25
NEUROBIOLOGIA DOS DELÍRIOS Miguel Bajouco 7 de Novembro de 2013

Neurobiologia dos Delírios

Embed Size (px)

Citation preview

NEUROBIOLOGIA

DOS

DELÍRIOS

Miguel Bajouco

7 de Novembro de 2013

“O delírio corresponde a uma transformação na vasta consciência de realidade

(que se manifesta secundariamente em juízos de realidade), que se constrói sobre

as experiências no mundo das resistências e das significações…”

(Jaspers, 1910)

Jaspers K. Psicopatologia Geral, Vol.1. 1910

A biologia dos delírios relaciona-se com a neurobiologia da Esquizofrenia mas estas não

são idênticas. (Murray, 2011)

Os delírios estão presentes numa grande variedade de perturbações mentais:

Esquizofrenia;

Perturbação Afetiva Bipolar (50%);

Depressão Unipolar (<15%);

Doença de Alzheimer (20%);

Doença de Parkinson (13%);

Abuso de substâncias;

Perturbações neurológicas raras (p.e. Encefalopatia dos canais de Potássio, Síndrome de Morvan).

Será que estas condições têm algum em comum do ponto de vista biológico? Será

que existe, por exemplo, uma “via final comum” para o delírio?

O que sabemos acerca da neurobiologia dos

delírios?

Murray G. K. (2011). The emerging biology of delusions. Psychological Medicine, null, pp 7-13 doi:10.1017/S0033291710000413

DOPAMINA

O grau de sensibilização do sistema dopaminérgico está ligado à severidade dos

sintomas psicóticos (Parsey et al. 2001; Toda & Abi-Dargham, 2007).

Aumento da capacidade síntese pré-sináptica de dopamina está associada à severidade

dos sintomas psicóticos na Esquizofrenia e estados prodrómicos (Howes et al. 2009).

O que sabemos acerca da neurobiologia dos

delírios?

Parsey R. V. et al (2001). Dopamine D(2) receptoravailability and amphetamine-induced dopamine releasein unipolar depression. Biological Psychiatry; 50, 313–322.

Toda M, Abi-Dargham A (2007). Dopamine hypothesis of schizophrenia : making sense of it all. Current Psychiatry Reports; 9, 329–336.

Howes O. D. et al (2009).Elevated striatal dopamine function linked to prodromal signs of schizophrenia. Archives of General Psychiatry; 66, 13–20.

Se aceitarmos a relação causal entre dopamina e psicose, como é que

poderemos compreender a relação entre molécula e experiência mental?

As explicações mais poderosas na psiquiatria são “multi-nível”, na medida em que estabelecem

pontes entre várias disciplinas científicas como a fisiologia e fenomenologia.” (Miller, 2008 cit.

Murray,2011)

Porque é que a disfunção dopaminérgica nas perturbações psicóticas leva à paranóia,

alucinações e não a qualquer outro tipo de manifestações?

Uma compreensão completa da neurobiologia dos delírios requer uma teoria que

tenha em conta o modo como as alterações cerebrais levam a sintomas através

de processos psicológicos intermédios (Frith, 1992; David 2006).

Uma abordagem multi-dimensional

Murray G. K. (2011). The emerging biology of delusions. Psychological Medicine, null, pp 7-13 doi:10.1017/S0033291710000413

Frith C. D. (1992). The Cognitive Neuropsychology of Schizophrenia. Taylor and Francis:Hove, UK.

David A. S. (2006). A method for studies of madness. Cortex 42, 921–925.

Necessárias duas anomalias diferentes (Murray, 2011):

uma para gerar percepções , pensamentos ou experiências estranhas (paranóia, coincidencias ou

significações bizarras) dopamina

uma 2ª anomalia: pensamentos estranhos delírios

défice do raciocínio (Garety et al 1991

raciocínio lógico “jump to conclusions”;

raciocínio probabilístico;

alterações no estilo atribucional, diferenças ao nível da “teoria da Mente” , pensamento mágico .

factores cognitivos e interpessoais neuroquímica aberrante

diferente fenomenologia nas psicoses em diferentes indivíduos e diferentes perturbações

(esquizofrenia, mania, abuso de substâncias).

Modelo de 2 fatores

Murray G. K. (2011). The emerging biology of delusions. Psychological Medicine, null, pp 7-13

Garety P.A., Hemsley D. R., Wessely S. (1991). Reasoning in deluded schizophrenic and paranoid patients. Biases in performance on a probabilistic inference task. Journal of

Nervous and Mental Disease; 179, 194–201.

Aprendizagem por condicionamento (associação e reforços)

O processo de aquisição das associações necessárias para a aprendizagem de uma resposta

condicionada em experimentação animal depende da presença da dopamina. Nos doentes esquizofrénicos, o

excesso de dopamina no cérebro poderá facilitar a aquisição de associações entre “unidades de informação”, ao

ponto de elementos não relacionados serem associados e serem tratados como se fossem combinações significativas:

este processo pode ser extinto administrando antagonistas dopaminérgicos. (Miller,1976)

“attribution of salience” (Kapur, 2003)

mediação da aquisição de “motivacional saliences” em resposta às experiências e

predisposições do sujeito (Berridge, 1998, Kapur 2003)

O papel da Dopamina Saliência

Miller R (1976). Schizophrenic psychology, associativelearning and the role of forebrain dopamine. MedicalHypotheses 2, 203–211.

Berridge K. C., Robinson T. E. (1998) What is the role of dopamine in reward: hedonic impact, reward learning, or incentive salience? Brain Res Brain Res Rev; 28:309–369

Kapur S. (2003). Psychosis as State of Aberrant Salience: A Framework Linking Biology, Phenomenology, and Pharmacology in Schizophrenia. American Journal of

Psychiatry;160, 13-23

Dopamina

Howes O. D., Kapur S.. (2009) The dopamine hypothesis of schizophrenia: version III – the final common pathway. Schizophrenia Bulletin;35, 549–562.

Kapur S. (2003). Psychosis as State of Aberrant Salience: A Framework Linking Biology, Phenomenology, and Pharmacology in Schizophrenia. American Journal of

Psychiatry;160, 13-23

Kapur S., Mizrahi R., Li M. (2004) From Dopamine to Salience in Psychosis – linking biology, pharmacology and phenomenology of Psychosys. Schizophrenia Res- 79(1), 59-68

Adapt. Kapur (2004)

Adapt. Howes (2009)

“Saliência aberrante” e aprendizagem

condicionada

Doentes esquizofrénicos apresentam aumento da ativação do estriado em

resposta a estímulos neutros em fMRI

Jensen J, Willeit M, Zipursky RB, Savina I, Smith AJ, Menon M, Crawley AP, Kapur S (2008). The formation of abnormal associations in schizophrenia : neural and behavioral

evidence. Neuropsychopharmacology 33, 473–479.

Adapt. Jensen (2008)

Atividade mesolímbica anómala, aprendizagem

ligada à recompensa e psicose

Resposta fisiológicas anómalas associadas a estímulos neutros e de recompensa no

menséncefalo, estriado e sistema límbico;

Murray GK et al(2008). Substantia nigra/ventral tegmental reward prediction error disruption in psychosis. Molecular Psychiatry; 13, 239, 267–276.

Adapt. Murray, (2008)

Fletcher & Frith (2009): modelo de dois fatores dos delírios é desnecessário,

uma vez que que a percepção e as crenças baseiam-se em previsões e na

atualização dessas previsões à luz das evidências - prediction error (Murray,

2011)

Modelo de 1 fator

Murray G. K. (2011). The emerging biology of delusions. Psychological Medicine, null, pp 7-13

Crenças conceito difícil definir

atitude em relação às proposições sobre o mundo.

baseiam-se em experiências passadas que são usadas para fazer previsões sobre

futuro e responder de acordo com essas previsões (Corlett, 2009)

Crenças enquanto formulações Bayesanas (Bayes, 1763).

associa crenças e distribuições probabilísticas que são representadas pelo cérebro (Fiser

et al., 2010).

𝑷 𝑯 𝑫 =𝑷 𝑫 𝑯 𝑷 𝑯

𝑷 𝑫 Teorema de Bayes

Crenças posteriores são condicionadas por:

Informação sensorial

Crenças prévias

Modelo de 1 fator

Corlett PR, Krystal JH, Taylor JR, Fletcher PC. (2009).Why do delusions persist? Front Hum Neurosci.; 3:12.

Bayes T. (1763). An essay towards solving a problem in the doctrine of chances. Philos Trans R Soc Lond.1763; 53:370–418.

Fiser J, Berkes P, Orban G, Lengyel M. (2010). Statistically optimal perception and learning: from behavior to neural representations. Trends Cogn Sci.; 14:119–130

Teoria sobre a perceção visual baseada no Teorema de Bayes

Cérebro = máquina que faz inferências probabilísticas sobre o mundo:

elabora hipóteses para possíveis inputs

compara-as com os dados sensoriais

hipóteses favorecidas

minimizam a incerteza associada à situação, i.e.,

diminuiem o erro da previsão (mismatch entre os dados e as hipóteses)

Modelo de 1 fator

Colrett et al. (2011) Glutamatergic model psychoses: prediction error, learning, and inference. Neuropsychopharmacology;36(1):294-315

Herman van Helmholtz

Adapt. Colrett (2011)

Formação de Crenças e Teorias de Aprendizagem

Erros de previsão: Mismatch entre expetativa e experiência

Fundamental nas teorias formais de aprendizagem

Evento inesperado contradiz a expetativa ativa:

reset na memória de curto prazo (expetativas ativas são abandonadas)

inicia uma resposta orientada, permitindo a aquisição de novas associações

explicativas.

Atualiza os modelos sobre o ambiente sempre que é detectada novidade

significativa, i.e, um mismatch entre as suas previsões e a experiência real

(Grossberg, 1982).

Alocação apropriada da atenção para eventos salientes depende de

otimização da precisão de crenças prévias top-down, relativamente a

evidências bottom-up

Cortex sensoriais: Acetilcolina (Yu and Dayan, 2005)] e

Circuitos frontoestriatais: Dopamina (Friston et al., 2009)].

Modelo de 1 fator

Colrett et al. (2011) Glutamatergic model psychoses: prediction error, learning, and inference. Neuropsychopharmacology;36(1):294-315

Grossberg S. (1982)Processing of expected and unexpected events during conditioning and attention: a psychophysiological theory. Psychol Rev.; 89:529–572.

Friston K. (2009) The free-energy principle: a rough guide to the brain? Trends Cogn Sci.; 13:293–301.

Yu AJ, Dayan P. (2005) Uncertainty, neuromodulation, and attention. Neuron; 46:681–692.

Aprendizagem guiada por erros de previsão - CODIFICAÇÃO PREDITIVA - modo básico de

funcionamento cerebral (Friston, 2005, 2009)

Sistemas cerebrais e neurónios individuais minimizam incerteza acerca da informação ao incorporarem

estrutural e funcionalmente uma previsão e respondendo a erros na sua precisão (Fiorillo, 2008)

Neurotransmissores excitatórios e inibitórios rápidos interagem com neurotransmissores

neuromoduladores lentos constituindo substrato para este esquema de codificação (Friston, 2005, 2009).

Colrett et al. (2011) Glutamatergic model psychoses: prediction error, learning, and inference. Neuropsychopharmacology;36(1):294-315

Friston K. (2005). A theory of cortical responses. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci.; 360:815–836.

Friston K. (2009) The free-energy principle: a rough guide to the brain? Trends Cogn Sci.; 13:293–301.

Fiorillo C. D. (2008). Towards a general theory of neural computation based on prediction by single neurons. PLoS ONE; 3:e3298

• NMDA:

• sinalização feedback/top-down

• expetativas/crenças prévias

• Glutamato e GABA:

• sinalização feedforward/bottom-up

• experiências

• AMPA e GABA:

• erro de previsão/mismatch expetativas

vs experiência

• DA e Ach –

• neuromodulação;

• PRECISÃO/INCERTEZA

Adapt. Colrett (2011)

Alteração do ratio sinal-ruído do sistema de sinalização dopaminérgica alteração da

PRECISÃO do Erro de Previsão (Grace, 1991; Miller, 1976; Spitzer, 1995)

Ruído fisiológico é percebido pelo sistema como sinal verdadeiro

Sinalização inapropriada/aberrante de um Erro de Previsão

(Sensação de surpresa e incerteza)

Alocação de atenção para estímulos irrelevantes e ativação de mecanismos de procura de explicação e

aprendizagem

Formação de inferências enviesadas em relação a inputs deturpados (internos ou externos).

se imprecisão persiste

(Corlett et al., 2010)

Modelo de 1 fator

Colrett P. R. et al (2010). Towards a neurobiology of delusions. Prog Neurobiol.; 92(3): 345–369

DELÍRIO

Corlett P. R. et al. (2007). Disrupted prediction-error signal in psychosis: evidence for an associative account of delusions. Brain; 130:2387–2400.

Sinais de erro de previsão aberrante a nível mesocorticolímbico foram registados durante

aprendizagem com neuroimagem funcional em pacientes de primeiro episódio psicótico

(Colrett, 2007)

magnitude dessas aberrações de sinal correlaciona-se com a gravidade dos delírios.

Modelo de 1 fator

A relação entre condicionamento e delírios também foi confirmada no contexto de

tarefa de aprendizagem de recompensa (Schlagenhauf et al., 2009) e de

tarefa de condicionamento aversivo (Holt et al., 2008);

Em ambos os casos, a aprendizagem aberrante relacionou-se com a gravidade das crenças delirantes.

Em suma, o DELÍRIO…

…resulta da disrupção dos mecanismos preditivos normais do cérebro em que

evento/informação previsível e irrelevante fazem mismatch com expetativas levando a

saliencia que exige nova aprendizagem e explicação.

….representa um mecanismo explicativo, uma tentativa de impôr ordem a um mudo

perceptualmente e cognitivamente desordenado (Colrett, 2010)

Schlagenhauf F. et al (2009). Reward feedback alterations in unmedicated schizophrenia patients: relevance for delusions. Biol Psychiatry; 65:1032–1039

Holt D. J. et al (2008) Extinction Memory Is Impaired in Schizophrenia. Biol Psychiatry.

Colrett P. R. et al (2010). Towards a neurobiology of delusions. Prog Neurobiol.; 92(3): 345–369

Modelo de 1 fator

Hipocampo hiperestimula a área tegmental ventral (ATV) – via

receptores NMDA e GABA

recrutamento aberrante da população de neurónios dopaminérgicos BIZARRIA

Infusão de NMDA no hipocampo altera a atividade e padrão de disparo

de neurónios DA na ATV (Lodge e Grace, 2006)

O que causa a disfunção

dopaminérgica?

Lodge D. J. e Grace A. A. (2006) The hippocampus modulates dopamine neuron responsivity by regulating the intensity of phasic neuron activation.

Neuropsychopharmacology;31(7):1356-61

Disfunção glutamatérgica (hipofunção NMDA) no cortex pré-

frontal aumento do burst firing dos neurónios

dopaminérgicos na AVT BIZARRIA

O que causa a disfunção

dopaminérgica?

Adapt. Stahl 2007

Stahl SM. Essential Psychopharmacology. 3rd ed. New York, NY: Cambridge University Press 2007

Comprometimento da inibição dos neurónios dopaminérgicos da ATV pela disfunção da habénula

normalmente inicia os processos de extinção

“apaga” aprendizagens prévias, permitindo novas previsões/aprendizagens

Disfunção leva à RESISTÊNCIA/PERSISTÊNCIA dos delírios perante contra-argumentos e contra-evidências

(Colrett, 2010)

O que causa a disfunção

dopaminérgica?

Colrett P. R. et al (2010). Towards a neurobiology of delusions. Prog Neurobiol. 2010 November ; 92(3): 345–369

GENÉTICA

Estudos de linkage e os Genome-Wide Association Studies

identificaram genes candidatos para a Esquizofrenia e

Perturbação Afetiva Bipolar

Dopamina: COMT (l22q1), PPP3CC (8p21)

Glutamato: DAAO (12q24), G72 (13q32–34), PPP3CC (8p21),

DTNBP1 (6p22); Neurogranina

GABA – GABRB3

O que causa a disfunção

dopaminérgica?

Genes que coordenam o neurodesenvolvimento

identificados em GWAS

DISC-1 (1q42) NRG1(8p12–21), Neurogranina

Engrailed 2: envolvido na diferenciação do cerebelo, associado à

esquizofrenia

FGF17 (8p13): controla a padronização, organização e desenvolvimento

cortical frontal

DLX1: expressão diminuída no tálamo de indivíduos

psicóticos

Outros genes associados ao

delírio

Colrett P. R. et al (2010). Towards a neurobiology of delusions. Prog Neurobiol. 2010 November ; 92(3): 345–369

Dada a panóplia de patologias em que o delírio surge, cada uma com

neuropatologia própria, não é surpreendente que até agora não se tenha

alcançado um consenso acerca da neurobiologia dos delírios.

Os desenvolvimentos na ciência pré-clínica abriram caminho para modelos

explicativos multi-nível que relacionam as alterações biológicas e as experiências

mentais anómalas que ocorrem no delírio.

O modo como os delírios surgem, não apenas na Esquizofrenia, pode explicar-se

pela combinação da desregulação dos neurónios dopaminérgicos do

mensencéfalo com vieses ao nível dos processos de raciocínio.

Uma compreensão mais completa e precisa da relação entre a biologia e as

experiências mentais, será de imenso valor não só para os doentes e seus

cuidadores, mas também permitirá o desenvolvimento de novos e melhores

tratamentos numa grande variedade de perturbações.

Conclusões

NEUROBIOLOGIA

DOS

DELÍRIOS

Miguel Bajouco 7 de Novembro de 2013