente?Como explicar-lhe que deixara Yorkshire por ter sido defamada por uma

calúnia improcedente e vergonhosa, e que seu pai não movera um dedo para defendê-la? Depois daquele pequeno desastre, Madeline concluíra que o pai estava mais do que determinado a livrar-se dela. E bastante decidido a ficar com Diana a seu lado.

— Serei franco com a senhorita — Adam anunciou. — Aqui não há muito o que possa interessar a uma jovem solteira. Muito poucos colonizadores podem permitir-se contratar governantas que durmam no emprego. E são muitas as oportunidade de encontrar um trabalho que não seja tomar conta de uma casa. Os invernos são rigorosos e longos. Se não tomarmos cuidado, os ventos gelados que varrem os pântanos podem tirar um pedaço da nossa pele. E os mosquitos... Bem, posso garantir-lhe que acabarão por deixá-la louca. A ferroada deles parece penetrar como uma agulha quente. Depois o local fica inchado por vários dias e a coceira é de causar desespero em qualquer pessoa.

— O senhor está exagerando.Adam inclinou a cabeça na direção dela.— Espere para ver. Em um mês estará pulando no Tantramar lamacento

para escapar deles. Algumas vezes, eles são piores do que uma nuvem negra sobre a cabeça e...

— O senhor já fez suas considerações, mas eu não vou retornar para casa. Ainda não sei o que farei e nem tive tempo hábil para pensar nisso. Mas não se preocupe. Encontrarei algum meio de sustentar-me. Se não for aqui, talvez possa ser em Halifax.

— Não há estrada até Halifax. Somente trilhas usadas pelos indígenas e caminhos muito estreitos como este.

Madeline inspirou fundo, frustrada.— Então, o que o senhor quer que eu faça? Que volte para casa no

próximo navio? Ir ao encontro de um pai que deseja tanto ver-me pelas costas a ponto de enganar a nós dois para livrar-se de mim?

Adam tirou o chapéu e passou a mão nos cabelos negros amarrados na nuca.

— Eu não sabia disso.— O senhor disse que pediu a ele a mão de Diana. Meu pai sabe ler, Sr.

Coates.Os cavalos relincharam e balançaram as cabeças.

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— Bem, talvez ele possa ter pensado que agora seria a vez da senhorita. Diana já foi casada. Duvido que ele estivesse determinado a ver-se livre de uma filha.

Madeline decidiu não corrigi-lo quanto àquele pormenor. Ele não precisava saber da verdade. Pelo menos, Adam não estava mais insinuando que o esquema fora articulado também por ela.

— Ainda acho que seria melhor para a senhorita voltar para Yorkshire e ficar com seu pai — ele insistiu.

— Cumberland não é lugar para uma jovem solteira.— Vou pensar no caso — Madeline respondeu, para encerrar o assunto.Alguns minutos depois, ela observou um esquilo marrom oscilar um

galho de pinheiro e pular para um ramo mais alto.— Como o senhor ficou sabendo da viuvez de Diana? — ela perguntou,

curiosa para saber como aquela situação deplorável chegara até ele.— Às vezes as notícias acabam chegando até aqui. E durante todo esse

tempo, eu me mantive informado sobre ela.Fizera indagações. A bela Diana. Homens sempre faziam perguntas...

Madeline observou a fisionomia madura de Adam. Mesmo depois de tudo o que acontecera, seu coração continuava impregnado de sentimentos ingênuos. Por isso achava difícil de acreditar que estivesse sentada ao lado dele, só os dois no meio daquela floresta e as coxas de ambos tocando-se com freqüência. Um arrepio impetuoso e indesejável acompanhou uma ponta de esperança. Talvez um dia, Adam poderia esquecer Diana e olhar para a irmã rejeitada de maneira diferente.

Madeline sentiu a pele formigar sob a roupa e esforçou-se para afastar aquela sensação inquietante. Não queria recomeçar a alinhavar imagens fictícias de um homem muito diverso do que ela conhecera. Aquilo somente atrairia mais sofrimento, coisa, aliás, que precisava eliminar de sua vida.

— O senhor a amava muito? — Madeline esperava que seu tom de voz não revelasse quanto os fatos a machucavam. Mas não pôde ceder à necessidade de saber como ele se sentia.

Era uma urgência que precisava ser satisfeita depois de haver percorrido aquele trajeto, durante o qual a coxa de Adam não cessava de encostar na sua.

— Sim. Muito. — Ele estalou a língua para os cavalos.Madeline mordeu a língua para afastar a angústia e o ciúme,

completamente despropositados, que ela não queria admitir e muito menos sentir.

— Ainda tenho desejo de casar-me com ela — Adam continuou, indiferente às emoções alheias. — Talvez a senhorita possa ajudar-me.

Ajudá-lo? Madeline procurou manter a tranqüilidade. Ou melhor, mostrar-se indiferente.

— Como assim?— A senhorita poderia dar-me o endereço dela em Londres. Eu pedirei

ao meu advogado londrino que providencie um casamento por procuração. Dessa vez não quero correr o risco de cometer um erro.

Madeline sentiu-se muito cansada para negar ou até para pensar em alguma alternativa. Simplesmente anuiu. Sabia que Diana ficara muito solitária desde que o marido morrera. E assim que recebesse uma mensagem, escrita ou dita por um enviado, de Adam Coates, ela embarcaria o mais depressa possível rumo às águas barrentas da foz do Cumberland. No primeiro navio que zarpasse da Inglaterra e já como esposa de Adam. Não haveria sentido em alimentar

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esperanças secretas de que nada daquilo aconteceria!, Madeline recomendou a si mesma.

CCAPÍTULOAPÍTULO III III

A carruagem que levava Madeline e Adam continuou a sacolejar atrás do cavalo suado, atravessou a floresta e um declive suave, até alcançar uma área onde o vento fazia a pastagem ondular em uma dança sincronizada. Um rebanho de bovinos malhados pastava nas proximidades. Alguns animais ergueram a cabeça e Madeline achou que eles pareciam espantados ao vê-la.

Na certa não era a mulher que estavam esperando!, Madeline caçoou de si mesma com desânimo e virou-se para o outro lado. Que idéia mais ridícula.

À distância, sobre outra colina que se elevava acima do pântano, Madeline viu uma casa de tijolos vermelhos, enorme e majestosa. Perguntou-se se aquele era o lugar com que sonhara e admirou-se de ver como suas fantasias haviam chegado perto da realidade. E a julgar pela paisagem da região, seus sonhos tinham sido bem precisos.

Cruzaram um caminho ladeado por árvores que levava até a casa. Mal haviam alcançado a entrada, quando um rapazote saiu correndo pela porta que ele mesmo acabava de escancarar e veio cumprimentá-los. Pelo visto, Adam não era o único a aguardar a vinda de Diana.

— Meu filho mais novo — Adam explicou, com jeito de quem se desculpava.

O menino passou como um raio pelo pátio da frente. Madeline mexeu-se no assento, pouco à vontade. Apavorava-a a ideia de ter de explicar o erro e contar-lhe que a mulher com quem o pai esperava casar-se nem mesmo ficara sabendo da proposta. Adam deteve o cavalo na frente da casa. O garoto aproximou-se e tomou conta dos arreios.

— Olá, papai! — O menino fitou Madeline com timidez e esperou por uma apresentação.

Adam desceu da charrete e deu a volta para ajudar t Madeline.— Srta. Oxley, este é meu filho Charles.O rapazote perdeu o entusiasmo de imediato.— Srta. Oxley? Mas não era lady Thurston?— Ela não veio. Houve um mal-entendido e a irmã de lady Thurston veio

em seu lugar. — Irmã dela? — Charlie fitou Madeline com desconfiança. — A

senhorita vai casar-se com meu pai?Madeline agradeceu a Deus por Adam ter respondido por ela.— Não, Charles. Ela está apenas de visita. Mandarei outra carta para

lady Thurston e esclareceremos tudo. Enquanto o garoto levava o veículo e o cavalo até a cocheira, Adam escoltou Madeline para dentro da residência. O amplo vestíbulo central era decorado com papel de parede e tinha colunas de cerejeira. Uma mulher idosa usando óculos dourados veio da cozinha e alisou a saia com as mãos.

— O senhor voltou depressa, Sr. Coates.

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— Olá, Agnes. Esta é Madeline Oxley, "irmã" de Diana.A mulher fitou Madeline, sem esconder o espanto. Depois de alguns

segundos, pareceu absorver a realidade e anuiu sua compreensão. Madeline deu um sorriso forçado. Certamente ficaria muito mais feliz se não tivesse de enfrentar aquelas apresentações constrangedoras.

— Madeline, esta é a Sra. Agnes Dalton, minha governanta.— É um prazer conhecê-la.No mesmo instante, uma garota de cabelos pretos veio correndo da

cozinha.— Papai!Ela jogou-se nos braços de Adam. Ele a ergueu, abraçou-a e depois a

deixou de novo no chão.— Srta. Oxley, esta é minha filha Penélope. Penélope, esta é a srta.

Madeline Oxley.— A senhorita é a criada de lady Thurston? — a menina perguntou. —

Papai disse que ela viria com uma aia.Poderia haver no mundo situação mais humilhante?, Madeline se

indagou, arrasada.— Não, Penélope — Adam interrompeu-a depressa. — Ela é a "irmã" de

lady Thurston. Houve um mal-entendido sobre o meu pedido de casamento, mas tudo será esclarecido em breve.

Se o ouvisse pronunciar mais uma vez a palavra "irmã" naquele tom incisivo para explicar fosse lá o que fosse, Madeline afirmou para si mesma que voltaria para Yorkshire a nado!

— Então a senhorita será minha tia? — Penélope quis saber.A despeito dos contratempos, Madeline não pôde deixar de sorrir para a

menina.— Acredito que sim, Penélope.— A senhorita também vai morar com a gente?Madeline procurou imaginar-se vivendo naquela casa depois de Diana

chegar como esposa de Adam e madrasta daquelas crianças. Poderia continuar partilhando o mesmo teto? Como a tia solteirona?

Madeline fitou os traços marcantes do rosto bonito de Adam e a linha do queixo que denunciava um homem decidido. Sentiu a fragrância do sabão de barba. Não. Definitivamente, não!

— Estou apenas de passagem.— Mas vai ficar quanto tempo?— Um pouco só. Não pretendo atrapalhar ninguém.— Mas quanto?Graças ao bom Deus, a governanta interveio e interrompeu o

interrogatório.— Srta. Oxley deve estar extenuada por causa de uma viagem tão

longa. Espero que a travessia não tenha sido desgastante demais.Agnes Dalton foi a primeira pessoa que não fez Madeline sentir-se um

grande fracasso humano.— Não mais do que o esperado, senhora.— Permita que eu lhe mostre seu quarto, senhorita. Poderá refrescar-se

e descansar um pouco. Depois a levarei para conhecer Mary.— Minha nora — Adam explicou.Adam Coates fitou-a com um olhar melancólico que Madeline não

conseguiu decifrar. Seria um pedido de desculpas pelas atitudes grosseiras? Ou seria apenas desapontamento pelo fato de Diana não ter vindo? Adam anuiu

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com um gesto discreto de cabeça e Madeline compreendeu que ele repassava seus deveres para outrem. A obrigação do anfitrião terminava naquele momento.

Madeline seguiu a Sra. Dalton até a escada e espiou por sobre o ombro para o homem que deveria ter sido seu futuro marido.

Adam encaminhou-se para a porta e saiu, sem olhar para trás. O sol da tarde fez o trajeto costumeiro no céu e cintilou do lado de fora da janela do quarto. O brilho intenso ultrapassou a cortina de renda, atingiu os olhos de Madeline e acordou-a.

Espantada, ela fitou a luz salpicada sobre o acolchoado. Era uma claridade dourada e diferente de tudo o que já vira em Yorkshire. Madeline se fez uma indagação e não encontrou a resposta. Como o mesmo sol poderia ter aspectos tão diversos nas várias partes do mundo?

Sentou-se e bocejou. Admitiu que estava exausta por causa da viagem tão longa e, sobretudo, pelo desfecho horrível e humilhante. Ela não almoçara. Não conseguira engolir nada. Mas não pretendia assumir uma posição de amuo pelo que acontecera. Não era pessoa de chafurdar na autocomiseração. Só pretendera mergulhar em um sono reparador, acordar e encontrar-se pronta para um recomeço.

Olhou ao redor do quarto. Em um dos cantos, uma bela mesa com papel de carta, pena de ganso para escrever e um frasco de tinta. Na outra extremidade da superfície polida, um candelabro de prata com cinco velas novas para serem acesas ao entardecer. Na certa, aquele aposento fora preparado para Diana.

Madeline precisava encontrar energias que a tornassem capaz de se levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Pensou em Diana. Todos a amavam e elogiavam a cada instante, em comparação às deficiências d;i irmã mais nova.

Madeline jamais se preocupara de maneira demasiada com isso. Na verdade, nunca se permitira ficar aborrecida por essa diferença de tratamento entre as duas. Sempre procurara disciplinar suas emoções e mantê-las sob controle. Podia ignorar os insultos mais afrontosos e desprezíveis com apenas um aceno mental de sua inabalável força de vontade.

Por causa disso, na infância e na idade adulta também, apagara qualquer interesse ou vontade de competir pelo tipo de atenção que Diana recebia. Madeline nunca se decidira a participar do mesmo jogo e nem pretendera fazê-lo. Ficava muito mais feliz de fazer as coisas a sua maneira. Passava muito tempo sozinha cuidando do jardim e da horta. Diana preferia ocupar-se com atividades sociais e encantar qualquer um que cruzasse seu caminho.

Contudo, naquele dia, e pela primeira vez, Madeline sentiu as garras aguçadas da inveja perfurando-lhe a alma. Adam não só não se encantara com ela, como nem mesmo a olhara direito. Um fato era certo: Adam enxergara através dela, como se Madeline Oxley fosse transparente. Da mesma maneira como fizera quando fora a casa delas em Yorkshire, fazer a corte a Diana. Madeline levantou-se com o firme propósito de não passar mais nem um segundo sentindo pena de si mesma. Enfiou os pés calçados com meias nos sapatos pretos de fivela e preparou-se para a aventura de descer. Já no topo da escada larga, ouviu alguém chamá-la pelo nome. Madeline seguiu o som da voz e chegou a um dos quartos, onde uma mulher muito jovem e bonita estava deitada em uma cama macia e provida de dossel. Grávida. Não devia ter mais de dezoito anos.

— A senhorita deve ser Madeline — a outra deduziu com alegria, ao vê-

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Julianne MacLeanJulianne MacLean – Clássicos Históricos Especial 180 – Clássicos Históricos Especial 180 – Marcas do Destino – Marcas do Destino

la parada na soleira da porta aberta.— A Sra. Dalton disse-me que ainda estava dormindo. Entre, entre.Madeline hesitou um pouco, antes de entrar. Sou Mary, esposa de

Jacob. Ele está no campo, preparando a terra para a plantação da safra da primavera. A senhorita poderá conhecê-lo no jantar.

— Ficarei encantada com a oportunidade — Madeline respondeu e observou a outra de maneira discreta. Um livro aberto estava apoiado no abdômen protuberante. — Como tem passado?

— Estou bem. Tive algumas cólicas e o médico sugeriu repouso até o nascimento do bebê, que está previsto para o próximo mês. Por favor, sente-se.

Madeline acedeu e acomodou-se em uma poltrona estofada que se encontrava ao lado da cama.

Simpática e calorosa, Mary inclinou-se para a frente e tocou na mão de Madeline.

— A Sra. Dalton contou-me o que aconteceu. A senhorita acreditava ter vindo para casar-se com o Sr. Coates. Senti demais quando soube da notícia. Deve ter sido terrível para a senhorita. Está tudo bem agora?

Madeline estremeceu, sobretudo pela surpresa. Apesar de jovem, Mary Coates era bem inteligente.

— Oh, não se preocupe... Estou ótima. Tratou-se apenas de um equívoco.

— Equívocos, porém, muitas vezes podem trazer transtornos, não é verdade?

Madeline engoliu em seco, abafada pelo nó que se formara em sua garganta.

— Concordo, mas não houve motivo para maiores contrariedades. Na verdade, o Sr. Coates e eu éramos estranhos um para o outro. Não houve sentimentos feridos. Antes mesmo de viajar para cá, eu deveria ter desconfiado de que alguma coisa estava errada. Era previsível que o Sr. Coates pretendesse casar-se com Diana. No passado, ambos foram bastante unidos. O Sr. Coates não saía da nossa casa em Yorkshire.

Mary anuiu com gestos pausados de cabeça e recostou-se. Madeline suspeitou de que a jovem senhora compreendia exatamente o que se passava.

Em parte, seria agradável poder confiar em Mary, mas conteve a tempo a urgência. Se Adam viesse mesmo a casar-se com Diana, Madeline não gostaria que ninguém soubesse de seu amor por ele. Não queria que tivessem pena da pobre irmã solteirona de coração partido. Aquilo seria o pior dos destinos imagináveis. Seu orgulho jamais suportaria uma coisa dessas. Madeline levantou-se.

— Se me der licença, Sra. Coates, preciso descer. Vou ver se posso ser útil nos preparativos do jantar. Quer que lhe prepare alguma coisa?

— Não, obrigada. A Sra. Dalton normalmente traz a bandeja com o jantar.

Um tanto perturbada, Madeline cumprimentou-a e' saiu do quarto, prometendo voltar depois para uma visita mais demorada ou para um jogo de cartas. Desceu a escada com a mão apoiada no corrimão polido de carvalho que servia de arremate para os arabescos entre os balaústres. Foi até a cozinha de pedra nos fundos da casa e encontrou a Sra. Dalton abaixada diante de uma lareira enorme, espalhando gordura em cima de uma galinha de aspecto convidativo e crocante que assava no espeto. Madeline inspirou o cheiro de ave assada e sentiu a boca cheia de água.

A Sra. Dalton limpou as mãos no avental e endireitou-se. Nisso, deparou

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Julianne MacLeanJulianne MacLean – Clássicos Históricos Especial 180 – Clássicos Históricos Especial 180 – Marcas do Destino – Marcas do Destino

com Madeline, que estava parada, indecisa.— Olá, querida. Entre. Venha sentar-se. Madeline deu alguns passos à

frente no recinto.— Sra. Dalton, depois de seis semanas no mar, esta cozinha tem o

aroma do paraíso. Posso ajudá-la em alguma coisa?— Hoje, não. A senhorita acaba de chegar. Amanhã aceitarei seus

préstimos.Elas foram interrompidas por passos firmes no assoalho de tábuas

largas que procediam do hall e pararam na porta da cozinha. Madeline reconheceu, por instinto diga-se de passagem, o som das botas de Adam e virou-se, com uma sensação de frio no estômago.

— Srta. Oxley, eu poderia falar-lhe por alguns minutos? — Adam Coates pediu com voz ríspida e grave.

— Cla... claro — Madeline concordou.Adam conduziu-a até seu gabinete privativo. Era uma sala ampla, com

papel verde-escuro nas paredes e uma lareira rodeada por estantes embutidas. O tapete era grosso e macio. Adam parou no meio do escritório, encarou-a e juntou as mãos nas costas.

— Compreendo que a senhorita mal teve tempo de acomodar-se. Mas eu gostaria de mandar Jacob ao forte ainda hoje para levar a carta. Quero que a mesma seja despachada para Halifax com o próximo viajante.

— A carta?Distraída, Madeline fitou as feições morena de Adam. A linha de seu

queixo e o nariz reto. Ele tirara o casaco negro. Trajava uma camisa de linho branco com pregas saindo dos ombros largos e um colete de seda azul-ma-rinho que abraçava o contorno de seu torso.

Adam tornara-se mais encorpado. Era mais magro quando o conhecera. Agora parecia mais forte e musculoso. Madeline recordou-se dos sonhos românticos que a ajudaram a passar os dias intermináveis da viagem marítima. Adam acariciava-a e beijava-a na noite de núpcias. Olhava-a com amor e desejo inscritos naqueles incríveis olhos azuis. Ela o imaginara deitando-a na cama larga e cobrindo-a com o próprio corpo. Os sentimentos de amor que experimentara naquelas fantasias tinham se aparentado tão verdadeiros! E pareciam reais, mesmo depois do desastre da chegada.

— A carta para o meu advogado em Londres — Adam explicou. — Eu também escrevi para Diana. A senhorita disse que possui o endereço de onde ela tem se hospedado.

Arrancada bruscamente de suas quimeras douradas, Madeline sentiu uma dor no estômago, que lhe pareceu estar cheio de pedras que faziam pressão para sair.

— Si... sim, eu tenho. Está em um dos meus baús. Eu ainda não os abri. Não sei nem onde...

— Estão lá em cima, no quarto de Penélope. A senhorita estava repousando e, quando eles chegaram, não quis incomodá-la.

— Entendi.Perturbada por estar tão perto de Adam, Madeline teve de lembrar a si

mesma de que as imagens nítidas que tivera durante a longa travessia não passavam de bolhas de sabão. Ela e Adam eram dois estranhos um para o outro. Não havia nada que os pudesse unir. Nem o menor traço de intimidade e nem mesmo de simpatia.

Nada. ' Exceto um mal-entendido pavoroso que de mal-entendimento não tinha nem a sombra. Fora um plano cuidadosamente articulado por seu pai.

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— Eu trarei para o senhor sem demora — Madeline respondeu com a maior calma que lhe foi possível demonstrar e virou-se para sair.

— Madeline... — Adam chamou-a com uma certa ansiedade na voz e deu um passo à frente.

Ela parou, sem se voltar. Não queria vê-lo. Dali para frente, evitaria qualquer motivo de sofrimento.

Também não desejava que ele lhe visse o sorriso forçado. Ou que tivesse conhecimento de quanto ela estava desapontada e infeliz. Não queria que ele soubesse de coisa alguma. Nem que visse absolutamente nada.

— Obrigado — Adam agradeceu de modo simples, com um traço de remorso na voz.

Remorso? Exatamente sobre que parte dos fatos ocorridos naquele dia?, Madeline indagou a si mesma. Ela anuiu e, apressada, saiu do escritório de Adam com várias resoluções em mente.

Seria preciso... ignorar as esperanças e questões que se debatiam em seu cérebro. Não podia dar atenção ao fato de ter ficado arrepiada apenas em ouvir-lhe a voz e vê-lo em pé diante dela. Irresistível. Magnífico.

Seria preciso... parar imediatamente com as ilusões a respeito de Adam Coates. Ou ela iria sofrer muito mais. A vergonha e a humilhação não representariam nada diante de um coração despedaçado que ela teria de carregar para o resto da Vida.

Seria preciso... parar de pensar em Adam Coates como uma jovenzinha romântica. Seria preciso... afogar qualquer reação que remetesse a caprichos imaginários e que jamais poderiam tornar-se realidade.

Seria preciso... lembrar-se dez, cem vezes ao dia, se necessário fosse, de que Adam estava para tornar-se marido de sua irmã no mais breve intervalo de tempo que fosse permitido pelos meios de comunicação e pela velocidade das escunas. E, como conseqüência, tornar-se-ia seu cunhado.

Seria preciso... Se Madeline soubesse o que seria bom de fato para ela, teria de esganar suas esperanças e jamais deixá-las aflorar de novo.

Seria preciso...

CCAPÍTULOAPÍTULO IV IV

Sentada à longa mesa de carvalho na sala de jantar, Madeline fazia um esforço desmedido para não fitar Adam. Toda vez que arriscava uma espiadela, a vontade de contemplá-lo sem cessar era muito frustrante.

E o pior era sua incapacidade para explicar o fato. Não queria olhar e nem encarar Adam Coates. Usara de toda a sua força de vontade para afastar aqueles, desejos absurdos. Calculou que seria fácil ignorá-lo def pois do que ocorrera no forte. Adam a humilhara e a acusara de pretender enganá-lo. Deduziu que o homem duro e frio em que Adam se transformara seria o suficiente para afastá-la daquelas fantasias e que nada sentiria por ele.

1 Infelizmente, em vez de ficar insensível, sentia tudo. Em um momento experimentava uma raiva enorme de Adam. No minuto seguinte, após todas as

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recriminações feitas a si mesma para permanecer indiferente, era presa de novo em meio a sonhos inebriantes que o envolviam. Estar na presença dele naquela noite a deixava arfante. À cabeceira da mesa, Adam conservava o garbo natural e irresistível. As pregas impecáveis do lenço branco no pescoço eram um contraste maravilhoso com a tez morena. As mãos grandes e firmes que seguravam os talheres lembravam carícias. Como poderia alguém ficar indiferente ao poder masculino que emanava de Adam? Ou a tanta beleza que lembrava um Apoio?

Madeline teve a esperança ridícula de que ele se transformasse em um velho decrépito, careca e com dentes estragados. Dessa forma seria muito mais fácil seguir todas as determinações que estabelecera para si mesma.

Ela abaixou os olhos para o prato e deu uma tossidela. O som fez alguém dar um pulo. A família estava presente, exceto Mary. Madeline refletiu, pouco à vontade, se aquele silêncio era normal durante as refeições dos Coates.

— Por que todo mundo está tão quieto? — Penélope perguntou.Madeline limpou os lábios discretamente com o guardanapo de tecido

adamascado, curiosa para ouvir a resposta de Adam.— Estávamos com fome, Penélope — ele respondeu com voz calma e

profunda. — Só isso.— Mas nós sempre estamos com fome no jantar.— Talvez por contarmos com a presença de uma visita e procurarmos

mostrar-lhe o melhor de nosso comportamento.— Isso quer dizer que teremos de ficar quietos? — Penélope fitou

Madeline com seu olhar doce, sorriu e voltou a comer em silêncio.— Penélope... — A advertência chegava tarde.Os ruídos tomaram conta novamente do recinto. Os talheres batiam nos

pratos de porcelana, o relógio tiquetaqueava alto. Madeline compreendia que todos estavam cientes da confusão havida entre ela e Diana. Além disso, houvera bastante tempo para os Coates discutirem o assunto, murmurar e formular julgamentos sobre ela. A noiva trocada.

Enganada pelo pai. Repudiada pelo ex-futuro marido. Humilhada diante de todos. O que mais faltava acontecer? Estariam eles convencidos de que Madeline fora envolvida na manipulação? Ou acreditavam que ela fosse uma mentirosa e interesseira? Ou simpatizavam com ela, da mesma forma como Mary demonstrara, por suspeitar da verdade indecorosa?

Madeline limpou mais uma vez os lábios com o guardanapo e resolveu que já era tempo de manter uma conversa educada.

— Jacob, Mary me disse que o senhor esteve trabalhando no campo hoje. O que costuma plantar nesta época do ano?

O jovem dó outro lado da mesa, que usava colete azul-claro, deixou o garfo sobre a superfície coberta com a toalha, antes de responder.

— Terminei de plantar batatas no campo mais alto, Srta. Oxley. Depois fui até a fazenda do Sr. Cárter para ajudá-lo na sua plantação.

Madeline observou a falta de semelhança entre Adam e seu enteado. Jacob tinha feições claras e cabelos loiros, enquanto os outros filhos possuíam cabelos negros. Talvez a única analogia fossem os olhos azuis, assim mesmo sem a profundidade dos de Adam.

De repente, ela sentiu curiosidade a respeito da mãe de Jacob, a falecida esposa de Adam. Teria sido loira e bonita como Diana? E Madeline lembrou-se da própria aparência. Cabelos castanhos, da cor dos pêlos de um rato, sem graça, cacheados, e a pele cheia de sardas. Pela primeira vez em sua vida, desejou ter sido abençoada com beleza parecida à da irmã. O tipo de

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beleza que fazia os homens virarem a cabeça e ficarem sem fala quando a viam.— O senhor espera uma boa colheita? — Madeline perguntou a Jacob,

para afastar aqueles pensamentos frívolos e tolos.Ela nunca dera muita importância à aparência e sempre dera muito mais

valor à qualidade do caráter. Além do mais, não adiantaria sonhar com o que jamais poderia acontecer.

— Grande o suficiente para durar o inverno todo. Madeline sorriu-lhe e, com o canto dos olhos, notou Adam usar o guardanapo para limpar a boca e largá-lo sobre a mesa. Sinal de que terminara de comer.

— Nós cultivamos batatas suficientes para preencher as nossas necessidades. Não as comercializamos.

Madeline suspeitou de que Adam mostrava cortesia por causa das crianças, e não por ela. Decidiu não se intimidar mais com os silêncios prolongados do dono da casa. Ela o enfrentaria e perguntaria o que tivesse vontade de saber sobre a Nova Escócia. Sua agricultura, suas barragens, ou até mesmo o provocaria para ele admitir que fora grosseiro naquele dia. E diria tudo o que lhe agradasse dizer.

— E o que o senhor produz para vender? — Madeline perguntou. — Milho?

— Não. Com o milho acontece o mesmo que com as batatas. Só produzimos o que podemos consumir. As terras aqui são mais apropriadas para pastagem.

Adam pegou o copo e desviou o olhar. Era um aviso de que terminara não só a refeição, mas também a conversa. Ela não evitou a vontade de pressioná-lo.

— Criação de animais? E feno?— Ah, sim, Srta. Oxley. Feno.Para surpresa de Madeline, Adam voltou sua atenção para o jantar. Era

evidente que o Sr. Coates não tinha a menor intenção de conversar e nem mesmo de olhar para ela. Gostaria de poder encarar aquilo com indiferença. Mas a maneira como Adam olhava ao redor do recinto e o modo como cerrava as sobrancelhas escuras fez Madeline aborrecer-se e refletir no que se ocultava por trás daqueles gestos.

Adam Coates ressentia-se com a presença de Madeline Oxley naquela casa. Ele a considerava culpada pelo fato de Diana não se encontrar ali, ao lado dele à mesa, e não podia deixar de ficar enraivecido por isso. Adam somente se sentia obrigado a velar pelo bem-estar e pela segurança de Madeline, por ela ser irmã de Diana. Afinal, ele na certa não pretendia comprometer o futuro por causa de uma quase estranha. E como ela mesma, Adam devia estar considerando a hipótese de que Madeline Oxley acabaria por tornar-se tia das crianças. Por tudo isso, Adam esforçava-se para não entrar em maiores atritos do que os já criados.

Adam continuou em silêncio até o final da refeição, o que possibilitou a Madeline pensar no que deveria fazer. Não poderia morar em uma casa onde não era bem-vinda. Já vivera naquelas condições por muito tempo no lar de seu pai. E o que era mais delicado, não poderia ficar ali, de braços cruzados como uma espectadora quase invisível, enquanto Diana chegava e começava uma vida feliz ao lado de Adam e de seus filhos.

Ela decidiu, com firmeza ainda maior de propósitos, que iria procurar, o mais cedo possível, uma solução para o impasse. Quando Diana chegasse para reivindicar o prêmio, Madeline estaria longe havia muito tempo.

No dia seguinte, dentro do celeiro, Adam pôs um saco pesado de grãos sobre o ombro e levou-o para a carroça. Largou-o no estrado com raiva e

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recriminou-se mentalmente por ter sido tão rude com Madeline nas últimas vinte e quatro horas.

O que estaria acontecendo com ele? Em geral, era mais amável com as pessoas e, em particular, com as mulheres. Costumava encantá-las e fazê-las felizes. Sempre pressupunha que elas fossem honestas e sinceras, baseando-se em sua mãe, que descansava na paz do Senhor, que fora uma mulher bondosa e correta. Mas essa convicção era anterior ao rompimento com Diana e ao casamento com Jane.

Jane ensinara-lhe que nem todas as mulheres eram o que pareciam ser e que se tornava imprescindível tomar muito cuidado. No começo, não muito depois de Diana ter-se casado com sir Edward, Jane se mostrara uma fortaleza de compreensão, sabedoria e sensibilidade. Viúva recente e com um filho, Jacob, para cuidar, ela dividira seu leito com Adam. E fora assim que eles haviam encontrado conforto para aqueles dias difíceis.

Quando descobriram que ela estava grávida, Adam casara-se com ela. E foi somente depois da certidão ter sido assinada e de estarem vivendo como marido e mulher, que ela revelara sua verdadeira natureza.

Em conseqüência disso, Adam chegava ao ponto de imaginar o pior a respeito de uma jovem ingênua que confiara no pai e atravessara o oceano para casar-se com o suposto pretendente. O que um homem honrado deveria fazer, seria pedir-lhe perdão por aquela situação embaraçosa e assegurar-se de que Madeline teria todo o carinho e conforto merecidos.

Ainda por cima, ela era irmã de Diana e, se tudo transcorresse da maneira esperada, ele e Madeline tornar-se-iam cunhados. Era preciso garantir o amparo e a segurança de Madeline. E também não causaria danos a ninguém, se ele cultivasse alguma amizade por ela.

Bateu a palma das mãos uma na outra para tirar a poeira e ouviu um pigarrear as suas costas. Virou-se. Madeline estava na entrada. Usava um vestido bonito listrado de azul e branco e trazia uma echarpe branca de renda em volta do decote. A touca graciosa, também de renda, era amarrada com um belo laço azul.

E Adam, naquele exato momento, reparou nela com atenção pela primeira vez desde que ela chegara. Deu-se conta de que Madeline crescera e se transformara em uma jovem adorável. Era difícil acreditar que estivesse olhando para a menina sardenta da qual se lembrava.

Adam piscou algumas vezes e, sem saber por que, comparou as duas irmãs. Madeline não tinha o mesmo tipo de beleza estonteante de sua irmã mais velha. Isso era indiscutível e qualquer um que não fosse cego poderia atestar a veracidade do fato.

Madeline, contudo, apresentava-se como um enigma. Desafiador. Adam acabava de descobrir que os olhos castánho-escuros eram profundos e perspicazes e que a jovem recém-chegada merecia um estudo mais acurado. E a descoberta era quase uma contradição. Sob a aparência ingênua e suave da juventude, escondia-se uma força de vontade firme e inabalável que se revelava gradualmente. Além da teimosia que lhe fora possível comprovar de início. Adam leu exatamente aquelas nuanças do temperamento como se começasse a decifrar Madeline. Ele poderia jurar que acertara em suas deduções. Adam limpou as mãos na calça e aproximou-se.

— Precisa de alguma coisa, Madeline? — perguntou, solícito.Ela ergueu o queixo e preparou-se para falar, como se estivesse

preparada para uma descompostura por ter-lhe interrompido o trabalho. Teria ele sido tão grosseiro com ela? Com uma agulhada de arrependimento, Adam

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reconheceu a verdade do fato e prometeu a si mesmo que tentaria ser menos grosseiro.

— Eu gostaria de ir até o forte — Madeline anunciou.— Por quê? Esqueceu alguma coisa? — Droga, ele fora ríspido de novo!Madeline deu a impressão de fazer um esforço enorme para formular

uma resposta, para falar de maneira clara e concisa e não retrair-se diante do tom áspero.

— Não. Eu gostaria de falar com o Sr. e a Sra. Ripley. Ou, se alguém for até lá, poderia mandar uma mensagem para eles.

Adam encostou o ombro no batente da porta.— Ninguém pretende ir ao forte. Pelo menos, que eu esteja sabendo.— Então, nesse caso, eu mesma gostaria de pegar um cavalo.Madeline ergueu ainda mais o queixo, desafiando-o a negar, e Adam

ficou impressionado com a tenacidade da jovem. Entretanto não havia a menor possibilidade de permitir que ela cavalgasse sozinha naquele ermo.

— Não posso deixá-la fazer isso.— E por que não? Não vou me perder. Tenho certeza de que me lembro

perfeitamente do caminho.Adam afastou-se, levantou mais um saco de sementes e jogou-o por

cima do ombro.— Lembrar-se não é o suficiente. Alguns trechos são bastante escuros e

podem enganar uma pessoa que desconheça a região. Eu mesmo teria de levá-la até lá, mas, como pode ver, estou ocupado.

Adam jogou o fardo na traseira da carroça e Madeline assustou-se com o barulho forte.

— Então diga-me quando poderá fazê-lo.— Que tal depois de amanhã? — Adam abaixou-se para pegar outro

saco.Madeline nada disse e Adam teve a nítida impressão de que a resposta

não lhe agradara. Ele sentiu o olhar determinado e fixo em seus menores movimentos, enquanto levantava o volume e carregava-o até o lugar onde deixara os outros.

— Eu gostaria de ir antes — Madeline alegou. Adam deixou cair o fardo sobre a pilha, aproximou-se de Madeline de novo e tornou a encostar-se na entrada. Coçou, com o polegar, o queixo que estava com a barba por fazer.

— Por que essa pressa toda? — Preciso perguntar ao Sr. e à Sra. Ripley se podereis trabalhar com

eles, antes de que contratem outra pessoa.'Adam distraiu-se por alguns instantes com as mechas finas e cacheadas

que tocavam os ombros delicados de Madeline. Ele deduziu que o vento as fizera escapar dos grampos e da touca. Procurou não desviar o olhar, o que o levaria a avaliar o decote.

Adam sentiu-se desconfortável ao perceber que havia um decote e, sob o mesmo, um corpo que lhe despertava a curiosidade. E que não deveria ter notado nada daquilo na jovem que ele conhecera menina.

Fez um esforço para voltar à atenção de onde não a deveria ter desviado: o conjunto de circunstâncias que Adam tinha em mãos e o fato de Madeline querer trabalhar para os Ripley. O que deveria fazer?

Adam já enviara uma proposta de casamento para Diana que, se dessa vez o destino fosse generoso, deveria chegar antes da semeadura do outono. O que ela diria ao saber que o marido nem ao menos tentara impedir que a irmã caçula saísse de sua casa? A obrigação dele era mantê-la em segurança e bem

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cuidada.— Não há necessidade de sair daqui. — Adam empenhou-se ao máximo

para mostrar-se hospitaleiro e simpático. —A senhorita é mais do que bem-vinda paia ficar conosco por quanto tempo desejar.

— Obrigada, mas eu não quero.— Não?— Não.Oh, Senhor, ela era uma verdadeira muralha!— Srta. Oxley, lembre-se de que se encontra em uma terra estranha.

Peço-lhe desculpas por minha atitude intempestiva de ontem. E digo-lhe isso com sinceridade. Não vejo motivos para essa teimosia e...

— Eu não estou sendo teimosa. Apenas quero ter a oportunidade de trilhar meu próprio caminho.

Droga, ele a insultara.— Vamos começar de novo. Seus planos foram trans-t ornados e em

parte a culpa é minha pelo fato da senhorita estar aqui.Madeline piscou algumas vezes.— Em parte a culpa é sua? Ontem o senhor achava que eu era

responsável por não ter opinião própria.Adam admitiu que merecia a reprimenda e ergueu as mãos, fingindo

rendição.— A senhorita tem razão. Sinto muito.De repente, Adam sentiu-se sem jeito e atrapalhado por estar falando

com Madeline naqueles termos. Era uma situação inusitada. Aquela era a menina que os seguia como um cachorrinho abandonado, sempre que Diana e ele queriam ficar a sós. As coisas haviam mudado bastante. E ele certamente não estava lidando com nenhuma criaturinha perdida.

— Por que a senhorita não quer ficar? — Adam perguntou, com esperança de voltar o barco para águas mais tranqüilas. — Se pretende mesmo sustentar-se, eu poderia contratá-la como governanta.

— Não quero um emprego por caridade.— Não se trata disso. Penélope e Charlie precisam mais do que a Sra.

Dalton pode proporcionar-lhes. De fato, eu vinha considerando a hipótese de procurar uma pessoa adequada...

“Oh, céus, ele estava divagando. Perdera o jeito de verdade! Madeline sacudiu a cabeça em negativa”.

— Perdão, mas eu não posso aceitar.— Importa-se de dizer-me por quê?Depois de algum tempo, Madeline suspirou. A sensação de fracasso

aumentou por ela ser forçada a revelar mais do que gostaria.— Se Diana aceitar a sua proposta e vier a casar-se com o senhor, é

preferível eu ficar em outro lugar.Adam estranhou a expressão contraída e a maneira como ela torcia os

lábios carnudos. Não acreditou que Diana fosse o motivo por que Madeline não quisesse ficar.

— Houve algum problema entre as duas?— Não. Eu apenas não quero ser dependente dela. Adam pôs as mãos

na cintura.— Posso entender perfeitamente que a senhorita não queira ficar em

posição subserviente diante de sua irmã. Mas isso não ocorreria de maneira alguma. A senhorita faria parte da família, o que é muito lógico nesse caso.

O diálogo não prosseguiu e um silêncio opressivo seguiu-se. Ambos

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estavam parados na entrada do celeiro o encaravam-se como dois oponentes. Madeline achou dificuldade em encontrar uma refutação para o que parecia "muito lógico".

Por alguns instantes, Adam pensou que havia conseguido persuadi-la. Porém isso foi antes de Madeline endireitar os ombros e assumir uma expressão severa.

— Eu lhe agradeço muito pela oferta generosa, mas prefiro encontrar alguma coisa para fazer por minha conta. Eu gostaria de ir até o forte amanhã.

Adam teve de concordar. Percebeu que não adiantaria argumentar, pois Madeline não desistiria de seu intento. Observou-a dar-lhe as costas e voltar para a casa com passadas rápidas e seguras.

Mais uma vez ele viu a menina de Yorkshire, que nunca aceitara fazer o que lhe mandavam, agia conforme a sua vontade. De volta àqueles dias, lembrou-se de quanto o deixava frustrado aquela obstinação em não permitir que ele ficasse a sós com Diana. Exata-mente como acontecia naquele momento, quando ele queria manter Madeline em sua casa e em segurança, e ela se negava a lhe obedecer.

Com uma diferença fundamental: Adam experimentava uma sensação de simpatia por aquela jovem que havia muito deixara de ser uma menina. Madeline tornara-se uma mulher e ele não pôde deixar de admirá-la. Sobretudo por ela ter opinião própria e não ceder um milímetro, quando o assunto era fazer o que desejava e o que achava correto.

CCAPÍTULOAPÍTULO V V

Depois do jantar, Madeline sentou-se na sala de visitas ao lado da lareira e entreteve-se em consertar uma das toucas de Penélope, enquanto as crianças jogavam cartas. Há uma certa altura, apareceram na sua linha de visão um par de botas pretas, brilhantes, e duas pernas musculosas cobertas pelo tecido castanho da calça. Ela ergueu a cabeça. Adam fitava-a com fisionomia apreensiva.

— Posso? — Ele apontou uma cadeira em frente.— Claro. Fique à vontade.Adam sentou-se e cruzou uma das longas pernas sobre a outra. O fogo

estalou e crepitou. As crianças caíram na gargalhada por algum motivo que os adultos ignoravam.

— Quero desculpar-me novamente — Adam declarou, com voz suave — pela maneira como a tratei ontem no forte e também pela maneira como as coisas se desenrolaram.

Oh, como ela gostaria de poder evitar aquela conversa! Madeline deu um ponto com a agulha e a linha na touca de renda que se encontrava em seu colo. Não pretendia passar pela experiência de ouvir amabilidades de Adam Coates. Até aquele momento, conseguira sobreviver aos percalços. Primeiro fora acusada de enganá-lo. Depois tivera de aguentar os silêncios e as reticências

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geladas. Conseguira convencer-se da sorte que havia tido em não casar com Adam e estava contente por isso. Não queria retornar à angústia dos sentimentos anteriores.

— A culpa não foi sua.— Não, mas eu me sinto responsável. Se eu não tivesse mandado a

proposta, a senhorita não estaria agora entre estranhos.Madeline estava consciente de que precisaria tomar cuidado para não

romper o próprio envoltório de serenidade.— O senhor não é um estranho para mim. Não totalmente, na verdade.

Eu já o conhecia... embora tenha decorrido um grande período de afastamento.— É verdade — Adam concordou com o cenho franzido. — Faz muito

anos, não é mesmo? Quem poderia imaginar que eles passariam tão depressa?Madeline ergueu a agulha acima da cabeça, ajeitou a linha que se

enrolara e voltou a dar um ponto no tecido.— Tem razão. Parece que foi ontem que o senhor apareceu à nossa

porta pela primeira vez. O velho senhor vestia uma capa longa e negra.O brilho das chamas refletiu-se no rosto de Adam, enquanto ele a

contemplava com olhar pensativo. Madeline sentiu a pulsação acelerar-se e rezou para não enrubescer.

— Refresque minha memória — ele pediu com interesse. — Nós conversávamos bastante um com o outro?

Madeline deu algumas tossidelas. Seria para ganhar tempo?— Não muito. Eu era uma menina e o senhor não tinha nada para falar

comigo.— Mas, pelo que eu me lembro, tinha idade suficiente para gostar de um

truque de mágica.Um entusiasmo sorrateiro começou a tomar conta de Madeline. Não

poderia supor que Adam se lembrasse de alguma coisa além da presença importuna da irmã mais nova de Diana. A garota birrenta que se intrometia nos momentos particulares do casal e que se recusava a ir embora quando lhe pediam.

— O senhor costumava fazer desaparecer uma moeda. E depois a recuperava, tirando-a de trás do pote de manteiga.

Adam sorriu.— Eu faço a mesma mágica para Penélope. Só que, em vez do pote de

manteiga, recupero a moeda do nariz dela.Madeline deu risada e a pulsação acelerada cedeu um pouco.— A senhorita tinha a idade de Penélope na época.— Isso mesmo!— Olhar para a senhorita agora faz com que eu me lembre daquele

tempo. — Adam fitou-a por um momento demorado. — Ontem à noite, a senhorita mostrou curiosidade sobre o que ocorre na fazenda. Ou estava apenas procurando um pretexto para conversar?

— Alguém tinha de fazê-lo — Madeline afirmou, com um leve humor, o que o fez sorrir. — Mas não posso negar que estivesse curiosa.

— Se quiser, amanhã, quando formos ao forte, poderei mostrar-lhe a região. E o mínimo que posso fazer, depois do que aconteceu.

Madeline sentiu que seu humor melhorava gradualmente.— Eu gostaria muito. Vamos visitar algumas barragens? Tenho

interesse de ver como funcionam.Adam anuiu e pareceu satisfeito com o entusiasmo de Madeline.— A senhorita gosta de cavalgar?

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— Mais do que qualquer outra coisa.— Então, eu a levarei até o pântano pela manhã. Madeline aceitou, animada, e a conversa voltou para Yorkshire.

Madeline deu-lhe notícias sobre pessoas que ele conhecera e Adam perguntou sobre o conde que fora seu patrão. Ele também quis saber como os arrendatários estavam enfrentando o aumento dos aluguéis.

O momento de se recolherem chegou uma hora mais tarde. As crianças subiram e Adam ficou mais um pouco, para apagar as velas. Madeline subiu a escada, revigorada pela primeira conversa amistosa com Adam e ansiosa pela perspectiva do passeio matinal já programado. Sentiu um arrepio e uma doce perturbação. Não diferente daquela que experimentara a bordo do navio, quando eles se aproximavam da costa.

Ela parou no patamar que dividia a escada pela metade e apertou o corrimão com força. Aquela sensação nervosa e incontrolável não era um bom sinal. Talvez devesse não ter aceito o convite de Adam. Teria sido melhor fingir desinteresse e pedir que ele a levasse direto ao forte.

Mas aquilo teria sido uma grande mentira. Ela queria tanto dar o passeio que esquecera momentaneamente a resolução firme de proteger seu coração vulnerável. Só lhe restava esperar que o coitado não fosse atingido.

Na manhã seguinte, antes de descer para o desjejum, Madeline passou pela porta aberta do quarto de Mary. A jovem estava deitada na cama e seus cachos loiros espalhavam-se sobre o travesseiro. Ela fitava com solenidade a vidraça brilhante da janela, como se disso dependesse sua vida. Virou a cabeça de imediato ao ouvir os passos de Madeline na entrada.

— Madeline. Estou tão contente que esteja aqui. Entre, por favor. — Ela tentou sentar-se.

— Eu não a perturbarei em seu descanso? Tive a impressão de ver melancolia em sua expressão.

— Eu? Nada disso? Estava pensando em Jacob e no nosso bebê. Espero que tudo corra bem.

Madeline sentou-se ao lado da cama e segurou a mão de Mary.— Tenho certeza de que tudo dará certo.— Espero que o médico pense da mesma forma. Ele ordenou-me que

permanecesse na cama até o bebê nascer. Algumas vezes... meu Deus... eu penso que vou ficar louca. Ele permitiu-me dar uma volta no quarto somente duas vezes ao dia, para exercitar as pernas. E isso é tudo o que posso fazer. Acho que só essa criança consegue impedir que eu saia correndo por essa porta para encontrar-me com Jacob e sentir o calor de seus braços. Ele me faz muita falta, Madeline. Às vezes chego a imaginar que eu seria capaz de explodir em mil pedaços de tanta aflição. Mas fico aqui, sozinha neste quarto, olhando para estas mesmas quatro paredes dia após dia, sem fazer nada a não ser ficar preocupada com o bebê. Ah, eu queria tanto que ele já tivesse chegado!

Madeline sentiu pena de Mary. Na verdade, Mary era muito jovem e inexperiente. E tantas coisas podiam dar errado em um parto. Ela apertou a mão de Mary, procurando confortá-la.

— Tenho certeza de uma coisa. Quando segurar seu filho nos braços pela primeira vez, tudo mais será esquecido.

— A senhorita deve estar certa. — O olhar de Mary iluminou-se um pouco, mas Madeline sabia que a jovem estava ansiosa.

— Bem, está gostando da Nova Escócia? — Mary perguntou, mudando subitamente de assunto. — Ou está ansiosa para voltar para casa?

— Não, não tenho vontade de voltar. Nada me espera lá. Sou mais um

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fardo do que outra coisa. Eu gostaria muito mais de recomeçar minha vida por aqui.

— O que pretende fazer?— Trabalhar como governanta.— Para o Sr. Coates?A questão cravou-se como uma bala de mosquete no coração de

Madeline.— Não, não é para o Sr. Coates. Conheci uma família no navio e acho

que gostarão de saber que poderei trabalhar para eles. Possuem quatro filhos pequenos e nós vamos visitá-los hoje.

— Por que não empregar-se com o Sr. Coates? Madeline tropeçou em uma porção de respostas possíveis, mas nenhuma delas lhe agradou.

Felizmente, Mary continuou falando.— Acho que ele vai precisar logo de um auxílio extra. Eu costumava

ajudá-lo com as crianças, mas depois do nascimento de meu filho, Jacob e eu nos mudaremos para a nossa casa. Isso, mesmo antes do verão terminar. Jacob até já plantou nossos campos.

— E a Sra. Dalton?— Agnes gosta bastante de crianças, mas ela faz muitas outras coisas.

Não tem tempo para ministrar-lhes lições. E para o Sr. Coates, é muito importante que seus filhos sejam não só alfabetizados, como também aprendam aritmética e outras coisas.

Madeline não sabia o que dizer. Supôs que nada haveria a ser dito. Ela já tomara a sua resolução.

— Odeio pensar que estará indo embora tão cedo — Mary continuou. — Mal acabou de chegar, e eu gostaria de tê-la conosco.

— Obrigada, mas foi minha irmã que o Sr. Coates pensou em trazer. Se ela vier, então eu...

— Não gostaria de morar aqui com sua irmã? As duas não são muito apegadas?

De novo a mesma pergunta. Madeline não sabia como respondê-la. Como explicar que o problema se referia muito mais a Adam do que a Diana e que seus sentimentos eram tão complexos que nem mesmo ela os entendia?

Em um momento, Adam mostrava-se frio e insensível. No momento seguinte, ele se desculpava e falava sobre moedinhas no nariz. O que a deixava atordoada e nervosa, mesmo sabendo que não deveria sentir nada além de uma estima fraterna.

Adam pertencia a Diana e não havia propósito em alimentar esperanças de ficar com ele. Ainda mais com a certeza de que Diana viria à Nova Escócia assim que recebesse a carta de Adam.

Além disso, no instante em que Madeline expressasse seus sentimentos mais profundos, a família inteira tomaria conhecimento deles antes mesmo de ela ter tempo de arrepender-se da franqueza. O que a humilharia de maneira terrível.

— Minha partida nada tem a ver com Diana. É que sou uma pessoa muito independente.

Mary sorriu.— Foi essa a impressão que tive a seu respeito. Teve muita coragem

para vir sozinha da Inglaterra e, ao chegar aqui, enfrentar todos os sonhos destruídos.

Mary sacudiu a cabeça. — Na minha opinião, o Sr. Coates deve-lhe, pelo menos, um lugar confortável para ficar por quanto tempo a senhorita precisar ou

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quiser. Nada do que aconteceu foi por culpa sua. E não há a menor urgência em arranjar um emprego. Aja com tranqüilidade até resolver qual a atitude e a colocação mais convenientes.

— Eu o farei — Madeline respondeu. — Mas a culpa também não foi do Sr. Coates — ela acrescentou e arrependeu-se da rapidez com que saíra na defesa de Adam.

Mary fitou-a com olhar inteligente por um momento aflitivo que pareceu não ter fim, antes de anuir e pegar as cartas que se encontravam sobre a mesinha-de-cabeceira.

Adam e Madeline conduziram os cavalos em um trote ritmado em meio à névoa matutina. O ruído das batidas dos cascos misturava-se de modo agradável ao chilrear dos pardais que se acomodavam por breves espaços de tempo nos bordos frondosos. A geada cobria o solo e brilhava ao sol como um manto de minúsculos diamantes. Madeline ficou admirada com a bruma baixa que cobria a região.

— Essa geada no final da primavera não é incomum?— Não em Cumberland.— E quanto à colheita? Como consegue plantar e deixar tudo

preparado, sendo que é preciso esperar tanto tempo para a terra descongelar?— Nós aramos e deixamos a terra pronta no outono. Mas não se

preocupe, esse frio não dura muito tempo. Mais uma semana e terá de levar o leque para qualquer lugar que for.

— Não estou preocupada — Madeline respondeu, sem poder evitar o sorriso. — A ainda não vi nenhum daqueles mosquitos a que o senhor se referia com tom assustador no outro dia.

O tom caçoísta de Madeline o fez sorrir também.— Ah, sim, os mosquitos. E são tão grandes como as marmotas.— Marmotas! — Madeline riu com gosto. — Por quem me toma, Adam

Coates? Posso ser uma jovem provinciana de Yorkshire, mas tenho uma cabeça entre as minhas orelhas.

— Eu já deveria ter aprendido isso — Adam reconheceu.Eles galoparam para cima de um cômoro. Adam mostrou a Madeline

onde a cevada e o trigo seriam plantados. Apontou os campos para a aveia e para o linho ao longo das terras altas e aradas.

Quando chegaram ao cume, Adam deteve o cavalo. Madeline parou ao lado dele e finalmente pôde ver abaixo o grande pântano que se estendia por milhares de hectares, como se fosse um imenso mar herboso e verde.

— Tudo isso foi possível graças aos diques?Adam anuiu com gestos pausados de cabeça. Madeline fitou extasiada a

magnífica paisagem que se descortinava e sentiu-se observada por ele.— Quanto disso é seu? — ela perguntou, sem se virar.— Apenas uma fração. O resto fica no interior. Os fazendeiros locais

trabalham juntos para proteger a região e evitar que seja invadida pelas marés.— Todos empreendem esforços semelhantes?— Infelizmente, não. Há alguns proprietários bastante descuidados.

Tenho feito pressão sobre o condado para que seja nomeado um comitê oficial que permita, pelo menos, assegurar-nos de que o pântano será mantido como um todo.

— Claro. A preservação de terras férteis é muito importante.— Preservar, com certeza. E se formos empreendedores, poderemos

aproveitar muito bem o presente da natureza.Adam cutucou o cavalo com os calcanhares e liderou a marcha ao longo

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da elevação até encontrar um caminho para descer a colina. Logo alcançaram a parte inferior e seguiram uma trilha que cruzava as terras baixas.

— Agora estamos abaixo do nível do mar.— Verdade? E eu posso ver alguns diques? — Madeline não pôde

disfarçar a alegria.— Sem dúvida. E a levarei até o rio.Eles trotaram pelo charco friorento. Os cavalos deixavam escapar

nuvens de vapor pelas ventas. Madeline inalou o cheiro de terra úmida e deliciou-se com a gloriosa frescura.

Ela ergueu-se na sela e observou as valas de drenagem cavadas na campina como se fossem cortes profundos feitos por uma faca gigantesca. Admirou-se do trabalho que certamente fora penoso e demorado. Tudo ali tinha sido escavado com as mãos. E grande parte, pelas mãos de Adam.

Madeline tentou não conceber a cena. Não lhe faria nenhum bem imaginar Adam de mangas arregaçadas e músculos estirados por causa da força física necessária para enfiar a pá na terra. Só em pensar nisso, ela sentiu o corpo formigar nos lugares mais estranhos.

Eles chegaram até um dique. Uma colina estreita e comprida que se estendia ao longo das margens, do rio sinuoso. E continuava até onde a vista não podia mais alcançar.

— Tudo isso foi feito manualmente?— Sim, pelos acadianos.Adam desmontou e ajudou Madeline a descer. Ele a segurou pela mão e

amparou-a na subida escarpada da barragem herbosa. Do alto, ela espiou o vale do rio.

— A maré está baixa — Adam comentou. — Quando ela vem da baía e o nível da água chega quase onde estamos, o dique evita que extravase sobre as terras pantanosas.

— E já houve transbordamentos?— Várias vezes no decorrer dos anos, por diferentes motivos. Na

maioria delas, por negligência.— O que acontece com as terras inundadas?— Elas não produzem por no mínimo dois anos. A água salgada precisa

ser drenada. A chuva e a neve se encarregam de retirar o sal que ficou no solo. Bem, acho que já falei demais. Tenho certeza de que a senhorita não se interessa pela parte científica do assunto.

— Ao contrário. Acho isso tudo fascinante, Adam. — Madeline percebeu, tarde demais, haver empregado o prenome dele, como fizera tantas vezes em seus sonhos.

Adam virou a cabeça, mas ela se recusou a olhar para ele. E nem poderia ser de outra forma. Madeline ,teve medo de que ele descobrisse a admiração de seu olhar e desconfiasse de quanto o desejara no dia em que saíra do navio.

— Parece muito arriscado para a lavoura — ela continuou, procurando manter um tom casual e fingindo nem ter percebido que o chamara pelo nome.

— Pode ser. — Adam finalmente voltou sua atenção para o rio.Madeline engoliu em seco e teve a impressão de que seu coração batia

na garganta.— Mas um bom empreendimento diminui o risco — Adam afirmou. — Os

diques valeram bem o esforço. Nós não temos de limpar florestas e virtualmente não há pedras. Também não precisamos fertilizar o solo pantanoso. Ele já é fecundo o suficiente. Podemos até usar a terra do charco para adubar as terras

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altas.— Um cenário perfeito.— Nada é perfeito, Madeline. Madeline. Ela arrepiou-se ao ouvi-lo proferir seu nome de batismo.

Pronunciado com aquela voz profunda e ressonante, Madeline pareceu ter saído dos lábios de Adam com uma sensualidade perturbadora.

— Não tenho muita certeza disso. — ela afirmou, fitando-o nos olhos.Adam sustentou o olhar e Madeline imaginou o que ele estaria

pensando, o que pensava dela e do que desconfiava. Será que Adam procurava entender-lhe o pensamento? Ou poderia estar, deduzindo qual o tipo de vida moldara seu temperamento e a transformara no que era? Ou olharia para ela desejando ver Diana a sua frente?

Adam virou-se novamente para o rio.— Talvez devêssemos ir embora.— É verdade.E o mais rápido possível, antes de que eu comece a sentir muito mais

do que deveria estar sentindo.Apesar disso, Madeline não queria abandonar aquele lugar. Queria ficar

com Adam ali, a sós, com o sol no rosto, a brisa desmanchando os cabelos dele e o som de suas saias balançando ao vento.

Então pensou na irmã e compreendeu que, mesmo se Adam quisesse ficar com ela, o que era improvável, também seria errado. Adam tentou conduzi-la pela ladeira escarpada, mas ela largou-lhe a mão e começou a correr.

— Está tudo bem? — Adam riu. — A senhorita praticamente saiu voando!

Madeline começou a gargalhar.— Estou ótima!Eles chegaram até os cavalos e Adam ajudou-a a montar. Madeline

ajeitou-se na sela de couro rangente e segurou as rédeas. Sem fazer alarde, Adam pegou uma ponta da saia rodada e cobriu-lhe a perna. Madeline não notara que a mesma estava exposta até o joelho.

Não era possível. Madeline estremeceu e encolheu o abdômen quando a mão de Adam roçou-lhe a anágua.

Sem perceber as reações impróprias que provocara, Adam montou em seu garanhão. Madeline ficou desapontada. Ele não enrubescera, não dera nenhuma tossidela ou qualquer outro sinal que expressasse um mínimo de perturbação. No mesmo instante, ela se recriminou por ser tão insana.

Por que imaginar que Adam deveria ficar abalado ao ver-lhe a perna? Absurdo! Os homens nunca haviam tropeçado ou gaguejado por causa dela da mesma forma que faziam por Diana. Sempre olhavam para Madeline como se ela não existisse. Ela não inspirava admiração e o fato acabava de ser demonstrado mais uma vez. Adam nem mesmo notara sua perna. Ele dobrara a saia como se estivesse mexendo com uma toalha de mesa desbotada.

Madeline refletiu como seria parecer-se com Diana. Ser sempre bela e saber que poderia cativar os homens em qualquer lugar que estivesse. Diana devia sentir-se poderosa quando os via caídos a seus pés.

Os cavalos começaram a marchar em direção ao forte e Madeline entregou-se a um silêncio desconsolado.

— Gostaria de dar uma corrida? — Adam rompeu o mutismo em que estavam envolvidos.

— Não. Não estou nem um pouco com vontade. Apesar de ter dito isso, ela incitou o cavalo com os calcanhares e disparou pelo pântano. Precisava

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afastar-se de Adam e manter uma boa distância dele. Assim evitaria mais recordações da própria invisibilidade.

Adam galopou atrás de Madeline, mas não com intenção de vencê-la. Ficou para trás de maneira proposital, a fim de recuperar-se do choque. Tivera uma resposta intensa e inesperada diante da visão sensacional da perna esbelta de Madeline.

O desejo o invadira e faiscara dentro dele, quente e vermelho como o atiçador do ferreiro esquecido no fogo por muito tempo. De imediato, Adam atribuiu o fato à sua frustração por Diana não ter vindo no Liberty. Naquelas últimas semanas, estivera tão ansioso para revê-la que essa ânsia fermentara e se transformara em uma necessidade abrasadora e dolorosa. Madeline era uma parte daqueles longos dias do passado. Sem dúvida, a presença dela trouxera lembranças do antigo lar e provocara um rebuliço em sensações que Adam imaginava adormecidas para sempre.

Não podia negar que se sentira atraído pela perna bem torneada de Madeline e pela maciez aparente da cútis alabastrina, apesar do pouco que aparecia por cima do decote. Mas isso se devia ao fato de ela ser uma mulher e, desde que viera para aquela parte remota do mundo, Adam não vira muitas mulheres diferentes. Provavelmente reagiria da mesma forma diante de qualquer feição feminina que surgisse a,sua frente.

Adam procurou visualizar o rosto amado de Diana e refletiu se a perna dela seria parecida com a da irmã mais nova. Poderia jurar que havia visto uma musculatura firme na panturrilha de Madeline e suspeitou de que ela não ficava muito tempo sentada. Parecia gostar da vida ao ar livre, de cavalgar e de caminhar.

Observou-a galopar na dianteira. Na verdade, Madeline Oxley era uma amazona perfeita. Fez algumas conjeturas e imaginou onde ele e Diana se encontrariam naquele momento se ela houvesse vindo como ele havia previsto. Estariam cavalgando nas terras pantanosas? Diana teria a mesma curiosidade de Madeline a respeito dos diques?

Preferiu pensar que estariam casados e na cama. Adam já esperara demais por Diana. E pela intensidade do fogo que o atingia, concluiu que ansiava por Diana mais do que nunca.

CCAPÍTULOAPÍTULO VI VI

Enquanto subiam a ladeira até o Forte Cumberland, Madeline admirava a exuberância do verde por todos os lados. Adam e ela desmontaram do lado de fora da entrada principal e conduziram os cavalos pelo pátio.

— Srta. Oxley!Madeline voltou-se e reconheceu a pessoa que chamava. Era John

Metcalf, um jovem de Yorkshire que viajara com ela no navio. O rapaz aproximou-se, demonstrando alegria, com um machado na mão. Ele viera sozinho para a Nova Escócia com intenção de tornar-se arrendatário, até ganhar o suficiente para comprar suas próprias terras. Também tinha projetos de

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mandar buscar seus irmãos. E parecia já estar trabalhando duro, cortando lenha e suando sob o sol matinal.

Madeline sorriu e caminhou ao encontro dele. Adam esperou-a perto da caserna.

— Olá, John. Que prazer em encontrá-lo. Já conseguiu trabalho, não é mesmo?

— Já, Srta. Oxley. Contudo ainda não encontrei um lugar que eu possa chamar de meu.

Madeline lembrou-se do otimismo de John a bordo do Liberty, das esperanças que depositava no solo fértil de Cumberland, de suas ambições e de como planejava adquirir terras suficientes e tornar-se alguém na vida.

— Tenho certeza, John, de que logo encontrará o que está procurando. Já esteve no pântano?

— Sim, e são terras tão boas como eu imaginava que fossem. — Ele espiou por cima do ombro de Madeline.

Curiosa para ver o que chamara sua atenção, Madeline virou-se. Era Adam, em pé ao lado do quartel, observando a conversa deles. Ao ver que ela o fitava, desviou o olhar.

— A senhorita não se casou com ele? — John perguntou, em voz baixa.— Não.— Ficou muito desapontada?Madeline pigarreou. Não queria falar sobre isso, nem com John Metcalf

nem com ninguém.— Eu mal o conhecia.— Ele é mais velho do que eu pensava. — John refletiu por alguns

instantes e fitou-a novamente. — A senhorita pretende voltar para Yorkshire?— Não. Ainda não decidi o que fazer, mas tenho vontade de ficar aqui.

Pelo menos, por enquanto.Madeline não pôde negar que, após passar algumas horas com Adam,

seus conhecimentos, sua inteligência e sua prática de vida, John lhe parecia jovem demais.

— O que a senhorita veio fazer no forte?— Vim falar com os Ripley.— Ah...Seria mesmo uma ponta de decepção o que percebera no tom de voz de

John Metcalf?, Madeline admirou-se e depois creditou o fato à sua imaginação. Seria impossível que John estivesse pensando que ela viera vê-lo. Os homens nunca tinham esperanças a seu respeito.

— Eles estão ali. — John apontou a caserna atrás de Adam.— Obrigado, John. Agora preciso ir. Foi bom vê-lo outra vez. Boa sorte.

Espero que encontre logo as terras que lhe sejam convenientes.Madeline encaminhou-se até onde Adam a aguardava.— Um conhecido do navio? — ele perguntou, sem deixar de olhar para o

jovem inglês.— Sim. O nome dele é John Metcalf.Por que ela sentia constrangimento ao responder à pergunta? Seria por

causa de um absurdo senso de lealdade em relação a Adam? E por que achar que não deveria estar falando com um jovem solteiro?

— Ele veio com a família?— Ainda não. Ele pretende mandar buscar os irmãos, assim que

encontrar uma propriedade para arrendar.Adam deteve-se em John por mais alguns momentos e depois levou

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Madeline até a porta que fora indicada pelo rapaz. Bateram e imediatamente a porta foi aberta. Adam tirou o chapéu e segurou-o sob o braço.

— Madeline! Que maravilha vê-la por aqui! — A Sra. Ripley abraçou Madeline e depois recuou. — Está tudo bem?

— Tudo ótimo. O Sr. Coates foi muito gentil e teve a bondade de trazer-me até aqui para visitá-la.

Adam curvou a cabeça até a cintura e pôs de novo na cabeça o chapéu de três pontas. Madeline esqueceu a Sra. Ripley para admirar o cavalheirismo, a cortesia e a elegância de Adam. E seu charme inconfundível.

— Ficarei no pátio a sua espera, Srta. Oxley — Adam avisou-a e deixou-as.

Quando ele se afastou, Madeline teve a impressão de estar em seu jardim e ver uma nuvem negra cobrir o sol. Elas entraram. A Sra. Ripley fechou a porta e ambas se sentaram em uma das camas.

— Estarei contando os dias.Um pouco depois, Madeline despediu-se da Sra. Ripley e saiu. Adam

estava sentando em um banco no pátio, conversando com mercadores locais. Assim que a viu, deu uma desculpa qualquer para os homens, levantou-se e foi ao encontro dela.

— A senhorita voltará comigo? — A pergunta foi feita em tom brusco.— Sim, mas para ficar apenas temporariamente. Os Ripley encontraram

uma propriedade perto de Amherst. Em duas semanas eu poderei mudar-me para a casa nova deles e começar a trabalhar como preceptora.

Adam franziu a testa e fixou-se nos seus olhos.— Entendi — ele disse com voz grave. — Bem, essa é uma boa notícia.— Eles estão apenas esperando que a outra família deixe a casa vaga.

Os papéis já foram assinados.— Já assinados. Mais notícias boas.Apesar da cordialidade costumeira de Adam, Madeline pensou ter

notado um traço de desapontamento. Mesmo com as restrições que ele poderia ter em relação à noiva trocada, teria apreciado a companhia dela mais do que o esperado?

Era evidente que não. Adam Coates estava desapontado apenas porque seus filhos continuariam a viver sem uma preceptora que, pelo visto, não era muito fácil de conseguir em Cumberland.

— Vamos? — Adam ofereceu-lhe o braço e conduziu-a até os cavalos amarrados na entrada do forte.

E, sem avisar e nem pedir licença, uma tristeza inesperada envolveu Madeline. Ela se recriminou e repetiu mentalmente que tais sentimentos não faziam sentido. Tivera sucesso em cumprir a tarefa a que se propusera naquela manhã. Encontrara um lugar decente para morar, onde todos lhe queriam bem. Deveria estar vibrando de alegria. Com certeza, uma parte de seu coração ainda não abandonara o sonho.

Madeline procurou ignorar tais lucubrações e garantiu a si mesma que, muito em breve, quando estivesse instalada na sua nova moradia com os Ripley, tudo aquilo seria esquecido.

Dias mais tarde, Madeline aventurou-se a sair para alimentar as galinhas. Fechou a porta da cozinha e espantou-se com uma cena que não poderia ter previsto. Adam empurrava o arado atrás de uma junta de bois, na horta de Agnes. As mangas da camisa larga de trabalho estavam enroladas para cima até os cotovelos e ele não usava colete. Adam empregava toda sua força para empurrar o pesado instrumento, e seus músculos estiravam-se, enquanto

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ele se empenhava para manter os sulcos retos.Madeline permaneceu imóvel, apenas observando. E foi obrigada a

admitir que se comprazia em vê-lo trabalhar. Apesar da sujeira na roupa e do suor que lhe umedecia o rosto másculo, ela sentiu a pele arrepiar-se ante a visão de tanta beleza e energia. Poderia ficar ali o dia inteiro para admirá-lo. Adam era um homem forte e rude, como a região que escolhera para viver e da qual fazia parte. Ele trabalhava a terra, manuseava-a, alimentava-a.

Nisso, ela começou a acalentar os pensamentos mais indecentes. Imaginou-o sozinho no quarto à noite, tirando a camisa sob a luz das velas, preparando-se para dormir. Conjeturou sobre a aparência de seu torso musculoso e desnudo. Qual seria a sensação de tocá-lo? Ou de estar a seu lado na cama e sentir as carícias de suas mãos grandes? Supôs que elas fossem ásperas e calosas, e, ao mesmo tempo, quentes e suaves.

Madeline sacudiu a cabeça para afastar aqueles pensamentos impróprios e caminhou em direção ao galinheiro. Após um cacarejar frenético, as galinhas aquietaram-se, enquanto Madeline dava a volta e colhia os ovos nos ninhos de feno, sem parar de recriminar a si mesma por não ter força suficiente para coibir os pensamentos libidinosos com o futuro cunhado.

Alguns minutos depois, Madeline foi para o terreiro, onde mais galinhas bicavam o terreno seco. Ela pôs a mão no balde e espalhou os grãos aos pés das aves. Uma voz infantil chamou-lhe a atenção. Madeline virou-se. Penélope observava-a do outro lado da cerca, com o rosto apoiado no braço e visivelmente aborrecida.

— Meu pai disse que a senhorita vai nos deixar em breve.Ao perceber a melancolia explícita nas palavras da menina, Madeline

esforçou-se para parecer alegre.— É verdade, Penélope. Fui contratada como governanta e preceptora

por uma família que viajou comigo no navio.— E eles são pessoas agradáveis?— Muito, Penélope, muito.A garota deu a volta na cerca de madeira, indecisa e tímida.— Eles têm uma menina? Ou só meninos? Madeline espalhou mais

milho no solo e segurou o balde para Penélope imitá-la. A intenção era fazer a menina sentir-se útil.

— Eles têm dois meninos e duas meninas. O mais velho tem dez anos e a mais nova, somente quatro.

— Será que a mais nova já conhece os números? — Penélope não desviava o olhar dos pintinhos.

— Ainda não. Mas logo começarei a lhe ensinar.— Quando tinha dois anos, eu sabia contar.A brisa agitou as saias de Madeline. Ela parou o que estava fazendo e

fitou a garota que parecia procurar por aprovação. Gostaria muito de satisfazer Penélope, pois sabia muito bem o que era sentir-se excluída do reconhecimento alheio.

— Mas isso é maravilhoso! Que menina inteligente! Penélope deu de ombros e espalhou os grãos no solo.

— A senhorita gosta mais daquelas crianças do que de nós? Por isso é que não quis trabalhar para meu pai?

— Oh, não, Penélope! Não é nada disso. Acontece o seguinte: Quando minha irmã chegar, ninguém mais vai precisar de preceptora. Todos terão uma madrasta.

— Mas papai disse que ela não virá antes do outono. Por que a

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senhorita tem de partir agora?Porque se eu não for agora, será muito mais doloroso depois.— Porque é como as coisas têm de ser. Eu já me comprometi com os

Ripley.Penélope pensou por um momento.— Eu não conheci minha mãe verdadeira. Madeline sentiu uma

opressão no peito e acariciou o ombro da menina.— Eu sei, querida. Sinto muito. Eu também não conheci minha mãe e

posso imaginar como se sente.Madeline estremeceu. Recordou-se da infância solitária e de nunca ter

recebido carinho como as outras crianças. Seu próprio pai jamais lhe oferecera nenhum tipo de afeição. E se porventura falava com ela, era com censura ou desdém. Culpava-a de ter sido o instrumento da morte da esposa. Esse fato o levara a favorecer Diana durante toda a vida.

Madeline refletiu sobre o que deveria ser a vida de Adam cuidando sozinho dos filhos. Teria sido um pai afetuoso? Teria culpado Penélope pela morte da Sra. Coates, como o Sr. Oxley fizera com a filha caçula?

— Papai diz que a mamãe tinha um bom coração — Penélope afirmou —, e que ela podia enfiar a linha em uma agulha de olhos fechados.

— Sua mãe era mesmo talentosa — Madeline comentou, com uma alegria forçada. — Eu não seria capaz de fazer uma coisa tão difícil.

— Nem a Sra. Dalton consegue. Nem eu. Mas continuo tentando. Papai diz que é preciso muita prática para conseguir fazer isso.

Madeline segurou o balde, enquanto Penélope enfiava a mão para pegar mais milho. E sentiu uma ligação intensa e repentina com a garota que se encontrava a seu lado. Penélope animou-se.

— A sua irmã tem algo de parecido com a senhorita? Aquela era uma boa pergunta, Madeline considerou.

Teria de pensar muito para conseguir peneirar alguma similaridade que pudesse ser levada ao conhecimento de Penélope.

— Nós duas crescemos nas charnecas de Yorkshire. E.também gostamos da cor azul.

— Ela se parece com a senhorita?— De jeito nenhum. Diana tem cabelos loiros, olhos azuis e é muito

bonita.— A senhorita também é muito linda.— Obrigada, Penélope. E muita bondade sua dizer isso. É mesmo uma

doçura de menina.— Eu não estou tentando ser bondosa e nem doce. Eu somente disse a

verdade.Madeline sentiu uma onda agradável de calor. Virou o balde de cima

para baixo e derramou no chão o resto de grãos que estavam dentro dele. Depois as duas foram para o celeiro e encheram o balde com ração para os porcos.

— Depois que estiver morando com os Ripley, a senhorita virá visitar-nos? — Penélope fez a pergunta demonstrando ansiedade e receio.

Embora soubesse que as visitas futuras seriam muito difíceis, Madeline não pôde recusar o convite de Penélope.

— Claro que virei, querida. Sempre que puder. Depois das galinhas e dos porcos alimentados, e tudo arrumado na medida do possível, Madeline e Penélope iniciaram o trajeto de volta para casa, conversando com vivacidade. As duas entraram na cozinha e Madeline deixou a cesta de ovos sobre a mesa. A

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seguir, ambas começaram a discutir sobre uma nova receita de biscoitos. Nisso, um grito pavoroso ecoou pela manhã quieta e levou o coração de Madeline até a garganta.

CCAPÍTULOAPÍTULO VII VII

— Oi! — Adam puxou o arado e o parou em ângulo, passou uma das mangas na testa molhada e virou-se na direção da casa.

Escutou atentamente, sem ter muita certeza do que ouvira. Então aconteceu de novo. Outro grito ecoou pela janela do pavimento superior. Adam soltou as rédeas e voou para a porta dos fundos. Abriu-a com violência e correu pela cozinha até a escada. Venceu os degraus dois a dois até chegar ao corredor e parou diante da porta aberta do quarto de Mary.

Ela estava sentada na cama, arfante e chamando por Jacob. Madeline, inclinada sobre ela, tentava acalmá-la.

— Tudo vai dar certo, Mary. Ficarei aqui a seu lado. Penélope colidiu com a parte traseira das pernas de

Adam.— Ah, papai, o senhor está aí! Eu o estava procurando por toda parte!— Filha, vá até o campo meridional e ache Jacob. Diga-lhe que chegou

a hora de Mary. Mas primeiro vá buscar a Sra. Dalton.Penélope arregalou os olhos, em pânico.— Ela não está aqui! A Sra. Dalton foi ao mercado!Adam tornou a olhar Madeline, que procurava convencer Mary a deitar-

se de novo nos travesseiros.— Então encontre Charlie. Diga-lhe para selar um cavalo e ir buscar o

Dr. Hudry.— Estou indo! — Penélope desceu correndo as escadas.Mary gritou mais uma vez de maneira aterrorizante. Adam foi atingindo

no âmago e memórias amargas foram trazidas de volta. Os gritos de Jane tinham sido do mesmo estilo. Adam jamais esqueceria os brados de desespero da esposa, um pouco antes de Penélope vir ao mundo. Nem das lágrimas, dos soluços e dos pedidos de misericórdia. Teve certeza de que Jane sabia que estava morrendo. E, sentado na cadeira no corredor, do outro lado da porta fechada, ele nada pudera fazer para salvá-la.

O sentimento de culpa que se sucedera fora martirizante. Quantas vezes não desejara que as coisas houvessem sido diferentes com Jane? Com que freqüência, quando ela gritava e atirava coisas, ele não pensara em como seria a vida se Jane não estivesse ali?

Adam tratou de esquecer o passado e rezou por Mary. A felicidade dos filhos era tudo para ele. Não queria, de maneira alguma, que a jovem esposa de Jacob os deixasse naquela hora. Ela e Jacob amavam-se muito ansiavam por um futuro feliz. Ambos mereciam o melhor e, no que dependesse dele, faria qualquer coisa por isso.

Madeline puxou a colcha e atirou-a a um canto do quarto.

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— O que posso fazer? — Adam perguntou. Embora o medo estivesse patente no olhar de Madeline, ela procurou manter a calma. !

— Não há mais ninguém aqui? Só nós?— Por enquanto. Penélope foi buscar Jacob, e Charlie foi atrás do

médico. Madeline ficou em silêncio, avaliando a situação. Adam teve a impressão de que ela organizava os pensamentos para decidir o que deveria fazer.

Uma sensação de impotência apossou-se dele, que não podia fazer nada a não ser confiar a vida de sua nora às mãos de Madeline.

— A senhorita já fez um parto antes? — Adam sussurrou a pergunta, com receio de ouvir a resposta.

Madeline fitou-o de cabeça erguida.— Sim. Duas vezes em Yorkshire. A parteira deu-me instruções ao

longo do evento. Nós conseguiremos, Adam. Respire, Mary. Isso mesmo. Inspire e expire. Sem profundidade. Sem parar. Continue. Assim...

Adam ficou parado na porta e espiou Madeline mover-se ao redor de Mary, falar com ela e explicar-lhe o que fazer, sempre em tom animador e comedido.

— Adam, por favor, traga-me água quente e toalhas. — Madeline mostrava controle da situação e a confiança dela aliviava o nó que se formara na garganta de Adam. — Depois deixe-nos sozinhas.

Em uma mensagem muda, Madeline afirmou com o olhar para ele não se preocupar. Adam fez o que ela pedira e saiu do quarto. Agradeceu a Deus por ter-lhes enviado Madeline. Jacob bateu com o punho no batente da porta no corredor.

— Quanto tempo ainda vai demorar essa agonia? Mary gritou de novo e seus gritos eram abafados atrás da porta fechada. Adam e Jacob, que esperavam inquietos do lado de fora, já não sabiam mais o que fazer.

Adam parou de andar de um lado para outro, a fim de acalmar Jacob.— Isso é normal, filho. Ainda mais quando se trata do primeiro filho. Eu

me lembro da noite em que Charlie nasceu... O parto pareceu ter durado uma semana e, na verdade, foram apenas seis horas.

— Seis horas?! Ainda faltam três!Adam lutou para demonstrar uma confiança que não sentia, ao ouvir

Mary gritar cada vez mais alto. Onde estava aquele maldito doutor? Na certa, aquele tonto do Charlie não conseguira encontrá-lo.

— Sei que é difícil, filho, mas tudo o que se pode fazer é esperar e rezar. Talvez fosse melhor ir lá para fora, onde não se ouve tanto o que está ocorrendo.

— De jeito nenhum. Se ela tem de passar por isso, eu também agüentarei.

Jacob largou-se em uma cadeira do corredor e escondeu o rosto entre as mãos. O abalo moral venceu seu coração jovem e sensível. Os soluços vieram intensos e carregados de dor. Sacudiram seu corpo, mas foram silenciosos.

Ver Jacob chorar como uma criança significava um sofrimento intenso para Adam. Seus filhos eram sua vida. O amor por eles era maior do que ele poderia esperar ou compreender. Testemunhar o padecimento de seu filho era uma agonia extenuante. Outro grito veio do quarto. Dessa vez, foi um grito de criança. Jacob ergueu a cabeça, com os olhos marejados de lágrimas.

— O senhor ouviu o mesmo que eu?Antes de que Adam tivesse tempo de responder, a porta rangeu e foi

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aberta. Madeline apareceu na entrada. Havia mechas de cabelos colados na testa, molhada e seu rosto estava pálido. Ela limpou as mãos em uma toalha suja de sangue.

Jacob deu um pulo da cadeira. Fitou o avental de Madeline manchado com o sangue de sua esposa e cambaleou, como se fosse desmaiar. Adam agarrou-lhe o braço e segurou-o com firmeza.

— Parabéns, Jacob. — Madeline sorriu. — Acaba de ganhar uma filha. Uma linda menina.

Adam teve a impressão de que todo o ar saía de seus pulmões e que o peso do mundo abandonava seus ombros. Jacob levantou-se.

— Mary está bem?— Que tal comprovar por si mesmo?Nem mesmo o sol poderia competir com o brilho e a pureza do sorriso

de Madeline ao trazer as boas-novas. Jacob correu até o quarto. Adam e Madeline ficaram sozinhos no corredor. Ambos permaneceram em silêncio por algum tempo, olhando um para o outro, sem saber como iniciar uma conversa. Recobravam-se da ansiedade que os abalara naquelas últimas três horas. Finalmente Adam suspirou e apontou a cadeira.

— Por que não se senta um pouco? A senhorita parece estar precisando de um descanso.

— Tem razão. Obrigada.Um impulso intenso de gratidão e ternura envolveu Adam. Madeline fora

a grande vencedora naquele dia. Ela velara pelo bem-estar de Mary e trouxera uma vida nova e abençoada ao mundo. Ela fizera de Jacob um homem feliz e, por conseqüência, trouxera a felicidade a Adam.

— Eu é que tenho de lhe agradecer. O que teríamos feito se a senhorita não estivesse conosco hoje?

Madeline não deu muita importância ao cumprimento de Adam.— Tudo correu com tranqüilidade. A constituição de Mary é a ideal para

o nascimento. Antes mesmo que o senhor perceba, terá a casa cheia de netos.Adam fitou a jovem mulher sentada diante dele. Os cabelos estavam

desmanchados e escapavam do coque, as faces coradas pela tensão da manhã brilhavam e um sorriso leve não lhe abandonava os lábios. Madeline era apenas quatro anos mais velha do que seu enteado, mas refletia muito mais experiência e maturidade.

— Mi-se-ri-cór-dia! — Adam separou as sílabas intencionalmente, tentando fazer humor, apesar de não estar acostumado a parecer engraçado. — A idade pegou-me de surpresa. Sem que eu percebesse, os anos fizeram de mim um homem idoso, um avô.

Os olhos de Madeline cintilaram, confiantes.— Não é como o enxergo, Adam. Eu vejo o que está à frente, não o que

já passou.Adam não resistiu à vontade de provocá-la.— E o que estará à frente, segundo sua opinião? Madeline refletiu com

cuidado, antes de responder.— Um recomeço, grande felicidade e amor.— Refere-se à Diana? — Adam perguntou depressa. Rapidamente

demais.Uma sensação inquietante tomou conta dele. Que tipo de pergunta ele

fizera? Era evidente que Madeline se referia a Diana. Depois de mais uma longa pausa, ela sorriu e levantou-se.

— Vou ver se Mary precisa de alguma coisa. Adam pigarreou. Sentia-se

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perturbado e inseguro, sem saber o motivo.— Claro, claro. Veja como ela está passando. Eu também já vou...

espalhar as boas-novas.Antes de que Adam pudesse afastar-se, Madeline segurou-o pelo braço.— Por favor, Adam, primeiro venha ver sua neta.Adam sentiu o peito inflado de orgulho familiar. Madeline estava certa.

Antes de mais nada, teria de conhecer a recém-nascida. A situação era tão inesperada que o deixava sem saber qual atitude tomar. Ainda bem que a sensibilidade de Madeline orientava-o a respeito de qual o passo imediato mais apropriado.

Adam seguiu-a até o quarto. Jacob encontrava-se em pé diante da janela grande, segurando a filha nos braços. O sol iluminava-lhe as feições claras, parecidas com as de sua mãe, e refletia-se nas lágrimas de alegria que lhe desciam pela face.

Adam sentiu os olhos turvarem-se pela emoção. Aquele era um momento extraordinário que jamais poderia ser esquecido.

Jacob virou-se para exibir o bebê que segurava nos braços. Adam aproximou-se devagar. A menina parecia um pacote, toda enrolada em cueiros brancos. Somente o rosto minúsculo ficava à vista. Lindo e vermelho. Ela deu um gemido quase imperceptível e torceu os lábios inchados. Adam tocou-lhe o rosto gorducho com o nó de dois dedos e pensou que seu coração fosse explodir com a onda poderosa de amor que o envolvia.

— Veja, pai, ela não é linda?— É um tesouro, Jacob — Adam confirmou com voz trêmula.Mary observou-os da cama, sorrindo. Madeline aproximou-se e limpou-

lhe a testa com um uma toalha úmida e fria.— Parabéns, Mary — Adam cumprimentou a nora, curvando-se para

beijá-la no rosto. — É uma moça valente.Uma lágrima solitária escorreu até o pescoço de Mary.— Eu não poderia ter feito nada sem Madeline. Ela me encorajou muito

e soube o que fazer em todos os detalhes. Eu teria ficado aterrorizada se ela não estivesse aqui para orientar-me e para garantir que tudo estava indo bem.

Adam espiou por sobre o ombro. Madeline tinha ido até o outro lado do quarto e semicerrava os olhos ao ouvir o cumprimento de Mary. Virou-se de costas e torceu a toalha na bacia.

Adam sentiu o coração bater apressado de gratidão. Não poderia perder a oportunidade de fazer com que Madeline soubesse quanto valorizava o que ela fizera por todos eles. Atravessou o quarto, segurou-a pelo braço e virou-a gentilmente.

— Muito obrigado, Madeline. Eu nunca poderei lhe agradecer o suficiente por isso.

E, de maneira inesperada, beijou-lhe o rosto levemente, com carinho. Adam sentiu a fragrância dos cabelos de Madeline e a suavidade cálida da pele clara sob seus lábios. E seu corpo respondeu com um alvoroço sutil. Adam teve vontade de chegar mais perto de Madeline e abraçá-la. Passar-lhe as mãos nas costas e beijá-la na testa, nos cabelos, no rosto e no pescoço.

Surpreso e desnorteado, ele recuou. E procurou explicações para o que estava acontecendo. Descartara a centelha que o incendiara quando a ajudara a montar no cavalo, no passeio pelo pântano. Atribuíra o fato à frustração por Diana não ter vindo. Poderia rejeitar a ânsia que o acometia naquele momento?

Para sua felicidade, Madeline não manifestou haver notado mudança alguma nele. Talvez por ela ter abaixado o olhar, de novo concentrada na água,

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na bacia e na toalha. Adam inspirou fundo, afastou-se e procurou retomar a sobriedade.

Durante toda a semana seguinte, Adam esforçou-se para negar o que sentira quando beijara Madeline no quarto de Mary. Toda vez que pensava nisso, tentava convencer-se de que se tratava de gratidão e nada mais, visto que passara a depender muito de Madeline após o nascimento do bebê.

Ela cuidava da recém-nascida, lia para as crianças todas as noites, ajudava Agnes na cozinha e nas outras tarefas. E ainda dava lições de música para Penélope. Depois das crianças irem dormir, ficava sentada na sala com Adam, ou escutava-o comentar suas preocupações a respeito do pântano e incentivava-o a continuar a campanha para preservá-lo.

Como se despertasse de uma longa hibernação, Adam sentia-se mais confiante sobre a tarefa de expandir e salvaguardar as terras que lhe pertenciam e que um dia pertenceriam a seus filhos e netos. Sim, ele e Madeline haviam se tornado bons amigos.

E nada mais do que isso, assegurou a si mesmo. Certa manhã, Adam desceu a escada ao mesmo tempo que Madeline entrava na cozinha pela porta dos fundos, carregando uma cesta com ovos. Ela começou a cantarolar, enquanto tirava o xale e pendurava-o no prego de madeira que ficava ao lado da porta. Estava usando um vestido que Adam ainda não vira. Branco com flores miúdas e vermelhas. Uma echarpe de musselina cobria-lhe o busto.

Ou talvez ele houvesse visto o traje, mas não o notara.Adam passou a observar uma porção de coisas em Madeline, não só o

vestido. Como, por exemplo, a curva do pescoço e dos ombros. O colorido róseo de seus lábios suaves e úmidos. Ele se permitiu um olhar deliberado para o busto. Era difícil acreditar que os seios fartos de Madeline não existissem quando a conhecera. Era muito fácil supor como seria o formato do busto: arredondado, cheio e firme. Surpreendeu-se ainda mais ao desejar tirar aquela echarpe e admirar o vale profundo entre os seios.

Adam espreitou mais alguns segundos em silêncio, enquanto Madeline batia os ovos. Ficava cada vez mais inquieto com seus pensamentos e pelo fato de não conseguir deixar de fitá-la. Na verdade, tinha vontade de ficar olhando-a o dia inteiro sem parar, se fosse possível.

Naquele momento, Agnes veio da sala de jantar com uma travessa vazia nas mãos e Adam sentiu-se como se houvesse sido apanhado roubando biscoitos do pote. E, para ser sincero, era muito pior do que isso. Ele pigarreou.

— Bom dia, Agnes — Adam falou alto e entrou com pose exagerada na cozinha.

Madeline virou-se.— Bom dia, Adam — ela o saudou com voz alegre e melodiosa. — O

desjejum logo estará pronto.Ele pegou um bolinho morno da assadeira que estava esfriando sobre a

mesa e deu uma mordida. O sabor era extraordinário.— Madeline, estão deliciosos. Foi à senhorita quem os fez?A presença atarefada e atenta de Agnes em torno de Adam trouxe-lhe

um constrangimento despropositado.Os olhos de Madeline iluminaram-se com o comentário.— Eu acrescentei um pouco de segurelha em pó na massa.— Segurelha? — Adam mordeu mais um pedaço. — Hum... magnífico.Agnes pegou o xale perto da porta.— Preciso ir até o celeiro — a velha senhora avisou.— Tenho de fazer algumas coisas antes do desjejum.

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— Ela saiu e fechou a porta.Adam permaneceu na cozinha, enquanto Madeline despejava a massa

mole na frigideira de ferro que estava no fogo. Sem pressa. Com movimentos calmos, coordenados. Com a fisionomia tranqüila.

Ele desejou, de súbito, saber mais sobre ela e sua vida antes de chegar à Nova Escócia. E sem resistir à curiosidade, sentou-se à mesa de cavaletes.

— A senhorita sempre cozinhava para a sua família em Yorkshire?— Meu pai tinha uma governanta, mas eu gostava de ficar na cozinha

para ajudá-la. E também passava muito tempo cuidando da horta e do jardim. Claro que meu pai não aprovava nenhuma das duas coisas, mas ele acabou desistindo de proibir-me. Para ser sincera, acho que ele nunca esperou que eu fizesse as mesmas coisas que Diana fazia.

Adam ficou intrigado com o tremor da voz de Madeline. — E por quê?— Eu não sei. Diana passava muito tempo longe de casa. Ela ficava

constantemente com nossa tia em Londres. E voltava sempre mais bonita. Era perita em bordados. Imagino que devia passar muito tempo ocupada com os afazeres das jovens bem-educadas.

Adam deu risada.— Está querendo dizer que a senhorita não é "bem-educada"?— Não é isso. Eu apenas não sou socialmente ambiciosa como a

maioria das moças da minha idade. — Madeline fitou-o com um certo embaraço. — Desculpe-me, Adam, eu não pretendia insinuar nada sobre Diana.

— Eu não achei que fosse essa a sua intenção. Madeline mexeu o alimento dentro da vasilha.

— Eu e Diana temos onze anos de diferença e tivemos infâncias muito diferentes.

Por que Adam tinha a impressão de que ela ainda se desculpava sobre o que dissera a respeito da irmã? Ele sentiu aumentar a vontade de saber mais sobre a verdadeira Madeline que se escondia sob a personagem que representava para o mundo.

— Bem, Diana passava muito tempo em Londres com a mãe e com a tia. E quanto a senhorita?

Madeline afastou-se do fogão e foi até a mesa de trabalho. Pegou a massa de pão que devia ter posto para crescer antes de ir buscar os ovos.

— Minha mãe morreu quando eu nasci e nunca fiz nenhuma viagem a Londres. Meu pai ia para lá com freqüência e continuou a levar Diana com ele. Mas eu era apenas uma criança e meu pai me deixava em casa com as governantas. Creio que isso se tornou um hábito e ele continuou a deixar-me para trás.

— O fato não a aborrecia?— Não. Acho que eu nem dava conta de que isso deveria incomodar-

me. As coisas sempre tinham sido daquele jeito e nunca pensei em questioná-las. Nem imaginava que a vida pudesse ser diferente. E, para ser honesta, comecei a esperar com ansiedade aquelas viagens. Assim eu tinha mais liberdade em casa para fazer o que queria.

— Sentia-se solitária? — Não. Ou, pelo menos, eu não achava que fosse. Considerava muito

mais interessante entreter-me nas charnecas e no jardim. E, mais tarde, ficar com os livros. Quando o senhor vinha falar com Diana, eu posso ter parecido solitária... — Madeline fitou-o, envergonhada — ...pela maneira como os seguia. Mas acho que era mais curiosidade do que outra coisa. Eu queria saber sobre o que conversavam e o que faziam juntos. Jamais havia tido ocasião de presenciar

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um romance. Madeline virou a massa pesada e sorriu para Adam com tal encanto que os pêlos do braço dele se eriçaram.

— Será que é muito tarde para desculpar-me?— Nós é que lhe devemos um pedido de desculpas. Éramos muito

jovens e egoístas. Deveríamos entender que não se podia excluir uma criança dos nossos programas.

Adam concluiu que a justificativa estava bastante atrasada. Distraído, virou a aliança no dedo.

— Eu reparei que não a tirou. — Madeline parou de sovar a massa.— O anel de casamento? — Adam virou as mãos grandes e analisou-as.

Não pôde deixar de notar que elas revelavam a sua idade. — Eu me sentiria mal sem ele.

— Deduzo que o senhor sente muita falta de sua esposa.Adam espalmou as mãos sobre a mesa. Ele nunca falara de Jane com

ninguém. Pelo menos, não sobre o casamento infeliz que fora o deles. Imaginou por que se sentia compelido a comentar o assunto com Madeline. Ela era uma jovem solteira que provavelmente pensava que todo romance deveria ter um final feliz.

— Não é bem isso. Acredito que é a culpa que me impede de tirá-lo.Madeline sentou-se na frente dele e segurou-lhe a mão.— Mas que tolice! Adam, na certa não pode culpar-se pela morte dela.— Qual o homem que não se sentiria responsável ao ver a esposa

morrer de parto? — Ele adorou ter a mão apertada por Madeline. — E não é só isso. O que eu mais lamento é o nosso casamento ter sido um desastre. Jane era uma mulher muito exaltada. Ela gritava por causa de um prato quebrado, ou ficava furiosa quando o fogo não acendia na primeira tentativa. No começo, procurei ser amável e passava boa parte do tempo tentando apaziguá-la. Isso quando eu não pisava em ovos, com receio de provocá-la. Mais tarde, com o passar dos anos, eu já não sentia nada quando ela chorava ou se mostrava irracional. Minha simpatia secou e, depois de ela perceber isso, tudo ficou pior.

— Oh, Adam, eu não podia imaginar uma coisa dessas. E as crianças? Sofriam muito com isso?

— Penélope nunca ficou sabendo de nada, pois a mãe morreu ao dá-la à luz. Os meninos eram muito pequenos para perceber o que a mãe estava atravessando. A Sra. Dalton foi muito bondosa e dedicada. Ela sempre os tirava do quarto quando Jane tinha um de seus ataques.

Pensativo, Adam tornou a rodar a aliança, recordando-se daquela época.

— Eu estranhei, pois quando nos casamos, ela parecia uma mulher compreensiva e sensata. E não foi um casamento apressado. Nós já nos conhecíamos fazia algum tempo e nunca tivemos problemas. Agora, ao olhar para trás, chego à conclusão de que as palavras que ela me dizia não passavam de um amontoado de letras sem nenhum significado. Mesmo se Jane soubesse o que era sensato e o que não era, ela não tinha o menor controle sobre as emoções. Conhecia a história de meu romance com Diana e acredito que ela jamais acreditou que eu tivesse esquecido o primeiro amor. Talvez tenha sido isso que desequilibrou o temperamento já instável de Jane.

Madeline continuou segurando a mão de Adam. Aceitava o que ele confessava sem pressioná-lo a revelar mais detalhes. Adam sentiu-se aliviado e com o coração mais leve. E assim eles ficaram por alguns minutos.

— Não posso acreditar que eu a tenha aborrecido, contando-lhe toda essa história — Adam falou de repente com mais animação, esperando

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desanuviar o ambiente sombrio que se formara. — São recordações melodramáticas da vida de um velho homem.

— Eu não o considero um velho, Adam, apesar da sua insistência em afirmar isso.

Aquela era outra verdade dita por Madeline. Desde que ela chegara, ele vinha se sentindo cada vez mais idoso.

Como poderia dizer a Madeline que ela, em todo o seu esplendor da juventude, fizera-o trazer de volta o passado? E que, com isso, forçara-o a olhar para dentro de si mesmo, para o homem que fora e para o homem que se tornara?

Adam fitou a fisionomia alegre e terna do outro lado da mesa e pensou nos olhos que viam um senhor de meia-idade. Ah, como gostaria de voltar a ser o homem de quinze anos antes!, ele suspirou. Seria isso possível?

E como não acontecia havia muito tempo, sentiu os remanescentes daquele jovem dando solavancos dentro de si. Mas se lembrou também de que Diana iria chegar e de que ela era a razão de tantas emoções, mesmo que Madeline houvesse sido a responsável por acordá-lo e fazê-lo ver que poderia mudar.

Seu raciocínio levou-o a pensar que a chegada de Madeline e a sua surpreendente reação diante dela tinha um motivo óbvio. Fora um desígnio de Deus. Afinal de contas, se Diana houvesse vindo antes e visse no que se transformara o jovem amante do qual se lembrava, poderia até nem querer ficar com ele...

Aquela percepção perturbou Adam ao extremo. Teria perdido a confiança em Diana? Não acreditaria nela o suficiente para saber que seria aceito de qualquer forma?

A porta da cozinha foi aberta e ambos levaram um susto. Agnes entrou e notou de imediato que eles estavam de mãos dadas. Madeline empurrou depressa a cadeira para trás, ficou em pé e voltou à massa de pão que ficara esquecida na mesa de trabalho, como um pedaço informe e seco de argila. Ela perguntou a Agnes sobre o tempo e recomeçou a sovar a substância mole e pastosa.

Agnes não fez o menor comentário ou insinuação, ela jamais faria tal coisa, e passou a executar várias tarefas ao mesmo tempo em um verdadeiro estado de agitação nervosa. Esbarrou na gamela e derrubou água no chão. Apressou-se a limpar tudo, com o empenho de um náufrago que se agarrava a um pedaço de madeira para salvar a vida.

Adam levantou-se para sair, mas Agnes barrou-lhe o caminho. De natureza calma, a velha governanta torcia as mãos sem parar.

— Sr. Coates, eu gostaria de dizer-lhe uma palavrinha, antes de que o senhor saia.

— Claro, Agnes. Fale. Do que se trata?Oh, Senhor, será que Agnes iria censurá-lo por estar sentado na cozinha

de mãos dadas com a futura cunhada? Os dois sozinhos?— Peço-lhe perdão, senhor, mas será que poderíamos falar em

particular?Droga, ela pretendia mesmo passar-lhe um sermão. Caminharam juntos

até o gabinete de Adam, e Agnes parou na porta, ainda apertando as mãos.— Eu tenho uma coisa muito difícil para revelar-lhe e espero que o

senhor não... espero que não me leve a mal...Adam procurou nos bolsos um lenço e entregou-o a ela. Agnes

agradeceu com um aceno de cabeça e assoou o nariz.

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— Eu prometi a mim mesma que não iria chorar. O senhor já teve tantos problemas na vida e...

— Que bobagem, Agnes — ele retrucou com brandura. — O que a está preocupando tanto?

Agnes recuperou o domínio sobre si mesma.— Sr. Coates, perdoe-me o atrevimento, mas preciso avisá-lo de que

terei de deixar o senhor e as crianças.

CCAPÍTULOAPÍTULO VIII VIII

Adam teve a impressão de que as palavras da governanta partiam de dentro de um túnel e por isso ecoavam sons irregulares em seus ouvidos.

— Deixar-nos, Agnes? Mas por que, meu Deus do céu? A senhora sempre esteve conosco, é parte da nossa família!

— Não discordo, Sr. Coates. Os anos que passei com o senhor foram muito bons. Posso dizer mesmo que foram os melhores da minha vida. Eu amo seus filhos como se fossem meus. Mas agora tenho a oportunidade de morar em minha própria casa. Sr. Coates, talvez não acredite, mas estou para casar-me.

Adam entrou no gabinete e largou-se na primeira cadeira que encontrou pela frente.

— Casar-se? Com quem?— Com um homem de Maccan, senhor. Temos nos encontrado às

quartas-feiras no mercado de Amherst.Adam demorou um pouco para digerir as notícias.— Eu reparei mesmo que a senhora demorava para voltar. Achei que

era apenas para descansar um pouco e ter mais tempo livre.— De fato, o "tempo livre" era para ficar com meu futuro marido.— Entendo. — Na verdade, Adam nunca estivera tão confuso. — Ele é

um bom homem? Honrado? Digno de confiança? Não gostaria de vê-la casada com nenhum homem perigoso ou sem escrúpulos.

Se fosse para falar francamente e apesar do egoísmo da afirmação, ele teria preferido que ela não se casasse com ninguém.

— Ele é um bom homem, Sr. Coates. É viúvo como o senhor e proprietário de uma fazenda.

As informações começaram a fazer sentido e Adam recostou-se na cadeira.

— As crianças não ficarão nada contentes de saber que a senhora vai embora.

— Nem eu ficarei feliz em deixá-las, Sr. Coates. Prometo-lhe que virei visitá-las com freqüência. Eu não poderia mesmo ficar afastada de Charlie e Penélope por muito tempo.

Adam ficou em pé, um tanto envergonhado por pensar apenas nos próprios interesses.

— Bem, então suponho que os cumprimentos são mais do que necessários. Estou feliz pela senhora Agnes. A senhora é merecedora de todas

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as alegrias que o mundo tiver para lhe oferecer.Adam abraçou-a, emocionado. Agnes escondeu o rosto no peito dele e

chorou.— Até quando a senhora pretende trabalhar? — Adam perguntou com

voz trêmula.— Até o final da semana.— Final da semana? — A voz dele saiu esganiçada. — Tão cedo?— Isso mesmo, Sr. Coates. Achei que seria um período de certo modo

conveniente, pois Madeline está aqui e tomará conta de tudo com muita eficiência.

— Madeline não vai ficar aqui. Ela partirá dentro de poucos dias.Agnes tornou a assoar o nariz.— Eu sei, mas se o senhor lhe explicar a situação, não tenho dúvida de

que ela compreenderá que deve ficar.— Agnes, eu já lhe ofereci o emprego de preceptora e Madeline negou-

se a aceitá-lo com bastante veemência, diga-se de passagem. A senhora já deve ter percebido que Madeline é muito teimosa.

— Eu percebi isso desde o dia em que ela chegou aqui. — Agnes gostava de demonstrar entendimento. — Mas a Srta. Oxley só é teimosa diante do que "não" quer.

— Como é que a senhora sabe disso?— Apenas sei. E qualquer tolo pode ver isso.— Qualquer um, menos eu. Obrigado pelo elogio, Agnes — Adam

ironizou. — Francamente, Agnes, tenho tentado convencê-la, porém sem sucesso.

— Pois eu sou de opinião que o senhor deveria tentar com maior empenho.

Naquela noite, Madeline lavou os pratos, secou-os e guardou tudo nos seus devidos lugares, como vinha fazendo nos últimos dias. Depois resolveu ir até a sala de trabalho de Adam à procura de um bom livro. Refletiu que lhe faria bem mergulhar em uma história intrigante nos próximos dias, para ajudar a passar o tempo que faltava para deixar aquela casa. E Adam Coates.

Atravessou o vestíbulo central e iluminou o caminho com o candelabro que trazia na mão. Os saltos grossos dos sapatos ecoavam no assoalho. Encontrou aberta a porta do refúgio de Adam. O recinto estava às escuras e as cortinas fechadas evitavam que entrasse o menor raio de luar.

Madeline levou as velas até a estante grande que ficava do lado oposto da lareira e segurou-as no alto para iluminar as lombadas dos livros, deliciada pelo simples prazer de sentir o cheiro de papel.

Havia muitos livros. E, pelo visto, todas as peças de Shakespeare. Ela ainda não lera “O Rei Lear”. Talvez pudesse começar por esta. Ajoelhou-se, acariciou as obras literárias que se encontravam na parte inferior da estante e deparou com novas tentações. Homer, Hobbs, Norton, Milton e um bom número de autores cujo nome ela não reconheceu.

Tirou um exemplar volumoso escrito por Samuel Richardson. Era um romance chamado Clarisse Harlowe. Madeline deixou o castiçal no chão e abriu o livro. E no mesmo instante ouviu passos que se aproximavam. Levantou-se de imediato e afastou-se, fazendo um esforço desesperado para não esbarrar nas velas com as saias.

Adam entrou no escritório trazendo um candelabro e, antes de dizer qualquer coisa, abaixou-se para pegar o suporte com as velas que Madeline deixara no piso. Depois apoiou os dois castiçais em um lugar mais seguro, sobre

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a mesa.— Pensou que eu fosse um fantasma? — Adam perguntou.— Eu não tinha certeza. — Madeline sorriu. — O senhor me assustou.— Peço-lhe perdão. Pensei ter ouvido alguém entrar aqui e supus que

fosse a senhorita. Achou alguma coisa que a interessasse?Madeline pigarreou, ainda com o coração batendo em descompasso.— Acabei de pegar este.Adam deu alguns passos à frente, segurando de novo o castiçal, e leu o

título do livro que Madeline tinha em mãos.— Clarisse Harlowe. Tem certeza de que deseja ler esse? Acho que é o

mais longo romance da língua inglesa.Madeline deu risada.A reação dela pareceu diverti-lo e Adam deu um sorriso largo.— Não se trata de brincadeira, minha querida. — Adam tirou-lhe o livro

das mãos. E, com os dedos compridos, fez movimentos graciosos contornando o título. — Conhece alguma coisa deste romance?

— Não, nada.— A caracterização é magnífica e bem estruturada, mas o enredo é

bastante trágico. O autor prende-se ao realismo e ao sentimentalismo. Eu não o recomendaria para qualquer pessoa. Embora a aceitação dependa do gosto, que é uma característica inteiramente pessoal.

— Eu gosto de tudo o que é bem escrito. Já li muitas tragédias.E também já sobrevivi ao meu quinhão delas.— Bem, não se deixe influenciar por mim. O que me agrada não

necessariamente poderá satisfazê-la.Adam devolveu-lhe o livro. As mãos de ambos se tocaram por um

instante e Adam afastou a dele rapidamente, como se a de Madeline fosse um ferro em brasa. Madeline pensou na conversa que haviam tido na cozinha naquela manhã e enrubesceu.

Teria ele se arrependido de haver confiado nela e sentira-se constrangido por ela ter-lhe segurado a mão? Talvez fosse aquela a maneira de desencorajá-la, depois de perceber a atração que a futura cunhada sentia por ele.

Madeline lembrou-se com alívio de que deixaria logo aquela casa. Uma pena que não poderia ser no dia seguinte. Paciência. Esperaria um pouco mais.

— Qual o livro que o senhor me recomendaria? — ela perguntou, depois de guardar Clarisse Harlowe de onde o tirara. — Talvez um mais curto?

Adam segurou as velas para alumiar os títulos da prateleira superior. Madeline contemplou o contorno firme do queixo sob a luz bruxuleante e teve vontade de acariciar a sombra de barba.

Ele examinou as lombadas por alguns segundos. Parecia bem familiarizado com todos os volumes que ali se encontravam.

— Já leu Shakespeare? — Adam riu de si mesmo. — Mas é claro que deve ter lido.

— Já li, sim, mas não todas as obras.— Leu “Medida por Medida”?— Esse eu li.— E o que achou?— Penso que o fim foi precipitado.Adam continuou a verificar os títulos, virou a cabeça de lado para poder

lê-los e passou os dedos pelas letras gravadas em relevo.— Eu também tive essa mesma impressão.

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Madeline suspirou, desfrutando aqueles preciosos momentos de conversa com Adam. E falar de livros era um de seus assuntos preferidos. Ela raciocinou que passara a entender Adam Coates com maior profundidade. Ficavam até tarde falando sobre o futuro de Cumberland e a respeito do que Adam pretendia fazer para assegurar a sobrevivência das áreas pantanosas.

Madeline tinha sentimentos compatíveis com os dele. Ela também sabia valorizar boas terras e a importância de lutar por elas. Durante toda sua vida, trabalhara arduamente na horta e no jardim de sua casa e orgulhara-se dos resultados. Era sempre uma recompensa maravilhosa ver os brotos verdes aparecendo na terra cultivada. Sentir a terra debaixo das unhas sempre fora motivo de prazer, embora Diana a criticasse por ser tão irresponsável com as mãos.

— E Noite dos Reis? — Adam indagou, trazendo o pensamento de Madeline de volta ao presente.

— Também já li.— Gostou?— Muito. Trata-se de um enredo hilariante. Adam sorriu em

concordância. Depois voltou a atenção para os livros.— O Mercador de Veneza?— Já li.— E “As Alegres Comadres de Windsor”?— Também já li.— Bem, talvez as recomendações devessem ser suas, e não minhas —

ele comentou, fazendo graça.Madeline deu risada.— Existe algum livro aqui que o senhor ainda não leu?— Poucos, na verdade. Li a maioria em Yorkshire, quando Jane estava

viva. Acredito que eu precisava de uma distração.Madeline fitou-lhe os olhos, que refletiam a luz das velas, e teve vontade

de preencher com as lembranças de Adam todos os anos em que ele estivera ausente de sua vida. Em um momento de abandono, decidiu ignorar as resoluções de manter a distância emocional e muniu-se de coragem para fazer perguntas.

— Conte-me mais, Adam. Fale sobre sua decisão de ir embora de Yorkshire.

Adam deixou outra vez o candelabro sobre a mesa.— Na certa, a senhorita não vai querer aborrecer-se com tais relatos.— Mas isso não será nenhum aborrecimento. Diga-me por que deixou a

sua casa, seu lar da infância e juventude. Afinal, era o que o senhor conhecia.Adam concordou, embora com relutância.— Bem, eu estava convencido de que em Yorkshire passaria o resto da

vida trabalhando nas terras de outra pessoa e não teria nada para deixar como herança para os meus filhos. Estava cansado de ver meu esforço servir para sustentar a moradia e as superficialidades da amante do meu empregador. Uma tarde, o procurador dele veio discutir sobre a colheita. Agnes, querendo mostrar que era uma boa anfitriã, serviu-lhe chá no jogo de porcelana mais fino de Jane. Era um presente de casamento que havíamos ganho da minha família. O Sr. Westing olhou para a xícara e para o bule de prata. E não demorou nada para dizer que, se podíamos permitir-nos ter louças e prataria como aquelas, poderíamos muito bem aumentar o valor do nosso arrendamento.

Madeline ficou revoltada com a insolência a maldade do comentário daquele homem.

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— Pobre Agnes. Espero que ela não tenha se achado culpada pelo incidente.

O olhar de Adam assegurou-lhe que fora o contrário.— Algumas semanas depois, o governador da Nova Escócia veio

recrutar famílias para emigrarem. Eu estava mais do que preparado para segui-lo. Chegamos aqui no primeiro navio e o começo foi muito auspicioso.

— E agora o senhor é um proprietário de terras.— Algumas vezes eu me belisco para ver se tudo isso é verdade.Madeline pensou no que devia ter sido para Adam vender tudo,

desarraigar a família e aventurar-se pelo oceano rumo ao desconhecido com crianças tão pequenas, Penélope devia ter cinco anos. E sem uma esposa para apoiá-lo na decisão ou fazer-lhe companhia durante os inevitáveis anos de solidão necessários para estabelecer-se em terras estranhas, Adam devia muitas vezes ter perguntado a si mesmo qual seria o futuro de seus filhos. O mais provável era que passasse o tempo todo preocupado em saber se havia tomado a resolução correta. Madeline sorriu com simpatia.

— Adam, deve orgulhar-se pelo que fez por sua família.Ele a fitou sem falsa modéstia, mas com a satisfação do dever cumprido.

Em seguida, analisou sua mão esquerda com uma ligeira ruga na testa.— Quer saber de uma coisa? Acho que deveria tirar isso agora.— A aliança?— Depois da nossa conversa sobre Jane, eu me senti mais aliviado. Já

não preciso me punir, ostentando o símbolo do que me atormentou por tanto tempo. — Adam tirou o anel e guardou-o em uma das gavetas. — Tenho de agradecer-lhe por isso, Madeline. Como poderei recompensá-la por toda a sua bondade?

Mesmo no ambiente de pouca luz, Madeline viu-o empalidecer e falar com constrangimento.

— Imagine se Diana chegasse e me encontrasse ainda com a aliança no dedo. Daria a pior das impressões. Obrigado — ele repetiu.

Madeline limitou-se a um aceno afirmativo de cabeça e procurou esconder o rosto corado. Não tinha muita certeza do que lhe deixara as faces em fogo, pois haviam lhe ocorrido uma dezena de idéias de como Adam poderia pagá-la por aquilo que ele chamava de "bondade".

— Bem, eu já lhe contei por que saí de Yorkshire — Adam declarou com voz mais firme. — E quanto à senhorita? Por que estava tão ansiosa para deixar sua casa e casar-se com um homem que mal conhecia?

Madeline fitou-o, confusa.— Por Deus, Madeline, a revelação não deve ser tão trágica, não é?— Tem razão, Adam. Não é. Eu agi precipitadamente. Não tinha uma

idéia concreta para onde estava indo e nem o que me esperava. Eu estava contente por sair da casa de meu pai e, quem sabe, pensava em esconder minha cabeça na areia.

Talvez Madeline estivesse camuflando um pouco a verdade. Mas não poderia contar-lhe que desejava casar-se com Adam Coates por ele ser o homem dos sonhos de Madeline Oxley. Nem teria cabimento ater-se a esses detalhes... insignificantes.

— Por que se alegrou tanto de abandonar Yorkshire? Seu pai tem alguma semelhança com um tirano?

Que estranho. Madeline viera à Nova Escócia para fugir e esconder-se de um escândalo que a arruinara. Entretanto deparava com a vontade de ressuscitar o assunto e contar tudo. Na certa, a intenção de Madeline fosse

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despertar uma intimidade maior com Adam e sentir-se mais próxima dele. E ela advertiu a si mesma de que se tratava de uma atitude errada e idiota, sem a menor sombra de dúvida. Deus que a ajudasse depois da chegada de Diana.

— Meu pai foi um dos motivos por eu ter deixado Yorkshire, mas não o único. A principal razão foi eu desejar um recomeço por haver descoberto, de uma maneira muito difícil, que a reputação de uma mulher é tão frágil quanto o vidro e, uma vez quebrada, não é tão simples de ser reconstruída. Adam fitou-a com interesse.

— O que aconteceu, Madeline? A senhorita não foi... Ela sacudiu rapidamente a cabeça.

— Não é o que está pensando. Nada aconteceu comigo. Nunca. Mas o que acontece a uma mulher não é tão importante quanto o que "parece" ter acontecido. Quando eu tinha dezoito anos, fui a Stanley Hall para ser preceptora dos filhos de lorde Jeffrey. E em uma ocasião, o vigário local seguiu-me até o jardim e tentou agarrar-me, pelo que foi presenteado com um olho roxo.

Adam não escondeu a satisfação e deu um soco no ar.— Ainda bem, Madeline, que conseguiu salvar-se.— Bem, eu também pensei isso, mas meu pai foi de opinião

completamente diferente. Ele pagou uma grande soma ao vigário para este casar comigo, mas eu me recusei a obedecer às ordens de meu pai. A história espalhou-se, não me pergunte como, e o vigário me acusou de tê-lo seduzido. A minha reputação estava arruinada. O vigário perdeu seu posto e insistiu em ficar com o dinheiro como recompensa por perdas e danos. Meu pai nunca me perdoou por eu não ter aceitado casar-me com o candidato dissoluto. Antes desse episódio, sempre tive a intuição de que meu pai apenas me tolerava. Jamais pude acreditar que ele me amasse como amava Diana. Depois do que aconteceu, tive certeza de que ele passou a desprezar-me. i

— Desprezá-la! A própria filha! Por ela ter-se defendido de um devasso! Só posso rezar para que, se um velho tê-la marcado com um profundo sofrimento. Isso não é fácil de suportar.

Madeline abaixou os olhos e anuiu com gestos pausados de cabeça.— Por isso eu queria ficar aqui na Nova Escócia, mesmo depois de ter

descoberto que a noiva esperada era Diana, e não eu.— Mas eu a estimo muito, Madeline — Adam afirmou com carinho.Ela recomeçou a tremer. O que ele queria dizer com isso? O instinto

racional a advertia para não interpretar erroneamente as palavras de Adam. Não deveria permitir a si mesma ter falsas esperanças de que ele poderia querê-la do ponto de vista romântico.

Ao mesmo tempo, a parcela ínfima de expectativa de que aquilo pudesse ser verdade levantou-lhe o ânimo e introduziu uma réstia de luz em seu coração. Tateando com cuidado e muito receio, Madeline advertiu a si mesma para pesar bem as palavras.

— Eu não entendi.— Eu quero que fique conosco, Madeline. Preciso que fique.Ela já tivera uma lição e aprendera muito bem. Não poderia mais

atrever-se a ter nenhuma ilusão a respeito de Adam Coates. Primeiro ele teria de vir com uma proposta de casamento.

— Eu não entendi — ela repetiu. Adam fitou-a com olhar intenso.— A Sra. Dalton vai casar-se. Ela nos deixará em poucos dias. Estou

desesperado. Não quero que vá embora, Madeline, pelo menos até eu poder encontrar outra governanta.

Madeline experimentou a sensação de que alguém lhe apertava o peito

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com uma cinta de ferro.— Está me dizendo que precisa que eu fique como sua governanta?— Bem, não era esse o seu plano? Sustentar a si mesma na Nova

Escócia? Pode ter certeza, Madeline, não se trata de um oferecimento de caridade. Eu necessito da sua presença nesta casa.

— Mas eu já prometi trabalhar com os Ripley.— Eu dobro qualquer oferta que eles possam ter feito. — Como

Madeline nada respondeu, Adam insistiu. — Posso até triplicar o que eles lhe ofereceram.

Madeline engoliu a raiva que estava sentindo por saber que não adiantaria torturar-se. A razão lhe dizia que Adam não cometia nenhuma maldade ou ofensa em pedir-lhe para ficar. Ele não conhecia, e nem poderia imaginar, a intensidade e o teor dos sentimentos que ela lhe dedicava. Ela os escondera e depois os enterrara. Para Adam, Madeline Oxley não passava de uma futura cunhada. Ela continuava invisível, como sempre fora em sua vida.

— Por favor, Madeline, não pode deixar-nos agora, depois de ter-se tornado tão amiga das crianças. Elas a adoram. Eu a adoro. Poderíamos ser muito felizes juntos. Eu lhe imploro: considere a hipótese de ficar.

Madeline tentou imaginar o futuro. Seria possível haver alguma coisa boa para ela naquela situação? Pensou na chegada de Diana e em seu casamento com Adam. Madeline seria forçada e vê-los retirarem-se para o quarto todas as noites. E ficaria sonhando que "ela" era quem deveria estar na cama, nos braços de Adam.

Teria de escutá-los falando, rindo e vê-los saírem a sós, como acontecera havia tantos anos. Não poderia imaginar destino pior. Adam segurou-lhe o queixo e, sob a luz trêmula das velas, Madeline leu o pedido em seu olhar. Ah, se fosse um tipo diferente de rogo, um cheio de paixão e desejo, Madeline seria incapaz de resistir ao que estava proibido para ela.

— Por favor, Madeline, não vá embora. Eu não poderia ficar sem a sua companhia. Não agora. Nós nos tornamos tão bons... amigos.

Madeline sentiu a carícia no rosto que Adam fazia com o polegar e usou toda a força de vontade para conter o desejo de tocar nele. O odor convidativo e delicioso do corpo másculo inundava-lhe os sentidos. Estavam parados ao lado da estante, olhando um para o outro. Madeline distinguiu a fragrância do sabão de barba, da cera derretida das velas e dos livros nas prateleiras. Ouvia o próprio coração palpitar em seus ouvidos.

Adam continuou a acariciar-lhe o rosto. Madeline sentia-se tão próxima dele! E certamente não era pela distância. Mas Adam estava muito enganado se pensava nela como uma criança. Ela era uma mulher que desejava pertencer a ele de corpo e alma. Haveria uma oportunidade de aquilo vir a acontecer? E se Diana não viesse para a Nova Escócia? Adam Coates passaria a enxergar Madeline Oxley de verdade, e não como um objeto utilitário do momento?

Aquela idéia a atingiu como um raio.E se sua irmã não chegasse? Era uma possibilidade. Ao receber a carta

de Adam, Diana poderia simplesmente já ter se casado de novo. O período de luto terminara havia alguns meses e Madeline não falara com a irmã desde aquela época. O pedido de casamento levaria no mínimo seis semanas para chegar. Essa não seria uma bela oportunidade para Adam apaixonar-se por Madeline nesse meio-tempo?

Deus, mas no que estava pensando?, ela recriminou-se. Nunca se considerara uma pessoa malvada. Amava a irmã e, se Diana viesse, Madeline não iria roubar-lhe o verdadeiro amor.

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Por outro lado, Adam também era o amor de sua vida. Por que ela deveria sacrificar a felicidade em favor de Diana? Sua irmã sempre ficara com a melhor fatia de tudo e, quando encontrara coisa melhor, abandonara Adam sem a menor consideração. Enquanto isso, Madeline sofrera e fora punida por um delito que não cometera e que acabara por escapar de seu controle. Diana tivera a sorte de nascer primeiro. E também não fora culpa de Madeline que a mãe morrera logo após dá-la à luz. O fato de não haver conhecido a mãe talvez tivesse sido muito pior para ela do que fora para Diana e para o pai.

Ainda assim, permanecia uma verdade inexorável. Adam amava Diana, e não Madeline. E ela não tinha certeza de que poderia mudar isso, mesmo se tentasse. Diana fora sempre o amor da vida de Adam.

— Bem, o que resolveu? Vai ficar conosco? — ele perguntou, ainda acariciando-lhe a face.

Madeline concluiu que aquele gesto era de sedução, com toda a certeza. Talvez não no sentido sexual e nem mesmo consciente. Mas efetivo de qualquer maneira, por ter acertado o alvo. Madeline não podia conceber a idéia de deixar Adam.

— Está bem, Adam. Eu ficarei.

CCAPÍTULOAPÍTULO IX IX

O céu estava azul e o sol, muito quente no campo meridional onde Adam, Jacob e Charlie plantavam a primeira safra de cevada da estação. Os dois rapazes andavam de um lado para outro pelo campo, trabalhando com afinco e com os sacos de sementes sobre os ombros. Os chapéus de palha de três pontas evitavam que o sol batesse nos rostos curvados para a terra.

Adam deteve-se por um momento, ajoelhou-se e segurou um punhado de terra. Sentiu-lhe o frescor na palma e analisou a cor escura.

Nisso, sua atenção foi desviada para um gavião que pairava nas alturas. Adam pensou na conversa que tivera com Madeline no escritório, havia algumas noites, quando ele se lembrara da época em que trabalhava em Yorkshire em uma fazenda que não eram sua.

De volta àqueles dias, não se recordava de ter parado alguma vez o que estivesse fazendo, só pelo prazer de sentir a terra entre as mãos. Era claro que remexia no terreno para ver se estava seco, úmido ou se era arenoso. Mas nunca pela vontade de experimentar o contato. Naquela época não sentia aquele impulso físico que o fazia sorrir. Tinha a impressão de que as terras de Cumberland faziam parte dele. Vê-las produzir dava-lhe a mesma satisfação que ver Penélope gritar de alegria quando conseguia completar uma tarefa. Ou ver Jacob sorrir para Mary com amor e orgulho no olhar. Ou ver Charlie ajudando com a seriedade de um adulto.

Adam ficara feliz com a decisão de Madeline de não ir embora. Ela o entendia e sabia do que ele gostava. Ela o fizera ver muitas coisas pelas quais deveria agradecer, em vez de ficar lamentando o que perdera. Admirava-se pela

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maturidade de Madeline, que era tão jovem. Em muitos aspectos, ela poderia dar-lhe lições de compreensão e de vida.

Naquele momento, Adam notou um cavaleiro subindo o cômoro pelo caminho que vinha do pântano. Adam deixou a terra escorregar-lhe da mão, limpou as palmas e caminhou em direção ao estranho. O jovem parou na estrada e desmontou.

— Olá, pessoal!Adam pisou nos sulcos feitos pelo arado e reconheceu quem era o

recém-chegado: o jovem que haviam encontrado na fortaleza de Cumberland, o camarada que falara com Madeline. Adam chegou à margem do campo e saudou-o.

— Bom dia. É John Metcalf, não é verdade? John animou-se ao cumprimentá-lo.

— Isso mesmo. Madeline falou-lhe a meu respeito? Adam sentiu os músculos das costas enrijeceram-se.

A razão da visita tornava-se clara.— Ela me disse seu nome depois de ter falado com o senhor.— Ah, sei. — Ele espiou ao redor, por sobre o ombro de Adam. Viu

Jacob e Charlie no campo.— Seus filhos?— São. Em que posso servi-lo, Sr. Metcalf? John tirou o chapéu.Marcas do Destino— Bem, estou aqui por dois motivos. Eu gostaria de saber se o senhor

está interessado em arrendar terras. Disseram-me que o senhor tem um lote arrendado para um camarada em Fort Lawrence Ridge.

— Isso mesmo. Na verdade, dois lotes. E também outro trecho perto da cidade de Sackville. — Adam não sabia por que contava aquilo para Metcalf. Nenhum daqueles lugares estava vago.

John suspirou e não ocultou um traço de nervosismo.— O senhor está querendo arrendar alguma de suas terras no

momento?— Não, tenho arrendatários excelentes. São homens muito

trabalhadores e estão acompanhados de suas famílias.— Por acaso, eles não estão procurando comprar alguma coisa ou

mesmo pretendendo mudar-se em breve?— Se eles quisessem comprar ou estivessem prontos para fazê-lo, eu

lhes venderia as terras onde estão morando.— Por acaso o senhor conhece algum fazendeiro que esteja à procura

de um arrendatário? Desde que cheguei, estou tentando encontrar alguma coisa e sou obrigado a confessar que não tive sorte.

Adam tirou o chapéu e limpou o suor da testa com uma das mangas.— Não me lembro de ninguém de imediato. O senhor já tentou em

Petticodiac?— Petticodiac? Mas está a quilômetros de distância! Adam hesitou.— Por acaso o senhor tem o coração assentado em Oumberland?— Eu gostaria de ficar perto das pessoas que conheci no navio, senhor.

E, pelo que sei, todas estão procurando instalar-se por aqui.Adam observou que John suava sem parar sob o sol inclemente.— Bem, então o senhor poderia tentar River Hebert. Ou Maccan.John fitou Adam com desânimo. Pela expressão do jovem, Adam supôs

que as localidades citadas também foram consideradas muito distantes.— Acho que terei de continuar procurando — John afirmou, antes de pôr

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o chapéu na cabeça. Tornou a olhar para Charlie e Jacob. — Será que o senhor não gostaria de ter alguma ajuda extra? Até encontrar o que procuro, estou desempregado.

Adam pigarreou.— No momento não estou precisando de ninguém. Entretanto não me

esquecerei do senhor na época da colheita do feno. Eu sempre contrato peões nessa ocasião.

Seguiram-se alguns minutos de silêncio desconfortável.— Qual foi o segundo assunto do qual o senhor veio tratar? — Adam

perguntou.John corou como uma beterraba e tirou o chapéu mais uma vez.— Bem, senhor, eu vim pedir sua permissão para... O rapaz parou e

engoliu em seco. Tudo estava quieto.Não ventava. O gavião circulava novamente.— Sim? — Adam pressionou-o.— Bem, senhor, eu queria sua permissão para conversar com Madeline

— John falou depressa, tudo de uma vez só.Por um instante, Adam não soube o que responder. Ele suspeitara que o

pedido viria, desde o começo. E não se sentia à vontade pelo fato de desejar que John nada houvesse dito.

Adam tratou de acalmar a consciência. Afirmou a simesmo que se sentiria da mesma forma se Penélope fosse mais velha e um jovem viesse cortejá-la. O primeiro impulso também seria recusá-lo. Mas não o faria, a menos que tivesse um bom motivo.

E qual uma boa razão para recusar John? Oh, Deus, por que não conseguia encontrar nenhuma? Onde estariam as mais simples e óbvias? Adam hesitou mais um pouco e a quietude incômoda de havia pouco transformou-se em algo quase intolerável.

— Madeline estava esperando o senhor hoje?Se a resposta fosse afirmativa, Adam poderia sentir-se irritado, mesmo

tendo certeza de que não havia causa plausível para exasperações. Seria irracional e ridículo. E Adam Coates não era um homem afeito a essas coisas.

— Não, senhor. Primeiro eu tinha por obrigação procurar o seu consentimento. Presumi que o senhor deve estar agindo como... não como pai... mas como...

Pai?— Tutor — Adam terminou por ele.— Isso mesmo! Tutor. Obrigado, senhor.Adam passou o peso do corpo de um para o outro pé. Não estava

gostando de como se sentia. Não lhe agradava aquele mau humor, ainda mais que havia pouco, no campo, sentira-se no topo do mundo.

— Quando o senhor pretende visitar Madeline? — Adam perguntou por perguntar.

John empalideceu e Adam entendeu que seu tom rude intimidava o rapaz. Embora devesse lamentar o fato, não sentiu o menor remorso. Afinal, o propósito dos tutores não era intimidar os jovens candidatos?

— Eu gostaria de visitá-la hoje, senhor, se me for concedida a autorização — a voz de John falhou na última palavra.

Adam deu um suspiro longo e profundo, antes de recolocar o chapéu na cabeça.

— Está bem. Por uma hora. A cor voltou ao rosto de John.— Obrigado, senhor.

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Adam não respondeu. Simplesmente observou a energia do jovem, que voltou ao lombo do cavalo em um salto.

— Até logo, senhor! — John saiu galopando em direção à casa.Adam, sem ação, fitou a nuvem de poeira que se erguia atrás dos

cascos ribombantes. De repente, sentiu uma dor nas costas, de ficar muito tempo curvado, plantando cevada. Por que precisava sentir aquela ardência?

A resposta era simples e começava a preocupá-lo mais do que gostaria de admitir. Preocupar não era bem a palavra certa. Aterrorizar seria muito mais próximo da verdade.

Adam cerrou os maxilares involuntariamente, virou-se e voltou ao campo arado. Mas que droga! Por que John Metcalf tinha de fazer Adam aspirar a uma juventude que já perdera? E por que deveria estar galopando ao encontro de Madeline? Não havia como negar. Ele estava com ciúme!

Assim que admitiu o fato, uma outra noite no seu escritório veio-lhe à mente. Fizera um grande esforço para não pensar no que acontecera, mas já não podia afastar as recordações. Suas mãos no corpo de Madeline. O aroma doce daquela pele suave. Os cachos sinuosos de seus cabelos. Os lábios tentadores e úmidos.

Um conjunto que provocara nele um turbilhão de percepção apaixonada. Adam parou no meio do campo, atônito. Não deveria jamais ter segurado Madeline nos braços. Não deveria nem tê-la tocado. Dera motivos sólidos para a sua mente tecer fantasias. Um momento de ternura singela que se repetia de maneira incessante em sua memória.

Deus que o ajudasse. Se ficasse sozinho com ela novamente, sentindo aquela fome inesperada que brotava de onde estivera havia muito escondida, não tinha certeza se poderia resistir-lhe, como ocorrera naquela noite. Fora mesmo de enlouquecer a maneira como ela o fitara com a face molhada de lágrimas e os olhos cheios de adoração. Ele poderia ter-se aproveitado da atração que Madeline dera a impressão de sentir, ainda mais que fora penoso controlar seus próprios sentimentos. Os mesmos que de repente se tornavam difíceis de explicar ou negar.

Havia quanto tempo não segurava uma mulher em seus braços?, Adam refletiu, pesaroso. Desde que Jane morrera e, para usar de honestidade, eleja não a abraçava muito antes disso. Desde quando, rotineiramente, as portas eram batidas a sua frente ao anoitecer.

Naquela altura dos acontecimentos, Adam sentia-se com um urso acordando da longa hibernação na caverna. Ávido. Faminto. E ele entendeu, com uma torrente perturbadora de pavor, que seu mundo começava a tornar-se muito complicado. Madeline estava sentada na cozinha, depenando um frango para o jantar, quando uma batida soou na porta da frente. Levantou-se para atender e caminhou até o corredor, mas Agnes, que ainda não fora embora, adiantou-se para ver de quem se tratava.

Era John Metcalf. De pé nos degraus da varanda, nervoso, segurava o chapéu preto de encontro ao peito. Disse qualquer coisa para Agnes e ela convidou-o a entrar. O rapaz fitou Madeline com olhar apreensivo e ela entendeu qual era o motivo da vinda de John.

— A senhorita tem visita — Agnes avisou Madeline do que parecia óbvio.

— Bom dia, Srta. Oxley — John cumprimentou-a. Madeline pôs as mãos para trás e desamarrou o avental.

— Um minuto só, John.Madeline voltou para a mesa de trabalho da cozinha, fitou o frango meio

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depenado, que teria de aguardar mais um pouco para ser temperado, deixou o avental sobre o encosto de uma cadeira e lavou as mãos no balde de enxaguar. Alisou alguns fios de cabelos que haviam se soltado do coque e voltou ao hall de entrada.

— O que o traz aqui, John?— Eu vim para vê-la, srta. Oxley. O Sr. Coates deu permissão. Mas

somente por uma hora.O coração de Madeline bateu em descompasso.— O senhor falou com ele?— Sim. Eu acabei de encontrá-lo na estrada. Ele e os filhos estavam

ocupados com a plantação no campo.— E o senhor perguntou-lhe se poderia...— Sim, pedi-lhe permissão para visitá-la. Visitar-me? Nunca ninguém

me visitou. Madeline engoliu com dificuldade e teve de lutar para encontrar a voz.

Ela desejou que seus pensamentos não voassem direto para Adam em tais circunstâncias. Gostaria de não imaginar como Adam se sentiria com o pedido de John para cortejá-la. Supôs que, no mínimo, ele devia estar preocupado pela possibilidade de perder outra governanta.

Mas ainda havia a hipótese remota de que a visita de John pudesse torná-la visível para Adam. Talvez Adam pudesse vê-la como mulher pela primeira vez, ao notar que outro homem a achava atraente, mesmo que nem ela acreditasse nisso.

— Ah, sei. O senhor não gostaria de entrar? John sorriu com animação e seguiu-a até a sala de estar.

— Vou fazer chá — Agnes anunciou, antes de voltar para a cozinha.Madeline sentou-se no sofá de chintz e John ocupou uma poltrona de

veludo verde, do outro lado da sala. Por alguns minutos, nenhum dos dois disse nada. John passou os olhos pelo recinto. Viu os quadros emoldurados nas paredes e o relógio de carrilhão que interrompia o silêncio. Espiou o piano a um canto e mexeu-se na poltrona.

— O Sr. Coates tem uma casa muito bonita — John comentou.— É bastante confortável.— É bem mais do que isso. É um verdadeiro palácio, comparada às

moradias que há por aqui. Talvez devêssemos começar a chamá-lo de Senhor dos Pântanos.

Sem achar nenhuma graça no tom cínico de John, Madeline esfregou o polegar nos dedos. Seriam sessenta minutos que demorariam demais para passar. Adam parou sob o sol da manhã, com as botas enterradas no solo, e tirou o chapéu para limpar a testa com uma das mangas. Não havia vento naquele dia.

Tudo estava muito quieto. Tudo menos os insetos que zumbiam em uma cacofonia insistente. E os pensamentos que também não paravam de zunir aquela sinfonia desagradável em sua mente. Esperava que tudo estivesse transcorrendo dentro dos parâmetros da normalidade entre Madeline e John. Talvez fosse interessante dar uma espiada.

Não, certamente não seria necessário. Estava apenas procurando desculpas para interrompê-los. Se pretendia contrariar John Metcalf, seria melhor desistir. Adam Coates nada a tinha ver com qualquer coisa que se relacionasse à vida de Madeline.

Quaisquer que fossem os sentimentos impróprios que pudesse ter por Madeline, eles teriam de ser enterrados, pois já enviara um pedido de

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Julianne MacLeanJulianne MacLean – Clássicos Históricos Especial 180 – Clássicos Históricos Especial 180 – Marcas do Destino – Marcas do Destino

casamento para a irmã, Diana. Mandara todos os documentos necessários para que um matrimônio por procuração pudesse ser efetivado. A partir daí, tudo escapava de seu controle. O pedido estava a caminho, navegando pelas águas azuis do oceano Atlântico e Adam não poderia fazer o navio voltar. Nem mesmo estava certo de que fosse aquela a sua vontade. Era de pressupor-se que Diana deveria ser o grande romance de sua vida, a mulher por quem sempre sonhara e a quem ainda amava. Pelo menos até aquele momento.

O problema era que já estava ficando irritado de tanto repetir as mesmas afirmativas para convencer-se. Enterrou o chapéu na cabeça e tentou voltar ao trabalho da plantação. Mas a despeito da decisão drástica, tomada havia instantes, de não pensar mais em Madeline, ocorreu-lhe que talvez Agnes pudesse não se encontrar na casa com Madeline e John Metcalf.

Adam não raciocinara com eficácia. Primeiro teria de verificar se Agnes estava presente e depois dar a autorização para John visitar Madeline. E se Agnes estivesse no celeiro na hora da chegada de John Metcalf? E se Madeline estivesse sozinha na casa para recebê-lo? Eles ficariam sem acompanhante.

Mas que droga! Ele não era mesmo bom nisso. Nunca representara aquele papel. Não esperara ter de enfrentar essa situação até Penélope crescer, o que ainda iria demorar bastante. Um bom número de anos!

Quando mandara buscar Diana, esperava uma noiva, e não uma pupila. E lá estava Adam Coates encontrando desculpas novamente. Madeline não era sua protegida. Era uma mulher em todos os sentidos e muito atraente. Com o passar dos dias, mais Adam se tornava consciente do fato.

Ele observou o campo onde Jacob e Charlie trabalhavam com rapidez e eficiência. Ficou um bom tempo a fitar os filhos, motivos de seu orgulho e de sua dedicação. E mais uma vez tornou a refletir sobre os meandros intrigantes da mente humana. Se não houvesse feito um pedido de casamento para Diana, iria direto para casa, interromperia a visita de Metcalf e ele mesmo começaria a cortejar Madeline?

Adam sentiu a cabeça latejar. Realmente não sabia como resolver o dilema. Enfiou a mão dentro do saco de trabalho, tirou uma mancheia de sementes e espalhou-as pelo solo.

De uma coisa Adam tinha certeza. Não iria, de maneira alguma!, voltar para casa e fazer-se de tolo. Permaneceria exatamente onde estava. E se soubesse o que seria melhor para ele, combateria aquela inquietação e converteria a insensatez em um comportamento racional.

A idéia meritória não durou nem dois minutos. Com profunda vergonha de admitir que sua força de vontade fora derrotada, Adam lançou o último punhado de sementes no solo arado e foi direto para casa.

CCAPÍTULOAPÍTULO X X

Madeline demonstrava cortesia e interesse para escutar as histórias de John sobre sua família de Yorkshire, enquanto bebia o chá. Nisso, a porta da frente da casa foi aberta com um ímpeto não usual.

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Adam adiantou-se, parou na entrada e ambos se entreolharam. Madeline achou-o agitado demais para uma ocasião corriqueira. Estaria ele com raiva de si mesmo?

Com movimentos propositalmente calmos, Madeline deixou a xícara sobre o pires. Adam deu uma olhada rápida para John, fez um gesto de cabeça sem maior significado e foi em direção à cozinha, pisando duro. Madeline indagou-se o que poderia haver de errado. Deveria falar com ele e perguntar-lhe o que acontecera, se havia algum problema e tentar ajudá-lo de qualquer forma?

Com o coração disparado, Madeline respirou fundo para acalmar-se. Recriminou-se pela ansiedade e disse a si mesma que o mau humor e os problemas de Adam eram de competência exclusiva dele. E nem deveria preocupar-se com Adam, quando estava recebendo a visita de um cavalheiro.

Agnes, que estava sentada ao lado de Madeline no sofá, não fez comentários. Nem mesmo pareceu confusa ou surpresa. Apenas continuou tomando o chá.

A conversa assumiu um tom ainda mais monótono. Alguns minutos depois, Penélope desceu as escadas e veio para a sala. Madeline sorriu, contente com a interrupção e mirou com ternura os grandes olhos castanhos, enquanto ouvia a doce voz musical da menina. Penélope contou-lhes, eufórica, como o bebê agarrara o polegar dela e custara a soltar seu dedo, mesmo quando fizera um esforço para desvencilhar-se.

Madeline refletiu no que Adam estaria fazendo na cozinha durante todo aquele tempo. Teria visto o frango que não estava totalmente depenado? Ele não poderia ocupar a mesa por estar a sua superfície coberta com os ingredientes para o jantar? Ou estaria prestando atenção à conversa deles?

— E se tudo der certo para mim, será uma boa oportunidade para meus irmãos virem também para a Nova Escócia — John continuou.

Madeline percebeu que perdera uma boa parte das explicações do jovem.

— Por que não levamos o Sr. Metcalf para um passeio? — Penélope sugeriu. — Poderemos mostrar-lhe o balanço.

— Acho que a mocinha está querendo alguém que a empurre — Agnes retrucou com bom humor.

— Pois eu posso empurrá-la — John propôs com boa vontade.Penélope levantou-se e Madeline tornou a largar a chávena para ir com

eles.— Pode deixar, Madeline, eu arrumo tudo — Agnes ofereceu-se. — Vão

dar um passeio e aproveitem o bom tempo.Madeline seguiu Penélope até a porta, mas sentiu que Adam os

observava. Olhou de esguelha e o viu em pé, parado, mirando-a com olhar intenso e sombrio, bebericando uma caneca com café.

Madeline sentiu a pele formigar e quase não resistiu à vontade de ficar e descobrir se acontecera algo, pois Adam parecia muito diferente. Mas resistiu ao impulso. Não havia sentido em acalentar a intimidade dos que se consideravam apenas amigos e nem em alimentar sentimentos proibidos que já se encontravam perigosamente fora de controle.

Seguiu John e Penélope para fora, onde a menina encantou-se com um maçarico-do-bico-torto que estava empoleirado no banco de pedra próximo ao arvoredo de bétulas. Penélope começou a andar pé ante pé e com a mão estendida, procurando fazer amizade com o pássaro.

Agradecida pela distração, Madeline entreteve-se com os movimentos da garota, enquanto John não deixava de fitá-la.

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— Aquele pássaro vai fazer sujeira no banco. Penélope não os alimenta, não é mesmo? Isso só atrairia mais companheiros dele nas redondezas.

Madeline continuou com a atenção em Penélope, que se mostrou claramente infeliz, assim que a pequena ave voou para longe.

— Acho que ela gosta do canto deles — Madeline explicou a John.Metcalf deu de ombros e seguiu Madeline. Ela se encaminhou para a

colina, por uma trilha entre as árvores. Penélope ia à frente deles, pulando. No meio dó caminho, a garota parou em uma clareira para colher as flores amarelas, brilhantes e cheirosas das camomilas.

John contou suas dificuldades em conseguir um lugar para morar e Madeline escutou com paciência tudo o que o rapaz dizia. Ele fez um relato sobre as pessoas que encontrara no forte na semana anterior e afirmou ter-lhes pedido orientação sobre boas terras. Também referiu-se às fazendas, ao gado e às colheitas. Revelou suas ambições e seus planos.

Madeline concluiu que se tratava de um jovem bonito, cortês e respeitoso. Alguns fios de cabelos fulvos caíam sobre a testa e estavam amarrados na nuca em um rabicho. Se houvesse mais jovens solteiras em Cumberland, certamente estariam disputando sua atenção.

Madeline curvou-se para passar sob alguns ramos mais baixos de um vidoeiro e apontou para um carvalho alto e centenário. ,

— Ali está o balanço.Penélope correu e acomodou-se nele com um pulo. Ela riu muito quando

John a puxou para cima girou a corda e soltou-a. Penélope virou em círculos, com as saias balançando ao vento.

Madeline encostou-se no tronco maciço, cuja casca era coberta por líquen e manchas pequenas de musgo verde. Comprazeu-se com o ar frio que lhe acariciava o rosto. Olhou John empurrar Penélope e teceu reflexões sobre ele. Aquela visita teria o intuito de cortejá-la ou seria simplesmente uma demonstração de boa vizinhança? Ela não pôde decidir do que se tratava por não ter experiência no assunto. Em Yorkshire, jamais recebera a visita de nenhum jovem, fosse por um motivo ou pelo outro.

Outro pormenor importante. John não conhecia seu passado. Caso contrário, não estaria ali a sua procura.

E, na verdade, ele se importaria se soubesse? Madeline supôs que, pela escassez de mulheres descomprometidas em Cumberland, os homens tenderiam a tornar-se menos seletivos e com maior vontade de constituir família. Não poderiam se dar ao luxo de escolher.

Mas que insulto horrível!, Madeline admoestou-se. Tanto para ela, quanto para John. Ele era um jovem atraente e um bom partido. Por sua vez, ela mesma não se considerava nenhuma mercadoria imprestável e de segunda linha, mesmo que fosse invisível para todos os homens. Todos, não. Para a maioria.

Se John decidisse vir visitá-la com frequência, ela deveria dizer-lhe o que estava acontecendo? Como ele reagiria? John Metcalf seria tão compreensivo como Adam e dar-lhe-ia tanta proteção como ela vinha recebendo?

Agora ficará aos meus cuidados e eu defenderei sua honra até a morte, se for preciso. Lamento não ter sabido antes de toda essa história. Eu a teria protegido. Um gritinho de Penélope fez Madeline voltar ao presente. Com um suspiro, afastou-se do tronco do carvalho.

— Talvez seja melhor voltarmos — John sugeriu. — Já se passou uma hora. Eu não gostaria de desagradar ao Sr. Coates logo no primeiro dia.

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No primeiro dia. John Metcalf pretendia voltar. Madeline esperou Penélope pular do balanço e desceu a colina à frente deles, pensando em como se sentia diante da possibilidade de John retornar para outra visita.

Agnes casou-se em uma cerimônia íntima na casa de Adam. Seguiu-se um almoço comemorativo em que todos comeram panquecas de amoras com melaço de bordo, salmão escaldado, bolo de nozes e torta de maçãs.

Logo depois do meio-dia, Agnes partiu com o marido e deixou Madeline encarregada de cuidar da casa. A partir de então, Madeline assumiu suas funções sem pestanejar. Preparava as refeições da família, ajudava Mary a cuidar do bebê e passava muito tempo com as crianças.

Em uma tarde da semana seguinte, Madeline terminou mais cedo as tarefas e resolveu dar um passeio para apreciar o grande pântano. As nuvens mostravam-se compactas e pesadas. O solo ainda estava úmido por causa da chuva recente. A distância, um nevoeiro denso envolvia o cômoro arborizado do outro lado do charco. Era possível sentir o cheiro penetrante e salgado do mar.

Ultimamente não sobrava muito tempo para seu próprio lazer, Madeline refletiu e fitou a ponta das botas que apareciam sob a saia, ao sabor das passadas largas.

Aquele pensamento não refletia uma queixa. Muito pelo contrário. Na verdade, ela até gostava do ritmo incessante de trabalho. Vinha ensinando multiplicação para Charlie e Penélope. Na véspera, eles haviam decidido organizar uma disputa de ortografia para depois do jantar de terça-feira. Seria uma diversão especial em homenagem a Adam que, ausente nos últimos dias, retornaria naquela tarde.

Adam viajara para Halifax a fim de encontrar-se com o novo governador da Nova Escócia, o visconde Blackthorne. Adam pretendia pedir-lhe incentivos para formar uma comissão encarregada de preservar os pântanos. Lorde Blackthorne chegara da Inglaterra havia um mês e, ansioso para tornar-se um bom representante do rei George, procurava familiarizar-se com a colônia e com os assuntos referentes às terras.

Adam preocupava-se por notar que vários fazendeiros negligentes de Cumberland estavam descuidando de seus quinhões de terras férteis e úmidas. E essa desatenção poderia afetar todos os fazendeiros, se acontecesse algum imprevisto.

Adam acreditava que lorde Blackthorne poderia ser receptivo quanto as suas reivindicações. Era bem conhecido o fato de que o aristocrata de meia-idade tinha relações estreitas com Yorkshire. Por esse motivo, parecia sinceramente interessado no sucesso de Cumberland. Ele costumava dizer que os fazendeiros de Yorkshire eram os melhores que conhecia.

Madeline desceu a colina escarpada rumo à baixada, para onde Adam a levara para cavalgar havia poucas semanas. Parecia haver decorrido séculos desde aquela ocasião e a cada dia que passava, mais os dois estreitavam a amizade.

Madeline ouviu o tropel de um cavalo as suas costas e virou-se. Adam havia parado o galope e sentava-se com muito garbo sobre a sela de seu grande corcel. Ela refletiu que poderia até ser a imagem de um príncipe que viera a sua procura, com o manto negro desfraldado ao vento. A camisa branca brilhava e a gravata estava amarrada em um nó perfeito no pescoço. Não havia terra ou pó em suas botas. Até os botões de latão do casaco tinham sido polidos e refletiam a luz do sol. Madeline procurou ignorar a comichão que sentia no estômago.

— Boa tarde, Madeline. — Adam aproximou o cavalo.— Olá. Seja bem-vindo.

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— Foi tudo bem enquanto eu estive fora?— Muito bem. Como foi a sua viagem?— Ótima, obrigado.Adam admitiu que ultimamente vinha evitando ficar a sós com Madeline.

Esperava que os dias passados em Halifax houvessem ajudado a esfriar a insensata e perigosa atração sentia por ela. Em parte, esperava que as reações indesejáveis tivessem sido uma conseqüência da visita de John Metcalf e de uma competitividade masculina básica. E que nada tinham a ver, especificamente falando, com Madeline. Devia ser apenas a ansiedade de querer ser jovem outra vez.

Mas quando Adam fitou os olhos grandes, a beleza suave e o ar inocente de Madeline, a sua circulação acelerou-se. Teve certeza de que, com ou sem John Metcalf, não se tratava de uma fascinação efêmera. E seria um absurdo pensar que alguns dias em Halifax poderiam erradicar o que sentia. O cavalo batia os cascos, impaciente.

— Posso fazer-lhe companhia? Tenho muito o que lhe contar a respeito da minha viagem.

— Por favor, Adam. Tenho pensado muito sobre o andamento do assunto. Suas idéias foram bem recebidas?

Adam desmontou e caminhou ao lado de Madeline. Contou-lhe acerca das reuniões no Palácio do Governo. Adam fora convidado para dois jantares formais. Em um deles, sentara-se ao lado de um futuro duque inglês.

— Adam, quando saiu de Yorkshire, poderia imaginar uma coisa dessas?

— Não podia. Contudo devo dizer-lhe que fiquei agradavelmente surpreso com o interesse sincero que o jovem nobre demonstrou pela Nova Escócia e por sua ansiedade em conhecer os cidadãos locais, independente de classe ou posição social. Madeline, a vida é bem diferente aqui. Mesmo sem pertencer a uma posição social elevada, pode-se chegar até onde a sua ambição lhe permitir.

Adam sentiu uma onda de orgulho pela decisão que > tomara e pelos riscos que assumira ao trazer a família até uma terra desconhecida.

— E quanto ao pântano? — Madeline perguntou. — Discutiu sobre o assunto com lorde Blackthorne? Ele se solidarizou com as suas idéias e preocupações?

— Bastante, na verdade. Ele pretende vir até aqui para conhecer o Tantramar, e eu o convidei para ser nosso hóspede.

Madeline parou de maneira abrupta.— Adam! Um visconde ficará na casa conosco? Meu Deus! O que vou

dar de comer a ele?Adam deu risada.— Terá bastante tempo para pensar nisso. Ele vai demorar no mínimo

uma semana para chegar até aqui.— Uma semana! Só pode estar brincando ou então pretende provocar-

me!— Como eu poderia resistir diante de um protesto tão encantador?Tratava-se de uma brincadeira. Ambos sabiam disso. Mas Adam viu o

rosto de Madeline corar e entendeu que o cumprimento a desarmara. O fato de ela não estar acostumada a elogios apertava-lhe o coração. Adam gostaria de passar a próxima década cobrindo Madeline de louvores. E procurou preencher o momento de constrangimento com uma conversa mais amena.

— Sei que lorde Blackthorne gosta das nossas comidas típicas, bolinhos

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fritos de milho e aperitivos para tomar com conhaque. E tudo o que é feito com amoras.

— Bem, isso me dá algumas informações interessantes e tempo para preparar alguma coisa. Tem idéia de qual será a duração da estadia do visconde em Cumberland?

— Apenas alguns dias. O suficiente para ver o pântano e conversar com fazendeiros da localidade. Depois ele irá para Petticodiac e para Saint John River Valley.

Eles tocaram idéias por mais algum tempo sobre o que ocorrera durante a visita de Adam a Halifax. Ele adorou ficar a sós com Madeline, pois conversar com ela era um prazer imenso. Afinal, teria de contentar-se apenas com as pequenas coisas e delas extrair a maior satisfação possível. Madeline e ele eram apenas amigos e nada mais do que amizade poderia haver entre ambos.

Nisso Adam teve de tocar em outro assunto, bem menos agradável para ele.

— Antes de que eu me esqueça, encontrei John Metcalf hoje de manhã no caminho para o forte. Ele estava indo para Jollicure. Ainda não encontrou as terras que lhe possam ser convenientes.

— Ah, é?Pelo tom da resposta, Adam supôs que Madeline não sabia nada sobre

as atividades de Metcalf, o que o deixou mais contente.— Não se encontrou com John enquanto eu estive fora? — Adam

perguntou, esperançoso.— De jeito nenhum. Tenho estado muito ocupada. Bem, e por acaso

conversaram um pouco?— Sim. — De maneira deliberada, Adam não entrou em detalhes.— E o que foi que John disse?Era mesmo uma vergonha fazê-la implorar por informações, mas Adam

queria testar a curiosidade de Madeline em obter detalhes sobre John Metcalf.Aparentemente, ela estava ansiosa e pressionou-o por notícias. Adam

sentiu-se um pouco desapontado, embora houvesse tomado a resolução de não importar-se.

— Ele perguntou pela senhorita, naturalmente. Queria saber se não haveria impedimento em visitá-la de novo amanhã à tarde e se poderia passar mais outra hora a seu lado.

Madeline olhou para frente.— E o que foi que o senhor lhe disse?— Bem, eu respondi o que achei mais lógico. Que teria de perguntar-lhe

primeiro, pois eu não era conhecedor de seus desejos. E também que eu nem mesmo sabia onde a senhorita se encontrava para obter uma resposta.

— Bem, mas o senhor já me "encontrou".— Sim, é claro. Mary informou-me que a senhorita havia saído para um

passeio. Talvez por intuição, achei que poderia ter vindo para cá, pelo mesmo trajeto que fizemos juntos há poucas semanas.

Eles andaram em silêncio por mais algum tempo. O cavalo acompanhou-os e resfolegou no ar úmido.

— No futuro — Adam não negou a si mesmo que estivesse pressionando para obter maiores esclarecimentos —, se John perguntar se pode visitá-la, o que gostaria que eu lhe dissesse?

Madeline parou e Adam imitou-a, esperando por uma resposta.— Por acaso está querendo saber como me sinto a respeito de John?

Se eu quero que ele venha visitar-me?

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Ele a encarou, com fisionomia impassível, escondendo a impaciência que o acometera.

— É isso que estou lhe perguntando.— Pois eu gostaria muito que John viesse ver-me novamente.Adam endireitou os ombros.— Então está bem.Eles continuaram a caminhar. Adam procurou reprimir o desprazer que o

invadia, seguindo-o como uma sombra. Deus, tudo ficara tão confuso. A razão dizia-lhe que estava comprometido com a irmã de Madeline, mas o coração e o físico negavam-se a acreditar nisso. E, dentro dele, travava-se uma violenta batalha corpo-a-corpo. Nisso, Madeline deu uma batida no pescoço.

— Ai! O que foi isso?Adam aproximou-se e bateu palmas ao lado do ouvido de Madeline.— Um mosquito. Parece que eles nos descobriram. Adam olhou para as

mãos e limpou-as, tirando o minúsculo cadáver.Outro pequeno inseto chegou voando e rodeou Madeline. Ela recuou,

mas o danado seguiu-a.Adam agitou a mão diante do rosto de Madeline.— Eles devem estar gostando do seu cheiro.— Como assim?— A água de flores que sempre usa. — Ele envergonhou-se de revelar

que já notara.— Saiam daqui, coisas abomináveis e irritantes! — Madeline começou a

agitar as mãos e depois saiu correndo pelo gramado.Adam não pôde resistir às risadas.— Viu? Eu não lhe disse? Precisamos ir para casa. Eles aparecem

quando o tempo está úmido. Vamos subir logo o cômoro.Sem perda de tempo, Madeline voltou correndo até onde Adam se

encontrava e ele virou o cavalo. Eles subiram depressa a colina, onde começou a soprar uma brisa benfazeja.

— Tem razão — Madeline procurou por todos os lados. — Não há muitos deles por aqui.

— Até agora não, mas eu não me arriscaria a ficar parado por muito tempo.

— Quer dizer que não poderemos deter-nos nem para tomar fôlego?144145Marcas do Destinosentidos. Ainda é a mesma pessoa? Por exemplo, ela ainda gosta de

montar?— Diana e sir Edward costumavam caçar raposas com freqüência.— Então eles se davam bem? Acha que ela já o esqueceu e que está

pronta para outro casamento?A brisa trouxe um cacho rebelde ao rosto de Madeline. Ela fechou os

olhos e afastou os cabelos. Não adiantaria negar a verdade. Madeline era uma pessoa muito correta e, mesmo que acusasse intimamente a irmã de haver abandonado Adam e de ser uma mulher egoísta, não poderia negar-lhe os sentimentos. Nem para conquistar o amor de Adam. Teria de ser absolutamente sincera. Nem que fosse para perdê-lo.

— Não posso dizer-lhe com absoluta certeza, Adam. Nós duas nunca fomos muito íntimas. A única coisa que eu sei é que Diana sempre o considerou o amor de sua vida. Ela me disse isso uma vez, alguns anos depois de ter-se

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casado com sir Edward. Confessou que Adam Coates seria sempre o homem de seus sonhos.

Um mês antes, aquela notícia o teria deixado nas nuvens. Naquele momento, deixava-o apavorado e confuso.

— Acredita que, ao receber meu pedido de casamento, Diana virá à Nova Escócia?

A expressão de Madeline, a cor de seus olhos e o queixo erguido traíram um sentimento intenso. Era como se, também para ela, a certeza da vinda de Diana fosse a coisa mais difícil do mundo de ser aceita.

— Sim. Se Diana ainda estiver livre, eu acho que ela virá.Madeline desvencilhou-se da mão de Adam e caminhou rapidamente na

direção da casa.

CCAPÍTULOAPÍTULO XI XI

Adam entrou em casa, foi direto até seu refúgio particular, fechou a porta com impetuosidade e pediu a Deus que o iluminasse. Seria possível que não desejava a vinda de Diana? Sempre tivera muita certeza de que ela fora a única mulher a quem amara ou a quem poderia amar.

Chegou até a escrivaninha, abriu a gaveta inferior e tirou uma caixa de cedro. Achou uma pequena chave em um dos escaninhos e destrancou o recipiente de madeira. Procurou ali dentro a miniatura que ainda guardava mesmo depois de tantos anos. Ali estava. Bem diante dele. Fitou a peça durante um bom tempo.

Adam procurou em sua mente as recordações da verdadeira Diana. Tentou lembrar-se de como ele se sentia quando estava com ela e procurou trazer de volta aquelas sensações. Seu pobre coração sempre ficara completamente embriagado. Sentira-se inebriado pelo som da voz de Diana e experimentara fraqueza ao ver-lhe o rosto.

Fitou novamente aquela formosura e esperou que a ânsia retornasse. Procurou fazer com que o amor viesse à tona. Adam viu somente um retrato. Não sentiu nada. Sem parecer banal e até exagerado, mas sinto o coração dilatar-se toda vez que digo isso. Mary moveu o primeiro peão.

Ao mesmo tempo em que Madeline considerava o próprio movimento inicial no jogo, refletia como deveria ser deliciosa a liberdade de dar e receber amor. Na verdade, nunca vira exemplo algum disso em sua vida. Não tivera mãe. Por isso não houvera ocasião de testemunhar o amor e o carinho, se é que alguma vez eles existiram, dela para com o marido e vice-versa. E também ninguém conversara com ela a respeito. Nem mesmo podia imaginar-se dizendo a uma pessoa que a amava. Seria isso o que todos faziam normalmente? Não se tratava de uma atitude isolada de Mary e Jacob? Será que poderia acostumar-se a ter atitudes semelhantes?

Como Mary se tornara tão segura na crença de que Jacob não lhe causaria sofrimento? Era óbvio para Madeline que Jacob partilhava os sentimentos de Mary. Mas quando Mary chegara a essa conclusão? Quem tivera

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a oportunidade de declarar primeiro o amor?Talvez pela profunda compreensão e confiança entre ambos, um

sempre soubesse como o outro se sentia.Madeline seria capaz de "saber"? Sabia que John Metcalf estava

interessado nela. Mas não era um apaixonado da maneira que Jacob e Mary demonstravam. Pelo menos, ela pensava que não. Talvez a paixão viesse mais tarde.

Por outro lado, Madeline sabia exatamente como Adam se sentia. Ele sempre deixara claro suas emoções em relação à Diana. O amor está sempre relacionado com o que se diz, com o que se demonstra, e não apenas com o que se sente, era o que Mary afirmara. E para provar ainda mais a assertiva, Adam já lhe dissera que, mesmo depois de todos aqueles anos, ele ainda amava Diana. Tanto que fizera as perguntas naquele dia, receoso de que Diana pudesse não amá-lo mais.

Madeline começou a meditar no que Adam faria se ficasse sabendo dos sentimentos que despertava nela. Mas, segundo Mary, ela teria de falar-lhe diretamente sobre o assunto, caso contrário, ele jamais poderia adivinhar o que se passava no coração dos outros.

Enquanto esperava Mary fazer um lance no jogo, Madeline foi levada a fantasiar. Se dissesse a Adam que o adorava e que o desejava muito, ele a tomaria nos braços e diria que se sentia da mesma maneira. Afirmaria ainda que, juntos, encontrariam um meio de resolver a situação com Diana, Adam poderia retratar-se por ter feito o pedido. E se o casamento por procuração estivesse para ser finalizado, bem... Matrimônios podiam ser anulados, não podiam? Diana ficaria irada, mas poderia recuperar-se facilmente, do mesmo modo que outros superavam o sofrimento em suas vidas. Ninguém estava livre de sofrer. Nem mesmo a bela Diana, que sempre fora adulada e desejada, e que nunca recebera uma recusa.

Madeline descansou o rosto na mão e procurou imaginar Diana recebendo a notícia de que Adam estava rompendo o compromisso com ela.

Por causa da irmã caçula.Diana ficaria chocada além da conta, com toda a certeza, Madeline

pensou com uma ponta de maldade. Ela, muito provavelmente, quebraria alguma coisa. Uma peça de porcelana. Um espelho. Madeline até podia ouvir a irmã gritar como uma bruxa velha para alguém vir limpar os cacos a seus pés...

Oh, Senhor! Madeline era mesmo uma criança, apesar de seus vinte e dois anos. Teria de abandonar com urgência aqueles sonhos ridículos, antes de fazer de si mesma uma tola e, depois da vinda de Diana, passar a vida sofrendo. Além disso, acabaria por arruinar qualquer oportunidade de continuar um relacionamento amigável e sereno com a família que ela amava mais a cada dia que se passava.

— Madeline, é a sua vez de jogar.Madeline fitou o tabuleiro, mas não encontrou nenhuma maneira lógica

de mover as peças.— Mosquito. — Penélope disse com dicção precisa. — M-o-s-q-u-i-t-o.

Mosquito.Todos bateram palmas e ela sentou-se ao lado de Charlie no sofá de

chintz. Charlie levantou-se e ficou em pé na frente da lareira como um soldado, com as mãos esticadas dos lados. Madeline pegou a carta seguinte e leu a palavra que estava escrita.

— Tempestuoso.Um pânico momentâneo passou pela expressão de Charlie.

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— Tempestuoso. T-e-m-p-e-s-t-u-o-s-o. Tempestuoso. O menino sentou-se rapidamente.

— Isso aqui está ficando muito tenso — Jacob afirmou em seguida.Madeline fitou Adam, que se encontrava sentado em uma das cadeiras

de balanço com as pernas cruzadas, apoiando a testa com o dedo indicador. Ele a olhava. Sentindo um alvoroço fora do normal, Madeline pegou outra carta.

— George, é a sua vez.George, um peão das redondezas que viera ajudar Jacob no translado

da manada, ergueu-se e tomou seu lugar na frente da lareira.— Estou pronto.— Apreensão.George soletrou-a corretamente e a competição continuou por mais uma

hora, até Penélope ganhar a disputa, depois de George e Charlie soletraram de maneira errônea a palavra "apreensão". Muito orgulhosa, Penélope adiantou-se para a solenidade.

Depois de muitos aplausos, de mil congratulações e da apresentação do prêmio um bolo de creme no formato de um troféu, as crianças foram dormir. Mary foi até a cozinha para amamentar o bebê e deixar tudo em ordem, antes de subir para o quarto onde Jacob a esperava.

Madeline ficou na sala e recolheu as cartas com a grafia correta das palavras que ela mesma fizera. Adam desmanchou o semicírculo de cadeiras e arrumou os móveis, deixando-os no lugar que sempre ocupavam.

— Está tudo pronto para a chegada de lorde Blackthorne? — Adam perguntou á Madeline. — Está previsto para amanhã um navio procedente de Halifax. Provavelmente, lorde Blackthorne deverá chegar nessa embarcação.

— Estamos ultimando os preparativos finais. Mary tem prestado um auxílio inestimável. Sem ela, acho que eu não teria feito tudo em tão pouco tempo.

Madeline continuava com a modéstia de sempre, Adam refletiu. Seria essa uma das facetas de seu encanto extraordinário? Madeline deu-se conta de que estava sozinha com Adam no recinto iluminado pelas velas. Endireitou-se de maneira precipitada, com o propósito de sair dali. Adam segurou-a pelo braço.

— Não quer tomar uma xícara de chá comigo? — Na verdade, eu deveria ir dormir. Amanhã teremos um dia

atarefadíssimo.A expressão de Adam mostrava-se indecifrável.— Claro. Eu entendo. Por falar nisso, gostaria de ir comigo amanhã até

o forte para a chegada do navio? Ficarei orgulhoso de tê-la a meu lado, Madeline.

Orgulhoso de tê-la a meu lado. Com palavras como aquelas, como alguém pensaria em recusar? Será que Adam não percebia isso?

Os incríveis olhos azuis dele e sua voz profunda e sedosa reduziram-na a uma poça de resoluções derretidas no chão. A idéia de ficar sozinha com Adam, nem se fosse por uma hora, era uma tentação muito poderosa para se resistir.

— Eu adoraria.Com um sorriso charmoso e encantador, ele soltou-lhe o braço.— Então durma bem e eu a verei pela manhã. Madeline anuiu e disse

boa-noite. Pegou um castiçal e saiu da sala. Subiu a escada e foi até o final do corredor, onde ficava seu quarto. Abriu a porta e entrou. Deixou o suporte da vela sobre a mesa-de-cabeceira. O livro de Samuel Richardson, Clarisse Harlowe, continuava fechado em cima da cama.

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Ainda não lera nem uma linha dele. Estivera muito ocupada com as tarefas da casa e da família. Passava todo o tempo livre com as crianças e com o bebê. Tinha a impressão de que procurava compensar a falta de companhia, que fora uma constante em sua vida. Ela se sentia como uma criança faminta de rua que tivesse sido presenteada com um banquete.

Madeline decidiu devolver o livro à estante do gabinete de Adam e não tirá-lo dali até o término da visita de lorde Blackthorne. Pegou de novo a vela, voltou ao corredor, desceu a escada e caminhou pé ante pé até a saleta privativa de Adam. Deixou o suporte sobre a escrivaninha, foi até a estante e enfiou o livro no espaço vazio que a ele pertencia. A seguir, virou-se para segurar a vela de novo.

E notou uma miniatura. Era uma pintura do rosto de Diana. Madeline sentiu uma dor no coração ao ver o objeto. As esperanças já haviam retomado um pequeno lugar em sua mente... mas era preciso manter a cabeça fora das estrelas. Aquela era a realidade. Não adiantaria fingir para si mesma. Na verdade, encontrar o retrato de Diana não constituía um choque e nem uma surpresa.

Passou os dedos pelas folhas espalhadas na superfície da mesa. Cartas escritas por Diana. E, pelo jeito, antigas. Madeline pegou uma delas, segurou-a próximo à luz e leu algumas palavras:

“Meu querido Adam,Nem pode imaginar como lamento a maneira como nós nos

separamos e quanto o fiz sofrer. Eu traí o único amor de minha vida. Se o visse mais uma vez, não confiaria na correção de meus atos. Eu fugiria e ficaria a seu lado para redimir-me de todos os erros. Posso ser a esposa de outro homem, mas meu coração sempre lhe pertenceu, Adam. Continuarei sonhando com o dia em que estaremos juntos novamente, e dessa vez para sempre, como nós planejávamos quando...”

Madeline fechou os olhos por um instante. Reuniu toda a energia que ainda lhe restava para deixar a carta onde a encontrara e não ler mais nada. Sentia de novo um torniquete a apertar-lhe o peito. Seu coração estava esmagado. Ela apanhou o castiçal e saiu do escritório.

Lorde Blackthorne era um homem de grande porte que ostentava óculos de aro de ouro e uma peruca empoada com rolos horizontais. Vestia um casaco de cetim creme enfeitado com casas falsas de botões e muita renda azul. A calça também era de cetim, e as meias, de seda. E apenas um sapato brilhante de fivela em um pé. O outro era um toco de madeira.

Era fato conhecido que o visconde perdera a perna na luta com os franceses, havia mais de vinte anos. Milorde desceu a prancha de desembarque com batidas leves da perna de pau. Adam preparou-se para apresentar Madeline ao visconde e estacou lívido, ao olhar por cima do ombro do governador. Reconheceu a mulher que o acompanhava, mas não acreditou no que seus olhos viam.

Ela estava trajada de cetins e sedas, abanava o leque totalmente desnecessário, ventava bastante, e sorria para Adam, deslumbrada e deslumbrante. Ele teve de lutar para não perder o equilíbrio e sentiu vontade de beliscar-se para ter certeza de que não estava sonhando. A mulher que se aproximava, com o olhar azul e cintilante, era Diana.

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CCAPÍTULOAPÍTULO XII XII

Atônito e confuso, Adam teve de fazer um grande esforço para manter o domínio sobre si mesmo. Lorde Blackthorne apareceu diante dele, admirando a paisagem verdejante que se perdia no horizonte.

— Sr. Coates! O senhor tem uma belíssima região rural por aqui.Adam lutou para saudar o visconde e formular uma resposta audível.

Lorde Blackthorne apontou para trás de si.— Como o senhor pode ver, eu trouxe outra flor para adicionar a tanta

exuberância. E é com enorme prazer que me encarrego da tarefa por si só honrosa.

Adam lembrou-se da conversa que tivera com o visconde em um dos jantares no Palácio do Governo, enquanto tomavam juntos um bom conhaque.

— O senhor é casado, Sr. Coates? Adam girara o líquido ambarino no cálice.

— Não, milorde. Eu sou viúvo. Mas já fiz um pedido de casamento a uma mulher que conheci em Yorkshire há muitos anos. Lady Thurston, que também é viúva. A irmã mais nova dela se encontra em Cumberland e nós estamos esperando a chegada de milady.

— E o que a irmã dela está fazendo lá?Adam fora obrigado a explicar toda a confusão... Lorde Blackthorne

bateu nas costas de Adam e trouxe-o de volta ao presente.— Pois eu e lady Thurston viemos no mesmo navio! Veja só que

extraordinária coincidência!Diana tomou posição ao lado do visconde. Este não escondia a

satisfação por unir dois amantes havia muito afastados um do outro.— Adam Coates, permita-me trazer a sua presença a sua noiva, lady

Thurston.O coração de Adam palpitava em seus ouvidos. Diana... Os olhos dela

cintilavam de excitação. Estava tão jovem, esbelta e perfeita como no primeiro dia em que a encontrara, havia dezesseis anos. Quase nada havia mudado, salvo uma linha ou duas ao redor dos olhos. O sorriso era o mesmo e os lábios carnudos, também. O nariz pequeno e delicado... tudo igual. Diana continuava linda e encantadora, capaz de arrebatar os corações mais empedernidos.

Diana... a sua Diana... ali, em carne e osso. O choque era muito grande. E incompreensível. Diana sorriu e inclinou a cabeça de um jeito familiar e gracioso. Adam estava chocado de ver como se lembrava de seus maneirismos, como se eles estivessem gravados na sua alma, no seu coração e na sua mente.

— Adam — Diana finalmente falou e sua voz aveludada e melodiosa lembrava águas cristalinas, gorjeios de pássaros e dias ensolarados.

Adam percebeu que os olhares convergiam para eles. Era como se todos soubessem da situação e estivessem esperando para ver o que aconteceria em seguida. Era evidente que ninguém sabia da situação real, da carta de quebra de compromisso que se encontrava em seu bolso e onde certamente acabaria por fazer um buraco, de tanto que ele a sentia queimar.

Adam virou-se para procurar Madeline em algum lugar atrás dele. Céus,

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seu coração confrangia-se dentro do peito. Madeline estava ereta, tranqüila, as mãos cruzadas para frente. Diana também se virou e Madeline adiantou-se para cumprimentar a irmã.

A cena toda martirizava Adam como se fizesse parte de uma brincadeira cruel e de muito mau gosto. Os três se abraçaram e Adam teve de conter-se para não pedir explicações. O que Diana estaria fazendo ali? Não era possível que já houvesse recebido seu pedido de casamento e chegado com tanta rapidez. Não houvera tempo hábil para isso. Madeline sorriu para a irmã com simpatia.

— Como é que conseguiu chegar tão depressa? Nós não a esperávamos tão cedo. — Madeline expressou as mesmas dúvidas que Adam não ousava verbalizar.

— Foi a sua carta, querida irmã. Graças a Deus que a enviou!— Minha carta? — Madeline pareceu não haver entendido. — Foi Adam

quem a escreveu, depois de que eu cheguei aqui. Mas é impossível que já a tivesse recebido e tenha vindo até aqui, em tão pouco espaço de tempo.

— Não, não! A "sua" carta! Não se lembra? Escreveu-me dizendo que estava partindo de Yorkshire para casar-se com Adam, que papai havia arranjado tudo.

Madeline ouviu as explicações da irmã com o cenho franzido. Adam prestava atenção ao diálogo e sentia vontade de vomitar.

— Naturalmente, fui visitar papai para saber da tudo em minúcias, pois deduzi que havia algo de errado nessa história. Eu tive certeza de que ele havia tomado alguma atitude digna de reprovação. Adam jamais iria pedi-la em casamento, Madeline, pois foi comigo que ele sempre desejou casar.

Um murmúrio percorreu os circunstantes. Madeline segurou o chapéu para que ele não voasse. O vento forte fazia com que as saias batessem em suas pernas, que tremiam involuntariamente. Adam sentiu a humilhação de Madeline como se o vexame fosse dirigido a ele, e adiantou-se.

— Tudo não passou de um mal-entendido.Adam contemplou o perfil de Madeline contra o sol e procurou adivinhar

no que ela estaria pensando. Oh, Deus, como a desejava! Queria afastá-la dali, tomá-la nos braços e dizer-lhe que ele não amava Diana, mas sim a ela. Precisava explicar-lhe que a presença inesperada de Diana, pois mais surpreendente que pudesse ser, apenas servira para confirmar o fato.

Decidiu com firmeza que faria qualquer coisa que estivesse em seu poder para consertar o erro. Lorde Blackthorne interrompeu o silêncio angustiante com sua voz alta e grave.

— Bem, agora tudo dará certo. Lady Thurston e eu tivemos uma boa oportunidade para nos conhecermos no navio. Como já lhe disse, o senhor pode imaginar minha surpresa quando milady apresentou-se e revelou-me por que estava se dirigindo para Cumberland. O mundo é pequeno, não é verdade? E eu tive o prazer de assegurar-lhe que a irmã não se casara com o Sr. Coates. Contei-lhe ainda que, se houvesse permanecido em Londres, na certa já teria recebido o mais recente pedido de casamento. Como pode imaginar, ela ficou felicíssima em ouvir isso.

Diana aperfeiçoou a explicação, dirigindo-se a Adam.— Sim, na verdade, eu estava um pouco preocupada que já houvesse

desposado Madeline por um sentimento de culpa ou de responsabilidade, depois do lamentável equívoco provocado por meu pai. Como pode imaginar, pensar nessa hipótese foi terrível para mim. Eu diria que foi uma ideia devastadora.

Diana olhou ao redor, com o rosto corado. Adam não sabia o que dizer.

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Ela continuava a fitá-lo, à espera de uma resposta. Madeline sacudiu a cabeça.— Diana, depois do que eu soube, jamais teria permitido que tal

casamento fosse levado a efeito.Adam respeitou Madeline ainda mais, pois sabia que o orgulho

respondera por ela. Madeline não era mulher de abaixar a cabeça e entregar-se. Qualquer que fosse a situação, ela se manteria de queixo erguido.

Diana abraçou Madeline novamente.— Ah, como a amo! Eu a considero a melhor irmã do mundo. Jamais

conheci ninguém tão leal. Obrigada, Madeline, meu coração lhe agradece. Nem pode imaginar como dormi pouco na viagem, preocupada com o fato de que eu pudesse chegar tarde demais. — Diana fitou Adam com olhar intenso e quente. — Depois de haver sonhado tanto com este dia.

Lorde Blackthorne interrompeu as explicações mais uma vez.— Bem, temos ótimas perspectivas pela frente. Os próximos dias

deverão ser magníficos! Tenho muito a aprender sobre Tantramar e ficarei muito feliz de ver dois apaixonados finalmente juntos e recuperando o tempo perdido. Eu não poderia ter planejado a minha visita em época melhor.

Adam afirmou a si mesmo que, para ele, a escolha do momento não poderia ter sido pior.

No trajeto para o lar dos Coates, Adam levou lorde Blackthorne em sua carruagem. O visconde queria conversar com o anfitrião a respeito dos pântanos e satisfazer sua curiosidade sobre diversos aspectos que não eram de seu conhecimento. Madeline foi em um coche com Diana e Hilary, a criada de lady Thurston.

Madeline percebeu que parte do séquito que ela e Adam tinham visto no forte devia-se mais à presença da irmã, da criada e de dois cavalariços, do que à visita do governador e de sua comitiva. Sua irmã, como uma lady inglesa e bastante rica, por sinal, devia estar acostumada a um nível de vida muito elevado, bem diferente dos padrões provincianos.

Madeline refletiu com preocupação em como Diana poderia adaptar-se ao cotidiano simples da região rural de Cumberland. Ali, arar e preparar a terra, semear e realizar as colheitas nas diversas estações do ano era muito mais importantes de que estar em dia com as últimas coleções de Paris ou qualquer outra frivolidade do gênero.

O comboio de carruagens desceu para a floresta e enfrentou o caminho estreito que mal dava passagem para uma carroça. O som dos galhos que raspavam no teto do coche enervara Diana.

— Céus, eu não tinha idéia de como esta região era uma verdadeira mata virgem!

— Não é nada disso — Madeline explicou-lhe. — A floresta aqui é um pouco compacta, mas a fazenda de Adam é muito clara, com campos plantados e o feno quase pronto para ser colhido nas terras baixas do pântano.

Diana sorriu.— Papai contou-me que Adam prosperou muito na vida e que se tornou

rico. Afirmou também que é o maior proprietário de terras da região. Isso é verdade?

— Segundo tive conhecimento, Adam percorreu um trajeto árduo e longo, depois de ter saído de Yorkshire.

Diana recostou-se no assento estofado, sorridente.— Eu sempre soube que Adam seria um vencedor. E, ainda por cima,

ficou mais atraente, não acha, Madeline? Pensei que eu fosse cair do navio quando o vi vestido com trajes tão elegantes, inclusive o lindo colete bordado. E

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o olhar! Continua penetrante como sempre. Vê-lo trouxe de volta todas as recordações do passado e a minha juventude, quando eu era loucamente apaixonada por ele.

E quando o abandonou para se casar com um baronete. Madeline criticou a si mesma por ter pensamentos tão azedos. Mas, por outro lado, aceitava o próprio ressentimento. Afinal, Diana viera para casar-se com Adam. E tudo o que ela teria de fazer para conseguir isso seria pestanejar seus cílios longos e sedutores. O encantamento estaria lançado e Adam não escaparia daquele feitiço.

— Por que está tão quieta, Madeline? Não ficou contente em me ver? Sempre sofri muito quando a via tão calada. Por que tem de fazer isso comigo, quando vim de tão longe e estou ansiosa para conversar?

Por que acha que tudo gira ao seu redor, minha irmã?— Sinto muito, Diana. Eu não pretendia ficar tão silenciosa. Embora não

sirva como desculpa, devo confessar que trabalhei muito nos últimos dias com os preparativos para a chegada de lorde Blackthorne. Claro que fiquei feliz com a surpresa da sua chegada, minha irmã.

— Hum. — Diana fitou Madeline com ar de suspeita. — Satisfaça a minha curiosidade, Madeline, o que faz exatamente na casa de Adam? Não estará... tomando conta da família ou algo parecido, não é?

Madeline arrumou a saia no assento de couro azul.— É isso mesmo que estou fazendo. Sou governanta e preceptora das

crianças. Também cuido da horta com as minhas próprias mãos.Diana mirou pela janela os galhos dos pinheiros que raspavam nas

laterais do veículo. Depois voltou-se para Madeline com o olhar já conhecido que deixava evidente considerá-la uma criatura abominável que adorava deixar a irmã escandalizada.

Naquele dia, talvez Diana tivesse razão, pois a intenção de Madeline era mesmo abalar a pose de Diana. Queria deixar bem explícito para lady Thurston que Adam não era um aristocrata e que ele não esperava que sua futura cunhada também fosse.

— Eu já havia esquecido — Diana acrescentou — que a minha irmãzinha sempre gostou de sujar as mãos na terra. Nunca pude entender uma barbaridade dessas.

Madeline sentiu-se culpada de repente por tentar, de maneira deliberada, irritar a irmã. Diana acabava de cruzar o oceano para ficar ao lado de Adam, a quem amava. Não importava quanto Madeline estivesse raivosa ou ressentida. Ela não poderia esquecer que Diana "também" amava Adam. Madeline segurou a mão da irmã.

— Nós sempre fomos diferentes, Diana. Ainda somos, mas isso não quer dizer que não possamos ser amigas. Ainda mais estando tão longe de casa.

O sorriso lindo de Diana atingiu os olhos, que passaram a brilhar com o resplendor de uma jóia. Não era sem motivo que a maioria dos homens se apaixonava por ela.

— E verdade. Precisamos aprender a conhecer-nos novamente. Afinal, não tenho mais nenhuma pessoa da família aqui, a não ser a minha irmã caçula. Pelo menos até eu me casar com Adam.

O último comentário teve o efeito de um soco em Madeline, mas ela havia tomado a firme decisão de não sentir mais pena de si mesma. O destino era implacável e pusera em execução outra de suas brincadeiras assombrosas. Mandara Diana para Cumberland com uma antecedência inesperada. Era um

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fato consumado que Diana amava Adam. E, como toda a certeza, ele também a amava. Então, estava mais do que na hora de Madeline aceitar isso e tentar ser uma boa irmã.

Adam passou todo o início da tarde providenciando acomodações para os hóspedes e para os servos deles. Tirou dos baús colchas, lençóis, mantas e travesseiros. Arrumou camas excedentes para os .visitantes inesperados. Agnes viera para ajudar e Mary colaborava no que podia, enquanto Penélope cuidava do bebê. Quando todos se acomodaram, já estava na hora do jantar.

A refeição constou de carne de boi assada com molho e legumes, pudim Yorkshire. Quadrados de chocolate e pão de mel como sobremesa. Adam sentou-se a uma das extremidades da mesa longa e lorde Blackthorne, na outra. As risadas e a alegria do visconde contaminaram os presentes. A comida estava deliciosa e as crianças comportaram-se à altura das circunstâncias. A conversa seguia animada e Adam procurava disfarçar a insatisfação.

Ele fitou Diana comer a sobremesa. Milady era uma criatura delicada. Graciosa. Resplandecente. Fazia comentários precisos e perguntas inteligentes ao governador sobre as propriedades dele na Inglaterra e acerca das responsabilidades de seu cargo recente na Nova Escócia.

A beleza de Diana era extraordinária. Os cabelos loiros tinham um brilho excepcional e os olhos azuis cintilavam o tempo inteiro. Ela usava um vestido maravilhoso, a última palavra da moda parisiense, enfeitado com renda dourada. O corpo de Diana era escultural e sua pele, translúcida. Era uma anfitriã perfeita, mesmo sem ter necessidade de assumir as obrigações de fazer as honras da casa. Diana, como esposa, representava o sonho ambicionado por qualquer homem.

Ainda assim, a exuberância física de Diana deixava Adam indiferente. Ela não conseguia mais atingir-lhe a sensibilidade. Era a beleza simples da irmã de Diana que lhe atraía a atenção.

Adam bebericou o vinho e observou Madeline. Esta escutava atentamente as histórias da irmã, sorria com recato para lorde Blackthorne e mantinha-se em silêncio a maior parte do tempo. Adam adorava aquele acanhamento bondoso, gentil e suave. Alegrava-se pelo fato de ela valorizar as mesmas coisas que ele. A família, o lar e a terra. Madeline não se importava com jóias caras ou mexericos sociais. Interessava-se mais em ver Penélope caçar um esquilo, em ajudar Charles com a aritmética ou em observar a primeiro broto de tomate sair do solo.

Além de tudo isso, Madeline era uma mulher capaz e enérgica. E ao observá-la passar creme nos bocados de pão de mel, Adam teve certeza de que nada mudara. Quer Madeline estivesse consciente ou não, ela lhe roubara o coração.

Madeline teria idéia de como ele se sentia a seu respeito?, Adam considerou a hipótese com desconfiança. Não acreditava que ela suspeitasse de algum sentimento mais profundo, nem mesmo quando o fitava dentro dos olhos.

— Diga-me, lady Thurston, qual a sua primeira impressão sobre Cumberland? — lorde Blackthorne indagou.

Diana ergueu o copo de vinho.— Eu posso afirmar com certeza, milorde, que jamais tive ocasião de ver

paisagem mais fascinante. O tamanho do pântano é surpreendente. Mas eu ainda não vi nenhum arrendatário, Adam. Onde é que os está escondendo?

Lorde Blackthorne deu risada pela tentativa de fazer graça, porém Adam não teve certeza se Diana entendia que a brincadeira acabava de revelar sua ignorância a respeito da colônia. Ele procurou corrigi-la da maneira mais sutil.

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— Na maior parte das vezes, eu mesmo lavro a terra. Embora arrende algumas áreas para outras famílias, o lucro que obtemos delas é totalmente eventual. Eu só desejo manter aquelas terras produtivas até que meus filhos tenham condições de mudar-se para lá, se esse for o desejo deles. Não viso nenhum lucro nessas propriedades. Por outro lado, as famílias para as quais arrendei as terras estão ali apenas em fase de transição, até que estejam em condições de comprar alguma propriedade.

Diana pigarreou.— E qual a necessidade de arar sozinho os campos? E um serviço

muito pesado. Por que não contratar trabalhadores?— E o que faço em tempo de colheita. Mas na maior parte do ano, nós

mesmos fazemos todo o trabalho. Meus filhos são meus braços direitos. — Adam piscou para Charlie, e o menino sorriu com orgulho.

Pelo olhar perplexo de Diana e por sua dificuldade em engolir, Adam teve a intuição de que era muito difícil para ela imaginá-lo empurrando um arado. Lorde Blackthorne mudou de assunto e Adam decidiu que teria de resolver a situação o mais rapidamente possível. Não poderia continuar enganando Diana e nem prosseguir escondendo de si mesmo os sentimentos verdadeiros por Madeline que lhe inflavam o coração. Era preciso tomar uma atitude correta da maneira mais gentil e rápida, a fim de evitar sofrimentos posteriores.

Entretanto uma suspeita inquietante não o abandonava. Não importava quanto ele pudesse ser sensível no trato da situação, o desfecho poderia ser de qualquer natureza, menos uma auspiciosa.

Com a presença de lorde Blackthorne e seu séquito na casa, foi necessário Diana dividir o quarto com Madeline. O mesmo aposento que, a princípio, fora destinado para Diana. E quando Madeline entrou sob os lençóis ao lado da irmã, sentiu-se como se fosse ela a convidada.

— É verdade — Diana sussurrou para Madeline em meio à obscuridade — que Adam mandou instruções para o advogado conseguir um casamento por procuração, depois de ficar sabendo do engano proposital cometido por nosso pai? Lorde Blackthorne contou-me isso durante a viagem. Mas como nunca recebi pedido algum, não podia ter certeza se o fato era verídico.

Madeline puxou a colcha até o pescoço.— Sim, é verdade.— Pobre Adam! Devia estar muito ansioso para casar-se comigo. Tudo

isso ainda me parece um sonho. Ah, como ele deve ter ficado desapontado ao vê-la chegar naquele dia, sendo que era a mim que esperava!

— Diana derretia-se de satisfação. — Adam mostrou-se raivoso? Imagino que ele deve ter espumado de vontade de arrebentar os miolos de nosso pai.

Madeline sabia que Diana queria ouvir todos os detalhes, mas não estava com ânimo de revelar nada e nem tinha pretensões futuras de fazê-lo. Ela simplesmente não poderia tocar no assunto sem revelar como ficara com o coração partido e como ainda sofria por isso, apesar de toda sua luta em contrário.

— Sim, ele demonstrou ter ficado bastante furioso.— Ah, Madeline, mal posso acreditar que estou na casa de Adam.

Ninguém pode imaginar quanto sonhei em revê-lo durante esses anos todos.Madeline deitou-se de lado e de frente para a irmã.— Foi difícil conviver com sir Edward, sendo que não podia esquecer

Adam?Diana anuiu e Madeline ficou repentinamente curiosa a respeito das

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emoções mais íntimas e profundas de sua irmã. Madeline pensou em Mary e Jacob, que revelavam um ao outro todas as idéias e as emoções, sem guardar nenhum tipo de reserva. Por isso decidiu que, mesmo se lhe parecesse difícil lidar com a situação no momento, deveria pensar no futuro e sustentar um relacionamento mais íntimo com a irmã. Afinal, considerava-se feita de carne e ossos como todo mundo, e já era tempo de forjar uma ligação verdadeira com alguém.

— Diana, qual era o tipo de afeto que a ligava a sir Edward? Não era amor, era?

Diana piscou e fitou o teto escuro.— Edward era meu marido e eu o respeitava, mas não foi fácil ficar

casada com ele. Quando nós nos unimos pelos laços sagrados do matrimônio, eu era uma jovem ingênua e não tinha idéia do que fosse um casamento. Pensei que um conto de fadas estivesse à minha espera, pronto para eu me integrar nele. Eu me tornaria "lady" Thurston e tudo ficaria resolvido. Mas para os membros da nobreza, nunca deixei de ser a filha de um arrendatário. Edward casou-se comigo para fazer um desaforo contra a mãe. Já tinha herdeiros da primeira esposa, que era uma mulher da mesma condição social dele. Eu não passei de um prêmio atraente.

— Mas ele parecia tão apaixonado...— Tudo não passava de desejo, Madeline. Suponho que isso deva fazer

parte da maldição de ser bonita. — Diana virou o rosto para Madeline e acariciou-lhe os cabelos cacheados. — Invejo a sua felicidade. Um homem sempre se apaixonará pelo seu maravilhoso interior, e não pela sua aparência.

A despeito de Madeline traduzir aquelas palavras como um cumprimento irônico e nem um pouco animador, sorriu sob a luz fraca de uma única vela bruxuleante, procurando consolar a irmã.

— Diana, Adam a ama de verdade, pode ter certeza disso. Se fosse apenas desejo, ele não teria mantido a chama viva por todos esses anos. É uma tocha ainda ardente e que brilha como no primeiro dia em que foi acesa.

Diana suspirou.— É do que venho tentando convencer-me. E o que me fazia continuar

de cabeça erguida, quando a realidade do meu casamento naufragou. Sempre acreditei que Adam me amasse. E eu me apeguei a essa crença, mesmo quando ele se casou com Jane.

— Diana, eu li uma de suas cartas — Madeline confidenciou para a irmã. — Adam guardou todas.

— É verdade? — Diana sentou-se na cama, sem disfarçar a alegria da surpresa. — Ele nunca as respondeu. Eu temia que as tivesse rasgado uma por uma.

— Nada disso. Adam ainda as conserva como um verdadeiro tesouro.Diana deitou-se de costas.— Madeline, sinto-me tão feliz por estar finalmente ao lado dele! É

incrivelmente romântico nós acabarmos juntos. Esse era o nosso destino e Deus traçou os caminhos à Sua vontade. Madeline, estará comigo no dia do casamento?

Madeline não conseguia engolir a bola de angústia que estava parada em sua garganta. Pelo ardor provocado, na certa fazia parte da "tocha ainda ardente".

— Eu me sentirei muito honrada — Madeline aceitou, imitou um bocejo e virou-se para a parede. Fechou os olhos marejados e tentou evitar o tremor da sua voz murmurante. — Boa noite, Diana.

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CCAPÍTULOAPÍTULO XIII XIII

Nos dois dias seguintes, Adam acompanhou lorde Blackthorne na visita às terras pantanosas e explicou-lhe o funcionamento dos diques e dos aboiteaux. O governador inteirou-se de que toda a safra de feno poderia ser perdida e de que as terras ficariam imprestáveis se os diques não fossem conservados com uma manutenção constante. A partir daquele conhecimento, ele encampou a idéia de estabelecer exigências mais rígidas e até punitivas para os fazendeiros relapsos. Afirmou categoricamente que se empenharia em conseguir fundos para efetuar a conservação anual.

Satisfeito com os resultados da visita, Adam despediu-se de lorde Blackthorne e de sua comitiva. Os Coates, lady Thurston e Madeline Oxley acenaram para o comboio de carruagens que deixou o pátio com um toque festivo.

Adam inspirou fundo. De repente, tudo ficou quieto. Ele se virou e viu Diana e Madeline de braços dados, agitando as mãos nos últimos adeuses.

— Parabéns, Adam — Madeline cumprimentou-o. — Missão cumprida.Adam teve vontade de abraçar Madeline, girá-la sem parar e celebrar a

vitória. Mas a presença de Diana, toda sorrisos, impediu-o de expandir seu júbilo.

— Parabéns por quê? — Diana perguntou.Adam recordou-se de que ele nada explicara a Diana sobre suas

preocupações em relação ao pântano. E nem ela tivera a curiosidade de perguntar por que ele e o governador saíam a cavalo todos os dias. Ela teria concluído de que se tratava apenas de uma visita social?

Como Adam demorou a responder, Madeline o fez por ele.— Adam conseguiu assegurar o apoio de lorde Blackthorne para um

fundo de manutenção dos diques e de proteção ao pântano.— Protegê-lo do quê?— Da inundação.— Inundação? Mas que horror! — A informação mal teve tempo de

alcançar-lhe os ouvidos, quando ela se virou para Agnes. — Sra. Dalton, a que horas será servido o almoço?

— À uma hora, milady.Sem fazer mais nenhum comentário sobre o pântano, Diana virou-se

para entrar na casa.— Bem, é melhor é eu ir vestir-me. Será a nossa primeira refeição em

família sem a presença de convidados, e eu quero que seja uma ocasião especial. Sra. Dalton, por favor, poderia chamar minha criada?

Adam fitou-a, estupefato. Procurou lembrar-se de suas expectativas, quando lhe mandara o primeiro pedido de casamento. Se imaginara conhecer Diana, estava redondamente enganado. Ele fantasiara uma idéia sobre quem seria Diana, ou melhor, sobre quem ele gostaria que ela fosse.

Dali a pouco, todos se retiraram e Adam ficou sozinho no jardim. Um desejo tomava conta dele e ameaçava sufocá-lo. Não poderia mais manter oculto,s seus afetos. Havia chegado o momento. Romperia o compromisso com Diana naquele mesmo dia.

Depois do almoço, Madeline ouviu o tropear de um cavalo. Era Adam

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que voltava da inspeção dos campos. Endireitou-se no banco e forçou a si mesma a não tomar conhecimento de sua presença, nem mesmo se virou para olhá-lo, e por isso teve de lutar contra a angústia intensa em seu coração.

Ela sorriu para John Metcalf, que viera visitá-la naquela tarde para contar-lhe sobre a fazenda que acabara de arrendar.

— E quais são seus planos, John? Pretende criar bois?— Minha vontade é começar por aí. Mas tenho algum trabalho a fazer

no estábulo, antes de poder comprar algumas reses. O local precisa de vários reparos e existe um buraco no forro do tamanho de uma roda de carroça.

— Oh, Deus!Madeline deu boas risadas com John, sempre procurando desconhecer

a vontade imperiosa de virar-se e olhar para Adam. Naquele momento, John mexeu-se nervosamente no banco e pigarreou várias vezes antes de falar.

— O outro motivo que me trouxe até aqui, srta. Oxley, é pedir-lhe que me acompanhe ao baile de verão que vai se realizar na fazenda dos Aiken. Ouvi dizer que eles esvaziaram e limparam o celeiro para fazer uma festa de verdade.

Madeline sentiu as faces em fogo. Nunca recebera convite para um baile. Ela considerou a idéia por alguns minutos. E teve tempo de imaginar Adam e Diana dançando a noite inteira. A decisão veio rápida, mas não foi agradável e nem de acordo com os seus desejos.

— Claro que irei, John. Ficarei muito feliz em fazer-lhe companhia. Quando é a festa?

John quase cuspiu o gole de chá que acabava de sorver.— No próximo sábado à noite. Posso vir buscá-la às sete horas.Nisso, Madeline ouviu o ruído dos passos de Adam, que se aproximava

no solo compactado. Ele parou atrás deles. Foi só então que Madeline virou-se no banco, com um sorriso casual.

— Boa tarde, Adam.— Boa tarde, Madeline. Metcalf, como tem passado?— Estou bem, senhor. Vim contar a Madeline que finalmente encontrei

uma fazenda para arrendar. E perto daqui. Não mais do que a distância que se alcança com uma pedrada. É na baixada, logo depois da fazenda de Chapman.

Adam desabotoou o paletó.— Parabéns. Foi uma busca e tanto, não é mesmo? Deve estar

contente.— Estou mesmo, senhor. — John fitou Madeline com intensidade

maliciosa e sorriu. — Estou "muito" contente. E certamente ficarei ainda mais.Ao perceber uma insinuação de carinho e também de expectativa,

Madeline foi acometida por certa tensão. Era a primeira vez que alguém a mirava daquela maneira. Lembrou-se de como Jacob olhava para Mary.

Madeline não se sentiu à vontade e nem gostou de ser objeto das atenções insistentes de John. Ele era um bom rapaz, correto, esforçado e respeitoso. Qualquer donzela sentir-se-ia feliz com as amabilidades de John. Menos ela. Talvez por tratar-se de uma novidade absoluta, o conjunto atual de circunstâncias provocava-lhe aquela sensação desagradável, mas o mal-estar poderia acabar cedendo.

Ou não. O que ela faria se a inquietação continuasse? Será que não poderia fazer nada? Madeline fitou Adam de relance. Ele continuava a encarar Metcalf com olhar gélido. John, sem nada notar, perseverava em fixar-se em Madeline com arrebatamento.

Era preciso fazer qualquer coisa para acabar com a aflição que ela sentia. Ou não haveria remédio que proporcionasse resultados efetivos?

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Misericórdia! Madeline não podia acreditar que estivesse se debatendo em um dilema filosófico por causa da presença de Adam.

Ela fixou os olhos na fita do rabicho de Adam que balançava com o vento. E foi impossível deixar de analisar o resto. Os traços marcantes e os olhos incrivelmente azuis. Os ombros largos sob o casaco e a sua postura. Alto, confiante, maduro. Tinha uma aparência muito mais máscula do que a de John.

Entretanto havia um pormenor da maior importância. Não era Adam Coates quem viera fazer-lhe a corte.

Naquele exato momento, Madeline convenceu-se de que deveria fazer um esforço não somente para apreciar John Metcalf por suas boas qualidades, mas também para encorajá-lo. Teria de esquecer Adam Coates e continuar a viver. Não podia permanecer em estado de permanente agonia por causa do futuro marido de sua irmã.

Madeline colou um sorriso nos lábios e empenhou-se na obrigação de ser cortês.

— Eu também estou muito feliz.— Mas que ótimo — Adam ironizou com rudeza. — Todos estão

contentes. Se puderem desculpar-me, vou entrar, pois tenho muito o que fazer. — Foi em direção à porta, hesitou e virou-se. — Madeline, se for possível, gostaria que pudéssemos conversar esta noite. Sobre um assunto muito... importante.

Adam deu ênfase à última palavra e deixou-os, caminhando a passos largos rumo a sua casa. Madeline observou-o, intrigada. Afinal, o que seria de tão "importante" que ele desejava falar-lhe?

— Alguma coisa errada, Madeline?Ela se assustou. A voz de John trouxe-a de volta ao presente.— A senhorita parece melancólica. Madeline levou a xícara aos lábios.— Melancólica? Eu? — Ela procurava ganhar tempo e encontrar uma

desculpa plausível. — Deve ser por causa desse mau tempo. — Fitou o céu, onde nuvens negras começavam a acumular-se com rapidez. — Eu diria que não vai demorar para chover.

Mas, com certeza, nada comparável à tempestade que sacudia seu coração. Adam irrompeu dentro da casa com a frustração no auge. Detestava o fato de John Metcalf cortejar Madeline. E só poderia culpar a si mesmo pelo que estava acontecendo. Passara os últimos dias em uma atividade incessante e usara o fato como desculpa para protelar um momento desagradável. Não seria fácil conversar com Diana, fazê-la sofrer e mandá-la embora. Mas se não tomasse essa atitude, perderia Madeline para sempre.

Adam tirou o casaco e levou-o até o gabinete. Entrou, fechou a porta e levou um choque. Diana estava sentada à escrivaninha, lendo a correspondência dele. Espantada com o barulho, Diana virou-se na cadeira. A cadeira que pertencia a ele.

— Adam, eu pensei que houvesse saído a cavalo. Não o ouvi chegar.Adam lutou para manter a voz calma e controlada.— Mas eu já cheguei.Ambos se entreolharam por um momento. Diana largou a carta que

estava lendo e levantou-se.— Eu estava apenas... Eu estava lendo estas... — Diana apontou a pilha

de papéis sobre a escrivaninha. As cartas dela. — Eu já tinha esquecido as coisas que lhe escrevi. Fiquei contente em ver que não foram destruídas.

— Diana... — Adam adiantou-se, com esperança no coração. Tudo daria certo. Diana seria compreensiva e entenderia que eles não poderiam ser felizes.

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— Lembrei-me agora como eu fiquei arrasada durante o primeiro ano de casamento e como o desejava de volta. Desesperadamente. Adam, fui uma tola em abandoná-lo. Eu o amava demais e nunca deveria ter feito o que fiz. As recordações vêm à tona e fazem parecer que os acontecimentos se deram ontem.

— Mas não foi ontem, Diana. Foi há muito tempo. Ela suspirou.— Ainda bem que recebi a carta de Madeline e resolvi vir. Agora

estamos juntos. De outro modo, eu teria ficado enterrada naquela solidão.Oh, Senhor! Aquilo estava ficando cada vez mais complicado. Adam

saberia como resolver tudo sem causar traumas? Ele espiou pela janela. Madeline e John continuavam entretidos um com o outro. Metcalf se encontrava em pé ao lado do banco. Madeline olhava para cima para conversar com ele e segurava o chapéu de palha com uma das mãos, para que este não voasse. A ventania era forte. As folhagens e os galhos das árvores viravam-se para todos os lados.

Adam sentiu-se enjoado à vista de Madeline falando com John... ou com qualquer um que tentasse cortejá-la. Não havia a menor possibilidade de prosseguir com aquela situação enganosa. Virou-se para Diana. Ela caminhava ao encontro dele, com um sorriso convidativo no rosto atraente. Adam suspirou profundamente.

— Diana, precisamos conversar.

CCAPÍTULOAPÍTULO XIV XIV

Adam deixou o casaco dobrado sobre o encosto da cadeira de balanço que estava em frente à lareira. Parou do lado, pensando na melhor maneira de explicar o que acontecera a Diana. Gostaria de magoá-la o menos possível. Ela veio ao seu encontro com a cabeça inclinada de lado, da maneira como fazia se algo a intrigava ou quando estava insegura. Adam indicou-lhe a outra cadeira de balanço.

— Diana, sente-se ali, por favor. — Ele acomodou-se em frente.Havia ocasiões em que ele desejava não ser um homem compassivo.

Assim poderia agir de acordo com a necessidade e não ser afetado por ela. Tivera compaixão por sua esposa irracional quando ela se desmanchava em lágrimas ou se deixava levar por acessos de fúria. E naquele momento tinha piedade de Diana, por saber que iria deixá-la com o coração partido.

Adam estava consciente de que o sofrimento de outra pessoa em geral atingia-lhe o ponto fraco e o desarmava. Sempre lhe custava um grande esforço manter-se firme e fazer o que tivesse de ser feito, sem pensar em quanto a sua atitude, por mais correta e honrada que fosse, pudesse ser dolorosa.

Diana sentou-se na cadeira, empertigada, as mãos crispadas no colo, mais do que precavida. Ela era bastante esperta e já devia ter percebido, desde que chegara, a frieza emocional por parte dele. Não havia nem termo de comparação com a época de juventude em Yorkshire, em que Adam a amara e

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venerara durante as vinte e quatro horas de todos os dias. A partir do momento em que descera do navio, ela confessara inúmeras vezes a felicidade de estar com ele. Mas Adam nada lhe respondera que a levasse a pensar o mesmo dele.

— O que foi, Adam?Deus, como era difícil.— Diana, acredito que esteja na hora de falarmos sobre a nossa

situação aqui...A nossa situação aqui?, Droga, ele poderia ter feito uma introdução bem

mais romântica.— O que quer dizer? — Diana segurou-lhe a mão. — Por que toda essa

seriedade? Estou começando a ficar assustada.Adam apertou-lhe a mão e hesitou, antes de falar. A seguir disciplinou-

se, tomando uma resolução férrea. Falaria imediatamente e sem muitos rodeios.— Diana, o que eu tenho para dizer não é muito fácil. Acredito que já

deve ter percebido que não somos as mesmas pessoas de antes. Passaram-se longos anos de experiências para ambos e muita coisa mudou.

Ela sorriu, encantadora como sempre.— E lógico que houve mudanças e fico feliz com isso. Adam Coates, de

Yorkshire, agora é um rico proprietário de terras na Nova Escócia. A escalada do seu sucesso foi consumada com êxito, ainda mais se levarmos em conta a nossa juventude, quando nada conhecíamos do mundo.

— As diferenças vão muito além, minha querida. Posso ter riqueza, mas nem por isso me tornei um aristocrata. E jamais serei. Em todos os sentidos, ainda sou um simples fazendeiro. Por outro lado, milady, cada milímetro de sua pessoa, por dentro e por fora, demonstra a mulher fina e respeitável que sempre foi.

Diana deu risada.— Eu não o estou entendendo, Adam. Ele sacudiu a cabeça.— Acho que não estou sendo muito claro. Na verdade, o fato... nada tem

a ver com classe social ou com riqueza. Isso diz mais... — Adam tocou o peito com o punho fechado — ...dos nossos corações.

— Meu coração sempre lhe pertenceu. Mesmo quando eu estava casada. — De súbito, um tom implorativo fez-se presente na voz de Diana, o que deixou Adam com um nó na garganta.

— Será mesmo? Ou talvez isso estivesse mais relacionado a um sonho sobre o Adam Coates de Yorkshire?

— Adam, não consigo entender até onde quer chegar e nem o que está pretendendo dizer-me.

Ele recostou-se na cadeira, buscando coragem para prosseguir.— Diana, nós não conhecemos mais um ao outro. Eu nem mesmo tenho

certeza se alguma vez chegamos a nos conhecer. Uma razão importante impediu-a de casar-se comigo há quinze anos e esse motivo ainda existe. Somos pessoas diferentes sob todos os pontos de vista. Seus sentimentos por mim continuaram a existir como uma válvula de escape pelo que lhe faltava no casamento.

Diana mexeu-se na cadeira, que rangeu de maneira irritante. E que hora mais imprópria de reparar nisso!, Adam criticou-se.

— Assim como eu não a esquecia, como uma compensação pelos tempos difíceis que tive de enfrentar. Ambos queríamos voltar ao passado, quando éramos felizes e inocentes. Nada sabíamos sobre a solidão e o sofrimento que a vida pode trazer. Mas não poderemos voltar àquela ingenuidade de quando éramos jovens. Tudo o que podemos fazer é aprender

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as lições do passado e prosseguir no nosso caminho. Diana apertou os maxilares.

— Aonde quer chegar, Adam? — ela repetiu a pergunta com voz grave.Adam imaginou que Diana já soubesse a resposta, embora ele tivesse

de falar de qualquer maneira.— Bem, Diana, minha opinião é que não deveremos nos casar.Ela ergueu o queixo com a dignidade de uma rainha.— O que foi que disse?Adam fez um grande esforço para enunciar a frase com maior

transparência, como se a primeira vez não tivesse sido difícil o suficiente.— Acredito que cometeremos um erro se nos casarmos.— Bem... pode ser... — Diana voltou a usar um tom de súplica. —

Talvez estejamos precisando apenas de um tempo para ficarmos a sós. O que nos falta é um recomeço. Como poderemos encontrar prazer um no outro com a casa cheia de crianças? Deveríamos pensar em mandar os menores para a escola. Então poderíamos voltar aos tempos em que...

Adam teve vontade de vomitar.— Não quero mandar meus filhos para lugar nenhum! Diana enfrentou a

resposta resoluta com um olhar de ódio.— Isso não faz o menor sentido. Não quero crer que esteja querendo

livrar-se de mim com evasivas, só porque eu "progredi" na vida. Se fosse esse o caso, o senhor.

— Sim.— Quem? Quem foi que trapaceou para afastar-me do seu coração,

onde eu estava há tanto tempo? Quem foi que o roubou de mim, depois de eu esperar por tantos anos?

— Não posso lhe dizer.— E por que não? Por acaso tem receio de que eu a informe que o

impoluto Adam Coates não passa de um homem desleal e volúvel? Que ele é capaz de pedir uma mulher em casamento e esquecê-la depois de uma semana?

— Diana, não é uma conclusão tão simples. Não sou nenhum homem infame como está me pintando.

— Não? Então por que me varreu do seu coração de maneira tão eficiente, depois de amar-me a vida inteira? Madeline assegurou-me de que o senhor ainda me amava.

A menção de Madeline na conversa desarmou-o, porém Adam esforçou-se para esconder o fato.

— Diana, eu não a esqueci e nem deixei de dedicar-lhe afeição. Apenas entendi que não fomos feitos um para o outro e que o nosso casamento seria um desastre.

— Mas então por que guardou as cartas? Adam lutou para controlar-se.— Eu nunca pensei em permitir que as visse.— Mas elas estavam em sua mesa, à vista do mundo inteiro!Adam procurou manter o ódio abafado.— Elas estavam trancadas em uma caixa.Diana não demonstrou que entendera a sua falha e apontou um dedo da

mão bem cuidada.— A chave estava bem ali.Adam fitou o pequeno objeto que se encontrava sobre a escrivaninha.— Uma chave sobre uma mesa não é um convite para remexer nos

pertences pessoais de um homem!

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— Eram as minhas cartas!Meu Deus, por que estavam discutindo sobre um fato que nada tinha a

ver com o mais importante?, Adam perguntou a si mesmo e beliscou a ponta do nariz para afastar a dor de cabeça que começava a incomodá-lo.

— Se quiser, pode levar todas consigo. Diana fulminou-o com o olhar.— Ora vejam só. Um homem tão respeitado não deve querer mais nada

com elas, não é mesmo?Adam não respondeu. Limitou-se a fitá-la, esperando que ela pudesse

enxergar quão desolado ele se encontrava. Diana não escondeu a raiva ao caminhar até a escrivaninha e pegar a caixa com as cartas.

— Pode ter certeza de que eu as levarei, sim. Todas! E o senhor, Adam Coates, que vá arder no inferno!

E, dito isso, Diana saiu do escritório. Adam seguiu-a pelo corredor até a cozinha, onde ela atirou a caixa no fogo. Faíscas estalaram, crepitaram e voaram. Diana bateu a palma das mãos uma na outra, talvez para apagar todos os vestígios das recordações imundas.

Sozinhos na cozinha, ambos se encararam. Adam não encontrava o que dizer. Se ela quisesse dar-lhe uma bofetada, ele deixaria. Diana merecia algum tipo de compensação por tudo o que a fizera passar. Se pudesse alterar o rumo dos acontecimentos para evitar-lhe aquele desgosto, Adam o teria feito. Se ao menos tivesse a capacidade de prever o futuro! Em primeiro lugar, teria mandado o pedido de casamento para Madeline!

Na vida, contudo, nada transcorria com simplicidade. Ele teria de enfrentar a difícil verdade de haver causado grande sofrimento e transtorno a Diana. Além de tê-la forçado, de maneira tão irrefletida, a abandonar a própria casa e a do pai.

— O mínimo que deve fazer para atenuar a sua vilania é dizer-me de quem se trata e onde a conheceu — Diana exprimiu-se com amargura.

Pálido, Adam prendeu a respiração. Não podia contar para Diana que amava a irmã dela, ainda mais que nem mesmo Madeline sabia disso.

— Eu preferia não fazê-lo.— Adam Coates, eu não só mereço saber, como também "quero" a

verdade.Adam sabia que não poderia vacilar e sacudiu a cabeça em uma

negativa muda.— O senhor já a pediu em casamento?— Não.— Ela sabe a meu respeito?Oh, Deus! Quando tudo aquilo teria um fim?— Sim.Diana ficou parada por um bom tempo, olhando para ele sem nem

mesmo piscar. Como Adam não disse mais nada, ela o empurrou na passagem, com intenção de ir até a escada.

— Partirei no próximo navio. E levarei Madeline comigo.Antes de perceber o que estava fazendo, Adam agarrou-a pelo braço e

impediu-a de prosseguir.— Madeline fica aqui. — A expressão de espanto de Diana o fez

acrescentar: — Pelo menos até ter a oportunidade de eu mesmo falar com ela.Diana soltou-se da mão dele com violência. Ela arfava com fúria. E, de

repente, empalideceu.— Como foi que não pensei nisso antes? — A voz de Diana parecia um

eco. — Trata-se de Madeline, não é mesmo?

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Adam enfrentou o olhar desafiador, mas nada respondeu. O que poderia dizer se o mundo desabava ao seu redor?

— O senhor se apaixonou por minha irmã! Como pôde fazer uma coisa dessas? E ela, como teve coragem? Madeline me assegurou que o senhor ainda me amava! Fingiu ser uma irmã leal, sendo que estava me traindo o tempo todo.

— Não, Madeline é inocente nessa história.— Pobrezinha! Uma jovem "inocente" não rouba o homem amado por

sua irmã e... — De repente, Diana pareceu dar-se conta de que havia montado um quebra-cabeça. — Ela não sabe...

Adam sentiu-se ainda mais constrangido.— Não, e não quero que lhe diga nada. Eu mesmo terei de falar com

Madeline.— Pois fique sabendo que lhe contarei o que "eu" quiser. E não pense

que vou tecer-lhe elogios, Adam Coates!Diana levantou a barra das saias e dirigiu-se à escada. Adam correu

atrás dela.— Diana! Se tiver um pingo de bondade dentro de si, peço que deixe

esse assunto por minha conta. Eu amo Madeline e vou lhe pedir que se case comigo. Não lhe tire essa oportunidade de ser feliz.

Diana continuou a subir a escada.— Eu não a deixarei casar com o senhor. Não depois do que fez

comigo, Adam Coates!— Essa decisão não lhe compete, Diana. Madeline é uma mulher adulta.Diana parou no patamar intermediário.— A minha irmãzinha obstinada! Ela sempre teve inveja de mim!

Provavelmente, resolveu seduzi-lo para vingar-se, pois eu era mais bonita e mais esperta do que ela, e também por sempre conseguir o que eu queria! Jamais alguém deu preferência a ela. Eu sempre fui à eleita!

Adam ficou parado na escada, assombrado com o egoísmo brutal e explícito de Diana. Sentiu-se zonzo e teve de agarrar-se no corrimão para evitar de cair. Pareceu-lhe impossível que em algum dia pudesse ter-se apaixonado por uma mulher daquelas.

Diana virou-se em meio a um ruge-ruge de sedas e anáguas, e voou o resto da escada acima. Alguns segundos depois, Adam ouviu a batida violenta da porta do quarto de hóspedes. Rapidamente, ele tratou de acalmar-se e raciocinou. Teria de encontrar Madeline antes de que Diana falasse com ela. Precisava dizer a Madeline que a amava e explicar-lhe tudo o que acontecera com Diana.

Foi até a varanda da frente, porém Madeline e Metcalf não se encontravam mais lá. Adam entrou, subiu os degraus de dois em dois e procurou em todos os quartos. A casa estava silenciosa e tranqüila, exceto pela criada de Diana, Hilary, que costurava uma barra de vestido no saguão, ao lado da janela.

— Por acaso viu a Srta. Oxley? — Adam perguntou para a moça.Hilary sacudiu a cabeça. Penélope tinha ido até a casa de Mary e Jacob

para ajudar a cunhada a preparar a mudança. Os meninos se encontravam no campo. Onde estaria Madeline? Adam parou junto à porta de Diana e não ouviu nada. Madeline não devia estar lá com a irmã. Se elas estivessem juntas, certamente se ouviriam gritos e soluços.

Adam desceu correndo a escada e saiu pela porta da frente. Rajadas de vento ainda sopravam de maneira contínua. No céu, as nuvens negras se amontoavam rapidamente. Ele correu até o celeiro. Procurou no galinheiro e na horta. Madeline não estava em parte alguma.

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John Metcalf estivera com ela por último. Teria ela saído com o rapaz? Teria ido cavalgar no pântano? Mais uma busca apressada no jardim e na casa resultou infrutífera. Sem perda de tempo, Adam selou o cavalo. Teria de encontrar Madeline, não importando quanto isso lhe custaria.

E com a graça de Deus, ela haveria de tornar-se sua esposa!

CCAPÍTULOAPÍTULO XV XV

Adam galopou para o alto do cômoro e deteve o cavalo para perscrutar as terras baixas do pântano. O vento forte fustigava-lhe o rosto. Não havia a menor dúvida, uma tempestade se aproximava e era preciso encontrar Madeline com urgência. Teria de revelar-lhe seus sentimentos verdadeiros, antes que Diana tivesse a oportunidade de estragar tudo. E era o que ela pretendia fazer, com toda a certeza. Madeline era muito leal à irmã. Se tivesse conhecimento da história e da versão de Diana, jamais acreditaria que o amor de Adam era puro e sincero. Ela nunca trairia a irmã, ainda mais sabendo que Diana se encontrava com o coração partido.

Recriminou a si mesmo, lembrando-se do dia em que levara Madeline para recepcionar lorde Blackthorne em Fort Cumberland. Com grandes esperanças e a melhor das boas intenções, carregara a carta para Diana em seu bolso, embora sem haver dito nenhuma palavra a Madeline sobre o assunto. Como um tolo, acreditara que teria todo o tempo do mundo para cortejá-la. Ele protelara a conversa, à espera de uma ocasião adequada. E o pior acontecera. Acabava de perder a sua oportunidade de ser feliz. A porta fora fechada novamente diante de seu nariz.

Adam vasculhou mais uma vez o pântano por todos os lados. Nem sinal de Madeline ou de Metcalf. Teria o rapaz levado Madeline para mostrar-lhe a fazenda que arrendara? Na certa seria o local mais provável para encontrar Madeline. Quando as primeiras gotas da chuva fria tocaram-lhe o rosto, Adam virou a montaria e incitou o animal a um galope.

Algum tempo depois, literalmente ensopado, diminuiu a marcha do cavalo e entrou no pátio das terras ocupadas por John. O cavalo de Metcalf estava amarrado dentro do celeiro aberto, sem a sela no lombo. A luz na cozinha era visível pela janela.

Com o senso de proteção aguçado em relação a Madeline, Adam desmontou e caminhou a passos largos até a porta. Como faria se Madeline estivesse lá dentro? A impropriedade da situação era evidente. John também ficaria sabendo de tudo. Mas qual o objetivo primordial de Adam? Não era abrir o coração para Madeline? Na certa não poderia fazer a declaração na casa de John. E se fosse muito tarde? Se Madeline já houvesse se apaixonado por John?

Adam rejeitou aquela possibilidade com veemência e bateu na porta. John não tardou em abri-la. Estava sem sapatos, só com as meias, havia tirado o colete e deixado a camisa aberta no pescoço. O jovem surpreendeu-se. Adam sentiu um aperto no estômago de pavor. Por favor, Madeline, esteja em qualquer lugar, exceto aqui.

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Adam apertou o queixo e procurou manter a voz baixa, controlada.— Olá, John. Estou procurando Madeline.John segurava na mão um pedaço de pão de centeio cuja ponta fora

mordida. Ele parou de mastigar.— Eu a deixei na sua casa, há mais de uma hora.Uma mistura de alívio e frustração brotou dentro de Adam. O fazendeiro

deu um suspiro profundo e trêmulo.— Ela disse alguma coisa sobre aonde pretendia ir? A um lugar

específico? Ou apenas pensava em dar um passeio?John sacudiu a cabeça, já alarmado.— A Srta. Oxley não me disse nada. Por que está me perguntando isso,

Sr. Coates? Por acaso... a Srta. Oxley desapareceu?Adam percebeu-lhe a preocupação na voz e o pânico no olhar.

Entendeu que os sentimentos de John por Madeline eram tão sinceros quanto os dele. Embora várias vezes houvesse pensado em mandar John de volta para Yorkshire em um bote furado, não podia culpar o rapaz por sua afeição. Ele era jovem, solteiro e tinha esperança de encontrar uma esposa. E Madeline era um tesouro. Adam desceu os degraus.

— Não se preocupe. Eu a encontrarei.John não demorou nem cinco segundos para vestir o casaco e calçar os

sapatos.— Eu irei com o senhor.— Não há necessidade.Para seu mérito, John demonstrou a mesma perseverança de sempre.— O senhor precisa de ajuda, Sr. Coates. A tempestade está piorando.

Se a Srta. Oxley não se encontra em casa, poderá estar em dificuldades, presa em algum lugar, sem poder sair.

Adam montou em seu cavalo.— Está bem. Eu o esperarei nos fundos da minha casa. Vou ver se

Madeline já voltou. Caso contrário, procuraremos nos celeiros de feno do pântano. Ela pode ter procurado refúgio em um deles.

Com um aceno de agradecimento, Adam virou o cavalo no meio do vendaval e galopou através do campo encharcado pela chuva.

Madeline sentiu os primeiros pingos gelados de chuva. Levantou a barra das saias e correu para o jardim. Entrou em casa, ao mesmo tempo em que a tempestade despencava com muita fúria. Os céus haviam aberto as portas e o aguaceiro caía com vontade.

Satisfeita por ter evitado molhar-se, sacudiu o xale para tirar um pouco da umidade. A casa estava em silêncio e Madeline sentiu-se culpada por haver ficado tanto tempo ausente. Mas precisava de um pouco de solidão para refletir sobre sua vida.

Depois de John ter montado e ido embora, ela vira Adam através da janela do escritório, sentado em frente de Diana, segurando-lhe a mão. Aquilo a perturbara. Embora estivesse consciente do amor deles e o aceitasse, admitia ser muito diferente vê-los juntos, trocando intimidades. O olhar de um preso no do outro. Peles que se roçavam. E, na certa, as palavras doces saíam aos borbotões, por estarem havia muito contidas.

Com a vista enevoada pelas lágrimas, ela tivera de sair correndo. Fora ao alto da colina, até o velho carvalho. Sentara-se no balanço e chorara até ficar com os olhos ardentes. As lágrimas tinham sido benéficas. Já havia contido demais a sua tristeza. Madeline entendeu que, embora tentando resistir e negando o fato, o amor por Adam tomara conta de sua alma e de seu coração. E

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não havia a menor condição '■ de ela dominar aquele sentimento. A única maneira de salvar seu coração seria ir embora. Seu futuro teria de ser construído longe do teto de Adam. Se John Metcalf faria ou não parte desse porvir, Madeline também não saberia responder. O assunto permaneceria como uma incógnita.

Ela ficou parada no hall, um pouco mais aliviada pelas lágrimas derramadas. Mais uma vez, estava determinada a dar novo rumo à sua vida. O temporal deixara a casa quase às escuras, como se fosse noite. Madeline pegou um castiçal e preparou-se para acender a vela, quando Penélope desceu correndo as escadas.

— Mas que susto, Penélope! Charlie veio disparado atrás da irmã.— Onde estão todos desta casa?— O que quer dizer com isso, Charlie?— Aqui dentro não há ninguém, só Hilary — Charlie respondeu, tenso.

— Fui buscar Penélope na casa de Jacob. Quando estávamos chegando aqui, vimos lady Thurston sair do pátio, rumo ao pântano, no cavalo de Penélope. Nós a chamamos, porém ela não parou. Entramos e perguntamos para Hilary. Mas ela afirmou não saber para onde milady havia ido. E agora está chovendo muito.

Hilary também desceu a escadaria com muita pressa.— Perdão, Srta. Oxley, estamos muito preocupados.— Onde está seu pai? — Madeline perguntou a Charlie e a Penélope.As crianças sacudiram as cabeças.— Não sabemos — elas responderam em uníssono. Madeline foi até a

janela. A chuva caía com violência em uma torrente quase horizontal. Os enormes pinheiros escoceses e os bordos do jardim inclinavam-se ao sabor do vento, que os fustigava e balançava os galhos. A água batia com força no vidro da janela. Madeline pensou na irmã no meio daquela tempestade. Ainda não estava totalmente escuro, mas a noite não demoraria a estender seu manto negro sobre a região. Diana encontraria abrigo? Ou ficaria desorientada e acabaria por perder-se?

— Diana não conhece as redondezas — Madeline declarou. — Ela nunca foi até o pântano. Por que iria sair assim, e ainda mais a cavalo, como se pretendesse ir para longe?

— Não sabemos — Penélope respondeu.— Já procuraram por seu pai?— Já. Ele também não está. Saiu a cavalo. Madeline procurou

considerar todas as possibilidades.— Diana pode ter ido com ele para algum lugar. Hilary abraçou

Penélope.— Não, senhorita. O Sr. Coates saiu há uma hora. Ele estava

procurando pela senhorita.Madeline pressionou a palma de uma das mãos na testa.— Por mim? E por quê? Eu fui apenas dar uma volta. Todos deram de

ombros.— A culpa foi minha — Madeline lamentou. — Eu deveria ter avisado

alguém para onde ia. — Virou-se para Charlie. — Seu cavalo está no celeiro?— Está, sim, Srta. Oxley.— Pode vir comigo a ajudar-me a selar o animal?— A senhorita não deveria sair com esse tempo — Charlie avisou,

compenetrado. — Meu pai não iria querer que fizesse isso.— Todos parecem estar fora, enfrentando a tempestade. Eu também

posso fazer o mesmo. Além disso, acredito que seu pai deve ter ido a minha

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Julianne MacLeanJulianne MacLean – Clássicos Históricos Especial 180 – Clássicos Históricos Especial 180 – Marcas do Destino – Marcas do Destino

procura ao longo da estrada por onde costumo passear. Sé eu puder encontrá-lo, direi a ele que Diana saiu e que desconhecemos seu paradeiro. Não se preocupe, Charlie, conheço os arredores e ainda temos algum tempo antes de escurecer.

— Está bem. Mas eu irei com a senhorita. — Charlie apressou-se em pegar o casaco.

— Eu esperava mesmo que dissesse isso. Madeline subiu a escada, em busca da capa com capuz.

Chafurdando nas poças de água e estreitando os olhos para enxergar melhor em meio à chuva que caía, Adam conduziu o cavalo pelo jardim. Desmontou rapidamente, amarrou o animal e entrou em casa. Os castiçais do hall estavam acesos e, assim que ele fechou a porta, Penélope e Hilary apareceram vindos da cozinha. Penélope correu para o pai e jogou-se em seus braços.

— Papai!Adam ajoelhou-se e abraçou-a.— Estou bem, querida. É só um pouco de chuva. Madeline já voltou?— Sim, Sr. Coates — Hilary respondeu — Mas houve...— Graças a Deus! — Adam suspirou, aliviado por saber que ela estava

salva. — Onde ela está? Preciso vê-la imediatamente.Adam endireitou-se e continuou a segurar a mão pequenina de

Penélope. A filha não parecia disposta a largar o pai.— A Srta. Oxley não está aqui, senhor. Ela voltou há pouco. Ao

descobrir que o senhor e lady Thurston tinham saído à procura dela, a Srta. Oxley saiu com Charlie para procurá-lo.

Um longo silêncio se seguiu. Adam cerrou as sobrancelhas até quase juntá-las.

— Madeline saiu de novo? Diana também está fora?— Sim, senhor.— A tempestade está piorando a cada minuto.— Sabemos disso, senhor. A Srta. Oxley assegurou-nos que conhecia

os arredores, e Charlie foi com ela. Milady, porém, saiu sozinha.Adam foi até a porta.— Isso é desastroso. Há quanto tempo eles saíram?— A Srta. Oxley e Charlie saíram há uns dez minutos— Hilary respondeu —, mas milady, há mais de uma hora.Adam abotoou o colarinho do capote e abriu a porta. Uma rajada de

vento entrou no hall.— Não saiam daqui — ele ordenou para Hilary e para Penélope, que

estava com os olhos arregalados.— Vou até o pântano, ver se encontro Madeline ou Diana. John Metcalf

já está a caminho. Srta. Hilary, quando ele chegar aqui, explique o que aconteceu e peça-lhe que também vá procurá-las.

— Tome cuidado, papai! —.Penélope gritou, parada no abrigo da entrada.

Adam acenou para a filha, montou em seu corcel e galopou em direção ao alto do cômoro. Teve de abaixar a cabeça para enfrentar a chuva e o vento. Parou um pouco para perscrutar o vale, mas nada viu além da tempestade implacável. O cavalo relinchou e Adam teve de instigar o garanhão relutante a chegar até a baixada.

No pântano, Adam chamou por Madeline e por Diana, porém não obteve resposta. O vento passava sobre o relvado e uivava com um animal enfurecido,

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abaixando e enrolando as gramíneas. A chuva que batia no seu rosto lembrava-lhe bolinhas de aço. Adam continuou na estrada em direção ao rio, até que resolveu cruzar uma várzea para procurar em um dos celeiros de feno.

Dali a pouco, notou que o cavalo lutava para manter a andadura no capim molhado. Quanto mais perto chegavam do rio, mais fundas as poças se tornavam. A uma certa altura, o cavalo começou a deslizar na terra ensopada e a afundar as patas na lama. Era óbvio que a água não estava sendo drenada com rapidez suficiente dentro dos diques. Inquieto, Adam fitou o céu escuro. As nuvens não davam sinal de recuar. Chamou novamente por Madeline e depois por Diana. Nenhuma resposta. Esquadrinhou a paisagem tenebrosa com os olhos ardentes e o cenho franzido.

Embora a primeira preocupação fosse encontrar cada uma delas incólume, não podia negar a esperança de encontrar Madeline, antes de que Diana o fizesse. Adam continuou em direção ao rio e não tardou a perceber que o cavalo estava com água até os joelhos e lutava para dar cada passo.

O pavor começou a apossar-se de Adam. Ele parou no meio do pântano e perquiriu como pôde — por causa da chuva forte — o rio e suas margens. As barragens poderiam ter-se rompido.

— Madeline! Diana!Um celeiro de feno a distância acendeu-lhe a esperança de que elas

pudessem ter procurado abrigo por ali. Madeline era esperta. Se houvesse encontrado Diana, certamente a teria levado para lá.

— amos, garoto, coragem. — Adam acariciou os pêlos molhados do pescoço do cavalo. — Agüente só mais um pouco.

Naquele momento, o cavalo teve uma queda repentina e Adam foi derrubado para dentro da água salgada e fria como gelo. O choque fez seu coração disparar. O reflexo imediato foi lutar para manter a cabeça para fora da água, enquanto tocava com os pés o fundo do que parecia ser uma vala inundada.

O cavalo resfolegou e relinchou. Depois de passados alguns segundos de pânico, ambos trataram de arrastar-se, embora com dificuldade, para fora da trincheira. Com a água lamacenta até os joelhos, Adam tornou a montar e um calafrio o fez estremecer.

— Madeline!Ele escutou um grito de algum lugar ao longe.— Madeline! — tornou a chamar.Finalmente Adam viu a jovem galopar pelo solo pantanoso, ao lado de

John Metcalf e Charlie. Ele agradeceu a Deus por mantê-los livres do perigo e partiu, conforme lhe permitia a exaustão do cavalo, ao encontro deles.

— Adam! Socorro!,— Madeline gritou. — É Diana! Ela está muito ferida!As palavras atingiram-no como uma marreta.— Onde está ela?Oh, Senhor! Sentiu-se culpado por qualquer coisa que pudesse ter

acontecido com Diana. Jamais se perdoaria por isso.— Ela está em um dos celeiros de feno! — Madeline virou-se e apontou

o centro do pântano. — Eu não pude tirá-la de dentro! O forro foi arrancado pelo vento e caiu em cima dela! Diana está inconsciente!

O terror que Adam escutou na voz de Madeline fez eco em seu coração.— Vamos! — Adam instigou o cavalo para a frente. — Precisamos tirá-la

de dentro do celeiro, antes que o pântano inteiro fique alagado.John aproximou-se de Adam.— Será que vai inundar mesmo? Meus Deus, o senhor está enlameado!

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— Dei um mergulho forçado. Nós todos nos afogaremos se não alcançarmos logo as terras altas.

Quando eles cruzaram o charco e chegaram até onde Diana se encontrava desfalecida, a água lamacenta já chegava à altura dos joelhos. John e Adam pularam de seus cavalos.

— Onde está Diana? — Adam perguntou. Madeline deslizou do cavalo e chapinhou dentro da água, cuja superfície estava coalhada de gramíneas e ervas daninhas.

— Por aqui!Madeline segurou com força as saias pesadas de água, avançou com

dificuldade em direção à porta do celeiro e entrou no que restava da estrutura danificada.

— Ali! — ela apontou a parte elevada.Uma ponta da saia azul de Diana aparecia debaixo das ruínas e uma

parte do tecido estava dobrada do outro lado. O pavor tomou conta de Adam. Era só o que se podia ver de Diana. Ela estava inteiramente escondida sob o forro que caíra.

Pelo menos, para ela não haveria perigo imediato de afogar-se, Adam disse a si mesmo, enquanto subia a escada de mão. John seguiu-o e, com muito cuidado, eles afastaram taboas e pranchas até livrar Diana. Adam tocou-lhe o braço.

— Diana!Ela não se moveu e ele tomou-lhe o pulso.— Diana está viva!John e Adam tiraram os pedaços de madeira quebrada de cima dela.

Quando lhe descobriram o rosto, Adam viu que sofrera cortes e arranhões. Um pedaço maior de viga estava por cima de uma das pernas, e ele não conseguiu removê-lo.

— John, será que pode achar a ponta do barrote?John tirou mais alguma pranchas do caminho e rastejou até o pé de

Diana.— Posso, sim, Sr. Coates.— Quando eu disser "já", levantaremos juntos a peça. Entendido? —

Cada um deles agarrou uma parte da madeira. — Já!Gemendo por causa do esforço inaudito, eles levantaram a viga de cima

da perna de Diana e deixaram a peça cair de lado com um estrondo. Adam apressou-se para ver onde Diana estava ferida. Ergueu-lhe as saias. A perna estava torcida e a meia, ensangüentada.

— Isso não está com bom aspecto. Temos de levá-la para casa com urgência. Ajude-me, John. Segure-lhe os braços. Madeline! Traga o meu cavalo!

Os homens carregaram o corpo inerte de Diana para baixo. Alguns minutos depois, Adam estava montado com Diana em seus braços. Os outros também montaram e partiram pelas terras alagadas rumo ao cômoro.

— John, por acaso sabe onde mora o doutor? — Adam perguntou.— Sim, Sr. Coates.— Então vá chamá-lo. E diga-lhe para vir com urgência!— Sim, Sr. Coates!Sem um minuto de hesitação, John saiu à frente, lutando para avançar

no pântano inundado. Conseguiu alcançar as terras mais altas e depois a estrada. Em instantes, desapareceu por cima da colina.

Charlie cavalgava atrás de Adam e de Madeline. Os três vinham em fila indiana e conservavam as cabeças abaixadas, protegendo o rosto da chuva e do

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Julianne MacLeanJulianne MacLean – Clássicos Históricos Especial 180 – Clássicos Históricos Especial 180 – Marcas do Destino – Marcas do Destino

vento implacáveis. A noite tornava-se mais intensa com grande rapidez. — Diana vai ficar boa? — Madeline atreveu-se a perguntar, superando a

agonia do receio da resposta.Adam acomodou melhor Diana e suspirou.— Eu não sei, Madeline. Só nos resta rezar e pedir que nada de muito

grave tenha acontecido.Eles conduziram os cavalo para diante de uma cerca e alcançaram a

margem do pântano. A estrada para o planalto estava bem próxima. De repente, um rugido ensurdecedor assustou-os.

— Pai, o que foi esse barulho? — Charlie perguntou, atrás deles.Eles pouco podiam ver através da névoa cinzenta, no meio da escuridão

quase total. O ruído continuou, dando a impressão de um estrondo dos vagalhões do mar. Adam virou-se em cima da sela.

— Depressa Charlie, temos de alcançar a estrada! O garoto ficara bem para trás e o cavalo já estava cansado da marcha difícil dentro da água que subia ao redor deles.

— Dante não pode ir mais depressa!— Tente!Eles continuaram em direção à estrada. Adam foi o primeiro a chegar ao

alto, e Madeline veio logo em seguida.— Madeline. Leve o meu cavalo e Diana para casa! Preciso ajudar

Charlie.— Mas eu não posso deixá-lo aqui!— Terá de fazê-lo. A vida de sua irmã depende disso. Relutante,

Madeline trocou de lugar com Adam.— Papai! — Charlie chamou, bem atrás deles. Adam e Madeline

viraram-se e olharam o pântano.Do alto onde se encontravam, puderam ver uma onda gigantesca vinda

do rio na direção deles, em grande velocidade. E levava de roldão tudo o que encontrava pelo caminho: o feno, os cercados, o gado e os carneiros. Os diques haviam desaparecido sob a imensidão da água que rugia. O pânico tomou conta de Adam quando viu o filho olhar por sobre o ombro. Ele desceu a colina a galope.

— Charlie! Faça o cavalo andar!Adam escutou Madeline chamá-lo, mas nem pensou em parar. Entrou

na água, ao mesmo tempo em que a vaga atingiu Charlie, fazendo o menino e o cavalo boiarem.

CCAPÍTULOAPÍTULO XVI XVI

Adam prosseguiu com rapidez ao encontro de Charlie, mas acabou perdendo o equilíbrio e foi coberto pelas ondas geladas. Voltou à superfície e nadou até onde o filho se debatia nas águas furiosas, pedindo socorro. Alcançou-o e agarrou-o pela gola do casaco. Arrastou-o pela água em direção ao cômoro.

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— Nade, Charlie!As ondas geladas batiam em suas cabeças. Adam lutou para respirar. O

sobretudo pesado enredava-se em volta dele. Tornava-se quase impossível mover-se ou flutuar em meio àquele mar escuro, quanto mais nadar até a margem. Era ensurdecedor o rugido da água encapelada que lhe entupia as narinas e as orelhas. Sentia o gosto de sal, e a lama do pântano penetrava entre seus dentes. Adam ouviu Charlie dar um grito baixo de derrota às suas costas.

— Nade! — Adam tornou a ordenar, enquanto lutava com mais energia contra o peso de suas roupas.

Os dedos que seguravam com força no casaco de Charlie doíam por causa do frio, mas Adam não desistiu. Ele jamais desistiria. Nisso, por um golpe de sorte, outro vagalhão empurrou ambos para a beira do pântano e Adam agarrou-se a uma estaca da cerca, cuja ponta mal era visível nas águas cinzentas. Eles ultrapassaram a cerca e conseguiram subir até a parte mais seca, onde ambos se largaram, exaustos. Adam virou-se para o lado de Charlie.

— Está ferido, filho? Charlie sacudiu a cabeça.Apesar da consciência ainda confusa, Adam ouviu ao longe a voz de

Madeline.— Adam! Adam!Ele procurou sentar-se. O vento zunia à sua volta, pressionando a roupa

fria e molhada de encontro à sua pele. Com esforço, conseguiu acenar para ser visto por ela.

— Vou levar Diana para casa! — Madeline gritou.Adam não entendeu o que ela dizia, devido ao bramido da inundação.

Mas viu quando Madeline subiu a colina em direção a casa. Adam segurou Charlie nos braços.

— Graças a Deus, filho, está salvo. Charlie soluçava.— Onde está Dante, papai?Adam procurou distinguir, entre as sombras na escuridão, a silhueta do

cavalo. Mais ao longe, pôde divisar as cabeças de seu gado serem levadas de arrastão para o mar. Viu um celeiro intacto flutuar e partir-se no caminho.

— Eu não o vejo, filho.Charlie ficou em pé. Seus dentes e joelhos batiam sem controle.— O que vai acontecer com ele, papai? — o menino perguntou com voz

trêmula.Adam procurou ficar em pé.— Eu não sei, Charlie. Somente podemos esperar que ele chegue até a

margem seca. Enquanto isso teremos de ir para casa.Madeline entrou no pátio. Seus músculos doíam pelo esforço de manter

o corpo inerte de Diana em cima do cavalo. Assim que ela se aproximou da porta, John Metcalf chegou galopando. Ele desmontou e correu para o lado de Madeline.

— O médico está a caminho.Madeline entregou Diana para John, que a carregou até a casa. Hilary e

Penélope deviam estar espiando pela janela, pois as duas estavam à espera, segurando a porta da frente aberta para ele entrar. Madeline levou os cavalos até o celeiro, amarrou-os e correu sob a chuva incessante de volta à residência. Nunca experimentara tamanha sensação de prazer quanto essa de estar abrigada dentro de uma casa quente, ver velas acesas e sentir o cheiro das chamas na lareira. Madeline tirou o manto ensopado e entregou-o a Hilary.

— Traga imediatamente água quente e toalhas para o quarto de milady. Ela está muito ferida.

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Madeline ergueu as saias, que continuavam a pingar no solo, subiu os degraus de dois em dois e correu para o quarto de Diana. John estava deitando Diana na cama, enquanto Penélope acendia as velas. Quando o recinto clareou, Penélope parou aos pés da cama, estupefata. Arregalou os olhos de pavor ao ver a meia de Diana empapada de sangue. Madeline abraçou a menina pelos ombros.

— Querida, vá esperar por seu pai. Ele e Charlie já estão a caminho. Assim que chegarem, ambos vão precisar de cobertores e chá quente.

Horrorizada, Penélope virou o rosto para Madeline e anuiu com um gesto vagaroso de cabeça. Mas se sentiu orgulhosa por ter sido designada para uma tarefa importante, e saiu do quarto. Madeline foi até a cama e apalpou a testa da irmã.

— Ela está muito fria. Vamos agasalhá-la com cobertores. — Fez um sinal para John ajudá-la a embrulhar Diana em um acolchoado. — Será que o médico vai demorar?

— Ele foi selar o cavalo. Deverá estar aqui a qualquer momento.Madeline não conseguia parar de arfar. Os acontecimentos haviam se

precipitado rápido demais.— Por que Diana não abre os olhos ou faz algum movimento? Estou tão

preocupada, John. Será que isso é normal?— Uma vez meu tio caiu do cavalo e não se moveu por dois dias.— Dois dias? Verdade? E o que foi que aconteceu depois? — Ele simplesmente acordou uma tarde e disse: "Quem apagou o

fogo?". Ficou com alguns ferimentos, galos e hematomas, mas não demorou a recuperar-se.

Madeline fitou John com simpatia.— Obrigada por ajudar-nos. Tivemos sorte de encontrar o senhor.— Não foi sorte. O Sr. Coates foi até a minha casa. Ele estava

procurando pela senhorita, e não por milady. Mostrou-se muito preocupado e eu me ofereci para ajudar a encontrá-la.

Madeline lembrou-se de que saíra para um passeio sem dizer a ninguém. Então tudo aquilo acontecera por sua culpa. Poderia perdoar a si mesma por isso? E se Diana não se recuperasse? Bom Deus, era melhor nem pensar em uma coisa dessas.

Hilary chegou com as toalhas. Madeline tratou de esquecer seus receios e pôs mãos à obra. Com todo o cuidado, tirou a meia de Diana e começou a lavar-lhe o sangue da perna. Madeline escutou um burburinho no pavimento inferior. Depois o barulho de pisadas de botas e uma porção de perguntas feitas ao mesmo tempo.

— John, vá ver se é o médico que chegou.John deixou Madeline sozinha, limpando os ferimentos de Diana. Talvez

fosse melhor que Diana permanecesse inconsciente, Madeline refletiu, infeliz. Se ela acordasse, a dor seria insuportável. Pareceu a Madeline que os ossos estavam quebrados. Quantos e onde, ela não saberia dizer. Mas de uma coisa tinha certeza: uma perna normal não ficaria tão deformada e inchada como estava aquela.

Ela ouviu passos subindo a escada e o médico, um homem distinto, grisalho e com óculos de aros dourados, entrou no quarto, carregando uma valise de couro marrom. Ele deixou a maleta no chão e aproximou-se da cama. Verificou a pulsação de Diana no pescoço e apalpou-lhe a testa para comprovar a existência ou não de febre. Passou uma vista d'olhos pelo corpo de Diana e deteve-se na perna.

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— Parece sério.Pelo sotaque, Madeline deduziu que ele também era procedente de

Yorkshire. Reparou nos olhos inteligentes do recém-chegado, antes de afastar-se para deixá-lo examinar a irmã. Uma onda de medo apertou o coração de Madeline.

— Como ela está?— Ainda é muito cedo para podermos afirmar alguma coisa. — Ele

apertou a panturrilha e a região que circundava o joelho. — Ela ainda não recobrou a consciência?

— Não, doutor.O médico continuou a fazer pressão em pontos diferentes.— A perna está mesmo quebrada. Pelo menos em três lugares. — Ele

sacudiu a cabeça com tristeza. — Em quatro.Madeline procurou manter a voz calma, embora mal pudesse conter a

náusea que a acometia.— Ela não vai perder, a perna, não é, doutor? O médico fitou Madeline

rapidamente.— Farei o possível para que isso não aconteça, Srta. Oxley.O médico deu a volta na cama, abaixou a pálpebra inferior de Diana com

o polegar e depois apalpou o crânio para constar a existência de um possível inchaço ou ferimento. Abriu a maleta e tirou duas talas.

— Vou imobilizar a perna, enquanto ela está inconsciente. A senhorita poderia ficar aqui? A sua ajuda seria muito valiosa.

Madeline adiantou-se.— Doutor, o senhor não me faria sair nem que quisesse.O médico anuiu sua aprovação e começou a enrolar as mangas soltas

de linho.— Acho que isso vai demorar um pouco.Adam enrolou Charlie em um cobertor grosso e providenciou um copo

de caldo quente para o filho na cozinha. Depois correu para cima, a fim de ver Diana e Madeline. O quarto de Diana encontrava-se fechado. John estava sentado em um cadeira no corredor vagamente iluminado. Do lado de fora, o vento continuava a ulular. A chuva batia nas vidraças. Ouviam-se pancadas ao longe. Talvez uma porta de celeiro que se abria com as rajadas da ventania e batia de encontro a uma parede. Adam parou no topo da escada, imaginando o que estaria ocorrendo atrás daquela porta cerrada.

— O que está acontecendo? — Ele perguntou a John.— O médico está imobilizando a perna de lady Thurston. Milady ainda

não acordou.— Bem, isso não deixa de ser uma vantagem momentânea.Os dois esperaram no hall em silêncio. Adam lembrou-se da última

conversa que tivera com Diana, quando desmanchara o compromisso e admitira que estava apaixonado por Madeline. Se pudesse ter imaginado o tamanho da ira de Diana ou sua determinação em encontrar Madeline antes que ele o fizesse, não a teria deixado sozinha.

Um pouco depois, a porta abriu-se devagar e Madeline apareceu. Adam adiantou-se, ansioso. John deu um pulo da cadeira. Madeline ainda trajava o vestido molhado. Os cabelos haviam se soltado do coque e pendiam úmidos sobre os ombros. Seu rosto estava pálido e ela cambaleou para o lado. Adam e John atiraram-se para frente a fim de ampará-la e seguraram-na pelos braços. Um de cada lado.

— Sente-se, Madeline — Adam disse, e ambos a ajudaram a sentar-se.

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— O que aconteceu? Como ela está?Madeline passou a mão nos cabelos, afastando os fios soltos do rosto.— Diana ainda está inconsciente, mas conseguimos imobilizar os ossos

quebrados.Adam sentiu-se mais aliviado.— Adam, o médico não tem certeza se conseguirá salvar-lhe a perna —

Madeline continuou tristemente. — É preciso esperar a reação do organismo. Mesmo se o membro for preservado, ela poderá não ter a capacidade de andar de novo. Ou, na melhor das hipóteses, precisará de uma bengala. É o que se pode dizer no momento. Teremos sorte se Diana conseguir enfrentar a batalha.

Adam sentiu como se lhe houvessem desferido uma punhalada no peito, diante da idéia de Diana ter de reaprender a andar ou passar o resto da vida confinada a uma cama e a uma cadeira. Sentia-se responsável por tudo o que acontecera. Por haver trazido Diana para aquela terra estranha, por deixá-la de coração partido, e pelo pior que poderia acontecer: ficar aleijada para sempre. Madeline soluçou com desespero.

— Eu só gostaria que minha irmã acordasse. Adam ajoelhou-se diante dela e apertou-lhe o ombro.

— Diana vai acordar. Precisamos rezar e ter fé. Madeline escondeu o rosto com as mãos, que não paravam de tremer.

— Foi tudo por minha culpa — ela se lamentou.— Não foi, não.— Foi, sim. Eu saí para dar um passeio e não avisei ninguém que iria

demorar tanto. Com a tempestade que se aproximava, Diana deve ter ficado preocupada comigo e saído à minha procura. Eu errei em sair daquele jeito, sem pensar em ninguém, só em mim mesma.

Adam afastou-lhe as mãos do rosto.— Pois eu lhe asseguro, Madeline, que não foi sua culpa.— Mas o senhor também estava procurando por mim! Ele fitou-lhe os

lindos olhos cheios de sofrimento e entendeu que teria de convencê-la de que ela era a pessoa mais inocente em toda aquela história. Adam olhou para John, que observava a cena com inquietação.

— John, será que nos daria licença? Preciso falar com Madeline em particular.

Adam não pretendia contar-lhe nada naquele momento, diante de circunstâncias tão aterradoras. Mas não poderia deixar que Madeline continuasse pensando ser ela a única culpada. Ele admitiu que precisava assumir o comando da situação e confessar-lhe a verdade, independente de quais pudessem ser as conseqüências.

CCAPÍTULOAPÍTULO XVII XVII

John deixou Adam e Madeline sozinhos do lado de fora do quarto de Diana. Madeline acompanhou os movimentos de Adam para levantar-se e sentiu um formigamento de inquietação. A fisionomia dele era de quem estava para

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revelar notícias chocantes. Terríveis. Embora não lhe passasse pela cabeça nada pior do que acontecera naquele dia. Adam ofereceu-lhe a mão.

— Venha comigo.Apesar da incerteza da qual foi tomada, Madeline aceitou a mão

estendida e seguiu-o até o canto de leitura que ficava no final do corredor. As estantes forradas de livros cobriam as paredes e pareciam avisá-los de que ali era um lugar onde se deveria agir com sabedoria. Ele acendeu as velas. Acomodou Madeline em uma poltrona e sentou-se em outra, em frente. Assim como se sentara do lado oposto a Diana, horas antes, naquele mesmo dia.

— Madeline, preciso lhe dizer uma coisa.— O que houve? — Ela ficou em pé. — Pelo amor de Deus, Charlie não

está ferido, está?Adam fitou-a, solene.— Charlie está bem. Por favor, sente-se. Madeline atendeu-lhe ao

pedido e, tremendo, esperou que ele falasse.— Meu Deus, como é difícil. — Adam suspirou. — Eu nem mesmo sei

como começar. Sou obrigado a admitir que agora não é um momento apropriado para tocar no assunto, mas não posso furtar-me a um dever de consciência. E a minha já está sobrecarregada demais. Não suportaria mais um peso. Madeline, não se culpe pelo que aconteceu a Diana. A falta foi única e exclusivamente minha.

Ela olhava-o sem entender, ao mesmo tempo que um torpor apoderava-se de suas pernas.

— Como assim?Um músculo estremeceu no queixo de Adam e ele hesitou, antes de

explicar.— A culpa foi minha porque esta tarde, durante a visita de John,

encontrei Diana no meu escritório e lhe disse que não poderia casar-me com ela.O impacto das palavras de Adam atingiu Madeline de tal maneira que

ela teve a impressão de que haviam jogado um balde de água gelada em seu rosto.

— Mas por quê?Adam encarou-a e uma veia saltou na sua testa. Madeline continuava

sentada à sua frente, muito chocada, demonstrando ignorar completamente por que ele estaria lhe contando tudo aquilo.

— Eu não posso casar-me com Diana porque não se deve contrair matrimônio com quem não se ama.

Madeline mostrou-se ainda mais confusa.— Ma... mas eu o es... escutei af... afirmar que a a... amava.— Isso foi antes de eu conhecê-la, Madeline.— Mas durante o tempo todo, ficou bem claro a sua grande vontade de

que Diana viesse a Cumberland. A miniatura... as cartas...Adam inclinou-se para frente e apertou-lhe as mãos.— Sei que não poderia existir hora mais inadequada para discutirmos o

problema, porém assim que Diana acordar, ela irá contar-lhe a verdade. Acredite em mim, prefiro que tome conhecimento da verdade pela minha boca. Diana saiu para cavalgar sozinha em virtude da conversa que tivemos. Eu contei para Diana que não poderia casar-me com ela porque... estou apaixonado... por sua irmã.

Madeline continuou sentada por um longo tempo, imóvel. O ruído do sangue que latejava em suas têmporas aumentou e tornou-se insuportável. Ela fitou Adam com expressão atoleimada.

— Não pode estar falando sério.

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Adam abaixou a cabeça com vagar, confirmando a verdade.— Ninguém pode amar-me. Eu sou uma pessoa insignificante.— Pois está muito enganada. Para mim, representa tudo.— Por favor, Adam, os acontecimentos de hoje acabaram por confundi-

lo. É melhor descansar um pouco.— Quando Diana acordar — Adam reprisou —, ela irá contar-lhe

exatamente o que aconteceu entre nós hoje. E fará o possível para transformar-me em um devasso ou em um conquistador barato, tanto faz. Diana irá desprezar-me e odiar-me ainda mais depois do acidente. E eu não a poderei culpar por isso.

Madeline cruzava e descruzava as mãos, incapaz de desfitar a fisionomia de Adam. O olhar dele traduzia sofrimento e tristeza. E muita sinceridade.

— É preciso que saiba também que, depois da conversa tempestuosa com Diana, saí a sua procura. Queria ter a oportunidade de contar-lhe sobre os meus sentimentos, antes de que sua irmã o fizesse à maneira dela. Madeline, eu só quero provar-lhe que sou um homem honrado. Não importa o que Diana irá dizer-lhe e nem em qual versão acabará por acreditar. Mas eu quero que entenda bem o que vou afirmar. Meu amor e meu carinho pela sua pessoa vêm crescendo de uma forma desmedida. Ardente. Profunda.

Adam fitou-a com intensidade e Madeline imaginou que o olhar azul e cintilante fosse à morada do paraíso.

— Eu lhe juro, Madeline, dei tudo de mim para lutar contra essa atração. Mas não consegui. Esse fascínio só foi aumentando com o passar dos dias. Acredite em mim, achei que romper com Diana seria a melhor coisa que eu teria a fazer. Não queria enganar três pessoas, eu me incluí na lista, ao mesmo tempo. Se eu pudesse imaginar o que estava para acontecer, asseguro-lhe que teria agido de maneira diferente.

Adam parou de falar por um momento. Fechou os olhos e tornou a abri-los, antes de continuar.

— A verdade é a seguinte. Quando fomos juntos para o forte, ao encontro de lorde Blackthorne, havia uma carta no meu bolso que eu pretendia enviar para Londres. Na missiva, eu dava instruções para o meu advogado suspender o casamento por procuração ou anulá-lo, se fosse o caso. Dessa maneira, imaginei que poderia impedir Diana de vir. Esperava poder retratar-me da minha proposta. Queria fazer tudo certo. Assim ficaria livre para a amar, Madeline.

Madeline experimentava uma mistura de descrença e desespero que lhe fazia tremer as entranhas. Sonhava havia muito tempo com aquelas palavras ditas por Adam, mesmo quando forçava a si mesma a aceitar que jamais viria a escutá-las. E quando tudo se tornava realidade, não confiava em seus ouvidos. Como Adam podia preferir Madeline, sem graça, teimosa e tímida, a Diana, encantadora, linda e esplendorosa?

— Eu não posso compreender. Quando foi que descobriu isso e por que não me revelou nada antes?

— Meus sentimentos mudaram gradualmente com o tempo. E se não lhe disse nada, é porque eu estava tentando lutar contra eles. Eu era comprometido com Diana e não poderia apaixonar-me por sua irmã! Ao perceber que nada mais poderia ser feito e que o meu coração lhe pertencia, Madeline, resolvi dar alguns passos para conquistá-la. Mas foi tarde demais. Diana chegou naquele navio.

Madeline cobriu o rosto com as mãos.

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— Não consigo acreditar que isso esteja acontecendo. Adam segurou-lhe a mão.

— Perdoe-me, Madeline. Jamais tive a intenção de causar-lhe amargura ou dor. Também não queria que Diana sofresse.

— Mas é o que está acontecendo e eu não tenho idéia do que poderei fazer agora. Nem mesmo sei o que deseja de mim.

— Eu apenas queria que soubesse da verdade.— E que atitude deverei tomar em vista do que me contou? Não posso

sentir-me feliz. Nem aceitar seu amor e cair em seus braços como se fosse a coisa mais natural deste mundo. Diana está ferida. Toda arrebentada. Talvez ela nem possa mais andar. E agora fico sabendo que ela também está inconsolável, com o coração partido.

Em parte, Madeline desejava esbravejar contra Adam por ele ter esperado até aquele momento para relatar tudo! O que ela poderia fazer dali para a frente, a não ser sofrer pela tragédia que se abatera sobre Diana? Ou então passar a vida lamentando-se pelo que poderia ter sido se os fatos houvessem transcorrido de maneira diferente?

Madeline deu uma tossidela.— Eu realmente não sei o que dizer, Adam.— Não diga nada. Se quiser desabafar, grite comigo por eu ter errado

tanto nas minhas reflexões sobre o que me faria feliz. Um homem precisa enxergar longe, antes de que seja tarde demais. Estará muito certa se me considerar um verdadeiro idiota.

Não mais do que eu, Adam. Isso eu posso lhe garantir. Madeline também assumia a culpa pelo que acontecera, quer Adam aceitasse ou não essa idéia. Afinal, fora ela quem ajudara a criar a confusão de sentimentos pela qual ele passara até decidir-se. Agira como esposa em todos os sentidos — exceto em um. Dera-lhe apoio, encorajara a intimidade nas conversas. Tomara conta da família dele e cozinhara para eles. E não podia negar que fizera questão de mostrar-se compreensiva e simpática.

Acima de tudo isso, Madeline alimentara ilusões perigosas. Desejara que Diana rompesse o compromisso com Adam, para que ela pudesse sair catando os cacos e consertá-los. E também almejara o inverso, que Adam desistisse de Diana e, assim, pela primeira vez em sua vida, Madeline, o patinho feio, pudesse ser a escolhida.

Adam e Madeline escutavam a chuva bater nas vidraças que chocalhavam com o vento. As condições meteorológicas em nada auxiliavam a recuperar um pouco de ânimo.

— Sinto muito, muito mesmo, Madeline. Eu daria a minha vida para que tudo isso não tivesse acontecido — Adam disse com sinceridade e suspirou. — Será que algum dia eu poderei almejar o seu perdão?

Madeline constatou que as lágrimas marejavam seus olhos e piscou com força para afastá-las, mas não foi possível. Era horrível pensar que não poderia ficar com Adam, apesar de ele ter-lhe declarado seu amor. Ela jamais seria tão cruel e desleal para com a irmã, ainda mais que o futuro de Diana tornara-se tão incerto. Madeline deu um suspiro trêmulo e procurou as palavras mais sensatas para serem ditas.

— Hoje foi um dia terrível, Adam. Duvido até que saiba a extensão das suas afirmações.

Ele abaixou a cabeça e sacudiu-a em um gesto negativo.— Madeline, eu sei exatamente sobre o que estou falando.— Por favor, Adam, queira desculpar-me — ela pediu com voz trêmula.

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— Mas eu preciso ver como está Diana.Madeline retirou a mão e levantou-se.— Espere, não vá ainda — Adam implorou. — Eu preciso saber. Se

essa tragédia não houvesse acontecido, haveria lugar em seu coração para mim? Poderia chegar a amar-me como um homem de verdade, e não apenas como amigo?

Madeline fitou-o sem demonstrar nenhum sentimento, enquanto seu coração girava em um caos. Ela sofria como nunca. Amava Adam mais do que tudo na vida e ele não tinha a menor idéia da verdade.

O forro de um celeiro caíra sobre Diana, porém o mundo inteiro desmoronava ao redor de Madeline. O que faria para enfrentar tamanho infortúnio?

— Como pode perguntar-me uma coisa dessas? — Madeline indagou com tremor na voz. — Será que não é possível perceber a resposta?

Adam empalideceu.Madeline teve de buscar mais coragem para continuar.— Foi tão difícil assim suspeitar que eu o amava, a partir do primeiro

instante em que saí do navio? Será que meus esforços para esmagar esse amor foram imperceptíveis nesse tempo todo? Tive de lutar para malograr o que eu mais desejava no mundo. Precisei impedir a mim mesma de querer o que eu acreditava que fosse o fruto proibido.

A reposta de Madeline foi uma flechada no peito de Adam e ele sentiu que o ar saía de seus pulmões.

— Madeline, eu não poderia jamais imaginar. Nunca vi o menor indício de amor de sua parte.

— E como poderia demonstrar alguma coisa se eu também estava aprisionada? Havia o seu compromisso com minha irmã e, mais do que isso, eu tinha certeza do seu amor por ela.

Adam aproximou-se, embora com receio, e tocou-lhe a face com um dedo. Madeline arregalou muito os olhos injetados.

— Madeline... — Adam sentiu o coração avolumar-se pelo amor implacável e opressivo que sentia por ela. — Não me diga que jamais poderá haver qualquer coisa entre nós.

Madeline piscou várias vezes para tentar raciocinar, ainda imersa em um oceano de atordoamento. Adam não pôde conter-se. Madeline estava muito linda, apesar de desalinhada e imersa em incertezas. Ele abaixou a cabeça na direção dela.

Madeline deixou escapar um pequeno gemido quando Adam encostou os lábios nos seus em um beijo delicado e suave. Ela entreabriu a boca e Adam procurou-lhe a língua com a dele, enquanto lhe segurava o rosto com as mãos. Madeline refletiu que as mãos de Adam, além de grandes, eram ternas e excitantes. Como ansiara para beijá-la!, Adam confessou a si mesmo, antes de afastar os lábios e encostar a testa na de Madeline.

— Por favor — ele sussurrou —, diga que poderemos vencer essa situação.

Madeline deu um passo atrás e abaixou o olhar, suspirando. Adam perguntou-se se ela iria chorar e não resistiu à vontade de segurá-la. Estendeu o braço, porém Madeline recuou mais, como se o temesse.

— Eu não sei quais são as suas intenções a respeito de Diana — ela declarou, com tranquilidade apenas aparente. — Isso é um assunto que ambos deverão resolver. Só posso dizer-lhe que nada mais será possível entre nós. Não poderei trair minha irmã para ficarmos juntos, não depois do que aconteceu

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a ela. Como eu seria capaz de fazer uma coisa dessas, Adam? Diana ainda o ama! — Com mal-estar, Madeline pôs a mão no estômago. — Se Diana quiser voltar para Yorkshire, eu a acompanharei.

Tremendo, Madeline afastou-se e voltou para o quarto da irmã. Adam observou-a afastar-se e ficou parado por um bom tempo. Depois se encostou à parede e largou-se no chão, desesperado.

Madeline não teve certeza se fora a luz que penetrava através da cortina de renda que a acordara. Abriu os olhos e deu-se conta de que estava deitada ao lado de Diana, com a cabeça no mesmo travesseiro, e que a irmã gemia. Sentou-se de imediato, completamente desperta.

— Diana, estou aqui. Tudo vai dar certo, pode acreditar. Consegue falar, querida?

Madeline continuou a insistir para a irmã recobrar a consciência. Ao ver que as pálpebras se descerravam e que os imensos olhos azuis fitavam o dossel acima de suas cabeças, ela gritou de alegria a abraçou Diana.

— Graças a Deus! Obrigada, Senhor!— Onde estou? — Diana perguntou atordoada, confusa e com irritação.

— Não me sinto bem.Madeline apressou-se a pegar a bacia que se encontrava ao lado da

cama. Diana não conteve a ânsia de vômito e continuou a gemer, impaciente pelo desconforto e pela dor.

— Minha perna... Oh, Senhor, que martírio! A minha cabeça... o que aconteceu? — Diana tentou sentar-se, mas a dor a forçou a deitar-se novamente. E, de repente, ela gritou. O grito foi agudo, esganiçado, cheio de agonia e fúria. — O que aconteceu comigo?

Aterrorizada pela reação de Diana, Madeline acariciou-lhe a testa.— Foi um acidente. Houve uma tempestade e o forro de um celeiro

despencou sobre a sua cabeça. Nós a tiramos de lá e agora está salva.— Salva? — Diana afastou as mãos de Madeline com um tapa. —

Chama isso — ela apontou para si mesma — de "salva"? Minha perna! Saia da minha cama! Toda vez que você se move, ela dói!

Madeline deslizou para fora do leito com o maior cuidado.— Mandarei chamar o médico de novo.— De novo? E por que está doendo se ele já esteve aqui? Que tipo de

médico é esse? Algum charlatão? Ai!— Ele é muito bom. Sua perna está quebrada em quatro lugares. Ontem

à noite e durante a sua inconsciência, ele pôs todos os ossos no lugar.Diana contorcia-se na cama, entre gemidos e lamentos. Madeline

aproveitou a oportunidade para sair apressada em busca de ajuda. Encontrou Hilary no corredor. Ela estava de camisola e viera correndo do quarto, com um xale sobre os ombros.

— Srta. Oxley, milady acordou?— Sim, mas é preciso pedir ao Sr. Coates que vá buscar mais uma vez

o médico. Lady Thurston está com muita dor e eu não sei como ajudá-la.Aflita, Hilary concordou e Madeline voltou ao quarto de Diana.— Por que não faz nada? — Diana gritou, histérica. Em seguida, a

enferma começou a chorar e soluçar, e Madeline aproximou-se para segurar-lhe a mão.

Nesse instante, Adam deslizou pela soleira sem fazer ruído, com a camisa branca aberta no colarinho. Parou imediatamente, com um olhar de preocupação. Diana virou a cabeça no travesseiro. Ao vê-lo, começou a gritar.

— Adam! Estou ferida! Minha perna está quebrada! Madeline

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testemunhou a angústia e o sentimento de culpa no olhar de Adam.— Eu sei. Vou buscar o médico. Ele vai ajudá-la. Adam afastou-se e

seus passos ligeiros e firmes ressoaram escada abaixo.Diana cerrou os dentes por causa da dor e apertou a mão de Madeline.— Como foi acontecer uma coisa dessas?— Por causa do temporal. Foi muito repentino e a situação piorou rápido

demais.— Eu não me lembro de nenhuma temporal.— Estava chovendo com violência. Foi por isso, minha querida, que

você procurou abrigo no celeiro.Diana sacudiu a cabeça, sem acreditar no que Madeline estava lhe

contando. í— Não, não. Eu não me lembro de nada — ela repetiu. — Eu jamais

sairia na chuva.Madeline, desconsolada, fitou a irmã. Precisava despertar-lhe a

memória, embora um teto despencando na cabeça não fosse uma das coisas mais agradáveis para serem lembradas.

— Mas o fato é que saiu cavalgando sozinha.— Sozinha? Por que eu faria uma coisa dessas? Madeline ficou

alarmada.— Não se lembra do que aconteceu ontem? — Madeline falou devagar,

com cuidado.Diana concentrou-se no esforço de tentar recordar-se do que

acontecera. Depois de alguns instantes, começou a tremer e sacudiu a cabeça.— Eu... eu não tenho certeza. Só me recordo de ter comido biscoitos e

geléia de maçã no desjejum. — Diana apertou a mão de Madeline e começou a soluçar. — Não sei o que houve depois disso. — Madeline, o que ocorreu comigo? Eu não me lembro! Eu não me lembro!

CCAPÍTULOAPÍTULO XVIII XVIII

O Dr. Hudry aliviou a dor de Diana com uma bebida anódina e sedou-a. Diana fechou os olhos e mergulhou em um sono tranquilo. Madeline afundou na cadeira, sem perder a sensação de que o mundo desabara.

— Eu não entendo. Por que ela não pode se lembrar do que aconteceu depois do desjejum? Até posso admitir que uma pessoa queira esquecer-se do teto caindo sobre a cabeça. Mas, e antes disso?

O Dr. Hudry guardou seus apetrechos na valise.— Não é incomum perder um pouco da memória recente após uma

pancada na cabeça. Já vi isso acontecer algumas vezes.— Diana vai recuperar a memória?— É difícil prever. Quando acordar, ela poderá recordar-se do que

ocorreu. Ou poderá nunca mais lembrar-se. — O médico fechou a maleta. — Pode considerar-se até uma sorte ela ter esquecido de apenas um dia. Sei de pacientes que ficaram incapazes de ter qualquer lembrança. Nem de seus

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nomes, dos parentes ou até mesmo de onde moram. O que é um dia, afinal? Não representa nada.

Um dia muito importante, Madeline refletiu, ansiosa. O médico foi até a porta.

— O que a senhorita precisa ter em mente é ajudar lady Thurston a caminhar novamente. Tente ser positiva e procure levantar-lhe o ânimo. Isso é fundamental na recuperação. Milady sofrerá por algum tempo, mas se tiver pessoas queridas a seu lado que lhe dêem apoio e a encorajem a sair da cama, ela poderá curar-se com maior rapidez. Dê-lhe algo com que ocupar a mente e ofereça-lhe expectativas para o futuro. Por exemplo, planeje o casamento dela com o Sr. Coates.

Madeline teve de fazer um esforço fora do normal para acatar a sugestão com um sorriso. O médico abriu a porta do quarto e parou para falar com Adam, que andava no corredor de um lado para outro.

— Ministrei uma poção para aliviar a dor de lady Thurston. Ela dormirá por um bom tempo. Voltarei à noite para mais uma visita. Quero examiná-la novamente.

— Obrigado, Dr. Hudry. Agradeço seu interesse e seu atendimento rápido.

O médico desceu a escada e Madeline fitou Adam, que entrava no quarto.

— Está se sentindo bem? — ele perguntou. Madeline anuiu.— Quanto poderia ser esperado sob essas circunstâncias. Mas

precisamos conversar, Adam. A sós.Ele apontou para a sala de leitura no final do corredor, onde haviam

conversado na noite anterior. Foram até lá e ocuparam os mesmos lugares da véspera. Madeline sentou-se na cadeira, sem saber como revelar a Adam a perda de memória de Diana e não muito certa sobre o que deveriam fazer depois do relato. Ela pigarreou e decidiu dizer tudo de uma vez e ir direto ao âmago da questão.

— Acredito que a pancada na cabeça de Diana teve conseqüências sérias. Ela não se lembra de nada do que aconteceu ontem. Nem que saiu a cavalo sozinha e nem a respeito da conversa que tiveram antes disso. Ela só se recorda do que comeu pela manhã.

Adam levou alguns minutos para assimilar a notícia. Era difícil imaginar alguém não ser capaz de lembrar-se do que acontecera na véspera, isso sem mencionar um fato tão importante quanto à ruptura de um compromisso matrimonial.

— Isso poderá acarretar um efeito a longo prazo na mente de Diana? — ele perguntou.

Madeline tentou dar-lhe uma explicação minuciosa.— O médico assegurou que uma perda de memória em casos como

esse não é incomum e que não deveríamos preocupar-nos com isso, pois trata-se de apenas um dia perdido, contanto que ela se lembre do resto. O mais importante será ajudá-la a caminhar novamente.

Adam beliscou a ponte do nariz.— Ela acredita que ainda estamos comprometidos. Madeline concordou.— Esta me parece ser a situação de momento. Adam levantou-se e

recomeçou a andar para cá e para lá no corredor.— Misericórdia! Não posso romper o compromisso "de novo". Pelo

menos, não agora.Madeline ficou em silêncio por alguns instantes.

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— Fico mais tranqüila ao ouvi-lo dizer isso, Adam. O que vai fazer depois é uma decisão sua. Mas tenho de lhe pedir para não lhe dizer a verdade imediatamente. Por favor, espere até ela melhorar. O Dr. Hudry ,até sugeriu que se mantivesse a mente de Diana ocupada com, por exemplo, os preparativos para o casamento.

— Casamento? Isso será levar as coisas um pouco longe demais, não acha?

— Concordo. — Madeline mostrou-se razoável quanto a isso. — Seria um erro enganá-la até esse ponto, a menos que pretenda mudar de idéia.

As primeiras luzes da manhã chegavam timidamente até o corredor, através da janela. Adam fitou-a de soslaio na semi-obscuridade. Se Madeline apenas soubesse como aquela idéia era ridícula! Será que não acreditara no amor que ele lhe devotava? E com toda certeza estaria subestimando os sentimentos de um homem sincero ao imaginar que ele seria capaz de esquecer o que afirmara na noite anterior, fingir que nada acontecera e casar-se com outra. Apesar disso, Adam não perderia a esperança de que ela acabasse por aceitar seu amor.

— Acha mesmo que é essa a minha intenção, Madeline?Por outro lado, se Madeline insistisse para ele casar-se com Diana, seria

um sinal de que ela estaria firmemente decidida a não aceitar o seu amor. Para todo o sempre.

— Responda, Madeline, acha que eu devo isso a Diana?— Acredito que deve a si mesmo a decisão de fazer a coisa certa.A consideração de Madeline foi feita com tanta calma e indiferença que

Adam chegou a duvidar de que o amasse tanto quanto ele a amava. Madeline não poderia ter sido mais enigmática.

— Mas, o que é exatamente a coisa certa? — Adam não conseguiu disfarçar a raiva que crescera dentro de seu peito. — Casar com Diana por pena? Ou por dever? Ou por sentimento de culpa? Eu já agi dessa maneira uma vez em minha vida. E lhe asseguro Madeline, isso não é nenhum bom prognóstico para a felicidade futura de nenhuma das partes envolvidas. Além do mais, Diana já se casou com um homem que não a amava. Eu duvido de que ela ficaria feliz em repetir essa particularidade do passado.

— Talvez fosse possível fazer o amor por ela renascer. Afinal, não faz tanto tempo que havia a pretensão de sua parte em...

Adam ajoelhou-se em uma perna diante de Madeline, para impedi-la de continuar o raciocínio absurdo.

— Madeline, isso já é difícil do jeito que está. O que aconteceu com Diana está me matando por dentro. Eu me sinto responsável e confesso-lhe que cheguei a refletir sobre a possibilidade de casar-me com ela por sentir-me culpado pelo que aconteceu. Mas não posso deixar a piedade dirigir minha mente e meu coração. Agindo dessa maneira, eu estaria prestando um desserviço a Diana. Eu não poderia mudar o fato de tê-la aceitado pelo que aconteceu e nem seria capaz de fingir amor.

Madeline mexeu-se na cadeira. Gostaria de fugir dali, mas teria de ficar sentada, discutindo sobre a necessidade ou não de Adam casar-se com Diana. O sofrimento de seu coração devia ser do tamanho da dor na perna de sua irmã. Insuportável.

— Diana saberia da verdade, e essa poderia ser uma punhalada em seu coração todos os dias de sua vida. Chegaria um momento em que ela somente seria capaz de sofrer. Mais nada. Diana poderá permanecer aqui por quanto tempo ela quiser. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para prover-lhe das

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menores necessidades que representem uma oportunidade de cura. A melhor assistência médica, a melhor comida, o melhor entretenimento para manter-lhe o espírito em alta. Mas não poderei casar-me com ela, Madeline. Não cometerei o mesmo erro duas vezes. Isso seria uma desgraça para nós dois.

Adam gostaria de acrescentar que não poderia desposar Diana, ou quem quer que fosse, porque havia somente uma pessoa no mundo com que ele poderia contrair matrimônio. E ela se chamava Madeline Oxley. Se a situação fosse diferente, ele a tomaria nos braços naquele exato momento e jamais a deixaria sair dali. Madeline não revelou abatimento ou mudança de opinião.

— Entendo. Evitaremos falar sobre o assunto na frente de Diana, pelo menos até ela não se sentir mais forte. Continuaremos agindo da mesma forma como fazíamos quando lorde Blackthorne se encontrava aqui e fingiremos que tudo está bem. Poderá fazer isso? Eu o ajudarei.

— Está mais do evidente de que não sentirá dificuldade para atuar dessa maneira. Estou admirado pelo controle perfeito das suas emoções.

E por que ele se incomodava tanto com isso? Teria preferido que Madeline se desfizesse em um mar de lágrimas? Que dissesse aos gritos amá-lo perdidamente e soluçasse pelo que não poderia ser? Ou que pulasse em seus braços e implorasse para ele a segurar, nem quê fosse só por um glorioso momento? Ou que suplicasse para ele beijá-la como fizera na noite anterior?

Mas aquilo era o que "ele" gostaria de fazer e pedir com encarecimento. Por isso estava ajoelhado na frente de Madeline, ardendo por tomá-la nos braços e fazer-lhe promessas que ela jamais o deixaria cumprir...

— Estou mesmo no controle delas — Madeline afirmou, imperturbável, e levantou-se. — Aprendi a guardar minhas emoções para mim mesma e lidar com elas a minha maneira.

Madeline fez menção de voltar para o quarto da irmã, mas Adam se ergueu e segurou-a pelo braço, forçando-a a encará-lo.

— Talvez ainda lhe falte aprender que é uma pessoa merecedora de amor e que é preciso abrir o coração para os outros.

Madeline franziu o cenho, sem acreditar no que ouvira.— Por que eu faria isso? Seria como reabrir uma ferida. É muito menos

doloroso encaixotar e guardar os sentimentos.— Sentimentos não são feridas, Madeline.— Para mim, são. O amor tem sido doloroso. Os abalos morais têm-me

feito ficar muito vulnerável, Adam. E nos últimos tempos tenho preferido ser uma pessoa fechada, impenetrável.

Madeline desvencilhou-se e foi embora, sem ser impedida por ele. Dali a instantes, Adam a ouviu bater a porta do quarto.

Mais tarde, na mesma manhã, Jacob apareceu para ver como estava a família e saiu com Adam a fim de inspecionar o pântano. Adam ainda estava perturbado pela conversa que tivera com Madeline. Ele pisava em território desconhecido. Madeline era o oposto de Jane, que passava o tempo infernizando a vida do marido, chorando e lamentando-se à menor contrariedade. Se ficasse frustrada ou raivosa, jogava tudo o que estivesse ao alcance da vista e das mãos. Com Jane, ele aprendera onde situar-se, sobretudo quando ficava no corredor, trancado para fora do quarto para passar a noite.

A serenidade de Madeline e sua relutância em expressar emoções passava além do constrangimento ou da reserva. Era como se ela fizesse questão de negar o fato de que, igual a qualquer mortal, fosse possuidora de um coração.

Nas últimas semanas, Adam chegara a acreditar que encontrara a

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companheira ideal. Estivera convicto de que, sob o aspecto cortês de Madeline, havia somente a perfeição. Imaginara mesmo que possuíam muitas coisas em comum. Madeline sempre parecia calma e equilibrada. O que era uma das coisas que mais apreciava nela.

Como poderia ter experimentado emoções tão reais se Madeline não tinha coração e nenhum afeto por ele? Como pudera sentir-se tão ligado a ela? Talvez tudo não houvesse passado de um sonho, Adam cismou, amargurado. Ou quem sabe se sua crença nada mais fosse do que a vontade de enxergar uma realidade que não existia? Era possível também que ele ainda estivesse empenhado na busca eterna da mulher perfeita. Em vez de procurar minuciosamente a sensatez das coisas reais.

Ele e Jacob subiram até o alto do cômoro, detiveram os cavalos e inspecionaram as terras baixas. O que viram fez Adam voltar sua atenção para onde ela se fazia necessária no momento. Suas terras e sua subsistência.

Aquilo, pelo menos, ele podia ter certeza de que constituía um assunto concreto. Sem dizer nada, Adam e Jacob contemplaram o cenário inconcebível, as perdas enormes.

Para àquela hora do dia, Adam calculou que a maré já houvesse recuado, mas logo estaria novamente a caminho. Os danos às barragens deviam ter sido substanciais, pois o grande pântano ainda estava inundado pela água do mar. O relvado luxuriante e toda a vegetação que outrora oscilava ao sabor do vento tinham sido destruídos. Tudo submerso, transformado em um lama marrom, paludosa e que provocava náuseas. O nevoeiro era melancólico. Carcaças de gado morto estavam dispersas por toda parte. O madeirame das cercas espalhava-se por toda a superfície, flutuando ou balançando-se nos buracos inundados. Numerosos celeiros empilhavam-se uns sobre os outros. Muitos deles haviam desaparecido. Meu mundo inteiro em ruínas.

— Ainda bem que levamos aquele rebanho para Halifax — Jacob resignou-se —, ou poderíamos ter perdido tudo.

Adam estalou a língua para incitar o cavalo para frente.— Vai ser um longo inverno.— Como faremos para comer, pai?— Tiraremos o que pudermos do planalto e compraremos o resto.

Teremos o suficiente para nos mantermos, embora sem a perspectiva de lucro. O mais importante será a frugalidade. Nada mais de lindas echarpes para Mary ou brinquedos extravagantes para o bebê.

Jacob seguia o pai com desânimo.— O que faremos no próximo ano? Será que a inundação terá escoado

nesse período? Estaremos em condições de recomeçar?Adam gostaria de ter notícias mais alvissareiras para o filho. Infelizmente

não era possível alegrá-lo. Mas Jacob era um jovem forte e brilhante. Haveria de encontrar uma maneira de satisfazer as necessidades da mulher e da filha. Todos trabalhariam como uma família unida, da maneira que haviam feito até então.

— Mesmo se conseguirmos reparar os estragos feitos nas barragens — Adam declarou —, levará alguns anos para que a chuva possa levar embora todo o sal.

— Alguns anos? — Jacob espantou-se, com medo. — E o que faremos nesse meio-tempo?

— Plantaremos nas terras altas e conseguiremos tirar o necessário para o nosso sustento. Teremos apenas de esquecer os luxos.

Pai e filho desceram pelo caminho que levava à margem do pântano,

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onde a água barrenta da enchente marulhava de encontro à colina.— Vou convocar uma reunião dos proprietários das barragens — Adam

anunciou — e resolveremos pelo voto o que deverá ser reconstruído. Eu sugiro Jacob, que se prepare para fazer um trabalho grande, exaustivo e sujo nos próximos meses. Teremos de localizar as rupturas e repará-las. Depois será necessário entrar na lama e tornar a cavar as valas para a drenagem da água. E, se for necessário, precisaremos construir novos diques, altos e firmes o suficiente para conter a força do mar. Nós não nos renderemos Jacob, nem que o oceano esteja determinado a derrotar-nos.

Jacob sorriu com admiração.— Meu pai, sua confiança é contagiosa.Adam gostaria de estar tão confiante no futuro em relação à Madeline.

CCAPÍTULOAPÍTULO XIX XIX

Conforme ficaram sabendo mais tarde, o temporal causara a elevação da maré a um nível cinco vezes maior do que o mais alto já atingido. Fora uma ocorrência excepcional que não pudera ser prevista por ninguém. Foram necessários seis dias para a água voltar ao seu nível normal. Durante esse tempo, Adam, Jacob e outros fazendeiros locais supervisionaram as barragens e procuraram fendas e rachaduras.

Para alívio e surpresa de todos, descobriram que os danos tinham sido mínimos. A maior parte dos diques mantivera-se firme, apesar da fúria demolidora das águas. Havia sido a subida incomum da superfície horizontal das águas que causara o alagamento.

Um grande número de vacas foi recuperado, assim como Dante, o cavalo de Charlie, que conseguira escapar da enchente em um bom trecho adiante do cômoro. Durante aquele período de muita investigação e decisões tomadas, Madeline ficou sabendo que o baile no celeiro de Aiken fora cancelado. E, para seu dissabor, admitiu que o fato a deixara contente. Não lhe agradaria passar uma noite com John Metcalf, fingindo que estava interessada no rapaz. Seria muito difícil representar aquilo, depois de tudo o que acontecera. E também não gostaria de enganá-lo. John era um jovem correto e decente, merecedor de uma moça que ficasse cativa de sua atenção e de seu espírito.

Madeline passava os dias e as noites em companhia da irmã, cuidando dos ferimentos, hematomas e da perna quebrada.

Também tivera de enfrentar sopa quente derramada no colo e tapas na mão por estar verificando a temperatura na testa de Diana. Fora repreendida por manter a janela aberta, quando a irmã estava com frio, e por deixá-la fechada quando estava com calor.

Naquele dia, Madeline encontrava-se receosa, pois teria de dar um banho de esponja em Diana. Apreensiva e cautelosa aproximou-se da cama.

— Tire esse trapo frigidíssimo da minha frente! — Diana berrou. — Deve ser por causa das suas mãos cheias de calos. Não tem sensibilidade para saber se a água está fervendo ou gelada como um rio no inverno! Quero que traga imediatamente outro balde com água "quente". Hilary!

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A criada entrou correndo no quarto.— Eu vou buscar — Madeline respondeu de imediato, procurando

acalmar Diana. — Não precisa gritar.Madeline deixou cair o pano desprezado na bacia que estava em cima

do lavatório e deixou Hilary pajeando milady. Suspirou e desceu a escada devagar. Esforçou-se para convocar a quota diária e indispensável de paciência, que se tornava cada vez mais difícil de encontrar. Entrou na cozinha, pegou um balde e saiu para enchê-lo com água.

Enquanto tirava a água do poço, Madeline pensava no relacionamento com sua irmã. Havia muitos anos, ela e Diana não viviam mais na mesma casa. Madeline já se esquecera de como Diana sabia ser dominadora e como reclamava, aos gritos, ao menor desconforto. Era um outro ponto em que as duas se diferenciavam de maneira fundamental. Madeline preferia tratar de seus mal-estares em surdina, resolvendo-os por conta própria. E, de repente, imaginou como seria possível que ambas pudessem ser filhas de uma mesma mãe.

Madeline carregou a vasilha pesada e transbordante até a cozinha. Derramou a água no caldeirão que estava no fogo, limpou a testa com uma das mangas e largou-se em uma cadeira próxima à mesa de trabalho.

Lembrou-se da sucessão de governantas da família, quando ela era criança. Nenhuma delas durava na casa mais de que alguns meses, até â chegada da Sra. Stapleton, que ficara por dez anos. Madeline considerara que a mulher não tinha outras aspirações, pois as precedentes sempre haviam explicado as razões pelo abandono do emprego: aparecimento de oportunidades mais lucrativas, casamento à vista, desejo de abraçar outra profissão.

Madeline considerou o caso sob nova perspectiva. Havia uma única razão para a Sra. Stapleton ter-se comportado de maneira diferente das outras governantas. Logo depois de sua contratação, Diana saíra da casa do pai. Sua irmã fora viver com a tia delas em Londres, onde deveria aprender a ser uma verdadeira lady.

Depois de sua partida, a casa tornara-se surpreendentemente sossegada. O vapor que saía do caldeirão arrancou Madeline de seus pensamentos e ela se ergueu da cadeira. Enquanto enchia o balde com cuidado, pensou nas reclamações de Diana naquela manhã e comparou-as ao número de queixas que a irmã expressava nas poucas vezes em que Adam vinha visitá-la. Ele aproveitava o tempo para ler em voz alta alguma coisa que pudesse interessar à doente, ou então para jogar cartas.

Todas as vezes que Adam entrava no quarto, Diana tornava-se reservada e corajosa diante da adversidade. Na verdade, Madeline irritava-se muito com a situação. Angustiada, refletia sempre que deveria sair e deixar seus deveres entregues a Hilary. Era insuportável observar Diana adejar os cílios na direção de Adam e utilizar toda a arte da sedução, aperfeiçoada ao longo do tempo, para enfeitiçá-lo.

— Fazendo sopa? — alguém perguntou as suas costas.Só que não era "alguém". Tratava-se de Adam. Madeline endireitou-se e

fitou-o. As roupas dele estavam manchadas de barro do pântano e as botas, empastadas pelo mesmo material. Adam caminhou para lavar as mãos grandes e sujas no balde usado para esse fim. Madeline pôs a caçamba pesada e quente no chão.

— Vou levar água quente para o quarto de Diana. Os cabelos negros de Adam estavam presos com uma tira de couro.

Formavam um rabicho solto e brilhavam sob a luminosidade do final da manhã.

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De costas para Madeline, ele enrolou as mangas para cima e lavou os braços e antebraços. Depois pegou um pano para secar-se.

Madeline concluiu que ele nunca lhe parecera tão forte e viril. Imaginou-o no pântano, empurrando com a mão enorme uma pá na terra rija e usando toda a sua força para arrancar os torrões de relva.

Adam fitou-a com olhar intenso, e irresistível, deixou a toalha sobre a mesa de trabalho e caminhou até ela. Instintivamente, Madeline deu um passo atrás. Para seu desconforto, compreendeu que mal o olhara, desde a manhã do acidente, quando se desvencilhara dele. Além disso, não haviam trocado mais do que algumas palavras absolutamente necessárias, a partir aquela ocasião. Eles apenas cruzavam um com o outro, saindo do quarto de Diana ou entrando nele. Evitavam até conversas que os envolvessem, à mesa do jantar. Madeline o rejeitara formalmente havia seis dias, o que tivera como conseqüência uma brecha profunda na amizade deles.

Que tipo de aberração era aquela amizade? Madeline refletiu, quando Adam parou diante dela, olhando-a em silêncio. E imaginou que seu coração fosse saltar do peito, de tão fortes que eram as batidas.

A proximidade de Adam permitiu a Madeline sentir-lhe o cheiro almiscarado, e ela abaixou-se para pegar a vasilha com água. Adam tocou-lhe o ombro para impedi-la de sair.

— Por favor, não vá agora.Madeline estremeceu ao sentir a mão forte que a tocava. Experimentou

o calor da palma mesmo através da roupa, e isso a aborreceu sobremaneira.— Eu preciso ir. Diana está a minha espera.— Ela pode aguardar mais um pouco. Diana tem recebido seus

cuidados durante as vinte e quatro horas do dia. Fique. Vamos tomar um chá.Relutante, Madeline cedeu. Foi até a fornalha e retornou a água quente

ao caldeirão, para mantê-la aquecida. Adam despejou, com uma colher, folhas de chá no bule. O silêncio entre ambos tornou-se insuportável. Madeline sentou-se, raciocinando para trazer um assunto à baila. Qualquer um serviria.

— Onde está Penélope hoje? Eu não a vi desde cedo.— Eu a levei para a casa de Jacob. Está ajudando Mary a tomar conta

do bebê. É impressionante. Com apenas oito anos, ela sabe cuidar de um nenê como se fosse a mãe.

— Penélope é uma criança maravilhosa. Deve orgulhar-se dela.Adam fitou-a com gratidão. E Madeline ficou satisfeita por ele tê-la

olhado, depois de tantos dias de indiferença. Ela admitiu merecer aquele menosprezo por ter sido tão fria e insensível em relação a ele. Agora se sentiu um pouco mais confortada.

— Haverá possibilidade de salvar alguma coisa da safra de feno? — Madeline procurou demonstrar interesse no que devia ser à maior preocupação atual de Adam.

— Nem um pouco. Mas os lucros da venda do rebanho que levamos para Halifax evitarão que os animais morram de fome no inverno.

— E quanto a... sua família? Adam entornou a água no bule.— As safras do planalto não tiveram grandes prejuízos. Assim teremos o

suficiente para comer. Mas não poderemos pensar em qualquer aquisição que não seja absolutamente necessária.

— Graças a Deus! E o pântano? Será possível recuperá-lo?— Com trabalho árduo, sim. Todos os fazendeiros têm dado as suas

contribuições e já estamos prontos para começar os reparos. As águas da inundação estão sendo drenadas. Daqui para frente, teremos de dedicar-nos a

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uma manutenção em tempo integral.Eles falaram mais algum tempo sobre as terras pantanosas, a enchente

e o que o futuro reservava para a região. Estavam tão entretidos na conversa que não perceberam Hilary descer a escada. A criada entrou na cozinha e encontrou Madeline e Adam sentados à mesa, um de frente para o outro. Constrangida, Hilary hesitou.

— Perdão, Srta. Oxley, eu não pretendia interromper, mas lady Thurston está esperando pelo banho.

Madeline pigarreou e ficou em pé.— Ah, sim... é claro... a água já está quente. Um instante só. E o tempo

de encher o balde e...Adam interrompeu-a.— Por favor, Hilary, diga a lady Thurston que Madeline precisa tomar

uma xícara de chá e que ela subirá com a água do banho assim que houver descansado um pouco.

Hilary fitou os dois com profundo espanto. Parecia receosa por ter de levar aquela mensagem. Adam levantou-se.

— Se a senhorita quiser, eu mesmo poderei dizer-lhe. Madeline fitou-o, horrorizada.

— Não será necessário. Fique tranquilo. Hilary, diga a lady Thurston que irei em seguida.

Madeline fitou Adam e percebeu-lhe o desapontamento pelo erguer a abaixar do peito. Hilary deixou a cozinha e Madeline brindou Adam com um olhar faiscante.

— Por acaso posso saber o que pretendia dizer a ela? Adam sentou-se de novo.

— Nada fora do comum, Madeline. Iria apenas contar a Diana que sua irmã está cansada e que precisa de um pouco de chá. Ela não ousaria queixar-se para mim por causa disso.

Madeline suspirou. Mais calma, tornou a sentar-se.— Está preocupada que eu vá revelar-lhe a verdade antes de que ela

esteja preparada? — Adam perguntou com ironia. — Tenho de admitir, Madeline, que estou muito tentado a fazê-lo.

— Por favor, não diga nada por enquanto. Espere mais um pouco, até ela se recuperar.

— Está bem. Atenderei ao seu pedido. — Adam fitou-a com interrogação e receio. — Mas, e depois disso? Se tiver de voltar para Yorkshire com ela, Madeline pretende ficar por lá?

Aonde Adam estava querendo chegar?— Adam, pensei que não iríamos mais tocar nesse assunto.— Por que não, Madeline? Será que não alimenta nenhuma esperança?

Nenhum desejo? Passamos dias ignorando um ao outro. Tenho sido obrigado a seguir suas diretrizes e fechei-me dentro daquilo que sinto realmente. Passei a representar um verdadeiro show para o resto do mundo. O que quer dizer isso? Madeline, será que está morta por dentro? Ou eu deverei ser otimista e alegrar-me, pensando que, algum dia, poderia esperar que viesse a gostar um pouco de mim?

Uma tensão desagradável e inoportuna apoderou-se de Madeline.— De nada adianta ter esperanças. Isso só nos causa

desapontamentos.— Essa é a sua opinião? Bem, eu não posso impedir a mim mesmo de

aguardar ansioso por esse milagre. Como também não posso deixar de desejá-

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la.Madeline não podia acreditar que Adam estivesse tão expansivo, depois

de seis dias de silêncio completo. Ele segurou o coador sobre a xícara de Madeline, despejou o chá do bule e entregou a chávena para ela. Madeline não tirava os olhos de sua bebida aromática. O coração continuava disparado no peito. Jamais ninguém falara com ela com tanta sinceridade e nem com uma raiva tão intensa e contida. E também nunca lhe haviam dito que a desejavam. E muito menos passaria pela cabeça de alguém afirmar uma coisa dessas, com Diana por perto. Madeline não sabia o que responder.

— Diana poderá ficar inválida, Adam. Talvez nunca mais volte a andar.— Diana "não" ficará inválida. Não use essa possibilidade como uma

desculpa. Madeline achei que fosse um pouco mais otimista.Madeline continuava de olhos fixos na xícara cheia com o líquido

fumegante.— Eu apenas quero estar preparada para o pior. Adam sentou-se.— Está bem. Aceito a hipótese com que me acena. Suponhamos que

aconteça o "pior", Madeline. Terá de acompanhar sua irmã de volta a Yorkshire, não é isso? Mas depois de deixá-la acomodada na casa da família, não será obrigada a ficar lá para sempre. Diana terá a companhia de seu pai e tem dinheiro suficiente para contratar uma enfermeira.

Adam sacudiu a cabeça, como se duvidasse da própria assertiva.— É ridículo formular esse tipo de conjetura — ele prosseguiu. — Diana

voltará a andar. Eu vi a perna dela. Não está com aspecto tão ruim. Na pior das hipóteses, poderá claudicar. Ela ainda é bastante bonita e não deixará de freqüentar a sociedade. Ainda por cima, terá uma história emocionante para entreter seus conhecidos. E posso garantir-lhe, Madeline, que ela contará com um fila de homens não comprometidos, vindos de um raio de duzentos quilômetros, que irão implorar-lhe para repetir o ocorrido mais uma vez com suas palavras encantadoras e melodramáticas.

Nos minutos seguintes, ambos ficaram em silêncio, enquanto Madeline tomava o chá. Quando terminou, levantou-se, pois não sabia o que dizer a Adam. Ela não poderia mudar o rumo dos acontecimentos. Diana ainda amava e desejava Adam. E Madeline — independente de sua irritação pela maneira como a irmã a tratava — não poderia cometer tamanha maldade, ainda mais que a outra estava tão mal. Adam ficou em pé.

— Espere, Madeline. Ainda não respondeu à minha pergunta.— Qual delas? — Fosse qual fosse ela teria receio de ouvi-la.— Se Diana ficar recuperada e encontrar a felicidade — o tom de voz de

Adam suavizou-se um pouco —, promete-me que irá considerar a hipótese de voltar para Cumberland?

A idéia do que Adam pedia encheu-a de ansiedade e animação. Durante toda sua vida, Madeline abafara suas emoções e mantivera às escondidas, sob um controle estrito. Naquele momento, elas se debatiam em uma revolta e lutavam para escapar! Devagar, Madeline voltou-se para ele. Adam fitou-a brevemente e deu a volta na mesa. Segurou-lhe o queixo e ergueu-o, forçando-a a encará-lo.

— Madeline, naquele dia em que fugiu de mim, fiquei furioso por ter sido dispensado. E ainda estou, porque percebo a sua determinação em ignorar-me desde então. Mas Deus é testemunha de quanto me inflamo por sua causa e também de que não posso impedir esse fato.

— Eu não tive escolha — Madeline explicou, arrasada. — Sinto muito, Adam, não posso trair Diana, ainda mais que ela o ama tanto.

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— Mesmo assim, Madeline, não tenho a sua permissão para contar a ela a verdade e terminar com essa situação sem fundamento.

Ela implorou em silêncio. Desejava que ele a libertasse. Mas libertar de quê? Não era sua prisioneira. Adam não a mantinha cativa. Ele simplesmente segurava-lhe o queixo. Se ela quisesse, poderia ir embora. Porém Madeline encontrava-se presa por seu olhar...

De repente, Adam tomou-a nos braços e pressionou-lhe a boca com a sua. A sensação dos lábios ardentes e úmidos teve o mesmo efeito de que atirar uísque em um fogo que se mantinha latente havia semanas. As labaredas irromperam em vários tamanhos e rugiram dentro dela. Madeline arrepiou-se e teve a impressão de que a pele fritava. Embora soubesse tratar-se de uma atitude errada, não conseguiu impossibilitar a si mesma de abraçar Adam pela nuca e agarrar-se nele, deixando as lágrimas correrem livremente pela face.

Adam segurou-a pelo rosto e devorou-lhe a boca. Madeline sempre fantasiara como seria beijar Adam dessa maneira apaixonada, mas não poderia supor que seria algo tão extraordinário. Um prazer incandescente, inflamável, palpitante, fantástico. Eram emoções desconhecidas. As sensações físicas que Madeline conhecera antes pareciam frágeis e pálidas em comparação com essa investida perturbadora. Insuperável.

Madeline ouviu os próprios gemidos e sentiu Adam acariciar-lhe os fios de cabelos que lhe rodeavam o rosto. Os lábios dele eram quentes e úmidos. Insistentes. Sem demora, Madeline foi dominada por um desejo que a empurrou de encontro a Adam. Ela teve vontade de fundir-se nele até formarem um único ser. Indivisível. Sem emendas.

O poder daquelas emoções fez desaparecer tudo o mais. E tudo era completamente novo para Madeline.O som de uma porta que se abriu e fechou no pavimento superior trouxe Madeline de volta à realidade. Com o coração batendo em descompasso, ela se desvencilhou de Adam e esperou pelo retorno de Hilary. A casa estava silenciosa. Madeline escutava a circulação rugir em seus ouvidos como uma cachoeira. Ela fitou Adam. Ele também estava arfante e desnorteado. Agitado.

— Nós nos deixamos levar pelas emoções e fomos longe demais.Adam fechou os olhos e abriu-os lentamente.— Madeline, por que sempre tem de dar prioridade aos sentimentos de

Diana, sendo que ela jamais considerou os seus? Não aja como se fosse uma criada de lady Thurston. Não esqueça de que é uma mulher independente. Não considere o que está sentindo e fazendo uma deslealdade fraterna. Na verdade, seu receio de gostar de mim deve-se ao fato de não querer sofrer ou ser rejeitada. Está tentando fazer-me crer que não sente nada por mim. Quer afastar-me, para que possa viver sem desapontamentos. Mas não pense que pode enganar-me. Eu comprovei e senti a sua paixão.

— Por favor, Adam, tenho muito o que fazer. — Madeline escutou os passos de Hilary no corredor de cima, voltando para o quarto de Diana. — Será que não entende?

Ela fitou o teto, pensou na irmã e desejou poder explicar para Adam o que realmente sentia. Era certo que as duas irmãs haviam crescido sem nenhuma intimidade entre elas, mas não era tão simples assim. Havia fatos muito mais importantes do que essa constatação óbvia.

— Sei que Diana às vezes parece cruel, mas ela é minha irmã. Quando eu era muito pequena, Diana lia para mim. Depois que recebia as suas visitas, Adam, ela contava para mim todas as coisas românticas que havia escutado. Penteava os meus cabelos e comentava que, algum dia, eu haveria de encontrar

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o "meu" príncipe encantado. Não posso esquecer-me dessas coisas. Ela era tudo o que eu tinha. Sinto muito, mas sou muito fiel a tais memórias.

Madeline não encontrou mais nada para dizer e afastou-se de Adam.— Madeline... — ele a chamou.Ela parou no vão da porta, porém não se voltou.— ...é um erro apegar-se a alguma coisa que não existe mais. Não

esqueça que o seu tempo de infância já passou.As palavras de Adam atingiram o âmago da consciência de Madeline.

Entorpecida por aquele efeito penetrante, tudo o que lhe ocorreu fazer foi virar-se e subir a escada correndo.

Adam parou na entrada da cozinha. Madeline lavava os pratos do jantar, junto com Penélope. Lembrou-se do que ele e Madeline haviam conversado naquele mesmo dia. Gostaria de ter sido capaz de dizer uma coisa que poderia tê-la convencido a abandonar o passado. Talvez fosse egoísmo dele, mas o que poderia fazer? Desejava Madeline mais do que desejara qualquer mulher anteriormente. Mesmo Diana, durante tantos anos. Aquilo era diferente. O desejo por Madeline era mais profundo. Mais verdadeiro. Eles estavam destinados um para o outro. Disso Adam não tinha a menor dúvida. Além do mais, pudera comprovar essa realidade por si mesmo. Ele testara a paixão dos lábios de Madeline. Pensar nisso o fez ficar com vontade de remover céus e terras para tê-la a seu lado.

“Não finja que pode fazer de seu coração o que quiser, Madeline Oxley! Pelo menos não diante de mim”. Repentinamente, Adam sentiu uma grande necessidade de certificar-se do bem-estar de Diana. Muita coisa dependia de sua recuperação. Ele subiu a escada sem fazer alarde e bateu na porta.

— Entre! — Diana respondeu, com voz monótona. Adam aceitou o convite. Hilary estava sentada ao lado da cama, mas, assim que o viu, abaixou o livro que estivera lendo para a paciente.

— Hilary, por favor, quer trazer chá para nós? — Diana pediu com polidez.

— Pois não, milady. — A criada largou o livro sobre a cômoda alta e saiu do quarto.

Adam foi até o móvel e pegou a obra ali deixada.— Clarisse Harlowe. Samuel Richardson.Ao ler o título, Adam experimentou os efeitos desalentadores da

melancolia. Lembrou-se da noite em seu gabinete, quando Madeline e ele falaram sobre livros. Ela demonstrara vontade de ler exatamente esse, mas não tivera oportunidade. Sempre estava muito ocupada cuidando dos filhos dele e empenhada em fazer daquela casa um lar. Diana mexeu-se na cama. Sentou-se mais ereta e ajeitou os cabelos.

— Pedi a Hilary que pegasse um livro no seu escritório. Espero que não se importe. Disse-lhe para trazer o mais grosso que encontrasse.

Adam largou o volume.— Então ela escolheu bem.— Mas se eu soubesse que Clarisse ficaria confinada no quarto durante

as primeiras quinhentas páginas, teria pedido a Hilary para escolher outro. Um que descrevesse mais exteriores e paisagens. — Diana sorriu com doçura.

Adam aproximou-se da cama e sentou-se na cadeira de balanço.— Como está se sentindo hoje?— Bem melhor, obrigada. Muita bondade sua de perguntar. As dores de

cabeça desapareceram e minha perna, contanto que não a mova demais, já quase não me incomoda.

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— Bem, essa é uma notícia excelente. Acha que gostaria de descer amanhã? Jacob e eu poderíamos ajudá-la. Acredito que seria estimulante sentar-se na sala e...

— Por Deus, não. Ainda não estou preparada para isso. Minha condição física é muito delicada.

Adam hesitou e sentiu as suas esperanças serem pisoteadas.— Bem, suponho que isso era de esperar. Faz apenas uma semana.

Mas pense no que já conseguiu. Mais sete dias e eu garanto que estará pronta para tentar alguns passos.

— Adam, parece-me que está confiante demais. Não posso nem imaginar quantas semanas ainda terei de ficar presa nesta cama! Isso, se eu conseguir sair daqui. Francamente, é o que mais me apavora. Não quero que me vejam cair ou mancar. — Mal-humorada, Diana fitou a janela. — Adam, o que acontecerá comigo? Já não sou mais a mesma beldade de antes.

Eles se mantiveram em um silêncio constrangedor e Adam desejou que Hilary retornasse logo com o chá.

— Bem... — Diana suspirou — ...diga-me como tem se sentido a respeito, Adam.

Com pesar, ele entendeu que Diana esperava ser abraçada e queria escutá-lo desmentir-lhe as palavras com afirmações de que ela continuava a ser a mesma mulher maravilhosa de sempre. E ele não fez nada do que pareceria lógico, levando-se em conta os antecedentes havidos entre ambos.

O que Diana "estaria sentindo a respeito"?, Adam perguntou-se.— Como vai indo seu trabalho no pântano inundado?Era a primeira vez que ela lhe perguntava sobre "trabalho". Adam

surpreendeu-se ao comprovar que Diana permitia a palavra escapar de seus lábios bem-feitos. Satisfeito por pisar em terreno menos perigoso, ele começou a descrever a situação. Explicou as rachaduras nos diques, os reparos que se faziam necessários e o fato de que ainda seriam precisos muitos anos para a terra tornar-se produtiva de novo.

— Alguns anos? Adam, mas disso depende a sua sobrevivência!— É verdade, porém nem tudo está perdido. As terras mais altas não

sofreram devastação. Nós teremos alimento suficiente para passar o inverno. Mas seremos obrigados a esquecer os gastos supérfluos.

Adam lembrou-se de haver dito a mesma coisa para Madeline durante a tarde. A resposta dela fora um suspiro de alívio. Madeline dissera: "Graças a Deus!" Diana fitava-o, atônita.

— Não haverá dinheiro para gastar com nada?— Nada — Adam respondeu calmamente. Diana tornou a mexer-se na

cama.— Bem... Suponho que ainda posso contar com a minha herança. Isso

poderá ajudar a vencer as dificuldades, providenciar um amparo para as nossas necessidades.

— Nós seremos capazes de provê-las. Como eu já lhe disse, as safras são substanciais e...

— Adam, as pessoas precisam de muitas coisas além de satisfazer o estômago. — O tom de Diana era condescendente. — Elas carecem de divertimentos, jóias, roupas.

Adam pigarreou várias vezes.— Diana, diversão em excesso, esbanjar riqueza e desperdício não são

exatamente atitudes comuns em Cumberland, pois a população daqui é constituída por fazendeiros. Aqui não existe a alta sociedade. Talvez a visita do

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visconde Blackthorne tenha lhe dado uma impressão errônea da maneira como vivemos.

Diana deu risada.— Oh, Adam, eu não espero viver como uma rainha. Além disso, tenho

certeza de que lorde Blackthorne vai voltar. Ele pareceu ter-se divertido muito.Hilary entrou com o chá.— Gostaria de ler para mim, Adam? — Diana pediu e gemeu de dor ao

sentar-se para segurar a xícara que Hilary estava lhe servindo. — Adoro a cadência da sua voz profunda. Talvez me ajude a relaxar. Assim poderei ter uma boa noite de sono. Tenho tido muita dificuldade para dormir nesses últimos dias.

— Pois não.Adam levantou-se para pegar o livro. Aborrecido, entendeu que, da

mesma forma como não teria coragem de empurrá-la para fora da cama enquanto Diana estivesse dormindo, também não seria capaz de deixá-la de coração partido. Entrava mais uma vez em cena aquela droga de comiseração irritante que o acompanhava por toda parte!

Sabia muito bem que, no dia seguinte, Diana continuaria a tratar Madeline como uma escrava. E aquilo o atormentava mais do que tudo. Por um instante, considerou a suposição de contar a verdade para Diana.

A verdade nua e crua, sem nada que a aliviasse. De novo, não tomou uma atitude racional. Pôs-se a ler Clarisse Harlowe com sua voz profunda. Ah, e com a cadência que Diana adorava.

CCAPÍTULOAPÍTULO XX XX

Foram nove noites passadas sem dormir e dez dias repletos de abusos e trabalhos exaustivos. A paciência de Madeline chegava ao limite de sua resistência e sua piedade por Diana estava quase completamente esgotada.

Ao lado da cama da irmã depois de ter sido chamada de mulher desleixada e preguiçosa só por que insistira em dizer que a água do banho não estava fria como gelo, Madeline lutava contra a vontade de despejar aquela maldita bacia com o líquido incolor e quente em cima da bela cabeça de Diana!

— Diana, eu tenho mil coisas para fazer antes do jantar e agora não tenho tempo de ferver outro caldeirão com água para milady banhar-se. Talvez Hilary possa fazer isso.

— Hilary está lendo para mim — Diana retrucou com arrogância.— Não haverá mal nenhum se Hilary deixar o livro de lado por alguns

minutos. E talvez eu devesse interná-la em algum hospital, de preferência bem longe daqui, e deixá-la por conta de um bando de enfermeiras mal-humoradas!

Diana fitou a irmã com frieza.— Será que não existe piedade em seu coração? Será que não passa

pela sua cabeça quanto gostaria de poder "eu mesma" preparar o necessário para a minha higiene? Descer aqueles degraus e ver o sol brilhar pela janela da sala? Tudo o que eu quero é sentir-me limpa e confortável, porque isso é tudo o

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que posso ter, confinada nesta cama. Mas a minha querida irmãzinha só pensa em si mesma. Sempre foi egoísta, desde criança. Em qualquer ocasião, invejava minhas fitas de cabelo e pegava todas, se eu não estivesse presente. Quando eu chegava da casa de nossa tia, as encontrava na sua cabeça!

Madeline engoliu a fúria que se avolumava como uma maré incontrolável em sua garganta.

— Eu usava suas fitas porque papai não queria comprar nenhuma para mim!

Diana franziu a testa com fisionomia descrente.— Isso não lhe garantia o direito de pegar o que era meu.E não era somente disso que eu queria me apropriar, Madeline pensou,

apertando o esfregão de banho nas mãos. Precisava sair daquele quarto imediatamente, pois sua resignação e boa vontade estavam no fim e poderiam terminar a qualquer instante.

— Sinto muito, Diana, perdoe-me, mas eu preciso preparar o jantar. Hilary terá de cuidar do seu banho. Voltarei mais tarde com a bandeja de comida.

Diana resmungou qualquer coisa e acenou uma ordem imperiosa que não precisou de palavras para ser cumprida. Hilary pegou o esfregão e continuou o procedimento do ponto onde Madeline havia parado. Madeline aproveitou a oportunidade e saiu depressa do quarto, antes que Diana se lembrasse de pedir mais alguma coisa.

Entrou na cozinha e encontrou-se com Adam, que acabava de chegar à porta dos fundos e esfregava as botas no capacho. Ele parou e fitou-a, preocupado.

— Parece exausta, Madeline. Por acaso tem dormido o suficiente?Ela limpou as mãos no avental e deu de ombros, torcendo os lábios em

sinal de pouco caso.— Tenho descansado quando Diana dorme.— Pois, pelo que eu tenho percebido, ela a mantém desperta todas as

noites — Adam declarou, com raiva e severidade.— Diana não se sente bem — Madeline tentou contemporizar — e

acorda muito.— E, não satisfeita, faz questão de tirar-lhe o sono. Madeline, eu a tenho

ouvido descer e subir correndo a escada, como também ouvi várias vezes Diana gritar e proferir palavras ásperas de repreensão. — Adam entrou na cozinha, tirou o casaco e pendurou-o nas costas de uma cadeira. — Isso é um verdadeiro ultraje. Ela a trata como uma escrava! Madeline, ninguém deve aceitar uma coisa dessas, ainda mais a violência sendo cometida por uma irmã. Eu só vejo abnegação de sua parte e rudeza por parte dela. — Ele passou a mão na cabeça. — Será que Diana assume essa atitude por lembrar-se de...

— ...que o compromisso foi desfeito? — Madeline sentiu o coração dar um pulo.

— Ela pode estar querendo agredi-la por conta disso.— Essa não seria a maneira de Diana atacar. Acredito que ela seria

incapaz de guardar um desastre desse teor para si mesma. Falaria sem rodeios o que estivesse pensando e atiraria um ou dois vasos na minha cabeça.

O leve sorriso de Adam não escondeu seu aborrecimento e ele ergueu uma sobrancelha.

— Então, esse comportamento agressivo de Diana é normal? Até mesmo com a única irmã? — A pergunta destinava-se a fazê-la refletir sobre as arbitrariedades que Diana vinha cometendo.

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Madeline não gostaria de admitir que a crueldade era uma atitude usual de sua irmã. Não apenas por parecer-lhe um gesto traiçoeiro, mas porque isso a faria reconhecer que ela mesma tolerava o fato de Diana tratá-la daquela maneira. E alguém poderia explicar-me por que permito?

— Não é bem assim — Madeline disse em defesa própria, deixando de lado as minúcias que a atormentavam no momento. — O sofrimento deixou a personalidade de Diana um pouco mais... impetuosa de que o normal.

— E, sem dúvida, a medicação alcoólica do Dr. Hudry para a dor deve ter contribuído para exacerbar o seu caráter. É como se diz: “In vino veritas”.

— A verdade se conhece com o vinho...— A única razão por eu ainda não ter dito nada a Diana, é por saber que

não iria contar com sua a aprovação, Madeline. Mas nos últimos dias tenho apertado tanto meus dentes que receio vê-los quebrados até as raízes.

Madeline não podia acreditar no que Adam dizia. Não tinha certeza se ficava lisonjeada pela preocupação dele e ainda por cima satisfeita, pois, através das paredes, Adam ficara sabendo do lado não tão encantador da personalidade de Diana. Ou se permitia o acesso da irritação por Adam imiscuir-se em assuntos que se referiam somente a ela e Diana, e a mais ninguém.

Contudo uma verdade não podia ser negada. Adam tinha razão. A situação estava ficando incontrolável. Por que ela sempre se acovardara diante de Diana?

— Então, o que sugere que eu faça? — Madeline perguntou, ainda não preparada para aceitar a idéia de que sua atitude condescendente em relação à irmã nada mais era de um senso de dever anormal e de tamanho exagerado. —Adam, ela está passando por uma fase muito difícil. É natural que se sinta amargurada sobre...

— Madeline, por favor, procure enxergar a realidade. Diana está com uma perna quebrada. Ela vai se recuperar.

— Precisará andar com uma bengala, Adam. E ainda ficará com uma cicatriz na testa.

— Uma bengala e uma cicatriz? Isso não é o fim do mundo.— Para ela, será com certeza. A aparência, no entender de Diana,

sempre foi o mais importante. Com passar do tempo, ela deve ter começado a dar maior valor ao seu aspecto, pois as pessoas sempre se mostravam incansáveis em elogiar-lhe a beleza.

Adam considerou a questão por esse ponto de vista.— E eu que pensava ser um camarada piedoso em demasia! Parece

que tenho uma parceira à altura.Adam aproximou-se e Madeline pôde sentir-lhe a fragrância almiscarada

característica. Havia quanto tempo não saía de dentro daquelas quatro paredes com Adam?, Madeline indagou a si mesma. Fazia quantos dias que não ficava sozinha com ele, conversando de maneira tão agradável como costumavam fazer? Imediatamente sentiu-se faminta e desprovida de... de quê? De companheirismo? De amor?

— Pois eu não creio que a compaixão seja um defeito.— Ela é quando nos torna subservientes em demasia.— Pois eu não me considero uma pessoa servil.— Mas o seu sentimento de culpa a faz agir como se fosse, mesmo sem

ter cometido nenhum delito.— Não é nada disso. Se estou cuidando de Diana, é por... — Madeline

interrompeu-se.— O que foi, Madeline? — Adam adiantou-se e fitou-a, intrigado.

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Madeline teve a sensação de que o ar lhe abandonava os pulmões, levando junto o propósito de ser forte e de manter os sentimentos acorrentados. Reconheceu que os músculos da nuca e dos ombros se descontraíam.

— É porque Diana precisa de mim agora. Pode ser que, se eu ficar a seu lado e ajudá-la nesses momentos de maior aflição... talvez ela...

Adam estreitou os olhos.— Talvez ela passe a amá-la, é isso? Madeline não pôde conter as

lágrimas.— Nem meu pai e nem Diana jamais se dirigiram a mim com palavras

bondosas. Nunca fizeram questão de demonstrar que eu era importante para eles em qualquer aspecto, por menor que fosse. Eu suponho... — Madeline parou para suspirar — ...bem, acho que eu queria apenas... merecer a consideração de alguém. Isso será tão errado assim?

Adam segurou-lhe as duas mãos.— Pois para mim, Madeline Oxley é muito importante. Por que não

permite que eu a ame, Madeline? Por que não aceita o fato de que Diana jamais deixará de ser como é e abandona as ilusões?

— Ela é minha irmã. Temos o mesmo sangue. — Madeline foi afetada por uma sensação de fraqueza. — Preciso fazer uma tentativa de salvar a nós duas... como uma família.

Adam tornou a estreitar os olhos.— Por causa de sua mãe? É por esse motivo que passou a vida inteira

culpando a si mesma pela morte dela?Madeline sacudiu a cabeça, negando com veemência.— Não é isso, eu...— Mas essa é uma verdade. Em sua mente existe uma idéia fixa.

Considera-se responsável pelo fato e sempre aceitou que seu pai e Diana agissem a vida toda de maneira deplorável. Madeline, sua mãe não morreu por sua causa. Deus tem seus motivos para tirar de nós os seres amados, e precisamos aceitar Seus desígnios. Se seu pai e Diana a excluíram do amor deles como uma conseqüência da tragédia, acabaram ferindo também a eles mesmos. Veja a que ficou reduzida a sua família. Estão todos espalhados e afastados um do outro não só na distância, mas principalmente no coração.

— Eu não queria que ficássemos distanciados. Desejava que nos amássemos muito. Eu olho para a sua família, Adam, e vejo o que almejava para nós o tempo inteiro. Foi sua a capacidade que tornou possível gerar, alimentar e sustentar a todos não apenas fisicamente, mas sobretudo sob o ponto de vista de amor e de relacionamento.

Adam apertou os maxilares. Se não pudera convencê-la, estava disposto a ajudá-la.

— Então fale com ela. Sei que tem receio de abrir seu coração. Mas terá de dar o primeiro passo, se está com disposição de assumir uma parte de uma a culpa que nunca foi sua e tentar consertar o que foi despedaçado na sua vida por, no mínimo, omissão alheia. Diga a Diana quanto ela significa como irmã e como pessoa. Madeline, seu amor por ela transpira em cada ato e em cada palavra sua. É uma demonstração diária e contínua. Talvez Diana possa aprender o que é amar alguém que não seja ela mesma.

Madeline recordou-se de ter ouvido um comentário semelhante.— Certa ocasião, Mary afirmou para mim quase a mesma coisa a

respeito de como era importante "demonstrar" o nosso amor.— E eu tenho dito exatamente o mesmo para Jacob inúmeras vezes.Então a lição que ela aprendera com Mary e Jacob tivera origem em

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Adam. Por isso a família dele sabia valorizar o amor em todas as suas formas. Por que lhes fora ensinada a importância interior do ser humano, e não de sua roupagem externa.

Madeline permaneceu imóvel no calor da cozinha. Olhava para o homem que entrara na sua infância montado em um corcel negro. Ele lhe parecera o príncipe encantado que viera resgatá-la da torre onde se encontrava aprisionada. Ela não soubera precisar quanto tempo isso poderia demorar e nem mesmo como ele a libertaria. Adam teria de escalar as paredes? Ou lutaria contra um dragão? Quem poderia imaginar que ele iria entregar-lhe uma chave singela e feita de esperança para abrir-lhe o coração?

— Adam, eu o rejeitei e tentei afastá-lo de todas as maneiras — Madeline confessou com voz trêmula, embargada pelas emoções. — Assim mesmo, continuou demonstrando sua amizade por mim, embora eu não a merecesse.

Adam sorriu-lhe, porém Madeline compreendeu que ele não estava inteiramente satisfeito. Adam apenas cumprira o dever de um homem honrado que colocava os interesses alheios acima dos próprios. Ele sugeria uma reconciliação com Diana, sabendo que um possível reatamento de amizade entre as irmãs poderia unir as duas, mas o excluiria, e talvez para sempre.

Apreensiva e nervosa, Madeline voltou ao quarto de Diana. Encontrou-a reclinada nos travesseiros, enquanto Hilary lia alto para ela. Madeline entrou de uma vez, sem pedir permissão.

— Diana, sinto interrompê-las, mas eu gostaria de falar-lhe. Em particular.

Diana acenou para Hilary, que marcou a página, cerrou o livro, deixou-o sobre a cômoda, saiu e fechou a porta. Madeline sentou-se na beira da cama. Diana manteve a cabeça erguida e o queixo também. Apesar disso, Madeline não perdeu a confiança e refletiu que tudo daria certo. Diana ainda estava irritada com a irmã por esta não haver cumprido suas ordens. Madeline saíra intempestivamente e deixara Hilary encarregada de terminar o banho com esponja que ela mesma começara. É, não seria nada fácil, mas também não era impossível. Madeline segurou-lhe a mão.

— Diana, eu... eu queria conversar a respeito de nós duas.— Por que "nós"? Madeline, por acaso está pensando em propor-me

casamento?Madeline procurou sorrir e fez pouco-caso da piada que se destinava a

afastá-la.— "Nós" como irmãs. Eu... eu queria desculpar-me por algumas coisas.A fisionomia de Diana descontraiu-se visivelmente. Madeline alegrou-se

por ter sido capaz de combater o orgulho o suficiente para quebrar o gelo. Talvez, daquela maneira, Diana a escutasse de verdade.

— Diana, lembra-se de ter-me ensinado a andar com um livro na cabeça, quando eu tinha seis anos?

— Sim, o que tem isso a ver com... sei lá o quê?Madeline fez nova tentativa.— Está lembrada de quando me levava para dormir? Que se deitava a

meu lado sob as cobertas e lia belas histórias? Depois acariciava-me a fronte, ante de dizer boa-noite?

— Meu bom Deus, eu não me lembro.— Pois eu, sim. Recordo-me ainda de outra coisa. Quando a vi aprontar

seus pertences para a viagem a Londres, onde iria morar com nossa tia, eu não lhe disse adeus. Enquanto a via esperar a carruagem que tardava em chegar, eu

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me queixei ao nosso pai e acusei-o de tê-la mimado demais e de amar mais a filha que partia de que a mim. Diga-me que se recorda disso.

Diana torceu os lábios, indignada.— E como eu poderia esquecer? Eu a vi descer correndo a alameda e,

nisso, minha carruagem chegou. A "senhorita", como sempre, foi à única que demonstrou ser uma criança mimada naquele dia, não eu. Não pensou nem por um minuto no que eu poderia estar sofrendo.

Madeline deu um suspiro profundo.— Diana, eu lhe disse que estava aqui para desculpar-me. Lamento

muito por aquilo. Eu estava com raiva por causa da sua partida, pois sabia que iria perdê-la. Eu não tinha mãe que pudesse consolar-me pela saudade da sua ausência. Tive muito medo de ficar sozinha.

Meu Deus, como é difícil. Diana não se moveu.— Eu também não tinha mãe, Madeline. Pensa que para mim foi fácil?

Acredito que para quem não conheceu a mãe, não deve ter sido tão trágico, não é verdade? Eu tive de ficar olhando, sem poder fazer nada, enquanto enfiavam embaixo da terra à mãe que "eu" amava.

Madeline engoliu em seco, constrangida.— Sinto por isso também. Foi difícil para todos nós. Elas ficaram sem falar por um bom tempo. Madeline constatou que sua

coragem vacilava e receou não conseguir a energia suficiente para dizer tudo o que desejava. Apertou as mãos no colo, fitou Diana e viu na outra o sofrimento das lembranças de uma época penosa de sua vida.

— Diana, eu não quis despedir-me naquele dia porque a amava. Mais do que a qualquer pessoa neste mundo.

Seguiu-se um silêncio pesado, depois do qual Diana manifestou-se, franzindo o cenho.

— Por que está me dizendo essas coisas agora? Madeline sentiu o estômago embrulhado.

— Porque eu queria que ficasse sabendo dos meus sentimentos e porque eu desejava... que nós ficássemos unidas novamente.

Diana enrubesceu.— Acha que vou ficar inválida, não é? Sente pena de mim, por isso está

assumindo seus erros.— Não, Diana...— E espera que possamos ser unidas algum dia, se não teve coragem

de fazer um favor tão insignificante para mim, como esquentar um pouco de água? Nós não somos nada parecidas. Eu a vejo andando por aí como uma morta em vida, trancada em seus pensamentos. Passa o tempo todo olhando para mim como se eu fosse tola ou frívola, só porque tenho vontade de manter os meus dedos macios ou o meu vestido limpo. Será que eu sou a errada só porque minha irmã encontra prazer em sujar as mãos na terra e em alimentar os porcos?

Madeline sentiu-se esbofeteada. Mas ainda havia mais...— Eu percebo quando estou sendo julgada — Diana continuou — por

seu olhar. Nunca sei o que está pensando, pois jamais a ouvi dizer uma palavra para mim do que se passa nessa sua cabeça. Pelo menos na infância, a pequena Madeline revelava um pouco de si própria. Mesmo que fosse desobedecendo ao nosso pai ou fugindo para algum lugar. Não se pode negar que foi de fato uma criança difícil.

— Acho que eu tentava chamar a atenção — Madeline respondeu em voz baixa. — Pelo menos, era o que as governantas costumavam dizer.

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— Bem, graças a Deus que desistiu de tentar.Eu desisti, Madeline pensou com tristeza. Exatamente como iria fazer

naquela altura, pois nada compensava passar por tal tormento. Ela se levantou da beira da cama.

— Agora vou descer. Tenho de começar os preparativos para o jantar — Madeline afirmou. — Mandarei Hilary para cá.

Não haveria mais desculpas. Nem mais tentativas de reconciliar-se com a irmã. Madeline afofou os travesseiros com a segurança de que agira corretamente ao manter o coração fechado pelo menos para sua irmã. O pai a enganara, enfiando-a em um navio rumo ao desconhecido, sem o menor remorso. Diana culpava-a pela morte da mãe e deixara claro que a desprezava. Madeline fora onerada com uma culpa imposta para o resto da vida. A chave que Adam lhe dera não funcionara, mesmo depois de ele ter apresentado a solução com tanta simplicidade.

Naquele instante, o barulho de uma carruagem entrando no pátio interrompeu-lhe os pensamentos. Madeline foi até a janela e puxou para o lado a cortina de renda.

— Quem é? — Diana quis saber.— Misericórdia! É o governador, lorde Blackthorne! Ele voltou. — Com

os dedos trêmulos, Madeline desamarrou rapidamente o avental.— Espere! — Diana gritou. — Não pode deixar-me agora. Estou com um

aspecto terrível! Venha ajudar-me a pentear os cabelos, trocar a camisola e...— Lady Thurston, Hilary é sua criada e está a sua disposição. Eu tenho

muito o que fazer.Sem querer escutar mais nada, Madeline desceu a escada correndo

para cumprimentar o visconde, satisfeita por ter alguma coisa para fazer que mantivesse sua mente ocupada. Por nada neste mundo iria pensar no estado em que se encontrava seu coração e, com certeza, jamais tentaria acordá-lo novamente.

CCAPÍTULOAPÍTULO XXI XXI

— Não me diga! — Lorde Blackthorne abaixou os óculos e seguiu Adam e Madeline até a sala de visitas. — Palavra de honra, Coates, nunca pensei que fosse saudar-me com acontecimentos tão terríveis.

— Devo ir buscar chá? — Madeline perguntou. Adam indicou uma poltrona confortável para o governador sentar-se.

— Não, Madeline. Por favor, fique. Tenho certeza de que lorde Blackthorne gostaria de ouvir tanto a sua história quanto a minha.

— Claro, claro — o visconde confirmou, ergueu os óculos e voltou a atenção para Madeline. — Então foi à senhorita quem encontrou lady Thurston. Céus, fez mesmo um trabalho de heroína, Srta. Oxley. Deve ter sido uma noite terrível.

Durante há meia hora seguinte, Adam e Madeline descreveram os acontecimentos da inundação, assim como as condições atuais do pântano e as perspectivas do que o futuro reservava para Cumberland. Lorde Blackthorne

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mostrou-se otimista e simpático. Prometeu fazer tudo o que estivesse a seu alcance no Palácio do Governo para ajudar a região.

— E quanto a lady Thurston? Como ela está passando? — Vejo que eu estava errado em supor que poderia ser feita alguma coisa em seu favor, apesar de tudo o que fiquei sabendo. Pode ir. Vá e fique com sua irmã.

Adam virou-se e voltou até a sala para conversar com o governador. Lutando para não chorar, Madeline segurou as saias, subiu vagarosamente a escada e foi até o quarto de Diana.

Lorde Blackthorne passou a maior parte dos dois dias seguintes conversando com Diana. Foi então que ela surpreendeu a todos, pedindo para comparecer à sala de jantar para a refeição noturna. Hilary não poupou esforços nos preparativos de milady para a ocasião. Lavou-lhe os cabelos e amarrou-os em belo penteado no alto da cabeça. Ajudou-a se vestir o melhor traje de seda e enfeitou-a com as mais lindas jóias.

Adam carregou Diana para baixo e sentou-a diante de lorde Blackthorne, enquanto Madeline e Penélope serviam a refeição. Mesmo sem a presença de Jacob e Mary, que moravam em seu próprio lar, o jantar transcorreu em clima de descontração e risos.

— A senhora não se lembra de "nada" sobre a inundação? — lorde Blackthorne perguntou depois da sobremesa, inclinado para frente com fascinação. — Mesmo depois da Srta. Oxley ter-lhe descrito tudo novamente hoje? Mas que situação incrível. Isso a perturba muito, lady Thurston?

Diana ergueu a taça de vinho com muita graça.— Não, essa é a menor das minhas preocupações. Como lamentar o

que não faz parte da nossa memória? Para ser mais exata, eu realmente não imagino o que estou perdendo por não saber do que se trata.

Lorde Blackthorne gargalhou.— Mas quanta perspicácia, lady Thurston. E depois de ter passado por

tamanha provação! Confesso-me deslumbrado e comovido com a sua coragem e firmeza.

Madeline fitou Adam, que se encontrava do outro lado da mesa. E notou que ele a observava com olhar fixo. Analisando. Ponderando. Sentiu-se exposta, como se ele pudesse ler-lhe os pensamentos, apesar de não haverem trocado nenhuma palavra nos últimos dois dias.

Em muitos aspectos, Madeline estava convencida de que era um livro aberto para Adam, independente de quanto ela desejasse manter-se fechada para o mundo. Adam não ignorava que ela padecia por causa da tentativa infrutífera de reconciliação com a irmã. Como também sabia que ela o amava, mas tinha receio de ceder a esse amor.

Madeline odiava ter seus sentimentos à mostra. Era uma sensação desconhecida e esquisita. Adam piscou e afastou o olhar. Madeline percebeu-lhe a irritação pelos movimentos do queixo e pela maneira como apertava a colher. Entristeceu-se ao ver que ele não fazia o menor esforço para mostrar-se afável. Com certeza aceitara que Madeline Oxley não era a pessoa que ele imaginava que fosse e que também não poderia modificá-la.

Madeline teve a impressão de que a tristeza iria consumi-la. Aliado a isso, enfrentou um profundo senso de privação. Perdera a esperança. Seria muito tarde para tornar-se o ser humano imaginado por Adam?, Ela meditou, admitindo que ele tinha razão sobre muitas coisas. Realmente, ela estava com medo e apegava-se a algo que não mais existia. Tentara reconciliar-se com Diana, e a irmã a menosprezara.

Madeline iria permitir que a rejeição a destruísse e a impedisse de

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procurar a felicidade em outro lugar? Uma coisa era certa: ela estava usando o dever como uma desculpa para fugir do que poderia ser a melhor coisa que já lhe acontecera.

Fitou a irmã sob uma nova perspectiva e pareceu-lhe que era a primeira vez que a enxergava. Diana escutava o que lhe dizia o visconde, oferecendo-lhe um sorriso doce e encantador. Madeline percebeu que sua coragem e energia voltavam à vida. Talvez ainda houvesse uma oportunidade.

Depois do jantar, Adam carregou Diana até a sala de estar e lady Thurston entreteve a todos com seu talento de pianista. Madeline virava as folhas soltas da música enquanto Diana cantava baladas e antigas canções folclóricas inglesas. No final de cada melodia, ela agradecia os aplausos com gestos graciosos de cabeça.

Adam carregou-a até o sofá e sentou-a ao lado de lorde Blackthorne. Diana contou ao visconde como transcorria sua vida na Inglaterra, depois que se tornara lady Thurston, e recheou a história com detalhes saborosos da sociedade londrina.

Madeline, sentada a um canto da sala, viu Penélope bocejar e achou que estava na hora de levar as crianças para cima. Chamou os dois irmãos, esperou que eles se despedissem dos adultos para levá-los em direção à escada. Deteve-se ao ouvir Adam chamá-la da porta da sala.

— Vai voltar para cá? — ele perguntou, com a mesma formalidade dos últimos dias.

Madeline hesitou diante o olhar azul intenso que nunca deixava de incendiá-la. Adam ficou a espera de uma resposta. E ela compreendeu que estava na hora de agir, se é que ainda esperava encontrar a própria felicidade. Sim, teria de tomar uma atitude. Falaria com Adam naquela noite. Tentaria consertar os erros.

Ambos ouviram uma batida na porta e assustaram-se pelo inesperado. Adam encaminhou-se até a entrada para atender. Madeline esperou no pé da escada, curiosa para ver quem seria o visitante tardio. Quando Adam abriu a porta, os últimos raios de sol impediram-na de distinguir de imediato e de maneira correta de quem se tratava. Passados alguns instantes, não teve dúvidas. Era John Metcalf.

Adam pigarreou.— Olá, John. John tirou o chapéu de três pontas.— Boa noite, Sr. Coates. Sei que já é tarde, mas eu gostaria de saber se

posso conversar um pouco com a Srta. Oxley.— Este não é realmente o melhor momento, John. Como pode ver,

temos hóspedes. Lorde Blackthorne está aqui e...— Sei que o senhor tem convidados e sinto muito pela audácia de vir até

aqui sem ser chamado. Mas eu não podia esperar.Adam continuou parado na soleira, barrando a entrada de John. Depois

de alguns momentos longos e tensos, afastou-se. John acenou com gratidão, deu alguns passos à frente e viu Madeline na outra extremidade do corredor.

Ela estava parada, sem saber o que sentia e nem o que deveria fazer. Em parte, aborrecia-se com John por tê-la interrompido quando ela estava tão próxima de criar coragem para falar com Adam. Mas, por outro lado, ficou satisfeita com a interrupção, pois ainda não reunira toda a intrepidez necessária.

Diana e lorde Blackthorne conversavam e riam na sala, sem perceber que alguém havia batido na porta.

— Srta. Oxley, poderia conceder-me alguns minutos de seu tempo?

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Madeline fitou Adam com interrogação. Ele anuiu, fazendo-a entender que ela estava livre para tomar a decisão que achasse mais conveniente. Madeline sussurrou para as crianças subirem e se aprontar para dormir. Assegurou-lhes que iria em seguida para dar-lhes boa-noite. Depois voltou-se e caminhou vagarosamente até onde Adam e John haviam parado, um ao lado do outro, parecendo duas sentinelas que não tiravam os olhos do objetivo móvel.

— Vamos até a varanda, John? O pôr-do-sol está muito bonito — Madeline convidou-o e não pôde deixar de notar a preocupação de Adam.

John sentou-se no banco do terraço. Cruzou e descruzou as mãos várias vezes. Depois engasgou com a saliva e tossiu. Escondeu os dedos na palma das mãos e pigarreou.

— Madeline, obrigado por receber-me. Sei que não é uma hora muito apropriada para visitas, mas eu precisava vir falar-lhe, antes que fosse tarde demais.

— Tarde demais? — Madeline espantou-se. — O que aconteceu, John? O que há de tão urgente?

O jovem apanhou o chapéu que estava a seu lado, apertou-o com as mãos calosas e suspirou.

— Eu vim rogar à senhorita que não se zangue com o meu atrevimento e leve em consideração o meu pedido para casar-se comigo — John falou depressa e sem respirar.

O som do piano havia recomeçado e a música animada só aumentou o constrangimento da situação. Madeline engasgou e deu uma tossidela.

— Estou surpresa, John. Não posso entender qual o motivo da sua pressa.

— Porque eu vejo o que está acontecendo com o Sr. Coates.Madeline enrijeceu-se.— Como assim?— Talvez ainda não tenha percebido, Srta. Oxley, mas o fato é que o Sr.

Coates está apaixonado pela senhorita. Eu vi isso nos olhos dele na noite em que o Sr. Coates veio até a minha casa, a sua procura. Pude comprovar também o mesmo olhar, se é que ainda me restava alguma dúvida, quando a senhorita saiu do quarto de lady Thurston, depois do Dr. Hudry ter medicado a doente. E acabei de ter certeza agora há pouco, quando o Sr. Coates deixou claro que não era do seu agrado que eu falasse com a senhorita. Por dever de consciência eu não deveria permitir que continuasse morando aqui, Srta. Oxley, ainda mais que o Sr. Coates está comprometido com lady Thurston. Eu tinha idéia de esperar mais um pouco para formular o pedido, mas decidi antecipar a proposta, antes que algo terrível aconteça.

— O que o senhor quer dizer com "algo terrível"?— Antes que... Por favor, Srta. Oxley, perdoe-me, mas prefiro não

expressar minha opinião em voz alta.Madeline permaneceu imóvel, sentada ereta no banco.— John, eu tenho vontade própria. O senhor não precisa preocupar-se

com nada dessa natureza. — Madeline lembrou-se do dia em que acertara um soco no olho do vigário de Yorkshire.

John recostou-se no assento de madeira, um pouco mais tranquilo.— As minhas intenções a seu respeito continuam valendo, Srta. Oxley.

Eu... eu quero casar-me com a senhorita.Madeline não tinha motivos para duvidar que John gostasse dela. Não

fora um pedido dos mais apaixonados ou românticos que ela já imaginara receber, considerando-se que John parecia estar lhe fazendo um favor, mas era

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inegável que a proposta partira de um homem decente.Madeline Oxley o amava? Não. Poderia vir a amá-lo no futuro? Não, não

poderia. Ela amava outro homem e somente aquele. Apesar disso, era preciso admitir que a segurança permeava as atitudes de John Metcalf. Entretanto Madeline não podia deixar de notar que o próprio coração não disparava e que não sentia ansiedade. Tudo era muito claro a respeito de John. Nada ficava confuso.

A verdade era que John não representava um perigo para ela, pois não havia ligação íntima entre ambos. Não havia fogo que ameaçasse queimá-la e nem olhares que a arrepiassem. Nada frágil. Tudo muito correto e previsível. Poderia casar-se com John e viveria confortavelmente na casa dele. Ela o ajudaria a arar e a semear a terra, cuidaria do jardim e das galinhas. Não precisaria temer ser rejeitada, pois, basicamente, continuaria sozinha.

Pelo menos, seu coração ficaria só. Ela poderia recolher-se em seus pensamentos na maior parte do tempo, como sempre fizera. Teria conversas ocasionais com o marido, quando ele estivesse em casa. E John nem mesmo notaria que a esposa ocultava dele as emoções, pois ele nunca vira a Madeline verdadeira. Nem mesmo chegaria a suspeitar que pudesse existir uma Madeline real sob a máscara com que ela enfrentava o mundo.

Adam era capaz de discernir essa ambigüidade e por isso a fazia sentir-se tão vulnerável.

John representava a segurança, mas ainda assim não poderia casar-se com ele. Ela cometeria o mesmo erro que Adam queria evitar. Casar-se com uma pessoa a quem não se amava. Afirmara que seria um desastre para ambas as partes envolvidas. John merecia mais do que isso.

Além do mais, não conseguia evitar a desconfiança de que John não a amava, no verdadeiro sentido da palavra. Pelo menos não apaixonadamente. Ele a pedira em casamento por ser ela a única mulher solteira de Cumberland e ele receava que alguém pudesse arrebatá-la antes de ele ter a chance de fazê-lo. Madeline segurou-lhe a mão.

— Sinto muito, John, mas não posso casar-me com o senhor.John piscou várias vezes.— Mas por quê?— Porque eu não o amo e o senhor merece ser adorado pela mulher

com quem irá contrair matrimônio. Não sou a pessoa certa para isso.— Mas a senhorita é a única para mim — retrucou ele.Madeline sorriu com suavidade.— Talvez eu seja a "única" mulher de Cumberland com mais de doze

anos e descomprometida.John deu uma risada triste e foi só. Depois os dois permaneceram em

silêncio, fitando as próprias mãos. Madeline ficou em pé a abraçou-o.— Sinto muito, John. Espero que possamos continuar sendo amigos. — Creio que no futuro terá de ser assim — ele respondeu, dando um

suspiro.Madeline consolou-se pelo fato de ela não ter sido responsável por um

coração ferido. O olhar de John comprovava a veracidade da suposição. Madeline despediu-se com um caloroso boa-noite e entrou na casa. Do hall, espreitou o que se passava na sala de estar.

Diana, toda sorrisos, tocava piano com sentimento, enquanto lorde Blackthome virava as páginas. Ambos cantavam uma modinha que Madeline jamais ouvira. Adam estava sentado em frente à lareira, com as pernas cruzadas, e fitava as chamas com expressão sombria.

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Madeline sentiu as pernas bambas ao vê-lo tão atraente, trajado com roupas sociais. A luz bruxuleante das labaredas refletia-se na fisionomia de Adam, acentuando-lhe a seriedade. Desejou jogar todas as precauções tolas ao vento e aproximar-se dele. Para afirmar que nada mais lhe importava, a não ser ele. E dizer que nunca fora tratada com tanto carinho e consideração. Além disso, explicar que também jamais alguém procurara abrir-lhe os olhos para o verdadeiro amor.

Madeline compreendeu que não se tratava de dever ou de lealdade. Verdadeiramente, envolvia muito mais afeição, bondade e ternura. Era como as pessoas mereciam ser tratadas. Madeline suspirou fundo e aproximou-se de sua irmã com passos lentos. Não queria esperar o término da canção. Bateu no ombro de Diana.

— Diana, preciso falar-lhe. É muito importante. Por obséquio, os cavalheiros poderiam dar-nos licença?

CCAPÍTULOAPÍTULO XXII XXII

Adam convidou lorde Blackthorne para tomar um conhaque em seu escritório. Diana, sentada no banco do piano, fulminou Madeline com o olhar.

— Isso foi uma indelicadeza muito grande, Madeline! Será que não pensa no que acabou de fazer? Lorde Blackthorne é um homem muito importante.

Madeline sentou-se ao lado da irmã.— Eu sei e também gosto bastante dele, mas o assunto sobre o qual

temos de conversar é muito sério.— E por que não podia esperar um pouco mais? Madeline, uma atitude

dessas seria plausível apenas se viesse avisar-me de que a casa está pegando fogo.

— E está de certa maneira.— Mas o que está pretendendo contar-me? Como de costume, nada do

que diz faz muito sentido. Egoísta, egoísta, egoísta.Madeline ergueu a mão.— Diana, pare.Para surpresa de Madeline, Diana calou-se, espantada, e esperou que

ela falasse. Madeline deu uma tossidela e procurou expressar-se com confiança e clareza.

— Diana, sei que tem passado tempos difíceis e que ainda não está inteiramente curada. Todavia preciso esclarecê-la acerca dos fatos ocorridos no dia do seu acidente. E foi o que aconteceu que a fez sair cavalgando pelo pântano sozinha. Isso poderá deixá-la chocada, mas eu tenho de revelar o que houve. Diana, aquela sua saída intempestiva foi motivada pela sua vontade de querer contar-me alguma coisa. E por isso saiu à minha procura.

Diana mexeu-se no banco. Queria olhar Madeline de frente.— Espere um pouco. Já que procuramos ser honestas uma com a outra,

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também tenho algo para lhe dizer. Eu tinha medo de falar porque ultimamente começamos a ficar tão íntimas...

“Íntimas? Ultimamente?”— Madeline, sei que ficou aqui com Adam durante todo esse tempo,

esperando que eu chegasse para casar-me com ele.Distraída pela interrupção, Madeline não conseguiu mais concentrar-se.

Fitou a irmã sem entender-lhe as intenções.— A verdade, Madeline, é que preciso da sua ajuda — Diana continuou.

— Eu não sei o que fazer.— Que tipo de ajuda?— Ah, minha querida irmã — Diana segurou as mãos de Madeline —,

estou presa a um padecimento terrível.— O que houve? Aconteceu alguma coisa grave?— Madeline, não posso casar-me com Adam! E não sei como dizer isso

a ele.Madeline beliscou-se discretamente, para ver se não estaria sonhando.

Não estava.— Como assim?— Não posso casar-me com Adam! — Diana repetiu, olhou por sobre o

ombro e abaixou a voz. — Quando eu cheguei a Cumberland, imaginava que unir-me a Adam fosse o maior desejo do meu coração. Mas a vida aqui não é como eu pensava que fosse. Adam também não é mais o que pensei que fosse. Ele sempre... Oh, céus, Madeline, ele tem cheiro de "campo"!

— Ele é um fazendeiro — Madeline defendeu-o, irritada.— Eu sei! E é exatamente esse pormenor que vinha me incomodando!Madeline controlou-se para não sacudir a irmã.— Fora isso, o problema agora é ainda mais grave. Acho que... estou

apaixonada por outro.Madeline procurou focalizar os lábios de Diana para ter certeza de que

escutara corretamente.— Mas quem... Não vai me dizer que...— Sim, é o visconde. Ele me adora, Madeline, mas respeita muito Adam

e não quer tomar nenhuma atitude que possa ser rotulada de desonrosa.— Tem certeza, Diana? Ele confessou-lhe os sentimentos?— Sim, esta noite — Diana sussurrou. — Ele aproveitou a sua saída

com o Sr. Metcalf para declarar-se. Por falar nisso, o que aconteceu lá fora?— John Metcalf pediu-me em casamento... — A resposta de Madeline

foi leve, quase aérea e as palavras flutuaram languidamente nas ondas da sua indiferença.

— Céus! E o que lhe respondeu, Madeline?— Eu recusei.— Mas por quê, em nome de Deus?— Porque eu não o amo.Diana fez um gesto de pouco caso com a mão. ,— Bem, então poderá encontrar homens melhores do que ele. — Sem

dar ao problema de Madeline mais do que um segundo de atenção, voltou ao que era muito mais importante. Ela mesma. — Como eu estava dizendo, quando Adam deixou-nos a sós por alguns minutos, lorde Blackthorne revelou-me seus sentimentos. Disse que eu era a criatura mais maravilhosa do mundo e gostaria que eu estivesse livre. Se tal milagre acontecesse, ele me levaria ao Palácio do Governo e faria de mim uma viscondessa. Imagine, Madeline, uma viscondessa!

Madeline sentiu a cor fugir-lhe do rosto.

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— Diana, vocês mal se conhecem! Diana suspirou.— Algumas vezes sinto como se nos conhecêssemos a vida inteira.Madeline levantou-se e começou a andar de um lado para outro.— Eu não sei o que dizer, Diana.— Não diga nada, Madeline. Apenas me ajude.— Quer que a ajude? Depois da maneira como me tratou? Depois do

que fez com Adam há quinze anos, deixando-o de lado para contrair um matrimônio que lhe parecia mais interessante?

— Por favor, Madeline, é por isso que preciso da sua ajuda. Para diminuir o efeito do golpe. E absolutamente necessário tentar convencer Adam de que não sou a pessoa certa para ele. Ou talvez seja melhor prepará-lo antes. Eu lhe juro, Madeline, sinto-me um ser abominável em relação a ele. Lembro-me de como despedacei o coração de Adam naquela época e como arruinei a vida dele. E aqui estou eu, pronta para fazer a mesma coisa! Sou de fato uma pessoa sem alma. Muito cruel, muito mesmo! Por que os pedidos de casamento chegam até mim dessa maneira? De todos os lados, obrigando-me a dilacerar tantos corações?

Madeline pigarreou e continuou a andar. Começava de novo a ficar com raiva da irmã egocêntrica. Em sua mente formavam-se palavras e frases que nada mais eram do que maneiras insultuosas, perversas e sarcásticas de contar a verdade para Diana. Em primeiro lugar, diria que Adam não queria mais casar-se com ela! Depois, com a maior satisfação, revelaria que a única razão por Adam não ter rompido o compromisso antes era porque ela, Madeline, implorara-lhe para que não o fizesse! Madeline inspirou fundo, pronta para falar, mas Diana interrompeu-a.

— Ah, Madeline, faça isso por mim! Ajude Adam a esquecer-me. Tome conta dele por mim! Será que poderia ficar em Cumberland e tentar consolar seu coração ferido? Sei que ele gosta da sua companhia e que ambos têm muitos interesses em comum. Quem sabe até se não seria possível uma união matrimonial? Madeline, ele é um bom homem e eu desejo que ambos sejam felizes. Acha que... poderia chegar a amá-lo?

Atônita, Madeline fitava a irmã. O olhar de Diana... Madeline nunca vira aquela expressão e nem mesmo tinha certeza do seu significado. Seria desespero? Remorso? Urgência para ser atendida?

— Diana, eu...Diana conseguiu alcançar-lhe a mão e puxou-a, para que Madeline se

sentasse de novo a seu lado.— Madeline, estou consciente de ser mesmo uma irmã pavorosa.

Ultimamente, tenho pensado muito sobre o assunto, contudo não possuo forças para fazer muito mais para redimir-me. Eu só quero que seja feliz e que as coisas dêem certo.

“Dar certo o quê?” Será que Diana se lembrava de que Adam rompera o compromisso? Ou ela apenas suspeitava de que havia algum tipo de afinidade mais profunda entre Madeline e Adam, e que aquela fora a maneira encontrada para não perder a dignidade e o orgulho? Madeline tateou cuidadosamente para elaborar a pergunta seguinte.

— O que a faz pensar que eu poderia vir a gostar de Adam?Diana inclinou a cabeça de lado e deu um sorriso largo.— Com franqueza, Madeline, somos irmãs e pressentimos coisas. Sei

que sempre gostou dele, desde quando era ainda uma criança e nos seguia por toda a parte.

Madeline sentiu uma estranha mistura de sensações. Timidez por ter

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seu segredo descoberto e ternura pela irmã que procurava compensá-la pelo comportamento rude que tivera nos últimos dias. Ela inspirou fundo e apertou a mão de Diana.

— Eu estou apaixonada por Adam.Diana absorveu devagar a confissão e depois acariciou com suavidade o

rosto de Madeline.— Apesar disso, supondo que eu o amava, manteve o segredo para si

mesma. Como deve ter sofrido, minha querida Madeline. Sua lealdade e seu sacrifício fazem com que eu me sinta muito envergonhada.

Madeline fitou os lindos olhos azuis da irmã, umedecidos com lágrimas de emoção. Jamais vira Diana daquele jeito. Ela com vergonha de alguém? Diana afastou-lhe para trás um anel de cabelos da testa. O gesto era familiar. Diana costumava fazer aquele carinho quando Madeline era pequena, aconchegado-a para dormir à noite.

— Sinto muito pela maneira como tudo acabou se desenrolando entre nós — Diana declarou. — Tenho sido mesmo uma pessoa execrável. Quando soube o que papai havia feito, vim na primeira embarcação que saiu de Scarborough. Acho... acho que não queria deixá-la ficar com o que eu considerava meu. Assim como não queria emprestar-lhe as minhas fitas, embora eu não as estivesse usando. Eu também tinha fantasias sobre Adam que se situavam muito longe da realidade. Creio que queria ser jovem e inocente outra vez. Gostaria de voltar àqueles dias em que Adam vinha visitar-me e tudo o que eu sabia era que ele me adorava. Mas Adam nunca foi a pessoa certa para mim. Ele falava o tempo inteiro sobre agricultura e, como não é segredo para ninguém, eu nunca tive o menor interesse em nada que se relacionasse com a terra. E a minha irmãzinha... sempre foi a jardineira da casa.

Emoções cálidas e ternas elevaram-se em Madeline como se fizessem parte da preamar. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Diana puxou-a de encontro a si e abraçou-a.

— Adam não estava destinado para ser meu, Madeline. Ele teria de ser seu. Ele a ama. Ele mesmo me disse.

Madeline apertou os olhos para afastar as lágrimas.— Então recordou-se...— Sim, e posso admiti-lo agora. Eu me lembrei de tudo no segundo dia

depois do acidente. E sinto muito pela maneira como a tratei. Madeline, eu queria magoá-la para que fosse embora e eu pudesse tomar de volta o que acreditava ser meu por direito. No dia em que veio desculpar-se, fiquei furiosa, pois passei a sentir-me um verdadeiro monstro, o que sou na realidade! Aos poucos fui compreendendo como era horrível a maneira como eu sempre a tratava e fiquei desesperada para consertar os erros. Quero ser uma pessoa melhor, Madeline. Quero ser parecida com a minha doce e querida irmã. Poderá perdoar-me algum dia, Madeline? Poderemos ser unidas como é o seu desejo? Madeline abraçou Diana.

— Claro que sim, minha irmã. É o que sempre quis. Entretanto eu receava falar-lhe a respeito.

— E eu fico feliz que tenha tocado no assunto. Pelo menos uma de nós teve a coragem de fazê-lo.

Madeline tinha de agradecer a Adam por isso.— Diana, tem mesmo certeza que deseja casar-se com lorde

Blackthorne? — Madeline perguntou. — Ele não será apenas uma escapatória? Uma maneira de entregar Adam para mim, por saber que eu não a deixaria fazer esse sacrifício? Há outras maneiras...

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— Madeline, sei muito bem que o visconde não é o homem mais bonito deste mundo. Mas pode surpreendê-la o fato de saber que a aparência não é o mais importante para mim. Ele me adora de maneira sincera. Está apaixonado e eu me encontro no paraíso.

Madeline sorriu com ar entendido.— E ele a tornará uma viscondessa.— Com certeza, minha querida — Diana respondeu com um brilho

malicioso no olhar. — Ao término do mandato dele no Canadá, nós retornaremos para a sua propriedade na Inglaterra, onde passaremos a morar. Freqüentaremos a sociedade e seremos muito bem recebidos, pois o visconde é um homem bastante benquisto.

Com certeza era a vida perfeita para Diana. A que ela pedira a Deus. Madeline abraçou a irmã mais uma vez.

— Estou muito, muito feliz. — Sentou-se e fitou as chamas. — Mas ainda não está tudo resolvido da melhor maneira. Nos últimos dias, tenho mantido distância e indiferença em relação a Adam. Só espero que ele seja capaz de perdoar-me por eu não haver aceitado suas declarações de amor. E que ainda possa acreditar na minha capacidade de amar.

— Eu tenho certeza de que Adam crê nisso, assim como eu. Madeline, sua vida tem sido uma prova de amor altruísta, sem a menor sombra de dúvida. Tenha confiança em si mesma, minha querida, e ele acreditará — Diana disse com ternura.

No quarto iluminado pela luz das velas, Madeline andava de uma ponta para outra do tapete oval, vestida apenas com uma camisola branca. Diana informara-lhe, da maneira estouvada habitual, que partiria no dia seguinte com lorde Blackthorne e que eles se casariam em Halifax o mais depressa possível. Ela planejava falar com Adam após o café-da-manhã, para oficializar o término do noivado. Diana acrescentara que iria desculpar-se por partir tão depressa, logo em seguida ao anúncio que faria.

Deveria manter-se na retaguarda e ficar à espera de que os acontecimentos se desenrolassem naturalmente?, Madeline perguntou-se e continuou a andar para a frente e para trás. Diana iria embora no próximo dia e ela ficaria ao lado de Adam, acenando um adeus. E talvez desmaiasse depois, só em pensar no que aconteceria.

Ou seria mais viável falar com Adam e contar-lhe toda a conversa que tivera com Diana? Diana recomendara-lhe que aproveitasse a oportunidade para falar com ele. Como explicar a Adam a reviravolta das resoluções de Diana? Seria mais adequado começar pela informação de que ele estava livre e esperar o resultado da chocante revelação? Ou seria oportuno esclarecer que fora procurar Diana para revelar-lhe que decidira traí-la e ficar com seu noivo, quer ela gostasse ou não? Adam acreditaria nisso?

De um lado, estava tentada a agir apenas como uma mensageira. Contaria as novidades sobre Diana e deixaria o resto por conta de Adam. Talvez ele ficasse tão aliviado de saber que não teria de passar pela situação angustiante de romper com a futura esposa que a tomaria nos braços e faria um pedido de casamento.

Se ao menos tudo fosse tão fácil! Madeline não precisaria arriscar o coração e só teria de dizer um "sim". Porém ficar observando de longe os movimentos das águas seria uma atitude covarde. Madeline assoprou as velas e foi para a cama. Abraçou-se. Sentia frio. Os pés estavam gelados. Saiu do leito, calçou um par de meias e voltou para baixo das cobertas. Continuou a refletir na conveniência de deixar Diana falar com Adam primeiro.

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O tique-taque do relógio começava a irritá-la. Madeline estava de olhos fixos no teto. Um pressentimento estranho e súbito a fez sentar-se. Deslizou de cima dos lençóis e ficou em pé no piso de tábuas.

Adam não lhe ensinara que no amor era importante tanto o que se demonstrava quanto o que se sentia? Ela o amava, não era verdade? E a chave que ele lhe entregara havia funcionado. A atitude de Diana era uma prova da eficácia do método.

Se Madeline o usasse com Adam, também daria certo?Com as mãos trêmulas, Madeline acendeu novamente o candelabro e foi até a porta. Parou e respirou fundo. Teria de executar o que se propusera. Se não o fizesse, Adam jamais saberia quanto significava para ela. Nem quanto ela o amava.

Madeline abriu o trinco, saiu para o corredor e, apreensiva, caminhou até o quarto de Adam.

CCAPÍTULOAPÍTULO XXIII XXIII

Havia muito tempo Adam não via a lua cheia tão brilhante e redonda. Com as mãos apertadas às costas, parado na beira do cômoro, perscrutava o pântano. Os raios do luar iluminavam os vales e transformavam-nos em extensões sedosas. No céu escuro, as estrelas cintilavam como diamantes. A atmosfera já se apresentava fria, um sinal de fim de verão, embora não houvesse o menor indício do vento que costumava proceder da baía. Adam fechou os olhos, inalou os aromas das camomilas e dos pinheiros, e pensou em Madeline.

Como fora capaz de apaixonar-se por mulheres cuja índole desconhecia totalmente? Seria ele na realidade um demente? No mínimo, aquilo devia ser um indício de que era um péssimo juiz para analisar o caráter de uma pessoa. A vida inteira pensara estar loucamente apaixonado por Diana, e depois descobrira que ela não era a mulher que ele imaginava que fosse. Por que não lhe desvendara a verdadeira natureza mais de quinze anos antes? Teria ficado cego por causa de sua beleza? Só podia ter sido isso.

Jane lhe parecera uma mulher racional ao conhecê-la. Nem mesmo duvidara da conveniência de casar-se com ela, quando houvera necessidade de fazê-lo. Pela segunda vez, não enxergara a verdadeira personalidade de uma mulher, só por ela ter ficado grávida de um filho seu. Ao desposá-la, tivera a ilusão de que tudo daria certo. Não dera. Jane mostrara-se uma mulher de convivência difícil. No entanto ele sobrevivera. E acontecera de novo! Estava ali a prova. Madeline.

No começo tudo transcorrera com normalidade. Os progressos tinham ocorrido dentro do previsível. Eles haviam se tornado amigos e Adam apaixonara-se por ela aos poucos, de maneira sensata. Não fora um desvario inconseqüente. Ou, pelo menos, era o que parecera. O atrito somente começara depois de ter-lhe confessado seus sentimentos. Ela batera em retirada como um coelho acuado na floresta.

O que John Metcalf teria dito a Madeline? Na certa, fizera um pedido de

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casamento. Adam não tinha noção do que. Madeline pretendia fazer. O que não deixava de ser lógico, pois, na verdade, não a conhecia. Ele espiou as sombras do luar que perambulavam sobre a região, quando alguma nuvem solitária passava pelo céu. Era muito tarde para ficar ali fora, analisando os próprios erros. Enfiou as mãos nos bolsos e iniciou o caminho de volta para casa.

Adam ouviu o pio de uma coruja que não devia estar muito longe. Parou no final da trilha ladeada de árvores, espiou os pinheiros altos e localizou o pássaro de hábitos noturnos. E nisso ouviu o som da porta da frente de sua casa ser aberta e fechada.

Dirigiu a atenção para lá. Madeline encontrava-se no alpendre, vestida somente com a camisola e um xale, e segurava um candelabro no alto.

Estaria procurando por ele?, Adam cismou, atônito e perturbado pela inesperada aparição. Ele imaginara que todos estivessem dormindo. Ciente da modificação em seu corpo, uma tensão e um temor opressivo, Adam aproximou-se e subiu os degraus.

— Aconteceu alguma coisa?— Sim. Quero dizer, não, nada de errado. Eu só queria... falar-lhe.Os cabelos de Madeline estavam soltos. Cacheados. Sedosos. Adam

não sabia que eram tão vistosos. Uma cachoeira ao anoitecer. Madeline estava com uma aparência adorável sob a luz das velas. Natural. Sem nenhuma afetação. Ele experimentou um choque esmagador pela beleza pura de Madeline.

Adam forçou a si mesmo olhar para baixo e tentar bloquear a reação, absolutamente indevida diante das circunstâncias, de sua masculinidade. E notou os pés de Madeline aparecendo por baixo da barra da camisola, calçados apenas com as meias. Sem conseguir o controle desejável de sua ansiedade, voltou a fitar-lhe o rosto.

— Então vamos entrar. — Adam segurou a porta aberta para Madeline passar.

Ele não sabia o que esperar da conversa. Talvez ela quisesse anunciar o compromisso com John Metcalf. Não ficaria surpreso se Madeline quisesse casar-se com o jovem. Nada mais o surpreendia.

Madeline adiantou-se e, resoluta, foi até o gabinete de Adam, a sala de visitas não permitia um diálogo em particular, muniu-se de coragem e fechou a porta após a entrada de Adam.

Ele parou no meio do recinto, sem ação. Procurava dominar o pavor que o assaltava. E, junto com esse medo, havia uma dose mórbida de desejo perigosamente frustrado. Pelo amor de Deus!

Adam estava certo de que não poderia ficar naquele cômodo sozinho com Madeline, ainda por cima com a porta fechada. E, o que era pior, encarando a perspectiva de perdê-la para outro homem, enquanto a família inteira dormia no pavimento superior. Ficar calmo era pedir demais para si mesmo. Não se achava em condições de resistir à fome de devorá-la de beijos, de pedir-lhe que se abrisse para ele e que se entregasse inteira, de corpo e alma.

Madeline teria de ser dele e de mais ninguém! Ela foi até a escrivaninha e acendeu mais algumas velas com uma das que trouxera. A sala iluminou-se.

— Primeiro — Madeline começou — preciso lhe dizer o que eu pretendia fazer esta noite. Ou melhor, o que tentei fazer.

Adam foi até a janela e tossiu várias vezes, procurando manter a pose.— Pode falar, Madeline, sou todo ouvidos.— Esta noite, quando pedi que me deixassem a sós com Diana —

Madeline disse com voz trêmula —, agi sob um impulso repentino que não pude

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dominar. Eu queria... isto é, para ser mais exata, eu precisava falar com Diana sobre tudo o que havia acontecido.

Adam interrompeu-a erguendo a mão.— Espere um pouco. Não era sobre John Metcalf que pretendia falar

com ela?Madeline negou com um gesto decidido de cabeça.— Não. Isso nada tem a ver com John.Adam considerou o assunto por alguns instantes.— Ele não a pediu em casamento?— Sim, pediu — ela respondeu com alguma insegurança —, mas eu

recusei. — Pensa que...— O que eu penso não importa. — Adam engoliu em seco, sem querer

demonstrar a satisfação que o perturbou de uma maneira quase insuportável. As pernas vacilantes deixaram-no com receio de cair. — E também não pensei nada — ele mentiu.

Madeline foi até a estante e passou o dedos pelas lombadas dos livros. Adam não conseguiu esconder a impaciência, na expectativa de que ela falasse logo, sem rodeios.

Madeline encarou-o.— Tentei contar a Diana o que se passou no dia da inundação, que ela

havia esquecido. O rompimento do compromisso.Adam afastou-se da janela, em dúvida quanto ao que acabava de ouvir.— Tentou... mas não teve sucesso?— Na verdade, eu nem tive de me esforçar para ser bem-sucedida.

Pode ficar tranquilo agora, Adam. Diana não o manterá prisioneiro da sua promessa. Ela planeja partir amanhã.

Adam sentiu que a tensão acumulada nos músculos das costas e dos ombros o abandonava de uma vez. Os segredos haviam aflorado.

— Como assim? O que foi que disse a ela, Madeline? Diana mostrou-se abalada? Ficou furiosa?

Madeline inclinou a cabeça de lado, pensando em como descrever melhor o que ocorrera.

— Nem chocada e nem com raiva. Quando tentei contar-lhe, ela se limitou a alegar que sabia de tudo. Afirmou, inclusive, que posteriormente havia se lembrado da quebra da palavra empenhada. Contudo não disse nada, pois receava que nós dois ficássemos juntos.

Adam irritou-se profundamente.— Diana sabia e queria impedir-nos de sermos felizes! Mas também

agora não adiantará mais eu procurar convencê-la com os meus argumentos, Madeline. Já estou mais do que ciente da sua lealdade ridícula em relação à Diana. Sei muito bem que nada do que eu lhe disser fará com que se decida a favor da sua própria felicidade, sem pensar em Diana.

Madeline aproximou-se de Adam, segurou-lhe as mãos e apertou-as de encontro à face macia. Surpreso e atordoado, ele a fitou, procurando uma resposta para aquela atitude incomum dela. Adam não entendia o motivo de tanto arrojo.

— Por favor, deixe-me terminar — Madeline pediu. — Preciso contar-lhe tudo, antes que eu perca a coragem. No outro dia, quando me convenceu a falar com Diana, eu falhei. Ou, pelo menos, foi o que pensei que havia acontecido. Diana não aceitou o pedido de reconciliação, virou-se contra mim e me fez ter uma convicção ainda maior de que eu deveria manter meu coração trancado diante do mundo. Mas, sem saber como, consegui sensibilizá-la com o que eu

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lhe havia dito. Diana começou a lamentar a deterioração do nosso relacionamento fraterno. Tenho de admitir, Adam, que os seus conselhos foram maravilhosos. É preciso abrir o coração, e eu quero tornar a fazer isso. Adam, Diana vai partir, porém eu quero ficar.

Madeline beijou as mãos de Adam e apertou-as novamente de encontro ao rosto. Adam empenhou-se em prestar atenção ao que ela dizia, mas a tarefa mostrou-se quase impossível de ser executada. A sensação dos lábios quentes e úmidos em sua pele fez irromper labaredas que incendiaram seu sangue. O que, no entanto, não o impediu de fazer algumas perguntas.

— Mas por que essa decisão precipitada de Diana em ir embora amanhã?

— Diana vai partir com lorde Blackthorne. Ela vai casar-se com eleO fogaréu interior começou a apagar-se.— Diana pretende desposar lorde Blackthorne? Quando foi que isso

teve início?— Nos últimos dias. Eu acredito que tudo começou quando eles se

encontraram no navio.— Essa desistência me parece um tanto familiar. Adam sacudiu a

cabeça.Ele se desvencilhou de Madeline e foi até o outro lado do recinto, que se

encontrava na penumbra. E ali ficou parado, sentindo o latejar nas têmporas.— Diana me atirou na sua direção, não é verdade? Em uma bandeja de

prata e com o beneplácito dela, não é mesmo?Madeline não entendeu o significado da insinuação de Adam.— Sim, mas...— Mas o quê? Como posso ter certeza de que se Diana não tivesse

recebido o pedido de casamento de lorde Blackthorne, a Srta. Madeline Oxley não estaria fazendo as malas para voltar com a pobre irmã para Yorkshire? Madeline, eu não pretendo ser sua segunda opção.

Ela tornou a aproximar-se de Adam.— Adam, como tem coragem de falar em "segunda opção" se eu nem

mesmo tinha isso era quando cheguei aqui? Durante semanas tive de conviver com a triste descoberta que não me queria a seu lado, embora eu o desejasse mais do que tudo no mundo. Eu fui rejeitada da pior maneira que pode existir para uma mulher e agora ainda sou culpada por ter tido medo de me expor. Por sua obra e graça, Adam Coates, fiquei com o coração estraçalhado. Todas as pessoas que fizeram parte da minha vida encarregaram-se de fazer a mesma coisa. Acho que ninguém poderá imaginar quanta coragem foi necessária a fim de que eu viesse até aqui para falar-lhe.

— E por que recuou, Madeline, quando lhe foi dada a escolha de agir conforme os seus sentimentos? Como poderei ter certeza, se agora já sabe o que deseja?

— Eu recuei?Madeline chegou perto de Adam, ajoelhou-se, abraçou-o e encostou o

rosto no seu quadril. Adam prendeu a respiração. Madeline apertava-o com tanta força que ele não poderia ver-lhe o rosto nem que se esforçasse. Nisso ele a ouviu soluçar e sentiu um nó apertar-lhe a garganta.

— Adam, se agora lhe conto tudo isso é porque não estou recuando. Não quero deixá-lo! E nem o farei, até convencê-lo de que o amo. Além disso, fique sabendo de uma verdade, Sr. Adam Coates! Eu teria atirado Diana para fora daqui se ela tentasse afastar-me do meu amor por mais um dia.

Adam estacou, atônito. Não encontrou um lugar adequado para as mãos

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e deixou-as flutuar por cima da cabeça de Madeline.— Estou de joelhos, Adam, e dirijo-lhe meu pranto. Não sei mais o que

fazer para demonstrar-lhe que ainda possuo um coração. Tenho de confessar-lhe que estava certo desde o princípio. Adivinhou tudo. Foi capaz de ver o meu interior, coisa que ninguém se preocupou em procurar antes. Eu não dou importância ao que aconteceu até este momento. Quero esquecer todos os desentendimentos, recuos e tropeços. Para mim, só a sua presença é que tem significado, e disso estou convicta. Meu coração, assustado e relutante, bate apenas por sua causa, Adam.

Madeline ergueu as faces molhadas pelas lágrimas e repetiu com os olhos tudo o que acabava de exprimir com palavras. E eles imploravam. Por Deus! Madeline estava certa! Nada mais importava, a não ser aquele momento de pura sinceridade. Madeline, tão bela e tímida, expunha suas emoções mais íntimas sem nenhum pudor. Como pudera ele pensar em rejeitá-la?

Com uma rendição mais do que jubilosa, Adam ajoelhou-se diante dela, tomou-lhe o rosto delicado entre as mãos grandes. Sentiu-lhe o odor suave da respiração e a textura sedosa da pele. Apesar da penumbra do recinto, Adam pôde ver-lhe o brilho do olhar. Deus era testemunha de quanto precisava de Madeline! E haveria de mostrar-lhe a extensão de sua necessidade!

Gentil e carinhosamente, Adam procurou-lhe a boca. Os dois, mais do que apaixonados, levantaram-se, e Madeline abraçou-o pelo pescoço, puxando-o de encontro ao busto farto. Ela entreabriu os lábios e Adam mergulhou com ânsia no calor que eles lhe ofereciam. Ele a beijou com paixão e parou somente um instante para pedir-lhe que o perdoasse. Madeline riu alto, descontraída e feliz.

— Desculpas por quê? Por ter ajudado a descobrir quem eu era de verdade? Por ter feito com que eu me sentisse bela?

Adam abraçou-a e beijou-a novamente. E, dessa vez, com um abandono que quase o fez cair. Durante muito tempo ele negara o que lhe fora proibido. E o mesmo fruto queimava-o como ferro em brasa. Houve um momento de pânico. Adam não estava certo se poderia resistir ao desejo que sentia por Madeline, à vontade de possuí-la ali mesmo, em cima do chão duro e frio. Mas quando Madeline o fitou amorosamente e tocou-lhe o rosto com carinho, Adam soube que faria qualquer coisa por ela. Teria de esperar mais um pouco pela ocasião propícia.

— Case-se comigo, Madeline. Ela deu um sorriso largo.— Adam, nem imagina quanto eu sonhei com este momento em minha

vida. No dia em que desci do navio e fui rejeitada, pensei que estivesse destinada a viver sem o seu amor para sempre. E quando soube quanto desejava Diana...

Adam cerrou-lhe os lábios com um dedo.— Esqueça os sonhos, Madeline. Não falemos mais neles. Somos duas

pessoas reais. Não precisamos mais idealizar nada. Quero que me ame pelo homem que eu sou, e eu a amarei pela mulher que é. E pode ter certeza, minha querida, que é a única com a qual desejo passar o resto da minha vida.

— Oh, Adam. — Madeline tornou a abraçá-lo com força pelo pescoço e beijou-o intensamente. Depois afastou os lábios e fitou-o com paixão. — Esperei tanto por isso. Por favor, não me mande embora para o meu quarto. Não quero dormir sozinha esta noite. Leve-me para a sua cama.

Adam mirou-lhe os olhos doces e expressivos.— Está me pedindo o impossível, se pede para que eu durma ao seu

lado e não a ame como pretendo fazer, quando eu for seu marido.

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— Eu não lhe pediria isso. Eu o amo, Adam. Quero que fiquemos juntos esta noite. Se tudo tivesse transcorrido como nas minhas fantasias, eu já seria sua esposa há muito anos. Vamos recuperar o tempo perdido.

Não foi preciso mais nada para convencê-lo. Adam tomou-a nos braços e subiu a escada da maneira mais silenciosa possível. Entrou em seu quarto, fechou a porta e deitou-a sobre os cobertores macios de seu enorme leito, ardendo de desejo.

Parado diante de Madeline, Adam afrouxou a gravata. A luz do luar penetrou pela vidraça e iluminou a camisola branca. Adam disse a si mesmo que Madeline se assemelhava a uma deusa que estava à espera dele. A sua beleza era de tirar o fôlego e sua inocência inebriava. Ele não fazia idéia de que pudesse amar tanto uma mulher como amava Madeline.

Adam tirou a camisa e deitou-se sobre Madeline com delicadeza. Encontrou-lhe os lábios e se deliciou com o incomparável sabor. Madeline rodeou-lhe os quadris com as pernas longas e Adam segurou-a com firmeza entre os braços, pressionando o corpo contra o dela. Ah, esperara demais por aquele momento!, Adam suspirou, com o desejo mal contido.

Ele beijou-lhe a pele macia e cálida do pescoço e desabotoou-lhe a camisola. Fez uma trilha de beijos, acompanhando a curva dos seios fartos. Acariciou-lhe os quadris e as pernas bem torneadas. Deslizou a camisola para cima e encontrou-lhe o cerne da feminilidade, deliciosamente úmido de desejo.

Ao experimentar as carícias de Adam na sua parte mais íntima, Madeline sentiu o coração acelerar-se com antecipação e ansiedade. Ela não possuía nenhuma experiência em questões amorosas. E não tinha idéia do que deveria fazer, embora desejasse Adam com toda a força de seu ser.

— Está tremendo, Madeline — Adam murmurou, surpreso e encantado.— Desculpe-me, Adam. Eu queria muito agradá-lo, mas não sei como

devo agir.Ele acariciou-lhe as coxas sob a camisola.— Não se desculpe por ser tão adorável. Madeline passou-lhe a mão no

rosto com delicadeza.— Diga-me, Adam, o que quer que eu faça? Ele sorriu.— Pode começar tirando isto. — Adam tocou no tecido da camisola.Madeline sentou-se e despiu a peça de linho pela cabeça. O normal era

que sentisse timidez. Afinal, nenhum homem a vira desnuda antes. Todavia o nervosismo cedeu à onda de desejo que a invadiu ao comprovar no rosto de Adam quanto ele estava maravilhado e igualmente desejoso.

— Madeline, jamais vi uma mulher mais formosa em toda a minha vida.Ela envaideceu-se pela admiração inscrita no olhar azul escurecido e

pela voz impregnada de apetite sexual. Era inacreditável. Era mesmo um sonho que se transformava em um fato real. Adam Coates ansiava por ela com intensidade.

Adam tirou a camisa e tornou a deitar-se sobre Madeline, e, dessa vez, ela estremeceu, tomada de um prazer imenso, ao reconhecer o calor da pele masculina de encontro à sua. Entregou-se a um beijo faminto que havia perdido a suavidade inicial. Por instinto, Madeline afastou as pernas e ergueu os quadris. Atônita, percebeu a firmeza da tensão de Adam pressionada contra ela. Sem deixar de responder ao beijo selvagem, Madeline não conseguiu reprimir a curiosidade e tocou-lhe o volume por cima do tecido grosso da calça. Era assombroso. Madeline teve a sensação de que fora abençoada pela intimidade que finalmente partilhava com Adam.

Ele gemeu e beijou-a com maior profundidade. Inclinou-se sobre um

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cotovelo, desabotoou a calça e tirou-a. Segurou na mão de Madeline e orientou-a em como deveria tocá-lo. Sem deixar de fitá-lo, Madeline observou com atenção o que causava maior prazer ao seu amado.

— Assim... isso mesmo...Adam fechou os olhos por um instante. A seguir abriu-os e abaixou a

cabeça por cima dos seios de Madeline. Beijou-os e sugou-os. Ela estremeceu ao contato com a língua ardente e verificou que seu corpo começava a formigar.

Adam beijou-a ao redor do umbigo, desceu devagar e alcançou o ponto que proporcionou um prazer intenso a Madeline. Uma reação violenta incendiou-a e ela foi tomada por uma intensa angústia. Madeline se agarrou nos ombros de Adam, até que o prazer transformou-se em uma sensação poderosa demais para se suportada. A tensão inundou-a como um dilúvio, precipitou-se em um apogeu glorioso e explodiu.

A musculatura de Madeline contraiu-se por alguns instantes de delírio, para depois ceder a uma libertação profundamente agradável. Tomou consciência da euforia que derramava sobre ela um contentamento fora do comum. E, pela primeira vez em sua vida, experimentou a satisfação física absoluta.

— Oh, Adam — Madeline sussurrou. — Eu não podia imaginar.Adam ergueu o corpo e insinuou-se entre as coxas de Madeline,

forçando-a a abri-las. Apesar da sua pureza, Madeline permaneceu relaxada. A dor pareceu insignificante, em comparação à bem-aventurança espiritual que se seguiu à investida de Adam, ao romper-lhe a virgindade. Lágrimas de alegria vieram aos olhos de Madeline.

Adam encostou a testa na de Madeline, enquanto prosseguia com os movimentos ritmados que faziam os corpos de ambos executarem uma dança eivada de harmonia primitiva. Era com o que ela sempre sonhara. Um amor íntimo e prazeroso. Teve certeza de que jamais conhecera nada tão belo. Adam aumentou a velocidade dos deslocamentos e Madeline reconheceu-lhe a urgência que chegava a ser insuportável. E ela ergueu-se para receber as bênçãos da realização de Adam.

— Eu a amo — ele murmurou em seu ouvido. — Prometo-lhe, Madeline, que jamais me cansarei de afirmar isso, enquanto eu viver.

O amor de Adam trouxe novamente lágrimas aos olhos de Madeline.— Eu serei sua, Adam, até o fim da minha vida.— Ficaremos juntos, meu amor, para todo o sempre.

Na tarde seguinte, a família reuniu-se na varanda para dar adeus a lorde Blackthorne, a lady Thurston e ao séquito que os acompanhava. Penélope colhera flores silvestres e entregara o buque a Diana para celebrar o noivado. Depois beijou-a e desejou-lhe boa sorte em nome de todos. Mary assara biscoitos e tortinhas para o casal distrair-se durante a longa viagem até Halifax.

Adam sentiu cordialidade e gratidão dos que gravitavam a sua volta. Seus familiares estavam reunidos. Madeline em breve seria sua esposa. Tudo muito correto e efetivo. Os sonhos tinham sido substituídos pela realidade que lhe trazia uma imagem de segurança.

— Milady voltará para visitar-nos? — Penélope indagou. — Afinal, lady Thurston, a senhora será minha tia.

— Claro, Penélope querida! Virei visitá-los sempre que for possível e estou muito feliz por tornar-me sua tia. Porém eu só virei com uma condição. Quero que me prometa pedir a seu pai que a leve a passear em Halifax. — Diana acariciou-lhe o nariz pequeno, e o rosto de querubim iluminou-se em um

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sorriso.Adam acompanhou Diana até o coche do governador e levantou-a até o

assento. Ela contorceu-se no banco de couro e procurou sentar-se com naturalidade. Ajeitou as saias para cobrir a perna ferida.

— Tem certeza de que está em condições de fazer a viagem? — Adam indagou, encostado na pequena janela, depois de fechar a porta. — Não havia a menor pressa em partir. Poderia ter ficado aqui, se quisesse, até recuperar-se totalmente. Madeline e eu poderíamos levá-la para Halifax dentro de uma semana ou duas.

Diana agitou no ar a mão enluvada.— Não é necessário ficar tão preocupado, Adam. Estou muito bem.

Acho que está procurando uma desculpa para passar a lua-de-mel em Halifax.— Como é que milady adivinhou? — Adam sorriu-lhe com simpatia.— Até logo, Adam, meu futuro cunhado. — Diana retribuiu-lhe o sorriso

com igual calor. — Estou lhe confiando minha irmã caçula. Por favor, não me desaponte.

— Sabe muito bem que não farei isso. Pretendo fazer Madeline muito feliz. Eu lhe prometo.

— Não tem de fazer-me nenhuma promessa. Sei que é um bom homem, Adam. Eu sempre soube disso e sinto pelo que aconteceu. Mas tudo acabou se arranjando. Todos nós ficamos no lugar certo e com a pessoa certa.

— Tem razão, Diana. — Adam apertou-lhe a mão mais uma vez. — Até mais ver, futura cunhada.

Adam afastou-se do coche, ao mesmo tempo em que lorde Blackthorne descia os degraus apoiado na bengala, claudicando e batendo com ruído a ponta da perna de pau. O visconde foi o último convidado a deixar a casa. Seguia seu criado pessoal, que vinha carregando uma mala de couro suspensa no ombro.

— Palavra de honra, Coates, Mary fez tantas tortinhas de morangos que sou até capaz de transformar-me em um, logo, logo. O senhor tem uma família maravilhosa.

Adam aproximou-se do lorde e estendeu a mão para um cumprimento efusivo.

— Tenha uma boa viagem, milorde.— Obrigado. Seus votos nos ajudarão a fazer uma viagem excelente.

Levarei o caso dos pântanos ao Palácio do Governo e veremos quais as providências que poderão ser tomadas.

O aperto de mãos continuou. O visconde parecia relutante em partir. Pigarreou, demonstrando um bom grau de nervosismo.

— Aceite minhas desculpas, Coates — lorde Blackthorne pediu em voz baixa —, pelo que ocorreu entre mim e lady Thurston. Preciso agradecer-lhe por não ter-me desafiado para um duelo ou qualquer coisa dessa natureza. O senhor teria todo o direito de fazê-lo.

Adam sorriu para o visconde.— Bobagem, milorde. Diana estava livre para fazer o que quisesse. A

vida aqui em Cumberland não seria adequada para milady, e todos nós sabemos disso.

— Sim, sim, e estou contente com o desfecho dos acontecimentos. Acredito que ficamos todos felizes. — O visconde espiou, por cima do ombro de Adam, Diana sentada na carruagem. — Ela é uma criatura adorável, não é mesmo? Tem mais encantos do que uma jóia cintilante. Nem em sonhos imaginaria que um homem como eu pudesse casar-se com uma mulher como

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ela. — Ele assobiou, caçoando de si mesmo.— Milorde é um homem de sorte — Adam apressou-se em concordar.— E o senhor também, Coates. A Srta. Oxley é um jovem admirável. Se

me permite, eu diria arrebatadora. Ela parece ter nascido em Cumberland. Pensei nisso desde a primeira vez que a vi. Ela será uma excelente mãe para seus filhos e, com as bênçãos divinas, lhe dará muitos deles.

— Não tenho dúvidas a respeito.Os dois homens fizeram as despedidas finais e o visconde saiu

mancando em direção ao coche. Madeline despediu-se da irmã. Adam observou-as. De mãos dadas, beijaram-se no rosto. Era muito bom ver o carinho delas, depois de tantos anos de afastamento. O mais gratificante era saber que ambas haviam encontrado o amor fraterno naquele novo mundo.

Penélope e Charlie chegaram perto do pai e foram abraçados pelos ombros. O coche adiantou-se com um solavanco e Madeline acenou um adeus, com lágrimas nos olhos. Aos poucos, o comboio alcançou a estrada e Madeline encarou Adam com um brilho de felicidade na fisionomia.

Adam aproximou-se dela com as mãos estendidas. As crianças começaram a rir e saíram correndo para dentro da casa. Eles ficaram a sós no jardim, sem desviar os olhos um do outro, como se estivessem enfeitiçados. Adam ergueu as mãos de Madeline e beijou-lhe os dedos macios.

— O que acha de irmos à procura do reverendo? — Adam perguntou com um sorriso sedutor.

Madeline riu.— Agora?— Isso mesmo. Agora. Eu preferia que tivéssemos ido ontem ou

anteontem ou trasanteontem. Como não foi possível, contento-me com hoje.-— E por que essa pressa toda? — Madeline perguntou com voz

sedutora.— Sabe muito bem o porquê, meu amor.— Tem medo de que eu mude de idéia?— Não, minha senhora.— Hum... Tem receio de que John Metcalf volte e faça um novo pedido

de casamento?— Não, senhora.— Vejamos... Ah, já sei! Os diques precisam ser reconstruídos, os

campos drenados e hoje é o seu dia de folga.Adam cobriu-lhe os lábios com os seus e saboreou-lhe a doçura do

beijo, absorvendo a luz que passara finalmente a brilhar da alma de sua amada.— Por acaso são só essas as suspeitas que lhe ocorrem? — Adam

indagou, esfregando o nariz no dela. — Aconselho-a, minha doce noiva de Yorkshire, a esperar até a noite e eu lhe mostrarei exatamente o porquê.

Madeline sorriu sedutora, e beijou-o novamente.— Então, meu amor, leve-me até o sacerdote e deixe-me dizer "Eu

aceito".

FFIMIM

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Antes de enfrentar o maravilhoso desafio que é escrever romances, JULIANNE MACLEAN graduou-se em Literatura Inglesa e Administração.

Nessa ocasião, trabalhou como auditora financeira do governo canadense. No momento, Julianne escreve em casa, onde também cuida da biblioteca de seu marido, que é médico. Embora adore escrever e o faça em tempo integral, sua tarefa mais importante é ser esposa e mãe devotada.

Ela e o marido adoram viajar. Eles moram na Província da Nova Escócia, Canadá, com a filha de cinco anos. Julianne gosta muito de conhecer a opinião das leitoras e convida você para visitá-la no site www.juliannemaclean.com.

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