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PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA Seção Judiciária de Pernambuco

1.ª VARA PROCESSO Nº: 0807475-65.2016.4.05.8300 - AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

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PROCESSO Nº: 0807475-65.2016.4.05.8300 - AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RÉU: ROMULO MACIEL FILHO (e outros) 1ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

D E C I S Ã O

I - RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propõe em desfavor de (1) RÔMULO MACIEL FILHO, (2) GUY JOSEPH VICTOR BRUERE e (3) MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES, agentes públicos da HEMOBRAS, (4) FERNANDO LUFT e (5) JULIANA CUNHA SIQUEIRA LEITE, e (6) DELMAR SIQUEIRA RODRIGUES, empresários do CONSÓRCIO BOMI-LUFT-ATLANTIS, constituído pela (7) FARMA LOGISTICA E ARMAZENS GERAIS LTDA, (8) BIOMEDICA DISTRIBUTION MERCOSURE LTDA e (9) ATLANTIS LOGISTICA, IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA, sociedades empresárias rés, AÇÃO CIVIL PÚBLICA por atos de improbidade administrativa, enquadrados no art. 10, caput, e incisos I, VIII e XI e art. 11, caput, ambos da Lei n. 8.429/1992, doravante LIA, c/c ação civil de ressarcimento ao erário com pedido de tutela provisória cautelar de indisponibilidade de bens e valores, e de afastamento do exercício de funções públicas. Os três primeiros réus, então agentes públicos da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia - HEMOBRÁS, teriam desviado recursos públicos que geriam, em razão do cargo público, em proveito dos três réus empresários, representantes do Consórcio BOMI-LUFT-ATLANTIS, responsável, por intermédio das três sociedades empresárias, também beneficiadas, pela execução do Contrato n.20/2013 firmado com a HEMOBRAS para prestação de serviços contínuos de coleta de plasma - dos hemocentros localizados em todo o território nacional -, armazenagem temporária - em Centro de Distribuição/CD intermediário (crossdocking), em Itapevi/SP -, e transporte - em caminhão refrigerado, com destino à fábrica de hemoderivados em Goiana/PE. Em conluio com os empresários demandados, os agentes públicos réus teriam implementado esquema de superfaturamento dos valores acordados no Contrato n. 20/2013, ao argumento de remunerar custos alegadamente suportados com a prestação de serviço alheio ao pactuado, mediante condutas fraudulentas, tais como elevação da real quilometragem percorrida pelos veículos do Consórcio no transporte de plasma, fazendo uso de conhecimento de transporte, notas fiscais e leitura de quilometragem falsos. Esclarece o MPF que o Procedimento Preparatório n. 1.26.000.000287/2016-81, instaurado para apurar a prática de atos ímprobos perpetradas por agentes públicos e empresários, no âmbito da execução do referido Contrato n. 20/2013, teve origem no PP 1.26.000.002422/2015-42 – decorrente de representação de DURCÉSIO ANDRADE MELLO contra o presidente da HEMOBRAS, noticiando irregularidades atinentes à dispensa de licitação n. 47/2015 (Processo n.

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25800.002205/20150) -, objeto esse inserido no IPL 152/2015, no qual se investiga, dentre outras irregularidades, a rescisão unilateral do contrato firmado pela HEMOBRÁS com a MÓDULO LOCAÇÃO DE CONTAINERS, e posterior contratação da empresa EXPRESSO MINAS FRIO, por dispensa de licitação. Destaca que a investigação ganhou status de operação, deflagrada em dezembro de 2015 sob o cognome “PULSO”, para apurar diversos contratos suspeitos de irregularidades, envolvendo várias empresas e consórcios, em tese beneficiados por empregados públicos da HEMOBRAS. Esclarece que a fábrica de hemoderivados, em Goiânia/PE, foi concebida para tornar o país autossuficiente na produção de medicamento até o ano de 2014, mas os atrasos na finalização da obra obrigou a HEMOBRÁS, a prosseguir exportando para o Laboratoire Français Du Fractionnement e des Biotecnologies – LFB, ficando este obrigado a restituir o produto final (medicamentos) para ser distribuído para o SUS. Explica que a etapa entre a coleta e a remessa para o destinatário final, caracterizada pelo armazenamento provisório do plasma no CD – Itapevi/SP é chamada de crossdocking. Observa que o início das práticas irregulares envolvendo a execução do contrato n. 20/2013, orçado em R$ 6.300.000,00 (seis milhões e trezentos mil reais), deu-se com a Resolução N. 5530, da ANVISA, de 21/12/2012, que suspendeu a importação de medicamentos hemoderivados processados na França pelo LFB, de dez/2012 a julho/2013, o que acarretou o acúmulo de plasma no estoque da Câmara Fria da fábrica de Goiana, denominada B-01Goiana/PE, atingido a capacidade máxima de armazenamento, no final do ano de 2013, porquanto as exportações deste material àquele país também restaram prejudicadas, fazendo com que a HEMOBRAS suspendesse a recepção do plasma coletado dos hemocentros. Em decorrência, a cúpula administrativa da HEMOBRÁS decidiu pela não interrupção da coleta, razão pela qual o CONSÓRCIO LUFTBOMI-ATLANTIS prosseguiu com a arrecadação nos hemocentros nacionais, ocasionando a concentração, também, do plasma nas instalações do CD de Itapevi/SP, por tempo superior ao necessário para a concretização do crossdocking. Esclarece, o MPF, que o armazenamento por tempo indeterminado de plasma demanda rigoroso controle de condições sanitárias (isolamento e temperatura), o que eleva sobremaneira os custos do serviço ajustado (coleta e transporte), e para acobertar os supostos gastos com contêineres locados para abrigar o plasma no Centro de Distribuição e Itapevi/SP, houve cobranças indevidas traduzidas mediante inclusão fraudulenta nas fraturas de quilometragem não rodada. Identifica os atos ímprobos, consistentes no desvio de recursos federais do Contrato n. 20/2013, da ordem de R$ 5.231.235,35 (cinco milhões, duzentos e trinta e um mil, duzentos de trinta e cinco reais e trinta e cinco centavos), atestado por Laudo de Perícia Contábil-Financeiro nº 047/2016, valor esse decorrente da majoração da quilometragem efetivamente percorrida pelos veículos do Consórcio, no período alcançado pela perícia, de março/2014 a set/2015. Observa que o valor seria majorado caso a perícia tivesse alcançado pagamentos anteriores a março/2014, pois a prática fraudulenta estava em curso desde dez/2013. Ressalva que o valor desviado seria maior caso a perícia considera-se pagamentos anteriores a março/2014, porquanto a fraude estava em curso desde dezembro/2013.

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Transcreve depoimentos de testemunhas, segundo as quais em razão da proibição da exportação, no período de dez/2012 a julho/2013, e a incapacidade da HEMOBRÁS de receber plasma, passou-se a utilizar, efetivamente, por prazo indeterminado, o plano de contingência de câmara fira em contêineres, decisão essa tomada pela diretoria logística da HEMOBRÁS em conjunto como consórcio, sendo custeados, pela HEMOBRÁS, por quilometragem fictamente rodada. A problemática de armazenagem do plasma chegou ao conhecimento da Gerente de Plasma e Hemoderivados, MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES, ainda no final de dezembro/2013, que sugeriu aditamento contratual para incluir o serviço de armazenamento de plasma por tempo indeterminado, mediante contratação de contêineres no plano de contingência, mas foi indeferido por falta de previsão contratual. Faz referência a dois Relatórios de Acompanhamento do Contrato n.20/2013: o primeiro, relativo às visitas de 24 e 25/julho e 21 e 22/agosto/2014, no qual se confirmou o armazenamento de plasma em contêineres no CD de Itapevi/SP, consignando o risco de contaminação cruzada das amostras em razão da ausência de condições sanitárias adequadas; o segundo, referente a visitas também ao Consórcio, em meados de 09/2014, ratificou as falhas antes constatadas. A situação como revelada – estoques de plasma em risco, pagamento de serviços não contratados, às escuras, com base em faturas maquiadas - fez gerar período conflituoso entre servidores da HEMOBRÁS que não pactuavam com a conjuntura e o Consórcio réu. Destaca postura dos superiores hierárquicos que suprimiam a atuação do servidor que contestava o pagamento ilegítimo reclamado pelo Consórcio, demonstrada por mensagens eletrônicas trocadas entre o setor de Logística Farmacêutica da HEMOBRAS e funcionários do Consórcio. De igual sorte, comprova a total ciência do Gerente de Plasma e Hemoderivados à época (GUY JOSEPH VICTOR BRUERE) acerca das irregularidades, posto que copiado em todos os correios eletrônicos. Passados dez meses ininterruptos dessa prática de pagamento de quilometragem superfaturada, foi formalizado, em 16/09/32014, aditivo de reajuste de 22.63% ao contrato (equivalente a R$ 1.425.388,90 - um milhão, quatrocentos e vinte e cinco mil, trezentos e oitenta e oito reais, e noventa centavos), em ofensa à Lei 8.666/93, e que viabilizou a continuidade do pagamento pelo consumo de quilometragem ficta, atestado por mensagens eletrônicas trocadas. Outra prática fraudulenta revelada no curso da execução do contrato 20/2013, com a assunção de Karla Camila Barbosa Santana à Chefia do Serviço de Logística Farmacêutica, foi a cobrança indevida de serviço de triagem de plasma em Itapevi, sem previsão contratual e sem comprovação, no montante de R$ 67.500,00 (sessenta e sete mil, e quinhentos reais), revelado a partir da assunção de Karla Camila Barbosa Santana à chefia do Serviço de Logística Farmacêutica. Observa o MPF que o superfaturamento contratual restou demonstrado por exame pericial, cabendo, por conseguinte, aos demandados afastar a conclusão dos expertos por documentação hábil. Embora a proibição da ANVISA tenha perdurado por seis meses (de 12/2012 05/2013), a prática alegadamente ímproba perseverou por mais de um ano, até maio/2015, muito embora a urgência do cenário anômalo não justificasse a adoção de medidas extrajurídicas, porquanto a lei de licitações autorizasse a contratação direta de serviços, em razão de situação emergencial de interesse público (art. 24, IV, c/c art. 26, parágrafo único, inciso I, ambos da Lei n. 8.666/90).

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Observa o MPF que ainda que se admitisse a prestação de serviço de estocagem permanente de plasma humano, não restaram demonstrados os alegados custos dispendidos pelo CONSORCIO com a prestação desse serviço, em containeres, no CD Itapevi/SP, tampouco os valores arbitrados em razão desta atividade foram discriminados nas faturas apresentadas HEMOBRÁS. Observa, ainda, que os Relatórios de Vistoria no Consórcio registraram inexistência de controle de estoque do plasma no CD Itapevi/SP, do que se conclui terem os gestores da HEMOBRÁS admitido cobrança de armazenagem sem qualquer parâmetro de preço ou custo do serviço ou prestação do serviço. Faz referência à Nota Técnica n. 0002 – AAR quanto às condições precárias deste sistema de armazenagem, e a não recomendação para fins de fracionamento industrial, o que gerou custos sociais bem como prejuízos aos cofres públicos, segundo cálculos fornecidos pela HEMOBRÁS, num total de R$ 36.160.338,66 (trinta e seis milhões, cento e sessenta mil, trezentos e trinta e oito reais), resultante da inutilização do plasma para fracionamento (produção de medicamentos hemoderivados) e seu consequente descarte (R$ 30.929.103,31), com a quantia superfaturada na execução do Contrato nº 20/2013, constatada por exame pericial (R$ 5.231.235,35). Defende, também, o MPF, a condenação dos requeridos ao pagamento de danos morais coletivos, em atenção ao art. 5º da Lei n. 8.429/1995, que consagra o princípio da reparação integral, em razão de as condutas dos demandados terem dado causa injustificada para o descarte da matéria prima para o tratamento da hemofilia a ser prestado a pacientes assistidos pela rede púbica de saúde. Embora nos documentos comprobatórios dos pagamentos indevidos ao Consórcio não haja assinatura do Diretor-Presidente, RÔMULO MACIEL FILHO, os termos de depoimentos testemunhais prestados perante o Departamento da Polícia Federal apontam ter referido agente anuído com os alegados pagamentos ilícitos executados pela Gerência de Plasma e Hemoderivados - GPH, isso com base, em especial, em seu depoimento no Departamento da Polícia Federal, ao dizer ter dado "’carta branca’ a GUY BRUERE para resolver a situação, com a única restrição de que não poderiam ser descartadas bolsas de plasma, sob nenhuma justificativa (...)”. Transcrevem-se, ainda, na exordial, depoimentos de outros servidores no sentido de que o sr. RÔMULO MACIEL FILHO integrava, junto com outros ocupantes do alto escalão, o Comitê Gestor extraoficial na HEMOBRÁS, que tratou “do processo de tomada de decisões a respeito do plasma armazenado em Itapevi/SP, tendo-se decidido não suspender a coleta de plasma”. À vista desses registros, conclui-se ter tido o requerido ciência dos atos alegadamente ímprobos, agravado por sua posição de Diretor Presidente da HEMOBRÁS, tendo anuído com a prática dos atos ditos ímprobos. Em relação ao requerido GUY JOSEPH VICTOR BRUERE, diz o MPF ter sido o que mais tempo este à frente da GPH, de início de 2014 a 04/2015, enquanto que as irregularidades noticiadas ocorreram de 11/2013 a 05/2015, do que conclui que o Serviço de Logística Farmacêutica, responsável imediato pela fiscalização do mencionado ajuste, esteve subordinada à sua gestão, do início de 2014 a 04/2015, dando continuidade às autorizações de pagamento de serviço alheio ao Contrato nº 20/2013, de armazenagem de plasma por meio de quilômetros fictícios embutidos nas faturas de transporte de plasma, que determinando o atesto de faturas, que atestando do próprio punho faturas com valores superfaturados atinentes aos meses de Jan/2015 e Fev./2015. Transcreve depoimentos de servidores prestados no DPF de ter o requerido demitido servidor da HEMOBRAS, “JUAN”, por ter se recusado a atestar algumas faturas cobradas indevidamente pelo Consórcio, bem

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como de ter feito ameaças à Marilusa Cunha da Silveira de exoneração caso esta “não pactuasse com as determinações dele e dos demais gerentes e diretores”. Em relação à requerida MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES, o MPF relata ter ocupado a GPH de nov/2013 a fev/2014, período em que o B-01 atingiu sua capacidade máxima de armazenamento de plasma, e quando teve início o uso de documentos ideologicamente falsos pelo Consórcio, tendo como responsável pelo atesto a ora denunciada, segundo Laudo de Perícia Contábil-Financeiro nº047/2016. O demandado, FERNANDO LUFT, sócio-administrador dos dois empreendimentos integrantes do Consórcio, a saber BIOMÉDICA DISTRIBUTION MERCOSURE LTDA e FARMA LOGISTICA E ARMAZENS GERAIS LTDA, o que justificaria figurar como representante legal da coalizão, não teria conseguido, segundo relato do MPF, espancado, em sua defesa, qualquer dúvida sobre “o conchavo entre os dirigentes da HEMOBRÁS denunciados e os líderes das empresas integrantes do Consórcio”. Observa o MPF que sempre existiram à disposição dos empresários medidas jurídicas aptas a obstar a alegada imposição de atividade não contratada. Os demandados DELMAR SIQUEIRA RODRIGUES e JULIANA CUNHA SIQUEIRA LEITE, pai e filha, integrantes da sociedade empresária ATLANTIS IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, ele como conselheiro e gestor oculto, participando ativamente da administração/representação do empreendimento ao lado de sua filha, esta como sócia-administradora, responsável pela diretoria de operações e logísticas, tinham, segundo o MPF com base em depoimentos prestados e e-mails trocados, completo envolvimento nas tratativas e, seguidamente, na solução extrajurídica adotada para enfrentar o problema de acúmulo de plasma no CD do Consórcio em Itapevi/SP, que não ocorreria sem o seu consentimento. Afirma, o MPF, ser estreme de dúvidas o poder de mando do requerido, comprovado, v.g., por meio de fragmentos de conversas telefônicas e mensagens de e-mails extraídas de informações circunstanciadas. Destaca o MPF que a própria requerida admite que o serviço de armazenamento foi cobrado, pelo Consórcio, como quilometragem efetivamente rodada Por fim, tendo sido os atos de improbidade denunciados cometidos por intermédio de CONSÓRCIO BOMI-LUFT-ATLANTIS, integrado pelas sociedades empresárias BIOMÉDICA DISTRIBUTION MERCOSURE LTDA, FARMA LOGÍSTICA E ARMAZÉNS GERAIS LTDA (LUFT LOGISTICS) e ATLANTIS LOGÍSTICA, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, a responsabilidade entre as pessoas jurídicas consorciadas pelos atos praticados em consórcio, deve ser solidária, com fundamento no art. 33, inciso “V”, da Lei n. 8.666/93. REQUER, EM SEDE DE TUTELA PROVISÓRIA CAUTELAR, (I) a indisponibilidade de bens e valores dos demandados e o afastamento do sigilo fiscal das pessoas físicas envolvidas, com fundamento no arts. 5 e 7º, ambos da LIA, fundado na diretriz do art. 37, §4º, da CRFB/88, combinado com os arts. 275 e 942, caput, ambos do C.C./2002. Indica como quantitativo econômico desviado, com o esquema decorrente do esquema engendrado na espécie, a importância de R$ 5.231.235,35, decorrente do superfaturamento do Contrato n. 20/2013, o qual somado ao prejuízo financeiro com a perda de milhares de bolsas de plasma

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armazenado em contêineres no CD de Itapevi/SP, qual seja, R$ 30.929.103,31, totalizando R$ 36.160.388,66, o efetivo prejuízo suportado pela empresa pública federal, HEMOBRÁS, mais o valor da multa civil como sanção autônoma, no mesmo quantum do dano, perfazendo a importância de R$ 72.320,677,32, sendo que, no tocante ao bloqueio dos ativos financeiros, concernentes às pessoas físicas dos demandados, seja ressalvada quantia razoável para sua manutenção e de suas famílias, mesmo critério em relação às pessoas jurídicas, quanto aos valores para manutenção da atividade empresarial, a critério deste juízo, até o limite de R$ 36.160.338,66, montante do prejuízo suportado pelos cofres públicos federais. Para fins de operacionalização da medida cautelar, requer: (a) emissão de ordem de indisponibilização pela CNIB (Provimento 29/2014, de 25/07/2014, do CNJ, de todos os bens imóveis localizados dos demandados, pessoas físicas e jurídicas; (b) indisponibilidade de ativos financeiros de qualquer natureza via BACENJUD, com as ressalvas anteriores; (c) bloqueio eletrônico de veículos automotores em nome dos requeridos, via sistema DETRAN online – RENAJUD; (d) seja determinado à CVM – Comissão de Valores Mobiliários que circularize entre as companhias prestadoras do serviço de custódia fungível e ações escriturais e aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, depositários centrais, custodiantes e escrituradores, a adoção de medidas necessárias no âmbito de suas atribuições para efetivação da medida de indisponibilidade, devendo ser encaminhado o resultado diretamente ao Juízo, enfatizando-se que as instituições financeiras deverão apenas efetuar o bloqueio, sem a transferência do valor para conta judicial até ulterior determinação judicial, evitando eventuais perdas em razão de resgates antecipados; ainda, requer-se que, após decretada a indisponibilidade, as respectivas instituições financeiras forneçam extratos em formato txt ou .pdf relativamente ao período compreendido entre 2013 e 2016 em relação aos acusados FERNANDO LUFT, JULIANA CUNHA SIQUEIRA LEITE, DELMAR SIQUEIRA RODRIGUES e RÔMULO MACIEL FILHO; no intervalo de 2014 a 2015, atinente a GUY JOSEPH VICTOR BRUERE; e do período de 2013 a 2014, na hipótese de MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES; (e) seja determinado às Juntas Comerciais de PE e de São Paulo que adote as providências necessárias à indisponibilidade de ações, quotas, ou participações societárias de qualquer natureza em nome dos demandados, apresentado a este Juízo a relação dessas ações, quotas e participações acionárias. (II) DECRETAR O AFASTAMENTO (CAUTELAR) DOS DEMANDADOS RÔMULO MACIEL FILHO e MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES do exercício de quaisquer funções de confiança, bem como de qualquer atividade relacionada à autorização de gastos, alocação ou movimentação de recursos da HEMOBRÁS, medida necessária que se faz para fins de instrução processual, sem prejuízo dos cargos que ocupam. REQUER, EM SEDE DE MÉRITO, procedência dos seguintes pedidos:

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(a) reconhecida a prática dos atos de improbidade administrativa e condenação dos requeridos nos termos do art. 12, II e III, da Lei n. 8.429/1992;

(b) condenação dos requeridos por ato ilícito, nos termos dos arts. 186 c/c 927, ambos do C.C./2002, ao ressarcimento integral dos danos causados ao erário, em razão das condutas delineadas na inicial, que redundaram em lesão aos cofres públicos no montante mínimo de R$ 72.320.677,32 (setenta e dois milhões, trezentos e vinte mil, seiscentos e setenta e sete reis e trinta e dois centavos), englobado neste valor a multa civil correspondente a uma vez o valor dos prejuízos causados;

(c) condenação dos demandados à compensação de danos morais coletivos em patamares suficientes para desestimular a reiteração de práticas ilícitas, a ser arbitrado por V. Exa., atendidos os valores mínimos apontados no item II.5 - R$ 30.759.594,36 (trinta milhões, setecentos e cinquenta e nove mil, quinhentos e noventa e quatro reais e trinta e seis centavos);

(d) afastar o demandado RÔMULO MACIEL FILHO do exercício de quaisquer funções dentro da HEMOBRÁS e, no caso, da servidora MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES, destituí-la de cargo de chefia, mantendo-a em serviço de caráter eminentemente administrativo caso pertença aos quadros da empresa pública (servidora efetiva), comunicando-se a decisão à Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia em Pernambuco, para o o seu imediato cumprimento.

(e) Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, seja o nome dos réus inscritos no Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa – CNCIA, a teor das Resoluções 44 e 50, do Conselho Nacional de Justiça.

(f) Sejam notificados a União e a HEMOBRÁS, para que, caso assim entendam, integrem o polo ativo da presente demanda, ou se abstenham de contestar a demanda, conforme autoriza o artigo 17, § 3º, da LIA, c/c artigo 6º, §3º, da Lei nº 4.717/65.

Instrui a inicial com cópia dos autos principais do Procedimento Preparatório n. 1.26.000287/2016-81, paginas selecionadas dos autos principais do IPL n. 152/2015; representações criminais e seus desdobramentos (Processo n. 0006471-60.2015.4.05.8300, Informações Circunstanciadas n. 01, 02, 03, 04; Nota Técnica n. 0002-AAR, recomendação n. 010/2016 – 4º OCC/PR/PE; nota de repúdio dos empregados da HEMOBRÁS ao retorno de RÔMULO MACIEL FILHO à Presidência da HEMOBRÁS e rol de testemunhas. Atribui à causa o valor de R$ 72.320.677,32 (setenta e dois milhões, trezentos e vinte mil, seiscentos e setenta e sete reis e trinta e dois centavos). Intimado da decisão com ID 4058300.2449714, reapresenta a documentação que instrui a inicial, desta feita com integral delimitação do objeto digitalizado, especificando: (i) o procedimento relacionado ao documento juntado; (ii) o volume pertinente, permitindo a classificação cronológica dos documentos; e (iii) o lapso de folhas a que se refere o arquivo. Diz ter oficiado à HEMOBRAS solicitando cópia legíveis das páginas. Presta, em suma, outras informações com vista a sanar dúvidas e dissonâncias documentais. Informa a impossibilidade de juntada aos autos da decisão do TRF/5ª nos autos do MS nº 0000623-29.2016.4.05.0000 que cassou a liminar proferida pelo MM. Juízo da 13ª Vara Federal nos autos da Representação Criminal nº 0010797- 63.2015.4.05.8300 (IPL nº 152/2015) datada de 27/11/2015, de afastamento do cargo o requerido por tramitar o referido feito em segredo de Justiça.

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Relaciona os documentos identificados que instruem suas informações. Eis o relatório. Decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

INDÍCIOS DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DOS ATOS ÍMPROBOS A denúncia por improbidade administrativa, ora sob apreciação, orbita em torno da execução do Contrato n° 020/2013, decorrente do Pregão Eletrônico n.° 29/2012, celebrado entre a aludida empresa pública federal e o Consórcio LUFT/BOMI/ATLANTIS, no valor global de R$ 6.300.000,00 (seis milhões e trezentos mil reais), com o objeto de prestação de serviços de logística do plasma, traduzido pela prestação de serviços contínuos de coleta de plasma - dos hemocentros localizados em todo o território nacional -, armazenagem temporária - em Centro de Distribuição/CD intermediário (crossdocking), em Itapevi/SP -, e transporte - em caminhão refrigerado, com destino à fábrica de hemoderivados em Goiana/PE. Destaque-se que o início das práticas ditas ímprobas, envolvendo a execução do referido, deu-se com a Resolução N. 5530, da ANVISA, de 21/12/2012, que suspendeu a importação de medicamentos hemoderivados processados na França pelo LFB, de dez/2012 a julho/2013, o que acarretou o acúmulo de plasma no estoque da Câmara Fria da fábrica de Goiana, denominada B-01Goiana/PE, atingido a capacidade máxima de armazenamento, no final do ano de 2013, porquanto as exportações deste material àquele país também restaram prejudicadas, fazendo com que a HEMOBRAS suspendesse a recepção do plasma coletado dos hemocentros. Em decorrência, a cúpula administrativa da HEMOBRÁS decidiu, em acordo com o CONSÓRCIO LUFTBOMI-ATLANTIS, não interromper a coleta, prosseguindo, assim, a arrecadação dos hemocentros nacionais, sendo que desta feita, passando a armazenar o plasma por tempo superior ao necessário para a concretização do crossdocking, utilizando-se, para isso, contêineres. A consequência lógica advinda da suspensão por tempo indeterminado da exportação de plasma para França e sem a suspensão da coleta de plasmas dos hemocentros foi a concentração, também, do plasma nas instalações do CD de Itapevi/SP. As provas que instruem a inicial, emprestadas de inquéritos policiais e procedimentos administrativos, apontam para a adoção de uma “solução extrajurídica” firmada entre os agentes públicos e os representantes do Consórcio BOMI-LUFT-ATLANTIS, ora denunciados, cabendo à HEMOBRÁS pagar ao Consórcio valores superiores ao acordado no Contrato n° 20/2013 – na forma de pagamento por quilômetros ficticiamente rodados pelos caminhões do Consórcio utilizados com o traslado do plasma -, a fim de cobrir supostos custos operacionais suportados com a prestação de serviço não contratado - armazenamento de plasma por tempo indeterminado, mediante contratação de contêineres refrigerados no CD de Itapevi/PE.

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Merece registro, também, que a requerida, MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES, então gerente de Plasma e Hemoderivados, em final de dezembro de 2013 formulou pedido de aditamento contratual com vista a superar a irregularidade praticada da quilometragem superfaturada, mediante inclusão do serviço de armazenamento de plasma, mas que não contou com parecer favorável do Departamento Jurídico por inviabilidade legal, “haja vista o Contrato original não prever o pagamento especificamente por armazenamento”. Em razão do superfaturamento da quilometragem, foi formalizado, em 16/09/2014, aditivo de reajuste de 22.63% ao contrato (equivalente a R$ 1.425.388,90 - um milhão, quatrocentos e vinte e cinco mil, trezentos e oitenta e oito reais, e noventa centavos), em ofensa aos arts. 24. IV, c/c/ art. 26, parágrafo único da Lei n.8.666/90, mas que viabilizou a continuidade do pagamento pelo consumo de quilometragem ficta, embora a justificativa oficial fosse a de compensar aumento de quilometragem efetivamente percorrida. Conforme observado pelo parquet federal, o aditivo “encobria os desvio dos recursos suplementares para remunerar serviço estranho ao ajuste nº 20/2013 (...) bem como houve prazo razoável para a realização de certame autônomo”. As provas constantes nos autos apontam como sistemática utilizada para as cobrança indevidas por supostos gastos com contêineres a inclusão fraudulenta nas faturas de quilometragem não rodada, o que foi demonstrado por meio de termo de depoimento de testemunhas perante o Departamento da Polícia Federal, por mensagens eletrônicas trocadas e Laudo Contábil Financeiro 047/2016 – SE. Os depoimentos prestados perante a Delegacia da Polícia Federal confirmam as conclusões periciais quanto ao modo de execução dos desvios do dinheiro público. Observe-se trecho da declaração prestada pelo sr. Jarbas Gomes Pina, ex-empregado terceirizado do Serviço de Logística Farmacêutica da Hemobrás, setor esse subordinado à Gerência de Plasma e Hemoderivados, diretamente responsável pela gestão do Contrato n. 20/2013, in verbis:

“(...) QUE, pouco tempo depois de ter entrado, salvo engano, na transição da Gerência de Plasma e Hemoderivados entre MARISA e OSIRES, recebeu uma determinação de autorizar cobrança de serviços além da quilometragem rodada; QUE, nesta época, estava sem chefia no Serviço e, portanto, os atestos estavam sendo realizados diretamente pela Gerência; QUE lhe informaram que o CONSÓRCIO havia contratado contêineres para armazenagem de plasma e que eles seriam pagos nas mesmas faturas dos quilômetros rodados; QUE, todavia, não havia uma discriminação do valor da armazenagem, razão porque também não conseguia entender os lançamentos nos conhecimentos de transporte; (...)”

Da parte da ATLANTIS LOGÍSTICA, IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA, depoimentos há de funcionários seus - Aurélio Rodolfo Mariano da Silva e Álvaro João Ferreira de França, atestando a inclusão de quilômetros não rodados nas faturas cobradas da Hemobrás em contrapartida à prestação de serviços realizados sem previsão contratual, o que foi confirmado pela ré JULIANA CUNHA SIQUEIRA LEITE em depoimento seu, a seguir transcrito, em interrogatório policial. Vejamos:

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(...) QUE o armazenamento não está previsto no contrato, apenas o "crossdocking" está previsto no contrato; QUE, o armazenamento é diferente do "crossdocking"; QUE, o armazenamento não é previsto no contrato, e somente estava acontecendo porque a HEMOBRAS estava sem capacidade de recebimento; QUE, por isso, utilizou o plano de contingência de câmera fria em contêineres; QUE, a cobrança por esse serviço foi por quilômetro rodado; (...)”

Outra prática irregular revelada no curso da execução do contrato 20/2013, foi a cobrança indevida de suposto serviço de triagem de plasma em Itapevi, leia-se sem previsão contratual e sem comprovação, no montante de R$ 67.500,00 (sessenta e sete mil, e quinhentos reais), contatada pela servidora Karla Camila Barbosa Santana a partir de sua assunção à chefia do Serviço de Logística Farmacêutica, conforme cópia de termo de depoimento perante a DPF que instrui a inicial. Vejamos trecho do seu depoimento prestado perante o Departamento da Polícia Federal:

“QUE glosou mais de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) da fatura referente a abril/2015, porque estavam cobrando serviço de "triagem de plasma"; QUE esse serviço não tinha previsão contratual; QUE, todavia, a BOMI executava esse serviço anteriormente para a LFB e tentou cobrar da HEMOBRAS na forma de Conhecimento de Transporte; QUE por esse motivo, glosou o pagamento; (...)”.

Por fim, outra conclusão a que se chega quanto às irregularidade praticadas na execução do referido contrato, com base nas provas indiciárias emprestadas que acompanham a inicial, é a de conivência dos gestores da HEMOBRAS não apenas com a cobrança sem qualquer parâmetro de custo para a armazenagem por tempo indeterminado, mas também sem qualquer certeza da prestação do serviço. Restou consignado no primeiro Relatório de Acompanhamento do Contrato nº 20/2013 (vistoria nos dias 24 e 25 de julho e 21 e 22 de agosto de 2014), o risco de contaminação das amostras decorrente falta de condições sanitárias adequadas de aprovisionamento do plasma no CD Itapevi/SP com risco de massivo descarte de bolsas plasmáticas. Vejamos excerto:

“c. Armazenamento de plasma 1) Situação encontrada: durante a primeira visita, foi constatado que o armazenamento do plasma na câmara fria da operadora logística BOMI não atendia os preceitos das boas práticas, sendo estocados de forma desorganizada e junto com outros produtos, gerando a dificuldade de controle de estoque e o risco de contaminação cruzada.”

O segundo Relatório de Visita ao CONSÓRCIO BOMI-LUFT-ATLANTIS, cuja inspeção se deu em meados de setembro de 2014, ratificou, em síntese, as constatações anteriores quanto às falhas de armazenamento. Vejamos:

“4. Armazenagem de plasma Omissis. c. Conforme observação da equipe do SGIP, corroborado pelo documento anexo apresentado pela empresa Luft Logistics Healthcare, os contêineres não são equipamentos recomendados para armazenagem de produtos farmacêuticos. Agrava esse fato que o controle de temperaturas desses equipamentos não vem sendo realizado em períodos compatíveis com a adoção medidas de contingência.”

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Enfim, os Relatórios de Vistoria no CONSÓRCIO LUFT-BOMI-ATLANTIS indicaram como problema da câmara fria em Itapevi/SP “a ausência de segregação do produto e a ausência da conformidade (qualificações e calibrações) do sistema refrigerado de armazenagem e do registro e guarda adequado dos controles de temperatura”. Merece registro a conclusão da Assessora Técnica Especializada- Assuntos Regulatórios da HEMOBRÁS, na Nota Técnica n° 0002- AAR, de 14 de julho de 2016, de que “no caso da armazenagem temporária do plasma na área de crossdocking no Centro de Distribuição em Itapevi –SP , em especial do plasma que foi armazenado em contêiner, não é possível se ter garantias da manutenção das características de qualidade mínima do insumo farmacêutico, plasma humano para fracionamento industrial, material de partida para obtenção do insumo farmacêutico ativo dos medicamentos hemoderivados”, decorrente, basicamente, da “ausência de segregação do produto e a ausência da conformidade (qualificações e calibrações) do sistema refrigerado de armazenagem e do registro e guarda adequado do controle de temperatura”. Segundo dados oficiais apresentados pela HEMOBRAS (ofício 4612/2016), os prejuízos aos cofres públicos em razão da perda da capacidade de fracionamento do plasma fresco (produção de medicamentos hemoderivados) congelado em contêineres no Centro de Distribuição do CONSÓRCIO foi orçado em R$ 30.929.103,31, valor esse atualizado, e que somado a quantia superfaturada na execução do Contrato nº 20/20131, constatada por exame pericial da ordem de R$ 5.231.235,35, totaliza a importância de de R$ 36.160.338,66 (trinta e seis milhões, cento e sessenta mil, trezentos e trinta e oito reais e sessenta e seis centavos.

Além do prejuízo financeiro decorrente do provável desvio milionário, e da impossibilidade de fracionamento industrial do plasma humano, merecem ser lembrados os custos com o descarte dos plasmas. Em apertada síntese de tudo o que foi exposto, vislumbram-se indícios de condutas praticadas pelos requeridos incompatíveis com os princípios da legalidade e moralidade, incompatibilidade essa bastante para identificação, ainda que em sede de cognição sumária, atos de improbidade, independentemente de efetiva ocorrência de dano ao Erário, embora, conforme visto, indícios apontam para sua configuração. Ainda no iter para identificar indícios de atos de improbidade administrativa, observam-se, também, que os atos imputados aos réus teriam sido praticados sob vontade livre e consciente, é o que se extrai das provas que instruem a inicial, nesta fase de cognição precária, restando para a fase de instrução a possibilidade de demonstração de sua inocorrência, ou em caso contrário, se dolosa ou culposa a conduta condenada. As irregularidades apontadas sugerem indícios de desvio de recursos públicos federais, mediante uso de artifícios escusos (faturas majoradas indevidamente, sem a pertinente comprovação e

1 Merece ser transcrito excerto da conclusão do Laudo de Perícia Contábil-Financeiro nº 047/2016,

Restou provado que tanto por meio de documentos encontrados na contratante quanto na contratada houve pagamentos indevidos. A Hemobrás tinha como glosar os valores corretamente, pois ela conservava em seu poder as informações necessárias. Por este motivo, a perícia conclui que foi pago entre mar/2014 e set/2015 o montante de RS 4.634.149,17 (quatro milhões, seiscentos e trinta e quatro mil, cento e quarenta e nove reais e dezessete centavos) de forma indevida, alterando-se a quantidade de quilômetros efetivamente percorridos na prestação de serviço de transporte referente ao contrato n° 20/2013 com o consentimento da Hemobrás.”

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discriminação dos serviços), facilitado pelos agentes públicos RÔMULO MACIEL FILHO, GUY JOSEPH VICTOR BRUERE, MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES, favorecidos que eram por sua posição hierárquica na empresa vitimada, em proveito dos empresários FERNANDO LUFT, JULIANA CUNHA SIQUEIRA LEITE e DELMAR SIQUEIRA RODRIGUES, representantes do CONSÓRCIO BOMI-LUFT-ATLANTIS, contabilizando-se, ainda, dentre os prejuízos aos cofres públicos advindos da execução do Contrato n. 20/2013, os decorrentes da perda da capacidade de fracionamento do plasma congelado nos contêineres do CONSÓRCIO decorrente da inobservância das regras técnica de armazenamento.

PRESCINDIBILIDADE DE DEFESA PRÉVIA

É cediço que o juízo de admissibilidade prévio de demanda, fundado no art. 17, § 8º, da LIA, não resulta em juízo prévio de condenação. O referido juízo visa apenas a eliminar as demandas manifestamente improcedentes, ou seja, cuja inviabilidade é possível aferir de imediato, v.g., quando a petição inicial não narra conduta ímproba ou ilícita.

O juízo de admissibilidade da inicial, portanto, deve ser exercido de modo a possibilitar uma ampla investigação do fato ímprobo eventualmente ocorrido, a partir da instrução processual, acaso estejam demonstrados indícios de seu cometimento. Neste sentido são os comentários de Rogério Pacheco Alves:

Relembre-se, mais uma vez, que o momento preambular, antecedente ao recebimento da inicial, não se volta a um exame aprofundado da causa petendi exposta pelo autor em sua vestibular, servindo precipuamente, como já dito, como instrumento de defesa da própria jurisdição, evitando lides temerárias. Poderíamos afirmar, sem medo, que, tal como se verifica na seara processual penal, deve o Magistrado, neste momento, servir-se do princípio in dubio pro societate, não coartando, de forma perigosa, a possibilidade de êxito do autor em comprovar, durante o processo, o alegado na inicial.[1]

Considerando ter sido a pretensão condenatório do parquet federal precedida por procedimentos de investigação levado a cabo pelo próprio Ministério Público Federal, pela pessoa jurídica lesada, não esquecendo dos inquéritos policiais instaurados, estando em curso, atualmente, na 13ª Vara Federal/PE, processo criminal n. 0009412-46.2016.4.05.8300 contra os requeridos, sendo-lhes imputadas condutas tipificadas no art. 312, caput, c/c art. 327, §2º, ambos na forma do art. 71, todos do Código Penal, entendo, por conseguinte, ser o caso de afastamento da regra do contraditório preliminar, previsto no § 7º do art. 18 da LIA, por não se revelar temerária e injusta a pretensão autoral, reitere-se, à vista da plausibilidade de seus fundamentos, baseado em farto lastro probatório a indicar indícios de ilegalidade conducentes à improbidade. Nesse sentido, ensina Rogério Pacheco Alves:

“(...) pensamos que a notificação prévia do réu para o oferecimento de resposta só será exigível em se tratando de ações instruídas por ‘documentos ou justificação’, o que significa dizer que lastreando-se a inicial em inquérito civil ou em procedimentos administrativos regularmente instaurados pela própria administração ou por órgãos externos de controle, tal como ocorre relativamente ao Tribunal de Contas e às Comissões Parlamentares de Inquérito, não incidirá a regra do §7º. Isto porque o inquérito civil e os procedimentos administrativos prévios – enfatize-

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se – já cumprem o papel de evitar o ajuizamento de ações temerárias, justamente o que se buscou coibir com a instituição de ‘defesa prévia’. Por evidente, será também exigível a notificação prévia nas excepcionalíssimas hipóteses nas quais o autor esteja impossibilitado da apresentação inicial de qualquer prova, conforme autorizado pela parte final do §6º”2.

Destarte, a situação atual dos autos possibilita, neste momento, o exercício do juízo de admissibilidade da ação. Tem-se que a petição inicial, juntamente com a farta documentação acostada - cuja produção, na seara administrativa, não se pode dizer tenha ocorrido sem possibilitar o contraditório e direito de defesa aos acusados -, contém a narrativa de fatos com a demonstração, em tese, da ocorrência de atos de improbidade, bem como indícios suficientes da autoria. Assim, na fase atual de exercício do mero juízo de admissibilidade da ação de improbidade, em cognição primária, impõe-se a aferir observância de alguns critérios determinantes para o recebimento ou rejeição da ação de improbidade, consoante previsão do art. 17, §8º, da LIA, quais sejam: (a) se a via eleita é inadequada; (b) se o ato de improbidade existiu; (c) se a ação é improcedente, a importar em rejeição da ação. Em relação à adequação da ação ao presente caso, é de se concluir de forma positiva. A pretensão autoral, da forma como veiculada, revela-se apropriada, caso ao final fique este Juízo convencido da sua procedência, para levar a efeito as cominações previstas na LIA, coibindo, dessa forma a prática dos atos de improbidade. Quanto à alegada existência do(s) ato(s) ímprobo(s), a inicial contem descrição detalhada do fato tido pelo MPF como configurador de improbidade imputados aos agentes requeridos com seu enquadramento legal. Presentes também estão farto acervo probatório quanto à veracidade dos fatos alegados na inicial, bastantes como indícios acerca de possível prática de atos lesivos aos princípios da Administração Pública e da lesão efetiva ao Erário para fins de recebimento da exordial. Até o momento, o que se tem nos autos, destaque-se, não é suficiente para demonstrar a improcedência dos pedidos autorais. Pelo contrário, há indícios fortes de cometimento do ato de improbidade, como frisado, resultado de cognição precária, situação diversa da comprovação exauriente, extreme de dúvidas do ato ímprobo, a ser analisado, reitere-se, de forma percuciente, no curso do processo, e em observância ao contraditório, com paridade de armas e assegurada ampla defesa. Portanto, a depender da futura situação processual, poderão ser produzidas provas, mas somente elas é que poderão definir se o julgamento será em sentido oposto ao pleito pelo MPF. Por fim, vale destaca que, também, neste momento, vige o princípio do in dubio por societate.

2 GARCIA, Emerson e PACHECO ALVES, Rogério. Improbidade Administrativa. 5ª ed. revista e ampliada de acordo com a LC n. 135/2010. Editora Lúmen Juris. Rio de Janeiro. 2010. Págs. 900/901.

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Ante tudo o que foi exposto, concluo encontrarem-se presentes os pressupostos de admissibilidade da demanda, consoante o disposto no art. 17º, §8º, da LIA. Somando-se aos argumentos acima, observo que, segundo entendimento do STJ a inobservância da notificação prévia ensejaria nulidade processual ante a comprovação de efetivo prejuízo ao denunciado, “de acordo com a parêmia pas de nullité sans grief”3, hipótese essa não vislumbrada por este Juízo. Embora não seja determinante, mas que se acresce aos argumentos acima quanto à desnecessidade da defesa prévia, considere-se, por fim, o número de réus com suas possibilidades de defesa capazes de avolumar, de forma desnecessária, mais ainda o feito, o qual conta, atualmente, com aproximadas 3.392 folhas, acarretando prejuízo a duração razoável do feito.

CONCESSÃO DAS TUTELAS JURISDICIONAIS CAUTELARES DE INDISPONIBILIDADE DE BENS DOS DEMANDADOS

O pedido formulado de medidas cautelares conta com sua previsão nos arts. 7º e 16 da LIA, que tratam da indisponibilidade e do sequestro, rectius, arresto de bens. Vejamos:

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado. Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. § 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil. § 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.

Cuida-se de medidas processuais de provimento sumário, provisório e instrumental, com o propósito de assegurar, total ou parcialmente, o resultado útil da tutela jurisdicional futura, em caso de procedência do pedido, e, assim, evitando os possíveis danos decorrentes da duração natural do processo. Contudo, o deferimento da medida pretendida está a depender, apenas, da demonstração por parte do autor da probabilidade ou possibilidade do direito por ele invocado, fundado na caracterização da improbidade imputada.

3 (AgRg no REsp 1.336.055/GO,Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 14.8.2014).

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Observe-se que as medidas de indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário em razão da prática de atos de improbidade têm sua matriz no art. 37 § 4º da CRFB/88, no qual não há previsão de outros requisitos além da caracterização do ato ímprobo e a exigência da reparação. Vejamos: “Art. 37, § 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma de gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

A análise das normas supra revela que o periculum in mora, nos casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, hipótese essa trabalhada nos autos, não é imanente ao comando legal, ao contrário do relativo à existência de indícios da prática de ato de improbidade com dano ao erário ou que importe enriquecimento ilícito, para determinar o bloqueio de tantos bens quantos bastem para o efetivo ressarcimento ao erário ou a reversão de valores auferidos ilicitamente. Observe-se ser consolidado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a medida cautelar relativa às ações regidas pela Lei de Improbidade Administrativa "(...) não está condicionada à comprovação de que o réu esteja dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora encontra-se implícito no comando legal que rege, de forma peculiar, o sistema de cautelaridade na ação de improbidade administrativa, sendo possível ao juízo que preside a referida ação, fundamentadamente, decretar a indisponibilidade de bens do demandado, quando presentes fortes indícios da prática de atos de improbidade administrativa" (REsp 1.366.721/BA, Relator p/ acórdão Min. Og. Fernandes, Primeira Seção, DJe 19/9/2014). É o caso de concessão liminar das medidas, sem ouvir a parte ré, em razão de o contraditório prévio possibilitar o desvio dos seus bens. Não é demais lembrar possuir o STJ jurisprudência pacífica no sentido de que "a medida cautelar de indisponibilidade de bens pode ser concedida inaudita altera pars, antes mesmo do recebimento da petição inicial da ação de improbidade administrativa" (AgRg no AREsp n. 671.281/BA, relator Ministro OLINDO MENEZES, Desembargador convocado do TRF 1ª Região, Primeira Turma, DJe 15/09/2015). Aliás, o entendimento do STJ, ainda na sistemática do Código de Processo Civil de 1973, já era no sentido da concessão de liminar inaudita altera pars (art. 804 do CPC/1973), em sede de medida cautelar preparatória ou incidental, antes do recebimento da Ação Civil Pública, para a decretação de indisponibilidade de bens, incluído o bloqueio de ativos do agente público ou de terceiro beneficiado pelo ato de improbidade, em razão da sua natureza meramente acautelatória para assegurar o resultado útil da tutela jurisdicional, qual seja, reparação do dano ao erário ou de restituição de bens e valores havidos ilicitamente por ato de improbidade, não ensejando alienação dos bens, mas, reitere-se, mero acautelamento, com a possibilidade, em tese, de liberação para fins de manutenção própria do denunciado e da sua família, ou da atividade empresarial, à julgar pelas circunstâncias do caso concreto quanto à situação pessoal dos réus e o valor envolvido a dispensarem as providências de urgência, situação é que não é a do momento. (vide Precedentes do STJ: REsp 821.720/DF, DJ 30.11.2007; REsp 206222/SP, DJ 13.02.2006 e REsp 293797/AC, DJ 11.06.2001).

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À vista da demonstração de indícios suficientes de responsabilidade pela prática de atos de improbidade com prejuízo ao Erário com violação de princípios regedores da Administração Pública e danos econômicos, a julgar com base, ainda que em cognição sumária, na causa de pedir da pretensão autoral e dos documentos que a acompanham, prescindindo da demonstração de fato futuro quanto à intenção de dilapidação ou ocultação do patrimônio, isso porque milita, nesta fase processual, o perigo da demora em favor da sociedade representada pelo demandante, é o caso de de indisponibilização de bens bastantes ao ressarcimento, na hipótese de procedência do pedido final.

AFASTAMENTO DO SIGILO FISCAL DAS PESSOAS FÍSICAS DEMANDADAS Embora seja espécie de direito fundamental à intimidade e à vida privada protegida pela Carta Política (art. 5º, inciso X), não é dotado, acima como os demais direitos fundamentais, do atributo da incondicionalidade, sendo excetuados por motivos de interesse público relevante, como o visualizado na pretensão autoral a possibilitar a sua quebra com base na autorização conferida pelo art. 3º da Lei Complementar n. 105/2001 que legitima o afastamento do sigilo fiscal mediante prévia autorização judicial, com a ressalva, é claro, de respeito à clausula de reserva decorrente do sigilo. Tendo, portanto, a pretensão acautelatório do parquet federal fundamento em dados concretos e determinados, longe de representar notícias infundadas, a requisição do levantamento do sigilo fiscal é medida que se impõe.

AFASTAMENTO DOS DEMANDADOS RÔMULO MACIEL FILHO E MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA ESPECÍFICA

O pedido formulado pelo parquet federal tem supedâneo no parágrafo único do art. 20 da LIA, que preceitua o seguinte sobre afastamento de agente público:

Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

Segundo precedentes do STJ, impõe-se uma interpretação restrita e cuidadosa do referido dispositivo, de modo a evitar seu desvirtuamento, transformando-se em medida de perseguição política ou de vindita, em ofensa ao devido processo legal e ao princípio da presunção de inocência.

A medida cautelar pretendida, apreciado à luz do dispositivo em foco tem seu deferimento condicionado a demonstração bastante, nos autos, de o comportamento do agente público, não sendo afastado do seu cargo, importará em efetiva ameaça à instrução do processo, revelando-se, por conseguinte, indispensável a medida de afastamento do cargo.

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Nesse sentido, merece transcrição ensinamento ensinamento de Marino Pazzaglini Filho:

“Dentro desse contexto, a medida cautelar de afastamento provisório do agente público, que está sendo investigado ou processado por ato de improbidade administrativa, do seu cargo, emprego ou função pública, por ser medida das mais severas, inclusive com a amplitude de suspensão do mandato eletivo, esmorecendo a vontade popular expressa nas urnas, reveste-se de excepcionalidade e só é lícita a sua concessão quando existam, nos autos, provas incontroversas de que sua permanência (no cargo, emprego ou função pública) poderá causar (ou está causando) dano efetivo à instrução processual (apuração do fato de improbidade administrativa que lhe foi imputado)4.

III – DISPÓSITIVO Presentes indícios suficientes de cometimento de atos de improbidade administrativa e de autoria dos réus, impõe-se o recebimento da petição inicial, prescindindo da notificação prévia, conforme razões acima. DEFIRO OS PEDIDOS DE TUTELA PROVISÓRIA CAUTELAR, DETERMINANDO: (I) a indisponibilidade de bens e valores dos demandados e o afastamento do sigilo fiscal das pessoas físicas envolvidas - com fundamento no arts. 5 e 7º, ambos da LIA, fundado na diretriz do art. 37, §4º, da CRFB/88, combinado com os arts. 275 e 942, caput, ambos do C.C./2002 – até o montante de R$ 72.320,677,32 (setenta e dois milhões, trezentos e vinte mil, seiscentos e setenta e sete reis e trinta e dois centavos), decorrente da soma do quantitativo econômico desviado, de R$ 5.231.235,35, o prejuízo financeiro com a perda de milhares de bolsas de plasma mal armazenado em contêineres de Itapevi/SP, qual seja, R$ 30.929.103,31, e o valor da multa civil como sanção autônoma, no mesmo quantum do dano. (a) emissão de ordem de indisponibilização pela CNIB (Provimento 29/2014, de 25/07/2014, do CNJ), de todos os bens imóveis localizados dos demandados, pessoas físicas e jurídicas; (b) indisponibilidade de ativos financeiros de qualquer natureza via BACENJUD, com as ressalvas anteriores; (c) bloqueio eletrônico de alienação/oneração de veículos automotores em nome dos requeridos, via sistema DETRAN online – RENAJUD; (d) à CVM – Comissão de Valores Mobiliários que circularize entre as companhias prestadoras do serviço de custódia fungível e ações escriturais e aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, depositários centrais, custodiantes e escrituradores, a adoção de medidas necessárias no âmbito de suas atribuições para efetivação da medida de indisponibilidade, devendo ser encaminhado o resultado diretamente ao Juízo, enfatizando-se que as instituições financeiras deverão apenas efetuar o bloqueio, sem a transferência do valor para conta judicial até ulterior determinação judicial, evitando eventuais perdas em razão de resgates antecipados; ainda, requer-se que, após

4 In Lei de Improbidade Administrativa Comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal,; legislação e jurisprudência atualizada. 3ª ed. 3. Reimpressão. São Paulo : Atlas. 2007. Pág. 224

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JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA Seção Judiciária de Pernambuco

1.ª VARA PROCESSO Nº: 0807475-65.2016.4.05.8300 - AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

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decretada a indisponibilidade, as respectivas instituições financeiras forneçam extratos em formato txt ou .pdf relativamente ao período compreendido entre 2013 e 2016 em relação aos acusados FERNANDO LUFT, JULIANA CUNHA SIQUEIRA LEITE, DELMAR SIQUEIRA RODRIGUES e RÔMULO MACIEL FILHO; no intervalo de 2014 a 2015, atinente a GUY JOSEPH VICTOR BRUERE; e do período de 2013 a 2014, na hipótese de MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES; (e) às Juntas Comerciais de PE e de São Paulo que adote as providências necessárias à indisponibilidade de ações, quotas, ou participações societárias de qualquer natureza em nome dos demandados, apresentado a este Juízo a relação dessas ações, quotas e participações acionárias.

(II) DECRETAR O AFASTAMENTO (CAUTELAR) DOS DEMANDADOS RÔMULO MACIEL FILHO e MARISA PEIXOTO VELOSO BORGES do exercício de quaisquer funções de confiança na HEMOBRÁS (v.g. Diretor-Presidente ou Gerência de Plasma e Hemoderivados), bem como de qualquer atividade relacionada à autorização de gastos, alocação ou movimentação de recursos da referida estatal, medida necessária que se faz para fins de instrução processual, sem prejuízo dos cargos que ocupam.

(III) sejam notificados a União e a HEMOBRÁS, para que, caso assim entendam, integrem o polo ativo da presente demanda, ou se abstenham de contestar a demanda, conforme autoriza o artigo 17, § 3º, da LIA, c/c artigo 6º, §3º, da Lei nº 4.717/65;

(IV) Citem-se os requeridos nos endereços indicados acima, para, querendo, contestar, sob pena de revelia e confissão, conforme o art. 344 do Novo Código de Processo Civil (art. 17, §9º, da LIA).

Recife, 14/11/2016. Roberto Wanderley Nogueira Juiz Federal Titular da 1ª Vara/PE