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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 1.142.630 - PR (2009/0102844-1) RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS PROCURADOR : FABIANO HASELOF VALCANOVER E OUTRO(S) RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO BRASIL ADVOGADO : MARCELO AUGUSTO ANGIOLETTI E OUTRO(S) RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA): Trata-se de recurso especial interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, ementado, essencialmente, nos seguintes termos, in verbis : "MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFICIÁRIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA. O Ministério Público Federal tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos dos beneficiários da Previdência Social. Precedentes desta Corte e do STF. Sendo o Ministério Público Federal autor da ação civil pública, desnecessária sua atuação como custos legis, conforme decidiu esta Turma por ocasião do julgamento da Apelação Cível 2002.72.05.001195-1/SC, Rel. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, D.E. de 13-05-2008. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. RENDA MENSAL INICIAL. IRSM DE FEVEREIRO DE 1994 (39,67%). 'O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%)', nos termos da Súmula 77 deste TRF/4ª Região. [...]." (fl. 175) Nas razões do recurso especial, além de dissídio pretoriano, aponta o INSS violação aos arts. 1.º, 2.º e 6.º, todos da Lei Complementar n.º 75/93, bem como ao art. 21 da Lei n.º 7.347/85 c.c os arts. 81, 82 e 92, da Lei n.º 8.078/90. Pugna pela extinção do feito sem julgamento do mérito, alegando a ilegitimidade do Ministério Público Federal para promover ação civil pública pertinente a reajustes e revisões de benefícios previdenciários. Aduz, inicialmente, que os direitos relativos a benefícios previdenciários são disponíveis, e que a Constituição Federal, em seu art. 127, atribui ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, entende que, ausente o caráter da indisponibilidade, não estaria o Órgão Ministerial legitimado para a propositura da ação civil pública (fls. 196/197). Sustenta a ilegitimidade do Ministério Público para a defesa de qualquer Documento: 12849849 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 22

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.142.630 - STJ

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.142.630 - PR (2009/0102844-1) RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS PROCURADOR : FABIANO HASELOF VALCANOVER E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO

BRASIL ADVOGADO : MARCELO AUGUSTO ANGIOLETTI E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

Trata-se de recurso especial interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO

SEGURO SOCIAL - INSS, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, em

face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, ementado, essencialmente, nos

seguintes termos, in verbis :

"MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFICIÁRIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA.

O Ministério Público Federal tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos dos beneficiários da Previdência Social. Precedentes desta Corte e do STF.

Sendo o Ministério Público Federal autor da ação civil pública, desnecessária sua atuação como custos legis, conforme decidiu esta 5ª Turma por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 2002.72.05.001195-1/SC, Rel. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, D.E. de 13-05-2008.

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. RENDA MENSAL INICIAL. IRSM DE FEVEREIRO DE 1994 (39,67%).

'O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%)', nos termos da Súmula 77 deste TRF/4ª Região.

[...]." (fl. 175)

Nas razões do recurso especial, além de dissídio pretoriano, aponta o INSS

violação aos arts. 1.º, 2.º e 6.º, todos da Lei Complementar n.º 75/93, bem como ao art. 21 da Lei

n.º 7.347/85 c.c os arts. 81, 82 e 92, da Lei n.º 8.078/90.

Pugna pela extinção do feito sem julgamento do mérito, alegando a ilegitimidade

do Ministério Público Federal para promover ação civil pública pertinente a reajustes e revisões

de benefícios previdenciários.

Aduz, inicialmente, que os direitos relativos a benefícios previdenciários são

disponíveis, e que a Constituição Federal, em seu art. 127, atribui ao Ministério Público a defesa

dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, entende que, ausente o caráter da

indisponibilidade, não estaria o Órgão Ministerial legitimado para a propositura da ação civil

pública (fls. 196/197).

Sustenta a ilegitimidade do Ministério Público para a defesa de qualquer Documento: 12849849 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 22

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direito individual homogêneo, asseverando que, uma interpretação sistemática, sob o prisma

da Constituição Federal (arts. 127 e 129, III), levando em conta a ordem cronológica em que

foram editados os principais diplomas que tratam das funções do Ministério Público, conduz à

conclusão de que não é função do Parquet a proteção de direitos individuais, ainda que

homogêneos, e que o Ministério Público "somente possui legitimidade para a ACP destinada à

defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos – ou seja – não a tem quanto aos

interesses ou direitos individuais homogêneos, pois destes não cogita a CF/88 (art. 129,

III), nem a LC n. 75/93 (art. 83, III)" (fls. 198/199).

Alega, ainda, a ilegitimidade ad causam do Ministério Público para defesa de

direitos individuais homogêneos sem relação de consumo, bem como a inadequação da

ação civil pública para tal fim. Para tanto, aduz que a ação civil pública, embora sirva para a

defesa do consumidor, não serve para a defesa de direitos individuais homogêneos de outras

espécies de interesses, como, no caso, os interesses dos segurados da Previdência Social, por

falta de previsão legal (fl. 202), e, ainda, que "a relação jurídica entre os benefíciários e o

INSS nada tem de relação de consumo, uma vez que não se trata de fornecimento de bens

ou serviços" (fl. 206).

Oferecidas as contrarrazões (fls. 229/235), e admitido o recurso na origem,

ascenderam os autos à apreciação desta Corte.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.142.630 - PR (2009/0102844-1)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DESTINADA À TUTELA DE DIREITOS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA (NO CASO, REVISÃO DE BENEFÍCIOS). EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECONHECIMENTO.

1. Para fins de tutela jurisdicional coletiva, os interesses individuais homogêneos classificam-se como subespécies dos interesses coletivos, previstos no art. 129, inciso III, da Constituição Federal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Por sua vez, a Lei Complementar n.º 75/93 (art. 6.º, VII, a) e a Lei n.º 8.625/93 (art. 25, IV, a) legitimam o Ministério Público à propositura de ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, sociais e coletivos. Não subsiste, portanto, a alegação de falta de legitimidade do Parquet para a ação civil pública pertinente à tutela de direitos individuais homogêneos, ao argumento de que nem a Lei Maior, no aludido preceito, nem a Lei Complementar 75/93, teriam cogitado dessa categoria de direitos.

2. A ação civil pública presta-se à tutela não apenas de direitos individuais homogêneos concernentes às relações consumeristas, podendo o seu objeto abranger quaisquer outras espécies de interesses transindividuais (REsp 706.791/PE, 6.ª Turma, Rel.ª Min.ª MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 02/03/2009).

3. Restando caracterizado o relevante interesse social, os direitos individuais homogêneos podem ser objeto de tutela pelo Ministério Público mediante a ação civil pública. Precedentes do Pretório Excelso e da Corte Especial deste Tribunal.

4. No âmbito do direito previdenciário (um dos seguimentos da seguridade social), elevado pela Constituição Federal à categoria de direito fundamental do homem, é indiscutível a presença do relevante interesse social, viabilizando a legitimidade do Órgão Ministerial para figurar no polo ativo da ação civil pública, ainda que se trate de direito disponível (STF, AgRg no RE AgRg/RE 472.489/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 29/08/2008).

5. Trata-se, como se vê, de entendimento firmado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a quem a Constituição Federal confiou a última palavra em termos de interpretação de seus dispositivos, entendimento esse aplicado no âmbito daquela Excelsa Corte também às relações jurídicas estabelecidas entre os segurados da previdência e o INSS, resultando na declaração de legitimidade do Parquet para ajuizar ação civil pública em matéria previdenciária (STF, AgRg no AI 516.419/PR, 2.ª Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 30/11/2010).

6. O reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública em matéria previdenciária mostra-se patente tanto em face do inquestionável interesse social envolvido no assunto, como, também, em razão da inegável economia processual, evitando-se a proliferação de demandas individuais idênticas com resultados divergentes, com o consequente acúmulo de feitos nas

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instâncias do Judiciário, o que, certamente, não contribui para uma prestação jurisdicional eficiente, célere e uniforme.

7. Após nova reflexão sobre o tema em debate, deve ser restabelecida a jurisprudência desta Corte, no sentido de se reconhecer a legitimidade do Ministério Público para figurar no polo ativo de ação civil pública destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária.

8. Recurso especial desprovido.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

A controvérsia posta em análise no presente recurso consiste em verificar se o

Ministério Público Federal tem legitimidade para figurar no polo ativo de ação civil pública

relativa à matéria de natureza previdenciária.

A questão de fundo, não atacada no apelo nobre, diz respeito à revisão de

benefícios previdenciários concedidos a partir de março de 1994, com inclusão da variação

integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%) nos salários-de-contribuição integrantes do

período básico de cálculo, antes da conversão em URV. A Corte de origem entendeu ser cabível

a revisão, e, tal como a magistrada de primeiro grau, restringiu os efeitos do julgado à Subseção

Judiciária de Curitiba/PR, na forma do art. 16 da Lei n.º 7.347/85.

A preliminar em discussão já foi objeto de vários julgados proferidos no âmbito da

Terceira Seção deste Tribunal, cuja jurisprudência oscilou, inicialmente, ora a favor, ora

contrariamente à legitimidade do parquet para o ajuizamento de ação civil pública no trato de

questões previdenciárias.

Posteriormente, veio esta Corte a sedimentar a atual orientação, desfavorável à

tese da legitimidade, com base nas seguintes premissas: (a) o benefício previdenciário traduz

direito disponível, não abrangido pelo art. 127 da Constituição Federal, que assegura ao Ministério

Público a defesa dos interesses individuais indisponíveis e (b) as relações jurídicas entre o INSS e

os beneficiários do regime de Previdência Social não são relações de consumo, afastando, assim,

a aplicação do art. 81, III, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que trata dos direitos

individuais homogêneos.

E com base nesse entendimento, este Tribunal tem recusado a legitimidade ad

causam do Ministério Público em ações civis públicas que objetivam discutir questões ligadas à

seguridade social, como, por exemplo, direitos relativos à concessão de benefício assistencial a

idosos e portadores de deficiência, revisão de benefícios previdenciários, equiparação de menores

sob guarda judicial a filhos de segurados, para fins previdenciários.

Em que pese o atual e respeitável posicionamento, acima explanado, entendo que

deve haver nova reflexão sobre o tema ora em debate, em face das razões adiante expostas,

calcadas, sobretudo, no relevante interesse social envolvido no ajuizamento da ação civil pública

de natureza previdenciária.Documento: 12849849 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4 de 22

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Pois bem.

Registre-se, desde logo, que não prospera a genérica alegação autárquica de

ilegitimidade ad causam do Ministério Público para defesa de "qualquer direito individual

homogêneo", ou, ainda, de direitos individuais homogêneos sem relação de consumo, bem como

não subsiste a alegação de inadequação da ação civil pública para a tutela de direitos individuais

homogêneos sem relação de consumo.

Tais insurgências encontram obstáculo, de início, na Lei Complementar n.º 75/93,

cujo art. 6.º, quanto ao ponto, estabelece textualmente que, in verbis :

"Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:[...]VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:[...]d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos , sociais,

difusos e coletivos;[...]XII - propor ação civil coletiva para defesa de interesses

individuais homogêneos " (grifei)

É o que também se observa da Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do

Ministério Público) que, em seu art. 25, autoriza o Ministério Público a figurar como titular da

ação civil pública para a proteção de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis

e homogêneos. Confira-se, por oportuno, o texto da aludida norma, litteris :

"Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

[...]IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública , na forma da

lei:a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao

meio ambiente [...], e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos ; (grifei)

Vale ainda registrar que, após a alteração promovida pela Lei n.º 8.078/90

(Código de Proteção e Defesa do Consumidor), incluindo o art. 21 na Lei n.º 7.347/85 (Lei da

Ação Civil Pública), o alcance desse instrumento processual restou ampliado, de modo a

abranger a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos fora das relações de

consumo.

Nesse sentido já se manifestou esta Corte Superior de Justiça, conforme se

verifica do seguinte julgado, in verbis :

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DE SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. CABIMENTO. LEGITIMIDADE DO SINDICATO. PRECEDENTES.

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1. De acordo com a jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, o artigo 21 da Lei nº 7.347/85, com redação dada pela Lei nº 8.078/90, ampliou o alcance da ação civil pública também para a defesa de interesses e direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores .

2. Recurso especial improvido." (REsp 706.791/PE, 6.ª Turma, Rel.ª Min.ª MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 02/03/2009 - grifei.)

Acerca do tema, conclusiva é a lição doutrinária de HUGO NIGRO MAZZILI,

ao afirmar que, litteris :

“E a defesa de 'interesses individuais homogêneos? Só os interesses individuais homogêneos de consumidores podem ser protegidos no processo coletivo, ou qualquer interesse individual homogêneo pode ser objeto de ação civil pública da Lei n. 7.347/85, sejam eles de consumidor ou não?

Como em momento algum a LACP se refere expressamente aos interesses individuais homogêneos, uma análise mais apressada poderia fazer crer que essa espécie de interesses transindividuais estaria fora da cobertura da ação civil pública, exceto, apenas, quanto aos interesses individuais homogêneos relativos aos consumidores, que poderiam ser defendidos por meio de ação coletiva prevista no CDC. Nesse teor, aliás, alguns acórdãos chegam a afirmar que 'os interesses e direitos individuais homogêneos, de que trata o art. 21 da Lei n. 7.347/85, somente poderão ser tutelados, pela via da ação coletiva, quando os seus titulares sofrerem danos na condição de consumidores'.

Esse entendimento restritivo não se sustenta, porém, em face do sistema conjugado da LACP e do CDC, que se integram reciprocamente. Com efeito, estão também alcançados pela tutela coletiva os interesses individuais homogêneos, de qualquer natureza, relacionados ou não com a condição de consumidores dos lesados . Por isso, e em tese, cabe também a defesa de 'qualquer interesse individual homogêneo' por meio da ação civil pública ou coletiva, até porque seria inconstitucional impedir o acesso coletivo à jurisdição.

Inexiste taxatividade de objeto para a defesa judicial de interesses transindividuais . Por isso, além das hipóteses já expressamente previstas em diversas leis (defesa de meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, crianças e adolescentes, pessoas portadoras de deficiência, investidores lesados no mercado de valores mobiliários, ordem econômica, economia popular, ordem urbanísticas) – quaisquer outros interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos podem em tese ser defendidos em juízo por meio da tutela coletiva, tanto pelo Ministério Público como pelos demais co-legitimados do art. 5º da LACP e art. 82 do CDC." (in "A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesse s" - 21.ª ed. rev., ampl. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 718/719 - grifei).

Melhor sorte não assiste ao INSS quando, pugnando por uma interpretação

sistemática sob o prisma de dispositivos da Constituição Federal, alega que (a) o inciso III do Documento: 12849849 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 6 de 22

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aludido art. 129 da Lei Maior viabiliza a legitimidade do Ministério Público apenas para a defesa

de interesses ou direitos difusos ou coletivos, mas não para a defesa de direito individual

homogêneo e que (b) sendo disponíveis os direitos relativos a benefícios previdenciários, o

Ministério Público não teria legitimidade para a ação civil pública, uma vez que estaria ausente o

caráter de indisponibilidade a que alude o art. 127 da Carta Magna.

Ressalte-se, nesse ponto, que a legitimidade do Ministério Público para a ação

civil pública, embora disciplinada em lei complementar e em leis ordinárias, como visto, é tema de

envergadura constitucional, tratado diretamente pela Carta Magna nesses artigos.

E, sendo certo que a Constituição Federal confiou ao Supremo Tribunal Federal a

última palavra em termos de interpretação de seus dispositivos, a solução do tema em apreço,

mormente das questões em torno dos mencionados preceitos constitucionais, reclama necessária

incursão, também, na jurisprudência daquela Augusta Corte.

A começar pelo art. 129, inciso III, da Constituição Federal, registre-se que o

Pretório Excelso, apreciando o RE n.º 163.231/SP, firmou diretriz jurisprudencial no sentido de

que, no gênero "interesses coletivos", ao qual se refere tal inciso, compreendem-se os "interesses

individuais homogêneos", como subespécie, cuja tutela pode ser requerida pelo Ministério Público

mediante ação civil pública.

A propósito, confira-se a ementa do referido julgado, in verbis :

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO 'PARQUET' PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO.

1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).

2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).

[...]4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma

origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos .

4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, 'stricto sensu', ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção

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finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas .

[...]Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a

alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação." (Tribunal Pleno, DJ de 29/06/2001, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - grifei)

Em outra oportunidade, ao apreciar o RE n.º 195.056/PR, embora recusando a

legitimação do Órgão Ministerial no feito, o Supremo Tribunal Federal assentou que "Certos

direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos

coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos,

a ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a

causa. C.F., art. 127, caput, e art. 129, III" (Tribunal Pleno, Rel. Min. CARLOS VELLOSO,

DJ de 30/05/2003).

E em julgado mais recente:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SÚMULA STF 286: INAPLICABILIDADE.

[...]2. O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil

pública na defesa de interesses individuais homogêneos (CF/88, arts. 127, § 1º, e 129, II e III). Precedente do Plenário: RE 163.231/SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 29.06.2001.

3. Agravo regimental improvido." (AgRg no RE 514.023/RJ, 2.ª Turma, Rel.ª Min.ª ELLEN GRACIE, DJ de 05/02/2010.)

Desse modo, cai por terra a tese recursal de que o Ministério Público não tem

legitimidade para a ação civil pública quanto aos direitos individuais homogêneos, ao argumento

de que nem a Constituição Federal, em seu art. 129, III, e nem a Lei Complementar n.º 75/93, em

seu art. 83, III, teriam cogitado de tais direitos (fl. 199).

E não se perca de vista que o art. 6.º, VII, a, da Lei Complementar n.º 75/93, bem

como o art. 25, IV, a, da Lei n.º 8.625/93, dispositivos anteriormente citados, estabelecem ser

competência do Ministério Público promover a ação civil pública não apenas para a defesa de

direitos individuais homogêneos, como, também, para a proteção de interesses sociais e coletivos.

Ainda nesse particular, registrem-se os seguintes julgados, destacados dentre

outros, em que a Corte Especial deste Tribunal firmou orientação no sentido de que, havendo

relevante interesse social, é cabível o manejo da ação civil pública pelo Órgão Ministerial para

defesa de direitos individuais homogêneos:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTRATOS

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DE FINANCIAMENTO. SFH. SÚMULA 168/STJ.1. O Ministério Público possui legitimidade 'ad causam' para

propor ação civil pública objetivando defender interesses individuais homogêneos nos casos como o presente, em que restou demonstrado interesse social relevante. Precedentes.

[...]3. Embargos de divergência não conhecidos." (EREsp 644.821/PR,

Corte Especial, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe de 04/08/2008.)

"AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA ACERCA DA MATÉRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH). MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PRECEDENTES.

[...]II - O Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação

civil pública na defesa de mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), uma vez que os contratos para a aquisição da casa própria são firmados por pessoas hipossuficientes, restando caracterizado, assim o relevante interesse social. Precedentes da 'e. Corte Especial'.

Agravo regimental desprovido." (AgRg nos EREsp 274.508/SP, Corte Especial, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 10/04/2006.)

Também não há como prevalecer a alegação autárquica, fundada no art. 127 da

Constituição Federal, de que, em se tratando, in casu , de direitos disponíveis, o Órgão Ministerial

não teria legitimidade ad causam .

O fato de o direito perseguido por determinada classe ou grupo de pessoas ser

disponível não constitui fundamento suficiente para afastar a sua tutela pelo Parquet , mediante a

ação civil pública, pois, conforme já proclamado, há muito, nesta Quinta Turma, "Há certos

direitos e interesses individuais homogêneos que, quando visualizados em seu conjunto, de

forma coletiva e impessoal, passam a representar mais que a soma de interesses dos

respectivos titulares, mas verdadeiros interesses sociais, sendo cabível sua proteção pela

ação civil pública" (REsp 95.347/SE, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, DJ de 1º/02/1999).

Não é outro o posicionamento de ADA PELEGRINI GRINOVER:

"Muito embora a Constituição atribua ao MP apenas a defesa de interesses individuais indisponíveis (art. 127), além dos difusos e coletivos (art. 129), III), a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos levou o legislador ordinário a conferir ao MP a legitimação para agir nessa modalidade de demanda, mesmo em se tratando de interesses ou direitos disponíveis. Em conformidade, aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX).

A dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu objeto, insere-as sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no art. 127 da CF." (in "A Ação Civil Pública e a Defesa de Interesses

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Individuais Homogêneos , Revista de Direito do Consumidor – São Paulo: RT, n.º 5, jan/mar. 1993, p. 213).

Assim, para fins de legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública,

quando se tratar de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis, o que deve ser

observado é a presença do relevante interesse social de que se reveste o direito a ser tutelado.

E isso ocorre com os direitos sociais insertos na Constituição Federal, conforme

resta claro do seguinte julgado, recentemente prolatado por esta Corte, tendo em mira a

incumbência constitucional atribuída ao Ministério Público no art. 127, caput , da Lei Maior,

litteris :

"PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE – REGISTRO PROFISSIONAL NO CONSELHO DE MEDICINA VETERINÁRIA – EXAME.

[...]2. O Superior Tribunal de Justiça reconhece a legitimidade 'ad

causam' do Ministério Público, seja para a tutela de direitos e interesses difusos e coletivos seja para a proteção dos chamados direitos individuais homogêneos, sempre que caracterizado relevante interesse social .

[...]5. O Ministério Público é legítimo para defender, por meio de ação

civil pública, os interesses relacionados aos direitos sociais constitucionalmente garantidos .

Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 938.951/DF, 2.ª Turma, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe de 10/03/2010 - grifei.)

Desse entendimento não destoa a jurisprudência da Suprema Corte, que tem

reconhecido a legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública destinada à proteção de

direitos sociais, tais como a moradia e a educação.

Nesse sentido, vale observar o pronunciamento monocrático da lavra do Min.

CARLOS VELLOSO, no qual restou assente que "Se se tem presente, por exemplo, a

relevância que a Constituição empresta à moradia , consagrada como direito social, assim

direito fundamental, CF, art. 6º [...] a interpretação abrangente, ora preconizada, tal como

preconizamos relativamente à educação, no acórdão do RE 195.056/PR, linhas atrás

indicado, para o fim de tornar o órgão do Ministério Público legitimado para a defesa do

direito ou interesse aqui discutido, decorrente de um direito fundamental, ajusta-se ao

espírito da Carta, porque confere maior eficácia aos princípios por ela consagrados"

(RE 247.134/MS, DJ de 09/12/2005 - grifei).

Por oportuno, anote-se o entendimento adotado no já citado RE

n.º 163.231/SP, quando a Corte Constitucional assinalou que, "Cuidando-se de tema ligado à

educação , amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF,

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art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a

legitimidade 'ad causam', quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos

interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que,

acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal." (grifei).

E tal como o fez quanto à moradia e à educação – que, na linha do entendimento

do Pretório Excelso, podem ser objeto de tutela pelo Ministério Público –, a Constituição Federal,

em seu art. 6.º, elevou a previdência social à categoria de garantia fundamental do homem,

inserindo-a no rol dos direitos sociais.

Veja-se que os direitos sociais, nas palavras de ALEXANDRE DE MORAES,

"são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades

positivas de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade

a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da

igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art.

1.º, IV, da Constituição Federal" (in "Direito Constitucional" – 17.ª ed., São Paulo: Atlas,

2005, p. 177 - grifei).

A relação existente entre o art. 1.º, da Constituição Federal, acima citado, e as

funções institucionais do Ministério Público foi demonstrada com precisão quando do julgamento

do RE 228.177/MG, relatado pelo Min. GILMAR MENDES, conforme se percebe do seguinte

trecho extraído desse julgado:

"[...] a Constituição, ao tratar do Ministério Público como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe do indisponível dever de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os 'interesses sociais e individuais indisponíveis' (art. 127, 'caput'). E não há dúvida de que o dispositivo constitucional do art. 127, 'caput', remete para os valores fundamentais protegidos pela Constituição, especialmente os expressos em direitos e interesses decorrentes da dignidade da pessoa humana, a soberania, a cidadania, dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e do pluralismo político, como fundamentos da República, tal como definido no art. 1º." (RE 228.177/MG, 2.ª Turma, DJe de 05/03/2010.)

Desse modo, há de se constatar, no âmbito do direito previdenciário, um dos

seguimentos da seguridade social, expressamente elencado no rol dos direitos sociais, a

indiscutível presença do relevante interesse social, que viabiliza a legitimidade do Órgão

Ministerial para figurar no polo ativo da ação civil pública.

Ainda do magistério doutrinário de HUGO NIGRO MAZZILLI, extrai-se a

seguinte lição:

"Em vista de sua destinção, o Ministério Público está legitimado à defesa de quaisquer interesses 'difusos', graças a seu elevado grau de dispersão e abrangência, o que lhes confere conotação social. E quanto aos interesses 'coletivos' (em sentido estrito) e 'individuais homogêneos', estaria

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o Ministério Público sempre autorizado à sua defesa?Há três linhas principais de respostas que costumam ser dadas a

essa indagação.[...]Assim, passemos à terceira linha de resposta à indagação acima, e

que é aquela por nós preconizada. Para esta posição, deve-se levar em conta, em concreto, a efetiva conveniência social da atuação do Ministério Público em defesa de interesses transindividuais. Essa conveniência social em que sobrevenha atuação do Ministério Público deve ser aferida em concreto a partir de critérios como estes: a) conforme a natureza do dano (p. ex., saúde, segurança e educação públicas); b) conforme a dispersão dos lesados (a abrangência social do dano, sob o aspecto dos sujeitos atingidos); c) conforme o interesse social no funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico (previdência social , captação de poupança popular, questões tributárias etc.)

[...]Enfim, se em concreto a defesa coletiva de interesses

transindividuais assumir relevância social, o Ministério Público estará legitimado a propor a ação civil pública correspondente . Convindo à coletividade como um todo a defesa de um interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, aí sim é que não se há de recusar ao Ministério Público assuma sua tutela. Corretamente destacou Consuelo Yoshida que a legitimidade 'ad causam' ativa e o interesse processual do Ministério Público na tutela jurisdicional coletiva dos direitos individuais homogêneos decorrem da relevância social dos interesses materiais envolvidos.

Assim, é incorreto dizer, 'simpliciter', que o Ministério Público não pode defender interesses individuais homogêneos disponíveis. Se a defesa de tais interesses envolver larga abrangência ou acentuado interesse social, deverá ser empreendida pela instituição ." (ob. cit., pp. 106/108 e 110 - grifei.)

Convém destacar a lição do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE em judicioso

voto-vogal proferido no julgamento do RE n.º 195.056/PR, anteriormente citado.

Na ocasião, Sua Excelência, chamava a atenção para a análise do art. 127 da

Constituição Federal sob a ótica da expressão "interesses sociais" contida nesse dispositivo, no

que denominou de interesse social segundo a constituição, expressão essa que, como se pode

perceber, tem perfeita aplicação à seguridade social. Veja-se:

"[...] para orientar a demarcação, a partir do art. 129, III, da área de interesses individuais homogêneos em que admitida a iniciativa do MP, o que reputo de maior relevo, no contexto do art. 127, não é o incumbir à instituição a defesa dos interesses individuais indisponíveis mas, sim, a dos interesses sociais.

[...][...] a eventual disponibilidade pelo titular de seu direito individual,

malgrado sua homogeneidade com o de outros sujeitos, não subtrai o interesse social acaso existente na sua defesa coletiva .

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Ao contrário, são de direitos disponíveis as hipóteses mais notórias de indiscutida legitimação do MP para a ação civil pública de defesa de interesses homogêneos , a começar daqueles dos consumidores e dos outros casos de anterior previsão legal, já referidos.

O problema é saber quando a defesa da pretensão de direitos individuais homogêneos, posto que disponíveis, se identifica com o interesse social ou se integra no que o próprio art. 129, III, da Constituição denomina patrimônio social. Não é fácil, no ponto, a determinação do critério da legitimação do Ministério Público.

[...]Penso, como visto, que a adstrição da legitimidade do MP aos casos

de previsão legal expressa, embora razoavelmente objetiva, seria um critério insuficiente para a identificação do interessa social na defesa de direitos coletivos: dado que deriva da Constituição a legitimação do MP para a hipótese, não se pode reputar exaustivo o critério que delega ao legislador o poder de demarcar a função de um órgão constitucional essencial à jurisdição.

Creio, assim, que - afora o caso de previsão legal expressa – a afirmação do interesse social para o fim cogitado há de partir da identificação do seu assentamento nos pilares da ordem social projetada pela Constituição e na sua correspondência à persecução dos objetivos fundamentais da República, nela consagrados .

[...]Esse critério – que se poderia denominar de interesse social

segundo a Constituição – ainda que nem sempre explicitado em tese, parece estar subjacente a diversas decisões judiciais, algumas já citadas, que tem reconhecido a legitimação do MP para a defesa de direitos individuais homogêneos, seja ou não a hipótese simultaneamente enquadrável no âmbito da tutela dos consumidores: recorde-se, por exemplo, as questões relativas ao custo da educação privada [...], à seguridade social, à saúde – desde o caso dos usuários de planos de assistência ao do conjunto de trabalhadores carentes, vítimas de doença profissional oriunda das condições de trabalho de determinada empresa (STJ, Resp. 58.682, 8.10.96, Direito, RDA 207/283).” (grifei)

É oportuno o exemplo da seguridade social citado no trecho acima transcrito, pois,

conforme preconiza a Lei Complementar n.º 75/93, em seu art. 5.º, II, d, é função institucional do

Ministério Público da União zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos à

seguridade social. Ressalte-se, ainda, que, conforme estabelece esse mesmo art. 5.º, em seu

inciso I, é função institucional do Ministério Público a defesa da ordem jurídica e dos interesses

sociais.

Também por ser pertinente à análise do tema deduzido no presente apelo, traz-se

à colação recente julgado do Supremo Tribunal Federal, prolatado no AgRg/RE 472.489/RS,

interposto pelo INSS, no qual era discutido o direito dos segurados da previdência social à

obtenção de certidão parcial de tempo de serviço.

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Nesse julgado, restou rechaçada a alegação do INSS de violação aos arts. 127 e

129, inciso III, da Constituição Federal, sendo reconhecida a legitimidade do Ministério Público

para a defesa daqueles direitos individuais homogêneos, tendo em vista a existência do relevante

interesse social discutido na ação.

Merecem transcrição as doutas razões veiculadas nesse julgado, litteris :

"Esse entendimento - que reconhece legitimidade ativa ao Ministério Público para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social - reflete-se na jurisprudência firmada por esta Suprema Corte [...].

[...]Tenho para mim que se revela inquestionável a qualidade do

Ministério Público para ajuizar ação civil pública objetivando, em sede de processo coletivo - hipótese em que estará presente 'o interesse social, que legitima a intervenção e a ação em juízo do Ministério Público (CF 127 'caput' e CF 129 IX)' (NELSON NERY JUNIOR, 'O Ministério Público e as Ações Coletivas', 'in' 'Ação Civil Pública', p. 366, coord. por Édis Milaré, 1995, RT - grifei) -, a defesa de direitos individuais homogêneos, porque revestidos de inegável relevância social, como sucede com o direito de petição e o de obtenção de certidão em repartições públicas (CF, art. 5º, XXXIV), que traduzem prerrogativas jurídicas de índole eminentemente constitucional, ainda mais se analisadas na perspectiva dos direitos fundamentais à previdência social (CF, art. 6º) e à assistência social (CF, art. 203) .

Na realidade, o que o Ministério Público postulou nesta sede processual nada mais foi senão o reconhecimento - e conseqüente efetivação - do direito dos segurados da Previdência Social à obtenção da certidão parcial de tempo de serviço.

Nesse contexto, põe-se em destaque uma das mais significativas funções institucionais do Ministério Público, consistente no reconhecimento de que lhe assiste a posição eminente de verdadeiro 'defensor do povo' (HUGO NIGRO MAZZILLI, 'Regime Jurídico do Ministério Público', p. 224/227, item n. 24, 'b', 3ª ed., 1996, Saraiva, v.g.), incumbido de impor, aos poderes públicos, o respeito efetivo aos direitos que a Constituição da República assegura aos cidadãos em geral (CF, art. 129, II), podendo, para tanto, promover as medidas necessárias ao adimplemento de tais garantias, o que lhe permite a utilização das ações coletivas, como a ação civil pública, que representa poderoso instrumento processual concretizador das prerrogativas fundamentais atribuídas, a qualquer pessoa, pela Carta Política, '(...) sendo irrelevante o fato de tais direitos, individualmente considerados, serem disponíveis, pois o que lhes confere relevância é a repercussão social de sua violação, ainda mais quando têm por titulares pessoas às quais a Constituição cuidou de dar especial proteção ' [...].

[...]A existência, na espécie, de interesse social relevante, amparável

mediante ação civil pública, ainda mais se põe em evidência, quando se tem presente - considerado o contexto em causa - que os direitos individuais

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homogêneos ora em exame revestem-se, por efeito de sua natureza mesma, de índole eminentemente constitucional, a legitimar, desse modo, a instauração, por iniciativa do Ministério Público, de processo coletivo destinado a viabilizar a tutela jurisdicional de tais direitos ." (Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2.ª Turma, DJe de 29/08/2008 - grifei.)

Tal julgado restou assim ementado:

"DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - SEGURADOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL - CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO - RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA - DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS - PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL - EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO – A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO 'DEFENSOR DO POVO' (CF, ART, 129, II) - DOUTRINA – PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO .

- O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional , destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações.

- A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública.

- O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo , dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina . Precedentes ." (grifos no original.)

Registre-se que o entendimento em prol da legitimidade do Parquet para a ação

civil pública tanto em matéria relativa à previdência social quanto à matéria relativa à assistência

social vem sendo reiteradamente adotado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, resultando,

inclusive, em reforma de acórdãos prolatados pelas Quinta e Sexta Turmas deste Superior

Tribunal de Justiça.

Com efeito, ao apreciar, por decisão monocrática, o AG 516.419/PR (DJe de

12/02/2010), o relator do feito, Min. CEZAR PELUSO, acolheu o agravo e proveu o Recurso

Extraordinário interposto pelo Ministério Público, reconhecendo ao Parquet a legitimidade para

ação civil pública, cujo objeto era a revisão de benefícios previdenciários.

É o que se verifica dos seguintes trechos dessa decisão:

"1. Trata-se agravo de instrumento contra decisão que indeferiu

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processamento de recurso extraordinário interposto de acórdão do Superior Tribunal de Justiça e assim ementado:

'PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DIREITOS INDIVIDUAIS DISPONÍVEIS. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO ENTRE O INSS E O SEGURADO. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM .

I - Trata-se de Ação Civil Pública objetivando a condenação da autarquia à revisão da renda mensal inicial de benefícios previdenciários concedidos anteriormente à vigência da Lei Maior, com a correção dos 24 primeiros salários de contribuição integrantes do PBC pelos índices das ORTNs/OTNs/BTNs.

II - A quaestio trazida à baila diz respeito a direito que, conquanto pleiteado por um grupo de pessoas, não atinge a coletividade como um todo, não obstante apresentar aspecto de interesse social. Sendo assim, por se tratar de direito individual disponível, evidencia-se a inexeqüibilidade da defesa de tais direitos por intermédio da ação civil pública. Destarte, as relações jurídicas existentes entre a autarquia previdenciária e os segurados do regime de Previdência Social não caracterizam relações de consumo, sendo inaplicável, in casu , o disposto no art. 81, III, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Precedentes.

Recurso conhecido e provido.'. (fl. 07).Sustenta o recorrente, com base no art. 102, III, a, ofensa ao

disposto nos arts. 127 e 129, II e III, da Constituição da República. Aduz que

'Por sua vez, a indisponibilidade do direito não está relacionada com o direito patrimonial. No caso, tendo sido atingido direito fundamental do homem, como é a previdência social, tem-se por violado interesse indisponível, ainda que desse mesmo interesse decorra parcela patrimonial.' (fl. 30).

2. Consistente o recurso.A tese adotada está em desconformidade com a

jurisprudência desta Corte, que reconhece a legitimação ad causam do Ministério Público, assim para a tutela de interesses e direitos difusos e coletivos – os transindividuais de natureza indivisível –, como para a proteção de direitos individuais homogêneos, sempre que estes, tomados em conjunto, ostentem dimensão de grande relevo social, ligada a valores e preceitos que, hospedados na Constituição da República Federal, sejam pertinentes a toda a coletividade. Nesses casos, a atuação do Ministério Público afeiçoa-se a seu perfil institucional, voltado ao resguardo do interesse social e dos direitos coletivos, considerados em sentido amplo (CF, art. 127 e 129, incs. III e IX). [...].

[...]3. Do exposto, acolho o agravo e, desde logo, conheço do recurso

extraordinário e dou-lhe provimento , para declarar a legitimidade do

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Ministério Público." (grifos no original)

Registre-se que, contra tal decisão, o INSS interpôs agravo regimental, aduzindo

que, em se tratando de direitos individuais disponíveis, de interesse de grupo ou de classe de

pessoas, o Parquet não possuiria legitimidade para discutir a concessão/revisão de benefícios

previdenciários por meio de ação civil pública.

O regimental foi relatado pelo Min. GILMAR MENDES, tendo a Segunda Turma

do Pretório Excelso, à unanimidade, negado provimento ao recurso autárquico, em acórdão assim

ementado, in verbis :

"Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Ação civil pública. Interesse individual homogêneo. 3. Relevância social. Ministério Público. Legitimidade. 4. Jurisprudência dominante. 5. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AI 516.419/PR, DJe de 30/11/2010.)

O mesmo posicionamento foi adotado no RE 613.044/SC (DJe de 25/06/2010), da

relatoria da Min.ª CARMEN LÚCIA, restando declarada a legitimidade do Parquet para a

propositura de ação civil pública que objetivava discutir critérios de concessão de benefício

assistencial a idosos e portadores de deficiência física (art. 203, V, da Constituição Federal):

"[...]1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III,

alínea a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

'PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LEI 8.742/93. MODIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS LEGAIS TEXTUALMENTE PREVISTOS PARA A CONCESSÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS PATRIMONIAIS DISPONÍVEIS. RELAÇÃO DE CONSUMO DESCARACTERIZADA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO DO INSS PROVIDO.

1. O Ministério Público não detém legitimidade ad causam para a propositura de ação civil pública que verse sobre benefícios previdenciários, uma vez que se trata de direitos patrimoniais disponíveis e inexistente relação de consumo. Precedentes.

2. Prejudicado o exame do recurso especial da União.3. Recurso especial da autarquia provido para declarar a

ilegitimidade ativa do Ministério Público' (fl. 514).[...]2. O Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado os

arts. 93, inc. IX, 127 e 129, inc. III, da Constituição da República.[...]4. Razão jurídica assiste ao Recorrente.5. A controvérsia em debate cinge-se à legitimidade do Ministério

Público para a interposição de ação civil pública na qual se discutem os critérios adotados pela autarquia previdenciária para a concessão do benefício assistencial, previsto no art. 203, inc. V, da Constituição.

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O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de ser legítima a atuação do Ministério Público na defesa de direitos que, embora individuais, possuam relevante interesse social, pois os chamados direitos individuais homogêneos estariam incluídos na categoria de direitos coletivos abrangidos pelo art. 129, inc. III, da Constituição da República (RE 163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 29.6.2001).

Ressalte-se, nesse sentido, o voto proferido pelo Relator do Agravo de Instrumento no Recurso Extraordinário 472.489, Ministro Celso de Mello, no qual se reconheceu o direito de segurados da Previdência Social à obtenção de certidão parcial de tempo de serviço e a legitimidade do Ministério Público para propor ação com esse objetivo [...]

[...]6. Na espécie vertente, pretende o Recorrente ver declarada sua

legitimidade para a propositura de ação civil pública na qual se discutirão os critérios adotados pela autarquia previdenciária para a concessão do benefício assistencial, previsto no art. 203, inc. V, da Constituição da República.

Não há como deixar-se de reconhecer o relevante interesse social que a questão apresenta, ainda que não trate de relação de consumo, como afirmado a título de óbice pelo Tribunal de origem. Além disso, é de se considerar que a Constituição da República dispensa atenção especial aos portadores de deficiência e aos idosos (art. 203, inc. V).

O acórdão recorrido, portanto, diverge da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

7. Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1ª-A, do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) para declarar a legitimidade do Ministério Público Federal para propor ação civil pública nos termos postos e determino o retorno dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para que prossiga no julgamento do recurso especial ." (Grifos no original.)

Também foi reconhecida naquela Augusta Corte a legitimidade do Ministério

Público para o ajuizamento de ação civil pública nos seguintes julgados monocráticos:

(a) RE n.º 549.419/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJe de 06/08/2010, objeto

da ação civil pública: revisão de benefício previdenciário;

(b) RE n.º 607.200/SC, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJe de 06/08/2010, objeto

da ação civil pública: revisão de benefícios previdenciários;

(c) RE 491.762/SE, Rel.ª Min.ª CARMEN LÚCIA, DJe de 26/02/2010, objeto

da ação civil pública: equiparação de menores sob guarda judicial a filhos de segurados, para

fins previdenciários;

(d) RE 444.357/PR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de

11/11/2009, objeto da ação civil pública: critério de concessão do benefício assistencial a

portadores de deficiência e idosos (art. 203, V, da Constituição Federal).

Impende ainda ressaltar que o reconhecimento da legitimidade do Ministério

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Público para a ação civil pública em matéria previdenciária implicaria inegável economia

processual, evitando a proliferação de demandas individuais idênticas com o consequente

acúmulo de feitos nas instâncias do Judiciário.

A propósito:

"RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

'O Ministério Público está legitimado a defender direitos individuais homogêneos, quando tais direitos têm repercussão no interesse público.'

'O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com largueza. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra o Poder Judiciário da maior praga que o aflige, a repetição de processos idênticos.'

Recurso conhecido, mas desprovido." (REsp 413.986/PR, 5.ª Turma, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 11/11/2002.)

Acrescente-se, ainda, a lição de RODOLFO CAMARCO MANCUSO, para

quem "... especialmente nos casos em que há expressiva dispersão dos lesados (por

exemplo, aplicadores em caderneta de poupança de certo Banco, prejudicados pelo

incorreto índice remuneratório), haverá extrema conveniência em que o trato jurisdicional

da matéria se faça em modo molecular, assim evitando a atomização do fenômeno coletivo

em múltiplas demandas individuais, ao risco de decisões discrepantes, em processos mais

demorados e onerosos " (in "Interesses Difusos, conceito e legitimação para agir" - 6.ª ed.,

São Paulo: RT, 2004, p. 49 - grifei).

Na hipótese sob exame, a ação civil pública titularizada pelo Parquet tem por

objeto a revisão dos benefícios previdenciários de inúmeros aposentados, tendo a Corte de origem

assinalado, com proficiência, que, in verbis :

"No caso dos autos, o interesse social sobressai, pois evidenciado pelo avultado número de beneficiários da Previdência Social que tiveram calculada de forma errônea e prejudicial a renda mensal inicial de seus benefícios previdenciários, com significativa redução de seus proventos ao longo dos anos, a projetar reflexos não apenas nas suas próprias vidas e nas de suas famílias, mas em toda a sociedade, com um empobrecimento injustificado a levá-los a um processo de exclusão social expressamente repelido pela Constituição Federal e à oneração dos serviços públicos de saúde, educação e assistência social.

A Ação Civil Pública, portanto, é o instrumento adequado, face à economia e praticidade da medida, a obviar o inconveniente do ajuizamento de centenas de ações individuais e a injustiça de não se reparar o prejuízo daqueles que, por ignorância ou dificuldade de meios, não vão à Justiça vindicar seus direitos." (fl. 165)

Assevere-se que, embora esta Corte tenha firmado jurisprudência desfavorável à

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tese de legitimidade do Ministério Público em matéria previdenciária, alguns posicionamentos

demonstram ainda existir polêmica em torno da questão.

É o que se deu, por exemplo, quando do julgamento do REsp 396.081/RS (DJe de

03/11/2008), em que se discutia a legitimidade do Parquet para ajuizar ação civil pública cujo

objeto era garantir o direito de crianças e adolescentes, sob guarda judicial, à inscrição no RGPS

como dependentes, para fins previdenciários.

Na ocasião, embora decidindo conforme a atual jurisprudência, a relatora do feito,

Min.ª MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, com sua habitual competência, ressalvou o seu

ponto de vista exatamente em razão do relevante interesse social presente na lide,

manifestando-se nos seguintes termos, litteris :

"Consoante previsão do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 7.347/85, introduzido pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, 'não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.'

Conquanto referido dispositivo legal não tenha aplicação para os feitos que versam sobre benefícios previdenciários, mas apenas para os casos que cuidam de contribuições previdenciárias, predomina na Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça a tese de que não é cabível a propositura de ação civil pública que verse sobre a concessão de benefícios previdenciários, por cuidarem de direitos individuais disponíveis.

[...]Com a devida vênia da tese que prepondera na Terceira Seção

deste egrégio Tribunal, entendo que, em casos como o presente, ainda que os direitos defendidos sejam divisíveis, há legitimidade do Ministério Público diante da existência de relevante interesse social na causa, que versa sobre interesses individuais homogêneos consubstanciados em interesses de crianças e adolescentes sob guarda judicial de serem inscritas como dependentes no Regime Geral da Previdência Social.

[...]No entanto, em respeito à jurisprudência firmada pela Terceira

Seção, com a ressalva do meu entendimento acerca do tema, adoto a tese segundo a qual o Ministério Público não tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública em defesa de direito à percepção de benefício previdenciário."

Diga-se o mesmo do douto voto-vogal vencido proferido pelo Min. NAPOLEÃO

NUNES MAIA FILHO, prolatado julgamento do REsp n.º 661.701/SC (DJe de 18/05/2009) –

cujo acórdão foi posteriormente reformado pelo Supremo Tribunal Federal, no já citado RE

613.044/SC –, in verbis :

"1. Senhores Ministros, gostaria de mencionar, não propriamente lembrando, mas apenas frisando, à douta Turma que a categoria da legitimidade processual é muito cara ao processo civil e que surgiu em cena

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ainda no Século XIX, com a questão do interesse de agir e da possibilidade jurídica quando o processo civil foi estruturado nos seus começos para regular ações e litígios simplesmente binários, ou seja, um indivíduo contra outro. Essa categoria - disse isso em um julgamento da Seção em que fiquei vencido - não dá conta do processo civil contemporâneo em que os direitos coletivos e multitudinários surgiram com a força decorrente dos direitos fundamentais e com tal força avassaladora que quebrou essa categoria tradicional do processo civil, que é da legitimidade. No caso, é evidente que o direito subjetivo ou material está patente e presente e que o Ministério Público, ao propor essa ação, na verdade, resguarda e tutela um direito multitudinário de pessoas sabidamente hipossuficientes e que, deixadas ao relento da proteção do Ministério Público, com certeza não demandarão esses direitos ou haverá até retardo admirável na demanda, com prejuízo evidente para a subsistência das pessoas hipossuficientes ou pobres. A Defensoria Pública poderia também propor a ação, mas nem todas as comarcas nem todos os Estados possuem Defensoria Pública tão capilarizada e tão presente, tão dinâmica até diria e tão empenhada quanto o Ministério Público.

2. Daí por que, Ministro Arnaldo Esteves Lima, reconhecendo a grande ponderabilidade de suas palavras, penso que não há prejuízo para ninguém em se admitir que o Ministério Público promova esse tipo de ação e haverá uma vantagem evidente para as pessoas que são credoras desses benefícios. Quando, na verdade, esses benefícios deveriam ser pagos na via administrativa, sem necessidade de demanda alguma.

3. Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima, com o devido respeito a V. Exa. e ao seu voto, penso que esse rigor na apuração da legitimidade subjetiva ativa do Ministério Público, vem em desfavor das pessoas que estão carecendo de proteção, daí por que quem quer que promova a ação no sentido de amparar os carentes deve merecer acolhida a iniciativa.

4. Assim, mais uma vez, reconhecendo a grande lucidez do voto de V. Exa., peço vênia, respeitosamente, para reconhecer que o Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ações em benefício de hipossuficientes que têm direito a perceber benefícios previdenciários. A questão posta no recurso especial é exclusivamente da legitimidade.

5. Peço vênia a V. Exa. para negar provimento ao recurso do INSS pelas razões que acabei de alinhavar. E julgo prejudicado o recurso especial da União."

Tenho, por fim, que as razões veiculadas tanto na doutrina quanto na

jurisprudência anteriormente apreciadas embasam, a meu ver, a mudança de posicionamento

desta Corte, no sentido de que, diante da presença do relevante interesse social envolvido no

assunto, seja reconhecida a legitimidade do Ministério Público para figurar no polo ativo de ação

civil pública na defesa de direitos de natureza previdenciária, cujas normas, constitucionais e

infraconstitucionais, têm por destinatários, em grande parte, pessoas desvalidas social e

economicamente.

Assim, entendo que deve ser restabelecida a antiga jurisprudência desta Corte,

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que, com sabedoria e justiça, já reconheceu a legitimidade do Parquet sobre a questão, conforme

inicialmente afirmado e exemplificado no precedente a seguir citado, in verbis :

"AGRAVO INTERNO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE. PRECEDENTES DO STJ.

I - Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, 'O Ministério Público possui legitimidade para propor ação coletiva visando proteger o interesse, de todos os segurados que recebiam benefício de prestação continuada do INSS, pertinente ao pagamento dos benefícios sem a devida atualização, o que estaria causando prejuízo grave a todos os beneficiários. Sobre as atribuições dos integrantes do Ministério Público, cumpre asseverar que a norma legal abrange toda a amplitude de seus conceitos e interpretá-la com restrições seria contrariar os princípios institucionais que regem esse órgão.' (RESP 211019/SP, Relator Min. FELIX FISCHER).

II - Agravo interno desprovido." (AgRg no AgRg no AG 422.659/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 05/08/2002.)

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

É o voto.

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